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Duda Guerra 1 Microbiologia Protozoários e vírus Os protistas, membros do reino protista, compreendem uma grande variedade de organismos que compartilham determinadas características. Os protistas são organismos unicelulares e eucarióticos, cujas células apresentam um núcleo verdadeiro e organelas envoltas por membranas. Os parasitas ocorrem em duas formas distintas: protozoários compostos por uma única célula e metazoários multicelulares, denominados helmintos ou vermes. Os protozoários podem ser divididos em quatro grupos: Sarcodina (amebas) Sporozoa (esporozoários) Mastigophora (flagelados) Ciliata (ciliados) Muitos protozoários possuem um ciclo de vida que consiste em um trofozóito, forma móvel, que se alimenta e reproduz e é circundada por uma membrana flexível, e um cisto, que corresponde a uma forma imóvel, sem metabolismo e não reprodutiva, a qual é circundada por uma espessa parede celular. A forma encistada sobrevive bem no meio ambiente, sendo frequentemente envolvida na transmissão do patógeno. Certos protozoários, como a Leishmania e o Trypanosoma, apresentam formas flageladas, denominadas promastigotas ou tripomastigotas, assim como formas não flageladas denominadas amastigotas. A maioria dos protozoários é de vida livre. Alguns são comesais, ou seja, vivem no interior ou na superfície de outros organismos sem prejudica-los, enquanto outros são parasitas. Muitos protozoários vivem em ambientes aquáticos e sofrem encistamento quando as condições não são favoráveis. Mastigósforos Possuem flagelos. Algumas espécies são de vida livre e ocorrem em agua doce ou salgada, porém a maioria vive em relações simbióticas com plantas ou com animais. O simbionte Trichonympha vive no intestino de cupins e contribui com enzimas que digerem a celulose. Os mastigóforos que parasitam os seres humanos incluem membros dos gêneros Leishmania, Giardia e Trichomonas. Os tripanossomos causam a doença do sono africana, as leishmanias provocam lesões cutâneas ou doença sistêmica com febre, as giárdias causam diarreia e as tricômonas provocam inflamação vaginal. Amebozoa Os amebozoários (anteriormente chamados de sarconídeos) locomovem-se por meio de pseudópodes. Alguns amebozoários possuem flagelos em algum estágio de seu ciclo de vida. Alimentam-se principalmente de outros microrganismos, incluindo outros protozoários e pequenas algas. Os amebozoários incluem os foraminíferos e os radiolários, que possuem conchas e são encontrados principalmente em ambientes marinhos, bem como as amebas, que não têm concha e são normalmente parasitas. Numerosas espécies de amebas são capazes de habitar o sistema digestório humano. As amebas formam, em sua maioria, cistos, que as ajudam a suportar as condições adversas. Os gêneros mais comumente observados – Entamoeba, Dientamoeba, Endolimaz e Iodamoeba - cau–am disenterias amebianas de gravidade variável. Dientamoeba fragilis, que é incomum pela presença de dois núcleos e por não formar cistos, é encontrada no intestino grosso de cerca de 4% da população humana. Seu modo de transmissão não é conhecido. Embora seja habitualmente considerada como comensal, ela pode causar diarreia crônica leve. Duda Guerra 2 Microbiologia Apicomplexos/Esporozoários São parasitas e imóveis. As enzimas presentes em grupos (complexos) de organelas nas extremidades (ápices) de suas células digerem o material que está em seu caminho nas células hospedeiras, dando ao grupo o nome de Apicomplexa. Esses parasitas apresentam habitualmente ciclos de vida complexos. Um importante exemplo é o ciclo de vida do parasita causador da Malária, Plasmodium, que necessita tanto do ser humano quanto de um mosquito como hospedeiros. Os parasitas que estão presentes na forma de esporozoítos nas glândulas salivares do mosquito infectado, penetram no sangue humano por meio da picada de mosquito. Os esporozoítos migram até o fígado e transformam-se em merozoítos. Depois de cerca de 10 dias, emergem no sangue, invadem os eritrócitos e transformam- se em trofozoítos. Estes, se reproduzem de modo assexuado, dando origem a muitos mais merozoitos, que são liberados no sangue pela ruptura dos eritrócitos. A multiplicação e a liberação dos merozoítos ocorrem repetidamente, várias vezes durante um surto de malária. Alguns merozoítos entram na fase reprodutiva sexuada e transformam-se em gametócitos ou células sexuais masculinas e femininas. Quando o mosquito se alimenta do sangue de um ser humano infectado, ele também ingere gametócitos, dos quais a maioria amadurece e une-se para formar zigotos no revestimento do estomago do mosquito. Os zigotos atravessam a parede do estomago e produzem esporozoítos, que finalmente seguem o seu trajeto até as glândulas salivares. Ciliados O maior grupo de protozoários é constituído pelos ciliados, que possuem cílios na maior parte de sua superfície. Os cílios têm um corpo basal próximo à sua origem, que os ancora no citoplasma e possibilita a sua extensão a partir da superfície celular. Os cílios possibilitam a motilidade dos organismos e, em alguns gêneros, como Paramecium, auxiliam a captação do alimento. Balantidium coli, o único ciliado que parasita o ser humano, provoca disenteria. Os ciliados possuem várias estruturas altamente especializadas. A maioria dos ciliados tem um vacúolo contrátil bem desenvolvido, que regula os líquidos celulares. Alguns exibem uma película resistente. Outros possuem tricocistos, tentáculos que podem ser utilizados para a captura de presas, ou longas hastes pelas quais aderem às superfícies. Os ciliados também sofrem conjugação nas bactérias, em que um organismo recebe informação genética do outro, a conjugação nos ciliados possibilita a troca de informação genética entre dois microrganismos. Amebas intestinais Os protozoários intestinais podem ser subdivididos em amebas, coccídios e flagelados. Entamoeba histolytica representa as amebas intestinais, as quais devem ser diferenciadas de várias amebas não patogênicas que também podem ser encontradas no intestino (a distinção se baseia em características morfológicas). Essas amebas podem ser adquiridas em viagens para países onde as condições higiênico- sanitárias são precárias. Coccídios Exemplos de tres coccídios: Cyclospora, Cryptosporidium e Cystoisospora. As infecções por Cyclospora são geralmente associadas a surtos envolvendo alimentos, como frutas ou vegetais crus, provenientes de países onde as condições higiênico-sanitárias são precárias. Duda Guerra 3 Microbiologia Cryptosporidium e Cystoisospora foram inicialmente implicados na causa de infecções intestinais, em portadores de HIV, mas atualmente são reconhecidos como patógenos, tanto de indivíduos imunossuprimidos quanto de imunocompetentes. Protozoários intestinais Entamoeba – pseudópodes Entamoeba histolytica causa a disenteria amebiana e o abcesso hepático. O ciclo de vida de E. histolytica possui dois estágios: a ameba móvel (trofozoíto) e o cisto imóvel. O trofozoíto é encontrado no interior de lesões intestinais e extraintestinais e em fezes diarreicas. Os cistos predominam nas fezes não diarreicas. Esses cistos não são muito resistentes e são rapidamente mortos por agua fervente, mas