Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIDADE 2 – FARMACODINÂMICA E FÁRMACOS AUTÔNOMICOS Todavia, tais interações não estão restritas à associação de fármacos: elas podem ainda ocorrer entre fármacos convencionais e medicamentos fitoterápicos, popularmente conhecidos como “ervas medicinais”, drogas de abuso (incluindo álcool e fumo), alimentos e solventes. Algumas interações com fitoterápicos já estão bem descritas, como aquela entre a carbamazepina e a erva-de-são-joão, que promove o aumento do metabolismo da carbamazepina. No entanto, quando comparados aos medicamentos convencionais, os fitoterápicos são menos estudados e, dessa forma, sabe-se menos sobre suas possíveis interações. Embora a possibilidade da ocorrência de uma interação farmacológica possa ser prevista, nem sempre ela resultará em um efeito adverso, posto que ambas dependem de fatores específicos relacionados tanto ao paciente quanto ao fármaco. Assim, em relação ao paciente, tem-se fatores genéticos, sexo, idade, dieta e doenças. Já dentre os fatores específicos do fármaco, tem-se dose, formulação, via e regime de administração. Dessa forma, a resposta esperada a determinado tratamento farmacológico pode ser alterada por diversos fatores. Dentre eles, tem-se a administração simultânea de outros fármacos, o que pode ser muito comum, principalmente para a população idosa, que geralmente necessita de tratamento para mais de uma comorbidade. Interações Farmacocinéticas Dentre as interações farmacológicas, as interações farmacocinéticas são as mais frequentes, podendo ocorrer desde o processo de absorção até a excreção do fármaco. Assim, a absorção de fármacos no trato gastrointestinal (TGI) pode ser afetada pelo uso simultâneo de outros fármacos que possuem as seguintes características: 1. Grande área de absorção no organismo; 2. Capacidade de sofrer ligação ou quelação; 3. Alteração do pH do estômago; 4. Alteração da motilidade intestinal; 5. Capacidade de afetar proteínas de transporte (como Glicoproteína P e transportadores de ânions orgânicos). As interações farmacológicas podem ocorrer por diferentes mecanismos, classificados em: farmacocinéticos, farmacodinâmicos e interações combinadas. No entanto, pode-se afirmar que algumas interações farmacológicas são resultado de dois ou mais mecanismos. A redução na extensão da absorção de um fármaco tem efeitos clínicos mais significativos do que a redução na taxa de absorção apenas, e pode resultar em concentrações subterapêuticas do fármaco na corrente sanguínea. Alguns exemplos de fármacos que retardam a absorção no TGI de outros incluem a atropina e os opioides, posto que os mesmos inibem o esvaziamento gástrico. Por outro lado, a metoclopramida promove o esvaziamento gástrico, acelerando a absorção gastrointestinal de outros fármacos administrados simultaneamente. Outro exemplo é a adição de epinefrina a injeções de anestésicos locais, o que resulta em uma vasoconstrição que retarda a absorção, prolongando o efeito anestésico local. A distribuição de fármacos pode ser afetada por interações farmacológicas que promovem competição pelo sítio de ligação às proteínas plasmáticas, deslocamento desses sítios nos tecidos e alterações nas barreiras celulares, como a inibição da glicoproteína P na barreira hematencefálica. De acordo com Katzung e Trevor (2017), a importância clínica do deslocamento da ligação às proteínas foi por muito tempo supervalorizada, sendo que as evidências atuais sugerem que essas interações provavelmente não resultam em efeitos adversos, visto que o aumento da concentração sanguínea do fármaco deslocado é transitório. Assim, alguns exemplos de fármacos ligados a proteínas, administrados em doses suficientes para atuar como agente de deslocamento, incluem muitas sulfonamidas e o hidrato de cloral. EXEMPLIFICANDO Um fármaco A pode interagir de modo físico ou químico com o fármaco B no intestino e inibir sua absorção intestinal. Por exemplo: complexos insolúveis podem ser formados pelos íons Ca2+ ou Fe2+ com o antibiótico tetraciclina, resultando em uma redução de sua absorção e na eficácia do cálcio/ferro. A colestiramina, um fármaco que atua se ligando ao ácido biliar, pode se ligar a outros diversos fármacos (como varfarina e digoxina) inibindo a sua absorção, se administrada concomitantemente. O metabolismo dos fármacos pode ser induzido ou inibido por farmacoterapia concomitante, podendo resultar em efeitos significativos para o tratamento. Assim, alguns fármacos, como barbitúricos, carbamazepina, efavirenz, fenitoína e rifampicina, podem agir induzindo as enzimas do citocromo P450, enquanto outros, como omeprazol, verapamil, fluconazol e fluoxetina, atuam como inibidores enzimáticos. Os efeitos máximos decorrentes de uma indução enzimática geralmente surgem com 7 a 10 dias de tratamento, sendo necessário o mesmo tempo, no mínimo, para retornar à normalidade após a interrupção do fármaco. Uma exceção é a rifampicina, visto que são necessárias poucas doses desse fármaco para produzir indução enzimática. Quanto à inibição do metabolismo, os efeitos são observados mais rapidamente, podendo ser notados tão logo o inibidor atinja uma concentração tecidual suficiente. A excreção renal de fármacos pode ser afetada por interações farmacológicas que promovem a inibição de transportadores envolvidos na secreção ativa de alguns fármacos nos túbulos renais, considerados uma importante via de eliminação. Assim, alguns fármacos inibem a glicoproteína P, transportadores de ânions orgânicos e transportadores de cátions orgânicos, aumentando a concentração sérica do outro fármaco. Alguns exemplos de inibidores da glicoproteína P são: amiodarona, claritromicina, eritromicina, cetoconazol, ritonavir e quinidina. Outra forma de interação farmacológica no processo de excreção ocorre para fármacos que são ácidos fracos ou bases fracas, podendo a sua excreção ser influenciada por aqueles que afetem o pH da urina. Interações Farmacodinâmicas Para isso é de extrema importância o conhecimento do modo que os fármacos envolvidos agem no organismo. Dois destes com efeitos farmacológicos semelhantes, que atuem ou não no mesmo receptor, ao serem administrados simultaneamente geralmente promovem uma resposta aditiva ou sinérgica. Um exemplo são os benzodiazepínicos e barbitúricos, os quais atuam no mesmo receptor e produzem efeito aditivo. Já nitratos e sildenafila, assim como sulfonamidas e trimetoprima, atuam em receptores ou processos sequenciais diferentes, produzindo efeitos sinérgicos. Em contrapartida, fármacos que promovem efeitos farmacológicos contrários podem diminuir a resposta do outro ou de ambos. Como exemplo, tem-se os antagonistas de receptores β- adrenérgicos que diminuem a eficácia dos agonistas de receptores β-adrenérgicos, como o salbutamol. Outros exemplos de interações farmacodinâmicas, conforme discorrem Rang et al. (2016), são: De acordo com Golan et al. (2009, n.p.) “[...] surgem interações farmacodinâmicas quando um fármaco modifica a resposta dos tecidos-alvo