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Esta obra busca suscitar a reflexão sobre a educa- ção inclusiva como uma conquista e um direito das pessoas com deficiência. Ainda há barreiras teóri- cas e práticas a serem vencidas, do mesmo modo que se faz necessário o enfrentamento de pre- conceitos e o convencimento de diferentes atores envolvidos no processo inclusivo. Assim, discutir os caminhos da inclusão é uma prática que precisa permear a formação de professores e se dissemi- nar socialmente para fomentar a inclusão social. São abordados neste livro os principais conceitos, as características das dificuldades específicas de aprendizagem e os transtornos/distúrbios mais comuns no espaço escolar. Com foco na melhoria da qualidade da aprendizagem para todos, esta obra busca subsidiar o professor na identificação de sinais de alerta e definição das ações pedagó- gicas mais adequadas, por meio de metodologias inovadoras, estratégias e intervenções variadas, compreendendo que é pela sólida formação dos profissionais da educação que a inclusão ocorre. F U N D A M E N T O S D A E D U C A Ç Ã O E S P E C IA L E IN C LU S IV A A N A C R IS T IN A G IP IE L A P IE N TA Código Logístico 59643 Fundação Biblioteca Nacional ISBN 978-85-387-6703-9 9 7 8 8 5 3 8 7 6 7 0 3 9 Fundamentos da educação especial e inclusiva Ana Cristina Gipiela Pienta IESDE BRASIL 2020 Todos os direitos reservados. IESDE BRASIL S/A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200 Batel – Curitiba – PR 0800 708 88 88 – www.iesde.com.br © 2020 – IESDE BRASIL S/A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito da autora e do detentor dos direitos autorais. Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Denis Kuvaev/fotogestoeber/Shutterstock CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ P669f Pienta, Ana Cristina Gipiela Fundamentos da educação especial e inclusiva / Ana Cristina Gipiela Pienta. - 1. ed. - Curitiba [PR] : Iesde, 2020. 126 p. : il. Inclui bibliografia ISBN 978-85-387-6703-9 1. Educação especial. 2. Educação inclusiva. 3. Educação especial - Brasil. 4. Educação especial - Aspectos sociais. 5. Pessoas com deficiência - Educação. I. Título. 20-66454 CDD: 371.9 CDU: 376 Ana Cristina Gipiela Pienta Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Organização do Trabalho Pedagógico pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e em Educação Especial e Inclusiva pela Unifacear. Graduada em Pedagogia pela UFPR. Possui experiência como professora de educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental e como pedagoga. Atua ainda como docente e pesquisadora em cursos de capacitação, graduação e pós-graduação, tendo atuado também como coordenadora em cursos de graduação na modalidade presencial e a distância. Agora é possível acessar os vídeos do livro por meio de QR codes (códigos de barras) presentes no início de cada seção de capítulo. Acesse os vídeos automaticamente, direcionando a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet para o QR code. Em alguns dispositivos é necessário ter instalado um leitor de QR code, que pode ser adquirido gratuitamente em lojas de aplicativos. Vídeos em QR code! SUMÁRIO 1 A trajetória de educação especial e inclusiva 9 1.1 Princípios e fundamentos 9 1.2 História da educação especial: da exclusão à visibilidade do deficiente 11 1.3 Declarações internacionais: os arautos da inclusão 18 1.4 A função da escola na perspectiva da inclusão 23 2 Educação especial e inclusiva no Brasil 30 2.1 Educação especial e inclusiva na Constituição de 1988 30 2.2 A inclusão na LDB 9.394/1996 32 2.3 Diretrizes nacionais para a educação especial e inclusiva 38 2.4 A organização escolar e dos sistemas de ensino para a inclusão 42 3 Dificuldades e transtornos/distúrbios de aprendizagem 50 3.1 Dificuldades e transtornos de aprendizagem: conceitos básicos 50 3.2 Transtornos específicos da aprendizagem 54 3.3 Transtorno do déficit de atenção e hiperatividade 67 4 Inclusão de estudantes com deficiência 75 4.1 Deficiência auditiva 75 4.2 Deficiência física e motora 82 4.3 Deficiência intelectual 85 4.4 Deficiência visual 90 4.5 Altas habilidades/superdotação 95 4.6 Transtornos globais do desenvolvimento 101 5 Organização do trabalho pedagógico voltado à inclusão 108 5.1 Percursos inclusivos e relação família-estudante-escola 108 5.2 Acessibilidade 111 5.3 Currículo adaptado e adequações metodológicas 113 5.4 Avaliação 116 5.5 Escolas de educação especial 118 5.6 Atendimento educacional especializado – AEE 121 Esta obra busca suscitar a reflexão sobre a educação inclusiva como uma conquista e um direito das pessoas com deficiência. O tema em questão ainda tem barreiras teóricas e práticas a serem vencidas, do mesmo modo que se faz necessário o enfrentamento de preconceitos e o convencimento de diferentes atores envolvidos no processo inclusivo. Assim, discutir os caminhos da inclusão é uma prática que precisa permear a formação de professores e se disseminar socialmente para fomentar a inclusão social. Nessa perspectiva, no primeiro capítulo apresentamos o percurso histórico da construção do ideal de inclusão. Revisamos os estigmas que incentivavam as práticas cruéis e preconceituosas que marcaram diferentes momentos históricos e grupos sociais. Ter consciência das barbáries cometidas auxilia na compreensão da importância dos eventos internacionais, apresentados nesse mesmo capítulo, que serviram de marco para a conquista de direitos e o delineamento de políticas de inclusão. Com a bandeira de “educação para todos”, a educação inclusiva começa a tomar corpo. O segundo capítulo faz uma imersão nas legislações brasileiras e mostra como a Constituição Federal de 1988, com sua característica de “Constituição Cidadã”, foi essencial para indicar os primeiros passos da educação inclusiva no Brasil, influenciando em especial a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996. As duas servem de fundamento para as demais leis, decretos e resoluções que têm a função de delinear os princípios da educação especial e inclusiva em um país tão grande e diverso. No terceiro capítulo é iniciada a discussão sobre as práticas da educação especial e inclusiva. Especialmente nesse capítulo, abordamos as principais características que marcam os educandos com dificuldades e transtornos de aprendizagem. APRESENTAÇÃOVídeo 8 Fundamentos da educação especial e inclusiva Buscamos trazer os principais conceitos, as características das dificuldades específicas de aprendizagem e os transtornos/distúrbios mais comuns no espaço escolar com o objetivo de subsidiar o professor na identificação de sinais de alerta e definição das ações pedagógicas mais adequadas por meio de metodologias inovadoras, estratégias e intervenções variadas, tendo como foco a melhoria da qualidade da aprendizagem para todos. O quarto capítulo apresenta as principais características de cada deficiência, suas possíveis causas e orientações para melhorar o processo de inclusão escolar, compreendendo que é pela sólida formação dos profissionais da educação que a inclusão vai ocorrer. Por meio do conhecimento sobre as deficiências, toda a comunidade escolar pode se mobilizar para organizar ambientes propícios para a aprendizagem de todos. No último capítulo, a organização do trabalho pedagógico para a inclusão é a tônica da reflexão. Uma escola que se propõe a acolher a diversidade, proporcionando educação de qualidade independentemente das condições ou características dos educandos, também precisa ser diversificada em sua práxis pedagógica e nos elementos que a compõem, como currículo, metodologia e avaliação. Ainda no mesmo capítulo, refletimos sobre a relação que se estabelece entre família e escola no processo de inclusão.Sempre no contexto das melhores estratégias educacionais para todos, abordamos também o atendimento educacional especializado e a escola especial. Que o livro Fundamentos da educação especial e inclusiva possa colaborar para a construção de uma prática educativa que respeite e valorize as diferenças. Bons estudos! A trajetória de educação especial e inclusiva 9 1 A trajetória de educação especial e inclusiva Conhecer a trajetória da educação especial e inclusiva implica perceber que a forma como a sociedade vê a deficiência é uma construção histórico-social, que será o foco da primeira seção do capítulo. Na segunda seção, você vai se aproximar dessas diferen- tes maneiras de leitura social da deficiência em diversos momen- tos históricos e grupos sociais. Essa contextualização inicial é necessária para entender a im- portância das declarações internacionais apresentadas na terceira seção, as quais, em um contexto de sociedade globalizada e ex- pansão das tecnologias, vêm indicar estratégias e metas na tentati- va de superação das formas mais cruéis de exclusão e segregação. Nesse contexto, a escola tem função imprescindível para fo- mentar a inclusão, apesar dos inúmeros desafios e dificuldades que ainda precisa transpor. Para tanto, é necessário buscar infor- mações e nos sensibilizarmos frente à importância iminente da inclusão, assim como sua implementação em todos os projetos educacionais. 