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Impresso no Brasil – Printed in Brazil Direitos exclusivos para o Brasil na língua portuguesa Copyright © 2019 by EDITORA FORENSE LTDA. Uma editora integrante do GEN | Grupo Editorial Nacional Travessa do Ouvidor, 11 – Térreo e 6º andar – 20040-040 – Rio de Janeiro – RJ Tel.: (21) 3543-0770 – Fax: (21) 3543-0896 faleconosco@grupogen.com.br | www.grupogen.com.br O titular cuja obra seja fraudulentamente reproduzida, divulgada ou de qualquer forma utilizada poderá requerer a apreensão dos exemplares reproduzidos ou a suspensão da divulgação, sem prejuízo da indenização cabível (art. 102 da Lei n. 9.610, de 19.02.1998). Quem vender, expuser à venda, ocultar, adquirir, distribuir, tiver em depósito ou utilizar obra ou fonograma reproduzidos com fraude, com a finalidade de vender, obter ganho, vantagem, proveito, lucro direto ou indireto, para si ou para outrem, será solidariamente responsável com o contrafator, nos termos dos artigos precedentes, respondendo como contrafatores o importador e o distribuidor em caso de reprodução no exterior (art. 104 da Lei n. 9.610/98). Capa: Fabricio Vale Produção digital: Ozone Data de fechamento: 02.04.2019 CIP – BRASIL. CATALOGAÇÃO NA FONTE. SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ. M265p Marchionatti, Daniel Processo penal contra autoridades / Daniel Marchionatti. – Rio de Janeiro: Forense, 2019. Inclui bibliografia mailto:faleconosco@grupogen.com.br http://www.grupogen.com.br ISBN 978-85-309-8674-2 1. Processo penal. 2. Processo penal – Brasil. 3. Foro privilegiado – Brasil. I. Título. 19-56027 CDU: 343.1(81) Leandra Felix da Cruz – Bibliotecária – CRB-7/6135 A obra Processo penal contra autoridades é fruto da experiência adquirida pelo autor ao exercer as funções de magistrado instrutor e de juiz auxiliar no Supremo Tribunal Federal. Convocado para atuar em meu gabinete, Daniel Marchionatti lidou com complexas questões que lhe foram apresentadas, sempre com extremo afinco e dedicação. Não se trata, por certo, de mais um magistrado com quem tive a honra de trabalhar, mas de colega que admiro e com quem a convivência diária foi engrandecedora. Tenho, portanto, especial satisfação em apresentar este livro que – mencione-se desde já – muito tem a contribuir para o aprofundamento do tema nele abordado. Como se sabe, a Constituição Federal brasileira reserva aos tribunais o processo e o julgamento de várias autoridades, competência deslocada da primeira instância aos colegiados pelo chamado foro por prerrogativa de foro. Para os tribunais, é desafiador lidar com esse tipo de demanda. Além de causarem estrépito, os feitos penais originários impõem às Cortes atividade processual que foge ao seu cotidiano: decretar medidas cautelares, presidir instrução e avaliar, por vez primeira, os fatos da causa. Por uma série de razões, o número de demandas relativas à matéria penal originária cresceu muito nos últimos anos. Novas técnicas de investigação permitiram a descoberta de fatos ligados ao exercício de cargos públicos. Também teve grande impacto a modificação constitucional de 2001, que dispensou autorização da Casa Legislativa para o processo contra Senadores e Deputados Federais, Estaduais e Distritais (EC 35/2001). Nesse contexto, os tribunais viram-se obrigados a enfrentar o ônus da condução de investigações, da instrução e do julgamento de processos de tamanha relevância. Foi necessária, dessa forma, uma preparação para atender a essa missão não usual. Uma das maneiras de lidar com o volume de processos foi a convocação de juízes de instâncias inferiores para, por delegação do relator, presidir a instrução criminal e auxiliar na elaboração de decisões, bem como na condução das demandas penais originárias. As figuras do magistrado instrutor, prevista em alteração na Lei do Processo nos Tribunais (art. 3º, III, da Lei 8.038/90, com redação pela Lei 12.019/09), e do juiz auxiliar, prevista no regimento interno do STF (art. 13, XVI-A, introduzido pela Emenda Regimental 22/2007), possibilitaram a convocação de juízes, por um mandato de até dois anos em cada atribuição. Por até quatro anos, esses magistrados trocam seu poder de decidir pela oportunidade de trazer seus pontos de vista ao debate, diretamente no tribunal. Seu método de trabalho muda do solitário para o dialógico. Muito embora, inicialmente pensados como paliativo para enfrentar a matéria penal originária, esses magistrados trouxeram contribuição aos tribunais em vários níveis. Em primeiro lugar, responsabilizam-se pelo intrincado andamento de processos notadamente difíceis, presidindo atos de instrução e auxiliando a condução de inquéritos e ações penais. Dividem com a Corte, também, seu conhecimento empírico. Acostumados às lides da primeira instância, instauram diálogo que torna as instâncias recursais mais cônscias das dificuldades da jurisdição ordinária e das consequências de suas próprias decisões. Esta obra é, nesse contexto, notável exemplo do efeito benéfico que a convocação de magistrados proporcionou. Nela, Daniel Marchionatti compilou o dia a dia de sua atividade profissional no Supremo Tribunal Federal e reuniu, com isso, o que há de mais relevante na interpretação dos tribunais e na doutrina sobre inviolabilidade, imunidade, privilégio, investigação e processo contra diversas autoridades. A pesquisa facilita o trabalho de todos os que militam nessa área e, por si só, justificaria o estudo. O autor vai além, no entanto. Ele debate, com conhecimento de causa, inúmeros pontos polêmicos que o tema suscita, dialogando com a jurisprudência e com a doutrina. De alguma forma, o próprio método de atuação dos juízes instrutores e auxiliares é retomado. O trabalho é marcado pela interlocução entre as decisões das Cortes e o ponto de vista do autor, na busca pelo aperfeiçoamento da ciência jurídica. Com tantas qualidades, arrisco-me a dizer que, com a obra Processo penal contra autoridades, Daniel Marchionatti não apenas presta novo serviço ao Supremo Tribunal Federal, como também ao próprio Direito brasileiro. Boa leitura a todos. Brasília, março de 2019. Gilmar Ferreira Mendes PREFÁCIO É com grande alegria que prefacio a obra Processo penal contra autoridades, de autoria de Daniel Marchionatti. O autor, que é mestre em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e doutorando em Direito na Universidade de São Paulo (USP), é, ainda, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e juiz auxiliar da Corregedoria-Geral da Justiça Federal, a partir do que tive a honra e o prazer de conhecê-lo e de desfrutar, desde então, de sua inteligência, vivacidade e dedicação ao estudo, além do trabalho, que desenvolvecom maestria. O livro que agora vem a público nada mais é do que o reflexo do seu autor: o trabalho foi desenvolvido a partir da experiência e do conhecimento por ele acumulados no período de 2014 a 2018, na instrução de ações penais do Supremo Tribunal Federal. Para além do trabalho profissional realizado como juiz instrutor e como juiz auxiliar na Suprema Corte brasileira, Daniel transporta para a obra seu viés acadêmico, o que possibilita o exercício de crítica e posicionamento pessoal sempre com base científica. Balanceia-se, com isto, a teoria e a prática, o que aumenta o interesse do leitor. O tema, reconheça-se, é espinhoso. A determinação da competência por prerrogativa de função, também chamada originária, ou de “foro privilegiado”, como é sabido, é regulada pela Constituição Federal e pelo Código de Processo Penal. Ela não foi instituída para proteger a pessoa que figura como agente da infração penal, mas a magnitude e a relevância das funções por ela exercidas e desempenhadas. Isto porque o que está em vista é a dignidade do cargo exercido, e não do indivíduo que o exerce. Nesse contexto, a competência originária dos tribunais é instituída no interesse público do bom exercício do cargo. E, em tal tema, a jurisprudência tem dado relevante contribuição, não apenas em razão do crescente número de processos originários em andamento, como também pelas muitas questões trazidas a julgamento, de alta indagação jurídica, que não encontram regulamentação específica na lei que disciplina o processo nos tribunais. O livro, um verdadeiro manual para o profissional que procura resposta a indagações jurídicas, está dividido em cinco partes, tratando, de forma didática, dos mais variados temas atinentes ao foro privilegiado, inviolabilidade, imunidades, investigação e ação penal. Como assevera o autor, “o objetivo deste livro é servir como fonte de consulta para todos que trabalham com o tema ou por ele têm interesse. Para tanto, a ênfase está em reunir o conhecido já produzido sobre cada um dos pontos. O foco está na jurisprudência”. Daniel trata de importantes temas com profundidade e, ao mesmo tempo, com leveza, levando ao leitor a interpretação mais recente dos Tribunais Superiores, sem descuidar de transmitir seu posicionamento pessoal. Enfrenta, com coragem, os mais diversos problemas atinentes ao processo criminal contra autoridades. A obra analisa os aspectos gerais do foro privilegiado para, depois, tratar das regras que disciplinam o assunto nos Tribunais Superiores (Supremo Tribunal Federal, Superior Tribunal de