Buscar

Construtivismo nas Relações Internacionais

Prévia do material em texto

Construtivismo
Fundamentos do Construtivismo
O construtivismo analisa o sistema internacional como um espaço que deve ser observado como socialmente construído. Essa visão se refere à natureza da realidade e à natureza do conhecimento que também são chamados de ontologia e epistemologia na linguagem da pesquisa.
Alexander Wendt (1995) oferece um excelente exemplo que ilustra a construção social da realidade ao explicar que 500 armas nucleares britânicas são menos ameaçadoras para os Estados Unidos do que cinco armas nucleares norte-coreanas. É esse entendimento compartilhado (ou intersubjetividade) a base de suas interações.
Alexander Wendt.
post_add
Saiba mais
Os construtivistas argumentam que a agência e a estrutura são mutuamente constituídas, o que implica que as estruturas influenciam a agência e que a agência influencia as estruturas. A agência pode ser entendida como a capacidade de alguém agir, enquanto a estrutura se refere ao sistema internacional que consiste em elementos materiais e ideológicos.
Voltando ao exemplo de Wendt, isso significa que a relação social de inimizade entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte representa a estrutura intersubjetiva ― ou seja, as ideias e crenças compartilhadas entre os dois países ―, enquanto os Estados Unidos e a Coreia do Norte são os atores que têm a capacidade ― isto é, agência ― de mudar ou reforçar a estrutura existente ou a relação social de inimizade. Essa mudança ou reforço depende, em última análise, das crenças e ideias mantidas por ambos os Estados. Se essas crenças e ideias mudarem, o relacionamento social pode mudar para uma conexão de amizade.
O então vice-presidente dos EUA, Joe Biden, cumprimentando o primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, na Casa Branca russa, em Moscou, Rússia, em 10 de março de 2011.
Ditador da Coreia do Norte, Kim Jong-un, cumprimentando o então presidente dos EUA, Donald Trump, durante a cúpula de Cingapura, na ilha de Sentosa, em 12 de junho de 2018.
Essa postura difere consideravelmente da dos realistas, que defendem que a estrutura anárquica do sistema internacional determina o comportamento dos Estados. Os construtivistas, por outro lado, argumentam que a “anarquia é o que os Estados fazem dela” (WENDT, 1992).
Isso significa que a anarquia pode ser interpretada de diferentes maneiras, dependendo do significado que os atores atribuem a ela.
Outra questão central para o construtivismo são as identidades e os interesses. Essa escola das Relações Internacionais argumenta que os países podem ter múltiplas identidades que são socialmente construídas por meio da interação com outros atores. As identidades são representações da compreensão de um ator sobre quem ele é, o que, por sua vez, sinaliza seus interesses. E as identidades constituem interesses e ações. Deve-se notar, porém, que as ações de um Estado devem estar alinhadas com sua identidade. As normas sociais também são centrais para o construtivismo. Essas são geralmente definidas como:
[...] um padrão de comportamento apropriado para atores com uma determinada identidade.
(KATZENSTEIN, 1996, p. 5)
Espera-se que os Estados que se conformam a uma determinada identidade cumpram as normas associadas a essa identidade. Essa ideia vem com a expectativa de que alguns tipos de comportamento e ação são mais aceitáveis do que outros. Esse processo também é conhecido como a lógica da adequação, na qual os atores se comportam de certas maneiras porque acreditam que esse comportamento é apropriado (MARCH; OLSEN, 1998).
Limitações do Construtivismo
Variações e limites da teoria construtivista
Embora todos os construtivistas compartilhem as visões e os conceitos anteriormente mencionados, há uma variedade considerável dentro dessa escola teórica. Os construtivistas convencionais fazem perguntas do tipo “o que leva um ator a agir?”. Eles acreditam que é possível explicar o mundo em termos causais e estão interessados em descobrir as relações entre:
groups
Atores
gavel
Normas sociais
account_tree
Interesses
fingerprint
Identidades
Os construtivistas convencionais assumem, por exemplo, que os atores agem de acordo com sua identidade e que é possível prever quando essa identidade se torna visível ou não. Além disso, os construtivistas investigam quais fatores causaram a mudança de determinada identidade. Nessa mesma lógica, autores construtivistas considerados críticos se concentram em perguntas do tipo “como os atores passam a acreditar em certa identidade?”. Os construtivistas críticos querem reconstruir uma identidade ― ou seja, descobrir quais são suas partes componentes ― que eles acreditam que são criadas pela comunicação escrita ou falada entre os povos.
