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BRETAS Escolas de catequese Província de Goiáspdf

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BRETAS, Genesco Ferreira. História da instrução pública em Goiás. 
 Goiânia: CEGRAF/UFG, 1991. 
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XXXVI — ESCOLAS DE CATEQUESES 
Um dos grandes problemas que os primeiros colonos tiveram 
de enfrentar para o desenvolvimento da Capitania de Goiás foi o rela-
cionamento entre as tribus aqui existentes e os cristãos, os brancos, os 
colonizadores. No princípio aqueles eram vencidos a ferro e fogo, mas 
à medida que as bandeiras progrediam no domínio da imensa região 
sertaneja dos goiases, os aborígenes respondiam com igual ou maior fe-
rocidade às entradas e ao domínio. No sul e no sudoeste, até Rio Claro 
e Alto Araguaia, eram os caiapós os mais temidos por seus ataques 
surpreendentes. No norte, às margens do Araguaia e do Tocantins , 
eram os chavantes, os apinagés, os carajás e os terríveis canoeiros, cu-
jas correrias apavoravam os viajantes e os fazendeiros pioneiros, que se 
iam instalando em terras de sua escolha, das quais requeriam sesmarias 
 
 
 
 
e direitos de posse. Povoações inteiras, grandes fazendas já instaladas, 
eram surpreendidas e desapareciam da noite para o dia, ante a ação das 
setas e tochas de fogo atiradas pelos indígenas. 
Nos dois primeiros séculos de colonização do Brasil, a edu-
cação das crianças e dos jovens, bem como a catequese dos índios, fi-
cou a cargo dos padres jesuítas. Ao governo da colônia, representado 
pelos capitães generais, cabia somente administrar, explorar a mine-
ração e o comércio, em proveito da Coroa, ficando os padres com o 
dever de garantir a fé dos colonos, instruir a juventude na fé e nas le-
tras e catequisar os índios. Expulsos os jesuítas em 1759, teve o governo 
da Coroa que assumir também esses deveres. Para a instrução dos 
meninos e dos jovens criou as escolas régias; para a catequese dos ín-
dios criou aldeamentos, dirigidos por civis ou militares. 
Nos primeiros cinqüenta anos de colonização de Goiás, o prin-
cipal obstáculo encontrado pelos colonos foram os caiapós, que 
molestavam os viajantes e destruíam os primeiros povoados. Para 
fazer-lhes guerra, foi chamado de Cuiabá, em 1742, no governo de 
Luiz Mascarenhas, o experimentado sertanista Coronel Antônio Pires de 
Campos, que, à frente de 500 bororos, inimigos dos caiapós, bem ar-
mados e treinados, foi no encalço daqueles. "Morte ou escravidão", 
era a ordem que vinha de cima. A ação de Pires de Campos foi tremenda 
e devastadora, enxotando os caiapós do sul e do sudoeste para muito 
longe, até os sertões do Mato Grosso. Para continuar essa obra foi con-
tratado o Capitão-mor João de Godoy Pinto da Silva, que continuou a 
guerra até além da Ilha do Bananal, no baixo Araguaia, atacando aí as 
aldeias dos Tapuapés."As barbaridades praticadas por esses dois cabos (é 
o Presidente Aristides de Souza Spínola quem isto escreve, citando Silva 
e Souza), chegarão ao último excesso. Aldêas inteiras foram devastadas 
e reduzidas a cinza: só a vida dos adultos foi respeitada, porque estes 
com facilidade se podiam transportar com as bandeiras aos pontos mais 
remotos, porém os que, por qualquer circunstancia, não podiam viajar 
erão abandonados ou passados a fio de espada" (206). 
Estes fatos sensibilizaram a Corte Real, que daí por diante, 