não por cloração dos suprimentos de água. Eles são removidos pela filtração da água. O cisto possui quatro núcleos, um critério importante para o diagnóstico. Mediante a excistação no trato intestinal, uma ameba com quatro núcleos desenvolve-se e divide-se em oito trofozoítos. O trofozoíto adulto possui um único núcleo com revestimento uniforme de cromatina periférica e um núcleo central proeminente (cariossomo). O organismo é contraído pela ingestão de cistos transmitidos principalmentepela rota fecal-oral em alimentos e água contaminados. A transmissão anal-oral também pode ocorrer. Não há um reservatório animal. Os cistos ingeridos diferenciam-se em trofozoítos no íleo, mas tendem a colonizar o ceco e o colo. Os trofozoítos invadem o epitélio do colo e secretam enzimas que causam necrose localizada. Uma pequena inflamação ocorre no local. Assim que a lesão atinge a camada muscular, ocorre a formação de uma ulcera na forma de balão, característica que pode debilitar e destruir grandes áreas do epitélio do intestino. A progressão dos trofozoítos para a submucosa leva à invasão da circulação portal. O local mais frequente da doença sistêmica é o fígado, onde se formam abcessos contendo trofozoítos. Giárdia – flagelado O ciclo de vida consiste em dois estágios: o trofozoíto e o cisto. O trofozoíto possui forma de pera com dois núcleos, quatro pares de flagelos e um disco de sucção com o qual ele se adere à prede do intestino. O cisto oval possui parede espessa com quatro núcleos e muitas fibras internas. Cada cisto forma dois trofozoítos durante a excistação no trato intestinal. A transmissão ocorre pela ingestão de cistos em alimentos e água contaminados com fezes. A excistação ocorre no duodeno, onde o trofozoíto se fixa à parede do intestino, mas não invade a mucosa e não penetra na corrente sanguínea. O trofozoíto causa inflamação da mucosa duodenal, levando à má absorção de proteínas e gorduras. Duda Guerra 4 Microbiologia Cryptosporidium – coccídio Doença cujo principal sintoma é a diarreia. Seu agente etiológico é a Crypstosporidium hominis Os oocitos liberam esporozoítos, que originam os trofozoítos. Seguem-se vários estágios, os quais envolvem-se a formação de esquizontes e merozoítos. Por fim, formam-se microgametas e macrogametas; estes unem-se para formar o zigoto, o qual se diferencia em um oocisto. O organismo é adquirido pela transmissão fecal-oral de oocistos provenientes tanto de fontes humanas (principalmente) quanto de fontes animais, como o gado (ocasionalmente). Os oocistos excistam no intestino delgado, onde os trofozoítos (e outras formas) se aderem à parede intestinal. A invasão não ocorre. O jejuno é o local mais infectado. Protozoários urogenitais Trichomonas – flagelado Trichomonas vaginalis causa tricomoníase. É um organismo em forma de pera com um núcleo central e quatro flagelos anteriores. Ele apresenta uma membrana ondulante que se estende por cerca de dois terços de seu comprimento. Ele ocorre apenas como trofozoíto, não existe forma de cisto. O organismo é transmitido pelo contato sexual e, portanto, não há necessidade de uma forma resistente do cisto. As localizações primárias do organismo são a vagina e a próstata. Ele é encontrado apenas em seres humanos; não há um reservatório animal. Duda Guerra 5 Microbiologia Protozoários do sangue e de tecidos Os organismos de importância médica nessa categoria de protozoários consistem nos esporozoários Plasmodium e Toxoplasma e nos flagelados Trypanosoma e Leishmania. Plasmodium – esporozoário A malária é causada por quatro plasmódios: Plasmodium vivax, Plasmodium ovale, Plasmodium malariae e Plasmodium falciparum. O vetos e hospedeiro definitivo para os plasmódios é a femea do mosquito Anopheles (somente a femea suga sangue). Existem duas fases no ciclo de vida: o ciclo sexuado, que ocorre principalmente nos mosquitos, e o ciclo assexuado, que ocorre nos seres humanos, os hospedeiros intermediários. O ciclo de vida é denominado esporogônico, pois são produzidos esporozoítos, e o ciclo de vida assexuado é denominado esquizogônico, devido à produção dos esquizontes. O ciclo de vida em seres humanos inicia com a introdução de esporozoítos no sangue por meio da saliva do mosquito, ao picar. Os esporozoítos são absorvidos pelos hepatócitos em 30 min. Essa fase “exoeritrocítica” consiste na multiplicação e diferenciação da célula em merozoítos. P. vivax e P. ovale produzem uma forma latente (hipnozoíto) no fígado. Os merozoítos são liberados das células hepáticas e infectam as hemácias. Durante a fase eritrocítica, o organismo diferencia-se em um trofozoíto em forma de anel. A forma de anel desenvolve-se em uma forma ameboide e, então, se diferencia em um esquizonte repleto de merozoítos. Após a liberação, os merozoítos infectam outros eritrócitos. O período de liberação de merozoítos causa os característicos sintomas recorrentes de calafrios, febre e sudorese, observados em pacientes com malária. O ciclo sexuado inicia nas hemácias humanas quando alguns merozoítos se desenvolvem em gametócitos femininos e outros em gametócitos masculinos. As hemácias que contêm o gametócito são ingeridas pela femea do mosquito Anopheles e, no seu intestino, produzem um macrogameta feminino e oito microgametas masculinos. Após a fertilização, o zigoto diploide diferencia-se em um oocineto móvel que penetra na parede do intestino, onde se desenvolve em um oocisto, no interior do qual muitos esporozoítos haploides são produzidos. Os esporozoítos são liberados e migram para as glândulas salivares, prontos para completar o ciclo assim que o mosquito se alimentar de sangue novamente. A malária é transmitida principalmente pela picada do mosquito, mas também pode ocorrer transmissão por meio da placenta, por transfusões de sangue e pelo uso de drogas intravenosas. A imunidade parcial baseada em anticorpos humorais que bloqueiam a invasão das hemácias por merozoítos ocorre em indivíduos infectados. Como resultado, há um baixo nível de parasitemia e sintomas brandos; essa condição é conhecida como premonição. Em contrapartida, um indivíduo não imune, como um viajante presente pela primeira vez em uma área onde a malária é endêmica, está em risco de doença grave e potencialmente fatal. Toxoplasma – Toxoplasma gondi causa a toxoplasmose. O hospedeiro definitivo é o gato doméstico e outros felinos; seres humanos e outros mamíferos são hospedeiros intermediários. A infecção dos seres humanos inicia com a ingestão de cistos presentes na carne mal cozida ou pelo contato acidental com cistos presentes em fezes de gatos. No intestino delgado, a ruptura dos cistos libera formas que invadem a parede do intestino, onde eles são ingeridos pelos macrófagos e diferenciam-se em trofozoítos com multiplicação rápida (taquizoítos), os quais matam as células infectadas e infectam outras células. A imunidade celular geralmente limita a dispersão dos taquizoítos, e os parasitas entram nas células do hospedeiro no encéfalo, no Duda Guerra 6 Microbiologia musculo e em outros tecidos, onde eles se desenvolvem em cistos em que o parasita multiplica-se lentamente. Essas formas são chamadas de bradizoitos. O ciclo no interior do gato inicia com a ingestão dos