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ARTES VISUAIS, HISTÓRIA E SOCIEDADE AULA 6 Profª Danielly Sandy 2 CONVERSA INICIAL A presente aula traz um texto intitulado Arte Contemporânea e trata sobre diferentes tópicos desta produção recente do campo das artes visuais. O recorte busca tratar primeiramente sobre a complexidade do contemporâneo, para, em seguida, tratar sobre performance, happening, arte conceitual, escultura contemporânea, intervenções urbanas e sobre a relação entre arte e tecnologia. Tudo isso nos permite melhor compreender a dinâmica da contemporaneidade no que se refere à criação e produção na arte. Assim, o objetivo desta aula é proporcionar ao leitor as ferramentas necessárias para adentrar o amplo e instigante universo da arte contemporânea. Para tanto, seguimos a seguinte sequência nos assuntos: • A complexidade do contemporâneo; • Performance; • Arte conceitual; • A escultura contemporânea e as intervenções urbanas; • Arte e tecnologia. A arte contemporânea, ou arte pós-moderna, tem início após a Segunda Grande Guerra Mundial. Trata-se de uma tendência estética do momento atual com elementos característicos de nossa sociedade, que vão desde os materiais empregados até as temáticas, reflexões e críticas propostas pelos artistas por meio das diferentes linguagens. A arte contemporânea também propõe investigações e descobertas por parte do artista, que passa a ser um pesquisador, experimentador e crítico. A arte contemporânea pode ser chamada de arte pós-moderna no sentido de romper com aspectos modernistas e ultrapassá-los no que se refere ao fazer artístico, muitas vezes substituindo a ideia, a proposta e o conceito. Com isso, torna-se um campo ainda mais fértil para a subjetividade e experimentações, em muitos casos, tanto por parte do artista como também do público. Além disso, a arte contemporânea possui grande envolvimento com o desenvolvimento tecnológico e suas reverberações nas sociedades. São tantas as possibilidades na arte contemporânea que podemos considerar que “o jovem artista de hoje já não precisa mais dizer “sou um pintor” ou “um poeta” ou “um dançarino”. Ele é simplesmente um “artista”” (Kaprow, 1958, citado por Dempsey, 2003). 3 Além do que tratamos nesse texto sobre alguns dos tópicos da arte contemporânea, devemos lembrar, ainda, das instalações, considerando que essas não apenas podem ser intervenções realizadas diretamente no espaço urbano e em outros espaços alternativos, mas também dentro dos museus e galerias. As instalações tanto podem ser obras específicas como também a própria exposição, o que permite tanto ao artista como ao curador inúmeras possibilidades de criação e proposição de interatividade ao público. Isso ocorre porque a maioria das instalações proporciona experiências únicas e sinestésicas envolvendo outros sentidos além da visão. As instalações na realidade brincam com o espaço, permitindo ao público vivenciar a obra e, ao mesmo tempo, evocar as suas memórias e experiências anteriores para serem correlacionadas com o que está sendo apresentado no presente. Não há como não se envolver com a obra. As instalações como uma forma de linguagem das artes visuais têm início com a exposição “Primeiros documentos do surrealismo”, realizada no ano de 1942, na cidade de Nova York, para a qual o artista dadaísta Marcel Duchamp foi convidado para ser o curador. Não obstante, Duchamp deu asas à sua imaginação para criar a sua obra por meio da exposição proposta pelos artistas surrealistas. Destacamos que Duchamp não estava expondo nenhuma obra nessa mostra, mas, ao realizar a curadoria, criou a sua obra intitulada “Milhas de barbante”. A obra em questão foi produzida por Duchamp quando este espalhou barbantes pelo espaço expositivo e entre as obras, amarrando fios pelos expositores e nos locais em que se encontravam os quadros pendurados, o que dificultou a passagem dos