ou não-alvo a outro fármaco”. As interações farmacodinâmicas são comuns na prática clínica, e, embora possam ocorrer por diferentes tipos de mecanismos, os efeitos colaterais podem ser diminuídos caso sejam tomadas medidas antecipadas. Muitos diuréticos, por diminuírem a concentração plasmática de K+, predispõem toxicidade com digoxina e fármacos antiarrítmicos do tipo III; Interações Combinadas Quando há o uso combinado de dois ou mais fármacos, apresentando efeitos tóxicos individuais sobre o mesmo órgão, tem-se uma toxicidade combinada que pode levar a uma lesão orgânica. Como exemplo, tem-se a administração simultânea de dois fármacos que causam nefrotoxicidade e que leva a uma alta probabilidade de desenvolver uma lesão renal, ainda que a dose individualadministrada não seja suficiente para promover esse efeito tóxico. Ademais, alguns fármacos aumentam a toxicidade de outros, mesmo que esses não apresentem efeito tóxico intrínseco sobre o órgão/tecido. Os fármacos podem interagir com os nutrientes de formas distintas: O alimento pode elevar a concentração plasmática do fármaco, tornando-o tóxico para o organismo ou então ele pode diminuir a concentração plasmática do medicamento tornando o tratamento ineficiente. Por exemplo, alimentos ricos em fibras que reduzem a absorção da Digoxina pelo organismo, por isso o recomendado que este medicamento seja ingerido uma hora antes ou duas horas após as refeições. Os inibidores da monoamino oxidase (IMAO) interagem de forma perigosa com alguns fármacos, como a efedrina ou a tiramina, promovendo a liberação de norepinefrina armazenada. Isso pode ocorrer também quando há a ingestão de alimentos ricos em tiramina, como os queijos fermentados; A varfarina compete com a vitamina K, impedindo a síntese de vários fatores de coagulação no fígado. Caso a produção de vitamina K no intestino seja inibida (como por antibióticos), a ação anticoagulante da varfarina é aumentada; O risco de sangramento, principalmente do estômago, causado pela varfarina é aumentado pelo ácido acetilsalicílico, o qual inibe a biossíntese do tromboxano A2 plaquetário e pode danificar o estômago; Os anti-inflamatórios não esteroidais (AINEs), como ibuprofeno e indometacina, inibem a biossíntese de prostaglandinas e, quando administrados a pacientes que utilizam anti- hipertensivos, aumentam a pressão sanguínea. Os AINEs também causam descompensação cardíaca em pacientes tratados com diuréticos para insuficiência cardíaca crônica; A sonolência causada pelo uso de antagonistas do receptor H1 de histamina, como a prometazina, é potencializada quando esses fármacos são ingeridos concomitantemente com álcool. Já no segundo caso, o uso crônico de certos fármacos pode interferir na concentração de nutrientes importantes para o funcionamento do organismo e essa situação pode dar origem a outras doenças que precisarão ser tratadas com novos medicamentos. Tudo isso aumenta as chances de toxicidade gerada pelo uso de politerapia. Os corticosteroides são utilizados no tratamento de condições inflamatórias, porém eles diminuem a absorção de cálcio sérico, o que pode levar a osteoporose. Além disso, esses medicamentos são responsáveis pela perda de outros nutrientes como magnésio, o zinco, o ácido fólico e as vitaminas A, B, C e D. Nem sempre as interações fármaco alimento é prejudicial para o paciente, pois existem casos em que ela pode aumentar a eficácia do tratamento sem provocar nenhum tipo de efeito adverso. Exemplo disso é o uso de antidiabéticos e taurina, que causa uma melhora dos níveis glicêmicos. Ou então a prescrição de anti-inflamatórios não esteroidais com altas doses de vitamina C para que haja um efeito protetor do tecido gástrico. Farmacodinâmica I - Modo de ação dos fármacos A farmacodinâmica descreve os efeitos bioquímicos e fisiológicos dos fármacos, bem como dos seus mecanismos de ação. Dessa forma, as ações de grande parte dos fármacos se devem à sua interação com as macromoléculas do organismo, especialmente os receptores. Vale ressaltar que o receptor é o alvo farmacológico no qual o fármaco interage a fim de produzir uma resposta celular. Eles geralmente encontram-se nas superfícies das células, mas também podem ser encontrados em compartimentos intracelulares, como o núcleo. De modo geral, os fármacos agem alterando a velocidade ou amplitude de uma resposta celular do próprio organismo, em vez de desencadear reações que outrora não ocorriam. Muitos fármacos podem também interagir com aceptores, que são componentes do organismo (como proteínas plasmáticas), sem produzir uma resposta bioquímica ou fisiológica, mas resultando em uma alteração da farmacocinética do fármaco (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Receptores Fisiológicos Os receptores fisiológicos são proteínas que normalmente agem como receptores para substâncias reguladoras endógenas. No entanto, os fármacos podem se ligar a esses receptores e produzir uma resposta semelhante às substâncias endógenas. Para esses fármacos, dá-se a denominação de agonistas. Um agonista é considerado primário quando ligado ao mesmo sítio de reconhecimento que o agonista endógeno. Porém, quando essa ligação é em um sítio diferente do receptor, alostérico ou alotópico, ele é considerado um agonista alostérico ou alotópico. Alguns fármacos podem mostrar apenas uma eficácia parcial quando ligados ao sítio ativo do receptor, independentemente da concentração utilizada, sendo conhecidos como agonistas parciais. No entanto, certos receptores podem exibir uma atividade típica mesmo com a ausência de uma substância reguladora, sendo que essa conformação inativa do receptor pode ser estabilizada por fármacos, considerados agonistas inversos. A Figura 1 mostra algumas curvas de dose-resposta para diferentes agonistas do receptor muscarínico de acetilcolina (ACh) e é possível observar que as curvas de dose-resposta dos agonistas parciais (heptila e octila) formam um platô em valores abaixo dos agonistas integrais (butila e hexila). O derivado butila do trimetilamônio produz uma resposta máxima e é o mais eficaz dentre eles, sendo considerado um agonista integral ou pleno, assim como o derivado hexila, apesar de apresentarem potências diferentes. Já os derivados heptila e octila produzem uma resposta parcial, configurando-se como agonistas parciais desse receptor. Figura 1. Curvas de dose-resposta de agonistas integrais e parciais. Fonte: GOLAN, D. E. et al., 2009, p. 24. Por outro lado, o fármaco pode ligar-se aos receptores fisiológicos e bloquear ou reduzir a ação de um agonista, sendo denominado de antagonista. O antagonismo é decorrente, na maioria dos casos, da competição com um agonista pelo mesmo sítio de ligação do receptor; em outras vezes, decorre da combinação com o agonista, resultando em um antagonismo químico; ou ainda pela inibição indireta dos efeitos celulares ou fisiológicos do agonista (antagonismo funcional). Dessa forma, os agonistas parciais e inversos, na presença de um agonista pleno, comportam-se