Justiça, Superior Tribunal Militar), Tribunais Regionais Federais e Tribunais de Justiça. Mais adiante, o autor aborda o processo penal originário em cada tribunal, trazendo o que há de mais recente na jurisprudência. O leitor se deparará, ainda, com a análise de dois grandes assuntos que não são bem delimitados pela lei do processo nos tribunais: a investigação preliminar e a ação penal originária. E, nesse campo, Daniel empresta toda sua experiência para tratar de uma gama de questões de difícil solução, trazendo a jurisprudência atualizada e as recentes discussões acerca do sentido que se deve emprestar à norma constitucional no que se refere ao foro privilegiado. Por fim, o livro contém o estudo de alguns aspectos relevantes da condenação em ação penal originária, passando pela aplicação da pena, pelos recursos e meios de impugnação, como habeas corpus, pelo mandado de segurança e reclamação, sem esquecer da execução penal e de seus conhecidos problemas, entre os quais se destacam a execução das penas na pendência de recurso e a inelegibilidade. Em síntese: Daniel Marchionatti, com sua experiência e qualificação, dá um toque pessoal ao trabalho, o que ameniza a complexidade dos temas tratados e leva o leitor a querer sempre mais informações. As respostas são trazidas de forma direta e sem rodeios, travando verdadeira conversa com aquele que busca a solução para o seu caso particular. Este é, a meu ver, o ponto alto da obra: seu ineditismo. O leitor não encontrará nada semelhante nas prateleiras de livros jurídicos. A relevância do escrito é inconteste, não só para quem busca compreender o intrincado tema do processo penal contra autoridades, mas principalmente para quem procura a melhor solução para o caso concreto, razão pela qual deixo ao leitor o caminho aberto para mais rapidamente alcançar o resultado encontrado por mim: uma leitura praticamente ininterrupta do texto, em que o leitor é a todo tempo instigado a interagir com o autor, como se estivesse estabelecendo um pacto de cumplicidade com o que está sendo lido. Brasília, verão de 2019. Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.5.1 1.5.2 1.5.3 1.5.4 1.6 1.7 1.7.1 1.8 1.9 1.10 2 INTRODUÇÃO PARTE I O FORO PRIVILEGIADO ASPECTOS GERAIS Histórico Natureza jurídica da norma que institui a prerrogativa de foro Natureza jurídica da prerrogativa de foro Interpretação e ampliação: O STF em dois momentos A reinterpretação da prerrogativa de foro – AP 937 QO Generalização do entendimento A situação de magistrados e membros do MP Investigação do Presidente da República Regras de transição Tribunal de exceção e juiz natural Direito a recurso Extensão do recurso Renúncia ao foro Prerrogativa ou privilégio? A PEC do Foro INFRAÇÕES PENAIS 2.1 2.2 2.3 2.4 3 3.1 3.1.1 3.1.2 3.1.3 3.1.4 3.1.5 3.1.6 3.2 3.3 3.4 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 5 5.1 5.2 Crimes e infrações penais comuns Contravenções Delitos cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções Crimes de responsabilidade FORO PRIVILEGIADO FORA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL Foro privilegiado nas Constituições Estaduais Foro no TJ definido na Constituição Federal: reprodução Foro definido na Constituição Estadual Foro simétrico estadual Foro simétrico municipal Foro assimétrico estadual Foro assimétrico municipal Foro privilegiado por lei: o TJDFT Foro privilegiado por lei: o status de Ministro Foro privilegiado por lei: o foro dos oficias generais CONFLITO APARENTE DE FOROS Foro privilegiado x Tribunal do Júri Foro no Tribunal de Justiça x Justiça Federal Foro no Tribunal de Justiça x Justiça Eleitoral Foro definido pela CF no TJ ou TRF e competência territorial Foro definido exclusivamente na CE e competência territorial INÍCIO E FIM DA PRERROGATIVA Início Fim 6 6.1 6.1.1 6.2 6.2.1 1 1.1 1.2 1.3 1.4 1.5 1.6 1.7 1.8 1.9 1.10 2 2.1 2.2 2.2.1 2.3 FORO E MODIFICAÇÃO DA COMPETÊNCIA Foro e delitos anteriores Reeleição Fim do foro e modificação da competência Perpetuatio jurisdictionis PARTE II AUTORIDADES, INVIOLABILIDADE E IMUNIDADES FORO NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Presidente da República Vice-Presidente da República Membros do Congresso Nacional Ministros do STF Procurador-Geral da República Ministros de Estado Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica Membros dos Tribunais Superiores Membros do Tribunal de Contas da União Chefes de missão diplomática de caráter permanente FORO NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA Governadores Desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal e membros dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho Membros do Tribunal de Justiça Militar Membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal e dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios 2.4 3 3.1 3.2 4 4.1 4.2 4.3 4.4 4.5 4.6 4.7 4.8 4.9 4.10 4.11 4.12 4.13 5 6 6.1 6.1.1 6.2 Membros do Ministério Público da União que oficiem perante tribunaisFORO NOS TRIBUNAIS REGIONAIS FEDERAIS Juízes Federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho Membros do Ministério Público da União FORO NOS TRIBUNAIS DE JUSTIÇA Prefeitos Juízes estaduais Membros do Ministério Público Deputados Estaduais e Distritais Vice-Governadores Secretários de Estado, do Distrito Federal e de Território Comandantes da Polícia Militar e do Corpo de Bombeiros Militar Procurador-Geral de Estado Procuradores de Estado Defensores Públicos Delegados de Polícia Vice-Prefeitos Vereadores SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR CARREIRAS Magistrados Membros e auditores de Tribunais e Conselhos de Contas Membros do Ministério Público 6.2.1 6.3 1 1.1 1.1.1 1.1.2 1.1.3 1.1.4 1.1.5 1.1.6 1.1.7 1.1.8 1.2 1.3 1.3.1 1.3.2 1.3.3 1.3.4 1.3.5 1.4 1.5 Membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas Oficiais PARTE III PROCESSO PENAL ORIGINÁRIO NOS TRIBUNAIS GENERALIDADES Regência A Lei do Processo nos Tribunais Aplicabilidade do CPP Aplicabilidade do CPC Regimento Interno Regimento Interno do STF Aplicabilidade aos TJs e TRFs Aplicabilidade aos TREs Ação penal originária do Superior Tribunal Militar Julgamento por órgão fracionário Aquisição e perda do foro e deslocamento da competência eslocamento ao Tribunal antes da fase do art. 397 do CPP Deslocamento ao Tribunal após a fase do art. 397 do CPP e habeas corpus de ofício Deslocamento ao Tribunal após o julgamento Recurso do recurso Deslocamento do Tribunal após início do julgamento? Deslocamento da competência: surgimento de indícios contra autoridade Usurpação da competência 1.6 1.6.1 1.6.2 1.7 1.8 1.9 1.9.1 1.9.2 1.9.3 1.10 1.11 1.12 1.13 1.14 1.15 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 3 3.1 3.2 Conexão, continência e cisão Extinção ou absolvição da autoridade Determinação do Juízo declinado Ritos especiais Composição civil, transação penal, suspensão condicional do processo (Lei 9.099/95) Questões sobre o CPC Contagem de prazos: dias úteis x corridos Publicação da pauta Pedido de vista O Relator O Revisor Segredo de justiça Intimação por carta registrada Delação premiada Litisconsórcio passivo e prazo em dobro MEDIDAS CAUTELARES Prisão processual Medida cautelar de suspensão de exercício de mandato eletivo Medida cautelar de suspensão de exercício do cargo de magistrado Medidas cautelares investigativas e instrutórias Medidas cautelares reais OS TRIBUNAIS E A MATÉRIA ORIGINÁRIA Supremo Tribunal Federal Superior Tribunal de Justiça 3.3 3.4 3.5 3.6 3.7 1 2 2.1 2.2 3 3.1 3.2 3.3 4 4.1 5 5.1 6 7 1 1.1 Tribunal Superior Eleitoral Tribunais Regionais Federais Tribunais de Justiça Tribunais Regionais Eleitorais Superior Tribunal Militar PARTE IV INQUÉRITO INQUÉRITO E COMPETÊNCIA INVESTIGAÇÃO PRELIMINAR NOS TRIBUNAIS: INQUÉRITO POLICIAL OU JUDICIAL Investigações contra magistrados Investigações contra membros do Ministério Público INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO Procedimento Investigatório Criminal (PIC) Inquérito civil Notitia criminis PRAZO PARA A CONCLUSÃO DAS INVESTIGAÇÕES Prorrogação do prazo para a conclusão das investigações ARQUIVAMENTO Arquivamento e art. 28 do CPP INDICIAMENTO INQUÉRITO ADMINISTRATIVO PARTE V AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA FASE PRELIMINAR Denúncia – prazo 1.2 1.2.1 1.3 1.4 1.4.1 1.4.2 1.5 1.5.1 1.5.2 1.5.3 1.6 1.7 2 2.1 2.2 2.3 2.4 2.5 2.6 2.7 2.8 3 4 4.1 Denúncia ou queixa – conteúdo Queixa – custas Denúncia contra o Presidente da República, Vice-Presidente da República e Ministros de Estado Notificação Notificação com hora certa Notificação por edital Resposta Resposta escrita: exceções Resposta escrita: produção de provas Inércia do notificado Réplica Parecer do Ministério Público DECISÃO SOBRE A ACUSAÇÃO Decisão sobre a acusação: conteúdo Admissão da acusação e fundamentação Admissibilidade da acusação: in dubio pro societate? Justa causa e colaboração premiada Decisão sobre a acusação e recurso Recebimento da denúncia e interrupção da prescrição Preclusão do recebimento da denúncia e prosseguimento Recebimento de denúncia contra parlamentar: comunicação à Casa Legislativa e suspensão da ação penal CITAÇÃO DEFESA PRÉVIA Número de testemunhas 4.2 4.3 4.4 5 5.1 6 6.1 6.2 6.3 6.4 6.5 6.6 6.7 6.8 7 8 9 10 10.1 11 11.1 11.2 11.3 11.4 11.5 