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SNA: fármacos colinérgicos diretos Apresentação A acetilcolina é o neurotransmissor em todas as sinapses ganglionares do sistema simpático e parassimpático e nas sinapses neuroefetoras do sistema parassimpático. Nas sinapses neuroefetoras, a acetilcolina atua em receptores muscarínicos (assim denominados por serem estimulados pela muscarina). Nesta unidade de aprendizagem, vamos abordar os subtipos de receptores muscarínicos, os efeitos farmacológicos, efeitos adversos e contraindicações da acetilcolina e agonistas muscarínicos. Bons estudos. Ao final desta Unidade de Aprendizagem, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Identificar os subtipos de receptores muscarínicos nos diversos órgãos-alvo.• Caracterizar os efeitos farmacológicos e usos terapêuticos da acetilcolina e fármacos agonistas muscarínicos. • Relacionar os efeitos adversos e contraindicações da acetilcolina e fármacos agonistas muscarínicos. • Desafio Os agonistas muscarínicos, ou seja, os fármacos colinérgicos diretos, atuam diretamente nos receptores muscarínicos, mimetizando os efeitos endógenos da acetilcolina, o que é útil para determinados fins terapêuticos (ex. glaucoma, xerostomia). Por outro lado, devido a não seletividade de interação aos subtipos de receptores muscarínicos, os fármacos podem atuar simultaneamente em diversos sistema fisiológicos e acarretar efeitos adversos, contraindicações de uso clínico e uso terapêutico restrito. Considerando a importância farmacológica de medicamentos que atuam na neurotransmissão colinérgica: a) Descreva as características funcionais/fisiológicas e localização dos subtipos de receptores muscarínicos; b) Com relação às patologias do SNC decorrentes de alterações na transmissão colinérgica, descreva a fisiopatologia, bem como estratégias gerais de tratamento farmacológico da doença de Alzheimer e da Esquizofrenia. Infográfico Os agonistas do receptor do muscarínico colinérgico de ação direta são divididos em dois grupos, Acetilcolina (ACh) e os ésteres de colina sintéticos (ACh, metacolina, carbacol e betanecol) e os alcaloides colinomiméticos (pilocarpina, muscarina e areocolina). Veja no Infográfico a classificação dos fármacos colinérgicos diretos. Conteúdo do livro Alguns fármacos em uso clínico atuam como agonistas nos receptores muscarínicos e mimetizam as respostas colinérgicas endógenas como, por exemplo, bradicardia, aumento da motilidade do TGI, broncoconstrição, etc. Acompanhe um trecho da obra "As Bases Farmacológicas da Terapêutica de Goodman & Gilman". Este livro serve de base teórica para a unidade de aprendizagem e descreve aspectos dos efeitos relacionados aos fármacos colinérgicos. Boa leitura! LAURENCE L. BRUNTON BRUCE A. CHABNER ■ BJÖRN C. KNOLLMANN As Bases Farmacológicas da TERAPÊUTICA de 12ª EDIÇÃO Goodman Gilman & DVD COM BANCO DE IMAGENS Equipe de tradução Augusto Langeloh Beatriz Araújo do Rosário Carlos Henrique de Araújo Cosendey Denise Costa Rodrigues Maria Elisabete Costa Moreira Patricia Lydie Voeux Consultoria, supervisão e revisão técnica desta edição Almir Lourenço da Fonseca Diretor Científico do Dicionário de Especialidades Farmacêuticas (DEF) Diretor da Divisão de Saúde e Responsável Técnico da Policlínica José Paranhos Fontenelle, Secretaria Municipal de Saúde (RJ) B299 As bases farmacológicas da terapêutica de Goodman & Gilman [recurso eletrônico] / organizadores, Laurence L. Brunton, Bruce A. Chabner, Björn C. Knollmann ; [tradução: Augusto Langeloh ... et al. ; revisão técnica: Almir Lourenço da Fonseca]. – 12. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : AMGH, 2012. Editado também como livro impresso em 2012. ISBN 978-85-8055-117-4 1. Farmacologia. 2. Terapêutica. I. Brunton, Laurence L. II. Chabner, Bruce A. III. Knollmann, Björn C. CDU 615 Catalogação na publicação: Fernanda B. Handke dos Santos – CRB 10/2107 Agonistas e antagonistas dos receptores muscarínicos Joan Heller Brown e Nora Laiken 9 Capítulo ACETILCOLINA E SEU RECEPTOR MUSCARÍNICO ALVO No sistema nervoso periférico, os receptores muscaríni- cos da acetilcolina ocorrem principalmente nas células efetoras autônomas inervadas pelos nervos parassim- páticos pós-ganglionares. Os receptores muscarínicos também estão presentes nos gânglios autonômicos e em algumas células (p. ex., células endoteliais vasculares) que, paradoxalmente, recebem pouca ou nenhuma iner- vação colinérgica. No sistema nervoso central (SNC), o hipocampo, córtex e tálamo têm grandes quantidades de receptores muscarínicos. A acetilcolina (ACh) é o neurotransmissor natural para esses receptores e virtualmente não tem nenhuma aplicação terapêutica sistêmica, porque suas ações são difusas e sua hidrólise é rápida, catalisada pela acetilco- linesterase (AChE) e butirilcolinesterase plasmática. Os agonistas muscarínicos reproduzem os efeitos da ACh nesses locais. Em geral, esses agonistas são congêneres da ACh ou dos alcaloides naturais com ações mais lon- gas, alguns dos quais estimulam receptores nicotínicos, bem como os muscarínicos. Os mecanismos de ação da ACh endógena nas membranas pós-juncionais das células efetoras e dos neurônios, que representam diferentes tipos de sinapses colinérgicas, foram analisados no Capítulo 8. Recapi- tulando, essas sinapses estão presentes: (1) nas áreas efetoras autonômicas inervadas pelos nervos parassim- páticos pós-ganglionares (ou, no caso das glândulas sudoríparas, pelos nervos pós-ganglionares simpáti- cos); (2) nas células ganglionares simpáticas e paras- simpáticas e na medula suprarrenal, que é inervada por nervos autonômicos pré-ganglionares; (3) nas placas motoras terminais dos músculos esqueléticos, que são inervadas pelos nervos motores somáticos; e (4) em certas sinapses no SNC (Krnjevíc, 2004), onde a ACh pode ter ações pré ou