visitantes da mostra e também a visibilidade das pinturas. Como se não bastasse, ele ainda convidou um grupo de meninos para jogar bola entre os fios na abertura da exposição, promovendo constrangimento entre os artistas e visitantes, pois claramente o jogo oferecia riscos às obras expostas (O’Doherty, 2002). Nada mais justo que os artistas surrealistas se sentissem um tanto quanto incomodados com essa atitude do curador, considerando ainda que a exposição “Primeiros documentos do surrealismo” foi a segunda exposição para a qual ele foi convidado para ser curador. A primeira exposição para a qual Duchamp foi convidado como curadoria foi realizada em 1938, na cidade de Paris, sendo intitulada “Exposição Internacional do Surrealismo” e contando com a 4 participação de mais de 60 artistas de diferentes países e cerca de 300 obras expostas. Já nessa mostra, Duchamp pendurou sacos de carvão no texto, propondo mais uma possibilidade para o espaço expositivo (O’Doherty, 2002). Contudo, evidenciamos que muitas das ideias propostas por Marcel Duchamp ainda influenciam os artistas contemporâneos nas diferentes linguagens das artes visuais. O caráter ousado no que se refere à proposição de críticas, reflexões e questionamentos é outro item indispensável à arte contemporânea que se embasa teoricamente em conceitos que poderão subjetivamente sustentá-la. Assim, o que poderia ser considerado belo já não importa mais porque a intenção da arte contemporânea vai além da fruição, contemplação e deleite, pois se trata de uma arte que instiga e intui o pensar. TEMA 1 – A COMPLEXIDADE DO CONTEMPORÂNEO Também chamada pejorativamente como “arte vide bula”, a arte na contemporaneidade se tornou ainda mais complexa em sua base e compreensão. A subjetividade, frente às inúmeras possibilidades de criação por meio das diferentes linguagens, permite que artistas contemporâneos brinquem com os sentidos humanos. E não apenas a multiplicidade de linguagens, mas também de materiais e técnicas, convencionais ou não, incluindo matéria viva, reflete a liberdade que a arte assumiu desde o século XX. De acordo com Cocchiaralle: A arte contemporânea esparramou-se para além do campo especializado, construído pelo modernismo, e passou a buscar uma interface com quase todas as outras artes e, mais, com a própria vida, tornando-se uma coisa espraiada e contaminada por temas que não são da própria arte. (Cocchiaralle, 2006, p. 16) Entre as características principais da arte contemporânea, evidentemente destacamos a liberdade de expressão, pois, comparados a outros séculos, os séculos XX e XXI permitem aos artistas aberturas em diferentes campos. Além disso, a arte contemporânea trabalha com a fusão de diferentes estilos e técnicas permitindo que uma mesma obra possa ser composta por pintura, escultura, vídeo arte e tudo o mais que o arista queira inserir no espaço expositivo como sua obra. Isso evidencia o caráter híbrido da arte contemporânea, o qual multiplica ainda mais as possibilidades de criação para os artistas que também contam com oportunidades de intervenção e apropriação de outras obras já existentes e de outros artistas. 5 Obviamente, as críticas e questionamentos sociais sobre a própria arte e seus desdobramentos na sociedade são outra característica forte da arte contemporânea, que instiga para que o observador possa ir além do que está vendo ou sentindo com base em experiências sinestésicas. Isso porque a arte visual já não permanece somente no campo da visão, passando a permitir a expressão do artista pelo tato, pela audição, pelo olfato e pelo paladar. Figura 1 – Instalação O corpo me segue, de Ernesto Neto, no Museu Guggenheim, em Bilbao Créditos: Watch The World/Shutterstock. Assim, é fácil encontrarmos exposições diversas com propostas interativas em que o público pode ser convidado a participar da obra, interagir, aprender e até mesmo a recriá-la.Dessa