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ORGANIZAÇÃO Carlos Eduardo Lamas Ana Luiza Berg Barcellos Victor de Abreu Gastaud Alexandre Torres Petry NOVOS PARADIGMAS DO DIREITO DE FAMILIA E SUCESSÕES Porto Alegre, 2023 Copyright © 2023 by Ordem dos Advogados do Brasil Todos os direitos reservados Recebimento dos textos, diagramação, ficha catalográfica Jovita Cristina Garcia dos Santos Projeto Gráfico e Capa Victor Baldez Silva Revisora Dieniffer de Souza Silva Lemes Bibliotecária Jovita Cristina Garcia dos Santos – CRB 10º 1.5717 A revisão de Língua Portuguesa e a digitação, bem como os conceitos emitidos em trabalhos assinados, serão de inteira responsabilidade do(s) autor(es). Escola Superior de Advocacia da OAB/RS Rua Manoelito de Ornellas, 55 – Praia de Belas CEP 91110-230 – Porto Alegre/RS N848 Novos paradigmas do direito de familia e sucessões//, Carlos Eduardo Lamas, Ana Luiza Berg Barcellos, Victor de Abreu Gastaud, Alexandre Torres Petry. (Organizadores). – Porto Alegre: OABRS, 284p. ISBN: 978-65-88371-29-9 1. Direito de família. 2. Sucessões. I. Título CDU: 347.6 CDU:cccc ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - CONSELHO FEDERAL DIRETORIA/GESTÃO 2022/2025 Presidente: Beto Simonetti Vice-Presidente: Rafael Horn Secretária-Geral: Sayury Otoni Secretária-Geral Adjunta: Milena Gama Diretor Tesoureiro: Leonardo Campos ESCOLA NACIONAL DE ADVOCACIA – ENA Diretor-Geral: Ronnie Preuss Duarte ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL Presidente: Leonardo Lamachia Vice-Presidente: Neusa Maria Rolim Bastos Secretário-Geral: Gustavo Juchem Secretária-Geral Adjunta: Karina Contiero Silveira Tesoureiro: Jorge Luiz Dias Fara ESCOLA SUPERIOR DE ADVOCACIA Diretor-Geral: Rolf Hanssen Madaleno Vice-Diretor: Eduardo Lemos Barbosa Diretora Administrativa-Financeira: Graziela Cardoso Vanin Diretoras de Cursos Permanentes: Fernanda Corrêa Osorio, Michelle da Silva G. Vieira Diretor de Cursos Especiais: Roger Eridson Dorneles Diretores de Cursos Não Presenciais: Jair Pereira Coitinho Diretoras de Atividades Culturais: Ana Lúcia Kaercher Piccoli, Eliane Chalmes Magalhões Diretor de E-books e da Revista Eletrônica: Alexandre Torres Petry CONSELHO PEDAGÓGICO Bruno Nubens Barbosa Miragem Simone Tassinari Cardoso Fleischmann Gerson Fischmann Cristina da Costa Nery Raimar Rodrigues Machado CAIXA DE ASSISTÊNCIA DOS ADVOGADOS Presidente: Pedro Zanette Alfonsin Vice-Presidente: Paula Grill Silva Pereira Secretária-Geral: Morgana Bordignon Secretária-Geral Adjunta: Alessandra Glufke Tesoureiro: Matheus Portella Ayres Torres TRIBUNAL DE ÉTICA E DISCIPLINA Presidente: Airton Ruschel Vice-Presidente: Gabriel Lopes Moreira CORREGEDORIA Corregedora: Maria Helena Camargo Dornelles Corregedores Adjuntos Maria Ercília Hostyn Gralha Josana Rosolen Rivoli Regina Pereira Soares OABPrev Presidente: Jorge Luiz Dias Fara Diretor Administrativo: Otto Junior Barreto Diretora Financeira: Claudia Regina de Souza Bueno Diretor de Benefícios: Luiz Augusto Gonçalves de Gonçalves COOABCred-RS Presidente: Jorge Fernando Estevão Maciel Vice-Presidente: Márcia Isabel Heinen SUMÁRIO PREFÁCIO - Victor de Abreu Gastaud .................................................................................. 8 APRESENTAÇÃO - Carlos Eduardo Lamas e Ana Luiza Berg Barcellos .......................... 9 UNIÃO ESTÁVEL, AUTONOMIA PRIVADA E REGIME DE BENS FIXADO RETROATIVAMENTE - Ana Luiza Berg Barcellos ............................................................ 11 O REGIME DE BENS NA UNIÃO ESTÁVEL QUANDO INCIDENTE CAUSA SUSPENSIVA - Ana Regina Costa Martins ......................................................................... 24 LEGADOS NO PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO DE DEPENDENTES ECONÔMICOS - Anna Carolina Grehs Sulzbach e Nicole Cavalli Gomes da Silva ...................................... 41 ALIENAÇÃO PARENTAL E SUA NECESSÁRIA REGULAMENTAÇÃO LEGAL - Carlos Eduardo Lamas ...................................................................................................................... 55 FIXAÇÃO DE RESIDÊNCIA BASE NA GUARDA COMPARTILHADA E SUA RELAÇÃO COM A ALIENAÇÃO PARENTAL - Carlos Eduardo Lamas e Marina Kayser Boscardin ................................................................................................................................. 69 A NATUREZA JURÍDICA DOS ALIMENTOS COMPENSATÓRIOS E SUA IMPORTÂNCIA NA APLICAÇÃO PRÁTICA - Carlos Eduardo Lamas e Sônia Brizolara Fortunato da Silva .................................................................................................................. 81 MULTIPARENTALIDADE: A AFETIVIDADE COMO FATOR DETERMINANTE DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA - Fernando Ferreira de Alcântara e José Weidson de Oliveira Neto ...................................................................................................................... 91 AÇÃO DE EXIGIR CONTAS COMO MEIO VIÁVEL À FISCALIZAÇÃO DA PRESTAÇÃO ALIMENTAR DOS FILHOS MENORES - Gisela Brum Isaacsson .......... 112 CONSTRUINDO PONTES: ADVOCACIA COLABORATIVA E A ABORDAGEM INTERDISCIPLINAR NO ÂMBITO DO DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÕES - Grasiela de Souza Thomsen Giorgi, Marilene Marodin e Maria Izabel Severo ........................... 126 A RESPONSABILIDADE CIVIL NOS CASOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL: O DANO MORAL SOFRIDO PELO GENITOR ALIENADO - Jéssica Nobre Weber...................... 147 MOROSIDADE NOS PROCEDIMENTOS DE ADOÇÃO NO BRASIL: DESAFIOS E PERSPECTIVAS À LUZ DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA - Leandro Barbosa de Araujo e Francineide Barbosa de Araújo Costa ............................ 168 A FAMÍLIA SOB A PERSPECTIVA DA TEORIA DOS SISTEMAS SOCIAIS DE NIKLAS LUHMANN - Mariana Galvan dos Santos e Ana Júlia Cecconello Folle ........................ 189 NEGLIGÊNCIA AFETIVA: A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PAIS PELO ABANDONO AFETIVO - Nathane Von Ahn e Ana Regina Costa Martins.................... 201 A ORDEM NATURAL DOS PAPÉIS SOCIAIS FAMILIARES - Rafaela Peres Castanho ................................................................................................................................ 216 “STRANGER THINGS” E DIREITO DE FAMÍLIA “IN STREAMING”: EXPLORANDO AS RELAÇÕES ENTRE A SÉRIE E AS DINÂMICAS FAMILIARES - Roberta Drehmer de Miranda e Gabrielle da Silva Wilhelm ............................................................................... 227 A CONTRATUALIZAÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA E A VALORIZAÇÃO DA AUTONOMIA PRIVADA - Rochele da Silva Madruga .................................................... 242 HERANÇA DIGITAL: REFLEXÕES SOBRE O DIREITO A HERANÇA E O DIREITO A INTIMIDADE DO FALECIDO - Sara Daniela Silva de Souza.......................................... 253 PATERNIDADE SOCIOAFETIVA POST MORTEM - UM ESTUDO DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL - Victoria Pérez Lacerda Rangel e Gisela Brum Isaacsson ...................................... 269 8 PREFÁCIO Com enorme satisfação, a Escola Superior de Advocacia do Rio Grande do Sul e demais organizadores deste e-book me honraram com convite para redigir o prefácio desta relevantíssima obra, denominada “Novos paradigmas do direito de família e sucessões”. Trata-se, pois, de projeto vanguardista, ponderado conjuntamente pela ESA/RS, por intermédio de Alexandre Torres Petry – diretor de e-books e da revista eletrônica da instituição –, e pela Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da Subseção de Pelotas, capitaneada pelos ilustres e operosos presidente e vice-presidente:Carlos Eduardo Lamas Santos da Silva e Ana Luiza Berg Barcellos, respectivamente. Este importante material contempla dezoito artigos, redigidos por advogados e advogadas dedicados ao estudo e à prática do direito de família e sucessões, a partir dos temas mais contemporâneos acerca da matéria. Formou-se, assim, um substancioso compilado de textos, os quais, certamente, engrandecerão o conhecimento dos profissionais voltados às questões que tangenciam essa sensível área do direito e do pensamento jurídico. Nesse sentido, cumprimento, muito efusivamente, não apenas os seus organizadores, mas, também, cada uma das pessoas que dedicou parcela relevante de seu tempo para elaborar os excelentes artigos selecionados. Da mesma forma, agradeço, em nome da Subseção de Pelotas, o pronto acolhimento da ESA/RS à proposta formulada. Esta iniciativa, certamente, suscitará outros projetos desta natureza, que virão para proporcionar espaço genuinamente de valorização e capacitação da advocacia, sem descuidar de admirável mister da ESA/RS: ascender o nível cultural de advogadas e advogados gaúchos. Invito, assim, às leitoras e aos leitores, que usufruam deste e-book, e empreguem o seu conteúdo no exercício da advocacia, bem como na academia, pois, a toda evidência, será de enorme proveito. Esta é, seguramente, uma proposta da Subseção de Pelotas, da ESA/RS e da Seccional gaúcha, liderada pelo presidente Leonardo Lamachia, comprometido a atender, sem medir esforços, aos pleitos da classe e, sobretudo, ao aprimoramento intelectual e profissional daqueles que compõem o quadro de advogadas e advogados de nosso