Inércia Exceção da verdade: oportunidade Exceção da verdade contra autoridade ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA Deslocamento da competência antes da fase de absolvição sumária INSTRUÇÃO Admissibilidade das provas Audiência de instrução Presidência da audiência de instrução Produção da prova: audiência × carta de ordem Requisição de local para audiência Momento do interrogatório Identidade física do juiz e qualidade da instrução processual Intimação pessoal do réu para a audiência REQUERIMENTO DE DILIGÊNCIAS ALEGAÇÕES FINAIS ESCRITAS DETERMINAÇÃO DE PROVAS IMPRESCINDÍVEIS PREPARAÇÃO PARA O JULGAMENTO Intimação pessoal do réu para a sessão de julgamento JULGAMENTO Fases do julgamento Instauração Relatório Leitura de peças Instrução 11.6 11.6.1 11.7 11.8 11.8.1 11.9 12 12.1 12.2 12.3 12.4 12.5 12.6 13 13.1 13.2 13.3 13.4 13.5 13.6 13.7 13.7.1 13.8 13.9 13.10 Sustentações orais Julgamento de recursos Limitação de presença Votação Empate na votação Proclamação do resultado e designação do redator para o acórdão DECISÃO CONDENATÓRIA Aplicação da pena: culpabilidade Aplicação da pena: cargo Perda do cargo público ou mandato eletivo Prescrição pela pena aplicada Dano moral coletivo Honorários advocatícios RECURSOS E MEIOS DE IMPUGNAÇÃO Agravo interno ou regimental Embargos de declaração Embargos infringentes e de nulidade Embargos infringentes no STF Recurso extraordinário e recurso especial Pedido de controle pelo relator: decisões do Magistrado Instrutor Habeas corpus Habeas corpus tendo a autoridade como paciente andado de segurança Reclamação Suspensão de medida liminar 14 14.1 14.2 14.3 15 EXECUÇÃO PENAL Competência Execução das penas na pendência de recurso Trabalho externo INELEGIBILIDADE REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS INTRODUÇÃO A comunidade jurídica observa uma reverência litúrgica em relação à Constituição Federal. No seio do Supremo Tribunal Federal, guardião da Carta (art. 102 da Constituição Federal), essa solenidade é materialmente simbolizada pelo texto original, assinado pelos membros da Assembleia Nacional Constituinte, em exposição no Salão Branco do Tribunal. A costumeira deferência com a qual os membros do Tribunal se referem à Constituição foi rompida pelo Min. Celso de Mello, ao valorar a forma como o legislador deferiu prerrogativas de foro a autoridades diversas. Afirmou Sua Excelência que a atual Constituição Federal “incidiu em verdadeiro paradoxo institucional, pois, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática”. Acrescentou que o constituinte demonstrou “visão aristocrática e seletiva de poder” e “cometeu censurável distorção na formulação de uma diretriz que se pautou pela perspectiva do Príncipe (ex parte principis) e que se afastou, por isso mesmo, do postulado da igualdade”1. Não há precedentes de tamanha demonstração de contrariedade, por parte de membro da Suprema Corte, ao trabalho do constituinte originário e, em última análise, ao fruto desse trabalho: a Constituição Federal. Nunca se viu crítica tão ferrenha à Carta Magna partindo de um de seus guardiões. A manifestação contundente do sempre cordato decano do Supremo Tribunal Federal revela o desgosto, comungado por parcela expressiva da sociedade brasileira, com o foro privilegiado. Naquele julgamento, estava em jogo proposta de reduzir, por via interpretativa, o alcance da prerrogativa de foro. A diatribe do decano da Cortefoi respondida por uma manifestação igualmente contunde. O Min. Gilmar Mendes acusou a Corte de usurpar o poder constituinte, passando a exercê-lo de modo permanente. Foram suas palavras: “Portanto, há que se ter muito cuidado ao estabelecer orientações que, ainda sob o manto da interpretação constitucional, alteram substancialmente as normas que se extraem da Constituição. Tenho que, neste caso, o STF não está verdadeiramente interpretando a Constituição Federal, mas a reescrevendo. Para disfarçar o exercício do poder constituinte, tenta dar-lhe o verniz da interpretação jurídica das normas constitucionais”. O tom alto dos debates não chega a ser uma exceção nas sessões do Supremo Tribunal Federal. No entanto, o pano de fundo da ação penal originária e da prerrogativa de foro parece ter acirrado as divergências. O objetivo deste trabalho não é aprofundar a análise da decisão constitucional de estabelecer prerrogativas de foro, mas dissecar os diversos aspectos de seu fruto: a ação penal originária de Tribunal. De fato, trata-se de tema relevante, mas muito pouco explorado em sede doutrinária. Este livro resulta da minha experiência como magistrado instrutor convocado no Supremo Tribunal Federal. De meados de 2014 a 2018, tive o privilégio de instruir ações penais da Suprema Corte. O momento era de efervescência da matéria penal no STF. Ainda estava fresca na memória do Tribunal a Ação Penal 470, caso Mensalão, cujo julgamento tomou sessenta e nove sessões do Plenário, paralisando os demais julgamentos por quatro meses e meio. Percebendo a impossibilidade de arrostar a competência penal em seu Tribunal Pleno, a Corte transferiu a matéria penal originária para as Turmas, via a Emenda Regimental 49/2014. Após uma breve calmaria, veio a tempestade. Desta feita, foi a Operação Lava Jato, que deu origem a uma série de investigações e de ações penais contra altas autoridades federais. Inicialmente, sob a relatoria do Min. Teori Zavascki, as decisões colegiadas da Lava Jato foram concentradas na Segunda Turma do Tribunal. O órgão deparou-se com temas inéditos, como a prisão em flagrante de Senador da República2. Os tempos conturbados seguiram-se nos anos seguintes. Com o triste e inesperado falecimento do Min. Teori Zavascki, em 19.1.2017, os feitos foram redistribuídos à relatoria do Min. Edson Fachin, àquela época, o membro mais moderno da Corte. Vários casos reputados sem ligação com a investigação inicial foram sorteados entre os demais julgadores. Assim, ambas as Turmas e todos os ministros passaram a conduzir investigações da Lava Jato. Em maio de 2017, eclodiu a Operação Patmos, na qual o próprio Presidente da República foi alvo de investigação criminal, a partir de gravação de conversa realizada por empresário que veio a firmar acordo de colaboração premiada. Pela primeira vez no Brasil, o primeiro mandatário foi criminalmente denunciado, em duas oportunidades. Em ambas, o STF encaminhou a acusação à Câmara dos Deputados, que negou a autorização para a ação penal3. Ao final desse período, o Tribunal julgou que a abundância da prerrogativa de foro produzia arranjo institucional indesejável e, adotando nova interpretação jurídica, restringiu a competência dos Tribunais aos delitos ligados ao mandato4. A experiência e o conhecimento acumulados em razão do intenso estudo e trabalho necessários para lidar com tais transformações me instigaram a produzir esta obra. Nela, trato, de forma abrangente, da ação penal originária, assim entendida a ação penal condenatória de competência de Tribunal. Seu objeto não se limita ao processo judicial; os temas que giram por seu entorno também são trabalhados. Aqui abordo também a definição da competência dos Tribunais, em razão do foro privilegiado; o estatuto de cada uma das autoridades e carreiras que contam com a prerrogativa de foro; a investigação criminal e, por fim, a ação judicial, desde o início até a execução da pena, bem como os efeitos da condenação. Analiso a competência do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça, dos Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça e Tribunais Regionais Eleitorais, por fim, aprecio a forma como esses Tribunais tratam a matéria originária. Entre os Tribunais de Justiça, são analisados os de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul. O objetivo deste livro é servir como fonte de consulta para todos que trabalham com o tema ou por ele têm interesse. Para tanto, a ênfase está em reunir o conhecimento já produzido sobre cada um dos pontos. O foco está na jurisprudência. Não me furto a dar opinião sobre questões controvertidas, na medida em que acredito que tenho algo a acrescentar. Faço-o usando a primeira pessoa, para que fique destacado que se trata apenas da opinião do autor. A obra foi articulada em cinco partes. Na primeira, analiso o foro privilegiado, medida da competência dos Tribunais. Visto ora como garantia de bom funcionamento das instituições, ora como privilégio execrável, o foro privilegiado para infrações penais ocupa todos os Tribunais brasileiros com competência penal, salvo o Tribunal Superior Eleitoral. Na segunda parte, cada uma das autoridades com prerrogativa de foro é definida, e são analisadas as peculiaridades de seus regimes jurídicos. Normalmente, a prerrogativa de foro não afasta as demais regras de direito material e processo penal. No entanto, há preceitos que excepcionam a aplicação das normas comuns, estabelecendo um estatuto jurídico próprio para a autoridade contemplada. Destacam-se várias limitações à prisão processual e regras específicas quanto à perda do cargo, além da necessidade de autorização para a ação penal (Presidente da República) e da possibilidade de suspendê-la por ato do parlamento (Senadores e Deputados). Na terceira, trato sobre os aspectos gerais do processo penal originário, das