forma, temos o conceito de obra aberta, que, quando empregado pelo artista, tal como o título já diz, realmente deixa a sua obra aberta para que possa passar por interferências e intervenções de quem quer que tenha interesse em recriar algo com base nela. O principal sentido da obra de arte é, pois, a sua capacidade de intervir no processo histórico da sociedade e da própria arte e, ao mesmo tempo, ser por ele determinado, explicitando, assim, a dialética de sua relação com o mundo. (Fusari; Ferraz, 1993, p. 105) 6 Figura 2 – Exposição na Galeria Nacional de Singapura, 2017, da artista Yayoi Kusama Créditos: KeongDaGreat/Shutterstock. Outro fator importante a ser elencado é o reconhecimento e uso do efêmero, ou seja, de materiais não considerados nobres no campo das artes visuais e passíveis de rápida degradação, como materiais orgânicos diversos e outros. Além disso, na contemporaneidade temos a valorização da ideia e conceito em detrimento do objeto em si, que poderá ser substituído por outro similar em qualquer momento a depender da obra e proposta do artista. Por fim, destacamos a ampliação das dimensões e possibilidades de uma obra, como as instalações e a apresentação da arte em espaços alternativos como a rua, e não somente nos museus e galerias. Na atualidade, há inúmeros artistas contemporâneos que podem ser destacados, cada qual com sua proposta, trazendo novidades e proposições diversas para o mundo da arte. 7 Figura 3 – Arco do Triunfo empacotado, em Paris, proposta contemporânea do artista Christo Créditos: Petr Kovalenkov/Shutterstock. TEMA 2 – PERFORMANCES A performance tem origem na década de 1950 e trata-se de uma linguagem bastante usada pelos artistas contemporâneos. A performance possui estreita ligação com o teatro e a body art (arte do corpo), a qual tem origem no final da década de 1960. E, com base no olhar de Glusberg (1987, p. 103), compreendemos que a performance não é um jogo e sim uma máquina simbólica, que na sua multiplicação artística aponta os caminhos do desenvolvimento corporal, utilizando os recursos mais cotidianos com os fins mais inéditos. Os observadores da body art são passíveis a todo o tipo de emoção, considerando o caráter múltiplo dessa linguagem que promove o voyeurismo, evocando diferentes reações emocionais. Da mesma forma, a performance trabalha diretamente com o corpo do artista, mas vai além do voyeurismo, pois permite ao público a sua participação a depender da proposta. Assim, observamos nessa linguagem artística o corpo em atuação, com uma proposta baseada em algum conceito ou algo que o artista queira comunicar ou mesmo investigar por meio de sua experiência performática. “A performance é primariamente comunicação corporal; a comunicação verbal ocupa um papel secundário nessa expressão de arte” (Glusberg, 1987, p. 117). 8 O artista performático faz uso de seu próprio corpo para apresentar a sua performance, podendo incluir ou não outros elementos e sujeitos. O performer vai conceituar, criar e apresentar sua performance, à semelhança da criação plástica. Seria uma exposição de sua ‘pintura viva’, que utiliza também os recursos da dimensionalidade e da temporalidade. (Cohen, 1989, p. 138) De acordo com Dempsey: A performance, fosse ela denominada ações, arte viva ou arte direta, permitiu aos artistas romper as fronteiras entre a mídia e as disciplinas, e entre a vida. A performance como um modo de expressão continuou a ganhar ímpeto durante o final da década de 60 e nos anos 70, assumindo com frequência a forma de body art. Desde então, além de explorar questões relevantes para o universo da arte, os artistas performáticos vêm criando uma obra que se referencia a questões sociológicas mais amplas de nossa época. (Dempsey, 2003, p. 222- 223) Entre as características da performance, destacamos o seu caráter híbrido por poder envolver diversas outras linguagens e formas de expressão. Além