cistos na carne crua (ratos). Os bradizoitos são liberados dos cistos no intestino delgado, infectam as células mucosas e diferenciam-se em gametócitos masculinos e femininos, cujos gametas se fundem para formar os oocistos que são excretados nas fezes do gato. O ciclo é completado quando o solo contaminado com fezes de gato é acidentalmente ingerido. A infecção humana geralmente ocorre por meio da alimentação de carne mal cozida (cordeiro e porco) de animais que pastaram em solo contaminado com fezes de gato. Após a infecção do epitélio intestinal, os organismos espalham-se para outros órgãos, sobretudo para o encéfalo, os pulmões, o fígado e os olhos. Quando contidos, os organismos persistem como cistos no interior dos tecidos. Pneumocystis Pneumocystis jiroveci é uma importante causa de pneumonia em indivíduos imunocomprometidos. Clinicamente, esse organismo é tratado como um protozoário. No tecido, ele aparece como um cisto que se assemelha a cistosde protozoários. As espécies são encontradas em animais domésticos, como cavalos e ovelhas, e em variedade de roedores, mas esses animais não são considerados reservatórios para infecções humanas. A transmissão ocorre por inalação, e a infecção é predominante nos pulmões. A presença de cistos nos alvéolos induz uma resposta inflamatória consistindo principalmente em células plasmáticas, resultando em um exsudato espumoso que bloqueia a troca de oxigênio. O organismo não invade o tecido pulmonar. A pneumonia ocorre quando as defesas do hospedeiro (p. ex., o número de células TCD4+) são reduzidas. Isso explica a proeminência de Pneumocystis em pacientes com Aids e em crianças prematuras ou debilitadas. Trypanosoma Inclui tres patógenos principais: Trypanosoma cruzi, Trypanosoma gambiense e Trypanosoma rhodesiense. Trypanosoma cruzi é o agente causador da doença de Chagas. Seu ciclo de vida envolve o inseto reduvídeo (barbeiro) como vetor, e animais e seres humanos como hospedeiros reservatórios. Os reservatórios animais incluem gatos e cachorros domésticos e espécies selvagens, como tatu, guaxinim e ratos. O ciclo de vida no barbeiro inicia com a ingestão de tripomastigotas no sangue do hospedeiro reservatório. No intestino do inseto, eles se multiplicam e se diferenciam em epimastigotas e, então, em tripomastigotas. Quando o inseto pica novamente, o local é contaminado com fezes (do inseto) contendo tripomastigotas, que penetram no sangue da pessoa e formam amastigotas não flagelados no interior da célula hospedeira. Muitas células podem ser afetadas, mas células do miocárdio, da glia e reticuloendoteliais são os locais mais frequentes. Para completar o ciclo, amastigotas diferenciam-se em tripomastigotas, os quase penetram no sangue e são adquiridos pelo barbeiro. Os amastigotas podem matar as células e causar inflamação, consistindo principalmente em céllas mononucleares. O musculo cardíaco é o tecido afetado com mais frequência e gravidade. Além disso, o dano neuronal leva à arritmia cardíaca e à perda do tônus no colo (megacolo) e esôfago (megaesôfago). Durante a fase aguda, ocorrem tripomastigotas no sangue e amastigotas intracelulares nos tecidos. Na fase crônica, o organismo persiste na forma amastigota. Duda Guerra 7 Microbiologia Trypanosoma gambiense e Trypanosoma rhodesiense causam a doença do sono (tripanossomíase africana). Também são conhecidos como Trypanosoma brucei gambiense e Trypanosoma brucei rhodesiense. A morfologia e o ciclo de vida das duas espécies são similares. O vetor é a mosca tsé-tsé, glossina, embora diferentes espécies de mosca estejam envolvidas para cada organismo. Os seres humanos são o reservatório de T. gambiense, enquanto T. rhodesiense possui reservatórios em animais domésticos (sobretudo o gado bovino) e animais selvagens (antílopes) O ciclo de vida de três semanas na mosca tsé-tsé inicia pela ingestão de tripomastigotas em um repasto sanguíneo a partir do hospedeiro reservatório. Multiplicam-se no intestino do inseto e migram para as glândulas salivares, onde se transformam em epimastigotas, multiplicam-se novamente e formam tripomastigotas metacíclicos, que são transmitidos pela picada da mosca tsé-tsé. Os organismos na saliva são injetados na pele, onde penetram na corrente sanguínea, diferenciam-se na forma de tripomastigotas sanguíneos e multiplicam-se, completando o ciclo. Esses tripanossomas exibem extraordinária variação antigênica de suas glicoproteínas de superfície, havendo centenas de tipos antigênicos. Um tipo antigênico revestirá a superfície dos parasitas por aproximadamente 10 dias, seguido sequencialmente por outros tipos na nova progênie. Essa variação deve-se ao movimento sequencial dos genes da glicoproteína para um local preferencial no cromossomo, onde apenas o gene específico é transcrito em mRNA. Essas variações antigênicas permitem ao organismo evadir continuamente a resposta imune do hospedeiro. Os tripomastigotas disseminam-se a partir da pele até a corrente sanguínea, para os linfonodos e o encéfalo. A sonolência típica (doença do sono) progride ao coma como resultado de uma encefalite desmielinizante. Na forma aguda, ocorre um pico de febre cíclica (aproximadamente a cada 2 semanas) relacionado à variação antigênica. À medida que ocorrem aglutinação mediada por anticorpos e lise dos tripomastigotas, a febre regride. Leishmania Inclui quatro patógenos importantes: Leishmania donovani, Leishmania tropica, Leishmania mexicana e Leishmania braziliensis. A Leishmania donovani causa a leishmaniose visceral. Seu ciclo de vida envolve o mosquito pólvora como vetor e uma variedade de mamíferos, como cães, raposas e roedores, como reservatórios. Apenas as moscas fêmeas atuam como vetores, uma vez que somente as fêmeas são hematófagas (um requisito para a maturação dos ovos). Quando o mosquito suga o sangue de um hospedeiro infectado, ingere macrófagos contendo amastigotas. Após a dissolução dos macrófagos, os amastigotas liberados diferenciam-se em promastigotas no intestino. Eles se multiplicam e, então, migram para a faringe e probóscide, onde podem ser transmitidos na próxima picada. O ciclo do mosquito é de aproximadamente 10 dias. Pouco tempo depois de um mosquito pólvora infectado picar um ser humano, os promastigotas são capturados por macrófagos, onde se transformam em amastigotas. Esses podem permanecer no citoplasma de macrófagos, pois eles podem evitar a fusão de vacúolos com lisossomos. As células infectadas morrem e liberam a progênie de amastigotas, os quais infectam outros macrófagos e células reticuloendoteliais. O ciclo é completado quando o mosquito ingere macrófagos contendo amastigotas. Duda Guerra 8 Microbiologia Leishmania tropica, Leishmania mexicana causam leishmaniose cutânea e Leishmania braziliensis causa leishmaniose muco cutânea. Os mosquitos pólvora são os vetores desses tres organismos e roedores silvestres são seus principais reservatórios. O ciclo de vida é o mesmo já descrito. Morfologia Os protozoários são organismos unicelulares e eucariontes. Sua célula pode ser comparada às de um animal pluricelular. O citoplasma tem duas camadas: o ectoplasma, mais externo e gelatinoso, e o endoplasma, interno e mais fluido. As mudanças no grau de viscosidade