como antagonistas competitivos. No Quadro 1, é possível ver um resumo da ação dos agonistas e antagonistas. Quadro 1. Ação dos agonistas e antagonistas. Fonte: GOLAN, D. E. et al., 2009, p. 27. (Adaptado). Um antagonista competitivo liga-se de forma reversível ao sítio do receptor, porém, ao contrário do agonista, não estabiliza a conformação necessária para a ativação do receptor e ainda bloqueia a ligação do agonista ao seu receptor. Um antagonista não-competitivo pode-se ligar tanto ao sítio ativo quanto a um sítio alostérico de um receptor. No entanto, quando ligado ao sítio ativo, sua ligação geralmente é irreversível, impedindo que o agonista se ligue mesmo em altas concentrações. Como essa ligação não pode ser modificada, esse tipo de antagonismo é não-competitivo. Já o antagonista alostérico atua impedindo a ativação do receptor, mesmo quando o agonista está ligado ao sítio ativo. Dessa maneira, a ligação do antagonista alostérico no receptor pode ser reversível ou não, mas, quando ligado de forma irreversível, seu o efeito não diminui, mesmo após a eliminação do fármaco livre (não-ligado) do organismo, resultando em uma resposta máxima reduzida do agonista. Na Figura 2 é possível observar a diferença entre antagonistas competitivos e não- competitivos, sendo que os primeiros reduzem a potência (concentração do agonista que produz metade da resposta máxima), ao passo que os segundos diminuem a eficácia (resposta máxima a um agonista). Essa diferença pode ser explicada pelo fato de um antagonista competitivo competir constantementepor sua ligação, diminuindo de modo efetivo a afinidade do receptor pelo seu agonista sem diminuir o número de receptores disponíveis. Por outro lado, um antagonista não-competitivo diminui o número de receptores disponíveis para ligação do agonista. Figura 2. Efeitos dos antagonistas competitivos e não-competitivos sobre a relação de dose agonista-resposta. A) Um antagonista competitivo diminui a potência de um agonista, sem afetar a sua eficácia. B) Um antagonista não- competitivo reduz a eficácia de um agonista. Fonte: GOLAN et al., 2009, p. 23. Especificidade das respostas aos fármacos A afinidade de um fármaco por seu receptor pode ser medida pela força da interação reversível entre eles. Essa afinidade e sua atividade intrínseca podem ser determinadas pela estrutura química da molécula do fármaco, a qual também contribui para a sua especificidade farmacológica. Então, se um determinado fármaco interagir especificamente com um único tipo de receptor expresso em um número reduzido de células diferenciadas, ele será altamente específico. Do contrário, se interagir com um tipo de receptor expresso em todo o organismo, produzirá efeitos generalizados (HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015). Muitos dos fármacos utilizados clinicamente apresentam ampla especificidade por interagirem com diversos receptores espalhados em diferentes tecidos. Embora essa ampla especificidade possa aparentar ser altamente benéfica, por aumentar as indicações clínicas do fármaco, ela pode contribuir para o surgimento de vários efeitos adversos. Como exemplo, tem-se a amiodarona, um fármaco utilizado para o tratamento de arritmias cardíacas, que interage com diversos receptores, mas apresenta efeitos tóxicos graves, alguns deles devido à sua capacidade de ligar-se aos receptores nucleares dos hormônios tireoidianos. A esteroquímica também pode influenciar a especificidade de um fármaco. Embora muitos fármacos sejam administrados como misturas racêmicas de estereoisômeros, eles podem apresentar diferentes propriedades farmacodinâmicas e também farmacocinéticas. O sotalol, fármaco antiarrítmico, é disponível comercialmente na forma de mistura racêmica, embora o enantiômero L seja um antagonista β-adrenérgico muito mais potente. EXEMPLIFICANDO Como exemplo de antagonista não-competitivo, temos a aspirina. Esse fármaco age acetilando de forma irreversível a ciclo-oxigenase (COX), uma enzima responsável pela síntese de tromboxano A2 nas plaquetas. Como o tromboxano A2 não é formado, ocorre a inibição da agregação plaquetária, que é uma das principais ações farmacológicas da aspirina. Como essa inibição é irreversível, as plaquetas não conseguem gerar novas moléculas de COX, fazendo com que os efeitos de uma única dose de aspirina persistam por dias, até a produção de novas plaquetas pela medula óssea. A administração contínua de um determinado fármaco pode resultar em dessensibilização dos receptores, levando à necessidade de ajustes da dose para manter a eficácia do tratamento medicamentoso. Assim, a administração contínua de nitrovasodilatadores no tratamento da angina pode levar a um desenvolvimento rápido de tolerância completa, conhecido como taquifilaxia (do grego, proteção rápida). Além disso, a resistência farmacológica pode ocorrer também devido a mecanismos farmacocinéticos, que impedem a ligação fármaco-receptor, ou por expansão clonal de células neoplásicas, que possuem mutações dos receptores. No entanto, nem todas as ações farmacológicas são mediadas pela interação dos fármacos com receptores macromoleculares. Os hidróxidos de alumínio e magnésio, por exemplo, exercem sua ação pela neutralização do H+ e do OH–, elevando o pH gástrico, sem a interação com um receptor. Já os fármacos anti-infecciosos (como antibióticos, antivirais e antiparasitários) têm como alvos receptores ou processos celulares presentes no agente infeccioso, os quais não existem no organismo humano ou não são essenciais. As relações estabelecidas entre as moléculas podem ser muito fracas, como é o caso de ligações hidrofóbicas ou muito forte como é o caso das ligações covalentes. As somas dessas ações indicam a qualidade da interação fármaco-receptor sendo que o reconhecimento do princípio pelo setor pode ser do tipo eletrostático, incluindo as: ligações de hidrogênio, covalentes, dipolo-dipolo, íon-dipolo e hidrofóbicas. As ligações de hidrogênio ocorrem pela interação de átomos de hidrogênio com átomos de polarização negativas como oxigênio, nitrogênio e enxofre. Essas interações possuem uma força significativa sendo que vários fármacos utilizados clinicamente são reconhecidos pelos seus receptores por meio dessas ligações. Um exemplo disso, é a interação do antiviral saquinavir com o sítio ativo da protease do vírus HIV 1. As ligações covalentes acontecem por meio de compartilhamento de um par de elétrons por dois átomos de moléculas diferentes, portanto, essas relações são muito mais fortes e por isso resultam em uma inibição irreversível ou na inativação do receptor. O ácido acetilsalicílico, por exemplo, é um fármaco que se liga ao receptor por meio de uma ligação covalente resultando na inibição irreversível da enzima prostaglandina endoperóxido sintase. As interações hidrofóbicas acontecem entre subunidades apolares e são consideradas fracas, porém essas interações possuem um grande número de subunidades hidrofóbicas presentes em muitos fármacos, o que a torna bastante importante. Um