medidas cautelares e do tratamento da matéria penal originária no Supremo Tribunal Federal, no Superior Tribunal de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais, Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Eleitorais e no Superior Tribunal Militar. Também apresento a situação peculiar do Tribunal Superior Eleitoral frente ao foro privilegiado. Já na quarta parte, abordo a investigação criminal. Pela via interpretativa, a jurisprudência tem conferido ao inquérito preparatório à ação 1 2 3 4 penal originária um regime próprio, com necessidade de autorização judicial para instauração, supervisão e mesmo presidência do inquérito pelo Tribunal. Por fim, na quinta parte, a ação penal originária condenatória propriamente dita é apreciada, desde a petição inicial até a execução das penas e efeitos da condenação, passando também pela apreciação da admissibilidade da ação penal, pela instrução processual, pelo julgamento, pelas particularidades da decisão condenatória em ação penal originária e pelos meios de impugnação da decisão. AP 937 QO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 3.5.2018. AC 4.036, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, julgado em 25.11.2015. Inq 4.517, Rel. Min. Edson Fachin; Inq 4.483 QO, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 21.9.2017. AP 937 QO, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 23.11.2017. A competência originária de Tribunal para processar e julgar determinadas autoridades pela prática de delitos chama-se foro privilegiado1, ou prerrogativa de foro, ou foro por prerrogativa de função, ou foro especial por prerrogativa de função. Em vez de iniciar em primeira instância e chegar ao Tribunal via recurso, o processo tem início no próprioTribunal, o qual supervisiona a investigação, analisa a acusação, instrui e julga o processo. O foro privilegiado é a medida da competência para ações penais condenatórias originárias dos Tribunais, e nesta medida será analisado nesta obra. Presente desde sempre nas Constituições brasileiras, a prerrogativa de foro alcançou dimensão inédita em 1988. A estimativa da Associação dos Juízes Federais é de que cerca de 45.000 pessoas gozem desse privilégio no país2. Visto ora como uma garantia de bom funcionamento das instituições, ora como um privilégio execrável, o foro privilegiado para infrações penais ocupa todos os Tribunais brasileiros com competência penal, salvo o Tribunal Superior Eleitoral. Nesta primeira parte da obra, o foro privilegiado será analisado em seis capítulos. O primeiro aborda seus aspectos gerais e seus fundamentos; o segundo define as infrações penais que são objeto de julgamento pelas Cortes; o terceiro analisa o papel das Constituições Estaduais e da legislação na definição de prerrogativas de foro; o quarto trata das soluções de conflito aparente de normas que versam sobre a competência originária de tribunais; o 1 2 quinto busca precisar o momento inicial e o momento final da prerrogativa de foro; por fim, o sexto cuida da modificação da competência, em razão da prerrogativa de foro, especialmente em relação aos feitos pendentes. A expressão foro privilegiado costuma ser empregada de forma pejorativa. A competência do Tribunal não parece ser um privilégio em si, na medida em que não se traduz em nenhuma vantagem direta à defesa. No entanto, trata-se de expressão forte e consagrada pelo uso, pelo que optei por usá-la, de forma indistinta com as demais. Disponível em: https://noticias.r7.com/brasil/na-mira-do-judiciario-e-do- legislativo-foro—privilegiado-brasileiro-e-recordista-em-numero-de- autoridades-protegidas-22112017. Acesso em: 7.1.2018. Cerca de dois terços desses são magistrados e membros do Ministério Público. https://noticias.r7.com/brasil/na-mira-do-judiciario-e-do-legislativo-foro--privilegiado-brasileiro-e-recordista-em-numero-de-autoridades-protegidas-22112017 1.1 ASPECTOS GERAIS Neste primeiro capítulo, analiso aspectos gerais do foro privilegiado: histórico, natureza, interpretação, relação com o princípio do juiz natural e a vedação de tribunais de exceção, bem como com o direito a recurso, possibilidade de renúncia, e se o foro é uma prerrogativa do cargo ou um privilégio pessoal. HISTÓRICO No Brasil, o foro privilegiado para crimes esteve presente em todas as Constituições. A Constituição de 1824 dispunha que ao Supremo Tribunal de Justiça cabia “conhecer dos delictos, e erros do Officio, que commetterem os seus Ministros, os das Relações, os Empregados no Corpo Diplomatico, e os Presidentes das Provincias” (art. 164, II). O Senado julgava os crimes dos Membros da Família Imperial, Ministros de Estado, Conselheiros de Estado, Senadores e Deputados (art. 47). A Constituição de 1891 previa competir ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originária e privativamente o Presidente da República, os Ministros de Estado e os Ministros Diplomáticos (art. 59, I, “a” e “b”). Sob a Constituição de 1934, à Corte Suprema competia processar e julgar originariamente o Presidente da República, os Ministros da Corte Suprema, os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais federais e os das Cortes de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros Diplomáticos (art. 76, I, “a” e “b”). A Constituição de 1937 determinava competir ao Supremo Tribunal Federal processar e julgar originariamente seus próprios Ministros, bem como os Ministros de Estado, o Procurador-Geral da República, os Juízes dos Tribunais de Apelação dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Embaixadores e Ministros Diplomáticos (art. 101, I, “a” e “b”). O Conselho Federal era competente para julgar o Presidente da República e, nos crimes conexos, os Ministros de Estado (arts. 86 e 89, § 2º). Os Tribunais de Apelação nos Estados e no Distrito Federal e Territórios possuíam competência privativa para processar e julgar os juízes inferiores (art. 103, “e”). A Constituição de 1946 atribuiu ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente o Presidente da República, bem como seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado, os juízes dos Tribunais Superiores Federais, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros do Tribunal de Contas e os Chefes de Missão Diplomática de caráter permanente (art. 101, I, “a”, “b” e “c”). No âmbito estadual, foi estabelecida a competência do Tribunal de Justiça para processar e julgar os Juízes de inferior instância, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 124, IX). A Constituição de 1967 atribuía ao Supremo Tribunal Federal competência para processar e julgar originariamente o Presidente da República, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado, os Juízes Federais, os Juízes do Trabalho e os membros dos Tribunais Superiores da União, dos Tribunais Regionais do Trabalho, dos Tribunais de Justiça dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, os Ministros dos Tribunais de Contas da União, dos Estados e do Distrito Federal, e os Chefes de Missão Diplomática de caráter permanente (art. 114, I, “a” e “b”). No âmbito estadual, competia aos Tribunais de Justiça processar e julgar os membros do Tribunal de Alçada e os Juízes de inferior instância, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral (art. 136, § 3º). O Ato Institucional 5 (AI-5), de 13.12.1968, suspendeu a prerrogativa de foro por prerrogativa de função (art. 5º, I). A Constituição de 1969 atribuía ao Supremo Tribunal Federal a competência para processar e julgar originariamente o Presidente da República, o Vice-Presi-dente, os Deputados e Senadores, os Ministros de Estado e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado, os membros dos Tribunais Superiores da União e dos Tribunais de Justiça dos Estados, dos Territórios e do Distrito Federal, os Ministros do Tribunal de Contas da União e os Chefes de Missão Diplomática de caráter permanente (art. 119, I, “a” e “b”). Ao Tribunal Federal de Recursos competia processar e julgar os juízes federais, os juízes do trabalho e os membros dos tribunais regionais do trabalho, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e os do Distrito Federal (art. 122, I, “b”). Aos Tribunais de Justiça cabia processar e julgar os membros do Tribunal de Alçada e os juízes de inferior instância (art. 144, § 3º). Sob a Constituição de 1988, ao Supremo Tribunal Federal compete processar o Presidente da República, o Vice-Presidente, os membros do Congresso Nacional, seus próprios Ministros e o Procurador-Geral da República, os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos Tribunais Superiores, os do Tribunal de Contas da União e os Chefes de Missão Diplomática de caráter permanente – art. 102, I, “b” e “c”. Ao Superior Tribunal de Justiça cabe processar e julgar os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal, os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos TribunaisRegionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho, os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais – art. 105, I, “a”. Aos Tribunais Regionais Federais compete julgar os juízes federais da área de sua jurisdição, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho, e os membros do Ministério Público da União, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral – art. 108, I, “a”. 