A linguagem desempenha um papel fundamental para os construtivistas críticos porque constrói e tem a capacidade de mudar a realidade social.
Entre as críticas feitas a essa abordagem, podemos encontrar que não se trata realmente de um modelo teórico, mas existe mais como um conjunto de conceitos atrelados a ideias e entendimentos individuais que são passíveis de mudança. De fato, uma das premissas básicas do construtivismo é a necessidade de abordar a mudança estrutural. Uma vez que a própria base da abordagem está ligada à dinâmica, surgem questões sobre como explicar essas transformações. Enquanto os construtivistas valorizam as estruturas sociais que compõem os Estados-nação e o sistema internacional, a abordagem levanta questões sobre o que muda essas estruturas e o que essas mudanças significam para o sistema internacional.
Bombardeios russos em Kiev, Ucrânia, em 24 de fevereiro de 2022.
Se um dos objetivos da teoria é descrever, explicar e prever, outra crítica que pode ser feita aos construtivistas é que, se identidades e percepções podem mudar ao longo do tempo, como podemos prever o que pode acontecer?
Os construtivistas podem reconhecer o fato de que identidades e interesses estão sempre evoluindo por meio do processo de interação com os outros. Mas isso torna essa abordagem menos útil para tentar determinar o que pode acontecer devido ao número de variáveis que essa abordagem teórica leva em consideração.
Embora reconheça que esses estão sempre em fluxo, a abordagem pouco pode nos ajudar a entender de onde eles vêm ou mesmo como eles evoluem. Essa abordagem trouxe uma contribuição importante para o campo, no entanto, ao reforçar as incertezas e complexidades da compreensão das Relações Internacionais, reconhecendo o fato de que existem dinâmicas que podem mudar e mudam, e fornecendo certas diretrizes e premissas que nos ajudam a lidar com esses muitos fatores.
Aplicando a teoria construtivista
Estudo de caso: Construtivismo e os interesses nacionais do Butão
O Butão é um reino budista localizado no Himalaia, com condições estruturais e materiais que se refletem nas suas capacidades: tem uma população de aproximadamente 745 mil habitantes, um território que soma 38.394 quilômetros quadrados, uma economia fraca e um exército muito pequeno.
Além disso, o Butão compartilha uma fronteira nacional com as duas maiores potências da Ásia: a China no norte e a Índia no sul. A localização do Butão é geograficamente sensível, pois o país serve como um Estado-tampão entre essas grandes potências, que se percebem como rivais.
Timbu, capital do Butão.
Somam-se a esses aspectos o fato de o governo chinês ter afirmado, após anexar o Tibete na década de 1950, que o território do Butão também fazia parte de seu continente. Até o momento, mantém-se uma disputa de fronteira entre o Butão e a China e há relatos de que o exército chinês faz regularmente inúmeras incursões no país. Da mesma forma, a Índia participa ativamente da política externa do Butão: o artigo 2 do Tratado de Amizade Índia-Butão (1949) observa que o Butão concorda em ser guiado pelo conselho da Índia nas suas relações externas. Embora esse artigo tenha sido revisado em 2007, especialistas reforçam que a Índia ainda detém um grau de influência sobre o país.
Bandeiras do Butão e da Índia.
De uma perspectiva realista, pode-se argumentar que o Butãoestá em uma posição desfavorável, pois é prejudicado por sua localização geográfica e não pode competir pelo poder com seus vizinhos (UPRETI, 2005). A preservação de sua soberania nacional provavelmente dependeria do resultado da maior competição entre China e Índia. Uma visão construtivista, por outro lado, argumenta que essas condições estruturais não necessariamente restringem a capacidade do Butão de perseguir seus interesses nacionais, uma vez que não são as únicas condições que influenciam o comportamento do Estado: o significado dado a essas condições estruturais também importa.
extension
Exemplo
Quando o Tibete foi anexado pela China, o Butão se sentiu ameaçado. Como resultado, fechou sua fronteira ao norte e se voltou para a Índia, seu vizinho ao sul. A partir desse momento, o Butão percebeu a China como uma ameaça potencial e a Índia como um aliado. Essas relações sociais representam a estrutura ideacional que se originou do significado dado à estrutura material. É importante notar, no entanto, que as relações sociais estão sujeitas a mudanças, dependendo das ideias, crenças e ações do Butão, da Índia e da China. Essa mudança pode levar ao estabelecimento de um relacionamento oficial, cuja natureza é a amizade e não a inimizade.