1.1 Princípios e fundamentos Vídeo A educação é uma das práticas humanas mais abrangente e comple- xa, presente desde os relatos mais primitivos da civilização, trazendo uma grande contribuição na existência e perpetuação da espécie humana. Abagnano (2007, p. 357) evidencia a relação entre educação e so- ciedade humana ao afirmar que educação designa “a transmissão e o aprendizado das técnicas culturais, que são as técnicas de uso, produ- ção e comportamento mediante as quais um grupo de homens é capaz 10 Fundamentos da educação especial e inclusiva de satisfazer suas necessidades, proteger-se contra a hostilidade do ambiente físico e biológico e trabalhar em conjunto”. Nessa perspec- tiva, a sobrevivência da sociedade humana depende da transmissão desses saberes (cultura) de uma geração para outra, ou seja, depende da educação, de um processo educativo. A educação, portanto, é uma ação que nos humaniza. Em resumo, a finalidade do ato de educar é “trans-formar” seres humanos, dando ênfase a como se processam as mudanças nos sujeitos, por meio de um incremento em suas competências, tornando-os humanos. Como afirma Gadotti (1995, p. 18), a educação tem importante papel no próprio processo de hu- manização do homem e de transformação social, embora não se preconize que sozinha a educação possa transformar a socie- dade. Apontando para as possibilidades da educação, a teoria educacional visa à formação do homem integral, ao desenvolvi- mento de suas potencialidades, para torná-lo sujeito de sua pró- pria história e não objeto dela. Em Freire (1999, p. 15), encontramos o conceito de educação inti- mamente ligado à condição de “inconclusão do ser humano” e, devido à sua incompletude, homens e mulheres estão em permanente mo- vimento de busca. Modificar-se é, portanto, uma necessidade da na- tureza dos seres humanos, na busca de complementarem-se como pessoas. A educação (em especial a educação escolar) já serviu para conduzir e aproximar os indivíduos do conhecimento, entretanto essa função isolada não é mais suficiente para o atual contexto. A educação vai além da transmissão de infor- mações e conteúdos curriculares. A Constituição Federal Brasileira e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDB n. 9.394/1996, in- dicam o exercício da cidadania como uma das finalidades da educação ao estabelecer uma prática educativa inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade huma- na, com a finalidade do pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho (BRASIL, 1996). ayelet- keshet/Sh utterstock A trajetória de educação especial e inclusiva 11 Todos os documentos de referência convergem para um processo educacional cuja função é fomentar a discussão acerca das questões de identidade, justiça social, superação das desigualdades e democrati- zação de oportunidades, indicando, portanto, a educação como direito de todos, independentemente das mais diversas condições individuais. Isso implica a inserção de práticas pedagógicas intencionais voltadas à cidadania; conhecimento dos direitos fundamentais; enfrentamento ao preconceito e à discriminação; respeito, reconhecimento e valorização de toda a diversidade humana; buscando ações de promoção, prote- ção, prevenção, defesa e reparação dos direitos de todos os indivíduos. No dizer de Boaventura de Souza Santos: temos o direito a ser iguais quando a nossa diferença nos inferio- riza; e temos o direito a ser diferentes quando a nossa igualda- de nos descaracteriza. Daí a necessidade de uma igualdade que reconheça as diferenças e de uma diferença que não produza, alimente ou reproduza as desigualdades (2003, p. 56). É nessa perspectiva, de uma educação que humaniza e transforma enquanto direito individual inalienável, que estudaremos a importân- cia e o “espaço” da educação inclusiva. Direitos inalienáveis são todos os direitos fundamentais que não podem ser negados a ninguém. Eles fazem parte da essência da pessoa e nenhuma autoridade tem competência para negá-lo. Importante 1.2 História da educação especial: da exclusão à visibilidade do deficiente Vídeo Durante séculos, as pessoas com deficiência foram excluídas da so- ciedade. Devido a um estigma de incapacidade, tiveram negadas sua cidadania e sua humanidade. As deficiências já estiveram ligadas a ideias de castigo, doenças ou manifestação divina para punir ou coibir determinados comportamentos de gerações passadas. Como afirma Silva, “anomalias físicas ou mentais, deformações con- gênitas, amputações traumáticas, doenças graves e de consequências incapacitantes, sejam elas de natureza transitória ou permanente, são tão antigas quanto a própria humanidade” (1987, p. 21). Para compreendermos a construção do conceito de práticas sociais e pedagógicas que tiram do obscurantismo e incluem esses indivíduos que fogem do padrão de “normalidade”, é necessário nos transportar- mos para um período histórico anterior à existência de processos edu- cacionais formais. 12 Fundamentos da educação especial e inclusiva Voltando-nos para o desenvol- vimento do ser humano primitivo, ainda no início do chamado período Cenozoico Quaternário 1 , a ação li- mitava-se à garantia de sua sobrevi- vência. Para tanto, os seres humanos viviam da coleta de alimentos e da caça de pequenos animais. Embora vivessem agrupados, seu nível de de- senvolvimento comunitário era tão baixo que foram classificados como “rebanhos humanos primitivos” (MANFRED, 1981, p. 45), e a principal razão para se manterem juntos era porque a vida fora do rebanho era repleta de perigos impossíveis de serem enfrentados por um indivíduo isolado. Os sujeitos, nesse período, agiam, aprendiam e se desenvolviam por meio da imitação de modelos transmitidos pelos integrantes mais velhos dos grupos. Não havia, entretanto, intencionalidade no ato de ensinar e aprender, apenas imitavam, assimilavam e, através da repe- tição contínua, agregavam pequenas especializações a esses atos, de- senvolvendo e aprimorando algumas técnicas. A produção e uso do fogo foram dominadas pelo homem somente no Período Paleolítico 2 , permitindo aos indivíduos descerem das árvores e passarem a viver em cavernas, utilizando o fogo para espantar o frio e os grandes animais, além de assar seus alimentos. Em todo esse longo período da história, pessoas que apresentassem algo diferente (que fugissem das características comuns dos demais) na maioria das vezes eram exterminadas, pois representavamempecilho à sobrevivência do grupo (FONSECA, 2000, p. 482), trazendo dificuldades para suas práticas nômades e para sua defesa contra grandes animais, além de não contribuírem para a caça e a coleta de alimentos. No Antigo Egito, acreditava-se que as deficiências, assim como ou- tros males graves, eram provocadas por maus espíritos, demônios ou pecados de vidas anteriores que deviam ser pagos. Em função dessa compreensão, os deficientes não podiam ser ex- terminados, ao contrário, necessitavam da intervenção dos deuses por meio da atuação de um médico-sacerdote, que era “revestido” pelo po- der divino e especializado nos Livros Sagrados sobre doenças e suas A Era Cenozoica é a mais recente do Éon Fanerozoico, da qual fazem parte também o Paleozoico e o Mesozoico. O período Quaternário da Era Cenozoica se iniciou há 2,6 milhões de anos e estende-se até hoje (POLON, 2014). 1 De acordo com Polon (2014), o paleolítico designa um período da pré-história de cerca de 2,5 milhões de anos até 10.000 anos atrás. Também é conhecido como “período da pedra lascada”, pois corresponde ao desen- volvimento da habilidade dos seres humanos primitivos em construir armas e ferramentas. 2 Gorodenkoff/Shutterstock A trajetória de educação especial e inclusiva 13 curas. Há que se destacar que apenas os membros da nobreza, ou en- tão sacerdotes, guerreiros e seus familiares tinham o privilégio de rece- ber essa assistência (SILVA, 1987, p. 79). Entre os hebreus a aparência física era o principal fator de exclu- são das pessoas com deficiência. No livro bíblico do Levítico, Moisés determina que o cego, coxo, corcunda, assim como os leprosos, não poderiam participar de seu ministério (ROSA, 2007, p. 11). Na Grécia Antiga, o ideal de beleza e perfeição, representado por um corpo belo, forte e rápido, era um meio de se aproximar dos deuses. Ou seja, a perfeição era um ideal desejado por todos, levando os deficientes a serem sacrificados ou escondidos, segregados da convivência social. Essa atitude em relação aos sujeitos com deficiência é expressa por Platão, na obra A República (Livro IV), na qual afirma: pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco, para junto de amas que moram à parte num bair- ro da cidade; os dos homens inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar interdito e oculto, como convém (apud GUGEL, 2007, p. 63). Diversos registros indicam o abandono ou sacrifício de crianças “de- feituosas” em Atenas e Esparta, ações estas legitimadas pela lei e pelos costumes da sociedade grega. No Império Romano, também se fazia presente a ideia de exterminar as crianças com alguma deficiência, conforme texto do postulado romano: Nós matamos os cães danados, os touros ferozes e indomáveis, degolamos as ovelhas doentes com medo que infectem o reba- nho, asfixiamos os recém-nascidos mal constituídos, mesmo as crianças, se forem débeis ou anormais, nós as afogamos: não se trata de ódio, mas da razão que nos convida a separar das partes sãs aquelas que podem corrompê-las. (CARVALHO, 1997, p. 15) Apesar de os registros históricos apresentarem valiosos avanços do Império Romano, em especial em relação à legislação, à medicina e à vida em sociedade, as leis romanas proibiam a morte intencional de crianças com menos de três anos de idade, exceto no caso dos nasci- dos com alguma mutilação ou serem considerados de aspecto repulsi- vo. Nesses casos, a lei previa a morte ao nascer (SILVA, 1987). É verdade que nem todas as crianças eram mortas, entretanto, mui- tas eram abandonadas à própria sorte em locais públicos e acolhidas O filme 300 retrata a batalha de Thermopylae, na qual Leônidas, rei da cidade grega de Esparta, lidera seus guerreiros em desvantagem contra o massivo exército persa, liderado pelo rei Xerxes. 