1.2 Aos Tribunais de Justiça compete julgar os Prefeitos e os juízes estaduais e do Distrito Federal e Territórios, bem como os membros do Ministério Público, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral – art. 29, X, e art. 95, III. De acordo com o entendimento do STF, a competência penal originária perante os Tribunais de Justiça pode ser alargada pelas Constituições Estaduais, na forma do art. 125, § 1º, da CF. Há também casos de alargamento da competência originária pela legislação ordinária. NATUREZA JURÍDICA DA NORMA QUE INSTITUI A PRERROGATIVA DE FORO A norma que estabelece a prerrogativa de foro tem duplo aspecto: é uma norma sobre a organização política do Estado e uma norma sobre processo penal. O entendimento do STF é de que o primeiro aspecto prepondera. O art. 22, I, da Constituição Federal estabelece a competência privativa da União para legislar sobre direito processual. Com isso, surge dúvida quanto à possibilidade de outros entes da federação legislarem acerca da prerrogativa de foro. O STF afirma que o foro privilegiado é matéria “mais de natureza constitucional e política do que processual”. Tratar-se-ia de uma “garantia política da função”, com o intuito de “evitar o desprestígio do cargo”3. Portanto, prevalece o cunho político da norma que institui a prerrogativa de foro. Tendo em vista essa interpretação, permite-se que normas estaduais disponham sobre a prerrogativa de foro, no exercício do poder de auto- organização, previsto no art. 25 da Constituição Federal, combinado com o poder para definir, na Constituição do Estado, a competência do Tribunal de Justiça, conforme previsto no art. 125, § 1º, da CF. Por outro lado, as normas sobre a prerrogativa de foro encerram aspecto processual penal importante, na medida em que se afastam as normas ordinárias de competência de Juízo e se atribui competência penal originária a 1.3 Tribunal, foro normalmente reservado ao julgamento de recursos. Mais recentemente, o STF adotou entendimento restritivo da prerrogativa de foro, o qual parece desafiar a compreensão de que a norma que a estabelece tem cunho predominantemente político4. NATUREZA JURÍDICA DA PRERROGATIVA DE FORO A prerrogativa de foro é uma prerrogativa processual, não uma inviolabilidade ou imunidade. Definem-se como privilégios normas que afastam a aplicação do direito comum em favor de determinada pessoa ou grupo de pessoas5. Muito embora nem sempre doutrina e jurisprudência sejam rigorosas quanto à nomenclatura, com base no texto da própria Constituição Federal, podemos classificar os privilégios em três: inviolabilidade, imunidades e prerrogativas (arts. 27, § 1º; 29, VIII; 53, § 8º; 55, § 1º; 73, § 3º; 142, § 3º, I e X). A inviolabilidade tem caráter material: impedem a incidência da norma sancionatória. No que interessa ao direito penal, a inviolabilidade impossibilita a incidência da norma penal incriminadora. A única inviolabilidade é aquela do caput do art. 53 da Constituição Federal, o qual prevê que os parlamentares federais são “invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. Tal dispositivo impede a incidência dos tipos penais de calúnia, difamação e injúria nas circunstâncias dadas. Se, em um voto, o parlamentar imputa a alguém falsamente fato definido como crime, fato ofensivo à reputação e ofende a dignidade do atingido, não terá cometido os crimes dos arts. 138 (calúnia), 139 (difamação) e 140 (injúria) do CP. As imunidades, por sua vez, têm caráter processual e obstam o desenvolvimento do processo ou a aplicação de medida cautelar. A vedação de prisão preventiva dos parlamentares federais (art. 53, § 2º, da CF), por exemplo, é uma imunidade. São prerrogativas as demais normas que excepcionam o direito comum, sem impedir a incidência da norma desfavorável, o desenvolvimento do 1.4 processo ou a aplicação de medida cautelar. A prerrogativa de foro está exatamente nesta espécie. Portanto, a prerrogativa de foro não é uma imunidade, tampouco uma inviolabilidade. Trata-se, na verdade, de uma prerrogativa processual. A distinção tem efeitos práticos. A Constituição Federal estende a Deputados Estaduais e Distritais a inviolabilidade e as imunidades dos Deputados Federais, mas não as prerrogativas (art. 27, § 1º, e art. 32, § 3º). Logo, o foro no STF (art. 53, § 1º, da CF) não é estendido àquelas autoridades. INTERPRETAÇÃO E AMPLIAÇÃO: O STF EM DOIS MOMENTOS O STF sustentava jurisprudência admitindo a interpretação ampliativa e o alargamento do foro para além das hipóteses previstas na Constituição Federal, por meio de Constituições Estaduais e mesmo de leis federais. Atualmente, entretanto, a Corte sinaliza na direção diametralmente oposta, adotando a visão de que a prerrogativa de foro é um privilégio, a merecer interpretação estrita, ou mesmo restritiva. Até alguns anos atrás, prevalecia no STF jurisprudência que via o foro privilegiado, se não com bons olhos, ao menos como um recurso viável em nome do equilíbrio entre os poderes e o bom funcionamento das instituições. Victor Nunes Leal ressaltava que a prerrogativa de foro é uma “garantia contra e a favor do acusado”. Transcrevo: “A jurisdição especial, como prerrogativa de certas funções públicas, é, realmente, instituída não no interesse da pessoa do ocupante do cargo, mas no interesse público do seu bom exercício, isto é, do seu exercício com o alto grau de independência que resulta da certeza de que seus atos venham a ser julgados com plenas garantias e completa imparcialidade. Presume o legislador que os tribunais de maior categoria tenham mais isenção para julgar os ocupantes de determinadas funções públicas, por sua capacidade de resistir, seja à eventual influência do próprio acusado, seja às influências que atuarem contra ele. A presumida independência do tribunal de superior hierarquia bilateral, garantia contra e a favor do acusado”6. O Min. Maurício Corrêa afirmou que essa “jurisdição especial” tem como “matriz o interesse maior da sociedade de que aqueles que ocupam” certos cargos públicos “possam exercê-los em sua plenitude, com alto grau de autonomia e independência, a partir da convicção de que seus atos, se eventualmente questionados, serão julgados de forma imparcial”7. Como visto, o STF entendia o foro privilegiado como matéria “mais de natureza constitucional e política do que processual”8. Portanto, a prerrogativa de foro era tida por uma norma de cunho predominantemente político que, de um lado, protegia a autoridade contra demandas frívolas e, de outro, assegurava a aplicação da lei penal, livre de pressões para favorecer o imputado. Essas eram as grandes linhas que levavam o Tribunal a permitir, com condicionamentos, a ampliação do foro privilegiado por Constituições Estaduais e mesmo por leis, ainda que reconhecendo no instituto uma diferença de tratamento. Com base nos mesmos alicerces, o STF acostumou-se a dar interpretação ampliativa ao foro privilegiado, não só para definir a competência dos Tribunais, mas também para criar regras excepcionaise não previstas em lei a processos de competência de Cortes. Assim, sem necessidade de lei, do foro privilegiado foram deduzidas a indispensabilidade de decisão do Tribunal para a instauração de inquérito, a necessidade de remessa dos autos ao Tribunal em caso de descoberta de provas contra a autoridade, bem como a invalidade das provas em caso de investigação mantida em primeira instância após tal descoberta. Em sua jurisprudência histórica, o STF deu interpretação generosa ao foro privilegiado, pelo menos nos seguintes pontos relevantes: (i) constitucionalidade da ampliação da competência da prerrogativa de foro no Tribunal de Justiça, mediante previsão na Constituição Estadual, ainda que para autoridades sem prerrogativa simétrica na Constituição Federal9; (ii) constitucionalidade da atribuição de foro privilegiado por meio da concessão de status de Ministro de Estado, mesmo para Presidentes de entidades da administração indireta10; (iii) atração da competência da Corte quanto a fatos conexos e acusados sem prerrogativa de foro11; (iv) obrigatoriedade da declinação, para o Tribunal, da competência de toda a investigação, quando surgirem indícios de coautoria ou de participação contra autoridade com prerrogativa de foro12; (v) anulação de provas em caso de usurpação de competência do Tribunal, pela investigação indireta, em instância inferior, de autoridades com prerrogativa de foro, ainda que não tenha havido medida investigativa tendo como alvo a própria autoridade13; (vi) necessidade de autorização do Tribunal para a instauração de investigação14. Portanto, o ponto de partida do STF era pró-foro privilegiado. Essa não era uma postura isolada. O entendimento geral era pela escrupulosa observância, e mesmo pela interpretação ampliativa, de privilégios processuais, inviolabilidade e imunidades deferidas a agentes públicos. O STF rompeu com essa linha histórica no julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937, ao definir que o “foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”15. Essa interpretação restritíssima, desafiando os limites do texto constitucional, é fundada na compreensão de que o foro privilegiado não passa de um privilégio. O