do citoplasma permitem as constantes alterações na forma do animal, relacionadas com o seu deslocamento e com o englobamento de partículas alimentares. O núcleo é o centro controlador do metabolismo celular e é responsável pela determinação de suas características hereditárias. Em algumas espécies, como o paramécio, encontram- se dois núcleos de tamanhos diferentes: o macronúcleo e o micronúcleo. O macronúcleo controla todas as atividades celulares e o micronúcleo é responsável pela reprodução sexuada (troca de genes). As trocas de gases acontecem por simples difusão, pela membrana plasmática. Também é dessa forma que os protozoários eliminam resíduos do seu metabolismo para o ambiente. Os protozoários são divididos de acordo com a sua locomoção, em quatro grupos principais: Flagelados: também chamados de mastigóforos, são aqueles que se locomovem graças ao batimento dos seus flagelos. Os flagelos podem ser únicos, como no Trypanosoma cruzi, ou múltiplos, como na Giardia lamblia. Rizópodes: ou sarcodinos, representados pelas amebas, são os protozoários que se locomovem pela emissão de pseudópodes. Possuem morfologia variável, ou seja, a sua formação não é constante, pela continua mudança na viscosidade do seu citoplasma. Há sarcodinos marinhos, de agua doce e outros parasitas. Ciliados: protozoários que se locomovem por meio de cílios. A sua superfície celular é recoberta por centenas ou milharesde cílios, que são projeções citoplasmáticas curtas e muito mais numerosas que os flagelos. A maioria é de vida livre, sendo raros os ciliados parasitas. O ciliado mais conhecido é o paramécio. Esporozoários: protozoários desprovidos de qualquer estrutura locomotora. Todos os representantes desse grupo são parasitas, alguns dos homens, como o Toxoplasma gondii (causador da toxoplasmose) e os representantes do gênero Plasmodium (causadores da malária). Esses protozoários alimentam-se por meio da superfície celular, absorvendo substancias diretamente dos tecidos do hospedeiro. Os protozoários apresentam processos de reprodução assexuada, como a divisão binária, e processos de reprodução sexuada, como a conjugação. Na divisão binária, a célula aumenta o seu tamanho e divide-se, originando dois novos indivíduos geneticamente iguais. Esse processo é importante para aumentar o número de organismos da população. Na conjugação, realizada pelo paramécio, dois indivíduos trocam micronúcleos (responsáveis pela reprodução sexuada) previamente duplicados. Em cada organismo, o micronúcleo original une-se com o micronúcleo recebido e ocorre a mistura dos genes. No final da conjugação, cada organismo origina quatro novos indivíduos, totalizando, ao todo, oito novos paramécio. Imunidade A maioria dos parasitas passa por ciclos de vida complexos, parte dos quais ocorre em seres humanos (ou outros vertebrados) e parte em hospedeiros intermediários, como moscas, carrapatos e caracóis. Imunidade inata Embora tenha sido demonstrado que diferentes protozoários parasitas ativam diferentes mecanismos de imunidade inata, esses Duda Guerra 9 Microbiologia organismos frequentemente conseguem sobreviver e se replicar em seus hospedeiros, por estarem bem adaptados para resistir às defesas do hospedeiro. A principal resposta imune inata aos protozoários é a fagocitose, mas muitos desses parasitas são resistentes ao killing fagocítico e podem até mesmo se replicar no interior dos macrófagos. Alguns protozoários expressam moléculas de superfície reconhecidas por TLRs e ativam fagócitos. Espécies de Plasmodium (protozoários responsáveis pela malária), Toxoplasma gondii (agente causador de toxoplasmose) e espécies de Cryptosporidium (uma das principais causas de doença diarreica em pacientes infectados por HIV) expressa, todos, glicolipídeos que podem ativar TLR2 e TLR4. Imunidade adaptativa Diferentes parasitas induzem respostas imunes adaptativas distintas. Alguns protozoários patogênicos evoluíram para sobreviver dentro de células hospedeiras, por isso a imunidade protetora contra esses organismos é mediada por mecanismos similares àqueles que eliminam bactérias e vírus intracelulares. O principal mecanismo de defesa contra os protozoários que sobrevivem nos macrófagos é a imunidade celular, particularmente a ativação de macrófagos por citocinas derivadas de células Th1. A infecção de camundongos por L. major, um protozoário que sobrevive no interior dos endossomos dos macrófagos, ilustra como a dominância das respostas Th1 ou Th2 determina a resistência ou a suscetibilidade à doença. A resistência à infecção está associada à ativação de células Th1 leishmania-específicas, as quais produzem IFN-Y e, dessa forma, ativam os macrófagos para destruir parasitas intracelulares. A ativação das células Th2 pelos protozoários resulta em aumentada sobrevivência de parasitas e exacerbação das lesões, pois as citocinas Th2 inibem a ativação clássica dos macrófagos. Os protozoários que se repicam dentro de várias células hospedeiras e as lisam, estimulando respostas específicas de anticorpo e CTL (TCD8+), similarmente aos vírus citopáticos. Um exemplo desse tipo de organismo é o parasita da malária, que reside principalmente nas hemácias e em hepatócitos durante seu ciclo de vida. É evidente que a resposta de CTL contra os parasitas residentes nos hepatócitos é uma defesa importante contra a disseminação desse protozoário intracelular. A citocina IFN-Y comprovadamente é protetora em muitas infecções por protozoários, incluindo malária, toxoplasmose e criptosporidiose. As respostas imunes adaptativas a parasitas também podem contribuir para a lesão tecidual. Alguns parasitas e seus produtos induzem respostas granulomatosas com fibrose concomitante. Os ovos de Schistosoma mansoni depositados no fígado estimulam células TCD4+ que, por sua vez, ativam macrófagos e induzem reações DTH. As reações DTH resultam na formação de granulomas ao redor dos ovos; uma característica incomum desses granulomas, especialmente em camundongos, é sua associação com as respostas Th2 (geralmente é Th1). Esse tipo de granulomas Th2-induzidos serve para conter os ovos de equistossoma, porém a fibrose interna associada a esta resposta imune celular crônica leva à cirrose, interrupção do fluxo de sangue venoso no fígado e hipertensão portal. Imunoevasão por parasitas Os parasitas alteram seus antígenos de superfície durante o ciclo de vida nos hospedeiros vertebrados. A primeira forma de variação é uma alteração estágio-específica na expressão antigênica, de modo que os estágios teciduais maduros dos parasitas produzem antígenos diferentes daqueles dos estágios infectivos. Por exemplo, quando o sistema imune tiver respondido à infecção pelos esporozoítas, o parasita terá se diferenciado, expressará novos antígenos e já não será alvo da imunoeliminação. A segunda forma de alteração antigênica é a variação continua dos principais antígenos de superfície vistos em tripanossomos africanos. A variação antigênica contínua nos tripanossomos é em virtude, principalmente, das alterações na expressão dos genes codificadores do principal antígeno de superfície. Pacientes infectados mostram ondas de parasitemia no sangue, e cada onda consiste em parasitas expressando um