Estado. Victor de Abreu Gastaud Presidente da Subseção de Pelotas 9 APRESENTAÇÃO São cada vez mais intensas e constantes as mudanças ocorridas na família brasileira, o que implica em uma necessária transformação também no direito de família e sucessões. O percurso percorrido pela legislação (mesmo que atrasada às demandas contemporâneas) e jurisprudência bem exemplifica este dinamismo: em menos de um século, saímos de um patriarcado e caminhamos à possibilidade de famílias poliafetivas, multiparentais e até mesmo multiespécie. Incontestável que a doutrina familista é uma das grandes responsáveis pelos avanços no reconhecimento dos direitos aplicados aos sujeitos destes núcleos familiares, uma vez que muitas das transformações se deram em âmbito jurisprudencial, com fundamento único e exclusivo em teses doutrinárias, tendo em vista a legislação em total atraso com a sociedade contemporânea. O interesse que a advogada e o advogado familista despertam ao estudo constante é o que nos impulsionou, como representantes da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da Subseção de Pelotas, a criar este projeto, automaticamente abraçado pela diretoria da OAB Pelotas, na qual agradecemos na pessoa de seu presidente, Victor Gastaud. Diante destes motivos, a Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB Pelotas, em conjunto com a Escola Superior de Advocacia da Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Rio Grande do Sul, resolveram lançar o E-book Novos Paradigmas do Direito de Família e Sucessões. Novos paradigmas desafiam novos modelos, abordagens contemporâneas. Os autores se desincumbiram deste desafio, com um olhar sensível ao que os temas exigem. O E-book Novos Paradigmas do Direito de Família e Sucessões agrega trabalhos que contemplam tanto as questões existenciais, como as matérias do direito de família e sucessório, com reflexões voltadas às complexidades doutrinárias e jurisprudenciais em assuntos controvertidos e inovadores. Os dezoito artigos permeiam os mais diversos e atuais assuntos. Destacamos nesta apresentação alguns ramos de reflexão que o leitor encontrará neste E-book. A temática da autonomia de vontade e da contratualização no direito de família vem se mostrando de grande relevância às famílias contemporâneas, as quais, por força de suas especificidades, inclusive patrimoniais, precisam fixar cláusulas que regrarão a relação de forma personalizada, impondo-se, pois, reflexão acerca da mitigação das interferências estatais 10 frente a autonomia privada. Na seara das questões patrimoniais no âmbito familiar, a obra contempla, também, o estudo acerca do regime de bens aplicável à união estável nos casos de causa suspensiva ao casamento. Outros temas sobre os quais o E-book não poderia se furtar na abordagem são os pertinentes ao abandono afetivo e à alienação parental, assuntos de imensa relevância psíquica, social e jurídica, e sobre os quais os operadores do direito precisam estar atentos e zelosos em seu trato, visando, assim, o melhor atendimento dos interesses das crianças e adolescentes, os quais são as vítimas das práticas desta natureza. Aspectos relacionados à prática profissional e à morosidade de procedimentos na seara do direito de família também permeiam o E-book ora lançado. No primeiro tópico, a discussão acerca da advocacia colaborativa e a necessária abordagem interdisciplinar são expostas para contribuir com a atuação profissional dos advogados das áreas de direito de família e sucessões. E, na segunda temática, são expostas as necessárias reflexões acerca dos procedimentos de adoção no Brasil e sua morosidade, que tantos danos causam aos adotandos em potencial. Ainda no campo do direito das famílias, temáticas relacionadas à prestação alimentar de natureza compensatória e, também, acerca da possibilidade da ação de exigir contas para fiscalização da destinação da verba alimentar, estão contempladas no presente E-book. Por fim, a reflexão acerca dos papéis sociais familiares, o estudo das famílias como sistema social à luz da teoria luhmanniana e, ainda, a investigação sobre a construção de relações de multiparentalidade e da paternidade socioafetiva post mortem, contribuem para reflexão dos leitores. Já no campo no direito sucessório os assuntos expostos igualmente se mostram atuais, com a exposição de temáticas relacionadas à herança digital e a constituição de legados. Visando, pois, a colaborar para o aperfeiçoamento técnico dos profissionais direito na área do de família e sucessões, rogamos que o presente E-book auxilie na necessária atuação técnica que se impõe aos operadores do direito. Agradecemos aos envolvidos nesta produção, em especial aos autores e autoras. Votos de uma excelente leitura! Carlos Eduardo Lamas Presidente da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB Subseção Pelotas/RS Ana Luiza Berg Barcellos Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito de Família e Sucessões da OAB Subseção Pelotas/RS 11 UNIÃO ESTÁVEL, AUTONOMIA PRIVADA E REGIME DE BENS FIXADO RETROATIVAMENTE Ana Luiza Berg Barcellos1 RESUMO A união estável, nas últimas décadas, consolidou-se como um dos formatos de constituição das famílias. Ao longo do tempo, o ordenamento jurídico foi sendo constituído e atualizado para acompanhar os anseios sociais neste campo. O Poder Judiciário, por sua vez, pronunciou-se de forma inédita em inúmeras circunstâncias, assegurando proteção jurídica aos indivíduos. Os operadores do Direito desafiam-se, diariamente, na investigação e constituição de mecanismos capazes de protegerem os direitos dos cidadãos. A fixação da retroatividade do regime de bens na união estável representa um dos desafios para o tormentoso tratamento patrimonial nas uniões estáveis, encontrando-se, contudo, resistência no Poder Judiciário. Os profissionais do Direito, porém, seguem defendendo os interesses dos conviventes, argumentando - respeitosa e fortemente - o equívoco dos Julgadores. Neste artigo, então, o tema da autonomia privada no Direito das Famílias é objeto de breves reflexões, sendo associado ao assunto da retroatividade do pacto de convivência no que tange ao regime de bens.Palavras-chave: união estável; regime de bens; retroatividade; autonomia privada; liberdade. 1 INTRODUÇÃO Todos sabemos que nas últimas décadas muito se vem discutindo acerca da intervenção do Estado no Direito das Famílias. As mudanças sociais demonstram a necessidade de serem revistas as normas não mais compatíveis com as características e anseios sociais, especialmente porque o Direito das Famílias ainda se via vinculado ao modelo do Código Civil de 1916, inobstante o Código Civil de 2003 tenha apresentado inúmeros avanços. Neste ponto, sublinha- se que ainda seguimos sofrendo com influências históricas de natureza cultural e jurídica no Direito das Famílias, mas desenvolvendo e ampliando novas conjecturas, as quais se propõem a atender as demandas e necessidades da sociedade contemporânea. 1 Advogada (OAB/RS 55626); Coordenadora do Curso de Direito das Faculdades João Paulo II – Polo Pelotas; Vice-Presidente do Núcleo Pelotas do Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM); Especialista em Direito Processual Civil pela PUCRS; Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Escola Brasileira de Direito Mestre em Educação pela UFPEL e Doutora em Política Social e Direitos Humanos pela UCPEL. E-mail analuiza@mmouraadvogados.com. 12 Hodiernamente, um dos tópicos de suma relevância no âmbito jurídico familiar é a possibilidade e os limites para a contratualização entre cônjuges e companheiros. Atentando, assim, a evolução do Direito das Famílias, aos anseios e receios da sociedade atual, especialmente decorrentes das alterações na forma como as relações afetivas se constituem, é que observamos a necessidade de nos debruçarmos sobre os aspectos de liberdade contratual e autonomia privada focados no Direito das Famílias. O presente artigo, então, objetiva apresentar o tema da contratualização no âmbito do Direito das Famílias, em especial a questão da fixação retroativa do regime de bens vigorante. 2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA Sabemos que a Constituição Federal de 1988 consolidou inúmeras e necessárias alterações em nosso ordenamento jurídico, destacando-se, por exemplo, no §5º do art. 206, o exercício igualitário do direitos e deveres da sociedade conjugal entre os homens e as mulheres. O reconhecimento de outras formas de família, para além daquela constituída pelo casamento, com o acolhimento da união estável e das famílias monoparentais e, ainda, reconhecendo a igualdade entre os filhos, concedendo os mesmos direitos, independentemente da origem destes, são avanços significativos. Tais questões eram, naquele tempo, indispensáveis à proteção social, pois o ambiente sociológico impunha o olhar e o cuidado pelo Direito daquela conjuntura social. Todavia, a sociedade não parou, as transformações persistem em nosso cotidiano. Vejamos que as mudanças em diversas searas da sociedade ocorreram desde a revolução no campo e na cidade, com o uso de tecnologias, mas também, e especialmente, trouxeram transformações comportamentais. Neste viés, observamos a necessidade de que cada vez mais as decisões sejam tomadas rapidamente, movimento este especialmente fortalecido pelos meios de comunicação, como, por exemplo, os aplicativos de mensagens instantâneas. Em um contexto atual, de globalização, eliminação das distâncias e das fronteiras territoriais, observamos que a socialização transportou-se do universo físico e presencial para também contemplar o ambiente virtual e, é neste contexto, que as relações familiares e afetivas também sofreram profunda mudança, tornando-se – algumas ou muitas vezes – voláteis. O Direito, por sua vez, em especial o Direito das Famílias, deve acompanhar tal conjuntura, transformando, promovendo e acolhendo mecanismos técnicos que confiram segurança jurídica. 