300 começa com uma cena que mostra vários bebês considerados in- desejados, em função de deficiências, sendo sacrifi- cados, pois não serviriam para a guerra. Leônidas não tem deficiências, en- tão ele consegue viver. O filme retrata o ideal do homem grego perfeito, guerreiro destemido, forte e belo. Direção: Zack Snyder, EUA: Warner Bros. Pictures, 2006. 117min. Filme 14 Fundamentos da educação especial e inclusiva por pessoas que viviam de esmolas, que as criavam e mais tarde utili- zavam-nas para conseguir esmolas mais significativas. A obra ao lado, de título “Be- lisarius recebendo esmola” retrata a prática da esmola a pessoas com deficiência. Belisário (505-565) foi um general com importante parti- cipação na conquista de Roma, entretanto foi aprisionado acu- sado de conspiração, ficando cego na prisão. Passou a viver de esmolas desde então. Essa prática se tornou um ne- gócio em Roma, com registros de crianças raptadas e mu- tiladas para serem utilizadas como pedintes. DAVID, Jacques-Louis. Belisarius recebendo esmola. 1781. 1 óleo sobre tela, 312 x 288 cm. Palácio de Belas Artes, Lille, França. Durante o Império Romano surge o cristianismo e com ele a ideia de caridade e amor ao próximo, trazendo um período de acolhimen- to para os menos favorecidos e excluídos. O cristianismo combateu, dentre outras práticas, a eliminação dos filhos nascidos com deficiência. Os cristãos foram persegui- dos, porém, alteraram as concepções romanas a partir do sécu- lo IV. Nesse período é que surgiram os primeiros hospitais de caridade que abrigavam indigentes e pessoas com deficiências. (GUGEL, 2007, p. 1) O cristianismo introduz o conceito de que todos são filhos de Deus, gerando uma grande “irmandade” entre as pessoas, assim os deficien- tes “passaram a ter alma” e as práticas de extermínio, abandono e maus tratos se tornam inaceitáveis perante a moral cristã. Assim como Jesus, representante do cristianismo, outros líderes religiosos como Buda, Maomé e Confúcio 3 pregaram a piedade e o cuidado às pessoas com deficiência. O extermínio e o abandono dão A história da Educação Especial nos mostra comportamentos de exclusão, violência, segregação e muito preconceito relacionados às pessoas com deficiência. No atual contexto social, você ainda identifica alguma situação que se assemelha a essa realidade? Em caso afirmativo, relate alguma experiência sua ou então um caso ou notícia que chegou a seu conhecimento. Atividade 1 Buda, Maomé e Confúcio são respectivamente fundadores do budismo, islamismo e confucionismo. 3 A trajetória de educação especial e inclusiva 15 lugar ao cuidado em forma de isolamento, por meio do confinamen- to e da exclusão das pessoas com deficiência do convívio social. Durante a Idade Média os registros históricos demonstram um retrocesso no tratamento destinado aos deficientes. O aumento da população das cidades nesse período, somado à falta de infraes- trutura e higiene, favoreceu o aparecimento de doenças, pestes e epidemias, muitas das quais foram responsáveis pelo aumento do número de pessoas com mutilações e deformidades, assim como o nascimento de crianças com más-formações. Entretanto, todas essas circunstâncias eram consideradas sinais da ira celeste ou do castigo de Deus, ou então manifestações de- moníacas. Grande parte da população não tinha acesso a cuidados médicos e era tratada por curandeiros, benzedeiros, sessões de exorcismo e até castigos físicos empregados por inquisidores, sem- pre influenciados pelo misticismo que cercava, e “explicava”, as defi- ciências nesse período histórico. É também nesse período que começam a surgir as primeiras instituições de caridade para abrigar deficientes. Por volta do ano de 1300, na Inglaterra, o Rei Eduardo II baixa a primeira legislação que trata dos cuidados com a sobrevivência e, principalmente, com os bens das pessoas consideradas “idiotas”, isso porque havia uma preocupação com a herança dos filhos de nobres e de famílias da elite que possuíam deficiências mentais. Legitimado por essa lei, o rei teria a incumbência de garantir que as necessidadesdos deficien- tes fossem satisfeitas, em contrapartida teria direito de tomar pos- se dos bens da pessoa cuidada, utilizando apenas uma parte para custear as despesas com os cuidados necessários (PESSOTTI, 1984). Somente no século XVI (Idade Moderna) que Paracelso (1493- 1541) e Cardano (1501-1576), respectivamente, apresentam estudos que consideram a deficiência mental como um problema médico. No livro Sobre as doenças que privam o homem da razão (1567), Paracelso foi o primeiro a considerar a deficiência mental uma questão médica que necessita de tratamento e complacência. Cardano reitera essa compreensão e demonstra preocupação com a educação das pes- soas com deficiência (ROLIM, 2008). Idade Média é um período da história da Europa compreendido entre os séculos V e IV. Começa com a queda do Império Roma- no (476 d.C.) e estende-se até a tomada da capital do Império Bizantino (1453). Importante Para compreender um pouco mais sobre esse período, uma dica é assistir ao filme de 2013 O Físico. Por meio de seu enredo, podemos ter uma ideia de como era a medicina e a ciência na Idade Média. Diretor: Philipp Stölzl. Alemanha: Universal Pictures, 2013. 150min. Filme Outra dica interessante é assistir ao documentário A peste negra na Idade Média, produzido pelo History Channel Brasil. Disponível em: http://youtu.be/L2- HoovP-Dk. Acesso em: 11 set. 2020. Documentário http://youtu.be/L2-HoovP-Dk http://youtu.be/L2-HoovP-Dk 16 Fundamentos da educação especial e inclusiva Paracelso, pseudônimo de Philippus Aureolus Theo- phrastus Bombastus von Hohenheim, foi um médico, alquimista, astrólogo e ocultista suíço-alemão que viveu no período denominado Renascimento, após a Idade Média. Foi o primeiro a usar como medicamento uma substância que não fosse nem animal e nem vegetal, no caso ele utilizou o zinco no tratamento contra a sífilis. Girolamo Cardano, por sua vez, foi um astrólogo, médi- co, filósofo e matemático italiano. Na medicina alcançou notoriedade na época também pelo uso de medicações para a cura de enfermidades. Biografia A partir desse estudo, algumas ações com fundamentação nas ciên- cias médicas, anatômicas e jurídicas começam a substituir as explica- ções místicas, de possessão demoníaca ou transcendentais. O Renascimento foi marcado pelo progresso científico, tudo o que antes era explicado pela ação divina passa a ter uma teoria racional e científica para esclarecer. Por volta de 1650 um importante, e pioneiro, estudo anatômico do cé- rebro humano é realizado por Thomas Willis (1621-1675), o qual afirma que a idiotia e outras deficiências eram produto de alterações na estrutura do cérebro. Tal publicação muda a abordagem no tratamento dispensado às pessoas com deficiências mentais, que ora tinha o viés religioso, ora humanitário, passando a se amparar em argumentos científicos. Thomas Willis foi um médico inglês que ganhou notoriedade devido aos seus pioneiros estudos em neuroanatomia. Foi cofundador da Royal Society, impor- tante instituição voltada à promoção do conhecimento científico. Biografia A trajetória de educação especial e inclusiva 17 Outros estudos começaram a surgir, e, em 1690, John Locke (1632- 1704), filósofo, médico e ensaísta, publica sua obra Essary, apresentan- do uma visão naturalista da mente humana. Locke postula que a mente humana é como uma folha em branco, que será preenchida ao longo da vida pelas experiências vividas e pelo ensino recebido (PESSOTTI, 1984). A Teoria do Conhecimento e Aprendizagem de Locke influenciou fortemente outros intelectuais e educadores, como Jean-Jacques Rous- seau e suas teorias educacionais, que, por sua vez, serviram como fun- damento para Jean Itard, em 1800, realizar a primeira sistematização de um programa educacional para pessoas com deficiência. John Locke foi um filósofo inglês considerado o “pai do liberalismo”, além de defensor da liberdade e da to- lerância religiosa. Principal representante do empirismo britânico, é um dos principais teóricos do contrato so- cial. Em sua teoria da tábua rasa, defende que a mente é uma folha em branco que é preenchida apenas com a experiência. Biografia Depois da iniciativa