antígeno de superfície que é diferente da onda precedente. Desse modo, no momento em que o hospedeiro produz anticorpos contra o parasita, um organismo antigenicamente diferente já está crescido. Os parasitas também se tornam resistentes aos mecanismos imunes efetores durante o período em que residem nos hospedeiros vertebrados. Talvez, os melhores exemplos são as larvas de esquistossoma, que viajam para os pulmões de animais infectados e, durante essa migração, desenvolvem um tegumento que é resistente ao dano causado pelo complemento e pelos CTLs. Os parasitas protozoários podem se ocultar do sistema imune, seja vivendo dentro das células hospedeiras ou desenvolvendo cistos resistentes aos efetores imunes. Os parasitas também podem soltar suas coberturas antigênicas, seja de modo espontâneo ou após a ligação a anticorpos específicos. A descamação dos antígenos torna os parasitas resistentes a ataques subsequentes mediados por anticorpo. Duda Guerra 10 Microbiologia Os vírus são os microrganismos mais simples e, em geral, os menores que existem. São parasitas intracelulares obrigatórios, que dependem de sua célula hospedeira para sobreviver e se reproduzir. Também são filtráveis, ou seja, seu tamanho permite passagem por filtros projetados para bactérias. Contêm uma quantidade mínima de informações genéticas, na forma de DNA ou RNA (mas não ambos) e possuem uma estrutura proteica simples (denominada capsídeo) sendo, em alguns casos, envolvida por um envelope de membrana. Seu ciclo de vida consiste em encontrar a célula hospedeira apropriada (definida por receptores específicos para os diferentes vírus), penetrar e então permanecer latente na célula, integrando- se a seu DNA ou assumir o controle de sua maquinaria metabólica direcionando-a para a replicação viral. Após um determinado período, quando muitas partículas virais forem produzidas, elas poderão ser lentamente liberadas da célulahospedeira (para preservar sua integridade e sobrevivência) ou virtualmente explodi-las, em busca de novos alvos celulares. A replicação dos vírus e a patologia da maioria das infecções virais são restritas a tipos específicos de células hospedeiras (células do sistema hematopoiético, trato respiratório, trato gastrintestinal, sistema nervoso central, fígado, etc). Sua reprodução não se dá por fissão binária, mas sim por montagem dos componentes sintetizados durante a replicação. Seu material genético é composto por apenas um único tipo de ácido nucleico, podendo ser DNA ou RNA. Não são capazes de produzir energia, nem de replicar-se de forma autônoma. Os vírus não são considerados estruturas vivas, devido a tais propriedades, devendo manter suas capacidades infecciosas para permanecer na natureza. Classificação A classificação dos vírus tem sido tradicionalmente baseada em suas características estruturais: Presença de DNA ou RNA Presença de ácidos nucleicos de fita simples ou dupla Forma da estrutura proteica (icosaédrica, esférica, outra) Presença ou ausência de envelope Tamanho Quanto a características bioquímicas: leva em consideração o tipo de material genético, forma de replicação, massa molecular do vírion, etc. Quanto à morfologia: considera tamanho e morfologia (ex. picornavirus = pequeno RNA vírus), existência ou não de glicoproteínas, envelope, simetria do capsídeo, etc. Quanto à sua forma de transmissão: critérios o contato direto, indireto, por vetores, transmissão transplacentária, transmamária e etc. Quanto à doença causada: considera o tropismo do vírus por algum tecido específico, mecanismos fisiopatológicos, etc. A classificação por características bioquímicas é a forma corrente da classificação taxonômica dos vírus. a nomenclatura dos vírus é independente de outras nomenclaturas biológicas científicas, assim, não se aplicam os termos binomiais em latim para se descrever os vírus. Estrutura morfológica Um vírion (partícula viral completa) consiste em um genoma de ácido nucleico empacotado em um envoltório proteico, chamado e capsídeo. Um vírion ainda pode ou não ser envolto por uma membrana, chamada de envelope e podem ainda conter algumas enzimas essenciais ou acessórias que facilitam o processo de replicação viral dentro da célula. As proteínas do capsídeo, juntamente com o genoma formam um nucleocapsídeo. O material genético que o compõe pode ser: DNA: - Fita dupla: circular ou linear - Fita simples: circular ou linear RNA: - Fita dupla: segmentado - Fita simples: linear, segmentado ou circular DNA de fita dupla é aquele que apresenta fitas complementares ligadas entre si. DNA fita simples é aquele que apresenta apenas uma única fita contendo o material genético. Já o RNA, que pode se apresentar de modo linear (inteiro) ou segmentado (fragmentos), ainda pode apresentar polaridades diferentes em suas fitas. A polaridade das fitas de RNA define a maneira como são traduzidas as proteínas virais. Aqueles com polaridade positiva, atuam como RNAm, com tradução direta. Aqueles com polaridade negativa, devem ser transcritos a RNAm antes de serem traduzidos. O capsídeo viral é uma estrutura rígida capaz de resistir às condições do ambiente como ressecamento, acidez, agentes detergentes e bile. Para alguns vírus, o capsídeo se forma em torno do genoma, para outros, ele se forma para depois ser preenchido pelo material genético. As estruturas helicoidais e icosaédricas são simétricas, as estruturas complexas são aquelas assimétricas e, em geral, estão associadas a bacteriófago. Duda Guerra 11 Microbiologia O envelope é obtido a partir da membrana da célula hospedeira. Trata-se de uma membrana lipídica, contendo proteínas e glicoproteínas. Sua estrutura só pode ser mantida em soluções aquosas. Não resiste ao ressecamento, condições ácidas, detergentes e solventes. Como consequência, esses vírus devem se manter em ambientes úmidos (ex. secreções respiratórias). Logo, vírus envelopados são mais sensíveis a condições ambientais do que os vírus não envelopados. É uma estrutura similar a membrana celular, entretanto, as proteínas nelas encontradas raramente são celulares, mesmo que o envelope tenha sido obtido de membranas celulares. As proteínas associadas ao envelope são divididas em: Proteína matriz: camada na superfície interna do envelope Proteínas de superfície: glicoproteínas que se projetam na superfície do envelope. Ácidos nucleicos O vírus utiliza seu genoma, sua informação genética, para se replicar em células hospedeiras. O resultado frequentemente consiste em interrupção das atividades celulares ou morte do hospedeiro. Os genomas virais são constituídos de DNA ou RNA. A replicação viral depende da expressão do genoma viral para a formação de proteínas virais e a replicação de novos genomas virais no interior da célula hospedeira infectada. O ácido nucleico viral pode ser de fita simples ou de fita dupla e também pode ser linear, circular ou segmentado. Capsídeos Na maioria dos casos, o ácido nucleico de um vírion individual está contido dentro de um capsídeo, que o protege e determina o formato do vírus. os capsídeos também desempenham um importante papel na adesão de alguns vírus às células hospedeiras. Cada capsídeo é composto por subunidades proteicas, denominadas capsômeros. Em alguns