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BRETAS, Genesco Ferreira. História da instrução pública em Goiás. Goiânia: CEGRAF/UFG, 1991. 377 XXXVI — ESCOLAS DE CATEQUESES Um dos grandes problemas que os primeiros colonos tiveram de enfrentar para o desenvolvimento da Capitania de Goiás foi o rela- cionamento entre as tribus aqui existentes e os cristãos, os brancos, os colonizadores. No princípio aqueles eram vencidos a ferro e fogo, mas à medida que as bandeiras progrediam no domínio da imensa região sertaneja dos goiases, os aborígenes respondiam com igual ou maior fe- rocidade às entradas e ao domínio. No sul e no sudoeste, até Rio Claro e Alto Araguaia, eram os caiapós os mais temidos por seus ataques surpreendentes. No norte, às margens do Araguaia e do Tocantins , eram os chavantes, os apinagés, os carajás e os terríveis canoeiros, cu- jas correrias apavoravam os viajantes e os fazendeiros pioneiros, que se iam instalando em terras de sua escolha, das quais requeriam sesmarias e direitos de posse. Povoações inteiras, grandes fazendas já instaladas, eram surpreendidas e desapareciam da noite para o dia, ante a ação das setas e tochas de fogo atiradas pelos indígenas. Nos dois primeiros séculos de colonização do Brasil, a edu- cação das crianças e dos jovens, bem como a catequese dos índios, fi- cou a cargo dos padres jesuítas. Ao governo da colônia, representado pelos capitães generais, cabia somente administrar, explorar a mine- ração e o comércio, em proveito da Coroa, ficando os padres com o dever de garantir a fé dos colonos, instruir a juventude na fé e nas le- tras e catequisar os índios. Expulsos os jesuítas em 1759, teve o governo da Coroa que assumir também esses deveres. Para a instrução dos meninos e dos jovens criou as escolas régias; para a catequese dos ín- dios criou aldeamentos, dirigidos por civis ou militares. Nos primeiros cinqüenta anos de colonização de Goiás, o prin- cipal obstáculo encontrado pelos colonos foram os caiapós, que molestavam os viajantes e destruíam os primeiros povoados. Para fazer-lhes guerra, foi chamado de Cuiabá, em 1742, no governo de Luiz Mascarenhas, o experimentado sertanista Coronel Antônio Pires de Campos, que, à frente de 500 bororos, inimigos dos caiapós, bem ar- mados e treinados, foi no encalço daqueles. "Morte ou escravidão", era a ordem que vinha de cima. A ação de Pires de Campos foi tremenda e devastadora, enxotando os caiapós do sul e do sudoeste para muito longe, até os sertões do Mato Grosso. Para continuar essa obra foi con- tratado o Capitão-mor João de Godoy Pinto da Silva, que continuou a guerra até além da Ilha do Bananal, no baixo Araguaia, atacando aí as aldeias dos Tapuapés."As barbaridades praticadas por esses dois cabos (é o Presidente Aristides de Souza Spínola quem isto escreve, citando Silva e Souza), chegarão ao último excesso. Aldêas inteiras foram devastadas e reduzidas a cinza: só a vida dos adultos foi respeitada, porque estes com facilidade se podiam transportar com as bandeiras aos pontos mais remotos, porém os que, por qualquer circunstancia, não podiam viajar erão abandonados ou passados a fio de espada" (206). Estes fatos sensibilizaram a Corte Real, que daí por diante, lembrando-se dos jesuítas que com brandura obtinham melhores resul- tados, passou a adotar medidas pacificadoras, em vez da guerra. Em carta aos governadores, capitães generais, "usando da real piedade", recomendou então que a conquista dos índios para a catequese se devia fazer com paciente brandura e humanidade, e não mais com a guerra. Ampliando depois essas medidas, mandou o Rei que os índios que se mostrassem elementos úteis e de bons costumes e se casassem com por- tugueses, obteriam os direitos de cidadania. 