pós-sinápticas. Quando a ACh é administrada sistemicamente, ela pode atuar em todos esses locais potencialmente; contudo, como com- posto de amônia quaternária, sua penetração no SNC é limitada e a quantidade de ACh que alcança áreas peri- féricas com baixo fl uxo sanguíneo é limitada devido a hidrólise pela butirilcolinesterase plasmática. As ações da ACh, e dos outros fármacos relacio- nados, nos locais efetores autônomicos são conhecidas como muscarínicas, com base na observação de que o alcaloide muscarina atua seletivamente nesses locais e produz os mesmos efeitos qualitativos da ACh. As ações muscarínicas ou parassimpaticominéticas dos fármacos considerados nesse capítulo são praticamente equivalen- tes aos efeitos parassimpaticominéticas da ACh relacio- nados na Tabe la 8-1. Os receptores muscarínicos estão presentes nos gânglios autonômicos e na medula suprar- renal com a função primeira de modular as ações nico- tínicas da ACh nestes locais (Capítulo 11). No SNC os receptores muscarínicos estão distribuídos amplamente e têm a função de mediar várias respostas importantes. As diferenças entre as ações da ACh e outros agonistas muscarínicos são basicamente quantitativas, com pouca seletividade por um sistema orgânico ou outro. Todas as ações da ACh e dos seus congêneres nos receptores mus- carínicos podem ser bloqueadas pela atropina. Propriedades e subtipos dos receptores muscarínicos Os receptores muscarínicos foram caracterizados ini- cialmente pela análise das respostas das células e dos sistemas orgânicos periféricos e do SNC. Por exemplo, os efeitos diferenciados de dois agonistas muscarínicos — betanecol e McN-A-343 —, no tônus do esfi ncter eso- fágico inferior levaram à designação inicial de recepto- res muscarínicos como M1 (ganglionares) e M2 (célula efetora) (Goyal e Rattan,1978). A clonagem dos cDNAs que codifi cam esses receptores muscarínicos identi- fi cou cinco produtos genéticos diferentes (Bonner e cols., 1987), que hoje são designados como receptores muscarínicos M1 a M5 (Capítulo 8). Todos os recepto- res muscarínicos conhecidos são receptores acoplados aproteína-G que, por sua vez, acopla a vários efetua- dores celulares (Capítulo 3). Embora a seletividade não seja absoluta, a estimulação dos receptores M1, M3 e 220 SEÇÃO II N EU ROFARM ACOLOGIA M5 causa hidrólise de polifosfoinositídeos e a mobili- zação de Ca2+ intracelular como consequência da ati- vação da via PLC-Gq (Capítulo 8), resultando em uma variedade de respostas mediadas por Ca2+. Em contraste, os receptores muscarínicos M2 e M4 inibem a adenilil- ciclase e regulam canais iônicos específi cos por meio da sua proteína G sensível à toxina pertussis, Gi e Go (Capítulo 3). O local de ligação da agonista endógena ACh, o local ortosté- rico (Neubig e cols., 2003) está altamente conservado entre os subti- pos de receptores muscarínicos (Hulme e cols., 2003). Por analogia com a posição do retinal no local ortostérico da estrutura receptora da rodopsina de mamíferos (Palczewski e cols., 2000), o local de ligação ortostérico da ACh está localizado provavelmente nas regi- ões extracelulares em uma fenda formada por várias das sete hélices transmembrana do receptor. Um ácido aspártico presente na porção N-terminal da terceira hélice transmembrana de todos os cinco sub- tipos de receptores muscarínicos parece formar uma ligação iônica com o nitrogênio quaternário catiônico na ACh e o nitrogênio ter- ciário ou quaternário dos antagonistas (Caulfi eld e Birdsall, 1998; Wess, 1996). Os cinco subtipos de receptores muscarínicos estão ampla- mente distribuídos no SNC e nos tecidos periféricos; a maioria das células expressa no mínimo dois subtipos (Abrams e cols., 2006; Wess, 1996; Wess e cols., 2007). Identifi car o papel de um subtipo específi co na mediação de uma resposta muscarínica em particular à ACh é difícil devido a falta de agonistas e antagonistas subtipo- específi cos. Mais recentemente, técnicas de alvejar genes são usadas para esclarecer a função de cada subtipo (Wess e cols., 2007). Essas técnicas permitiram a criação de camundongos mutantes com zero alelos para os genes de cada um dos subtipos de receptores mus- carínicos (Gomeza e cols., 1999; Hamilton e cols., 1997; Matsui e cols., 2000; Wess, 2004; Yamada e cols., 2001a, 2001b). Todos estes camundongos nocaute destituídos de receptores muscarínicos são viáveis e férteis. As alterações fenotípicas mínimas que acom- panham a anulação de um simples subtipo de receptor sugerem re- dundância funcional entre os subtipos de receptores nos diversos tecidos. Por exemplo, a abolição da broncoconstrição colinérgica, salivação, constrição pupilar e contração vesical em geral neces- sitam da anulação de mais de um subtipo simples de receptores. Os estudos em tais camundongos nocaute melhoraram a compre- ensão dos papeis fi siológicos dos subtipos de receptores muscarí- nicos individualmente (Wess e cols., 2007; Tabe la 8-3); vários dos resultados são consistentes com os resultados obtidos examinando a localização dos subtipos de receptores muscarínicos em tecidos hu- manos (Abrams e cols., 2006). Embora haja redundância funcional, os receptores M2 são o tipo predominante no controle colinérgico do coração, enquanto o receptor M3 é o subtipo predominante no controle colinérgico dos músculos lisos, glândulas secretoras e dos olhos. O receptor M1 tem papel importante na modulação da trans- missão colinérgica nicotínica em gânglios. Embora tenham sido identifi cados antagonistas que conse- guem discriminar entre vários subtipos de receptores muscarínicos, o desenvolvimento de agonistas e antagonistas seletivos, em geral, é difícil devido a alta conservação do local ortostérico entre os sub- tipos (Conn e cols., 2009b). Os receptores muscarínicos parecem possuir locais de ligação alostéricos topografi camente distintos com