vírus, as proteínas encontradas no capsômero são de um único tipo. Em outros vírus, pode-se observar a presença de várias proteínas diferentes. Envelopes Os vírus envelopados possuem uma membrana típica em bicamada, localizada externamente aos capsídeos. Esses vírus adquirem o envelope após a sua montagem na célula hospedeira, quando brotam ou se movem através de uma ou mais membranas. O nucleocapsídio de um virion compreende o genoma viral juntamente com o capsídio. A composição do envelope é, em geral, determinada pelo ácido nucleico do vírus e pelas substancias derivadas das membranas do hospedeiro. Os envelopes são, em sua maioria, formados por combinações de lipídeos, proteínas e carboidratos. Dependendo do vírus, projeções denominadas espículas podem ou não se estender a partir do envelope viral. Essas projeções de superfície consistem em glicoproteínas, que servem para a fixação dos virions a sítios receptores específicos na superfície das células hospedeiras suscetíveis. Como os envelopes são adquiridos a partir das membranas da célula hospedeira e, portanto, são semelhantes a elas, os vírus podem ficar “escondidos” do ataque do sistema imune do hospedeiro. Além disso, os envelopes ajudam os vírus a infectar novas células por meio de sua fusão com a membrana celular ou plasmática do hospedeiro. Por outro lado, os vírus envelopados são facilmente danificados. As condições ambientais que destroem as membranas – aumento da temperatura, congelamento e descongelamento, pH abaixo de 6 ou acima de 8, solventes lipídicos e alguns desinfetantes químicos com cloro, peróxido de hidrogênio e fenol – também destruirão o envelope. Tamanhos e formas Embora alguns vírus sejam variáveis quanto à forma, a maior parte tem um formato específico, que é determinado pelos capsômeros ou pelo envelope. O capsídeo helicoidal é constituído por uma proteína semelhante a uma fita, que forma uma espiral em torno do ácido nucleico. Os vírus poliédricos têm muitos lados. Uma das formas mais comuns de capsídios poliédricos é o icosaedro; os vírus icosaédricos apresentam 20 faces triangulares. Um capsídeo complexo refere- se a uma combinação de formas helicoidal e icosaédrica, e alguns vírus possuem um capsídeo em forma de bala de revolver. Os vírus envelopados apresentam, em sua maioria, uma forma esférica. Classificação dos vírus Os virologistasclassificam os vírus pelo tipo de hospedeiro infectado ou pelo tipo de estruturas infectadas no hospedeiro. Duda Guerra 12 Microbiologia Assim, os vírus foram classificados em vírus bacterianos (bacteriófagos), vírus de plantas ou vírus de animais. E os vírus de animais foram agrupados, com base nos tecidos que eles atacam, em dermotrópicos, quando infectam a pele, neurotrópicos, quando infectam o tecido nervoso, viscerotrópicos, quando infectam órgãos do sistema digestório, ou pneumotrópicos, quando infectam o sistema respiratório. Replicação viral Em geral, os vírus passam pelas cinco etapas seguintes em seus ciclos de replicação para produzir mais vírions: 1- Adsorção: que é a fixação dos vírus às células hospedeiras 2- Penetração: a entrada dos virions (ou de seu genoma) nas células hospedeiras 3- Síntese: que se refere à síntese de novas moléculas de ácido nucleico, proteínas do capsídeo e outros componentes virais no interior das células hospedeiras, utilizando a maquinaria metabólica dessas células. 4- Maturação: que se refere à montagem dos componentes virais recém-sintetizados em virions completos 5- Liberação: a saída dos novos virions das células hospedeiras. Em geral, a liberação mata (lisa) as células hospedeiras. Replicação dos bacteriófagos Os bacteriófagos, ou simplesmente fagos, são vírus que infectam as bactérias. A fagoterapia é particularmente efetiva no tratamento de infecções em biofilmes. Enquanto houver mais bactérias hospedeiras, os fagos continuam se alimentando delas, até que todas desapareçam. Os fagos, que se replicam em uma taxa de centenas de novos vírus para cada acesso a uma célula bacteriana, podem rapidamente superar em numero a população bacteriana, que no mesmo período, só pode duplicar o seu numero por fissão binária. Uma vez eliminada a população de bactérias-alvo, os fagos remanescentes não podem se reproduzir e são removidos no decorrer de um período de vários dias pelo sistema reticuloendotelial. À semelhança de outros vírus, os bacteriófagos podem ter a sua informação genética na forma de RNA ou de DNA de fita dupla ou de fita simples. Eles podem exibir uma estrutura simples ou complexa. A infecção e a replicação de novos fagos T4 ocorrem em uma série de etapas. Adsorção Se os fagos T4 entrarem em contato com a célula hospedeira na orientação correta, eles irão aderir à superfície de célula hospedeira. A adsorção é uma atração química; exige a presença de fatores de reconhecimento de proteínas específicas encontradas nas fibras da cauda do fago, que se ligam a sítios receptores específicos nas células hospedeiras. As fibras se curvam e permitem que os pinos entrem em contato com a superfície celular. Duda Guerra 13 Microbiologia Penetração A enzima lisozima, que está presente na cauda dos fagos, enfraquece a parede celular da bactéria. Quando a bainha da cauda se contrai, o tubo oco (cerne) da cauda é forçado a penetrar na parede celular enfraquecida e a estabelecer contato com a membrana celular da bactéria. Em seguida, o DNA viral move-se da cabeça, através do tubo, para o interior da célula bacteriana. Ainda não está bem esclarecido se o DNA é introduzido diretamente no citoplasma; de acordo com evidencias recentes, os fagos T4 introduzem o seu DNA no espaço periplasmático, entre a membrana celular e a parede celular. De qualquer modo, o capsídeo do fago permanece fora da bactéria. Síntese Os genomas virais, que consistem em apenas alguns milhares a 250 mil nucleotídeos, são muito pequenos para conter toda a informação genética necessária para a sua própria replicação. Por esse motivo, eles precisam utilizar a maquinaria de biossíntese presente nas células hospedeiras. Quando o DNA do fago entra na célula hospedeira, seus genes assumem o controle da maquinaria metabólica dessa célula. Em geral, o DNA bacteriano é fragmentado, de modo que os nucleotídeos dos ácidos nucleicos hidrolisados possam ser utilizados como blocos de construção para um novo fago. O DNA do fago é transcrito em mRNA, utilizando a maquinaria da célula hospedeira. O mRNA, traduzido nos ribossomos do hospedeiro, dirige então a síntese das proteínas do capsídeo e das enzimas virais. Algumas dessas enzimas consistem em DNA polimerases que replicam o DNA do fago. Assim, a infecção pelo fago dirige a célula hospedeira para que ela sintetize apenas produtos virais – isto é, DNA viral e proteínas virais. Maturação Ocorre montagem da cabeça de um fago T4 no citoplasma da célula hospedeira a partir das proteínas do capsídeo recém-sintetizadas. Em seguida, uma molécula de fdDNA viral é acondicionada no interior de cada cabeça. Ao mesmo tempo, ocorre montagem das caudas dos fagos a partir das placas basais, bainhas e colares recém-formados. Quando a cabeça está adequadamente acondicionada com DNA, cada cabeça liga-se a uma cauda. Somente após a ligação da cabeça