lembrando-se dos jesuítas que com brandura obtinham melhores resul-
tados, passou a adotar medidas pacificadoras, em vez da guerra. Em 
carta aos governadores, capitães generais, "usando da real piedade", 
recomendou então que a conquista dos índios para a catequese se devia 
fazer com paciente brandura e humanidade, e não mais com a guerra. 
Ampliando depois essas medidas, mandou o Rei que os índios que se 
mostrassem elementos úteis e de bons costumes e se casassem com por-
tugueses, obteriam os direitos de cidadania. 
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Para abrigar os índios pacificados e em processo de catequese, 
fundaram-se, em obediência às ordens régias, aldeamentos adequados. 
As primeiras aldeias de que se tem notícia nos tempos de Goiás-Capi-
tania foram as do Rio das Pedras (1741), Santana do Rio das Velhas 
(1750) e Lanhoso (1751), mandadas instalar por D. Luiz Mascarenhas, 
governador de S. Paulo, quando Goiás era ainda território novo anexado 
àquela Capitania. Essas aldeias foram instaladas -pelo próprio con-
quistador dos índios Antônio Pires de Campos, povoando-as com ín-
dios bororos. Criada a Capitania de Goiás, seu primeiro governador 
D. Marcos de Noronha criou as aldeias de Duro e Formiga, em 1751, para 
abrigar os índios acreás e chacriabás. Essas primeiras aldeias foram 
inicialmente administradas pelos jesuítas até o seu recolhimento em 1759. 
O governador José de Almeida Vasconcelos de Soveral e Car-
valho criou a Aldeia de São José de Mossâmedes (1755), a mais importante 
de todas as que se criaram em Goiás, erigindo nèla üm grande templo, 
várias casas de telha e muitas cobertas de palha, dispendendo com essas 
obras grandes somas, que seus sucessores acharam exageradas para os 
benefícios relativamente pequenos que a mesma vinha prestando. 
Povoada inicialmente de acroás, abrigou depois tribos descontentes e 
revoltadas de outras aldeias , como as dos javaés , carajás e 
caiapó. Para estes últimos o governador seguinte, Luiz da Cunha 
Meneses, fez levantar a Aldeia Maria (1780), a sete léguas da Aldeia 
dc Mossâmedes. Essa proximidade das duas aldeias facilitava a fuga 
dos índios, que fugiam de uma para outra quando descontentes. Tristão 
da Cunha Meneses, irmão do seu antecessor, fundou a aldeia de Pedro 
III do Carretão (1784), a vinte léguas da Capital, na estrada de Pilar, 
para os chavantes, que havia empreendido conquistar. Essa aldeia 
chegou a abrigar 3.500 chavantes. 
Todos esses estabelecimentos, fundados nos tempos coloniais, 
não tiveram funcionamento regular e permanente. Administradas ini-
cialmente por jesuítas, algumas delas por pouco tempo, passaram a ser 
administradas por cabos de guerra. Os choques eram freqüentes, as fu-
gas constantes, as verbas insuficientes, além de outras dificuldades ine-
rentes a essa instituição. Sua organização e fins eram os mais 
humanitários possíveis. De um lado, pacificariam os índios, tornando-os 
elementos úteis às suas proprias tribos; de outro lado, trariam sossego 
aos colonos, facilitando suas entradas pela posse da terra e suas rique-
zas, e usando o próprio índio como elemento servil, para promoção do 
desenvolvimento da população branca. Para isso se dariam aos aldea-
dos: cama e comida; tratamento da saúde; escolas de ler e escrever; ofi-
cinas de carpinteiro e ferreiro; e terras para criar gado e plantar. Aos 
aldeados válidos competia aprender a religião, a língua dos portugue - 
 