13 O Código Civil de 2002, é, assim, um destes instrumentos do Direito, que objetivou acolher na esfera jurídica as mudanças sociais, todavia, não tem sido o corpo legislativo capaz de acompanhar a velocidade das transformações. De todo modo, temos diretrizes desta norma que permitem uma interpretação constantemente atualizada, sendo, porém, fundamental que operadores do Direito estejam atentos a tais premissas. Há uma passagem de Miguel Reale (2001), abordando o teor do Código Civil de 2002, que tomamos a liberdade de compartilhar no início deste artigo por ser, sem dúvida, expressão dos desígnios desta norma e contributivo para a abordagem aqui proposta. Vejamos: Quando entrar em vigor o novo Código Civil, perceber-se-á logo a diferença entre o código atual, elaborado para um país predominantemente rural, e o que foi projetado para uma sociedade, na qual prevalece, em grande parte, a vida urbana. Haverá uma passagem do individualismo e do formalismo do primeiro para o sentido socializando do segundo, mais aberto às mutações sociais, com substancial mudança no paradigma jurídico-social. Além disso é superado o apego a soluções estritamente jurídica, reconhecendo-se o papel que na sociedade contemporânea voltam a desempenhar princípios de boa-fe e correção, para que possa haver real concreção jurídica. Sociedade e eticidade condicionam os preceitos do novo Código Civil, no qual desempenham grande papel as normas ou cláusulas abertas. O atual Código Civil está assentado em três diretrizes que nortearam a sua construção legislativa, e seguem orientando sua interpretação, quais sejam: socialidade, eticidade e operabilidade. Muita sinteticamente, temos que princípio da socialidade está relacionado ao preceito constitucional de solidariedade social, visando compor os interesses individuais e sociais nas relações constituídas. O princípio da eticidade visa preservar relações pautadas pela ética, pela confiança nas relações instituídas e, em especial, pela boa-fé objetiva, que pressupõe conduta leal, que permita a manutenção da confiança e das expectativas do negócio. Por fim, o princípio da operabilidade visa proporcionar caráter de fácil manejo do Código Civil, com estrutura hermenêutica, por exemplo, que se vale de cláusulas abertas, visando, também, contemplar tratamento jurídico também aos avanços e às mudanças sociais. Há uma situação de Judith Martins Costa (2002, p. 160) que bem pontua tal viés: [...] é preciso ter presente sua nova racionalidade, que, não mais pretendendo tudo regular, requer as contribuições da doutrina e da jurisprudência para continuar e completar a sua força normativa, postulando, por igual a consciência de todos os cidadãos, destinatários do Código – os reais construtores de sua normatividade – de que ‘não existe a plenitude do Direito escrito, mas sim a plenitude ético-jurídica do ordenamento. 14 Para compreendermos a temática da autonomia privada e da liberdade contratual, precisamos contextualizar tal preceito no Código Civil de 2002, em especial à luz do princípio da eticidade, pois, ao contrário do que se possa cogitar à primeira vista, liberdade contratual não significa ausência de limites para a manifestação de vontade daqueles que pactuam. Devemos, ainda, atentar ao fenômeno sociológico do afeto como relevante tópico a ser considerado para orientação do Direito das Famílias contemporâneo. O respeitado e tradicional doutrinador Paulo Lobo (2008, p. 47/48) é quem cunhou, pela primeira vez, em 1999, o status de princípio jurídico ao afeto, sendo sua lição no sentido de que o princípio da afetividade consolida o Direito das Famílias com atenção na estabilidade das relações afetivas e na comunhão de vida, sobrepondo-se estas sobre os aspectos relacionados aos vínculos biológicos ou, ainda, questões de natureza patrimonial. Embora o status concedido ao afeto, e o desenvolvimento do princípio da afetividade como uma diretriz ao Direito das Famílias, Dimas Messias de Carvalho, no artigoParentalidade Socioafetiva e a Efetividade da Afetividade, publicado nos Anais do IX Congresso Brasileiro de Direito das Famílias: Pluralidade e Felicidade, leciona a relevância da adequada compreensão sobre a distinção entre os institutos “afeto” e “afetividade”: Necessário no princípio da afetividade, em razão de vários equívocos que vêm sendo cometidos, distinguir a afetividade, como valor jurídico, do afeto, como estado psicológico, como sentimento. Da mesma forma que no Direito das Obrigações a vontade como valor jurídico é a conscientemente externada, objetiva, no Direito das Famílias também não se confundem o afeto, como sentimento, com a afetividade externada por comportamentos, por condutas objetivas. Nesta linha de pensamento, Ricardo Calderón (2017, p. 153) organiza tal tema nos seguintes termos: AMOR É estranho ao Direito e às suas atuais categorias jurídicas AFETO Sentimento anímico de aspecto subjetivo (inapreensível de forma direta pelo Direito) AFETIVIDADE Atividade exteriorizadora de afeto; conjunto de atos concretos representativos de um dado sentimento afetivo por outrem (esses atos concretos são captáveis pelo Direito, pelos seus meios usuais de prova) 15 SOCIOAFETIVIDADE Reconhecimento no meio social de uma dada manifestação de afetividade, percepção por uma dada coletividade de uma relação afetiva (repercussão também captável pelo Direito, pelos seus meios usuais de prova) Percebe-se, pois, que tanto a afetividade, como a socioafetividade, são assinaladas como condição exteriorizada e percebida no meio social, sendo, em consequência deste reconhecimento pela coletividade, que as implicações jurídicas e o tratamento pelo Direito merece atenção. Reconhecendo-se, como referido acima, a necessidade de proteção jurídica à afetividade, enquanto princípio basilar das relações de natureza familiar, nasce, também, a indispensabilidade de ser conferida profunda atenção à liberdade e à autonomia dos sujeitos para manifestarem suas vontades na regulação dos tratos assentados na afetividade. Contudo, o Poder Judiciário Brasileiro sinaliza caminhar na contramão de tal entendimento. No ano de 2022, o Superior Tribunal de Justiça, ao julgar um Agravo em Recurso Especial (AREsp 1.631.112), entendeu que a definição do regime de bens a regular a união estável não tem efeito retroativo, vigorando ex-nunc. No caso concreto, o STJ deu provimento ao recurso especial que pretendia a reforma de acórdão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no qual houve o pronunciamento no sentido do cabimento da retroatividade da escolha do regime de bens feita pelo casal, no caso, separação convencional de bens. A união estável, na hipótese sob julgamento, vigorava faticamente desde maio de 2000, sendo apenas em 2008 que as partes formalizaram a relação, fixando, então, o regime de separação de bens de forma retroativa ao início da união. Quando, porém, realizada a dissolução da relação, uma das partes buscou no Poder Judiciário anular a cláusula acerca do regime de bens, não obtendo êxito nas instâncias ordinárias, mas vendo a tese acolhida no Superior Tribunal de Justiça. No âmbito do STJ, os ministros pronunciaram-se pela irretroatividade dos termos pactuados, sendo, ainda, ressaltado pela Ministra Maria Isabel Gallotti, que a alteração do regime de bens mesmo na união estável depende de autorização judicial, aplicando-se, por 16 analogia, as regras do art. 1639, §2º, Código Civil, no qual restam previstas as exigências para alteração do regime de bens no casamento. O Ministro Raul Araújo, de outro lado, restou vencido, sublinhando o posicionamento de que não se deve comparar as normas de alteração do regime de bens no casamento, para o qual se exige autorização judicial, com a hipótese da união estável, pois esta tem a informalidade como premissa e, portanto, quando as partes optam por formalizar e escolhem o regime de bens com efeitos retroativos, está-se diante da primeira fixação pelas partes, e não alteração do regime. Visando demonstrar de modo fidedigno o voto do Ministro Raul Araújo, abaixo segue a transcrição do mesmo: No caso da união estável, temos que se dá sem as formalidades inerentes ao casamento, sendo mais difícil, para terceiros, constatar a precisa data de seu início, especialmente se os companheiros divergem acerca disso. Então, temos de ver se tratamos aqui de alteração do regime de bens na união estável, porque, em algum momento anterior, os conviventes teriam optado por um determinado regime e agora querem alterar esse regime anteriormente formalizado para outro. Essa hipótese, seria, a meu ver, coincidente com a regra e a exigência