disso, é caraterístico de algumas performances o registro fotográfico, que permite ao artista expor as imagens em outros momentos. Além da performance, temos, ainda, o happening, o qual é realizado de forma mais espontânea e improvisada que a performance, a qual necessita, de certa forma, de um planejamento para ser executada. O happening trabalha diretamente com a imprevisibilidade, podendo ser realizado frente ao público e inclusive convidando o público para participar ativamente. E, ainda, essa linguagem não é realizada muitas vezes, pois depende do timing exato percebido pelo artista. “Os Happenings intervinham como um meio-termo prudente entre o teatro de vanguarda e a colagem” (O´Doherty, 2002, p. 48). Uma artista contemporânea que tem se destacado sobretudo por meio da linguagem performática é a sérvia Marina Abramovic, jocosamente considerada como a avó da performance. Sua obra performática tem início a partir da década de 1970 e investiga os limites do corpo, as relações entre o artista e o público, bem como as possibilidades da mente humana. 9 Figura 4 – Registro fotográfico de performance da artista Marina Abramovic Créditos: bibiphoto/Shutterstock. TEMA 3 – A ARTE CONCEITUAL A arte conceitual tem origem a partir da década de 1960 e se embasa no conceito para se valer como arte, podendo fazer uso de qualquer linguagem, material e técnica, efêmera ou não, desde que tenha uma base conceitual sólida. Assim, a arte conceitual se faz por meio da ideia, do pensamento proposto pelo artista, que, mediante isso, pode fazer ou não uso do efêmero a considerar que a sua ideia se sobrepõe a qualquer material empregado para a criação de sua obra. Com isso, é pretendido que a inteligência se sobreponha ao belo com essa proposta contemporânea, dando valor à arte como forma de se fazer pensar. Conforme aponta Dempsey sobre a arte conceitual: A arte conceitual surgiu como categoria ou movimento no final da década de 60 e no início da década seguinte. Também costuma ser designada como arte da ideia ou arte da informação e seu preceito básico é o de que as ideias ou conceitos constituem a verdadeira obra [...]. Em um exemplo mais extremado, a arte conceitual renuncia completamente ao objeto físico, usando mensagens verbais ou escritas para transmitir ideias. (Dempsey, 2003, p. 240) Mas também há obras conceituais que fazem uso de materiais nobres e de um resultado estético primoroso para se consolidarem, tais como a obra do artista inglês Damien Hirst, intitulada For the Love of God, feita por meio de platina, diamantes e dentes humanos. Por meio dessa obra, Hirst pretende trazer à tona reflexões acerca da morte, do luto e de seus desdobramentos, evocando a famosa frase bastante aplicada pelos artistas barrocos em suas obras no século XVI e XVII: Memento mori (morrerás um dia). 10 Obviamente, há obras cujo conceito está mais evidente para a sua existência do que a própria matéria do suporte que a permite existir. Vale destacar que toda a arte contemporânea é, de certa forma, conceitual em suas distintas e múltiplas linguagens. Uma obra conceitual bastante intrigante é a obra Merda d’artista, de 1961, proposta pelo artista italiano Piero Manzoni, o qual enlatou mecanicamente seus próprios excrementos para vender as latas ao preço da cotação diária do ouro. As latas ainda foram exportadas para diferentes países, e, por isso, podem apresentar rótulos em diferentes idiomas. O intuito de Manzoni era promover uma crítica tanto à arte conceitual como também à sociedade de consumo. Figura 5 – Latas de Merda de Artista em edição limitada, obra de Piero Manzoni Créditos: Dave Smith/Shutterstock. Outro artista contemporâneo em cuja produção artística, ideias e conceitos propostos podemos nos aprofundar mais é o chinês Ai Weiwei. Suas obras vão desde instalações e intervenções a objetos diversos,mas sempre com profundo e forte apelo crítico e