com a cauda é que as fibras da cauda são adicionadas para formar um fago maduro e infectante. Liberação A enzima lisozima, que é codificada por um gene do fago, decompõe a parede celular, possibilitando o escape dos vírus. Nesse processo, ocorre lise da célula hospedeira bacteriana. Desse modo, os fagos como T4 são denominados fagos virulentos (líticos), porque eles lisam e destroem as bactérias que infectam. Nesse estágio, os fagos liberados podem infectar mais bactérias suscetíveis, iniciando mais uma vez todo o processo de infecção. Essas infecções por fagos virulentos representam o ciclo lítico da infecção O tempo decorrido entre a adsorção e a liberação é denominado tempo de liberação viral; varia de 20 a 40 min. À semelhança do crescimento das bactérias, o crescimento viral pode ser descrito por uma curva de replicação, que em geral se baseia em observações de bactérias infectadas por fagos em culturas de laboratórios. A curva de replicação de um fago inclui um período de eclipse, que se estende da penetração até o estágio de biossíntese. Durante o período da eclipse, não é possível detectar virions maduros nas células hospedeiras. O período de latência estende-se da penetração até o momento de liberação dos fagos. Lisogenia Os bacteriófagos descritos, fagos virulentos, destroem suas células hospedeiras. Os fagos temperados nem sempre passam por um ciclo lítico. Na maioria das vezes, eles exibem lisogenia, que é uma relação estável e duradoura entre o fago e seu hospedeiro, em que o ácido nucleico do fago torna-se incorporado ao ácido nucleico do hospedeiro. As bactérias que participam dessa relação são denominadas células lisogênicas. Um dos fagos lisogênicos mais amplamente estudados é o fago lambda de Escherichia coli. Os fagos lambda aderem às células bacterianas e inserem o seu DNA linear no interior do citoplasma da bactéria. Entretanto, uma vez no citoplasma, o DNA do fago torna-se circular e, em seguida, integra- se ao cromossomo circular da bactéria em um local específico. Esse DNA viral dentro do cromossomo da bactéria é denominado prófago. A combinação de uma bactéria com um fago temperado é denominada lisógeno. Duda Guerra 14 Microbiologia A inserção de um fago lambda em uma bactéria altera as características genéticas da bactéria. A conversão llisogenica pode ser de importância médica, visto que os efeitos tóxicos de algumas infecções bacterianas são causados pelo prófagos que as bactérias contêm. A conversão do estado de não produção de toxina para o estado de produção de toxina é responsável, em grande parte, pelo dano tecidual observado na difteria e no botulismo. Na ausência de prófagos, as bactérias não causam doenças. Uma vez estabelecido como prófago, o vírus pode permanecer latente por um longo período. Toda vez que uma bactéria se divide, o prófagoé copiado e faz parte do cromossomo bacteriano na progênie da bactéria. Desse modo, esse período de crescimento bacteriano com um prófago representa um ciclo lisogênico. No entanto, seja de modo espontâneo ou em resposta a algum estímulo externo, o prófago pode tornar-se ativo e iniciar um ciclo lítico típico. Esse processo, denominado indução, pode ser devido a uma falta de nutrientes para o crescimento da bactéria ou à presença de produtos químicos tóxicos para o lisógeno. O pró-vírus parece perceber que as condições de “vida” estão se deteriorando e que já é hora de encontrar um novo lar. Por meio da indução, o pró-vírus retira-se do cromossomo bacteriano. O DNA do fago codifica então proteínas virais para a montagem de novos fagos temperados, de modo semelhante ao processo utilizado pelos fagos líticos. Como resultado, novos fagos temperados amadurecem e são liberados por meio de lise da célula. Imunidade aos vírus Os vírus são microrgansimos intracelulares obrigatórios que usam componentes do ácido nucleico e a maquinaria de síntese proteica do hospedeiro para se replicar. Os vírus tipicamente infectam vários tipos celulares, por endocitose mediada por receptor, após a ligação a moléculas de superfície celular normais. A replicação viral interfere na síntese proteica e na função da célula normal, levando à lesão, e por fim, à morte da célula infectada. Esse resultado é um tipo de efeito citopático dos vírus, e a infecção é dita lítica porque a célula infectada é lisada. As respostas imunes inatas e adaptativas aos vírus são destinadas a bloquear a infecção e a eliminar células infectadas. Imunidade inata Os principais mecanismos da imunidade inata contra vírus são a inibição da infecção por interferons do tipo I e o killing das células mediado por células NK. A infecção por muitos vírus está associada à produção de interferons (IFNs) do tipo I pelas células infectadas, bem como por células dendriticas, especialmente do tipo plasmacitoide, em resposta aos produtos virais. Diversas vias bioquímicas disparam a produção de IFN. Entre essas vias, estão o reconhecimento de RNA e DNA viral por TLRs endossômicos e a ativação de receptores tipo RIG citoplasmáticos, bem como da via STING, pelo RNA e DNA viral, respectivamente. Essas vias convergem na ativação de proteínas quinases que, por sua vez, ativam fatores de transcrição IRF, que estimulam a transcrição do gene de IFN. Os IFN do tipo I atuam inibindo a replicação viral tanto em células infectadas como nas células não infetadas. As células NK matam células infectadas por vírus e constituem um importante mecanismo de imunidade contra vírus no início do curso da infecção, antes de as respostas imunes adaptativas terem se desenvolvido. A expressão de MHC de classe I frequentemente é “desligada” nas células infectadas por vírus, como mecanismo de escapar dos CTLs (TCD8+). Isso permite que as células NK matem as células infectadas, uma vez que a ausência de classe I libera as células NK de um estado normal de inibição. Duda Guerra 15 Microbiologia Imunidade adaptativa Mediada por anticorpos, os quais bloqueiam a ligação e a entrada dos vírus nas células hospedeiras, e por CTLs (TCD8+), que eliminam a infecção destruindo as células infectadas. Os anticorpos mais efetivos são anticorpos de alta afinidade produzidos nas reações de centros germinativos T-dependentes. Os anticorpos são efetivos contra os vírus somente durante o estágio extracelular das vidas desses microrganismos. Os vírus podem ser extracelulares antes de infectarem as células hospedeiras, ou quando são liberados das células infectadas por brotamento viral ou com a morte das células infectadas. Os anticorpos antivirais se ligam ao envelope viral ou aos antígenos do capsídeo e atuam principalmente como anticorpos neutralizadores, para prevenir a fixação e a entrada dos vírus nas células hospedeiras. Assim, os anticorpos previnem tanto a infecção inicial como a disseminação célula à célula. Os anticorpos secretados, especialmente do isotipo IgA, são importantes para neutralizar os vírus juntos aos tratos respiratório e intestinal. Além da neutralização, os anticorpos podem opsonizar partículas virais e promover sua eliminação pelos fagócitos. A ativação do complemento também pode participar na imunidade viral mediada por anticorpo, principalmente via promoção de fagocitose e, possivelmente, pela lise direta