de Itard, surgiram diversos estudos educacio- nais no campo das deficiências. Apesar disso, uma parcela maciça da população ainda encarava as pessoas com deficiência de maneira pes- simista, omitindo-se em relação ao atendimento e às necessidades específicas desses indivíduos. Segundo Mazzotta (2017), esse compor- tamento se assenta sobre a ideia de incapacitado, inválido e também da condição imutável do deficiente. No início do século XX, a médica italiana Maria Montessori desenvol- veu um programa de treinamento para crianças com deficiência mental nos internatos de Roma. A educadora enfatizava em seu método a au- toeducação através do uso de materiais didáticos, adequando a didá- tica às características de cada aluno. A contribuição de Montessori se faz presente ainda hoje em escolas do mundo todo, por meio de seus materiais didáticos manipulativos, sensoriais e lúdicos. De acordo com Pessotti (1984), a maior contribuição de Montessori para o atendimento educacional à deficiência mental reside no fato de desviar o foco do ensino da aquisição de conteúdos e repertórios aca- dêmicos, centralizando a atenção em alcançar o educando, atingir seus desejos, seus valores e sua autoestima. Jean Itard é considerado o “pai da Educação Especial”. Em 1799, no Sul da França, foi encontrada, por alguns fazendeiros, uma criança abandonada em uma floresta, provavelmente por ter deficiência. Sabendo dos estudos do médico e preocupados com a criança, entregaram-na ao Dr. Itard, que a acolheu e passou a chamá-la de Victor. Jean Itard incubiu-se da educa- ção de Victor e utilizou técnicas de desenho para ensiná-lo a falar algumas poucas palavras, andar na posição vertical, comer fazendo uso de pratos e talheres e interagir com outras pessoas. Muitas dessas técnicas ainda são aplicadas na educação especial (SMITH,2008, p. 32). Você pode conhecer um pouco mais sobre essa fascinante re- lação através do filme: O garoto selvagem (François Truffaut, França – 1970). Saiba mais 18 Fundamentos da educação especial e inclusiva Nesse mesmo período, inicia-se um movimento de propagação e surgimento de iniciativas individuais, coletivas e institucionais, públicas e privadas de atenção à educação especial. Apesar de ser um avanço, ainda se defendia a ideia do atendimento em institui- ções especializadas, por entender que os indivíduos com deficiência não se enquadravam nos padrões e normas de ordem e moral da sociedade. No Brasil, a primeira instituição especializada foi criada em 1926, na cidade de Canoas (RS), pelo Instituto Pestalozzi. Ofereciam aten- dimento em regime de internato e semi-internato para crianças e adolescentes com deficiência mental. Alguns anos depois estende- ram seu atendimento, com a abertura de outras unidades, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Na década de 1950, por influência de movimentos organizados de pais de crianças com deficiência excluídas das escolas na Europa e nos Estados Unidos, que criaram a National Association For Retar- ded Children (NAR), surge no Brasil a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE. Essas iniciativas são marcos da educação especial no Brasil. Entretanto muitos passos ainda nos separam da inclusão, social e escolar, das pessoas com deficiência. Na sequência, trataremos da elaboração de documentos internacionais imprescindíveis para guiar as ações rumo ao processo de inclusão. 1.3 Declarações internacionais: os arautos da inclusão Vídeo Em diferentes períodos históricos, em variados contextos sociais, nos mais diversos lugares do mundo, há uma máxima salvacionis- ta que atribui à educação a solução da maioria dos problemas da sociedade moderna. Nessa perspectiva, e em plena expansão da globalização, a partir da década de 1990 uma série de encontrose conferências mundiais ocorrem para discutir e deliberar sobre redução de índices de analfabetismo, superação de problemas de aprendizagem e diminuição dos índices de evasão escolar e repe- tência, além de definir políticas educacionais a fim de diminuir as desigualdades. Você conhece a história do Corcunda de Notre-Dame? É um romance histórico do escritor francês Victor Hugo, publicado em 1831. O enredo se passa no século XV e retrata a história de Quasímodo, que foi abandonado por seus pais quando ainda era pequeno. Outra personagem central é Esmeralda. Pesquise a respeito dessa história clássica, se desejar assista ao filme (há uma famosa animação de 1996) e analise a relação entre a histó- ria da Educação Especial citada no capítulo e a realidade vivida por Quasimodo e Esmeralda. Eles sofriam preconceito? Quais as causas desse preconceito? A história retrata segregação e exclusão? Atividade 2 A trajetória de educação especial e inclusiva 19 As conferências mundiais, as discussões acerca da escolarização dos excluídos e a definição de metas educacionais são imprescindíveis. Entretanto é necessário refletir a respeito da responsabilidade imputada quase que exclusivamente à escola na superação de problemas sociais historicamente enraizados. Consta no documento de Jomtien que “[...] a educação pode contribuir para conquistar um mundo mais seguro, mais sadio, mais próspero, [...] favorecer o progresso social, econômico, a tolerância e a cooperação internacional” (UNESCO, 1990, p. 2). Nessa perspectiva, constrói-se uma expectativa de ascensão social unicamente pela via educacional, transformando, assim, a escola em espaço para a resolução das contradi- ções presentes, criadas nas relações sociais da sociedade capitalista. Para refletir Em 1990, em Jomtien (Tailândia), aconteceu a Conferência Mun- dial de Educação para Todos, financiada pela Organização das Na- ções Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e o Banco Mundial. Dessa conferência, participaram representantes de 155 gover- nos, tendo como resultado uma declaração aprovada e assumida por todos esses países, a Declaração de Educação Para Todos, na qual ficou estabelecido o compromisso em assegurar educação bá- sica de qualidade a crianças, jovens e adultos. O Brasil, além de signatário da Declaração, era um dos nove países com maior taxa de analfabetismo do mundo. Uma das estratégias acordadas na Conferência de Jomtien (UNESCO, 1990) era dar atenção especial aos grupos desampara- dos e aos portadores de necessidades especiais, e uma das metas o acesso universal à educação básica até 2000. Pensando nas pessoas com deficiência, essa estratégia e meta indicam a execução de ações que facilitem a aprendizagem e eli- minem as desigualdades educativas impostas a esses grupos. Mas afinal tais estratégias e metas estabelecidas em 1990 foram atingi- das? Foram superadas? Continuemos em nosso estudo. Outro documento internacional, a Declaração de Salamanca (1994), foi o resultado da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais: acesso e qualidade, realizada na Universidade de Salamanca, na Espanha, juntamente com a ONU. Dela participa- 20 Fundamentos da educação especial e inclusiva ram 94 países e 25 organizações internacionais, tendo como pano de fundo a Declaração de Educação para Todos, com vistas à edu- cação especial (UNESCO, 1994). Tal documento então trazia a imposição de que os países signa- tários, entre eles o Brasil, dedicassem prioridade política e finan- ceira à melhoria e aprimoramento de seus sistemas educacionais para incluírem todas as crianças, independentemente de suas dife- renças ou dificuldades individuais (UNESCO, 1994). Salamanca foi muito significativa, visto que, embora os docu- mentos de Jomtien fizessem referências explícitas às pessoas com deficiência, pouco, ou quase nada, havia sido feito pelos governos signatários para criar condições de acesso delas à escola. Nesse sentido, a Conferência de Salamanca reforçou que as crianças com deficiência devem ser incluídas na agenda de estraté- gias e metas da Educação para Todos. Foi assim criado um fórum para discussão e troca de ideias e de experiências sobre como o desafio estava sendo enfrentado em diferentes partes do mundo. A Declaração de Salamanca ampliou o conceito de inclusão ao identificar diversos grupos que tinham seu direito à educação ne- gado ou dificultado, incluindo as crianças: • Que vivem em situação de rua ou que são obrigadas a trabalhar. • Que são vítimas de guerra, doenças e abusos. • Oriundas de comunidades isoladas e nômades. • Com deficiência ou com altas habilidades. Além disso, a Declaração definiu e esclareceu a filosofia e a prá- tica de inclusão, unificando esses conceitos, no intuito de universa- lizá-los. De acordo com Mittler (2003, p. 44), a filosofia, os valores e princípios da inclusão delineados na Declaração de Salamanca resumem-se nos seguintes tópicos (UNESCO, 1994): • A inclusão e a participação são essenciais para a dignidade humana e para o gozo e o exercício dos direitos humanos. • As diferenças humanas são normais. • As diferenças de aprendizagem devem ser adaptadas às ne- cessidades da criança. Além das declarações aqui destacadas, existem outros documentos de relevância para a educação especial e inclusiva. Vale a pena consultá-los: Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948). Disponível em: https://declaracao1948. com.br/%20declaracao-u- niversal/declaracao-%20 