pelo menos um localizado na alça extracelular e no segmento mais externo de diferentes hélices transmembranas. Estes locais são menos conservados entre os subtipos de receptores do que os locais de ligação ortostéricos e assim oferecem o potencial para maior se- letividade (Birdsall e Lazareno, 2005; May e cols., 2007). Ligantes que se fi xam aos locais alostéricos são denominados de modulado- res alostéricos porque eles podem alterar a conformação do receptor para modular a afi nidade ou a efi cácia do ligante ortostérico. Tem sido feito progresso no desenvolvimento de moduladores alostéri- cos seletivos positivos (PAMs, na sigla em inglês) como candidatos importantes para fármacos com seletividade por subtipo de receptor muscarínico, especialmente no SNC (Conn e cols., 2009a, 2009b). Moduladores alostéricos seletivos negativos (NAMs) que atuam em locais alostéricos para diminuir a responsividade de um subtipo de receptor muscarínico específi co à ACh, também podem se tornar fármacos terapêuticos importantes no futuro. Em ambos os casos, os moduladores não ativam o receptor por si mesmos, mas podem potencializar (no caso dos PAMs) ou inibir (no caso dos NAMs) a ativação do receptor pela ACh em subtipos específi cos de recepto- res muscarínicos. Também foram identifi cados agonistas alostéri- cos que parecem mediar a ativação do receptor por meio de locais alostéricos distintos mesmo na ausência de um agonista ortostérico (Nawaratne e cols., 2008). Outro mecanismo potencial para obter seletividade é atribuído ao desenvolvimento de ligantes ortostéri- cos/alostéricos bitópicos e híbridos que interagem com ambos os locais ortostérico e alostérico, um mecanismo demonstrado recen- temente para explicar o efeito singular do agonista seletivo do M1, McN-A-343 (Valant e cols., 2008). Efeitos farmacológicos da acetilcolina (ACh) A infl uência da ACh e da inervação parassimpática nos vários órgãos e tecidos foi introduzida no Capítulo 8; aqui é apresentada uma descrição mais pormenorizada dos efeitos da ACh como fundamento para entender as bases fi siológicas para o uso terapêutico dos agonistas e antagonistas dos receptores muscarínicos. Sistema cardiovascular. A ACh tem quatro efeitos primários no sistema cardiovascular: vasodilatação• diminuição da fre quên cia car día ca (efeito cronotró-• pico negativo) diminuição da velocidade de condução no nodo atrio-• ventricular (AV) (efeito dromotrópico negativo) diminuição na força de contração car día ca (efeito ino-• trópico negativo) O último efeito tem menor signifi cado nos ventrí- culos do que nos átrios. Algumas das respostas referidas anteriormente podem ser obscurecidas pelos refl exos ba- rorreceptores e por outros refl exos que atenuam os efei- tos diretos da ACh. Embora a ACh raramente seja administrada por via sistêmica, suas ações car día cas são importantes porque os efeitos car día cos dos glicosídeos car día cos, dos antiar- rítmicos e muitos outros fármacos são, pelo menos em parte, devidos a alterações na estimulação parassimpática (vagal) do coração; além disso a estimulação aferente das CAPÍTU LO 9 AGON ISTAS E AN TAGON ISTAS DOS RECEPTORES M U SCARÍN ICOS 221vísceras durante a intervenção cirúrgica pode aumentar refl examente a estimulação vagal do coração. A injeção intravenosa de pequena dose de ACh pro- voca a queda transitória da pressão arterial decorrente da vasodilatação generalizada (mediada pelo NO endotelial vascular) que, em geral, é acompanhada de taquicardia refl exa. Doses signifi cativamente maio res são necessá- rias para ver efeitos diretos da ACh no coração como para provocar bradicardia ou bloqueio de condução AV. A vasodilatação generalizada produzida pela ACh exó- gena é decorrente da estimulação dos receptores musca- rínicos, primariamente do subtipo M3 (Khurana e cols., 2004; Lamping e cols., 2004) localizados nas células endoteliais vasculares apesar da aparente falta de inerva- ção colinérgica. A ocupação dos receptores por agonis- tas ativam a via G q-PLC-IP3 levando a ativação da NO sintetase endotelial dependente de calmodulina-Ca2+ e produção de NO (fator relaxante derivado do endotélio) (Moncada e Higgs, 1995), que difunde para as célulasmusculares lisas vasculares adjacentes e causa seu re- laxamento (Furchgott, 1999; Ignarro e cols., 1999) (Ca- pítulos 3 e 8). Se o endotélio está lesado, como ocorre sob várias condições fi siopatológicas, a ACh atua predo- minantemente em receptores M3 localizados nas células musculares lisas vasculares, causando vasoconstrição. Embora a ACh endógena não tenha um papel signifi cativo na regulação fi siológica do tônus vascular periférico, há evidên- cias que refl exos barorreceptores ou quimiorreceptores, ou pela estimulação direta do vago podem evocar vasodilatação coronária parassimpática mediada por ACh e a consequente produção de NO pelo endotélio (Feigl, 1998). Entretanto, nem o tônus vasodilatador parassimpático e nem o vasoconstritor simpático têm função signifi - cativa na regulação da circulação coronariana, em comparação com os efeitos da tensão de oxigênio local, ativação dos canais de KATP e os fatores metabólicos autorreguladores como a adenosina (Berne e Levy, 2001). A ACh afeta a função car día ca por mecanismos diretos e indi- retamente pela inibição da estimulação adrenérgica no coração. Os efeitos car día cos da ACh são mediados primariamente por recepto- res muscarínicos M2 (Stengel e cols., 2000) que se acoplam a Gi/Go. Os efeitos diretos incluem um aumento da corrente de K+ ativada por ACh (IK-ACh) devido a ativação dos canais K-ACh, a diminuição da corrente de Ca2+ do tipo L (ICa-I ) devido a inibição dos canais de Ca2+ do tipo L e a diminuição na corrente do marca-passo car día co (If) devido a inibição dos canais HCN (marca-passo) (DiFrancesco e Tromba, 1987). Os efeitos indiretos incluem a