O Butão também desenvolveu uma identidade nacional distinta que o diferencia de seus vizinhos maiores. Essa identidade projeta o Butão como o último reino budista Mahayana independente sobrevivente do mundo. O uso da palavra independente refere-se diretamente ao interesse nacional do Butão ― a preservação de sua soberania nacional.
A identidade nacional do país é socialmente construída por meio de um processo que começou na década de 1980, quando o quarto rei do Butão introduziu a política “Uma Nação, Um Povo”. Essa política exigia a observância de um código de conduta conhecido como Driglam Namzha, que pode ser pensado como uma norma reguladora porque o objetivo da política é direcionar e restringir o comportamento. Por exemplo, embora a identidade nacional sugira homogeneidade, o Butão é na verdade um país multiétnico, multirreligioso e multilíngue. Existem três grupos étnicos principais:
Ngalongs
São descendentes de tibetanos e são budistas, religião estatal do Butão, que falam a lígua oficial do país, o Dzongkha.
Sharchhops
São descendentes do povo indo-birmanesassim, são budistas qua falam Tshangla, muito próxima do Dzongkha.
Lhotshampas
São descendentes de nepaleses e são principalmente hindus que falam a língua nepalesa.
A política teve consequências graves para os Lhotshampas, pois o nepalês não era mais ensinado nas escolas e as pessoas que não podiam comprovar residência no Butão antes de 1958 foram classificadas como nacionais. Consequentemente, milhares de Lhotshampas foram expulsos do Butão na década de 1990. Assim, o código de conduta é usado pelas autoridades butanesas para criar unidade cultural e estimular os cidadãos a refletir sobre sua distinção cultural, o que é primordial na criação de uma identidade nacional. No caso do Butão, podemos testemunhar a primeira fase, o surgimento da norma, na criação do Driglam Namzha pelas autoridades butanesas. A segunda fase, a aceitação da norma, exigia que os cidadãos butaneses aceitassem o Driglam Namzha, incluindo o traje nacional e o Dzongkha como idioma nacional. Uma vez que essa aceitação ocorreu, aconteceu a internalização da norma. A conclusão desse processo implica que o comportamento dos cidadãos butaneses seja circunscrito por essas regras e práticas. Essa circunscrição também mostra a natureza constitutiva do Driglam Namzha, que criou novos atores.
extension
Exemplo
Podemos ver que essas normas e práticas estão regulamentadas até o momento. Os cidadãos butaneses são obrigados a usar o traje nacional durante eventos e quando frequentam a escola ou o trabalho. Esse regulamento é, como explicado anteriormente, importante porque o comportamento de um Estado e de seus cidadãos deve cumprir as normas associadas à identidade nacional do Butão. O regulamento também significa que essas normas são percebidas como algo positivo pelas autoridades butanesas, o que ressalta a natureza prescritiva das normas.
Monge budista dançando durante o festival anual Paro Tshechu.
Membros da elite butanesa também criaram uma segunda identidade, que projeta o Butão como líder no avanço de um paradigma de desenvolvimento holístico e sustentável. Essa identidade é baseada na filosofia de desenvolvimento do Butão, a Felicidade Nacional Bruta (FNB), que critica a conhecida abordagem do Produto Interno Bruto (PIB) por ser exclusivamente focada na economia de um Estado. Em vez disso, o FNB promove um equilíbrio entre o bem-estar material e as necessidades espirituais da mente. Ele é implementado e incorporado nos sistemas políticos e educacionais do Butão, com membros da elite butanesa usando predominantemente as Nações Unidas como plataforma para promover a ideia internacionalmente.
Posteriormente, as Nações Unidas adotaram a Resolução 65/309, que afirma que a busca da felicidade é um objetivo fundamental ― e que o indicador do Produto Interno Bruto não reflete adequadamente o bem-estar das pessoas.
text_snippet
Resumindo
Projetar seu país como o último reino budista Mahayana independente sobrevivente no mundo e como líder no avanço de um paradigma de desenvolvimento holístico e sustentável permite que as autoridades butanesas sinalizem o status de seu país como um estado soberano independente. Também permite que o Butão aumente sua visibilidade internacional, o que é vantajoso quando as tensões aumentam com e entre seus vizinhos.
image7.jpeg
image8.jpeg
image9.jpeg
image10.jpeg
image11.jpeg
image1.jpeg
image2.jpeg
image3.jpeg
image4.jpeg
image5.jpeg
image6.jpeg

Continue navegando