prevista no § 2º do art. 1.639. Mas, se a união estável teve início e perdurou até um ponto em que veio uma primeira formalização de regime de bens, sem expressa adoção anterior de outro regime, não estaremos a falar propriamente de alteração do regime de bens e sim da própria instituição ou formalização do regime de bens sempre prevalente entre aqueles conviventes. Nessa segunda hipótese. Quer dizer, ressalvado o caso de os conviventes terem anteriormente optado por um determinado regime, e formalizado essa opção, estando agora a pretender alterar tal regime, e nesse caso a mudança teria de ser perante o juiz, teríamos ou não o caso de aplicação da regra do § 2º do art. 1.639. Porque, se antes não havia regime de bens formalizado entre os conviventes, o que fizeram por último foi apenas formalizar o regime de bens da união informalmente já ajustado entre os conviventes, dispondo sobre direitos disponíveis, o que me parece possível. Não se estaria, nessa hipótese, a tratar de alteração de regime, mas, sim, da lícita instituição ou formalização do regime que, desde o início da união, entre eles vigorava. Isso, porque ninguém os terá forçado a assim proceder, salvo se houver alegação nesse sentido. Anoto que, sempre, em toda e qualquer hipótese em que se dê a disposição acerca de regime de bens, ficam ressalvados os direitos de terceiros, que tenham confiado na existência daquele casal. Faço essas apreciações indagando se, no caso, os conviventes haviam anteriormente formalizado regime diferente daquele por último escriturado, configurando, assim, agora, uma mera formalização do regime informalmente instituído ou uma efetiva alteração. Sem a resposta acerca da indagação, entendo que, neste caso, não tratamos de alteração de regime de bens, mas, sim, de formalização do regime de bens vigente na união estável. E considero, por isso, possível o efeito retroativo, pois os direitos são disponíveis. As partes apenas compareceram a Cartório e fizeram o pacto, formalizando o regime de bens desde o início vigente na comunhão estável. (grifamos) (AREsp 1.631.112, www.stj.jus.br) De outro lado, respeitosamente, divergindo do argumento exposto pelo Excelentíssimo Ministro, no sentido de que o ato de formalizar o regime vigorante para a união equipara-se à instituição do mesmo, entendemos que o Julgador desconsiderou o regime da comunhão parcial http://www.stj.jus.br/ 17 de bens como o regime legal, o qual vigora independentemente da manifestação de vontade das partes. Independentemente desta ressalva, entendemos, todavia, que a interpretação do Ministro é coerente e razoável na perspectiva de que a união estável sempre esteve pautada, desde o seu surgimento, pela informalidade. Por conseguinte, sendo a matéria do regime de bens direito disponível, foge à plausibilidade o tratamento igualitário que o Poder Judiciário tenta conferir entre casamento e união estável, equiparando institutos que historicamente pautaram-se pela distinção no viés da (in)formalidade. Corroborando, ainda, os argumentos interpretativos do Ministro Raul Araújo, especialmente o aspecto relacionado à informalidade da união estável e o anseio dosconviventes neste tipo de relação, localizamos o entendimento da Tabelião de Notas Priscila Agapito, que destaca os aspectos culturais da união estável, a característica do instituto como sendo uma situação de fato e pautada pela informalidade. Portanto, seria mais coerente com as premissas do instituto permitir que os interessados efetivamente disciplinem sua relação. Ademais, sublinha a Tabeliã a percepção de que a jurisprudência evoluiu de forma inadequada, dissociada dos reais interesses sociais, pois muitas vezes é difícil fixar o termo inicial da união estável, portanto, igualmente complexa delimitação do regime patrimonial vigente. (AGAPITO, 2022) O que percebemos é que, embora nas últimas décadas haja um movimento para o Direito das Famílias mínimo, ou seja, cada vez mais a intervenção do Poder Judiciário nas relações privadas seja diminuta, por vezes, o Judiciário surpreende a sociedade com decisões do gabarito da exposta, a qual, inclusive, não é exatamente uma posição inovadora, pois em anos anteriores já tivemos pronunciamentos desta estirpe. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - AUTOS DE AGRAVO DE INSTRUMENTO NA ORIGEM - INVENTÁRIO - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE PROVEU O APELO NOBRE. INSURGÊNCIA DA COMPANHEIRA SUPÉRSTITE. 1. Nos termos da jurisprudência desta Corte, a eleição de regime de bens diverso do legal, que deve ser feita por contrato escrito, tem efeitos apenas ex nunc, sendo inválida a estipulação de forma retroativa. 2. Na linha dos precedentes do STJ, os argumentos trazidos em agravo interno que não foram objeto do acórdão do Tribunal a quo, nem das contrarrazões ao recurso especial, não são passíveis de conhecimento, por importar em inovação recursal, a qual é considerada indevida em virtude da preclusão consumativa. 3. Agravo interno desprovido. (AgInt no REsp 1751645/MG, Rel. Ministro MARCO BUZZI, QUARTA TURMA, julgado em 04/11/2019, DJe 11/11/2019.) RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. DIREITO DAS FAMÍLIAS. ESCRITURA PÚBLICA DE RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS. ATRIBUIÇÃO DE EFICÁCIA RETROATIVA. NÃO CABIMENTO. PRECEDENTES DA TERCEIRA TURMA. 1. Ação de declaração e de dissolução de união estável, cumulada com partilha de bens, tendo o casal convivido por doze anos e gerado dois filhos. 18 2. No momento do rompimento da relação, em setembro de 2007, as partes celebraram, mediante escritura pública, um pacto de reconhecimento de união estável, elegendo retroativamente o regime da separação total de bens. 3. Controvérsia em torno da validade da cláusula referente à eficácia retroativa do regime de bens. 4. Consoante a disposição do art. 1.725 do Código Civil, "na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens". 5. Invalidade da cláusula que atribui eficácia retroativa ao regime de bens pactuado em escritura pública de reconhecimento de união estável. 6. Prevalência do regime legal (comunhão parcial) no período anterior à lavratura da escritura. [...] 9. RECURSO ESPECIAL DESPROVIDO. (REsp 1597675/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 25/10/2016, DJe 16/11/2016) De todo modo, o ponto central neste assunto é: diante deste tipo de entendimento, exarado pelo Superior Tribunal de Justiça, como restam, os princípios da autonomia privada, da liberdade contratual neste contexto? Parte considerável da doutrina brasileira vem se posicionando no sentido de ser perfeitamente viável a contratualização no Direito das Famílias, justamente por respeito à autonomia privada, devendo, entretanto, respeitar-se as normas cogentes, como é premissa básica do direito pátrio. A título ilustrativo, Flávio Tartuce (2021) arrola algumas matérias cujas cláusulas serão nulas se previstas em pacto antenupcial ou em contrato de convivência: a) previsão contratual que estabelece que o marido, nos regimes da comunhão universal ou parcial de bens, possa vender imóvel sem outorga conjugal, afastando o art. 1.647, inc. I, do CC; b) cláusula que determina a administração dos bens de forma exclusiva pelo marido, pois a mulher é incompetente para tanto, afastando a isonomia constitucional; c) cláusula que estabeleça a renúncia prévia aos alimentos, infringindo a absoluta regra do art. 1.707 do CC; d) cláusula que regulamenta previamente as regras referentes à guarda dos filhos, para o caso de divórcio do casal; e) cláusula que imponha multa para caso de infidelidade, sendo certo que as perdas e os danos não podem ser fixados previamente em casos tais, pois a eventual responsabilidade que surge do fim do vínculo tem natureza extracontratual, envolvendo questões de ordem pública; f) cláusula que afaste o regime da separação obrigatória de bens nas hipóteses descritas pelo art. 1.641 do CC; e g) cláusula que exclui expressamente o direito sucessório do cônjuge sobrevivente, afastando as regras da sucessão legítima e trazendo a renúncia prévia à herança, havendo claro pacto sucessório, em infringência ao art. 426 do Código Civil. A respeito do último exemplo, a propósito, em hipótese concreta em que houve a tentativa de se criar um regime de separação total de bens com efeitos sucessórios, para que não houvesse herança no caso concreto, violando a proibição das pacta corvina, julgou-se que "as normas de direito sucessório dispostas no Título II, Capítulo I, do Código Civil (artigos 1.829 e seguintes) são de caráter cogente, não se admitindo disposição em contrário, revestindo-se de nulidade, nos termos do artigo 1.655 do Código Civil, toda e qualquer norma que confronte disposição legal" (TJMT, Apelação 15809/2016, Capital, Rel. Des. Sebastião Barbosa Farias, j. 21.06.2016, DJMT 24.06.2016, p. 82). 