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EDUCAÇÃO FÍSICA NA INFÂNCIA Ana Paula Maurilia dos Santos Classificação de habilidades motoras Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Listar os elementos cognitivos e motores que influenciam o processo de aprendizagem motora. � Relacionar as habilidades motoras e a organização de tarefas no am- biente escolar. � Identificar as diferenças ambientais e suas influências sobre o processo de aprendizagem das habilidades motoras. Introdução Neste capítulo, você vai estudar os fatores que afetam a aquisição da aprendizagem motora e os diferentes critérios de classificação das habilida- des motoras. Também verá a influência do ambiente sobre o processo de aquisição de aprendizagem motora, bem como sobre o engajamento em prática regular de atividade física. Além disso, vai visualizar o movimento sob todas essas dimensões, um processo com o qual os professores de educação física escolar se envolvem diariamente; por esse motivo, a compreensão de cada um desses esquemas é fundamental. Fatores que influenciam a aprendizagem motora Na intervenção profissional em educação física na escola, em especial no ensino de habilidades motoras, há uma área que investiga fatores que auxiliam no processo de aprendizagem dessas habilidades motoras, denominada apren- dizagem motora (UGRINOWITSCH; BENDA, 2011). De forma simples, podemos entender a aprendizagem motora como a capacidade para produzir ações habilidosas, sendo um resultado direto da prática ou experiência. Ela envolve um processo interno e, portanto, sua ocorrência é inferida por meio das mudanças no comportamento motor observável, e essas mudanças no comportamento são relativamente permanentes. Entre os focos de investigação da aprendizagem motora está a busca por fatores que afetam a aquisição de habilidades motoras, que são: o estabele- cimento de metas, as formas de fornecimento de instrução, a prática e os procedimentos de correção (WALTER; BASTOS; TANI, 2016). A seguir, veja mais sobre cada um desses elementos cognitivos. Estabelecimento de metas: tem-se sugerido que seus benefícios podem estar relacionados (WALTER; BASTOS; TANI, 2016, p. 44): � à influência sobre aspectos psicológicos, como motivação, confiança, satisfação e ansiedade; � ao direcionamento da atenção para aspectos importantes da tarefa; � à mobilização de esforço; � ao aumento na persistência; � ao desenvolvimento de novas estratégias de aprendizagem. Vários autores consideram que o estabelecimento de metas pode ser uma técnica motivacional efetiva, mas também um procedimento que gera estresse psicológico, por isso, é importante que as metas sejam específicas, mesuráveis, atingíveis, realistas e pontuais. Seus efeitos são diferentes em relação às fases da aprendizagem, nível de habilidade, estágio de desenvolvimento, nível de autoestima, sexo, tipo de tarefa, entre outros. Instrução verbal e demonstração: as instruções são informações sobre o objetivo da tarefa, a especificação da tarefa e o seu modo de execução. Elas têm por objetivo auxiliar o aprendiz a encontrar as melhores soluções para a realização de um movimento e, geralmente, são transmitidas verbalmente, visualmente (demonstração com execução do movimento, figuras, boneco articulado), ou de forma associada. As instruções enfatizam o resultado final ou o padrão de movimento a ser alcançado, enquanto o aprendiz tem pela frente todo o processo de aquisição da habilidade motora. Para tanto, os sistemas de memória poderão auxiliar nesse processo, convertendo a meta em ação, como no caso da memória processual. Já o conhecimento sobre o movimento transmitido pelo professor pode ser de dois tipos: declarativo ou processual. O conhecimento declarativo diz respeito à informação que pode ser verbalizada, retida e manipulada Classificação de habilidades motoras2 na memória ativa. O conhecimento processual consiste em um sistema de produção (instruções para a realização de uma série de operações), sendo mais difícil de se verbalizar. Por fim, as instruções devem ser transmitidas em quantidade e em padrão espaço-temporal adequados para tornar o ensino de habilidades motoras mais efetivo. Prática: a prática é considerada o fator mais importante para a aprendizagem motora. A prática física não é a única forma pela qual as habilidades motoras podem ser aprendidas; os