 ses, ler e escrever (para os meninos), fiar, tecer e coser (para as meninas), 
ofícios de carpinteiro e ferreiro, trabalhos de lavoura e criação de gado 
(para os adultos). A fim de possibilitar toda essa aprendizagem haveria 
em cada aldeia um padre, um ferreiro, um carpinteiro, um professor de 
Primeiras Letras, uma mestra de filatórios, uma mestra de costura (em 
geral a mulher do professor), vaqueiros e agricultores experimentados, além 
dos encarregados da administração: comandante, tesoureiro, almoxarife, e 
praças de guerra para a segurança da aldeia. Com exceção de uns poucos 
e curtos períodos de prosperidade, essas aldeias não progrediram. Os 
males residiam ora na frouxidão, ora no excessivo rigor ou incompreensão 
dos comandantes; na falta de profissionais competentes, ficando quase 
sempre vaga a maioria dos lugares; na tendência ao gozo de liberdade 
plena; e na ociosidade dos índios. Enquanto houvesse comida abundante, 
liberdade e tolerância para a ociosidade, tudo ia bem, mas, quando se 
exigia trabalho sério e intolerância para os seus costumes, suas pernas 
ligeiras os levavam para longe. A fuga entretanto era mais freqüente 
quando a miséria penetrava nas aldeias, por falta de recursos ou trabalho na 
lavoura e na criação do gado. Quando os últimos grãos de cereais e as 
últimas cabeçasde gado eram devoradas, passavam os índios à caça e à 
pesca nas proximidades da aldeia, mas, à medida que estas iam ficando 
escassas, fugiam os índios para longe, a procura de meios de subsistência. 
Os maus tratos e a perseguição eram causa também de muitas fugas. Se o 
descontentamento dos aldeados se transformava em ódio, fugiam das aldeias e 
desforravam nos primeiros brancos que encontravam nas estradas, nos po-
voados, nas fazendas, saqueando, matando. Foi o que aconteceu com os 
caiapós das aldeias Maria e Mossâmedes, quando estas, nos meados do 
século passado, entraram em decadência irremediável. Os caiapós 
rebelaram-se e fugiram em direção ao Rio Claro e Rio Bonito, des-
truindo tudo o que encontravam no caminho. Por muitos anos infestaram 
essa região, transformando-a em lugar proibido para os brancos. 
De todas as aldeias fundadas nos tempos da Colônia, a de São 
José de Mossâmedes foi a principal e a que teve mais longa duração. e 
os melhores resultados. Não chegou a ser um modelo, porque nunca 
possuiu os recursos humanos e financeiros para isso. Tornou-se famosa 
enquanto lá viveu Damiana da Cunha, filha de um cacique Caiapó, ba-
tizada pelo governador Luiz da Cunha Menezes, que lhe deu o sobre-
nome Cunha-. Criada na religião católica, cuja fé não abandonou, 
tornou-se o principal elemento de ligação entre os senhores do governo 
e seus irmãos caiapós. Estes a respeitavam e a ela obedeciam. Já em 
meia idade foi despachada, com pouquíssimos recursos, pelo governo, 
aos sertões do Rio Claro e Rio Bonito, na difícil missão de reconquistar 
os caiapós rebelados. De corpo e saúde débeis, seria difícil resistir 
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a tão longa jornada, em que o maior sofrimento foi a fome. Mas teve 
forças para voltar, missão cumprida, trazendo consigo poucos irmãos 
de raça, em cujos braços chegou à aldeia, para morrer junto ao seu 
templo. Damiana foi a heroína, o exemplo mais edificante a encher de 
belas páginas toda a história da catequese cm Goiás. Depois de Damiana, 
São José entrou em vagarosa decadência. Para aumentar sua pequena 
população, juntou-se-lhe a da aldeia Maria, também já inexpressiva. A 
propósito dessas aldeias e das demais fundadas pelos governos coloniais, 
Souza Spínola encerra sua história com estas palavras, em relatório de 
1880: "De alguns desses aldeamentos não há mais vestígios. A aldeia de 
São José, que está officialmente extincta, possue ainda um belo templo, 
algumas casas arruinadas e os alicerces dos antigos estabelecimentos, 
conforme tive occasião de ver em dezembro ultimo" (207). 
Nos tempos do Império fundaram-se ainda alguns aldeamentos, 
para a continuação da catequese, dever do Estado. Para isso criou-se 
uma Diretoria Geral dos Índios, cujos deveres, segundo o regulamento 
expedido em 1845, eram os seguintes: a) diligenciar a edificação de 
igrejas e de casas para os empregados e os índios; b) distribuir instru-
mentos de lavoura, mantimentos, roupa, medicamentos e outros objeti-
vos; c) manter destacamentos para garantir a ordem e segurança; d) 
criar escolas; e) ensinar a religião católica; O introduzir a vacina; g) 
providenciar para que não houvesse fome; h) estabelecer oficinas de artes 
mecânicas; i) fazer adotar as produções de mais fácil cultura e de maior 
proveito; j) não consentir que os índios fossem vexados e lesados por 
autoridades ou particulares; 1) fiscalizar os rendimentos da aldeia e 
inspecionar os serviços dos índios; m) terem cada aldeia um tesoureiro, 
um almoxarife, um cirurgião; n) introduzir o gosto pela música instrumental 
(208). Malogradas as experiecias anteriores sob a direção de civis ou 
militares, o governo passou a preferir a direção dos aldeamentos por 
religiosos missionários.

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