exemplo disto, é o fator de ativação plaquetária que é reconhecido pelo seu biorreceptor por meio de interações hidrofóbicas Farmacodinâmica II - Teoria dos receptores/papel dos segundos mensageiros A partir da ideia de complementaridade foi possível aplicá-la em reações antígeno-anticorpo e também para a interação entre o fármaco e seu receptor. Dessa forma, a nível molecular, a energia livre do complexo fármaco-receptor é estabilizada através de interações intermoleculares, como interações hidrofóbicas, interações de van der Waals, ligações de hidrogênio e interações eletrostáticas (BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M., 2015). Na Figura 3, é possível observar o modelo chave-fechadura aplicado à interação entre o fármaco e seu receptor. Assim, a biomacromolécula, ou seja, o receptor, pode ser considerado como a fechadura; o sítio desse receptor, onde o fármaco irá interagir, é a “fenda” da fechadura; e as chaves são os ligantes do sítio receptor. Sabe-se que as ações de abrir a porta ou não são consideradas como as possíveis respostas biológicas dessa interação chave- fechadura. Neste modelo apresentado na figura, três diferentes tipos de chaves podem interagir com a fechadura: a) a chave original, que se encaixa de forma adequada com a fechadura, resultando na abertura da porta; b) a chave modificada, que apresenta características estruturais semelhantes à chave original e que permitem a abertura da porta; c) a chave falsa, que apresenta características estruturais mínimas comparadas à chave original, sendo incapaz de conseguir abrir a porta e impedindo ainda que outra chave apropriada faça a abertura. Para este modelo, a chave original é o agonista natural (endógeno), a chave modificada é um agonista, que pode ser de origem sintética ou natural (fármaco) e a chave falsa é o antagonista, que também pode ser de origem sintética ou natural. Figura 3. Modelo chave-fechadura aplicado à interação ligante-receptor. Fonte: BARREIRO; FRAGA, 2015, p. 3. A ideia que de que a interação entre uma enzima e o seu substrato seria complementar surgiu em 1894 com Emil Fischer, responsável por elaborar o modelo “chave-fechadura”. Com o modelo apresentado, é possível perceber dois fatores importantes para a interação do ligante ao receptor como objetivo de desencadear a resposta biológica: Teoria dos Receptores Com o objetivo de ajudar a compreender como se dá a interação fármaco-receptor, algumas teorias foram formuladas. // Teoria da ocupação A teoria da ocupação, formulada por Clark e Gaddum, é baseada na afirmação de que o efeito farmacológico de um fármaco é diretamente proporcional ao número de receptores ocupados por ele. De acordo com esta teoria, o número de receptores ocupados é dependente do número total de receptores por unidade de área ou volume e pela concentração do fármaco na região do receptor. Com isso, eles acreditavam que a potência da atividade seria maior conforme fosse o número de receptores e, dessa forma, a ação máxima do fármaco seria obtida quando todos os receptores estivessem ocupados. No entanto, essa teoria apresenta várias limitações, como, por exemplo: certos agonistas nunca apresentam resposta máxima, mesmo que aumentem a sua concentração, e, por outro lado, outros podem apresentar resposta máxima com menos de 100% de ocupação. Assim, em um sistema que possui receptores de reserva, qualquer ligação de um agonista ao seu receptor pode levar à ativação de vários elementos da resposta celular. Dessa forma, somente uma pequena fração do total de receptores necessita ser ativada a fim de se obter a resposta celular máxima. // Teoria da charneira A teoria da charneira foi proposta por Rocha e Silva com o intuito de explicar por que o agonista pode competir com o antagonista pelo sítio do receptor, embora não consiga deslocá-lo. Essa teoria baseia-se na hipótese que há dois centros no receptor farmacológico: um específico, que interage com os grupos farmacofóricos do agonista, e um inespecífico, que interage principalmente com os grupos apolares do antagonista. // Teoria do encaixe induzido A teoria do encaixe induzido, baseada em sistemas enzimáticos, foi proposta inicialmente por Koshland e colaboradores. Essa teoria baseia-se na hipótese que, ao se complexar, o substrato induz uma mudança na conformação do sítio ativo da enzima com a qual interage, sendo responsável pelo processo catalítico e podendo ser propagada às subunidades vizinhas. Esse processo pode ser extrapolado à interação de ligantes aos seus receptores. No entanto, para agonistas, a mudança conformacional no receptor pode, por exemplo, modificar a condutância de um canal iônico, como os benzodiazepínicos frente ao receptor GABAA. Essa teoria, então, considera que o ligante possui a capacidade de induzir a modificação do sítio tridimensional de seu receptor biológico a fim de possibilitar seu reconhecimento e, simultaneamente, poder reconhecer uma ou várias conformações do ligante e selecionar a bioativa (Figura 4). No entanto, o receptor não irá permanecer o tempo inteiro na conformação apropriada para o encaixe do fármaco: ele retorna à sua forma original após dissociação. Segundo essa teoria, agonista e antagonista se ligam ao sítio específico, porém as forças envolvidas na ligação do receptor com o antagonista são maiores e, mesmo com um excesso de agonista, graças ao fato de o antagonista estar ligado fortemente, não é possível deslocá- lo. Figura 4. Esquema do processo de indução e seleção da conformação bioativa de ligantes e receptores. Fonte: BARREIRO; FRAGA, 2015, p. 18. (Adaptado). Segundos mensageiros As ações reguladoras de um receptor podem ser executadas diretamente no seu alvo celular, nas proteínas efetoras ou ainda podem ser difundidas por transdutores, ou seja, moléculas de sinalização celular intermediária. Dessa forma, a via de transdução de sinais ou sistema receptor-efetor é formado pelo receptor, seu alvo celular e as moléculas intermediárias envolvidas. Em diversos casos, o alvo fisiológico final não é a proteína efetora celular proximal, mas pode ser uma enzima, um canal iônico ou uma proteína de transporte que sintetiza, transfere ou decompõe um segundo mensageiro. Os segundos mensageiros, quando propagados nas proximidades do local onde são sintetizados ou liberados, podem transmitir a informação para diferentes alvos. Alguns exemplos de sistemas de segundos mensageiros são: AMP cíclico, PKA, PKG, PDEs e via da Gq-PLC-DAG/IP3/IP3-CA2+. Os receptores fisiológicos exibem duas funções principais: ligação às substâncias reguladoras endógenas e propagação da mensagem (como sinalização), o que evidencia a existência de, pelo menos, dois domínios dentro do receptor: o domínio de ligação e o domínio efetor. AMP cíclico O AMP cíclico (AMPc), ou 3´5´-adenosina-monofosfato-cíclico, é sintetizado pela adenilato ciclase e possui três alvos principais em grande parte das células: a) proteinocinase dependente do AMP cíclico (PKA); b) EPACs (fatores de permuta ativados diretamente pelo AMPc); e