aprendizes também podem praticar habilidades mentalmente (prática mental). “A prática física tem sido investigada com relação a sua organização no que se refere ao fracionamento, distribuição e variabilidade” (WALTER; BASTOS; TANI, 2016, p. 48). Geralmente, a prática por partes é utilizada para simplificar o processo de aprendizagem; ela divide a habilidade em partes e essas partes são praticadas separadamente até que sejam aprendidas e, em seguida, são integradas para realizar o movimento na sua totalidade. “A prática por partes seria mais eficaz para tarefas com alta complexidade e baixa organização, enquanto para tarefas com alta organização e baixa complexidade a prática do todo seria mais efetiva” (WALTER; BASTOS; TANI, 2016, p. 49). Outro aspecto relativo à organização da prática se refere a sua variabili- dade, que pode ser constante (realizar a mesma habilidade motora repetidas vezes) ou variada (variação das habilidades motoras). Por fim, quanto à prática mental (sem interação física com a habilidade), o desempenho de uma tarefa é realizado mentalmente, sem execução de mo- vimento. Nesse tipo de prática, “[...] os aprendizes podem praticar os aspectos procedimentais ou simbólicos da habilidade (por exemplo, uma sequência de movimentos em uma coreografia) ou ainda utilizar técnicas de imaginação” (WALTER; BASTOS; TANI, 2016, p. 54). Feedback e conhecimento de resultados: o feedback são as informações geradas por uma resposta motora disponíveis ao aprendiz quando realiza ou finaliza o movimento. “Informações podem ser fornecidas ao aprendiz por uma fonte externa — feedback extrínseco para facilitar a avaliação do movimento executado, suplementando a informação intrínseca que é disponível para ele” (WALTER; BASTOS; TANI, 2016, p. 58). As “dicas” do feedback extrínseco devem ser específicas, auxiliando o aprendiz na detecção e correção do erro. O feedback extrínseco tem sido pesquisado sob a forma de conhecimento de resultados (CR), algo de suma importância na orientação do aprendiz para a 3Classificação de habilidades motoras resposta motora correta e o alcance de metas. Nas fases iniciais do processo de aprendizagem do movimento, o aprendiz lida com muitas incertezas provenientes do ambiente externo, da tarefa e do seu próprio corpo, e essas demandas atrapalham a obtenção de respostas bem-sucedidas. Por esse motivo essa fase se caracteriza por um elevado número de erros. O feedback extrínseco fornecido ao longo das tentativas de prática constitui-se um fator fundamental no processo cognitivo de solucionar um problema motor e levar à realização correta do movimento. No artigo de revisão de Ugrinowitsch e Benda (2011), intitulado Contri- buições da Aprendizagem Motora: a prática na intervenção em Educação Física, os autores consideram também a prática como fator mais importante em aprendizagem motora e, consequentemente, a organização da prática como o fator mais investigado na área. Eles concluíram que, apesar de a prática mental auxiliar na aprendizagem de habilidades motoras, ela não mostra os mesmos resultados na comparação com a prática física. Em relação à temática da prática por parte ou em todo, eles acreditam que, no ensino e no treinamento de habilidades motoras, é preciso, primeiramente, identificar a habilidade a ser ensinada (aprendizes iniciantes) para se optar por em partes ou pelo todo. Os resultados indicados pelos autores demonstram que é melhor iniciar a prática de forma distribuída, sem variações, tanto de parâmetros quanto de programas. E, quando se tratarde indivíduos habilidosos, por eles já possuírem o padrão de movimento estável e o treinamento visar ajustes mínimos dos membros ou melhora do controle de força e direção, o mais indicado parece ser a prática pelo todo. Por fim, os estudos demonstraram que a prática aleatória foi a que levou ao melhor desempenho. Organização das habilidades motoras As habilidades motoras, como tarefas motoras, organizam-se a partir de seus atributos e características. Diferentes critérios são utilizados para essa classi- ficação, porém, quatro maneiras de classificar as habilidades de movimento junto a uma única dimensão ganharam popularidade ao longo dos anos: � aspectos musculares (critério de precisão dos movimentos); � aspectos temporais (critérios de distinção dos movimentos); � aspectos relacionados ao contexto no qual