direitos-humanos/ Convenção sobre os Direitos da Criança (1989). Disponível em: https://www.unicef.org/brazil/ convencao-sobre-os-direitos- -da-crianca Carta do Terceiro Milênio (1999). Disponível em: http://portal. mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ carta_milenio.pdf Saiba mais https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca https://www.unicef.org/brazil/convencao-sobre-os-direitos-da-crianca http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/carta_milenio.pdf http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/carta_milenio.pdf http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/carta_milenio.pdf A trajetória de educação especial e inclusiva 21 • As escolas regulares devem reconhecer e responder à diversi- dade de necessidades de seus alunos. • As escolas regulares com uma orientação inclusiva constituem o meio mais efetivo de combater atitudes discriminatórias, de criar comunidades em que todos se sintam bem-vindos, de construir uma sociedade mais inclusiva e de proporcionar educação para todos. • Essas escolas oferecem, além disso, uma educação efetiva para a maioria das crianças, melhoram a eficiência e, por fim, a efetividade do custo do sistema educacional como um todo. • Os governos devem adotar o princípio da educação inclusiva como uma questão legal ou política, matriculando todas as crianças em escolas regulares, a menos que haja razões con- vincentes para agir de modo diferente. Até a publicação da Declaração de Salamanca, não existia no Brasil nenhum documento com orientações tão específicas, a isso se deve sua importância como marco referencial para as políti- cas voltadas à educação especial. Cabe salientar que, ainda nes- se momento histórico, apresenta-se uma proposta de “educação integradora”, que, na sequência dos fatos e no aprofundamento conceitual, será substituída pelo conceito de educação inclusiva. As macro conferências, de Jomtien e Salamanca, estão pautadas em princípios inclusivos, que se concretizam através da recomen- dação de oportunidades de condições educacionais para o acesso e permanência dos indivíduos excluídos no processo educacional por meio da escolarização formal, possibilitando assim sua inser- ção ativa na sociedade e no mundo do trabalho. Na mesma década, em 1999, acontece na Guatemala a ConvençãoInteramericana para a eliminação de todas as formas de discrimina- ção contra as pessoas portadoras de deficiência. No Brasil, a Declara- ção da Guatemala foi promulgada com o Decreto n. 3.956/2001, a qual determina que: “as pessoas portadoras de deficiência têm os mesmos direitos humanos e liberdades fundamentais que outras pessoas e que estes direitos, inclusive o direito de não ser subme- tidas a discriminação com base na deficiência, emanam da dignida- de e da igualdade que são inerentes a todo ser humano” (BRASIL, 2001). 22 Fundamentos da educação especial e inclusiva Nesse decreto, são abordadas ações necessárias a diversos se- tores da sociedade para prevenir e eliminar progressivamente a discriminação e promover a integração, por meio de: a) medidas das autoridades governamentais e/ou entida- des privadas para eliminar progressivamente a discrimina- ção e promover a integração na prestação ou fornecimento de bens, serviços, instalações, programas e atividades, tais como o emprego, o transporte, as comunicações, a habita- ção, o lazer, a educação, o esporte, o acesso à justiça e aos serviços policiais e as atividades políticas e de administração; b) medidas para que os edifícios, os veículos e as instalações que venham a ser construídos ou fabricados em seus res- pectivos territórios facilitem o transporte, a comunicação e o acesso das pessoas portadoras de deficiência; c) medidas para eliminar, na medida do possível, os obstácu- los arquitetônicos, de transporte e comunicações que exis- tam, com a finalidade de facilitar o acesso e uso por parte das pessoas portadoras de deficiência; d) medidas para assegurar que as pessoas encarregadas de aplicar esta Convenção e a legislação interna sobre esta ma- téria estejam capacitadas a fazê-lo. (BRASIL, 2001) Em 2001, ocorre mais um evento significativo para a educação especial, o Congresso Internacional “Sociedade Inclusiva”. Realizado em Montreal (Quebec, Canadá), teve como resultado a Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão. A Declaração de Montreal traz como avanço a ênfase da inclu- são em sua dimensão social e não apenas como uma responsabili- dade das instituições escolares. Firma seus princípios no artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948): Todos os seres humanos nascem livres e são iguais em dignidade e direitos. Com base nessa premissa, a Declaração de Montreal postula que o acesso igualitário a todos os espaços da vida é um pré-requi- sito para os direitos humanos universais e liberdades fundamen- tais das pessoas, e que o esforço rumo a uma sociedade inclusiva para todos é a essência do desenvolvimento social sustentável. Ao firmar seus princípios, a declaração também registra a necessidade A trajetória de educação especial e inclusiva 23 de que sejam criadas políticas e práticas de inclusão pelos diversos setores da sociedade (governos e sociedade civil organizada). Todas essas iniciativas foram marcos históricos decisivos para que a educação especial fizesse parte das pautas de discussão, afir- mando-se em uma perspectiva de prática inclusiva. Entretanto, tais eventos servem como indicativos de políticas e ações, e por isso é necessário estudarmos a forma como as decisões resultantes de tais eventos se desenhou nas práticas educativas dentro da rea- lidade das instituições escolares. Faremos isso na próxima seção. 1.4 A função da escola na perspectiva da inclusão Vídeo A escola, como instituição, é um reflexo do que acontece nos contextos histórico e social nos quais está inserida, portanto, ao trazermos essa afirmação para a discussão da educação especial e inclusiva, chegamos à seguinte conclusão: se há exclusão na so- ciedade, há exclusão na escola. Até agora, estudamos sobre a tra- jetória histórica da inclusão em diferentes períodos e sociedades, agora iremos focar nossa atenção na inclusão dentro do ambiente escolar. Historicamente a escola se constituiu com o objetivo de atender a um grupo homogêneo, haja vista as formas de organização peda- gógica mais conservadoras, nas quais um conteúdo é ensinado da mesma maneira, ao mesmo tempo, para um grupo de indivíduos dos quais se espera que aprendam de forma parecida. Quem não se adapta a esse modelo é apontado como diferente, inadequado à proposta. O processo de inclusão nos leva a refletir sobre as diferenças entre as pessoas. A diversidade precisa ser respeitada e valorizada, nessa perspectiva, referir-se às pessoas com deficiência utilizando os termos corretos é fundamental para que o preconceito e a exclusão não tenham mais espaço na sociedade. A partir da década de 1990 alguns termos foram utilizados em documentos oficiais, legislações e no cotidiano para designar as pessoas com deficiência: “portador de deficiência”, “pessoa com necessidades especiais”, “portadora de deficiência” ou “portadora de necessidade especial”. (Continua) 24 Fundamentos da educação especial e inclusiva Entretanto, o termo oficial e correto, que foi definido pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito das Pessoas com Deficiência, é PcD, que significa Pessoa com Deficiência. Com essa terminologia fica esclarecido que há algum tipo de deficiência sem que isso inferiorize quem a tem. No Brasil, o termo “pessoa portadora de deficiência” foi substituído por “pessoa com deficiência” através da Portaria da Secretaria de Direitos Humanos n. 2.344/2010. Deficiência não é algo “que se porta”, não é um objeto, a pessoa tem uma deficiência e essa característica faz parte dela. Lembrando ainda que deficiência não é doença, nem tão pouco significa ineficiência ou defeito, por isso não é ofensivo usar a ex- pressão “pessoa com deficiência”. Durante muito tempo a escola serviu apenas aos que se adaptavam. Para alguns, a exclusão acontecia por meio das repetências consecuti- vas e a consequente evasão, e, para muitos com deficiência, a escola não chegava a ser uma opção, pois sabiam que não seriam aceitos. Esse cenário, em uma sociedade excludente, era normalizado. No Brasil, a primeira iniciativa educacional formal voltada às pes- soas com deficiência foi a criação do Instituto dos Meninos Cegos, em 1854, no Rio de Janeiro, o qual em 1891 passou a se chamar Instituto Benjamin Constant. Três anos mais tarde, em 1857, na mesma cidade, foi criado o Imperial Instituto dos Surdos-Mudos, atual Instituto Nacio- nal de Educação de Surdos. A década de 1920 marca o surgimento de novas instituições educa- cionais destinadas aos deficientes (JANUZZI, 2004), trazendo uma nova perspectiva ao modelo até então utilizado, no qual as pessoas com deficiência permaneciam em instituições psiquiátricas. Esse período ainda é marcado por um modelo médico de educação, no qual esses profissionais atuavam dentro das escolas especiais, tanto no atendi- mento clínico quanto na orientação dos profissionais da educação. Até