diminuição do AMPC mediada por Gi que se opõe e neutraliza o aumento do AMPC me- diado por β1 adrenérgico/GS e a inibição da liberação de NE dos ter- minais nervosos simpáticos. A inibição da liberação de NE é mediada por receptores M2 e M3 pré-sinápticos que são estimulados pela ACh liberada de terminais nervosos pós-ganglionares parassimpáticos ad- jacentes (Trendelenburg e cols., 2005). No coração do homem há, ainda, receptores M2 pré-sinápticos que inibem a liberação de ACh dos terminais nervosos pós-ganglionares parassimpáticos. No nodo AS, cada impulso car día co normal é iniciado pela despolarização espontânea das células marca-passo (Capítulo 29). Atingido um nível crítico — potencial limiar —, essa despolari- zação inicia um potencial de ação. A ACh diminui a fre quên cia car día ca primariamente diminuindo a velocidade de despolariza- ção diastólica espontânea (corrente do marca-passo); desse modo, o alcance do potencial limiar e os eventos subsequentes do ciclo car día co são retardados. Até recentemente era amplamente aceito que os efeitos colinérgicos muscarínicos e os β adrenérgicos na fre- quên cia car día ca resultavam da regulação da corrente (If) do marca- passo car día co. Achados inesperados feitos por eliminação genética de HCN4 e inibição farmacológica do If geraram uma teoria alter- nativa, apesar de controversa, envolvendo a função de marca-passo para um “relógio” de Ca2+ intracelular (Lakatta e DiFrancesco, 2009) que pode mediar os efeitos da ACh na fre quên cia car día ca (Lyashkov e cols., 2009). No átrio a ACh causa hiperpolarização e diminui a duração do potencial de ação aumentando IK-ACh. A ACh também inibe a formação de AMPC e a liberação de NE diminuindo a contratilidade atrial. A velocidade de condução do impulso não é afetada ou pode aumentar em resposta a ACh; o aumento provavelmente é devido a ativação de canais de Na+ adicionais em resposta a hiperpolarização causada pela ACh. Em contraste, no nodo AV (que tem potenciais de ação dependentes de canais de Ca2+; ver Capítulo 29), a ACh di- minui a condução e aumenta o perío do refratário inibindo o ICa-L; a redução da condução AV é responsável pelo bloqueio car día co com- pleto, que pode ser observado quando forem administradas grandes quantidades dos agonistas colinérgicos por via sistêmica. Com o au- mento do tônus parassimpático (vagal) como o produzido pelos gli- cosídeos digitálicos, o prolongamento do perío do refratário no nodo AV pode contribuir para a redução da fre quên cia de transmissão dos impulsos atriais aberrantes ao ventrículo e, desse modo, diminuir a fre quên cia ventricular durante o fl utter ou a fi brilação atrial. A inervação colinérgica (vagal) do sistema His-Purkinje e do miocárdio ventricular é esparsa (Kent e cols., 1974; Levy e Schwartz, 1994) e os efeitos da ACh são menores do que os obser- vados nos átrios e tecido nodal. Nos ventrículos, a ACh liberada por estimulação vagal ou aplicada diretamente produz um efeito inotró- pico negativo pequeno; esta inibição é mais evidente quando hou- ver estimulação adrenérgica ou tonus simpático subjacente (Brodde e Michel, 1999; Levy e Schwartz, 1994; Lewis e cols., 2001). A automaticidade das fi bras de Purkinje é suprimida e o limiar para fi brilação ventricular aumenta (Kent e Epstein, 1976). Trato respiratório. O sistema nervoso parassimpático tem importante papel na regulação do tônus broncomotor. O conjunto diverso de estímulos causa aumento refl exo na atividade parassimpática que contribui na broncoconstri- ção. Os efeitos da ACh no sistema respiratório incluem não só a bronconstrição, mas também o aumento das se- creções traqueobrônquicas e a estimulação dos quimior- receptores dos corpos carotídeos e aórticos. Estes efeitos são mediados primariamente pelos receptores muscaríni- cos M3 (Fisher e cols., 2004). Trato urinário. A inervação parassimpática sacral pro- move a contração do músculo detrusor, aumenta a pres- são miccional e o peristaltismo ureteral. Estas respostas são difíceis de observar com a administração de ACh porque a baixa perfusão dos órgãos viscerais e a hidró- lise rápida pela butirilcolinesterase plasmática limitam o acesso da ACh administrada sistemicamente aos recep- tores muscarínicos viscerais. O controle da contração da bexiga aparentemente é mediado por vários subtipos 222 SEÇÃO II N EU ROFARM ACOLOGIA de receptores muscarínicos. Os receptores do subtipo M2 parecem predominar na bexiga, enquanto estudos com antagonistas seletivos e camundongos nocaute para receptores M3 sugerem que este receptor, M3, interme- deia a contração do músculo detrusor (Matsui e cols., 2000). O receptor M2 pode inibir o relaxamento da be- xiga mediado pelo receptor β adrenérgico e pode estar envolvido nos estágios de enchimento diminuindo a in- continência (Chapple, 2000; Hedge e eglen, 1999). Trato GI. Embora a estimulação da atividade vagal no trato GI aumente o tônus, a amplitude das contrações e a ati- vidade secretora do estômago e intestino, essas respostas nem sempre são detectadas com a administração de ACh pelas mesmas razões que são difíceis de observar no trato urinário. Como no trato urinário, receptores muscarínicos do subtipo M2 são os prevalentes, mas os M3 parecem os responsáveis primários para mediar o controle colinér- gico da motilidade do TGI (Matsui e cols., 2002). Efeitos periféricos diversos. Além dos efeitos estimulantes já men- cionados nas secreções traqueobrônquicas e GI, a ACh estimula a secreção de todas as outras glândulas que recebem inervação paras- simpática ou simpática colinérgica, incluindo as lacrimais, nasofa- ríngeas, salivares e sudoríparas. Todos estes efeitos são mediados primariamente pelos receptores muscarínicos M3 (Caulfi eld e Bir- dsall, 1998); Os receptores M1 também contribuem signifi cativa- mente para a estimulação colinérgica