conceitual. Suas críticas políticas ao sistema governamental totalitário da China já lhe renderam grandes problemas que acabaram se tornando sua inspiração para a produção de mais obras. Isso mostra o quanto a arte e ideias de um artista bem informado pode realmente incomodar aqueles que se apresentam frente ao poder. No ano de 2013, Ai Weiwei expôs na Tate Gallery, em Londres, a sua obra “Sunflower Seeds” (sementes de girassol) com cerca de 100 milhões de pequenas peças de porcelana pintadas a mão. Inicialmente, o público podia andar sobre as sementes, tocá-las, pegá-las e pular sobre elas. Porém, essa possibilidade de interação foi fechada ao público devido aos riscos à saúde em decorrência do pó que o atrito entre as peças poderia oferecer. 11 Figura 6 – Obra Sementes de girassol, de Ai Weiwei na Tate Gallery, em Londres, fechada ao público devido aos riscos que poderia trazer à saúde. Trata- se de 100 milhões de pequenas peças de porcelana pintadas a mão Créditos: Nando Machado/Shutterstock. TEMA 4 – A ESCULTURA CONTEMPORÂNEA E AS INTERVENÇÕES URBANAS A escultura contemporânea é livre em todos os sentidos, desde a técnica aos materiais e dimensões escolhidos pelo artista. Essas esculturas podem se transformar em elementos do espaço urbano, fazendo desse um espaço expográfico no qual o transeunte se torna observador do mundo e das obras que o rodeiam. Assim, muitas esculturas contemporâneas podem ir além dos espaços institucionalizados como museus e galerias, estando expostas também nos espaços alternativos, como ruas e centros urbanos. Assim, a escultura contemporânea também pode ser uma obra arquitetônica a depender da proposta do arquiteto, que pode compreender o seu projeto como uma obra de arte. Com isso, percebemos o quanto essa linguagem da arte contemporânea funciona como uma forma de intervenção. Em muitos locais, a escultura contemporânea se apresenta como elemento de contraste, propondo uma ideia ou crítica, além de seu resultado e qualidade estética. Dentre as mais famosas esculturas contemporâneas, podemos citar as extravagantes obras do artista norte-americano Jeff Koons. Suas esculturas gigantes são produzidas por meio da técnica de topiaria, o que parece bastante inusitado, ao mesmo tempo em que mostra a pluralidade de técnicas, as quais podem ser utilizadas pelos artistas contemporâneos. 12 O topiaria é uma técnica milenar de jardinagem que permite a modelagem de plantas e arbustos. A obra Puppy, de Koons, feita por meio da técnica de topiaria e medindo cerca de 16 metros de altura, apresenta a forma de um cachorro. Para essa obra, o artista produziu uma estrutura de ferro que pudesse ser revestida por flores e plantas naturais, sendo estas trocadas sempre que necessário. Figura 7 – Escultura de flores Puppy em frente ao Museu Guggenheim de Bilbaona, Espanha Créditos: BearFotos/Shutterstock. Outro exemplo do qual podemos lembrar ao citarmos as esculturas contemporâneas é o artista Rom Mueck, com suas obras hiper-realistas e de tamanhos não convencionais. Rom Mueck cresceu em meio à produção de marionetes e outros brinquedos, aprendendo desde cedo as técnicas de fabricação de bonecos para futuramente trabalhar com a produção de cenários. Mas foi a partir da década de 1990 que ingressou no mundo da arte com suas esculturas que propõem diferentes leituras, e, ao mesmo tempo, despertam distintas emoções em quem as observa, tanto pelo impacto do tamanho como pela similaridade com o real. 13 Figura 8 – Escultura hiper-realista Menino, de Ron Mueck Créditos: Lisaveya/Shutterstock. 