c) CREB (proteína de ligação do elemento de resposta do AMPc). Então, é importante ressaltar que o AMPc pode ter outros alvos em células com funções especializadas, como os canais iônicos controlados por nucleotídeo cíclico. PKA A PKA é uma holoenzima formada por duas subunidades catalíticas ligadas, de forma reversível, a um dímero da subunidade reguladora (R). A enzima PKA possui diferentes isoformas: das subunidades reguladoras (RI e RII), tem-se as isoformas α e β, e da subunidade C, as isoformas Cα, Cβ e Cγ. Além disso, vale considerar que as subunidades R apresentam localização subcelular e afinidades de ligação diferenciadas para o AMPc. PKG A PKG (proteinocinase dependente do GMP cíclico) é uma holoenzima responsável pela fosforilação de substratos específicos e também de alguns substratos que são os mesmos da PKA. Porém, ela é constituída pela dimerização de um único polipeptídeo e existe em duas formas: PKG-I e PKG-II. Essa holoenzima é ativada em decorrência da estimulação dos receptores que promovem o aumento das concentrações intracelulares do GMP cíclico (GMPc). Os níveis elevados de GMPc resultam em efeitos farmacológicos importantes, como a indução da ativação plaquetária e o relaxamento do músculo liso. Farmacologia do Sistema Nervoso Autônomo O sistema nervoso é dividido em sistema nervoso central (SNC), formado pelo cérebro e medula espinal, e sistema nervoso periférico (SNP), formado pelos tecidos neuronais que se encontram fora do SNC. Além disso, a porção motora (eferente) do sistema nervoso pode ser subdividida em autônoma e somática. O sistema nervoso autônomo (SNA), também conhecido como sistema nervoso visceral, vegetativo ou involuntário, é responsável pela regulação de funções autônomas que não são controladas pelo consciente. Ele baseia-se em nervos, gânglios e plexos que inervam diversos tecidos periféricos, estando ligado a funções altamente necessárias para a vida, como débito cardíaco, distribuição do fluxo sanguíneo e digestão. Já o sistema nervoso somático (SNS) é responsável pelas funções controladas pelo consciente, como respiração, movimentos e postura. O SNA e o SNS apresentam influxos sensoriais (aferentes) que fornecem informações do ambiente, tanto interno quanto externo, capazes de modificar o efluxo motor através de arcos reflexos. PDEs As PDEs (fosfodiesterases) dos nucleotídeos cíclicos são proteínas sinalizadoras importantes, as quais cessam a ação do AMPc e do GMPc pela hidrólise da ligação 3’,5’-fosfodiéster cíclica. São encontradas mais de 50 proteínas PDEs diferentes, sendo que as formas de PDE3 são enzimas utilizadas como alvos para o tratamento de doenças como asma, insuficiência cardíaca, aterosclerose coronariana, doença arterial periférica e distúrbios neurológicos. Já a PDE5 é o alvo farmacológico da sildenafila, fármaco utilizado no tratamento da disfunção erétil e da doença pulmonar obstrutiva crônica. Cálcio O cálcio é um importante mensageiro que atua na regulação de várias respostas celulares, a exemplo da contração,secreção, metabolismo e atividade elétrica. O Ca2+ pode adentrar a célula por meio de canais de cálcio presentes na membrana plasmática ou ser liberado por hormônios ou fatores de crescimento a partir das reservas intracelulares. O Ca2+ é liberado destas reservas intracelulares através de uma via de sinalização que se inicia com a ativação da fosfolipase C (PLC) da membrana plasmática. Assim, as PLCs ativadas hidrolisam o fosfatidilinositol-4,5-bifosfato presente na membrana a fim de gerar dois sinais intracelulares: o inositol-1,4,5-trifosfato (IP3) e o lipídeo diacilglicerol (DAG). O IP3, ao se ligar em seu receptor na membrana do retículo endoplasmático, libera o Ca2+ armazenado que, por sua vez, ativa as enzimas sensíveis à calmodulina, como a PDE e a AMPc, e uma família de proteinocinases sensíveis ao Ca2+/calmodulina. As cinases sensíveis ao Ca2+/calmodulina podem modular grande parte dos eventos posteriores que ocorrem nas células ativadas. Divisões do Sistema Nervoso Autônomo O SNA pode ser dividido, anatomicamente, em duas grandes porções: simpática (toracolombar) e parassimpática (craniossacral) (Figura 5). Os neurônios, em cada uma das porções, são originados dentro do SNC e formam as fibras eferentes pré- ganglionares, as quais terminam em gânglios motores. As fibras pré-ganglionares simpáticas partem do SNC por meio dos nervos espinais torácicos e lombares, ao passo que as fibras pré- ganglionares parassimpáticas partem do SNC pelos nervos cranianos e pelas raízes nervosas espinais. Grande parte das fibras pré-ganglionares simpáticas são curtas e, com isso, terminam em gânglios localizados nas cadeias paravertebrais. Figura 5. Esquema comparativo de alguns aspectos anatômicos e de neurotransmissores de nervos autônomos e motores somáticos. Os nervos colinérgicos são mostrados em azul, os noradrenérgicos em vermelho. Aqui, ACh: acetilcolina; D: dopamina; Epi: epinefrina; M: receptores muscarínicos; N: receptores nicotínicos; e NE: norepinefrina. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017, p. 88. A acetilcolina (ACh) é o neurotransmissor de todas as fibras autônomas pré-ganglionares, da maior parte das fibras pós-ganglionares parassimpáticas e de poucas fibras pós-ganglionares simpáticas. Os neurônios que liberam ACh são denominados de colinérgicos. Alguns nervos pós-ganglionares parassimpáticos utilizam o óxido nítrico (NO), sendo conhecidos como nitrérgicos. Já as fibras pós-ganglionares simpáticas utilizam, majoritariamente, a norepinefrina (NE) como neurotransmissor, sendo denominadas adrenérgicas. No entanto, algumas dessas fibras podem liberar ACh em vez de NE. Funções Gerais do Sistema Nervoso Autônomo O SNA simpático e a medula suprarrenal a ele associada não são essenciais para a vida em um ambiente controlado. Porém, em circunstâncias de estresse ele é totalmente necessário, posto que o grau de atividade desse sistema varia de acordo com a circunstância, ajustando- se a determinado ambiente ou situação. Então, frente à uma situação de perigo/estresse, o organismo é preparado para uma “luta ou fuga” e, com isso, a frequência cardíaca acelera, a pressão arterial e a glicemia se elevam, o fluxo sanguíneo é desviado de regiões como a pele e a região esplâncnica para os músculos esqueléticos e os bronquíolos e pupilas se dilatam. Por outro lado, na ausência do sistema simpático algumas funções passam a ser limitadas, não sendo possível regular a temperatura corporal quando a temperatura ambiente sofre variação, a concentração de glicose no sangue não sobe em uma urgência e não há reações instintivas ao ambiente externo, entre outros. O SNA parassimpático não atua de forma contínua, sendo organizado para realizar descargas limitadas e localizadas, com o intuito de conservar energia e manter a função dos órgãos durante períodos de pouca atividade. No entanto, o sistema parassimpático é essencial para a vida. Entre suas funções, vale ressaltar a redução da frequência cardíaca, diminuição da pressão arterial, estimulação dos movimentos e secreções gastrointestinais e esvaziamento da bexiga e do reto, além de ajudar na absorção de nutrientes e proteção da retina contra a luz excessiva. Considerações Farmacológicas Os fármacos podem alterar muitas funções autônomas através da mimetização ou bloqueio das ações dos transmissores químicos, sendo úteis em diversas condições clínicas. Cada etapa envolvida no processo de neurotransmissão representa um local possível de intervenção terapêutica. No entanto, diversos fármacos utilizados para outros alvos apresentam efeitos indesejáveis sobre a função autonômica. No Quadro 2, é possível ver alguns exemplos de fármacos que atuam nas terminações colinérgicas e adrenérgicas periféricas. Quadro 2. Exemplos de fármacos com ação nas junções neuroefetoras colinérgicas e adrenérgicas periféricas. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015, p. 260. (Adaptado). Adrenérgicos/antiadrenérgicos Os fármacos com ações semelhantes à epinefrina e à NE são denominados fármacos simpatomiméticos. Alguns desses são agonistas diretos, atuando diretamente nos adrenoceptores, e outros são agonistas indiretos, e dependem do aumento das ações de catecolaminas endógenas. Porém, certos fármacos possuem ambas as ações, diretas e indiretas. Os agonistas indiretos apresentam dois mecanismos de ação diferentes: o primeiro consiste no deslocamento de catecolaminas armazenadas na terminação nervosa adrenérgica ou na diminuição da depuração de NE liberada; o segundo baseia-se na inibição da recaptação de catecolaminas que já foram liberadas ou na inibição do metabolismo enzimático da NE. Sendo assim, a tiramina, por sua vez, atua pelo primeiro mecanismo, enquanto que a cocaína e os antidepressivos tricíclicos atuam pelo segundo. Os fármacos simpatomiméticos diretos e indiretos causam muitos ou todos os efeitos típicos das catecolaminas endógenas. No entanto, os efeitos dos fármacos diretos dependem de sua afinidade com os subtipos dos adrenoceptores, bem como da expressão desses receptores em seus tecidos-alvo. Adrenoceptores Os adrenoceptores são receptores acoplados à proteína G. Cada proteína G é composta pelas subunidades α, β e γ, sendo que sua classificação é baseada nas subunidades α distintivas. Para a função adrenoceptora, as proteínas G de maior importância são a Gs (estimuladora da adenilil ciclase), Gi e Go (inibidoras da adenilil ciclase) e Gq e G11 (acoplamento de receptores α à fosfolipase C). A dopamina, uma catecolamina endógena, também produz diversos efeitos biológicos ao interagir com seus receptores específicos, os quais são importantes na região cerebral e diferem dos receptores α e β. Vale considerar que os subtipos de adrenoceptores foram revelados por clonagem molecular, e hoje tem-se o conhecimento de subtipos de receptores α, β e de dopamina. Os subtipos de receptores α são: α1 (α1A, α1B, α1D) e α2 (α2A, α2B, α2C). Já os receptores β apresentam três subtipos (β1, β2 e β3), enquanto que os receptores do tipo dopamina apresentam cinco (D1-D5). Na fase final da neurotransmissão simpática ocorre a liberação de norepinefrina (NE), um neurotransmissor, em sítios pós-sinápticos com ativação dos adrenoceptores. Ademais, frente a diferentes estímulos, como o estresse, a medula suprarrenal libera um hormônio, a epinefrina, que é transportado até os tecidos-alvo. Agonistas e Antagonistas dos Receptores Adrenérgicos Os fármacos agonistas e antagonistas dos receptores adrenérgicos são a base para o tratamento da hipertensão, da asma e do infarto do miocárdio. Os fármacos α1-agonistas aumentam a resistência vascular periférica e, com isso, aumentam ou mantém a pressão arterial. Já os fármacos β1- agonistas aumentam a frequência cardíaca e a força de contração do miocárdio, levando ao aumento do débito cardíaco. Os β2-agonistas,por sua vez, provocam relaxamento do músculo liso vascular, brônquico e gastrointestinal. Dessa forma, exemplos de fármacos agonistas dos receptores adrenérgicos, bem como seus mecanismos, efeitos e aplicações clínicas podem ser vistos no Quadro 3. Quadro 3. Exemplos de fármacos agonistas de receptores adrenérgicos. Fonte: KATZUNG; TREVOR, 2017 , p 150. DICA O subtipo de receptor α1 é encontrado na maioria dos músculos lisos vasculares, no músculo dilatador pupilar, no músculo liso pilomotor, na próstata e no coração. Já o subtipo α2 é encontrado nos neurônios pós-sinápticos do SNC, plaquetas, terminais nervosos adrenérgicos e colinérgicos, alguns músculos lisos vasculares e adipócitos. Quanto aos receptores β, o subtipo β1 encontra-se distribuído no coração e nas células justaglomerulares; β2 nos músculos lisos respiratórios, uterinos e vasculares, músculo esquelético e fígado; e β3 na bexiga e nos adipócitos. Figura 6. Classificação dos Antagonistas de Receptores Adrenérgicos. Os fármacos marcados com (*) também bloqueiam receptores α1. Fonte: HILAL-DANDAN; BRUNTON, 2015, p.366. Os antagonistas dos receptores adrenérgicos inibem a interação da NE, da epinefrina e de outros simpatomiméticos com os receptores α e β. Os antagonistas dos receptores α apresentam efeitos clínicos importantes no sistema cardiovascular, causando vasodilatação, redução da pressão arterial e diminuição da resistência periférica. Já os antagonistas dos receptores β agem diminuindo a frequência cardíaca e a contratilidade do miocárdio, sendo que muitos deles apresentam efeito anestésico local ou estabilizador de membrana, como o propranolol, acebutolol e carvedilol. Na Figura 6 é possível ver exemplos de fármacos antagonistas dos receptores adrenérgicos α e β. Colinérgicos/Anticolinérgicos A farmacologia colinérgica aborda as propriedades da acetilcolina (ACh), um neurotransmissor com diversas ações fisiológicas importantes que envolvem a junção neuromuscular (JNM), o SNA e o SNC. Os fármacos com atividades colinomiméticas e anticolinérgicas são amplamente utilizados devido aos seus efeitos na cognição e no comportamento, bem como na JNM, coração, olhos, pulmões e os tratos genitourinário e gastrointestinal. As ações específicas da ACh em uma dada sinapse colinérgica são resultantes do tipo de receptor de ACh envolvido. Assim, sabe-se que a acetilcolinesterase (AChE) é a enzima responsável pela degradação da acetilcolina, além de também representar um importante alvo terapêutico. // Receptores colinérgicos Os receptores colinérgicos são divididos em duas grandes classes: muscarínicos e nicotínicos. Os receptores muscarínicos são expressos nos gânglios autônomos, em todas as fibras pós-ganglionares parassimpáticas, em algumas pós-ganglionares simpáticas e no SNC. Eles são ligados à proteína G e apresentam 5 subtipos, M1–M5, os quais podem ser reunidos em dois grupos distintos: aqueles que estimulam a fosfolipase C (M1, M3 e M5) e os que inibem a adenilil ciclase e ativam os canais de K+ (M2 e M4). Desses subtipos, pode-se destacar: 1) M1 (neuronais): produzem a excitação lenta dos gânglios. São bloqueados de modo seletivo pelo fármaco pirenzepina; 2) M2 (cardíacos): medeiam