a habilidade ocorre (critérios de estabilidade do meio ambiente); � aspectos funcionais do movimento (critérios relacionados ao seu objetivo). Classificação de habilidades motoras4 No Quadro 1 é possível visualizar cada um deles. Fonte: Adaptado de Gallahue (2002). Aspectos musculares de movimento (tamanho/ extensão do movimento) � Habilidades de coordenação motora grossa: utilizam grandes grupos musculares para realizar uma tarefa de movimento (correr, saltar, arremessar, agarrar) � Habilidades de coordenação motora fina: utilizam pequenos grupos musculares para realizar uma tarefa de movimento com precisão (escrever, digitar, tricotar, pintar) Aspectos temporais de movimento (série de tempo no qual o movimento ocorre) � Habilidades motoras discretas: apresentam início e fim definidos (alcançar uma bola arremessada, atirar uma vara) � Habilidades motoras em série: série de habilidades discretas realizadas em sucessão rápida (driblar uma bola de basquete, abrir uma porta) � Habilidades motoras contínuas: realizadas repetidamente durante um tempo arbitrário (pedalar uma bicicleta, nadar, tocar um violino) Aspectos de movimento relacionados ao meio ambiente (contexto no qual o movimento ocorre) � Habilidades motoras abertas: ocorrem em um ambiente imprevisível e constantemente mutável (puxar violentamente, agarrar uma bola no ar, jogar a maioria dos jogos de computador) � Habilidades motoras fechadas: ocorrem em um meio ambiente estável e imutável (arremessar em golfe, processar uma palavra em um computador) Aspectos funcionais de movimento (objetivo do movimento) � Tarefas de estabilidade: ênfase em ganhar ou manter o equilíbrio tanto em situações de movimento estático quanto de movimento dinâmico (sentar-se, ficar de pé, equilibrar-se sobre um pé, andar sobre uma barra estreita) � Tarefas locomotoras: transportar o corpo de um ponto a outro no espaço (engatinhar, correr, realizar o salto em altura) � Habilidades manipulativas: colocar força sobre um objeto ou receber força de um objeto (o ato de bater, rebater a bola, escrever, tricotar) Quadro 1. Modelo unidimensional para a classificação de movimentos 5Classificação de habilidades motoras Vale ressaltar que essas classificações “[...] não têm como objetivo colocar as habilidades motoras em polos opostos isolados, por exemplo, grossas ou finas, mas ao longo de uma continuidade em cujas extremidades estão as grossas e as finas” (TANI, 2016, p. 37). Para o autor, é possível que algumas habilidades não se caracterizem nem como finas nem como grossas. Além disso, uma mesma habilidade pode mudar de classificação de acordo com o contexto em que é praticada (por exemplo, caminhar sozinho em uma pista de atletismo é uma habilidade fechada, mas caminhar em uma rua movimentada é uma habilidade aberta). Entre as classificações, as que têm mais relação com o ensino da educação física escolar e esportes referem-se aos aspectos de movimento relacionados ao contexto no qual a habilidade ocorre, ou seja, as habilidades nas quais o critério de estabilidade do meio ambiente é utilizado. Para Tani (2016), em algumas habilidades, esse critério é estável, ou seja, não muda de tentativa a tentativa; já em outras ele é muito dinâmico, com alterações constantes e ininterruptas. Essas condições mutáveis exigem que o indivíduo faça ajustes ou modificações no padrão de movimento para se adaptar às demandas da situação. No âmbito escolar, as atividades realizadas em duplas ou em grupo envol- vem habilidades abertas, pois dependem de um feedback externo ou interno para serem realizadas com eficácia. Gallahue (2002) cita a brincadeira de pega-pega como um exemplo típico de atividade que envolve habilidades abertas. Nela a criança precisa correr e executar movimentos súbitos em diversas direções, sem nunca utilizar os mesmos padrões de movimentos durante o jogo. Nessa brincadeira, há uma necessidade de adaptação da criança às demandas das atividades por meio de uma variedade de movimentos similares, porém diferentes. Já a habilidade motora fechada é aquela realizada em um ambiente estável ou previsível, onde aquele que a executa determina quando iniciará a ação (TANI, 2016). Gallahue (2002) considera que a habilidade fechada demanda rigidez de desempenho, uma vez que necessita mais de um feedback sinestésico Classificação de habilidades motoras6 do que visual ou