4.1 Intervenções urbanas A arte contemporânea trabalha muito com a intervenção, promovendo a interferência visual, inclusive como forma de linguagem artística. Atualmente, a intervenção pode ser realizada em praticamente tudo, tanto em um objeto qualquer como em uma edificação, outra obra de arte e mais. Já na obra intitulada L.H.O.O.Q., de Marcel Duchamp, 1919, cuja leitura da sigla remete à frase em francês "Elle a chaud au cul" (Ela tem o rabo quente), podemos identificar uma reprodução da imagem da obra da Mona Lisa, de autoria de Leonardo da Vinci, como referência visual, mas com um bigode desenhado pelo artista dadaísta. Trata-se de uma intervenção de Duchamp na imagem em questão, provocando questionamentos sobre o que ela representa visualmente e no mundo da arte. De forma geral, as intervenções na arte surgem a partir da década de 1970, visando aos espaços expositivos não convencionais, ou seja, extramuros dos museus, galerias, centros culturais e qualquer outro espaço institucionalizado para a prática da realização de mostras expositivas. As intervenções visam, além do mais, à transformação da vida cotidiana e vêm ganhando cada vez mais espaço no cenário urbano por meio de manifestações, como street art em geral, como o grafite, as colegas e o lambe-lambe, as instalações de objetos, a apresentação de performances em determinado cenário para contextualizar ou intervir de alguma forma, e a realização de happenings. 14 Dentre os inúmeros exemplos de instalações artísticas, podemos evidenciar a obra do artista Ai WeiWei, exposta no ano de 2016, na Konzerthaus, na cidade de Berlim, na Alemanha. Para a concretização dessa obra, Ai Weiwei expôs cerca de 14 mil coletes salva-vidas encontrados por ele na Ilha de Lesbos, na Grécia. A intenção era mostrar a trágica situação da crise de 2015 dos refugiados que tentavam escapar pelo Mar Mediterrâneo, considerando, ainda, que somente a Alemanha estimou que cerca de 800 mil pessoas tenham solicitado asilo nesse período. Figura 9 – Instalação na cidade de Berlim. Obra política mostrando a crise dos refugiados por Ai Weiwei Créditos: 360b/Shutterstock. Dentre as mais famosas intervenções artísticas do mundo está a “Cow Parade” (Parada da Vaca), com a intenção de democratizar a arte, permitindo e estabelecendo um diálogo entre a arte contemporânea e o espaço urbano. Assim, as reproduções em fibra de vidro da escultura de uma vaca, de autoria do artista suíço Pascal Knapp, puderam ser espalhadas por diferentes cidades do mundo todo, sendo pintadas por artistas locais. Com isso, apesar de observarmos a mesma reprodução escultórica, nos deparamos com diferentes resoluções pictóricas no mundo todo. Figura 10 – Cow Parade em Atenas, na Grécia Créditos: Theastock/Shutterstock. 15 Outra linguagem urbana de destaque que tem se difundido muito desde a década de 1970 é o grafite. O grafite hoje permite que as paredes e muros das cidades se tornem arte por meio de imagens e letras específicas. Trata-se de uma arte produzida tanto em locais públicos como privados e de acesso ao coletivo. Entretanto, com origem em Nova York, inicialmente o grafite tratava mais de uma forma de expressão urbana por meio da qual adultos e crianças se manifestavam, passando a se desenvolver em termos de técnicas e pictóricos até os dias atuais. O grafite não surgiu isoladamente como tentativa de manifestação artística, mas sim como uma forma de expressão do movimento cultural norte- americano hip hop, com origem na década de 1960, o qual buscava dar voz aos membros das periferias. Não obstante, o hip hop é um movimento cultural das ruas por meio do qual os integrantes buscavam apresentar suas reações frente aos problemas de desigualdade social e violência urbana com as classes sociais marginalizadas. Com isso, o hip hop se difundiu na música, na moda, na dança, bem como nas artes visuais, seguindo o que é chamado de freestyle, ou estilo livre. Figura 11 – 'CCTV‘, grafite em Londres, de Banksy Créditos: Jeremy Reddington/Shutterstock. Vale destacar que a inscrição de informações, expressões ou críticas como forma de manifestação urbanavem desde o Império Romano. Um exemplo são as inscrições nas ruínas de Pompeia, por meio das quais hoje se estuda o latim vulgar. Tais inscrições mostram desde o descontentamento social e político por parte da população da época até expressões sentimentais e declarações amorosas. 