Min. Celso de Mello afirmou que a atual Constituição Federal “incidiu em verdadeiro paradoxo institucional, pois, pretendendo ser republicana, mostrou-se estranhamente aristocrática”. Acrescentou que o constituinte demonstrou “visão aristocrática e seletiva de poder” e “cometeu censurável distorção na formulação de uma diretriz que se pautou pela perspectiva do Príncipe (ex parte principis) e que se afastou, por isso mesmo, do postulado da igualdade”16. Nunca antes um Ministro do Supremo Tribunal Federal ousara qualificar como “censurável” uma decisão do constituinte. A dureza das palavras do decano revela o desapreço que passou a reger a visão sobre a prerrogativa de foro. De acordo com o Min. Roberto Barroso, relator da mencionada ação penal, a interpretação até então imperante “não realiza adequadamente princípios constitucionais estruturantes, como igualdade e república”. Em sua visão, falta efetividade mínima ao sistema penal nos casos em que observado o foro privilegiado, impedindo, “em grande número de casos, a responsabilização de agentes públicos”, o que frustraria “valores constitucionais importantes, como a probidade e a moralidade administrativa”17. Esse julgamento não está isolado. É inserido em uma virada de entendimento, não apenas quanto ao foro privilegiado, mas quanto a prerrogativas penais e processuais penais deferidas a ocupantes de cargos públicos. Nessa nova onda, inserem-se as decisões que declaram a inconstitucionalidade das cláusulas de Constituições Estaduais as quais imitam, em favor do Governador, a prerrogativa do Presidente da República de somente ser processado com autorização do parlamento18. Acrescentam-se decisões que permitem a imposição de medida cautelar pessoal de suspensão do mandato parlamentar federal, ainda que com controle pela Casa Legislativa respectiva19. Também se insere a decisão de permitir a suspensão do exercício de parlamentares estaduais por ordem judicial, sem possível controle pela Assembleia Legislativa e, possivelmente, de acabar, pela via da interpretação, com a imunidade à prisão preventiva de parlamentares federais20. Desses casos se extrai que o Tribunal está vendo diferenças de tratamento, supostamente motivadas na proteção aos cargos, como benefícios sem propósito. O resultado dessa nova onda é o estabelecimento de uma tendência a interpretar restritivamente as imunidades e prerrogativas processuais conferidas a autoridades. A conclusão do julgamento da AP 937 QO parece ser apenas mais um passo nessa reviravolta na jurisprudência, ainda em andamento. A nova postura da Corte permite antecipar que, caso o parlamento não o faça por iniciativa própria, o STF irá erodir não apenas o foro privilegiado, mas as imunidades e as prerrogativas processuais em geral, naquilo em que a hermenêutica constitucional permitir. 1.5 Assim, a ampliação de prerrogativas por Constituições Estaduais e pela legislação tende a ser vista como incompatível com a Constituição. De minha parte, tenho que o STF acerta em adotar uma postura a priori contrária a regras que estabelecem tratamento diferenciado a autoridades. A postura anterior era excessivamente deferente às exceções. No entanto, há uma linha tênue entre a interpretação e a modificação das normas constitucionais. O papel da Corte é de intérprete, não lhe sendo permitido exercer o poder constituinte. Temo que, ao rever entendimentos históricos, referendados pela Assembleia Nacional Constituinte, e fixar interpretações que não se alinham ao texto constitucional, o STF esteja desbordando de seu papel de guardião da Constituição. Esses aspectos serão mais bem explorados nos comentários à decisão na AP 937 QO e na apreciação das imunidades de governadores e parlamentares. A REINTERPRETAÇÃO DA PRERROGATIVA DE FORO – AP 937 QO No julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937, o STF definiu que o “foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”21. Muito embora a decisão tenha sido inicialmente limitada aos parlamentares federais, o STF, em julgamento posterior, estendeu a intepretação aos cargos em geral, salvo os de magistrado e membro do Ministério Público, ainda por definir. O relator da Ação Penal 937, Min. Roberto Barroso, afetou ao Pleno questão de ordem, provocando o Supremo Tribunal Federal a adotar interpretação restritiva quanto à prerrogativa de foro. A proposta foi restringir a prerrogativa de foro “aos crimes cometidos em razão do ofício e que digam respeito estritamente ao desempenho daquele cargo”. Na fundamentação de seu voto, o Min. Roberto Barroso sustentou que os “problemas e disfuncionalidades associados ao foro privilegiado podem e devem produzir modificações na interpretação constitucional”. Argumentou que a Constituição de 1988 prevê que “um conjunto amplíssimo de agentes públicos responda por crimes comuns perante tribunais”, sem precedentes em nossa história constitucional ou paralelo no direito comparado. Acrescentou que a prerrogativa de foro torna os tribunais superiores disfuncionais, e a justiça criminal ineficiente. Alegou, também, que a “conformação do foro por prerrogativa de função constitui uma violação aos princípios da igualdade e da república”, sendo que taisprincípios ostentariam “preferência axiológica em relação às demais disposições constitucionais”. Ressaltou que “todos os juízes, independentemente do grau de jurisdição, desfrutam das mesmas garantias destinadas a assegurar independência e imparcialidade”. Afirmou ainda que a nova interpretação realizaria uma “redução teleológica” (Larenz), ou do uso da técnica da “dissociação” (Guastini), que “consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma interpretação literal”, para adequá-la a sua finalidade. Nessa técnica, o aplicador “identifica uma lacuna oculta”, a qual consiste na ausência de especificação de uma restrição, necessária para afastar a incidência da norma a um grupo de casos que não se ajustam ao seu sentido e fim (Larenz). O aplicador corrige a lacuna oculta “mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo, mas extraída de sua própria teleologia”. A proposta do relator foi acompanhada pelos Ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Celso de Mello e Cármen Lúcia. O Min. Marco Aurélio divergiu em parte, fixando que o foro deveria ser observado de acordo com o momento do delito, e assim mantido. O Min. Alexandre de Moraes acompanhou a interpretação restritiva, mas em menor extensão. Sustentou que a verificação da ligação do delito com o cargo seria excessivamente complexa e não teria amparo no texto constitucional. Propôs que a restrição fosse apenas para evitar que processos por delitos anteriores ao início da prerrogativa de foro fossem deslocados ao Tribunal. Foi acompanhado pelos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Estes, no entanto, registraram que aderiam ao voto mais moderado apenas para buscar uma solução compromissória, mantendo a convicção de que o STF estaria indo além da interpretação constitucional possível. Portanto, ao final, a proposta de restrição do foro privilegiado foi acolhida pela unanimidade dos votos, ainda que com dois dos Ministros a acolhendo em menor extensão e outros três sustentando que a orientação anterior deveria ser mantida. Os votos dos Ministros Dias Toffoli, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes alinham vários argumentos contrários à interpretação adotada. Em suma, sustentam que a interpretação restritiva do que vem a ser “delitos comuns” não encontra amparo na Constituição. Acrescentam que a prerrogativa cumpre função dúplice, de um lado proteger a autoridade contra demandas frívolas, de outro assegurar o julgamento por magistrados em condições de avaliar a causa com maior independência. Além disso, os julgadores preocuparam-se em demonstrar que o STF vinha julgando as causas criminais em tempo adequado. Decidiu-se que a “nova linha interpretativa deve se aplicar imediatamente aos processos em curso, com a ressalva de todos os atos praticados e decisões proferidas pelo STF e pelos demais juízos com base na jurisprudência anterior”22. Na mesma sessão, decidiu-se pela perpetuação da jurisdição do Tribunal, a partir do despacho que determina a intimação para apresentação de alegações finais, ainda que, por qualquer razão, o imputado tenha deixado o cargo. De minha parte, não tenho simpatia pela prerrogativa de foro. Mas tenho que esse novo entendimento desafia os limites do papel do STF como intérprete da Constituição. Como afirmado23, o STF está consolidando a interpretação de que inviolabilidade, imunidades e privilégios processuais penais a agentes públicos são benesses incompatíveis com a igualdade. O problema é que, por mais indesejáveis que possam parecer, essas vantagens estão na Constituição Federal. Interpretar restritivamente as normas que tratam dessas vantagens não significa eliminá-las, sob pena de transformar o intérprete da Constituição em seu reformador. No caso da prerrogativa de foro, é difícil compatibilizar a proposta com a intepretação histórica, literal e teleológica das normas de foro. Quanto à interpretação histórica, já na vigência das Cartas anteriores, o STF interpretava a prerrogativa de foro de forma ainda mais ampla do que atualmente. O entendimento adotado