a década de 1950 o Brasil contava com cerca de 40 instituições de educação especial (MAZZOTTA, 2017), todas resultado de iniciativas isoladas. Apenas em 1957, o Governo Federal assumiu, de maneira ofi- cial, a responsabilidade de oferecer educação às pessoas com deficiên- cia, ainda no modelo de escolas especiais. Com a crescente discussão mundial sobre os direitos das pessoas com deficiência e a democratização do acesso à educação escolar crescem também as discussões acerca da inclusão escolar, embora, nas primeiras manifestações, ainda receba o nome de integração escolar. A questão a A trajetória de educação especial e inclusiva 25 respeito dos termos integração e inclusão escolar não é meramente se- mântica, pois a cada um, respectivamente, equivale um paradigma. Ao conceito de integração, está ligada a ideia de preparar o aluno para ser colocado na escola regular, o que implica um conceito de pron- tidão, ou seja, o aluno que estiver pronto é transferido da escola espe- cial para o ensino regular. Nessa perspectiva, é o aluno que deve se adaptar à escola, assim o foco está no indivíduoe a ele depende adap- tar-se, enquanto, nessa perspectiva, não há necessidade de a escola mudar para acolher a diversidade. Ainda na dimensão da integração, há a crença de que profissionais, recursos, métodos e técnicas das escolas especiais precisam ser tra- zidos para a escola regular. Ou seja, é como se o estudante com de- ficiência apenas mudasse de espaço (da escola especial para a escola regular), mas continuasse sendo visto como incompatível com o modelo ofertado e, por isso, precisasse de todo o aparato para ali permanecer. Ao paradigma da integração, está vinculada uma compreensão de igualdade como sinônimo exato de equidade, o que acaba por negar as diferenças e necessidades individuais. No intuito de superar um modelo educacional que se baseia na ideia da integração e que, portanto, não consegue incluir a todos, é necessário fundamentar as práticas pedagógicas em um conceito de inclusão e acolhimento à diversidade, no qual as diferenças in- dividuais sejam valorizadas e respeitadas. Isso significa atender às necessidades de cada um, oferecendo o que precisa para seu pleno desenvolvimento, respeitando seu ritmo e características pessoais. INTEGRAÇÃO O aluno se adapta à escola INCLUSÃO A escola se adapta às necessidades do aluno Uma escola pluralista, que deseja verdadeiramente a inclusão, acolhe a diversidade e atende ao pressuposto de “escola para to- dos”, incluindo não apenas os estudantes com deficiência, mas to- dos os sujeitos, independentemente de sua condição. Entretanto, atingir esse ideal de educação exige mais do que boa vontade e com- preensão dos conceitos. 26 Fundamentos da educação especial e inclusiva Embora o discurso da inclusão já esteja presente nos Projetos Políticos Pedagógicos de todas as escolas, nem sempre está assimilado nas ações cotidianas. Não é incomum que situações envolvendo conflitos entre estudantes ou entre estudantes e profissio- nais sejam explicados à luz de: “ele tem problemas, realiza atendimentos, precisa tomar remédios”. O questionamento que vem em seguida normalmente é: “mas ele precisa estudar aqui? Não deveria estar em outra escola, adequada aos ‘problemas’ dele?”. Diante desse contexto, como podemos contribuir para a mudança dessa realidade? Para refletir A inclusão pressupõe mudanças significativas, radicais mesmo, em bases estruturais da escola tradicional, como currículo, avaliação e me- todologia. É necessário, ainda, uma adequação de seus espaços físicos e melhorarias nas condições materiais de trabalho de professores e fun- cionários, estimulando e motivando-os a inovar em suas concepções e práticas, proporcionando atualização dos conhecimentos e insumos às capacidades crítica e reflexiva – ações imprescindíveis para garantir a aprendizagem e a participação de todos, indiscriminadamente. A inclusão ocorre na “inter-ação”, no “espaço entre”: professor e aluno; aluno e aluno; aluno e funcionários; escola e família; aluno e conhecimento; bem como em todas as possíveis relações existentes no espaço escolar. Desde que tais relações se mostrem abertas à diver- sidade, dispostas a contribuir para a construção de uma comunidade participativa e engajada no processo de inclusão. De acordo com Car- valho (1997, p. 34-35): Uma escola inclusiva não “prepara” para a vida. Ela é a própria vida que flui devendo possibilitar, do ponto de vista político, ético e estético, o desenvolvimento da sensibilidade e da capa- cidade crítica e construtiva dos alunos-cidadãos que nela estão, em qualquer das etapas do fluxo escolar ou das modalidades de atendimento educacional oferecidas. Para tanto, precisa ser pra- zerosa, adaptando-se às necessidades de cada aluno, promoven- do a integração dos aprendizes entre si, com a cultura e demais objetos do conhecimento, oferecendo ensino-aprendizagem de boa qualidade para todos, com todos e para toda a vida. Todos os indivíduos têm características próprias, sejam objetivas ou subjetivas, que os constituem como sujeitos de interesses, ha- bilidades e necessidades únicos. À educação inclusiva cabe adotar e implementar ações significativas que congreguem e valorizem as demandas de todos. Elabore um quadro comparativo com características da escola: integradora / inclusiva. Atividade 3 A trajetória de educação especial e inclusiva 27 CONSIDERAÇÕES FINAIS Este capítulo procurou fazer a primeira aproximação com o tema edu- cação especial e inclusão. Ao trazer a trajetória histórica da educação es- pecial, marcada nos tempos mais remotos pela exclusão, discriminação e segregação, buscamos evidenciar a importância das ações de inclusão como garantia para a educação de todos. Existem ainda publicações que classificam linear e cronologicamente os períodos da educação especial marcados por aspectos como: Exclusão Segregação Integração Inclusão Entretanto, essa pode ser uma compreensão muito simplificada, uma vez que infelizmente ainda existem exclusão e segregação, inclu- sive às vezes disfarçadas de inclusão e cheias de boas intenções. Tão pouco podemos afirmar que já tenhamos superado a ideia de integra- ção e atingido completamente o ideal de inclusão. Mais do que apenas movimentos cronológicos, trata-se de conceitos que permeiam ações cotidianas, ainda que alguns mereçam ser valorizados enquanto ou- tros, substituídos e superados. Há de ser reiterado que, neste primeiro capítulo, a inclusão aparece de forma a sensibilizar você, leitor, sobre sua necessária implementação em todos os projetos educacionais. Não é um movimento simples, por isso, ao longo da obra, o conceito será detalhado em diferentes dimensões. REFERÊNCIAS ABAGNANO, N. Dicionário de Filosofia. Martins Fontes: São Paulo, 2007. BRASIL. Decreto-Lei n. 3.956, de 8 de outubro de 2001. Promulga a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Pessoas Portadoras de Deficiência. Diário Oficial da União, Poder Executivo, 9 out. 2001. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm. Acesso em: 2 jul. 2020. BRASIL. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 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Disponível em: http://portal.mec.gov. br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf. Acesso em: 3 jul. 2020. GABARITO 1. O acadêmico deverá citar algum exemplo vivido por ele, ou então alguma situação que tenha ficado sabendo através de notícias ou relato, como os exemplos de notícias a seguir: “Criança deficiente é vítima de preconceito em pizzaria no Rio, denuncia mãe”. (CRIAN- ÇA, 2015) “Mulher com deficiência visual sofre preconceito em praia”. (MULHER, 2017) O objetivo da questão é que os estudantes reflitam e percebam que o preconceito com os deficientes, infelizmente, ainda não foi completamente superado. 2. As duas personagens do romance O Corcunda de Notre Dame citadas, Quasímodo e Esmeralda, representam grupos sociais discriminados na sociedade da época (França do século XV). Quasímodo vivia nas torres da Catedral de Notre Dame desde os quatro anos de idade, quando foi abandonado por seus pais em função de deformidades https://br.blastingnews.com/ambiente/2017/03/mulher-com-deficiencia-visual-sofre-preconceito-em-praia-001512573.html https://br.blastingnews.com/ambiente/2017/03/mulher-com-deficiencia-visual-sofre-preconceito-em-praia-001512573.html https://www.estudopratico.com.br/era-cenozoica-caracteristicas-periodo-terciario-e-quaternario/ https://www.estudopratico.com.br/era-cenozoica-caracteristicas-periodo-terciario-e-quaternario/ http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/estudos/article/view/304/245 http://seer.pucgoias.edu.br/index.php/estudos/article/view/304/245 https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000086291_por https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000086291_por http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf A trajetória de educação especial e inclusiva 29 físicas e surdez. Vivia isolado e segregado porque nas raras tentativas de convívio social era apontado pelas pessoas na rua, que o chamavam de “Monstro”. Esmeralda era uma cigana, grupo social historicamente marcado por preconceitos, por isso era rejeitada pela sociedade, que a intitulava como feiticeira, além de ser uma mulher es- trangeira em meio a uma sociedade pouco esclarecida. Na história, ela é condenada à morte pelo Rei Luis XI, mas posteriormente é resgatada por Quasímodo, tornando-se sua amiga. 