378 379' Para abrigar os índios pacificados e em processo de catequese, fundaram-se, em obediência às ordens régias, aldeamentos adequados. As primeiras aldeias de que se tem notícia nos tempos de Goiás-Capi- tania foram as do Rio das Pedras (1741), Santana do Rio das Velhas (1750) e Lanhoso (1751), mandadas instalar por D. Luiz Mascarenhas, governador de S. Paulo, quando Goiás era ainda território novo anexado àquela Capitania. Essas aldeias foram instaladas -pelo próprio con- quistador dos índios Antônio Pires de Campos, povoando-as com ín- dios bororos. Criada a Capitania de Goiás, seu primeiro governador D. Marcos de Noronha criou as aldeias de Duro e Formiga, em 1751, para abrigar os índios acreás e chacriabás. Essas primeiras aldeias foram inicialmente administradas pelos jesuítas até o seu recolhimento em 1759. O governador José de Almeida Vasconcelos de Soveral e Car- valho criou a Aldeia de São José de Mossâmedes (1755), a mais importante de todas as que se criaram em Goiás, erigindo nèla üm grande templo, várias casas de telha e muitas cobertas de palha, dispendendo com essas obras grandes somas, que seus sucessores acharam exageradas para os benefícios relativamente pequenos que a mesma vinha prestando. Povoada inicialmente de acroás, abrigou depois tribos descontentes e revoltadas de outras aldeias , como as dos javaés , carajás e caiapó. Para estes últimos o governador seguinte, Luiz da Cunha Meneses, fez levantar a Aldeia Maria (1780), a sete léguas da Aldeia dc Mossâmedes. Essa proximidade das duas aldeias facilitava a fuga dos índios, que fugiam de uma para outra quando descontentes. Tristão da Cunha Meneses, irmão do seu antecessor, fundou a aldeia de Pedro III do Carretão (1784), a vinte léguas da Capital, na estrada de Pilar, para os chavantes, que havia empreendido conquistar. Essa aldeia chegou a abrigar 3.500 chavantes. Todos esses estabelecimentos, fundados nos tempos coloniais, não tiveram funcionamento regular e permanente. Administradas ini- cialmente por jesuítas, algumas delas por pouco tempo, passaram a ser administradas por cabos de guerra. Os choques eram freqüentes, as fu- gas constantes, as verbas insuficientes, além de outras dificuldades ine- rentes a essa instituição. Sua organização e fins eram os mais humanitários possíveis. De um lado, pacificariam os índios, tornando-os elementos úteis às suas proprias tribos; de outro lado, trariam sossego aos colonos, facilitando suas entradas pela posse da terra e suas rique- zas, e usando o próprio índio como elemento servil, para promoção do desenvolvimento da população branca. Para isso se dariam aos aldea- dos: cama e comida; tratamento da saúde; escolas de ler e escrever; ofi- cinas de carpinteiro e ferreiro; e terras para criar gado e plantar. Aos aldeados válidos competia aprender a religião, a língua dos portugue - ses, ler e escrever (para os meninos), fiar, tecer e coser (para as meninas), ofícios de carpinteiro e ferreiro, trabalhos de lavoura e criação de gado (para os adultos). A fim de possibilitar toda essa aprendizagem haveria em cada aldeia um padre, um ferreiro, um carpinteiro, um professor de Primeiras Letras, uma mestra de filatórios, uma mestra de costura (em geral a mulher do professor), vaqueiros e agricultores experimentados, além dos encarregados da administração: comandante, tesoureiro, almoxarife, e praças de guerra para a segurança da aldeia. Com exceção de uns poucos e curtos períodos de prosperidade, essas aldeias não progrediram. Os males residiam ora na frouxidão, ora no excessivo rigor ou incompreensão dos comandantes; na falta de profissionais competentes, ficando quase sempre vaga a maioria dos lugares; na tendência ao gozo de liberdade plena; e na ociosidade dos índios. Enquanto houvesse comida abundante, liberdade e tolerância para a ociosidade, tudo ia bem, mas, quando se exigia trabalho sério e intolerância para os seus costumes, suas pernas ligeiras os levavam para longe. A fuga entretanto era mais freqüente quando a miséria penetrava