a inibição pré-sináptica e provocam a diminuição da frequência cardíaca e da força de contração. São bloqueados de modo seletivo pelo fármaco galamina; 3) M3 (glandulares): responsáveis pela secreção, contração dos músculos lisos das vísceras e relaxamento vascular. O fármaco cevimelina é um agonista seletivo deste receptor. Os receptores nicotínicos da ACh são assim denominados porque podem também ser estimulados pelo alcaloide “nicotina”. Esses receptores são canais iônicos controlados por ligantes que se interpõem pós-sinapticamente na JNM e nos gânglios autônomos periféricos. No SNC, os receptores nicotínicos controlam a liberação de outros neurotransmissores, como o glutamato e a dopamina, pelas estruturas pré-sinápticas. De acordo com Rang et. al. (2016), tem-se, até o momento, 17 tipos diferentes de receptores nicotínicos, os quais foram designados como α (10 tipos), β (4 tipos), γ, δ e ε (1 tipo de cada). Agonistas e Antagonista Muscarínicos Dentre os efeitos cardiovasculares dos agonistas muscarínicos, tem-se a diminuição da frequência e débito cardíaco, vasodilatação generalizada e queda acentuada da pressão arterial. Sobre a musculatura lisa, ocorre contração do músculo liso do intestino, dos brônquios e da bexiga e aumento da atividade peristáltica. Quanto às secreções, ocorre estimulação de glândulas exócrinas. Os agonistas muscarínicos também possuem efeitos oculares, que levam à constrição da pupila e contração do músculo ciliar, provocando diminuição da pressão intraocular de modo a permitir que o seu principal uso seja no tratamento do glaucoma (especialmente a pilocarpina). A pilocarpina e cevimelina são utilizadas clinicamente para aumentar a produção da saliva e lágrimas em pacientes com boca ou olhos secos, principalmente em pacientes com síndrome de Sjögren e também após irritação ou lesão nas glândulas salivares ou lacrimais. Já o Os agonistas muscarínicos são também conhecidos como parassimpatomiméticos, pois seus principais efeitos no organismo se assemelham aos decorrentes da estimulação parassimpática. Atualmente, apenas os fármacos betanecol, pilocarpina e cevimelina são utilizados na terapêutica. betanecol possui uso raro como estimulante laxativo ou para estimular o esvaziamento da bexiga. Os antagonistas muscarínicos, também conhecidos como parassimpatolíticos, são antagonistas competitivos e têm como principais fármacos representantes atropina, escopolamina, ipratrópio e pirenzepina, os quais apresentam efeitos periféricos semelhantes, porém podem variar quanto ao grau de seletividade para tecidos, como o coração e a bexiga. Os principais efeitos dos antagonistas muscarínicos são: inibição de secreções, o que deixa a pele e boca muito secas; taquicardia; dilatação da pupila (midríase) e paralisia de acomodação, devido ao relaxamento do músculo ciliar; relaxamento da musculatura lisa (intestino, brônquios, trato biliar e bexiga); inibição da motilidade gastrointestinal (em doses superiores de atropina) e da secreção ácida do estômago (especialmente a pirenzepina); e efeitos sobre o SNC, que incluem principalmente os excitatórios (como atropina) e também sedativos (como hioscina), além dos efeitos antiemético e antiparkinsoniano. Quanto aos usos clínicos dos antagonistas muscarínicos, pode-se citar: Atropina Tratamento da bradicardia sinusal (como, por exemplo, após infarto agudo do miocárdio); Colírio de tropicamida ou ciclopentolato Dilatação da pupila; Hioscina (via oral ou transdérmica) Prevenção da cinetose; Benzexol e benztropina Neutralização dos distúrbios de movimento causados por fármacos antipsicóticos; Ipratrópio ou tiotrópio Tratamento da asma e da doença pulmonar obstrutiva crônica; Atropina e hioscina Redução de excreções (atualmente, esse uso é pouco importante); Hioscina Relaxante da musculatura lisa gastrointestinal; Dicicloverina (diciclomina) Antiespasmódico na síndrome do cólon irritável ou na doença diverticular do cólon. Agonistas e Antagonistas Nicotínicos Os agonistas nicotínicos atuam nos receptores neuronais (ganglionares e do SNC) ou nos receptores musculares estriados (placa motora). A maioria desses fármacos não são utilizados na prática clínica, exceto a nicotina e a vareniclina, usadas como tratamento auxiliar para cessação do tabagismo. Os efeitos dos agonistas nicotínicos incluem: taquicardia, aumento da pressão arterial, efeitos variáveis sobre a motilidade e as secreções gastrointestinais, aumento das secreções brônquica, salivar e sudorípara. Além disso, a nicotina também provoca efeitos importantes no SNC, uma vez queela age por estimulação dos gânglios seguida de bloqueio por despolarização. Os antagonistas nicotínicos, que atuam como bloqueadores ganglionares, são clinicamente obsoletos, sendo utilizados atualmente apenas para o estudo experimental da função autônoma. Como representantes dessa classe, temos o hexametônio e a tubocurarina. Eles atuam bloqueando todos os gânglios autônomos e entéricos. Seus efeitos incluem: hipotensão, perda dos reflexos cardiovasculares, inibição de secreções, paralisia gastrointestinal e comprometimento da micção. Vale ressaltar que os antagonistas dos receptores nicotínicos utilizados atualmente na prática clínica são os bloqueadores neuromusculares não despolarizantes, muito empregados durante procedimentos cirúrgicos. Bloqueadores Neuromusculares // Bloqueadores neuromusculares não despolarizantes A tubocurarina é um alcaloide vegetal que foi muito utilizado por índios da América do Sul em suas flechas para causar paralisia. No entanto, atualmente é muito pouco empregado, posto que foram descobertos fármacos sintéticos com propriedades melhoradas, dentre elas a redução da ocorrência de efeitos colaterais. No entanto, os representantes mais importantes dessa classe hoje em dia são: pancurônio, vecurônio, cisatracúrio e mivacúrio, os quais diferem-se, principalmente, quanto à duração da sua ação, sendo o pancurônio de longa duração (1h a 2h), o vecurônio e cisatracúrio com efeito intermediário (~30 min) e o mivacúrio de curta duração (~15 min). Dessa forma, o principal efeito colateral da tubocurarina é a queda da pressão arterial e também o broncoespasmo em indivíduos predispostos. Os demais fármacos causam menos hipotensão. No entanto, o pancurônio também tem como efeito colateral uma taquicardia modesta devido ao bloqueio dos receptores muscarínicos no coração. Essas substâncias possuem baixa absorção oral e, com isso, são administradas por via intravenosa, tendo eliminação adequada pelos rins. Além disso, elas possuem a vantagem de não atravessar a placenta, o que permite sua utilização na anestesia obstétrica. Os fármacos bloqueadores neuromusculares atuam na região pré-sináptica, inibindo a produção ou liberação de ACh, ou na região pós-sináptica, bloqueando ou ativando os receptores de ACh, sendo que essa ativação causa uma despolarização contínua na placa motora terminal. Esses agentes bloqueadores neuromusculares podem, então, ser classificados em despolarizantes e não