3. INTEGRADORA INCLUSIVA • o aluno precisa se adaptar a escola; • baseia-se nos princípios da igualdade; • avaliação, metodologias e currículo são iguais para todos os alunos; • integra o aluno a um modelo que já está pronto. • a escola se adapta para acolher os alunos; • baseia-se nos princípios da equidade; • realiza adequações metodológicas, cur- riculares e avaliativas para atender às necessidades dos estudantes; • inclui o aluno, mudando o que for preci- so para isso. 30 Fundamentos da educação especial e inclusiva 2 Educação especial e inclusiva no Brasil Muitos são os indicadores, as expectativas, as concepções, os interesses e tantos outros fatores que permeiam a realidade edu- cacional de um país. Em especial no Brasil, com suas dimensões continentais, a confluência de todos esses referenciais precisa es- tar muito bem delineada e sistematizada nos documentos oficiais. Veremos neste capítulo que a Constituição Federal e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional fundamentam todas as outras leis, resoluções, decretos e normas que dão corpo à educa- ção especial e inclusiva em nosso país, servindo como alicerce para que as ações locais, em diferentes regiões do país, baseiem-se nos mesmos princípios, proporcionando uniformidade ao processo educacional. Portanto, é imprescindível que o educador conheça os docu- mentos oficiais que servem de lastro à sua atuação profissional, mostrando suas possibilidades e também seus limites. 2.1 Educação especial e inclusiva na Constituição de 1988 Vídeo A Constituição é a mais importante de todas as leis de um país, pois nela constam as orientações para elaboração das demais leis. Nos- sa atual Constituição, que foi promulgada em 5 de outubro de 1988, é conhecida como Constituição Cidadã, especialmente por ter ampliado, em seu texto, as liberdades civis e os direitos e as garantias individuais. Naquele contexto, as pessoas com deficiência e suas famílias ansiavam por visibilidade e garantia de direitos, algo que não era encontrado na realidade das leis constituintes anteriores. Educação especial e inclusiva no Brasil 31 De acordo com Araujo (2017), a Consti- tuição de 1967, ao tratar do tema, referia-se aos deficientes como “excepcionais” e pou- co, ou quase nada, contribuía para a ga- rantia de direitos específicos. Em 1978, foi promulgada a Emenda Constitucional nú- mero 12, a qual reconhecia a esse grupo alguns direitos, visando à garantia de me- lhoria em sua condição social e econômica. Entretanto, a emenda ficou sempre no final do texto constitucional e, diferentemente de outras, nunca foi incorporada ao texto oficial, ficando segregada, assim como os deficientes naquele período. A Constituição de 1988 apresenta sua tônica, de igualdade geral, no artigo 5º: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade” (BRASIL, 1988). No artigo 6º, a Constituição de 1988 apresenta a educação como um direito social, assim como “a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (BRASIL, 1988), e define, no artigo 205: “a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colabo- ração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). Devemos atentar para o fato de não serem impostas condições ou critérios quando se afirma que “todos”, sem distinção de qual- quer natureza, são sujeitos de direito. A importância de se destacar a garantia irrestrita de direitos a todos os cidadãos brasileiros, in- dependentemente de sua condição,torna-se ainda mais relevante quando consideramos o número de pessoas com deficiência apre- sentado pelo censo de 2010 do IBGE: 6,2% da população possui pelo menos uma deficiência, correspondendo, naquele ano, a aproxima- damente 12,4 milhões de pessoas (IBGE, 2012), que não podem ser segregadas da lei maior da nação. Promulgada durante o governo de José Sarney, a Constituição em vigor é a sétima adotada no país e tem como um de seus fundamentos dar maior liberdade e mais direitos ao cidadão. Das sete Constituições, quatro foram promulgadas por assembleias constituintes, duas foram impostas – uma por D. Pedro I e outra por Getúlio Vargas – e uma foi aprovada pelo Congresso por exigência do regime militar. Na história das Constituições brasileiras, há uma alternância entre regimes fechados e mais democráticos, com a respectiva repercussão na aprovação das Cartas, ora impostas, ora aprovadas por assembleias constituintes. Para saber mais detalhes a respeito de cada uma das Constituições, acesse o link: https://www12.senado.leg.br/ noticias/glossario-legislativo/ constituicoes-brasileiras. Acesso em: 18 set. 2020. Saiba mais rafapress/Shutterstock https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/constituicoes-brasileiras 32 Fundamentos da educação especial e inclusiva Nesse tocante, a Constituição determina, no capítulo 208, inciso III, que é dever do Estado ofertar educação básica, obrigatória e gratuita dos 7 aos 14 anos, mediante a garantia de: “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino” (BRASIL, 1988). Ao indicar o atendimento educacional “preferencialmente na rede regular de ensino”, o texto constitucional defende a ideia de plena in- tegração e inclusão das pessoas com deficiência em todas as áreas da sociedade, inclusive com direito à educação em escola de ensino regu- lar, como forma de assegurar o mais plenamente possível o direito de inclusão na sociedade. É importante frisar que na lei não é estabelecida a obrigatoriedade, e sim a preferência. Isso garante que em casos específicos, mediante avaliação multidisciplinar, se o ensino regular não atender às neces- sidades específicas do estudante com deficiência, outras formas de atendimento (escola especial, classe especial) podem garantir o acesso à educação, sem que isso signifique segregação (aprofundaremos a re- flexão sobre isso mais adiante). Com base na Constituição de 1988, considerando suas determina- ções e sua concepção, outras legislações foram elaboradas; com isso, definiu-se o desenho da educação especial e inclusiva no Brasil, confor- me estudaremos a seguir. 2.2 A inclusão na LDB 9.394/1996 Vídeo Se a Constituição é a carta magna de uma nação, da qual todas as demais legislações emanam, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional é a que “marca o ritmo” da educação de um país. De acordo com Carneiro (2010, p. 28): diretrizes denotam o conceito de alinhamento e, no caso, de normas de procedimento. Aplicados os conceitos à norma educativa, infere-se que as bases remetem à função subs- tantiva da educação organizada. Compõem-se, portanto, de princípios, estrutura axiológica, dimensões teleológicas e contorno de direitos. A este conjunto, podemos chamar de funções substantivas. As diretrizes, por outro lado, invocam a dimensão adjetiva da educação organizada. Encorpam-se, A Emenda Constitucional 59/2009 ampliou a idade para a oferta de ensino obrigatório, alterando a redação do inciso I do capítulo 208: “I – educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria” (BRASIL, 2009). Para saber mais sobre o conteú- do dessa Emenda Constitucional, acesse: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/constituicao/ emendas/emc/emc59.htm. Acesso em: 18 set. 2020. Saiba mais O que significa, na prática, a Constituição não estabelecer a inclusão do indivíduo com deficiência na rede regular de ensino obrigatoriamente, e sim “preferencialmente”? Atividade 1 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc59.htm por conseguinte, em modalidades e procedimentos para a articulação inter e intrassistemas. As bases detêm um con- teúdo de concepção política, as diretrizes, um conteúdo de formulação operativa. A LDB 9.394 de 1996 foi a terceira Lei de Diretrizes e Bases bra- sileira, antecedida pela Lei 4.024/1961 e pela Lei 5.692/1971; vale um breve olhar para essas duas legislações e para a forma como a educação especial e inclusiva foi abordada, servindo de lastro para as orientações legais atuais. A Lei de Diretrizes e Bases 4.024/1961 trouxe as primeiras mani- festações de responsabilidades efetivamente assumidas pelo Estado com a educação especial de maneira organizada para todo o país. Mendes (2010) alerta para o fato de a Lei 4.024 trazer, em dois arti- gos, a expressão “educação de excepcionais”: Art. 88 – A educação de excepcionais deve, no que for pos- sível, enquadrar-se no sistema Geral de educação, a fim de integrá-los na comunidade. Art. 89 – Toda iniciativa privada considerada eficiente pelos conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos poderes públicos tratamento es- pecial mediante bolsas de estudo, empréstimos e subvenções. (BRASIL, 1971, grifos nossos) Entretanto, ainda segundo a autora, as ações decorrentes des- sa legislação seriam todas de responsabilidade financeira da assis- tência social, e não de verbas educacionais. Isso demonstra que, do ponto de vista do Estado, a educação especial ainda não era assunto educacional. Ainda, diante do