auditivo da execução da tarefa. Um exemplo típico citado pelo autor é o adolescente que realiza uma parada de mão. Outros exemplos de habilidades fechadas são a bola tacada na sinuca, o lance livre no basquete, o lançamento de dardo e a ponte na ginástica. Por outro lado, a cortada no voleibol, a rebatida no badminton, o golpe no karatê e o rebote no handebol são exemplos de habilidades abertas. Tani (2016) coloca que uma forma clara de interpretar essas dimensões é a seguinte: quando levamos em consideração as variações ambientais, as habilidades são abertas; já quando as variações ambientais não afetam a seleção, programação e execução de movimentos, as habilidades são fechadas. Em uma apresentação de ginástica rítmica, temos exemplos de habilidades motoras fechadas, pois as condições ambientais ali presentes permanecerão relativamente inalteradas durante a execução. Por isso, “[...] o que se busca nas habilidades fechadas, é a consistência do padrão de movimento, restringindo a sua variabilidade e aumentando a sua precisão” (TANI, 2016, p. 37). Isso é o que toda ginasta tem buscado e é o que torna o movimento cada vez mais semelhante todas as vezes em que é realizado. As habilidades motoras também podem ser classificadas com base em sua intenção: de estabilidade, de locomoção e de manipulação. Elas podem ser apresentadas de forma combinada, ou não. Quanto à sua forma combinada, podemos citar a brincadeira de pula-corda, em que, especificamente no ato de saltar, a criança transporta seu corpo de um ponto ao outro (tarefa de locomoção), necessitando manter a postura ereta para que haja uma constância do movimento (tarefa de estabilização), enquanto manuseia precisamente a corda com as mãos (tarefa de manipulação). Antes dos 6 anos de idade, comumente as crianças realizam movimentos que contemplam apenas uma dessas habilidades, isoladamente. Elas saltam várias vezes no mesmo lugar (locomoção), rolam no colchão (estabilização) e lançam um objeto (manipulação). Somente na fase motora especializada, mais ou menos por volta dos 6 anos, quando a criança ingressa no Ensino Fundamental I, é que essas habilidades são combinadas para utilização nos jogos de amarelinha, no pé de lata, no pula-corda. 7Classificação de habilidades motoras Esse fato retrata o esquema bidimensional de Gallahue (2002), que, além de enfatizar a função intencional da tarefa de movimento em três categorias (estabilidade, locomoção e manipulação), expressa as fases de desenvolvimento motor da seguinte maneira. � Fase reflexiva: movimentos involuntários gerados por um estímulo externo, do nascimento a mais ou menos 1 ano de idade, sendo alguns importantes à sobrevivência,como o reflexo de sucção, por exemplo. � Fase rudimentar: movimentos voluntários, grosseiros e descoordena- dos, típicos de uma criança que está aprendendo a engatinhar, a andar e a correr, por volta de 8 meses a 2 anos de idade. � Fase fundamental: etapa em que se aprende os movimentos básicos de maneira isolada, aqueles comuns à vida diária, como correr, lançar, chutar equilibrar-se. � Fase especializada: etapa em que os movimentos de estabilidade, de locomoção e de estabilização são combinados para a realização de tarefas mais complexas. São tipicamente dominados no final da infância e, um pouco mais tarde, apresentam-se na forma de habilidades com- plexas de vida diária, atividades de recreação e no esporte competitivo. Esse esquema é universalmente aceito, pois possibilita a compreensão de como as três dimensões do movimento interagem entre si, podendo ser trabalhados nas diferentes fases do processo de desenvolvimento motor. Ao propor esse modelo, Gallahue (2002) apresenta, de certo modo, uma visão naturalista do desenvolvimento infantil e alerta para o fato de que crianças não são adultos em miniatura e por isso não podem ser programadas a desempenhar atividades fisiológicas e psicológicas específicas de adultos. Para o autor, as crianças são, quanto ao seu desenvolvimento, imaturas, e por isso é necessário estruturar experiências motoras significativas e apropriadas para seus níveis, ministradas de forma lúdica e estimulante. A idade na qual o desempenho esportivo deve ser pensado é por volta dos 12 a 14 anos; antes disso, a criança precisa vivenciar o maior número de experiências motoras possível por meio de jogos e brincadeiras lúdicas. Na