16 Em meio a muitas polêmicas, a linguagem do grafite é defendida por muitos como arte urbana, porém, é também atacada por alguns que a consideram pichação, ou seja, uma forma de vandalismo e depredação do patrimônio público ou privado. Assim, para que uma obra de grafite possa ser realizada, é necessário que artista e proprietário, ou responsável pelo local, estejam em comum acordo. Dentre os principais grafiteiros, podemos destacar Jean-Michel Basquiat (1960-1988), Keith Haring (1958-1990), Alex Vallauri (1949-1987), Banksy, Aryz, Chris Ellis (Daze), Os gêmeos (Irmãos Pandolfo), Eduardo Kobra, Frank Shepard Fairey e outros. Figura 12 – Retrato do arquiteto brasileiro Oscar Niemeyer em grafite na Avenida Paulista, em São Paulo, por Eduardo Kobra Créditos: MAR Photography/Shutterstock. TEMA 5 – ARTE E TECNOLOGIA Conforme mencionado anteriormente, a arte contemporânea permitiu que os artistas trabalhassem com múltiplas técnicas e linguagens. Além disso, com os avanços tecnológicos, a arte passou a contar também com mais possibilidades. Tal relação mostra o quanto a arte está relacionada à sociedade e aos desdobramentos de seu tempo, não podendo se desligar da realidade e de acontecimentos diversos. Isso deu origem a mais linguagens e formas de expressão, além da ampliação no que se refere ao hibridismo. Para Machado (2007, p. 24): 17 As técnicas, os artifícios, os dispositivos de que se utiliza o artista para conceber, construir e exibir seus trabalhos não são apenas ferramentas inertes, nem mediações inocentes, indiferentes aos resultados, que se poderiam substituir por quaisquer outras. Eles estão carregados de conceitos, eles têm uma história, eles derivam de condições produtivas bastante específicas. A artemídia, como qualquer arte fortemente determinada pela mediação técnica, coloca o artista diante do desafio permanente de, ao mesmo tempo em que se abre às formas de produzir do presente, contrapor-se também ao determinismo tecnológico, recusar o projeto industrial já embutido nas máquinas e aparelhos, evitando assim que sua obra resulte simplesmente num endosso dos objetivos de produtividade da sociedade tecnológica. (Machado, 2007, p. 24) Conforme as evoluções tecnológicas, as linguagens artísticas se ampliam ao mesmo tempo em que não estão limitadas ao uso dos equipamentos tecnológicos, pois também contam com os conceitos e outras possibilidades que a tecnologia é capaz de oferecer. Das artes diretamente relacionadas à tecnologia, podemos evidenciar as principais: • Videoarte: tem início na década de 1960 e usa a tecnologia e o vídeo como suporte para a criação; • Web art ou internet art: realiza-se por meio da interatividade na web, sendo uma produção artística realizada entre usuários da internet; • Arte multimídia: congrega múltiplas mídias para a produção de uma obra; • Computer art: trata-se de uma produção por meio da aplicação de técnicas computacionais no âmbito da arte e estética; • Virtual art: produzida a partir da década de 1980, envolve jogos de vídeo game, filmes e animações, trabalhando com a realidade virtual, aumentada e mista; • Video mapping: projeção em grandes dimensões e em superfícies irregulares diversas, como edifícios e construções nos espaços urbanos; • Arte digital: produzida por meio de técnicas gráficas computacionais; • Arte holográfica: projeção de imagens artísticas em formato holográfico. 