despolarizantes. Dentre os fármacos usados na prática clínica, apenas o suxametônio é um agente despolarizante. Quanto ao mecanismo de ação dos agentes não despolarizantes, eles atuam como antagonistas competitivos dos receptores nicotínicos presentes na placa terminal. Tais agentes também causam uma manifestação conhecida como “fadiga tetânica”, a qual se dá pela inibição da liberação da ACh durante a estimulação repetitiva do nervo motor, decorrente do bloqueio de autorreceptores pré-sinápticos facilitadores. Embora alguns bloqueadores neuromusculares não despolarizantes possam causar efeitos autônomos, os principais são decorrentes da paralisia motora. Os primeiros efeitos desses fármacos ocorrem nos músculos extrínsecos do olho, levando a uma visão dupla; nos músculos da face e da faringe, o que causa dificuldade para deglutir; e dos membros. Quanto aos músculos envolvidos na respiração, esses são os últimos a serem comprometidos e os primeiros a se recuperarem. // Bloqueadores neuromusculares despolarizantes O suxametônio, único fármaco despolarizante em uso clínico, atua semelhantemente a ACh, posto que sua estrutura consiste em duas moléculas de ACh ligadas por seus grupos acetil, apresentando um metabolismo rápido por ser hidrolisado pela colinesterase do plasma, o que diminui o seu tempo de ação. No entanto, seu tempo de ação, após administração por via intravenosa, é suficiente para tornar a região de placa motora de fibras musculares inexcitável. Dessa maneira, a recuperação do paciente após a retirada do suxametônio é mais rápida quando comparada aos fármacos não despolarizantes, o que faz com que esse agente ainda seja utilizado apesar dos seus efeitos colaterais, como: bradicardia (efeito agonista muscarínico), arritmias cardíacas (devido ao aumento da concentração de K+ do plasma, principalmente em pacientes com queimaduras ou traumatismos graves), aumento da pressão intraocular (efeito agonista nicotínico sobre os músculos extraoculares), dor muscular no pós- operatório e hipertermia maligna (rara). Com relação ao tempo de ação do suxametônio, que geralmente é muito rápido (< 5 minutos), ele pode ser prolongado por fatores que reduzem a atividade da colinesterase, como: a) variantes genéticas, nas quais a colinesterase plasmática é anômala; b) recém-nascidos com baixa atividade da colinesterase plasmática; e c) uso de fármacos anticolinesterásicos, como os organofosforados para o tratamento do glaucoma, podendo prolongar a ação do suxametônio pela inibição da colinesterase plasmática. SINTERIZANDO Na administração simultânea de dois ou mais fármacos, podem ocorrer interações farmacológicas, sendo mais frequentes as farmacocinéticas. Porém, as interações também podem ocorrer entre fármacos convencionais e medicamentos fitoterápicos, a exemplo da interação entre a carbamazepina e a erva-de-são-joão, que resulta no aumento do metabolismo da carbamazepina. As ações da maioria dos fármacos ocorrem pela sua interação desses com macromoléculas no organismo, especialmente os receptores. Desse modo, a ligação dos fármacos agonistas nos receptores fisiológicos produzem uma resposta semelhante às substâncias endógenas, enquanto que os fármacos antagonistas se ligam aos receptores fisiológicos e reduzem ou bloqueiam a ação de um agonista. Entretanto, para o fármaco desencadear uma resposta biológica ao se ligar ao seu receptor, é necessário que ele tenha afinidade, ou seja, tenha a capacidade de se complexar com o sítio ativo complementar do receptor, além de sua atividade intrínseca, que é a capacidade do complexo ligante-receptor de desencadear essa resposta biológica. Dentre as teorias dos receptores, destaca-se a teoria do encaixe induzido em que se considera que o fármaco possui a capacidade de induzir a modificação do sítio tridimensional de seu receptor biológico a fim de possibilitar o seu reconhecimento, assim como o receptor tem a capacidade de selecionar a conformação bioativa do fármaco. Assim, o sistema nervoso autônomo (SNA) é responsável pela regulação de funções autônomas que não são controladas pelo consciente, sendo dividido em simpático e parassimpático. Vale considerar que os fármacos podem alterar muitas funções autônomas através da mimetização ou bloqueio das ações dos transmissores químicos, como a acetilcolina e norepinefrina. No entanto, os fármacos relacionados à acetilcolina são os colinérgicos, enquanto os relacionados à norepinefrina são os adrenérgicos. Entre os fármacos anticolinérgicos tem-se os bloqueadores neuromusculares, muito utilizados como anestésicos cirúrgicos. Sabemos que os fármacos anticolinesterásicos inibem a enzima responsável pela degradação da Acetilcolina, com isso temos uma elevação da Acetilcolina endógena na fenda sináptica. O que provoca a ativação dos receptores colinérgicos adjacentes. Os agentes anticolinesterásicos podem ter ação central ou periférica. No caso da ação periféricas, pode ser curta (edrofônio), média (neostigmina e fisostigmina), ou irreversível (organofosforados, diflos e ecotiopatos). É importante destacar que o tempo de ação desses medicamentos depende do tipo de interação química que eles realizam com o ponto ativo da enzima acetilcolinesterase. Já os efeitos desses fármacos estão relacionados á intensificação da transmissão colinérgica e envolvem bradicardia, hipotensão, excesso de secreções, broncoconstrição,hipermotilidade gastrointestinal, redução da pressão intraocular. Esse tipo de fármaco é utilizado principalmente nos tratamentos de miastenia gravis que é feito com neostigmina e piridostigmina e de glaucoma que envolve o uso de fisostigmina, diflos e ecotiopato. Enquanto isso, os anticolisnesterásicos de ação central são utilizados no tratamento da doença de Alzheimer, disfunção cognitiva e demência. Dentre esses medicamentos temos: Tacrina, Donepezila, Rivastigmina e Galantamina. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARREIRO, E. J.; FRAGA, C. A. M. Química medicinal: as bases moleculares da ação dos fármacos. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2015. CHUNG, M. C. et al. Interações Alimentos X Medicamentos. In: MARTINIS, E. C. P.; TEIXEIRA, G. H. A. (Org.) Atualidades em ciências de alimentos e nutrição para profissionais da saúde. 1. ed. São Paulo: Livraria Varela, 2015. GOLAN, D. E.; TASHJIAN, A. H.; ARMEN, H.; et al. Princípios de farmacologia: a base fisiopatológica da farmacoterapia. 2. ed. [s.l.]: Guanabara, 2009. HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman & Gilman. Porto Alegre: AMGH, 2015. KATZUNG, B. G; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 13. ed. Porto Alegre: AMGH, 2017. KOROLKOVAS, A.; BURCKHALTER, J. H. Química farmacêutica. 1. ed. Rio de Janeiro: Guanabara, 1988. RANG, H.P.; RITTER, J. M.; FLOWER, R. J.; et al. Rang & Dale Farmacologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2016. VERLI, H.; BARREIRO, E. J. Um paradigma da química medicinal: a flexibilidade dos ligantes e receptores. Química Nova, v. 28, n. 1, pp. 95-102, 2005.
Compartilhar