exposto nos artigos, surgem no país diversas instituições especia- lizadas, de iniciativa privada e que se constituíram como or- ganizações filantrópicas, rece- bendo subvenções do Estado, o que veio a reforçar a falta de comprometimento por parte do ensino público. Todo profissional da educação deve, necessariamente, conhecer a lei que rege seu ofício no país. Para conhecer a Lei de Diretrizes e Bases na íntegra, acesse: http://www.planalto. gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 21 set. 2020. Importante Joanna Dorota/Shutterstock Educação especial e inclusiva no Brasil 33 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm 34 Fundamentos da educação especial e inclusiva Na década de 1970, a Lei de Diretrizes e Bases 5.692/1971 reforça, no artigo 9º, a existência das escolas especiais: Art. 9: Os alunos que apresentem deficiências físicas ou mentais, os que se encontrem em atraso considerável quanto à idade re- gular de matrícula e os superdotados deverão receber tratamen- to especial, de acordo com as normas fixadas pelos competentes conselhos de educação. Alinhado ao pensamento vigente nesse período, o texto da lei ape- nas trata da especificidade do estudante com deficiência, mas ainda não indica nenhuma iniciativa referente à sua inclusão. A Constituição de 1988 exigia uma nova lei com diretrizes e bases articuladas aos princípios ali expressos, entretanto, nas palavras de Carneiro (2010, p. 18), a Lei 9.394/96 resultou de um parto difícil. Os interesses envol- vidos no palco das discussões eram fortes, contraditórios e, não raro, inconciliáveis. Do projeto inicial do Deputado Octávio Elísio em 1988 ao substitutivo do Senador Darcy Ribeiro, afinal apro- vado em 1996, passaram-se oito longos anos que funcionaram como cenários fecundos de despistes de interesses. O texto, por fim, aprovado tem o grande mérito de, abdicandodas discussões improdutivas, apresentar uma moldura de organização educa- cional dentro de um escopo de autonomia possível. Em relação à educação especial, é um marco relevante para uma área até então com pouca visibilidade o fato de a nova LDB ter um capítulo todo dedicado a ela. Em três artigos, o capítulo V, intitula- do “Da educação especial”, caracteriza a natureza do atendimento especializado, configurando o cenário de uma educação especial mais ligada à educação escolar e ao ensino público, iniciando com o artigo 58, o qual apresenta a seguinte definição: Art. 58. Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar, oferecida preferencial- mente na rede regular de ensino, para educandos portadores de necessidades especiais. (BRASIL, 1996) Os parágrafos 1º e 2º desse artigo preveem a existência de apoio especializado subsidiando o ensino regular, assim como a oferta de ensino especial, seja em escolas, classes especiais ou outros serviços especializados (realizados por meio de parceria entre as áreas de edu- cação, saúde, assistência social e trabalho), quando não for possível a inclusão: §1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender as peculiaridades da clientela de educação especial. §2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas clas- ses comuns do ensino regular. (BRASIL, 1996) A redação da lei traz a ideia de um “cardápio” de opções que podem, e devem, ser disponibilizadas de acordo com as caracterís- ticas e necessidades pessoais dos estudantes, ou seja, a lei supõe a emergência de uma escola disponível a se reinventar, que se reor- ganiza com base em um planejamento flexível do ensino, possibili- tando atender às singularidades de cada aluno. Cabe salientar aqui que, ao abordar a questão de um ensino vol- tado às características individuais, pressupondo que todas as pes- soas têm os mesmos direitos humanos (inclusive à aprendizagem escolar), a lei não se refere apenas aos estudantes com algum tipo de deficiência. A “clientela” da educação inclusiva são todos que por algum motivo têm seu processo de escolarização “dificultado”, como aqueles oriundos de grupos étnicos marginalizados e desfa- vorecidos, estrangeiros, refugiados e estudantes marcados por des- conformidades sociais ou por contingências de trabalho (famílias circenses, agricultores sem terra, boias-frias etc.). O atendimento educacional especializado para essas si- tuações tem como pressuposto uma escola flexível, disposta e capaz de apoiar seus professores de modo a garantir ambientes de aprendizagem em uma proposta pe- dagógica inclusiva. Quando a “condição específica” do aluno não possibilitar sua inclusão no ensino regular, entram em cena as instituições especializadas. Tratam-se das conhecidas escolas especiais, que pres- tam um relevante serviço à educação das pessoas com deficiência e que, em ações compartilhadas com os sistemas de ensi- no, também contribuem para efetivar as políticas de inclusão. Educação especial e inclusiva no Brasil 35 bsd/Shutterstock https://www.shutterstock.com/pt/g/bsd 36 Fundamentos da educação especial e inclusiva No parágrafo 3º do mesmo artigo, consta outra importante “novidade”, com a indicação da oferta da educação especial já na educação infantil, contrariando uma tendência histórica no Brasil de retardar o início da escolarização da criança com deficiência: “a oferta da educação especial, dever constitucional do Estado, tem iní- cio na faixa etária de zero a seis anos, durante a educação infantil” (BRASIL, 1996). Pesquisas e estudos diversos comprovam a importância das esti- mulações essenciais desde a mais tenra idade, assim como a estimu- lação que ocorre por meio da escolarização, a qual proporciona que quanto mais cedo a criança chegue à escola, maiores serão as chan- ces de desenvolver potencialidades, garantindo também o direito, à criança com deficiência, de ir à escola na mesma idade das demais. O artigo 59 da LDB destaca como os sistemas de ensino deverão realizar a organização específica do trabalho pedagógico para asse- gurar a inclusão. Art. 59. Os sistemas de ensino assegurarão aos educandos com necessidades especiais: I – currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organi- zação específicos, para atender às suas necessidades; II – terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do ensino fundamen- tal, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados; III – professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como pro- fessores do ensino regular capacitados para a integração des- ses educandos nas classes comuns; IV – educação especial para o trabalho, visando a sua efeti- va integração na vida em sociedade, inclusive condições ade- quadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos ofi- ciais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habi- lidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora; V – acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular. (BRASIL, 1996) O inciso I aponta para o pressuposto mais básico do efetivo en- sino inclusivo: não basta “instalar” o aluno da educação especial no interior da sala de aula de uma escola regular para que a inclusão Educação especial e inclusiva no Brasil 37 ocorra. Toda a comunidade escolar, o projeto político pedagógico e as práticas e formas de organização do trabalho pedagógico preci- sam estar preparados, alinhados e dispostos a trabalhar com a ideia de uma pedagogia diferenciada, ativa e cooperativa. Como afirma Perrenoud (2000, p. 29), “organizar as intenções e as atividades de modo que cada aprendiz vivencie, tão frequentemente quanto pos- sível, situações fecundas de aprendizagem”. Outra questão central na educação inclusiva é abordada no in- ciso III: a especialização adequada dos professores como respon- sabilidade dos sistemas de ensino. Isso implica profissionais que dominem conhecimentos específicos, por exemplo, em Libras, em braile e em técnicas e metodologias voltadas às variadas deficiên- cias, síndromes e transtornos, assim como condições para estudos e formação continuada que subsidiem o domínio das características e necessidades de aprendizagem de cada grupo. Os critérios para caracterização das instituições privadas de edu- cação especial são previstos no artigo 60: Art. 60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino esta- belecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo poder público. Parágrafo único. O poder público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de en- sino, independentemente do apoio às instituições previstas neste artigo. (BRASIL, 1996) É preciso destacar que a educação especial no Brasil se desen- volveu por meio dessas instituições privadas sem fins lucrativos. Em face de sua relevância para a educação especial, a lei reconhece a necessidade de definição de critérios para que tais instituições recebam apoio técnico e financeiro do Poder Público. Essa função cabe aos órgãos normativos dos sistemas de ensino (conselhos de educação). A relevância dessas instituições também repousa no fato de que ainda é um desafio para os sistemas estaduais e municipais de ensi- no assumir um volume significativo de estudantes que hoje depen- dem delas. Cite três conquistas da educação especial expressas na LDB 9.394/1996.
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