escola, essa fase coincide com o período do Ensino Fundamental I, no qual as crianças aprendem sobre o movimento com jogos e brincadeiras, sem o caráter da competição esportiva em si — que só deve ter início a partir do Ensino Fundamental II, antes disso, deixei-os ser crianças. Classificação de habilidades motoras8 Esse fato deixa clara a importância de o professor de educação física escolar conhecer esses esquemas, para que não superestime ou subestime a criança, proporcionando atividades incompatíveis com o seu desenvolvimento físico, mental e moral. No Quadro 2 você pode ver o modelo bidimensional proposto por Gallahue. Função intencional da tarefa de movimento Fases do desenvolvi- mento motor Estabilidade (ênfase no equilíbrio corporal estático e dinâmico) Locomoção (ênfase no transporte corporal de um ponto a outro) Manipulação (ênfase em colocar ou receber força de um objeto) � Fase de movimento reflexivo: movimentos involuntários controlados subcorti- calmente no útero e na infância precoce � Reflexo vertical e labiríntico � Reflexo vertical do pescoço � Reflexo vertical do corpo � Reflexo de engatinhar � Reflexo dos primeiros passos � Reflexo de nadar � Reflexo palmar de segurar algo � Reflexo plantar de segurar algo � Reflexo de parada � Fase do movimento rudimentar: movimentos influenciados pela maturidade da infância � Controle da cabeça e pescoço � Controle do tronco � Ato de sentar-se sem suporte � Ficar de pé � Rastejar � Engatinhar � Andar na vertical � Alcançar � Pegar � Soltar Quadro 2. Modelo bidimensional para a classificação de movimentos com exemplos (Continua) 9Classificação de habilidades motoras Fonte: Adaptado de Gallahue (2002). Quadro 2. Modelo bidimensional para a classificação de movimentos com exemplos Função intencional da tarefa de movimento � Fase do movimento fundamental: habilidades básicas de movimento da infância � Equilíbrio sobre um pé � Caminhar sobre uma barra baixa � Movimentos axiais � Caminhar � Correr � Saltar � Dançar � Arremessar � Pegar � Chutar � Bater � Fase de movimento especializado: as habilidades complexas do final da infância e pouco mais � Realizar uma rotina de equilíbrio sobre uma barra em ginástica � Defender um chute a gol em futebol � Correr 100 m de uma vez ou com obstáculos em uma trilha � Caminhar no meio de uma multidão � Fazer um chute a gol em futebol americano ou futebol � Bater em uma bola arremessada (Continuação) Dentro desse contexto, Gallahue (2002) mostra como é possível observar o fenômeno de movimento por meio de diferentes dimensões, por exemplo: [...] uma criança ao chutar uma bola em um alvo fixo está realizando uma habilidade fechada (sob o aspecto do meio ambiente), discreta (do aspecto temporal), de coordenação motora grossa (aspecto muscular) e de manipulação (aspecto funcional) que provavelmente permanece tanto no nível de habilidade fundamental quanto especializada (aspectos relacionados ao desenvolvimento). Um jogador de futebol habilidoso ao driblar uma bola enquanto corre em um campo durante um jogo está realizando uma habilidade aberta (aspecto do meio ambiente), em série (aspecto temporal), de coordenação motora grossa (aspecto muscular), locomotora e manipulativa (aspectos funcionais) no nível de habilidade especializada (aspecto de desenvolvimento) (GALLAHUE, 2002, p. 110). Classificação de habilidades motoras10 Este e os outros exemplos descritos permitem concluir, conforme preco- nizado por Gallahue (2002), que a separação e a classificação de movimentos nem sempre é possível ou desejada. Na escola, a criança e o adolescente estarão sempre respondendo a muitos fatores sutis do meio ambiente e às demandas específicas da tarefa de movimento em particular. Por esse motivo, a classificação arbitrária de movimento aqui descrita deve servir apenas para focar a atenção sobre o aspecto específico de movimento. Visualizar o movimento sob todas essas dimensões se torna, na verdade, um processo com o qual os professores especializados e os técnicos competentes se envolvem diariamente. Relação entre fatores ambientais e habilidades motoras em escolares: dados de pesquisas É consenso na área do desenvolvimento e da aprendizagem motora o reconhe- cimento da forte influência dos fatores ambientais na aquisição das habilidades motoras. As condições ambientais poderão favorecer de modo positivo ou negativo a