da secreção salivar (Gautam e cols., 2004). Instilada nos olhos, a ACh produz miose por contração do músculo esfi ncter da pupila e acomodação da visão para perto por contração do músculo ciliar (Capítulo 64); os dois efeitos são mediados primariamente pelos receptores muscarínicos M3, mas outros subtipos podem contribuir para os efeitos oculares da esti- mulação colinérgica. Efeitos no SNC. Ainda que a ACh administrada sistemicamente tenha penetraçãolimitada no SNC, os agonistas muscarínicos que atravessam a barreira hematencefálica provocam excitação ou ati- vação cortical característica similar àquela produzida pela injeção de agentes anticolinesterásicos ou por estimulação elétrica da for- mação reticular do tronco cerebral. Os cinco subtipos de receptores muscarínicos são encontrados no cérebro (Volpicelli e Levey, 2004) e estudos recentes sugerem que vias reguladas pelos receptores muscarínicos podem ter um papel importante na função cognitiva, controle motor, regulação do apetite, nocicepção e outros processos (Wess e cols., 2007). AGONISTAS MUSCARÍNICOS Os agonistas dos receptores colinérgicos muscarínicos podem ser divididos em dois grupos: (1) os ésteres da colina incluindo ACh e vários ésteres sintéticos e (2) alcaloides colinomiméticos naturais (principalmente pi- locarpina, muscarina e arecolina) e seus congêneres sin- téticos. De várias centenas de derivados sintéticos da colina investigados, somente a metacolina, carbacol e betane- col (Figura 9-1) tiveram aplicação clínica. A metacolina (acetil-β-metilcolina), o análogo β-metil da ACh, é um éster sintético da colina que difere da ACh principalmente por sua ação mais longa e seletiva. Sua ação é mais longa porque o grupo metila aumenta sua resistência à hidró- lise pelas colinesterases. Sua seletividade se refl ete na prodominância das ações muscarínicas, manifestas mais claramente no sistema cardiovascular, com mínima ação nicotínica (Tabe la 9-1). O carbacol e seu análogo β-metil, o betanecol, são ésteres carbamoílicos não substituídos, quase totalmente resistentes à hidrólise pelas colinesterases; portanto suas meias-vidas são longas o sufi ciente para que sejam distri- buídos às regiões com fl uxo sanguíneo escasso. O carbacol conserva atividade nicotínica substancial, principalmente nos gânglios autônomos. O betanecol produz ações pre- dominantemente muscarínicas com efeitos proeminentes na motilidade do trato GI e da bexiga urinária. Os principais agonistas muscarínicos alcaloides na- turais — muscarina, pilocarpina e arecolina —, têm os mesmos locais de ação principais dos ésteres da colina. A muscarina atua quase exclusivamente nos receptores muscarínicos e a classifi cação destes receptores deriva da ação deste alcaloide. A pilocarpina tem ação predo- minantemente muscarínica, mas é um agonista parcial; Figura 9-1 Fórmulas estruturais da acetilcolina, dos ésteres de colina e dos alcaloides naturais que estimulam os receptores muscarínicos. ACETILCOLINA MUSCARINAPILOCARPINAARECOLINA METACOLINA CARBACOL BETANECOL CAPÍTU LO 9 AGON ISTAS E AN TAGON ISTAS DOS RECEPTORES M U SCARÍN ICOS 223 as glândulas sudoríparas são par ticular mente sensíveis a pilocarpina. A arecolina também atua nos receptores nicotínicos. Embora esses alcaloides naturais tenham grande utilidade como recursos farmacológicos e a mus- carina signifi cado toxicológico (discutido adiante), sua utilização clínica atual limita-se praticamente à adminis- tração da pilocarpina como agente sialogogo e miótico (Capítulo 64). História e fontes. O alcaloide muscarina foi isolado do cogumelo Amanita muscaria por Schmiedeberg em 1869; sua toxicologia será discutida adiante. A pilocarpina é o principal alcaloide obtido das folhas dos arbustos do gênero Pilocarpus sul-americanos. Embora há muito tempo os nativos soubessem que a mastigação das folhas das plantas do gênero Pilocarpus provocava salivação, as primeiras experiências foram realizadas aparentemente em 1874 pelo médico brasileiro Coutinho. Esse alcaloide foi isolado em 1875 e, pouco tempo depois, Weber descreveu as ações da pilocarpina nas pupi- las e glândulas sudoríparas e salivares. A arecolina é o principal alcaloide das nozes de areca ou betel, que são as sementes da Areca catechu. A noz avermelhada do betel é consumida como euforizante pelos nativos do subcontinente indiano e nas Índias Orientais em uma mistura mastigável conhecida como betel e composta da noz, o visgo das cascas e folhas de Piper betle, uma espécie de pimenta trepadeira. A metacolina foi sintetizada e estudada por Hunt e Ta- veau no início de 1911. O carbacol e o betanecol foram sintetizados e investigados na década de 1930. Absorção, distribuição e eliminação A absorção e distribuição destes fármacos podem ser previstas a partir das suas estruturas: a muscarina e os ésteres da colina são aminas quaternárias; a pilocarpina e a arecolina são aminas terciárias (Figura 9-1). Por serem aminas quaternárias, os ésteres da colina são pouco ab- sorvidos por administração oral e têm baixa capacidade de atravessar a barreira hematencefálica. Mesmo que re- sistam a hidrólise, os ésteres da colina são fármacos de ação breve devido à rápida eliminação pelos rins. A pilocarpina e a arecolina, sendo aminas terciárias, são facilmente absorvidas e podem atravessar a barreira hematencefálica. Em contraste à muscarina, amina qua- ternária, é pouco absorvida. A muscarina pode contudo ser tóxica, , quando ingerida e pode mesmo ter efeitos no SNC. Embora não tenham sido elucidadas vias me- tabólicas específi cas, a depuração da pilocarpina é retar- dada em pacientes com insufi ciência hepática, nos quais as doses devem ser reduzidas. Os alcaloides naturais são eliminados primariamente pelos rins; a excreção das aminas terciárias pode ser acelerada com a acidifi cação da urina. Usos terapêuticos dos agonistas