18 Figura 13 – Festival das luzes de Berlim, projeção de vídeo mapping na Catedral de Berlim Créditos: Peeradontax/Shutterstock. Sobre a videoarte, essa linguagem tem início na década de 1960, a partir da qual o vídeo se torna elemento fundamental, promovendo a interação entre a imagem e o observador da obra. A intenção dos primeiros artistas da videoarte era se contrapor à mídia televisiva com suas práticas comerciais e massificadoras. Com isso, identificamos uma forte crítica à televisão e a tudo que pudesse estar relacionado a ela. Os primeiros videoartistas fundiram as teorias da comunicação global com elementos da cultura popular para realizar vídeos, instalações que usavam um canal ou multicanais, produções com transmissões de satélites internacionais e esculturas multimonitoradas. (Dempsey, 2003, p. 258). Para além dessas críticas, a vídeo arte ainda propunha uma forte reflexão acerca das imagens, seu uso e também sobre a história da arte. Um dos principais artistas da videoarte é o artista sul-coreano Nam June Paik (1932-2006), o qual, “em particular, submeteu a televisão a seu espírito irreverente, declarando: ‘Torno a tecnologia como ridícula’” (Dempsey, 2003, p. 258). No ano de 1963, Paik criou uma obra com 13 aparelhos de TV objetivando propor uma análise por meio das possíveis distorções imagéticas. A intenção era fazer uso dos defeitos e problemas de transmissão para a realização de sua obra e também de uma performance. 19 Figura 14 – Instalação para TV, obra do videoartista sul-coreano Nam June Paik Créditos: Gina Smith/Shutterstock. NA PRÁTICA Tendo como base o que aprendemos nesta aula: • Realize uma visita a um museu ou galeria de arte contemporânea, mas também pode ser uma visita virtual; • Escolha um artista contemporâneo que apresente uma produção visual que mais desperte o seu interesse; • Faça uma pesquisa sobre a produção visual desse artista buscando aprender ao máximo sobre sua poética; • Selecione uma obra desse artista e escreva um texto crítico destacando os principais elementos visuais; • Procure outras referências, ou seja, autores que já trataram sobre a obra desse artista ou de artistas que trabalham com a mesma poética ou resultado estético; • Após escrever o seu texto, verifique a possibilidade de publicá-lo em um evento científico de artes visuais. 20 FINALIZANDO Nesta aula, começamos aprendendo sobre a complexidade do contemporâneo e, consequentemente, da arte contemporânea com suas características principais e seus questionamentos críticos e reflexivos sobre tantas questões da sociedade. Em seguida, aprendemos sobre o que são performances com sua influência do teatro, seus desdobramentos, como o happening, e suas características principais, como a imprevisibilidade. Seguimos para a arte conceitual, compreendendo o início na década de 1960, a qual abre mão de elementos materiais usados como suporte para a criação e produção das obras visuais, dando maior ênfase a ideias obra e conceitos obra. Com isso, verificamos sobre todo um universo que se abre, pois, assim, a arte passa a questionar a sua própria produção, resultando em questionamentos que tratam sobre a liberdade de uma obra para ser efêmera. Na sequência, passamos para a escultura contemporânea e suas tantas possibilidades, incluindo o espaço vazio, além das intervenções urbanas e suas múltiplas possibilidades. Por fim, tratamos sobre arte e tecnologia, incluindo artistas que trabalham com diferentes mídias em suas propostas visuais, como videoarte, vídeo mapping etc. 21 REFERÊNCIAS ARGAN, G. C. Arte moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. COCCHIARALLE, F. Quem tem medo da Arte Contemporânea. Recife: Massangana, 2006. COHEN, R. Performance como Linguagem. São Paulo: Perspectiva, 1989. DEMPSEY, A. Estilos, escolas e movimentos. São Paulo: Cosac e Naify, 2003. FUSARI, M. F. R.; FERRAZ, M. H. C. T. Arte na Educação Escolar. São Paulo: Cortez, 1993. GLUSBERG, J. A Arte da Performance. São Paulo: Perspectiva, 1987. MACHADO, A. Arte e mídia: aproximações e distinções. v. 2, n. 4. Riode Janeiro: Zahar, 2007. O’DOHERTY, B. No interior do cubo branco: a ideologia do espaço da arte. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
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