aquisição das habilidades motoras. Para Haywood e Getchell (2016), o desenvolvimento do indivíduo depende da implementação de contextos apro- priados, entre eles as condições sociais e culturais, os contextos de ensino e as experiências passadas (HAYWOOD; GETCHELL, 2016). Além disso, fatores como nível socioeconômico, interação com outras crianças, estrutura familiar, espaços e brinquedos ofertados dentro de casa, mídia, elementos como gênero, raça, religião e nacionalidade tendem a direcionar o comportamento motor futuro do indivíduo (NOBRE et al., 2009; HAYWOOD; GETCHELL, 2016). A sociedade e a cultura também exercem grande influência na aquisição das habilidades motoras, em particular os esportes e a atividade física. O fato de a criança explorar o ambiente por meio do desempenho de habilidades motoras implica em modificações no seu desenvolvimento físico, perceptivo-motor, moral e afetivo (FERREIRA NETO, 2004). Pelozin et al. (2009) acreditam que as aulas de educação física escolar e as instituições esportivas constituem espaços propícios para a vivência de experiências esportivas, permitindo às crianças aprimorar suas habilidades motoras e assimilar as contribuições da atividade física para uma vida saudável. 11Classificação de habilidades motoras Projetos realizados no contraturno escolar parecem influenciar o padrão motor de escolares. A pesquisa de Santos, Rosa Neto e Pimenta (2013) revelou que “[...] crianças que frequentam projetos sociais apresentam melhor padrão de desenvolvimento motor quando comparado às crianças que não participam de projetos sociais e que também não participam atividades extraclasses” (SANTOS; ROSA NETO; PIMENTA, 2013, p. 61). Os mesmos autores afir- mam que a práticaesportiva realizada nesses projetos demonstrou ser um fator significativamente favorável à motricidade de seus participantes, que já levam consigo a questão do nível socioeconômico como aspecto fortemente prejudicial ao seu desenvolvimento motor. Pelozin et al. (2009) verificaram em programas de atividades extraclasse maior concentração de crianças que praticam esportes com alta coordenação, enquanto os que não praticavam concentraram-se mais nas categorias normal e baixa. Por esse motivo, eleva-se a importância de se proporcionar um maior número de experiências motoras durante a infância, no intuito de fazer com que as crianças atinjam padrões maduros de habilidades motoras fundamen- tais, de forma a garantir níveis elevados de atividade física na adolescência e vida adulta. Apesar do padrão proficiente (maduro) das habilidades motoras fundamentais ser estabelecido por volta dos 6 anos de idade, muitas crianças e adultos não chegam a esse estágio na maioria das habilidades motoras (GALLAHUE; OZMUN; GOODWAY, 2013). Habilidades motoras versus atividade física O alto nível de competência motora aumenta as chances de participação em atividades físicas ou o aumento da participação em atividades físicas é que promove um alto nível de competência motora? Até que ponto o domínio das habilidades motoras influencia a participação em atividades físicas sistemáticas ou não sistemáticas? Grande parte das pesquisas atuais centra-se nessa dicotomia; alguns examinam a relação causal, outros sugerem uma relação recíproca, porém, até o momento, parece não haver uma resposta para esses questionamentos (HOLFELDER; SCHOTT, 2014). Classificação de habilidades motoras12 Na pesquisa de Berleze, Vieira e Krebs (2002), que investigou os motivos que levam as crianças à pratica de atividades físicas na escola, verificou-se que o divertimento, a distração, o prazer em realizar o movimento, o gosto pelo esporte, além da aprendizagem nas aulas de educação física e a tarefa, foram as razões mais importantes citadas pelas crianças para se manterem engajadas em atividades físicas. Os autores salientaram a importância do ambiente escolar, em sua estrutura física e humana, em oportunizar condições para a realização das atividades físicas e esportivas, bem como do encorajamento e da instrução adequada, com o investimento na formação dos professores de educação física. Fica clara a importância dos contextos escolares para a aquisição das ha- bilidades motoras e da oferta de esportes via ensino integral (no contraturno escolar), principalmente em nível nacional, com as ações dos programas Mais Educação e Segundo Tempo. Para