de receptores muscarínicos Os agonistas muscarínicos são usados atualmente no tratamento de distúrbios da bexiga, na xerostomia e no diagnóstico de hiper-reatividade brônquica. Também são usados em oftalmologia como fármacos mióticos e para o tratamento de glaucoma. Há interesse crescente do papel dos receptores mus- carínicos na cognição. A utilidade potencial de agonistas M1 no tratamento de insufi ciência cognitiva associada com doen ça de Alzheimer é considerado a longo tempo. Outros subtipos de receptores, incluindo M2 e M5 também parecem envolvidos na regulação da função cognitiva, ao menos em modelos animais (Wess e cols., 2007). A difi culdade em desenvolver subtipos seletivos de agonis- tas dos receptores muscarínicos, associados à falta de efi cácia e aos efeitos adversos periféricos signifi cativos dos agonistas muscaríni- cos disponíveis, tem promovido a pesquisa de outras estratégias de ativar seletivamente subtipos de receptores muscarínicos, como os agonistas alostéricos e moduladores alostéricos positivos (MAPs) (Conn e cols., 2009b). Ativadores seletivos de subtipos muscarínicos podem ser úteis no tratamento de outros distúrbios do SNC, incluindo Tabe la 9-1 Algumas propriedades farmacológicas dos ésteres de colina e alcaloides naturais ATIVIDADE MUSCARÍNICA AGONISTA MUSCARÍNICO SUSCETIBILIDADE ÀS COLINESTERASES Cardio- vascular Gastrin- testinal Bexiga Olho (tópica) Antagonismo pela atropina ATIVIDADE NICOTÍNICA Acetilcolina +++ ++ ++ ++ + +++ ++ Metacolina + +++ ++ ++ + +++ + Carbacol – + +++ +++ ++ + +++ Betanecol – ± +++ +++ ++ +++ – Muscarinaa – ++ +++ +++ ++ +++ – Pilocarpina – + +++ +++ ++ +++ – aNão é usado em terapêutica. 224 SEÇÃO II N EU ROFARM ACOLOGIA esquizofrenia, dependência de drogas e como agentes analgésicos (Conn e cols., 2009b). Por exemplo, a xanomelina, agonista mus- carínico com alguma seletividade pelos subtipos M1 e M4, em de- senvolvimento clínico contra a doen ça de Alzheimer, tem um perfi l antipsicótico em modelos animais e efi cácia terapêutica em pacientes com esquizofrenia (Mirza e cols., 2003; Shekhar e cols., 2008). Acetilcolina. Embora raramente usada por via sistêmica, a ACh é usada por via tópica para indução de miose du- rante cirurgia oftálmica; é instilada no olho em solução a 1% (Capítulo 64). Metacolina. É administrada por inalação no diagnóstico de hiper-reatividade brônquica em pacientes que não têm asma clínica aparente (Crapo e cols., 2000). Ainda que os agonistas muscarínicos possam causar broncoconstriçãoe aumentar as secreções traqueobrônquiais, os pacientes asmáticos respondem com broncoconstrição intensa e redução na capacidade vital. Portanto as contraindica- ções ao teste com metacolina incluem limitação grave do fl uxo aéreo, infarto miocárdico ou acidente vascular encefálico recentes, hipertensão descontrolada ou ges- tação. A resposta a metacolina também pode ser exage- rada ou prolongada em pacientes que usam antagonistas β-adrenérgicos. Equipamento de ressucitação de emer- gência, oxigênio e medicação para tratar broncospasmo grave (p. ex., agonistas β2-adrenérgicos para inalação) devem estar disponíveis durante o teste. A metacolina está disponível como pó que deve ser diluído em solução de cloreto de sódio a 0,9% e administrada por um nebu- lizador. Betanecol. Atua primariamente nos tratos urinário e GI. No trato urinário o betanecol é útil no tratamento da retenção urinária e no esvaziamento inadequado da bexiga quando não há obstrução orgânica, como na retenção urinária pós- cirúrgica, neuropatia autonômica diabética e certos casos de hipotonia vesical miogênica ou neurogênica crônica (Wein, 1991). Quando usada de modo crônico, 10-50 mg são dados por via oral, 3 ou 4 vezes/dia, em um indivíduo com estômago vazio (i.e., 1 h antes ou 2 h após as refei- ções) para minimizar náuseas e êmese. No Trato GI o betanecol estimula o peristaltismo, aumenta a motilidade e a pressão de repouso do esfi ncter esofágico inferior. Anteriormente o betanecol foi usado no tratamento da distensão abdominal pós-cirúrgica, atonia gástrica, gastroparesia, íleo adinâmico e refl uxo gastresofágico; atual mente estão disponíveis tratamentos mais efi cazes para estes distúrbios (Capítulos 45 e 46). Carbacol. É usado por via tópica em oftalmologia no tratamento do glaucoma e na indução de miose durante cirurgia; é instilado no olho em solução a 0,01-3% (Ca- pítulo 64). Pilocarpina. É usada no tratamento da xerostomia, que se desenvolve depois de radioterapia da cabeça e do pescoço, ou que está associada à síndrome de Sjögren (Porter e cols., 2004; Wiseman e Faulds, 1995), um dis- túrbio autoimune que acomete principalmente as mu- lheres, que apresentam redução da secreção glandular, principalmente salivar e lacrimal (Anaya e Talal, 1999). Contanto que o parênquima das glândulas salivares con- serve alguma função residual, o tratamento com esse fármaco pode aumentar a secreção salivar, facilitar a de- glutição e produzir melhora subjetiva da hidratação da cavidade oral. Os efeitos adversos são típicos da estimu- lação colinérgica e a sudorese é a queixa mais comum. A dose usual é 5-10 mg 3 vezes/dia e deve ser reduzida em pacientes com insufi ciência hepática. A pilocarpina é usada por via tópica em oftalmo- logia no tratamento do glaucoma e como miótico; é instilada no olho em solução a 0,5-6% ou pode ser admi- nistrada via inserto ocular (Capítulo 64). Cevimelina. É um derivado quinuclidina da ACh. Como agonista muscarínico tem alta afi nidade pelos receptores M3 nos epitélios das glândulas lacrimais e salivares. A cevimelina tem longa ação sialagoga e pode ter menos efeitos adversos que a pilocarpina (Anaya e Talal, 1999). A cevimelina também aumenta a secreção lacrimal na síndrome de Sjögren (Ono e cols., 2004). A dose usual é 30 mg 3 vezes/dia. Contraindicações, precauções e efeitos