quando da Assembleia Constituinte que deu origem ao texto de 1988 era de que o acesso ao cargo deslocava todos os processos penais, iniciados ou não, ao Tribunal. Entendia-se ainda que o foro por delitos praticados no curso do mandato se mantinha, na forma da Súmula 394 do STF. Nesse ambiente, o constituinte não apenas manteve o foro, mas o estendeu a vários outros cargos. Em 1999, o STF foi ousado ao alterar em parte sua compreensão e cancelar a Súmula 39424. Daquela feita, no entanto, a oposição era apenas quanto à interpretação histórica da norma. A nova virada do STF esbarra ainda na interpretação literal. A Constituição não clausula os crimes comuns. O texto usa um fraseado limpo: “compete ao Tribunal A processar e julgar a autoridade X nos crimes comuns”25. O STF está fazendo mais do que criar uma exceção à regra; está interpolando um requisito geral na hipótese de incidência da norma. A regra passará a ser: “compete ao Tribunal A processar e julgar a autoridade X nos crimes comuns cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”. Com o acréscimo, será reduzido o campo de incidência da norma constitucional. O Min. Roberto Barroso não se furtou de abordar essa questão. Afirmou tratar-se de “redução teleológica” (Larenz), ou do uso da técnica da “dissociação” (Guastini), que “consiste em reduzir o campo de aplicação de uma disposição normativa a somente uma ou algumas das situações de fato previstas por ela segundo uma interpretação literal”, para adequá-la a sua finalidade. Nessa técnica, o aplicador “identifica uma lacuna oculta”, a qual consiste na ausência de especificação de uma restrição, necessária para afastar a incidência da norma a um grupo de casos que não se ajustam ao seu sentido e fim (Larenz). O aplicador corrige a lacuna oculta “mediante a inclusão de uma exceção não explícita no enunciado normativo, mas extraída de sua própria teleologia”26. A argumentação é sofisticada, mas não parece que seja essa a técnica em uso. A interpretação histórica permite ver que não há lacuna oculta. A Assembleia Constituinte tomou uma decisão bem deliberada de manter e ampliar algo que julgou positivo nas constituições anteriores – foro privilegiado para todas as infrações penais e ainda para os crimes de responsabilidade. Além disso, a correção da lacuna oculta pressupõe a criação de uma exceção corretiva à norma. Por exemplo, se a norma dispõe que é “proibido entrar com animais”, interpreta-se que a pessoa com deficiência pode entrar com seu cão guia, devidamente treinado. Aqui, adicionam-se elementos tão relevantes à hipótese de incidência, que a atual norma vira exceção. Para fazer uma semelhante adição de elementos à hipótese de incidência, o aplicador precisa estar amparado em razões sólidas, internas ao sistema jurídico, que suportem sua interpretação. O fundamento jurídico para tanto seria que o foro privilegiado é uma prerrogativa do cargo, não da pessoa. Sob esse raciocínio, faria sentido o foro para o julgamento das impugnações aos atos ligados ao cargo. Nos demais casos, deveria ser observada a igualdade, por um imperativo republicano. O contra-argumento é que a posição de autoridade sujeita seu ocupante a acusações frívolas de toda ordem. O acusador que por má-fé ou por inépcia aponta para a autoridade pode escolher qualquer tema para tanto. O Min. Gilmar Mendes seguiu linha semelhantede raciocínio para rebater o argumento da redução teleológica: “É inquestionável que, pela via interpretativa, pode-se afastar a aplicação de normas aos casos concretos, identificando hipóteses que, por uma interpretação finalística, estariam fora do escopo da norma. O detalhe é que, desde 1964, com a adoção da Súmula 394 do STF, resta estabelecida e publicizada a interpretação de que o foro por prerrogativa de função prevalece em relação a qualquer delito. Pode subsistir uma lacuna oculta, se ao menos três Constituições Federais reproduziram o texto normativo, com o conhecimento de sua interpretação estabelecida? Não há semelhança com a exegese do art. 102, I, ‘r’ da CF, introduzido pela Emenda Constitucional 45/04. Esse dispositivo tem redação de duvidosa técnica jurídica – CNJ e CNMP não têm personalidade jurídica, é difícil sustentar que uma ação seja propriamente contra um desses conselhos. O STF definiu o escopo da norma, estabelecendo que sua competência limita-se às ações tipicamente constitucionais (AO-QO 1.814, Rel. Min. Marco Aurélio; AO-AgR 1.680, Rel. Min. Teori Zavascki, julgadas em 24.9.2014). Certa ou errada, foi a interpretação prevalente, estabelecida tendo em vista uma norma recente e dúbia. Uma hipotética nova Constituição terá de preocupar-se com ela, adequando a redação à exegese do STF, ou deixando claro o propósito de ter um escopo mais amplo. O esforço para equiparar as situações soa artificial. A referência à ‘teleologia da norma’ para afirmar a existência de lacuna oculta parte do pressuposto de que a Constituição consagra o princípio da igualdade, pelo que seria inaceitável conceder prerrogativas processuais. Essa leitura tem o mérito de demonstrar a preocupação em dar efetividade ao princípio, mas esbarra na semântica das normas constitucionais de igual valor que instituem a prerrogativa de foro. Para chegar à conclusão pretendida, tem-se que colocar o princípio da igualdade, na concepção valorativa pretendida pela corrente vencedora, acima de regras constitucionais claras. Reputo claras as regras sobre a prerrogativa de foro, porque é o próprio texto constitucional que descola, inclusive no tempo, o foro originário do efetivo exercício da função pública. A melhor demonstração de que não há ligação umbilical da prerrogativa de foro com o efetivo exercício da função está no art. 53, § 1º, da CF. O foro dos parlamentares não inicia com a posse. Basta a expedição do diploma para que o parlamentar seja julgado perante o Tribunal. Não nego que, em tese, é possível cometer crimes ligados à função antes da posse. Mas impensável afirmar que o objetivo da Constituição é contemplar essa hipótese remota. O objetivo da antecipação da prerrogativa é impedir que o futuro parlamentar seja fisicamente impedido de tomar posse, por uma prisão indevida, ou tenha sua independência ameaçada, por demandas frívolas. Em ambos os casos, a prerrogativa é prioritariamente voltada para delitos não ligados à função parlamentar, já que o diplomado ainda não a exerce. De outro lado, nem todo o crime ligado à função enseja a prerrogativa de foro. Veja-se, por exemplo, um cidadão que, logo após a proclamação do resultado das eleições, é flagrado solicitando vantagem indevida em razão do futuro cargo. Ele deverá ser apresentado ao juiz de primeira instância para audiência de custódia, visto que, neste momento, não goza de prerrogativa de foro. Apenas quando e se for diplomado (se eleito parlamentar) ou empossado (se eleito cargo executivo) o processo será transferido para o tribunal respectivo. A mesma ideia vale para todos os demais cargos que ensejam a prerrogativa de foro. Se um cidadão indicado a Ministro do STF agredir um Senador durante a sabatina, o caso será apresentado à Justiça Federal de primeira instância. Quando e se o sujeito for empossado Ministro, os autos serão remetidos ao STF. De outro lado, nem toda a prerrogativa de foro decorre de delito ligado à função. A prerrogativa de foro é para ‘infrações penais comuns’ (art. 102, I, ‘b’ e ‘c’), ‘crimes comuns’ (art. 96, III, art. 105, I, ‘a’, art. 108, I, ‘a’), ou simplesmente para ‘julgamento’ (art. 29, X, todos da CF). Desde sempre, entende-se que o adjetivo ‘comum’ marca a diferença dos crimes de responsabilidade. Se bem compreendo a corrente vencedora, de agora em diante são definidos como comuns apenas os crimes próprios de funcionário público. Por tudo, tenho que não há lacuna oculta nas regras de foro.” Carlos Horbach adverte para os perigos de interpretar a Constituição não de forma técnica e objetiva, mas subjetiva e pessoal, separando o “termo do conceito, o conceito do preceito, o preceito da norma, a norma do texto e o texto do contexto, para, ao final dessa operação, fazer com que o dispositivo afirme exatamente o que desejam e, não raro, o contrário do que nele está escrito”27. Em minha avaliação, o resultado do julgamento reflete aquilo que a Constituição deveria comandar, mas não aquilo que ela comanda. A argumentação do relator colocou o princípio constitucional da igualdade 1.5.1 acima das regras constitucionais. O constituinte criou exceções à igualdade ao estabelecer a prerrogativa de foro. Essas exceções devem ser interpretadas como tais, ou seja, como normas que servem a uma finalidade estrita e, fora desse escopo, não devem ser ampliadas. Em outras palavras, a interpretação da prerrogativa de foro deve tender à restrição. Mas a interpretação restritiva não pode entrar em choque com o próprio texto constitucional, excluindo a aplicação da norma em seara claramente inserida em sua teleologia. Generalização do entendimento No julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937, o STF definiu que o “foro por prerrogativa de função aplica-se apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas”28. Muito embora a decisão tenha sido inicialmente limitada aos parlamentares federais, o STF, em julgamento