19 A impossibilidade de contratação de forma contrária às normas cogentes é premissa do direito pátrio e temática sobre a qual não se instaura qualquer celeuma (ou pelo menos não deve). O ponto, porém, objeto de reflexão no presente artigo está na possibilidade de contratualização sobre assuntos não relacionados às normas cogentes, como é a hipótese de pactuação da retroatividade do regime de bens ao tempo da constituição da união estável, e não apenas ex nunc ao tempo da formalização do relacionamento. Considerando os argumentos referenciados pelo Superior Tribunal de Justiça para vedar a retroatividade em comento, nos cabe ponderar alguns argumentos para refutar a tese da corte superior. Inicialmente, deve-se pontuar que autonomia privada é premissa do Estado Democrático de Direito, e, ainda que caiba ao Estado fixar limites à liberdade dos sujeitos, visando o equilíbrio de forças sociais, e, portanto, a proteção daqueles que não se encontrem em condições de igualdade, há áreas de contratualização sobre as quais descabe ao Estado intervir, sendo o Direito das Famílias uma delas. Nesta linha, como já mencionado, historicamente observamos o fortalecimento da concepção de Direito das Famílias mínimo. Christiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2016), sobre o tema, lecionam: Forçoso reconhecer, portanto, a suplantação definitiva da (indevida e excessiva) participação estatal nas relações familiares, deixando de ingerir sobre aspectos personalíssimos da vida privada, que, seguramente, dizem respeito somente à vontade e à liberdade da autodeterminação do próprio titular, como expressão mais pura de sua dignidade. O Estado vai se retirando de um espaço que sempre foi lhe estranho, afastando-se de uma ambientação que não lhe diz respeito (esperando-se, inclusive, que venha, em futuro próximo, a cuidar, com mais vigor e competência das atividades que, realmente, precisam de sua direta e efetiva atuação). Nas relações familiares, a regra é autonomia privada, com a liberdade da atuação do titular. A intervenção estatal somenteserá justificável quando for necessário para garantir os direitos (em especial, os direitos fundamentais reconhecidos em sede constitucional) de cada titular, que estejam periclitando. Especificamente sobre o regime de bens e a possibilidade de sua retroatividade nos casos de formalização da união estável, devemos considerar dois aspectos centrais: a disponibilidade dos direitos patrimoniais e nuances históricas e sociológicas que constituíram e fortaleceram o instituto da união estável. No que tange ao primeiro item acima referido, devemos ponderar que a autonomia privada vem sendo tão profundamente fortalecida que a autocomposição está legalmente assegurada até mesmo acerca de direitos indisponíveis que admitam transação. Tal previsão 20 está contemplada na Lei de Mediação, Lei nº 13.140, de 26 de junho de 2015, a qual fixa no art. 3º que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. Ora, se a autocomposição significa que os sujeitos em conflito realizam concessões nos direitos/obrigações de que são titulares a fim de eliminarem a contenda e, assim podem fazê-lo até mesmo em relação a direitos classificados como indisponíveis, tudo indica inexistir coerência e razoabilidade em serem os conviventes tolhidos da possibilidade de expressarem suas autonomias e liberdades quanto ao termo inicial do regime de bens escolhido para regular a união estável. Se o pacto apresentar agentes capazes, objeto lícito e formação prescrita ou não defesa em lei, bem como manifestação de vontade pronunciada isenta de quaisquer vícios, temos atendidos os pressupostos contratuais, tal como previsto no art. 104, Código Civil. Importante ponderação sobre o assunto encontramos por Francisco Cahali (2002), para quem a liberdade dos conviventes em disciplinar o tratamento de seus bens, sejam os preexistentes ou os futuros, merece ser preservada sob pena de estarmos impondo limitações ao exercício pleno da capacidade civil dos conviventes, bem como ao exercício dos poderes inerentes ao direito de propriedade, o que implica em ofensa à Carta Magna, especificamente ao art. 5º, incisos XXII, XXIII e art. 170, inciso III, os quais versam, o primeiro, sobre garantia do direito de propriedade, e os dois últimos, acerca exigência de que a propriedade atenda sua função social. Rolf Madaleno, de outro lado, posiciona-se em sua consistente obra Direito das Famílias com firme crítica à possibilidade de alteração do regime legal de bens da união estável de forma retroativa. Vislumbra sérios riscos de convalidação de fraudes, assinalando que a admissão da renúncia indireta de bens após a aquisição do patrimônio “só poderia ser considerar válida quando não prejudicasse terceiros e quando não atentasse contra a ordem pública, tampouco prejudicasse o próprio convivente atingido pela súbita perda de sua meação”. Ademais, destaca Madaleno (2020, p. 1233): A renúncia dissimulada por simples contrato escrito de convivência, utilizado para afastar a presunção de comunhão parcial dos aquestos, deve ser rejeitada por seu infausto efeito de enriquecer sem justa causa apenas o companheiro beneficiado pela renúncia do outro, e por atentar contra a moral e o direito, ao permitir restrições de ordem material de sequela retroativa. Apagar acordos tácitos de comunhão parcial justamente quando a lei presume a comunicação dos bens pela inércia contratual dos conviventes, para depois permitir a renúncia patrimonial por mero contrato, surgido quase sempre no auge do desgaste da relação, seria admitir uma forma ilícita e imoral de empobrecer inadvertida e gratuitamente um dos parceiros em benefício do outro, tanto que o STJ tem negado o efeito retroativo ao regime da separação de bens. 21 Sem dúvida, são relevantes as ponderações de Rolf Madaleno, todavia, respeitosa e humildemente, ousamos discordar. O risco de que o contrato que fixa o regime de bens da separação total de forma retroativa se dê com a finalidade de lesar o outro convivente, não pode ser fundamento para que, de forma genérica, se dê a presunção de que todos os conviventes apresentam o interesse de fraudar o parceiro em pactos desta ordem. Se a separação de bens retroativa representa renúncia patrimonial, comunhão universal retroativa representa comunicação de bens não contemplada desde o início da convivência e pode, igualmente, implicar em sérios prejuízos ao parceiro com maior patrimônio. Esta obviedade precisa ser destacada para sublinhar que não devemos analisar a (im)possibilidade de um instituto jurídico, assentado na autonomia privada, presumindo a má-fé dos conviventes. Ao contrário, o Código Civil traz entre suas premissas a eticidade, ou seja, a boa-fé pauta as relações privadas. Cabe, ademais, considerar que a união estável tem sua origem nas relações fáticas, sendo sua instituição fruto do desejo dos conviventes em constituírem uma conexão sem as formalidades do casamento. Se o anseio dos sujeitos fosse formalizar o liame desde seu início, optariam pelo casamento, sendo a união estável instituto eleito justamente para escaparem dos formalismos. Assim, geralmente, quando deliberam por formalizar a união estável, o fazem em um momento de maturidade do relacionamento e opção em registrar o vínculo estabelecido, sendo a escolha do regime de bens de forma retroativa o mecanismo de cautela e segurança desejável nestes casos. 3 CONCLUSÃO Face aos elementos expostos, devemos sublinhar que o Direito das Famílias inclinou-se nos últimos anos para a intervenção mínima do Estado, priorizando-se o respeito à autonomia privada. Ademais, as relações afetivas também sofreram enormes alterações em sua configuração, constituindo liames - muitas vezes – não tão profundos e com lapso temporal enxuto, viabilizando que uma pessoa, ao longo de sua vida, constitua e desfaça vários casamentos/uniões estáveis e, nesta gangorra de relacionamentos, a necessária maturidade para dialogar e formalizar aspectos de natureza patrimonial só é alcançado com o decorrer do tempo da relação. Portanto, a fixação retroativa do regime de bens para a união estável, quando atende os pressupostos basilares dos negócios jurídicos, não deve ser obstada pelo Poder Judiciário, pois contraria os anseios da sociedade contemporânea. 22 Além disso, havendo vícios de consentimento nesta espécie negocial, terá o convivente lesado os meios próprios para declarar a nulidade ou pleitear a anulabilidade do ato jurídico, a depender do vício existente. Alguns estudos sobre o tema ponderam o risco de coação no âmbito das relações familiares, o que implicaria na produção de contratos lesivos a um dos conviventes. Contudo, mais uma vez, não podemos pautar como não retroativos os pactos sob o argumento da existência de risco de sujeitos mal-intencionados, pois, nesta circunstância, estamos deixando desamparados outros tantos conviventes que de forma livre e consciente elegem o regime de bens e pretendem sua incidência de modo retroativo. De todo modo, considerando que a celeuma sobre o assunto está instaurada, e que em face do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, os Tabelionatos de Notas não mais vêm lavrando escrituras de união estável com fixação do regime de bens de modo retroativo, tem-se a possibilidade de que os sujeitos firmem tais pactos pela via dos instrumentos particulares. Neste caso, se a opção dos conviventes for o regime da separação convencional de bens, podem, também, fixar no ato contratual que, reciprocamente, conferem quitação patrimonial até aquele momento. Entendemos, no tratamento da matéria em comento, que especialmente o princípio da eticidade, lado a lado ao princípio da autonomia privada, respaldam a validade e eficácia dos contratos com efeitos retroativos no que tange ao regimede bens, zelando-se, ainda, pelas históricas distinções sociológicas e jurídicas entre união estável e casamento. REFERÊNCIAS Acórdão proferido no AREsp 1.631.112, disponível em consulta pública de processos no Superior Tribunal de Justiça, www.stj.jus.br, disponível em: <https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=AREsp+1631112&aplicacao=processos .ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO>. Acesso em 13 ago. 2023. AGAPITO, Patrícia. Assessoria de Comunicação do IBDFAM. STJ: Definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage; especialistas comentam. Disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+b ens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retro age%3B+especialistas+comentam#, 2022>. Acesso em: 12 ago. 2023 Assessoria de Comunicação do IBDFAM. STJ: Definição de regime de bens em união estável por escritura pública não retroage; especialistas comentam, disponível em: <https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+b http://www.stj.jus.br/ https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=AREsp+1631112&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO https://processo.stj.jus.br/processo/pesquisa/?termo=AREsp+1631112&aplicacao=processos.ea&tipoPesquisa=tipoPesquisaGenerica&chkordem=DESC&chkMorto=MORTO https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+bens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retroage%3B+especialistas+comentam https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+bens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retroage%3B+especialistas+comentam https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+bens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retroage%3B+especialistas+comentam https://ibdfam.org.br/noticias/9432/STJ%3A+Defini%C3%A7%C3%A3o+de+regime+de+bens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retroage%3B+especialistas+comentam 23 ens+em+uni%C3%A3o+est%C3%A1vel+por+escritura+p%C3%BAblica+n%C3%A3o+retro age%3B+especialistas+comentam#, 2022>, acesso em: 12 ago. 2023. 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Desta forma, o trabalho busca a partir do reconhecimento da inexistência da previsão legal compreender qual tem sido a forma como a doutrina e a jurisprudência tem entendido adequado suprir esta lacuna legal e qual regime de bens tem entendido aplicável aos companheiros que estão sob efeito das causas suspensivas matrimoniais. A metodologia utilizada para a elaboração deste artigo foi a pesquisa bibliográfica, utilizando-se como apoio às contribuições de diversos autores sobre o assunto, assim como, tomou-se por base o entendimento jurisprudencial. Palavras-chave: casamento; união estável; causas suspensivas; separação de bens. 1 INTRODUÇÃO A Constituição Federal de 1988, expressamente reconhece como entidades familiares o casamento, a união estável e a família monoparental, embora não mais se discuta existirem outras tessituras familiares além dos numerus clausus (LÔBO, 2004). Até o advento da Constituição Federal de 1988, apenas o casamento era considerado como forma de constituição da família. A Carta Magna de 1988 constitucionalizou o Direito de Família, trazendo modificações que alteraram os paradigmas que regulamentam a família como base da sociedade, não tendo mais por escopo o patrimônio e sim os seus sujeitos. Passou também o afeto a ter valor jurídico, sendo este preponderante e, por outro lado, alguns temas até então sedimentados deram lugar a outras formas de compreensão do direito de família, temas esses como o fim da categorização dos filhos, da indissolubilidade do casamento, das novas conformações familiares e das abissais diferenças entre homens e mulheres. Aliás estes considerados os grandes pilares do Direito de Família em nossa Constituição atual. O casamento, regulamentado no Código Civil, a partir do artigo 1.511,, traz entre outros 1Advogada na área de Direito de Família e Sucessões. Mestre em Filosofia, Professora de Direito Civil e Mediadora Judicial. OAB/RS 24.651, e-mail ana.martins@ucpel.edu.br. 25 tópicos, as causas suspensivas, ou seja, as situações em que o legislador aconselha que não deve se realizar o casamento, trazendo como consequência para aqueles que não deixam de casar a imposição do regime de separação de bens. A grande questão, sobre a qual o presente trabalho pretende se debruçar, é verificar se tais imposições também se aplicam à união estável Diante dessa realidade, o trabalho em questão tem por problema de pesquisa analisar se a lacuna da lei vem sendo suprida adequadamente pela doutrina e pela jurisprudência, bem como se há uma definição sedimentada e se esta traz a segurança jurídica pretendida. Desse modo, a fim de elucidar a questão,o presente trabalho foi dividido em três momentos. Primeiramente, se faz um apanhado sobre o casamento e a união estável. O segundo momento é destinado a verificar quais as causas suspensivas previstas em nosso ordenamento jurídico e de que forma são as mesmas regulamentadas, além da sua aplicação para além do matrimônio. Por fim, serão analisados os julgados mais recentes do Superior Tribunal de Justiça, considerando seus posicionamentos favoráveis e desfavoráveis, para após, chegar-se às considerações finais. Passa-se então à análise proposta. 2 DO CASAMENTO E DA UNIÃO ESTÁVEL Segundo Rolf Madaleno (2022, p. 93), verbis: Pode-se definir o casamento como um ato complexo, como ensina Silvio Rodrigues, dependente em parte, é verdade, da autonomia privada dos nubentes, mas complementado com a adesão dos noivos ao conjunto de regras preordenadas, para vigerem a contar da celebração do matrimônio, este como ato privativo do Estado; tanto que o artigo 1.514 do Código Civil informa que o casamento civil só se realiza depois que o homem e a mulher (ou entre pessoas do mesmo sexo) manifestam perante o juiz a sua vontade de estabelecer o vínculo conjugal, e o juiz declara-os casados. O Código Civil Brasileiro, trata o casamento no Livro IV, definindo que o casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges, tratando da capacidade nupcial, impedimentos, causas suspensivas, processo de habilitação para o casamento, celebração do matrimônio, provas do casamento, invalidade e eficácia das núpcias, dissolução do vínculo conjugal e proteção da pessoa dos filhos (MADALENO, 2022, p. 59). O casamento está atrelado à categoria de ato jurídico lato sensu, formal e complexo, 26 enquanto a união estável é um ato-fato jurídico, ou seja, se concretiza a partir do preenchimento dos requisitos exigidos por lei para que produza efeitos jurídicos. Desta forma a União Estável vem regulada no Código Civil a partir do artigo 1.723 que assim estabelece: "Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família." Segundo Lobo (2018, p. 167), para a configuração da União Estável: Não necessita de qualquer manifestação de vontade para que produza seus efeitos jurídicos. Basta sua configuração fática, para que haja incidência das normas constitucionais e legais cogentes e supletivas e a relação fática converta- se em relação jurídica. A esse ato-fato que reconhece o relacionamento de duas pessoas como entidade familiar, configurada na convivência pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituir família chamamos união estável. Quando os companheiros não dispuserem por escrito a respeito, o regime de bens será o da comunhão parcial. Importante referir que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por intermédio do Provimento nº 141/2023, altera o Provimento nº 37, de 7 de julho de 2014, para atualizá-lo à luz da Lei nº 14.382, de 27 de junho de 2022, para tratar do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável perante o registro civil das pessoas naturais e dispor sobre a alteração de regime de bens na união estável e a sua conversão extrajudicial em casamento. Nesse sentido, fica evidente que ambas formas de constituição de família, que tem sua aferição e de modo objetivo a partir dos elementos que a lei traduz como sendo aqueles que vão validar juridicamente tanto o casamento como a união estável, impõe que tratemos estes institutos de forma diversa, como de fato o são, permitindo inclusive a lei a conversão da união estável em casamento, por força do que preceitua o artigo 1.726 do Código Civil assim referindo: "a união estável poderá converter-se em casamento, mediante pedido dos companheiros ao juiz e assento no Registro Civil", e ainda nossa Constituição Federal no seu artigo 226 § 3º, dispõe que além de proteger a união estável como entidade familiar, estabelece que deverá "a lei facilitar sua conversão em casamento", e nenhum sentido faria converter algo naquilo que já o é. Segundo Flávio Tartuce (2022): A lei 14.382, originária da MP 1.085, de dezembro de 2021, foi promulgada em 28 de junho de 2022, tratando, entre outros temas, do Sistema Eletrônico dos Registros Públicos (SERP). Houve também a facilitação de procedimentos, sobretudo no âmbito extrajudicial, como no caso da conversão da união estável em casamento, tendo sido incluído um novo art. 70-A na lei 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos) a respeito do tema. Nesse sentido, Tiago