adversos A maioria das contraindicações, precauções e efeitos adversos é consequência previsível da estimulação dos receptores muscarí- nicos. Assim, contraindicações importantes ao uso dos agonistas muscarínicos incluem asma crônica, doen ça pulmonar obstrutiva, obstrução urinária ou do Trato GI, doen ça ácido-péptica, doen ça cardiovascular acompanhada de bradicardia, hipotensão e hiperti- reoidismo (os agonistas muscarínicos podem precipitar fi brilação atrial em pacientes hipertireóideos). Os efeitos adversos comuns incluem diaforese, diarreia, cólicas intestinais, náuseas/vômitos e outros efeitos adversos GI; a sensação de aperto na bexiga; di- fi culdade de acomodação vi sual e hipotensão que pode diminuir acen tua damente o fl uxo sanguíneo coronário, especialmente se já está comprometido. Estas contraindicações e efeitos adversos em geral têm pouca importância na administração tópica para uso of- tálmico. Toxicologia As intoxicações causadas pela ingestão de plantas contendo pilo- carpina, muscarina ou arecolina caracterizam-se principalmente pela exacerbação dos seus vários efeitos parassimpaticomiméticos e assemelham-se ao quadro produzido pelo consumo de cogumelos do gênero Inocybe (descrito na próxima seção). O tratamento con- siste na administração parenteral de atropina em doses sufi cientes para atravessar a barreira hematencefálica, medidas de suporte das funções respiratória e cardiovascular e intervenções para reverter o edema pulmonar. Intoxicação por cogumelos (micetismo). Essa intoxicação é co- nhecida há séculos. Há relatos de que o poeta grego Eurípides (século V a.C.) perdeu esposa e três fi lhos por essa razão. Nos últimos anos, o número de casos de intoxicação por cogumelos tem aumentado CAPÍTU LO 9 AGON ISTAS E AN TAGON ISTAS DOS RECEPTORES M U SCARÍN ICOS 225como consequência da popularidade atual do consumo de cogumelos silvestres. Várias espécies de cogumelos contêm muitas toxinas e es- pécies do mesmo gênero podem conter diferentes toxinas. Embora a muscarina tenha sido isolada da Amanita muscaria, o teor desse alcaloide é tão pequeno (cerca de 0,003%) que ele não pode ser responsável pelos efeitos tóxicos principais. Concentrações muito mais altas estão presentes em várias espécies de cogumelos Inocybe e Clitocybe. Os sinais e sintomas da intoxicação atribuível à muscarina começam 30-60 min após a ingestão e incluem saliva- ção, lacrimejamento, náuseas e vômitos, cefaleia, distúrbios visuais, cólicas abdominais, diarreia, broncospasmo, bradicardia, hipotensão e choque. O tratamento com atropina (1-2 mg IM a cada 30 min) blo- queia efi cazmente esses efeitos (Goldfrank, 1998; Köppel, 1993). A intoxicação produzida pela A. muscaria e outras espécies relacionadas do gênero Amanita é atribuível às propriedades neu- rológicas e alucinógenas do muscinol, ácido ibotênico e outros derivados isoxazóis. Essas substâncias estimulam os receptores de aminoácidos excitatórios e inibitórios. Os sinais e sintomas podem ser irritabilidade, agitação, ataxia, alucinações e delírio, ou sonolên- cia e sedação. O tratamento consiste basicamente em medidas de apoio; os benzodiazepínicos estão indicados quando houver predo- mínio da excitação, a atropina em geral agrava o delírio. Os cogumelos das espécies Psilocybe e Panaeolus contêm psilocibina e derivados relacionados da triptamina. Causam também alucinações prolongadas. As espécies Gyromitra (erva-moura falsa) causam distúrbios GI e hepatoxicidade tardia. A substância tóxica (acetaldeído-metilformilidrazona) é convertida em hidrazinas reati- vas no corpo. Embora existam relatos de casos fatais causados por insufi ciências hepática e renal, eles são muito menos comuns do que os atribuídos aos cogumelos que contêm amatoxina. A forma mais grave de micetismo é produzida pelo Ama- nita phalloides, outras espécies Amanita, Galerina e Lepiota (Gol- dfrank, 2006). Essas espécies são responsáveis por mais de 90% dos casos fatais. A ingestão de apenas 50 g do A. phalloides (capuz mortal) pode ser fatal. As principais toxinas são amatoxinas (α e β-amanitina), um grupo de octapeptídeos cíclicos que inibem a RNA polimerase II, bloqueando assim a síntese do mRNA. Isso provoca morte celular, que se evidencia principalmente na mucosa GI, no fígado e rim. Os sinais e sintomas iniciais, que geralmente passam despercebidos ou, quando presentes, são causados por outras toxi- nas, incluem diarreia e cólicas abdominais. O intervalo assintomá- tico que se estende por até 24 h é seguido de disfunções hepática e renal. A morte ocorre 4-7 dias depois e é causada por essas dis- funções(Goldfrank, 2006). O tratamento consiste basicamente em medidas de suporte; penicilina, ácido tióctico e silibina podem ser antídotos efi cazes, mas as evidências baseiam-se na maior parte em estudos informais (Köppel, 1993). Como nas intoxicações a gravidade dos efeitos tóxicos e as intervenções terapêuticas dependem da espécie ingerida, deve-se tentar identifi car o cogumelo. As manifestações clínicas geralmente são tardias, o que limita a utilidade da lavagem gástrica e a adminis- tração de carvão ativado. Nos EUA, os centros regionais de controle das intoxicações mantêm informações atualizadas sobre a incidência dos envenenamentos por região e os procedimentos terapêuticos. ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES MUSCARÍNICOS Os antagonistas dos receptores muscarínicos incluem: 1) os alcaloides naturais atropina e escopolamina; 2) derivados semissintéticos desses alcaloides, que diferem basicamente dos compostos originais por sua disposição no organismo ou pela duração da ação; e 3) derivados sintéticos, entre os quais alguns mostram seletividade por subtipos dos receptores muscarínicos. Entre as duas últimas categorias, os fármacos dignos de nota são a homatropina e a tropicamida, que têm ações menos duradouras do que a atropina e a metescopolamina, o ipratrópio e o tiotrópio, que são compostos quaternários e não atravessam a barreira hematencefálica ou atraves- sam facilmente outras membranas. Os derivados sintéti- cos que têm alguma seletividade por receptores incluem a pirenzepina, com seletividade pelos receptores M1 e darifenacina e solifenacina com seletividade pelos re- ceptores M3. Os antagonistas muscarínicos evitam os efeitos da ACh por meio do bloqueio da sua ligação aos receptores muscarínicos nas células neuroefetoras em junções pa- rassimpáticas (e simpáticas colinérgicas), nos gânglios periféricos; e no SNC. Em geral, os antagonistas mus- carínicos causam pouco bloqueio nos receptores nicotí- nicos. Entretanto, os compostos de amônio quaternário em geral mostram graus mais acentuados de atividade bloqueadora nicotínica e, por isso, tendem a interferir mais com a transmissão ganglionar ou neuromuscular. Ainda que vários efeitos dos antagonistas muscarí- nicos possam ser previstos pelo entendimento das respos- tas fi siológicas mediadas pelos receptores muscarínicos nas junções neuroefetoras parassimpáticas (e simpáticas colinérgicas), às vezes são obtidas respostas paradoxais. Por exemplo, receptores muscarínicos pré-sinápticos de vários subtipos estão presentes nos terminais de nervos parassimpáticos pós-ganglionares. Como o bloqueio dos receptores pré-sinápticos em geral aumenta a liberação do neurotransmissor, assim o efeito pré-sináptico dos an- tagonistas muscarínicos pode neutralizar seu bloqueio do receptor pós-sináptico. O bloqueio dos receptores musca- rínicos moduladores nos gânglios periféricos representa um mecanismo adicional de respostas paradoxais. Importante consideração no uso terapêutico de antagonistas muscarínicos é o fato que as funções fi - siológicas dos diferentes órgãos variam quanto à sua sensibilidade ao bloqueio dos receptores muscarínicos (Tabe la 9-2). Doses pequenas de atropina reduzem as se- creções salivares e brônquicas e a sudorese. Com doses mais altas, as pupilas dilatam, a acomodação do cris- talino à visão de perto fi ca inibida e os efeitos vagais no coração são bloqueados, resultando em aumento da fre quên cia car día ca. As doses mais altas antagonizam o controle parassimpático da bexiga e do Trato GI, ini- bindo a micção e reduzindo o tônus e a motilidade intes- tinais. Doses ainda maio res são necessárias para inibir a motilidade gástrica e principalmente a secreção do estô- mago. Por essa razão, as doses de atropina e da maioria dos antagonistas muscarínicos que deprimem a secre- ção gástrica quase sempre também afetam a secreção Dica do professor Veja no vídeo os subtipos de receptores muscarínicos, os efeitos farmacológicos, efeitos adversos e contraindicações da acetilcolina e agonistas muscarínicos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://fast.player.liquidplatform.com/pApiv2/embed/cee29914fad5b594d8f5918df1e801fd/557874e67fdcd70c7655f447161ba4b8 Exercícios 1) Uma paciente de 62 anos de idade tem glaucoma de ângulo aberto. Ela inadvertidamente aplica pilocarpina nos olhos em excesso. Isso pode resultar em qual das seguintes alternativas? A) a) Dilatação do músculo liso brônquico. B) b) Redução da motilidade gastrintestinal. C) c) Dilatação dos vasos sanguíneos e queda da pressão arterial. D) d) Midríase. E) e) Constrição dos vasos sanguíneos e aumento da pressão arterial. 2) O fármaco colinérgico de primeira escolha para o tratamento da xerostomia (salivação escassa) desencadeada pela irradiação na cabeça e pescoço é: A) a) Fisostigmina. B) b) Escopolamina. C) c) Carbacol. D) d) Acetilcolina. E) e) Pilocarpina. 3) Com relação ao mecanismo de ação dos agonistas colinérgicos muscarínicos é correto afirmar: A) a) Ativam proteínas G inibitórias (Gi). B) b) Diminuem a produção de IP3. C) c) Diminuem a liberação de cálcio intracelular. D) d) Inibem a atividade de fosfolipase C. E) e) Diminuam as proteínas G inibitórias (GI). 4) Ésteres de colina, como carbacol, são mais propensos a causar qual dos seguintes efeitos adversos? A) a) Anidrose (pele seca). B) b) Delirium. C) c) Salivação. D) d) Taquicardia (frequência cardíaca rápida). E) e) Broncodilatação. 5) Um paciente com ataque agudo de glaucoma é tratado com pilocarpina. Qual o mecanismo responsável pela eficácia clínica da pilocarpina nessa condição? A) a) Encerrar a atividade da acetilcolinesterase. B) b) Seletividade pelos receptores nicotínicos. C) c) Habilidade de inibir secreções, como lacrimal, salivar e suor. D) d) Habilidade de reduzir a pressão intraocular. E) e) Habilidade em aumentar a pressão intraocular. Na prática As intoxicações por cogumelos são geralmente agudas e manifestam-se por uma variedade de sintomas e prognósticos, dependendo da quantidade e espécie consumida. Embora a muscarina tenha sido isolada da Amanita muscaria, o teor mais alto desse alcaloide é encontrado em várias espécies de cogumelos Inocybe e Clytocibes que são responsáveis pelos principais efeitos tóxicos causados pela ingestão de cogumelos. A intoxicação muscarínica causada por cogumelos que causam problemas neurológicos pode ser classificada com base no tipo de sintomas produzidos e substância responsável: Saiba + Para ampliar o seu conhecimento a respeito desse assunto, veja abaixo as sugestões do professor: Agonistas muscarínicos - introdução. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Agonistas muscarínicos - ação terapêutica. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. Manual das doenças transmitidas por alimentos. Aponte a câmera para o código e acesse o link do conteúdo ou clique no código para acessar. https://www.youtube.com/watch?v=HPWjh8QtwHM https://www.youtube.com/watch?v=nn73zoRu4m4 ftp://ftp.cve.saude.sp.gov.br/doc_tec/hidrica/cogumelos.pdf
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