posterior, estendeu a intepretação aos cargos em geral, salvo os de magistrado e membro do Ministério Público, ainda por definir. O voto do relator da Ação Penal 937, Min. Roberto Barroso, não fazia diferenciação entre os cargos afetados pelo novo entendimento. No entanto, no curso dos debates, Sua Excelência esclareceu que sua proposta era restrita aos cargos de parlamentar federal. Daquela feita, os Ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes foram favoráveis à generalização do novo entendimento. Muito embora ambos fossem contra a nova orientação adotada, sustentaram que a mesma ratio regia a prerrogativa de foro para todos os cargos, pelo que a diferença seria incabível. Propuseram a adoção de súmula vinculante, de forma a fixar que a restrição valia para todo e qualquer titular da prerrogativa. Na sequência da decisão, houve uma certa hesitação dos Tribunais em geral. O Superior Tribunal de Justiça iniciou julgamento de caso envolvendo Conselheiro de Tribunal de Contas. Na sessão inicial, o Min. Mauro Campbell, relator, sustentou que a nova posição do STF aplicava-se apenas aos parlamentares federais. Os Ministros João Otávio de Noronha e Maria Thereza de Assis Moura divergiram, generalizando a compreensão. Por sua vez, o Ministro Luis Felipe Salomão defendeu que o STJ deveria manter sua 1.5.2 competência, até que o STF deliberasse em sentido contrário. O julgamento foi suspenso por pedido de vista29. No entanto, o próprio STF voltou ao tema, ainda que pela Primeira Turma, em decisão que parece definir a controvérsia. Ao apreciar denúncia que acusava simultaneamente Ministro de Estado e Conselheiro de Tribunal de Contas por atos anterioresao exercício de ambos os cargos, a Turma decidiu pela remessa dos autos à primeira instância30. Entendeu que a interpretação restritiva da prerrogativa de foro deveria ser generalizada para os cargos em geral. Restou vencido o Min. Alexandre de Moraes, que sustentava que o STF ainda deveria se manifestar sobre os cargos vitalícios, como é o caso dos Conselheiros de Tribunal de Contas. Por isso, propunha a remessa do feito ao foro competente para julgar o Conselheiro (STJ). Tendo em vista que os Ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli defenderam a generalização do entendimento no julgamento da AP 937 QO, pode-se afirmar que essa é a orientação a ser seguida. O STJ adotou o entendimento da Primeira Turma do STF, enviando a primeira instância o caso mencionando envolvendo Membro de Tribunal de Contas31. Na mesma sessão, adotou o entendimento restritivo em caso contra Governador de Estado32. A única situação ainda não integralmente definida é aquela dos magistrados e dos membros do Ministério Público. A situação de magistrados e membros do MP A aplicação da interpretação restritiva da prerrogativa de foro, adotada no julgamento da questão de ordem na Ação Penal 937 pelo STF, quanto a magistrados e membros do Ministério Público, ainda está por definir. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que a prerrogativa de foro de membros de Tribunal aplica-se para delitos não ligados à função, caso a competência para julgamento da causa, em primeira instância, seja de juiz a este vinculado. Em julgados do STF que adotaram e aplicaram a interpretação restritiva da prerrogativa de foro, foi sinalizada a possibilidade de não transpor o entendimento para os casos contra magistrados ou membros do Ministério Público. Em obter dicta, foram manifestadas preocupações com a possibilidade de juiz de instância inferior julgar magistrados mais graduados. O Min. Roberto Barroso afirmou que ainda necessitaria refletir sobre essa situação, tendo em vista que o acusado teria poder de decidir sobre promoções e correições contra seu julgador33. A mesma preocupação se aplica aos membros do Ministério Público. O Promotor de Justiça receberia a atribuição funcional de acusar os Procuradores de Justiça responsáveis por decisões sobre a vida funcional do acusador. O STJ iniciou o enfrentamento dessa questão, em caso envolvendo Desembargador de Tribunal de Justiça. Decidiu manter a prerrogativa de foro para delito não ligado à função34. O relator, Min. Benedito Gonçalves, afirmou que o juiz de primeira instância teria “duvidosa condição de se posicionar de forma imparcial” em processo contra membro do Tribunal de Justiça ao qual está vinculado. A decisão foi tomada por ampla maioria – 10 votos a 335. Essa decisão pode ser revista pelo Supremo Tribunal Federal, na medida em que a prerrogativa de foro tem sede constitucional. De qualquer forma, ela fixa orientação apenas para os casos de acusação contra Desembargador em processo que, pela legislação processual comum, seria da competência de juiz de primeira instância vinculado ao mesmo Tribunal. Ainda há muito por definir quanto à situação dos magistrados e membros do Ministério Público. O voto do relator indica que a ratio decidendi foi a subordinação hierárquica funcional entre julgador e acusado. De fato, o Tribunal ao qual o juiz está vinculado delibera sobre várias questões que afetam sua vida funcional: exerce o poder correicional (art. 93, VIII, e art. 96, I, “b”, da CF) e decide sobre promoção, remoção (art. 93, II, III e VIII-A, da CF), férias e licenças (art. 96, I, “f ”, da CF), dentre outras questões. Daí a dificuldade em reconhecer ao juiz de primeira instância suficiente independência para julgar desembargador do Tribunal ao qual está vinculado. Não resta claro como projetar esse argumento a outros casos envolvendo magistrados e membros do Ministério Público de todas as instâncias. Os membros dos Tribunais Superiores não têm ascendência funcional sobre os juízes de instância inferior. Os tribunais têm autonomia administrativa constitucionalmente resguardada (art. 96, I e II, da CF). Apenas quando integram o Conselho Nacional de Justiça ou o Conselho da Justiça Federal, os membros do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores têm poder disciplinar e correicional sobre magistrados de instâncias inferiores com competência criminal, ou podem rever atos administrativos que os beneficiem (art. 103-B, § 4º, II a IV, e art. 105, parágrafo único, II, da CF). Os membros do STJ ainda têm o poder de indicar desembargadores para compor o Tribunal. Mas a ascensão de desembargadores ao cargo de Ministro é excepcional e o poder de decisão do STJ é limitado – a Corte elabora lista tríplice, cabendo a decisão ao Presidente da República e ao Senado Federal (art. 104, parágrafo único, da CF). Os membros de Tribunal de segunda instância, por sua vez, podem ou não ter poder de decisão sobre questões funcionais do juiz de primeira instância competente para o julgamento. Membros de Tribunais Regionais do Trabalho, por exemplo, compõem ramo do Poder Judiciário que sequer tem competência criminal. Mesmo membros de tribunais com competência criminal podem incorrer em delitos que normalmente seriam da competência de outro ramo da justiça, ou de competência territorial de outro Tribunal. Afastada a prerrogativa de foro, um membro de Tribunal Regional Federal que comete um delito da competência da justiça estadual poderia ser julgado por juiz de direito; um desembargador de Tribunal de Justiça que comete delito em outro Estado, por juiz de direito vinculado a outro TJ. Juízes de primeira instância, por sua vez, não têm ascendência hierárquica sobre outros juízes. Caso afastada a prerrogativa de foro, o juiz será julgado por outro juiz de primeira instância. Portanto, do ponto de vista hierárquico, um igual. Do lado do Ministério Público, dentro do mesmo ramo da Instituição, os membros mais graduados têm poder de decisão sobre questões funcionais dos membros menos graduados, de forma semelhante ao que ocorre com os membros de Tribunal em relação aos juízes vinculados à Corte – art. 129, § 4º, da CF. Entre ramos diversos, a Constituição ressalta a autonomia administrativa – art. 127, § 2º, e art. 128. Apenas quando integram o Conselho Nacional do Ministério Público, os membros têm poder disciplinar e correicional sobre integrantes de outros ramos, ou podem rever atos administrativos que os beneficiem – art. 130-A, II a IV, da CF. Assim, um promotor poderia acusar um Subprocurador-Geral da República, sem que a independência venha a ser maculada pela subordinação funcional ao acusado. Uma peculiaridade do Ministério Público em relação aos magistrados é que a Constituição prevê a prerrogativa de foro no mesmo Tribunal de atuação e, portanto, atribui a membros de mesma hierarquia a competência para acusação. Assim ocorre com os Procuradores de Justiça (art. 96, III, da CF) e com os membros do Ministério Público da União que atuam perante Tribunais Superiores (art. 105, I, “a”, da CF). De resto, os argumentos expendidos quanto aos magistrados são aplicáveis aos membros do MP. Além da subordinação funcional, outros elementos contribuem para a dificuldade de uma instituição aplicar a lei penal aos seus membros. O corporativismo é uma preocupação real. A Emenda Constitucional 45/04 criou o Conselho Nacional de Justiça, o Conselho Nacional do Ministério Público e o Conselho da Justiça Federal, com funções disciplinares e correicionais, tendo em vista a percepção de que haveria leniência na punição interna corporis. Outro