saber mais sobre os projetos de esporte, lazer e inclusão social, acesse os links a seguir. https://qrgo.page.link/p91k4 https://qrgo.page.link/VSxTC Ao abordarmos a influência da escola no processo de aquisição das ha- bilidades motoras, não podemos deixar de citar também a importâncias das creches e das instituições de educação infantil, já que, nessa etapa do desenvol- vimento, em particular dos 2 aos 6 anos, as habilidades motoras fundamentais estão sendo consolidadas. Pesquisadores influentes nos estudos ecológicos do desenvolvimento motor (KREBS; GABBARD; CAÇOLA, 2010) acreditam que, para o desenvolvimento das habilidades motoras nos primeiros anos de vida, o ambiente onde a criança passa a maior parte do tempo exerce forte influência, por meio dos equipamentos e brinquedos disponíveis nesses locais. 13Classificação de habilidades motoras Infelizmente, não é toda a instituição de ensino infantil que possui em seu quadro profissional a presença do professor de educação física. Acredita-se que a implementação da nova Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017), por meio, especificamente, do campo de experiência “Corpo, gestos e movimen- tos”, venha a mudar certas posturas, envolvendo os profissionais da educação não apenas nas práticas que almejam o cuidado dos pequenos, mas também na proposta de atividades mais focadas no usufruto da cultura corporal para a promoção de um estilo de vida ativo. Para Robinson et al. (2015), se durante a infância as crianças não adquirirem um repertório motor que lhes garanta correr, saltar, pegar, jogar com proficiência, então elas terão oportunidades limitadas para o engajamento em atividades físicas ao longo da vida, já que não terão as habilidades consideradas pré-requisitos para serem ativas. Acredita-se que, na primeira infância, a atividade física impulsiona o desenvolvimento e o aprimoramento das habilidades motoras fundamentais; desse modo, quanto maior o nível de atividade física, maior o tempo em experiências motoras. Já na segunda infância, esse processo se inverte: a competência motora é que determinará os níveis de atividade física; os indi- víduos habilidosos tendem a escolher atividades específicas, ou seja, crianças habilidosas tendem a ter níveis de atividade física mais altos, enquanto as crianças menos habilidosas tendem a se envolver menos em atividades físicas (ROBINSON et al., 2015). Outro ponto importante a se considerar é que a decisão das crianças e jovens em se manterem ativos sofre influências diretas dos grupos de convi- vência, que agem como agentes socializadores junto às situações sociais para o encorajamento da prática esportiva, principalmente na adolescência, em que 80% dos adolescentes são considerados insuficientemente ativos. Nesse contexto, destaca-se a importância da família, dos professores de educação física e dos treinadores para a motivação e o incentivo à prática de atividades físicas, não só na infância, mas por toda a vida. Por fim, podemos perceber que uma das grandes preocupações atuais é que os níveis de atividade física em crianças e adolescentes durante o tempo livre encontram-se significativamente abaixo das expectativas em função, principal- mente, do avanço da tecnologia. Como consequência verificamos um declínio das habilidades motoras nas últimas décadas. A participação em esporte organizado, a influência da família, os locais disponíveis para prática de atividade física na comunidade, os investimentos governamentais, como os projetos sociais, são fatores que impactam diretamente na aquisição das habilidades motoras em escolares. Desse modo, a identificação dos fatores que determinam a prática de atividade física nunca foi tão necessária como nos dias de hoje. Classificação de habilidades motoras14 BERLEZE, A.; VIEIRA, L. F.; KREBS, R. J. Motivo que levam crianças à prática de atividade motora na escola. Revista da Educação Física/UEM, v. 13, n. 1, p. 99–107, 2002. Disponível em: http://www.periodicos.uem.br/ojs/index.php/RevEducFis/article/view/3757/2581. Acesso em: 21 jul. 2019. BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular (BNCC): educação é a base. Brasília, DF, 2017. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/conselho-nacional-de- -educacao/base-nacional-comum-curricular-bncc. Acesso em: 21 jul. 2019. 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