Liberato (2023) esclarece em artigo publicado no sítio do Conselho Notarial do Brasil que: Em primeiro lugar, por mais que muitos doutrinadores e julgadores busquem, incansavelmente, a equiparação total dos dois institutos, união estável e casamento jamais representarão a mesma relação jurídica, e jamais se comportarão, tanto social quanto economicamente, como fenômenos idênticos. Por razões práticas, a união estável não demanda o mesmo formalismo que o casamento, não precisa sequer ser declarada e emana da simples realidade dos fatos, sendo verdadeira situação fática com efeitos jurídicos. Ainda, sobre o casamento e a união estável, impende destacar que ambos decorrem da comunhão de vida entre os cônjuges ou companheiros, gerando, desta feita, efeitos pessoais e patrimoniais. Para regular a vida em comum, o Direito de família e sua legislação traçaram normas denominadas regime patrimonial de bens. Regime de bens, como objetivamente afirma Rolf Madaleno (2022, p. 810): […]ingressa o Direito de Família no âmbito do direito patrimonial, derivado das relações familiares, que, a par de seus efeitos pessoais, e dos deveres do casamento, como o de fidelidade, mútua assistência, alimentos e coabitação, também regula as relações econômicas emergentes das questões pecuniárias entre cônjuges e conviventes, e deles para com terceiros, pois, como recorda Enrique Varsi Rospigliosi, a vida e o desenvolvimento econômico de um povo parte das necessidades das pessoas e da família e a família é uma unidade de produção. O matrimônio e bem assim a união estável determinam a existência de diversos efeitos patrimoniais, tanto em relação aos cônjuges e conviventes como deles para com terceiros. Muito se tem debatido acerca da intervenção do Estado na vida particular. Gisele Groeninga (2004) bem pontua que "Com a modificação das fronteiras entre o público e o privado, com a maior diversidade nas constituições familiares, os conflitos têm cada vez mais ganho o espaço público". E, neste sentido, se faz relevante mencionar que a lei faculta tanto aos nubentes, antes do casamento, quanto aos companheiros, quando a união estável se dá por meio de escritura pública, a escolha do regime patrimonial de bens que melhor atender suas expectativas comuns, os quais tem a mais ampla liberdade de estabelecer o que for do interesse deles no tocante aos bens. O art. 1.640 do Código Civil preceitua “Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial”. Na união estável de fato, por força do art. 1.725 do nosso diploma civilista, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens. 3 CAUSAS SUSPENSIVAS Em que pese a propalada liberdade e autonomia das partes, em especial no que respeita a sua vida privada, em nosso diploma civilista, estão elencadas as causas suspensivas, que nada mais são do que recomendações aos pretensos nubentes para que não se casem, em determinadas situações que a lei discrimina. A justificativa para tal recomendação é a existência de algum fator que deva manter em suspenso o processo de celebração do matrimônio. Mas, estas orientaçõesnem sempre são acatadas, como apontado por Maria Berenice Dias (2021, p. 484), em Manual de Direito das Famílias: Quando o amor fala mais alto e as pessoas casam, mesmo desatendendo à recomendação legal, sujeitam-se a uma sanção: o casamento não gera efeitos de ordem patrimonial. É imposto o regime da separação obrigatória com o intuito de evitar o embaralhamento de bens (CC 1.641). Previstas as causas suspensivas ao casamento a partir do art. 1.523 do Código Civil, estão ali elencadas as hipóteses de suspensão do processo de celebração. Mas, como apontado por Maria Berenice Dias (2007, p. 149), “nenhum desses impedimentos veda a celebração do matrimônio. Desatendidas as restrições legais, o casamento não é nulo nem anulável. As sequelas são exclusivamente patrimoniais. A lei impõe o regime de separação de bens”. As causas suspensivas se constituem em um impedimento à realização do matrimônio, e podem gerar sanções àqueles que optarem por casar. Trata-se de uma irregularidade, e não se cogita de nulidade ou mesmo anulabilidade. Segundo Barros (2009, p. 435), “as causas suspensivas tem como finalidade evitar, além de confusão patrimonial, dubiedade com relação à filiação”. Referido artigo do Código Civil, mencionado acima, preceitua que não deve casar: a. - o viúvo ou a viúva que tiver filho do cônjuge falecido, enquanto não fizer inventário dos bens do casal e der partilha aos herdeiros. Aqui, a preocupação do legislador foi evitar a confusão de patrimônios, pois o casamento precedido de inventário poderia dificultar a identificação do patrimônio entre o das proles existentes e o das vindouras; I. - a viúva, ou a mulher cujo casamento se desfez por ser nulo ou ter sido anulado, até dez meses depois do começo da viuvez, ou da dissolução da sociedade conjugal. A intenção foi evitar a confusão de sangue, a dúvida no caso de a mulher estar grávida, e de quem seria o filho; II. - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou decidida a partilha dos bens do casal. Da mesma forma que no inciso I, a preocupação é quanto a evitar a confusão de patrimônios; III. - o tutor ou o curador e os seus descendentes, ascendentes, irmãos, cunhados ou sobrinhos, com a pessoa tutelada ou curatelada, enquanto não cessar a tutela ou curatela, e não estiverem saldadas as respectivas contas. Justifica-se pela possibilidade de o tutelado ou curatelado ser compelido a contrair matrimônio, de modo a livrar o administrador dos bens da prestação de contas. Desta forma se percebe que não se trata de proibir o casamento mas sugerir que não venham a contrair os nubentes, em razão das causas supracitadas, que trazem como consequência uma sanção na esfera patrimonial, que se traduz na obrigatoriedade de que o casamento realizado nestas condições tenha como regime patrimonial a separação total de bens. A grande questão que tem inquietado significativa parte da doutrina do direito de família, e que se mostra como objeto de estudo do presente trabalho, é sobre a aplicação ou não da obrigatoriedade da adoção do regime de separação de bens quando estivermos frente à união estável. Se, considerarmos aplicável à união estável, estaríamos equiparando a mesma ao casamento? E, neste caso, qual a razão da previsão de converter a união estável em casamento? Se, de outra banda fosse considerada inaplicável, estaríamos relativizando a importância da orientação existente para quem vai contrair matrimônio? A união estável estaria a burlar a orientação, de forma consentida? E ainda, se não é tão importante a orientação, qual a razão de limitar a autonomia de vontade na escolha do regime de bens àqueles que pretendem casar? Desse modo, Danúbia Patrícia de Paiva e Daniel Monteiro Neves (2021, p. 106) aduzem com irretocável pertinência: De acordo com a previsão legal e doutrinária, as normas que tratam do regime de bens da união estável foram cunhadas com referência na forma paradigmática do regime de bens do casamento. Contudo, pela natureza distinta dos institutos civis do direito de família, a adequação é imprescindível para a própria coerência interna e tratamento igualitário externo, ou seja, entre o casamento e a união estável deve haver normas que preservem e respeitem as diferenças, mas que, ao mesmo tempo, não estabeleçam hierarquias ou privilégios. Pelo trecho constante do Código Civil, mais precisamente nos parágrafos do artigo 1.723, percebe-se que de forma distinta aos dispositivos que se referem aos impedimentos, os quais, tanto para o casamento como para a união estável tem a mesma previsão, ou seja, impedem de contrair casamento ou unir-se estavelmente , no que concerne à união estável o legislador não traz a mesma conclusão. Vejamos: Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família. § 1 o A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente. § 2 o As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável. De acordo com Cristiano Chaves de Faria e Nelson Rosenvald (2019, p. 520), tem- se a seguinte reflexão: Há uma instigante discussão a ser travada em relação ao regime de bens da união estável. Discute-se sobre a incidência ou não, das regras limitadoras da escolha do regime de bens no casamento, previstas no art. 1.641 da norma codificada. Em linha de princípio, há de se concluir pela não incidência na união estável do regime de separação obrigatória de bens. A uma, porque não incidem as causas suspensivas na relação convivencial (CC/02, art. 1.523). A duas, porque não há necessidade de autorização judicial para constituí-la. A três, porque, em se tratando de norma limitadora de direitos, a interpretação da lei há de ser, necessariamente, restritiva. Neste sentido, não se pode reconhecer a existência de uma união estável na presença dos impedimentos previstos no artigo 1.521, ressaltando o § 2º que não interferem na configuração da convivência como se casados fossem, a presença das causas suspensivas previstas no artigo 1.523, uma vez que seu único efeito, em termos matrimoniais, é a adoção compulsória do regime da separação total de bens, por força do que preceitua o art. 1.641 do Código Civil. (XAVIER, 2015, p. 62). Por todos estes argumentos é que Madaleno (2022, p. 1.275) assevera ser inapropriado