dos vírus contendo envelopes lipídicos. A importância da imunidade humoral na defesa contra infecções virais é sustentada pela observação de que a resistência a um vírus particular, induzida por infecção ou vacinação, costuma ser espe´cifica para o tipo sorológico (anticorpo-definido) do vírus. Um exemplo é o vírus influenza, em que a exposição a um tipo sorológico não confere resistência aos outros sorotipos do vírus. Os anticorpos neutralizantes bloqueiam a infecção viral das células e a disseminação viral célula à célula, entretanto, depois que os vírus entram e passam a se replicar no meio intracelular, tornam-se inacessíveis aos anticorpos. A eliminação de vírus residentes nas células é mediada por TCD8+ que matam as células infectadas. A maioria dos CTLs vírus específicos são células TCD8+ que reconhecem peptídeos virais citosólicos, em geral sintetizados endogenamente, apresentados por moléculas de MHC de classe I. se a célula infectada for uma célula tecidual e não uma célula apresentadora de antígeno (APC), como uma célula dendrítica, a célula infectada pode ser fagocitada pela célula dendrítica que processa os antígenos virais e os apresenta às células TCD8+ naive. A diferenciação integral dos CTLs TCD8+ muitas vezes requer citocinas produzidas por células auxiliares TCD4+ ou coestimuladores expressos em células infectadas. As células TCD8+ sofrem uma intensa proliferação durante a infecção viral, e a maioria das células que proliferaram são específicas para alguns peptídeos virais. Algumas células T tivadas se diferenciam em CTLs efetores capazes de destruir qualquer célula nucleada infectada. Os efeitos antivirais dos CTLs são devidos principalmente ao killing das células infectadas, porém, outros mecanismos são a ativação de nucleases nas células infectadas, as quais degradam os genomas virais, e também à secreção de citocinas, como o IFN-Y que ativa fagócitos e pode ter alguma atividade antiviral. Nas infecções latentes, o DNA viral persiste nas células hospedeiras, porém o vírus não se replica nem mata as células infectadas. A latência frequentemente é um estado de equilíbrio entre infecção e resposta imune. Os CTLs gerados em resposta aos vírus podem controlar infecção, mas são incapazes de erradica-la. Como resultado, os vírus persistem nas células infectadas, as vezes, por toda a vida do indivíduo. A reativação da infecção está associada à expressão de genes virais responsáveis pelos efeitos citopáticos e pela disseminação do vírus. Esses efeitos citopáticos podem incluir a lise das células infectadas ou a proliferação descontrolada das células. Imunoevasão por vírus Os vírus desenvolveram numerosos mecanismos para evadir a imunidade do hospedeiro: - Os vírus podem alterar seus antígenos e, portanto, deixarem de ser alvos das respostas imunes. Os antígenos afetados são mais comumente glicoproteínas de superfície reconhecidas por anticorpos, porém os epítopos (porções do antígeno que reúnem aspectos físicos e químicos que favorecem o reconhecimento de regiões especificas dos anticorpos) da célula T também podem sofrer variação. Os principais mecanismos de variação antigênica são as mutações pontuais e o rearranjo dos genomas de RNA (em vírus de RNA), que levam à deriva antigênica e à variação antigênica. Esses processos são de grande importância na disseminação do vírus influenza.Os dois antígenos principais desse vírus são a hemaglutinina viral trimérica e a neuraminidase. Os genomas virais sofrem mutações nos genes codificadores dessas proteínas de superfície, e a variação resultante é chamada deriva antigênica. Os genomas de RNA segmentado de várias cepas do vírus influenza que normalmente habitam diferentes espécies de hospedeiro podem se recombinar nas células hospedeiras, e esses vírus recombinados podem diferir de forma bastante drástica das cepas prevalentes. A recombinação de genes virais resulta em alterações significativas na estrutura antigênica, chamadas variação antigênica, que cria vírus distintos como o da gripe aviária ou o da gripe suína. - Alguns vírus produzem moléculas que inibem a resposta imune. Os poxvírus codificam moléculas que são secretadas por células infectadas e se ligam a várias citocinas, incluindo IFN-Y, TNF, IL-1, IL-18 e quimiocinas. As proteínas ligantes de citocinas podem atuar como antagonistas competitivos das citocinas. A identificação dessas moléculas origina a intrigante possibilidade de que os vírus adquiram genes codificadores de inibidores endógenos de repostas imunes durante sua passagem pelos hospedeiros humanos e, portanto, evoluíram para infectar e colonizar seres humanos. - Algumas infecções virais crônicas estão associadas à falha das respostas de CTLs, chamada exaustão, a qual permite a persistência viral. - Os vírus podem infectar e destruir ou inativar células imunocompetentes. O exemplo evidente é o HIV, que sobrevive Duda Guerra 16 Microbiologia infectando e eliminando as células TCD4+, principais indutoras das respostas imunes a antígenos proteicos. Diferenciação genética dos vírus Os vírus evoluem. Isto é, o pool gênico de uma população de vírus pode mudar ao longo do tempo. Em alguns casos, os vírus em uma população podem evoluir por seleção natural. Características hereditárias que ajudam um vírus a se reproduzir (como a alta infectividade para o influenza, ou resistência a drogas para o HIV) tenderão a se tornar mais e mais comuns na população de vírus ao longo do tempo. A seleção natural só pode ocorrer quando tem a matéria-prima correta: variação genética. Significa que há algumas diferenças genéticas (hereditárias) em uma população. Nos vírus, a variação vem de duas fontes principais: Recombinação: os vírus trocam pedações de material genético (DNA ou RNA) Mutação aleatória: ocorre uma alteração na sequência de DNA ou RNA de um vírus. Recombinação Acontece geralmente quando dois vírus infectaram a mesma célula ao mesmo tempo. Como ambos estão usando a célula para produzir mais partículas de vírus, vai haver muitas peças de vírus – incluindo genomas recém produzidos – flutuando na célula. Sob essas circunstancias, a recombinação pode acontecer de duas maneiras diferentes. Primeiro, regiões similares de genomas virais podem se parear e trocar pedaços, fisicamente quebrando e reconectando o DNA ou o RNA. Segundo, vírus com segmentos diferentes (mais ou menos como pequenos cromossomos) podem trocar alguns desses segmentos, um processo chamado de rearranjo. Mutações virais Uma mutação é uma mudança permanente no material genético (DNA ou RNA) de um vírus. Uma mutação pode acontecer se houver um erro durante a cópia do DNA ou RNA do vírus. Alguns vírus têm taxas de mutação muito elevadas, mas isso não é universal. De forma geral, vírus de RNA tendem a ter altas taxas de mutação, enquanto vírus de DNA tendem a ter baixas taxas de mutação. A maioria dos vírus de DNA copiam seu material genético usando enzimas da célula hospedeira, chamadas DNA polimerases, que revisam o DNA (reconhecem e consertam os danos enquanto realizam a cópia). Já os vírus de RNA usam enzimas chamadas RNA polimerases, as quais não fazem correção e, portanto, cometem muito mais erros.
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