nas aldeias, por falta de recursos ou trabalho na lavoura e na criação do gado. Quando os últimos grãos de cereais e as últimas cabeçasde gado eram devoradas, passavam os índios à caça e à pesca nas proximidades da aldeia, mas, à medida que estas iam ficando escassas, fugiam os índios para longe, a procura de meios de subsistência. Os maus tratos e a perseguição eram causa também de muitas fugas. Se o descontentamento dos aldeados se transformava em ódio, fugiam das aldeias e desforravam nos primeiros brancos que encontravam nas estradas, nos po- voados, nas fazendas, saqueando, matando. Foi o que aconteceu com os caiapós das aldeias Maria e Mossâmedes, quando estas, nos meados do século passado, entraram em decadência irremediável. Os caiapós rebelaram-se e fugiram em direção ao Rio Claro e Rio Bonito, des- truindo tudo o que encontravam no caminho. Por muitos anos infestaram essa região, transformando-a em lugar proibido para os brancos. De todas as aldeias fundadas nos tempos da Colônia, a de São José de Mossâmedes foi a principal e a que teve mais longa duração. e os melhores resultados. Não chegou a ser um modelo, porque nunca possuiu os recursos humanos e financeiros para isso. Tornou-se famosa enquanto lá viveu Damiana da Cunha, filha de um cacique Caiapó, ba- tizada pelo governador Luiz da Cunha Menezes, que lhe deu o sobre- nome Cunha-. Criada na religião católica, cuja fé não abandonou, tornou-se o principal elemento de ligação entre os senhores do governo e seus irmãos caiapós. Estes a respeitavam e a ela obedeciam. Já em meia idade foi despachada, com pouquíssimos recursos, pelo governo, aos sertões do Rio Claro e Rio Bonito, na difícil missão de reconquistar os caiapós rebelados. De corpo e saúde débeis, seria difícil resistir http://aldeia.com/ 380 a tão longa jornada, em que o maior sofrimento foi a fome. Mas teve forças para voltar, missão cumprida, trazendo consigo poucos irmãos de raça, em cujos braços chegou à aldeia, para morrer junto ao seu templo. Damiana foi a heroína, o exemplo mais edificante a encher de belas páginas toda a história da catequese cm Goiás. Depois de Damiana, São José entrou em vagarosa decadência. Para aumentar sua pequena população, juntou-se-lhe a da aldeia Maria, também já inexpressiva. A propósito dessas aldeias e das demais fundadas pelos governos coloniais, Souza Spínola encerra sua história com estas palavras, em relatório de 1880: "De alguns desses aldeamentos não há mais vestígios. A aldeia de São José, que está officialmente extincta, possue ainda um belo templo, algumas casas arruinadas e os alicerces dos antigos estabelecimentos, conforme tive occasião de ver em dezembro ultimo" (207). Nos tempos do Império fundaram-se ainda alguns aldeamentos, para a continuação da catequese, dever do Estado. Para isso criou-se uma Diretoria Geral dos Índios, cujos deveres, segundo o regulamento expedido em 1845, eram os seguintes: a) diligenciar a edificação de igrejas e de casas para os empregados e os índios; b) distribuir instru- mentos de lavoura, mantimentos, roupa, medicamentos e outros objeti- vos; c) manter destacamentos para garantir a ordem e segurança; d) criar escolas; e) ensinar a religião católica; O introduzir a vacina; g) providenciar para que não houvesse fome; h) estabelecer oficinas de artes mecânicas; i) fazer adotar as produções de mais fácil cultura e de maior proveito; j) não consentir que os índios fossem vexados e lesados por autoridades ou particulares; 1) fiscalizar os rendimentos da aldeia e inspecionar os serviços dos índios; m) terem cada aldeia um tesoureiro, um almoxarife, um cirurgião; n) introduzir o gosto pela música instrumental (208). Malogradas as experiecias anteriores sob a direção de civis ou militares, o governo passou a preferir a direção dos aldeamentos por religiosos missionários.
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