e sem razão que justifique "o tratamento discriminatório atribuído ao casamento pelo legislador no § 2º do artigo 1.723 do Código Civil, ao externar que as causas suspensivas do artigo 1.523 do Código Civil não impedirão a caracterização da união estável". De notar-se que impor aos cônjuges a adoção obrigatória do regime da total separação de bens, pela dicção do art. 1.641, inc. I, e não determinar nenhuma referência ou restrição ou recomendação em relação às causas suspensivas na união estável estará ou por privilegiar um instituto em relação ao outro, ou descuidar dos companheiros em relação aos nubente, o que obviamente não pode ser o objetivo do legislador, evidenciando ou a imprestabilidade da norma existente ou sua brecha que precisa ser superada. Não se olvida que o casamento pressupõe ato complexo, e, tendo às partes liberdade para dele não se utilizarem, evitando burocracias e podendo unirem-se estavelmente sem terem sequer vontade de registrar essa união junto ao tabelionato, constituindo-se em ato-fato tão somente. O que argumentam os doutrinadores é a necessária segurança jurídica das partes envolvidas, e mais, dos terceiros que eventualmente venham a sofrer as consequências desta escolha seja dos consortes, seja dos companheiros. Mas será que as causas suspensivas do casamento, que trazem como consequência patrimoniala imposição do regime de separação legal de bens, ao deixar de atribuir aos conviventes esta mesma imposição estaria de fato protegendo a sociedade, os terceiros e trazendo a propalada segurança jurídica almejada, na medida em que as causas suspensivas previstas no artigo 1.523 não impedirão a caracterização da união estável? Se por um lado, encontramos justificativas para a manutenção do que hoje consagra nosso sistema legislativo, por outro justificativas existem para se restringir a aplicação das causas suspensivas à união estável, o que se observa pela redação do artigo 9º-D, § 4º do novo Provimento do CNJ em que fica evidente que o regime adotado pelas partes, estará sujeito a possível mudança a depender do quadro do casal. 3 Por esta razão não faria qualquer sentido entender que as causas suspensivas são aplicáveis por analogia à união estável, pois se assim fosse, qualquer disposição que disciplinasse manter um regime patrimonial, já vigorante entre os companheiros seria impróprio, desnecessário e inócuo, ou seja se as causas suspensivas realmente se aplicassem à união estável, a convivência seria desde o início regida pela separação de bens, e, no ato da conversão para o casamento, o regime não seria imposto, mas sim mantido, preservado, perpetuado (LIBERATO, 2023). 3 2Art. 9º-D. O regime de bens na conversão da união estável em casamento observará os preceitos da lei civil, inclusive quanto à forma exigida para a escolha de regime de bens diverso do legal, nos moldes do art. 1.640, parágrafo único, da Lei nº 10.406, de 2002 (Código Civil).§ 1º A conversão da união estável em casamento implica a manutenção, para todos os efeitos, do regime de bens que existia no momento dessa conversão, salvo pacto antenupcial em sentido contrário§ 2º Quando na conversão for adotado novo regime, será exigida a apresentação de pacto antenupcial, salvo se o novo regime for o da comunhão parcial de bens, hipótese em que se exigirá declaração expressa e específica dos companheiros nesse sentido.§ 3º Não se aplica o regime da separação legal de bens do art. 1.641, inciso II, da Lei nº 10.406, de 2002, se inexistia essa obrigatoriedade na data indicada como início da união estável na forma do inciso III do art. 9-C deste Provimento ou se houver decisão judicial em sentido contrário.§ 4º Não se impõe o regime de separação Segundo Silva (2010, p. 52), ao pontuar que a finalidade protetiva da lei é a mesma para ambos os casos "não faria qualquer sentido a lei tratar diversamente a pessoa que se casa com causa suspensiva submetendo-a obrigatoriamente ao regime da separação de bens, e aquela que passa a viver em união estável, nas mesmas circunstâncias". 4 ENTENDIMENTO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Ao buscar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça pelas palavras-chave (causas e suspensivas e casamento e união estável) no período compreendido entre janeiro de 2022 até agosto de 2023 foram encontrados três decisões que serão analisadas na sequência. 4.1 Recurso Especial nº 2060732 da Relatoria do Ministro Humberto Martins, com data de publicação no DJ em 19/06/2023 A decisão proferida pelo Ilustre Relator, originária do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, trata de demanda que envolve reconhecimento de união estável post mortem, que ao julgar o recurso de apelação, deu parcial provimento a este assim entendendo: ERRO MATERIAL. Reconhecido erro material quanto ao nome da autora na fundamentação da sentença. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL POST MORTEM. PERÍODO ANTERIOR AO CASAMENTO. PETIÇÃO DE HERANÇA. Sentença que reconheceu a união estável anterior ao casamento no período de julho de 1993 a 13/4/2016, sob regime da comunhão parcial de bens, com direito da autora à meação dos bens adquiridos onerosamente nesse período, bem como declarou que a autora não concorre com a herança. Casamento pelo regime da separação obrigatória de bens, possuindo o falecido descendentes. Insurgência das partes. Não comprovação da existência de união estável desde 1990. […] Regime da separação obrigatória de bens. Causa suspensiva. Analogia ao disposto no art. 1523, III c. c art. 1641, I, ambos do CC. Casamento que sucedeu a união estável celebrado sob o regime da separação obrigatória de bens. Nubente que na época contava com 73 anos de idade. Art. 1641, II, do Código Civil. Ônus da autora de provar esforço comum na aquisição de bens durante a convivência. Súmula 377 do STF. Precedente do STJ. Sentença reformada para julgar parcialmente procedente a ação e procedente a reconvenção, para reconhecer o direito da autora à meação dos bens adquiridos onerosamente no período da união estável e casamento, desde que comprove o esforço comum na sua aquisição. Autora que não concorre como herdeira com os descendentes. […] Aduz, no mérito, que o acórdão estadual contrariou as disposições contidas nos arts. 1.523, III, 1.640, 1.641, I e II, 1.723, § 2º, 1.725 e 1.829, I, do Código Civil. Sustenta, outrossim, que "a união estável foi iniciada quando os nubentes sequer contavam com 60 (sessenta) anos de idade e não havia causa suspensiva ao casamento quanto este foi celebrado entre a recorrente e o falecido [...]" (fl. 763). Argumenta, ainda, não ser aplicável à união estável as causas suspensivas ao casamento dispostas no art. 1.523 do CC, razão pela qual seria equivocado atribuir, com supedâneo no art. 1.641, I, do CC, o regime da separação obrigatória ao casamento da recorrente com o pai dos recorridos. E, não sendo aplicável à união estável havida entre a recorrente e o genitor dos recorridos o regime da separação obrigatória de bens, a recorrente, por força do regime da comunhão parcial de bens (art. 1.725 do CC), tem direito à meação dos bens adquiridos onerosamente no período de convivência, como reconhecido na sentença. Por fim, alega a recorrente que a causa suspensiva ao casamento da recorrente e do falecido [...] findou com a partilha decorrente do divórcio por escritura pública celebrado em 9/10/2015 por este com sua primeira esposa, antes portanto, do término da própria união estável com a recorrente, ou seja, em 13/4/2016. […] Passa-se à análise do mérito. Cuida-se, na origem, de ação declaratória de reconhecimento de união estável cumulada com petição de herança, julgada parcialmente procedente pelo Juízo de primeiro grau, para: a) reconhecer a união estável entre a autora e "AHK" no período de julho de 1993 a 13/4/2016, incidindo neste período o regime da comunhão parcial de bens (art.1725 do Código Civil); b) reconhecer o direito da autora à meação dos bens adquiridos onerosamente no período da união estável, cujo rol e partilha deverá ocorrer em ação autônoma ou inventário, podendo observar a quota paga no referido período quando se tratar de aquisição paulatina (financiamento); c) declarar que a autora não concorre na herança, nos termos do artigo 1829, I, do Código Civil, porque celebrou matrimônio com o "de cujus" aos 13/4/2016, e pelo regime da separação obrigatória de bens (fl.10), sendo que o falecido deixou descendentes. O Tribunal de origem, ao dar parcial provimento aos recursos das partes, entendeu pela não comprovação da existência de união estável desde 1990, diante das testemunhas contraditórias e da inconsistência do depoimento pessoal da autora. Dessa forma, concluiu pela comprovação da união estável apenas a partir de 1993. […] Contudo, conforme se verifica dos autos, a partilha somente ocorreu em 27/10/2015. Diante desse contexto, evidente a ocorrência de causa suspensiva de união estável até a data do divórcio. […] Não é o que ocorre no caso dos autos, em que a união estável entre a recorrente e o de cujus se iniciou antes do divórcio deste, em 27/10/2015, ou seja, na vigência de restrição legal prevista no art. 1.523, inciso III, do Código Civil. Assim, apenas a partir dessa
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