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DIREITOS REAIS

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1
MATERIAL DE APOIO 
DIREITO CIVIL 
DIREITOS REAIS 
 
 
Apostila 01 
Prof.: Pablo Stolze Gagliano 
 
 
1. Introdução 
 
Os Direitos Reais ou Direito das Coisas, enquanto ramo do Direito Civil, 
traduzem o conjunto de normas e princípios reguladores das relações 
jurídicas referentes às coisas suscetíveis de apropriação pelo homem, 
segundo uma finalidade social.1 
 
Sob outra perspectiva, com fundamento na doutrina do professor 
ARRUDA ALVIM, poderíamos enumerar as seguintes características dos 
direitos reais, para distingui-los dos direitos de natureza pessoal2: 
 
a) legalidade ou tipicidade – os direitos reais somente existem 
se a respectiva figura estiver prevista em lei (art. 1225, CC-
02 e arts. 524 e 674, CC-16); 
b) taxatividade – a enumeração legal dos direitos reais é 
taxativa, ou seja, não admite ampliação pela simples 
vontade das partes; 
c) publicidade – primordialmente para os bens imóveis, por se 
submeterem a um sistema formal de registro, que lhes 
imprime esta característica; 
 
1 Sobre a introdução à matéria e temas correlatos, vale a pena a leitura do excelente livro 
Direito das Coisas – vol. 4, FLÁVIO TARTUCE e JOSÉ SIMÃO, Ed. Método. Outra excelente e 
atualizada obra que também recomendamos é a de CRISTIANO CHAVES e NELSON 
ROSENWALD, Direitos Reais, pela Ed. Lumen Juris. 
 
2 ALVIM, Arruda. Confronto entre Situação de Direito Real e de Direito Obrigacional. 
Prevalência da Primeira, Prévia e Legitimamente Constituída – Salvo Lei Expressa em 
Contrário. Parecer publicado na Revista de Direito Privado, vol. 1, janeiro/março de 2000. 
São Paulo: RT, 2000, págs. 103/106. 
 2
d) eficácia erga omnes – os direitos reais são oponíveis a todas 
as pessoas, indistintamente. Ressalte-se, outrossim, que 
esta eficácia erga omnes deve ser entendida com ressalva, 
apenas no aspecto de sua oponibilidade, uma vez que o 
exercício do direito real – até mesmo o de propriedade, mais 
abrangente de todos – deverá ser sempre condicionado 
(relativizado) pela ordem jurídica positiva e pelo interesse 
social, uma vez que não vivemos mais a era da ditadura dos 
direitos3; 
e) inerência ou aderência –o direito real adere à coisa, 
acompanhado-a em todas as suas mutações. Esta 
característica é nítida nos direitos reais em garantia 
(penhor, anticrese, hipoteca), uma vez que o credor 
(pignoratício, anticrético, hipotecário), gozando de um 
direito real vinculado (aderido) à coisa, prefere outros 
credores desprovidos desta prerrogativa; 
f) seqüela – como conseqüência da característica anterior, o 
titular de um direito real poderá perseguir a coisa afetada, 
para buscá-la onde se encontre, e em mãos de quem quer 
que seja. É aspecto privativo dos direitos reais, não tendo o 
direito de seqüela o titular de direitos pessoais ou 
obrigacionais; 
 
 
 
2. Posse 
 
 Teorias Fundamentais da Posse 
 
Savigny – Sua teoria é simples. A posse consiste no poder exercido sobre 
determinada coisa, com a intenção, o propósito, de tê-la para si. Seu 
conceito pode ser decomposto em dois elementos: animus (a intenção de 
 
3 Nesse sentido, já advertia DUGUIT: “A propriedade não é mais o direito subjetivo do 
proprietário; é a função social do detentor da riqueza”. (DUGUIT, Leon. Las 
Transformaciones Generales del Derecho Privado. Madri: Ed. Posada, 1931, pág. 37). 
 3
domínio, a vontade de ter a coisa como sua) e corpus (o poder, o contato 
direito sobre a coisa, a apreensão física da “res”). Por ser carregada de 
subjetivismo, esta teoria foi duramente criticada por Ihering. Ademais, não 
explicava bem a posse indireta, eis que a noção de “corpus” não estaria 
nítida. A despeito de suas falhas, indiscutivelmente, esta teoria influenciou- 
e influencia – inúmeros sistemas no mundo. 
 
Ihering – Seu pensamento é um pouco diferente. A posse não precisaria 
ser decomposta em dois elementos, pois o corpus não seria requisito 
independente. Seria um elemento implícito. Posse é, simplesmente, em 
uma análise objetiva, a exteriorização da propriedade. Em outras palavras, 
possuidor é a pessoa que exerce poderes de proprietário, imprimindo 
destinação econômica à coisa. Por considerar irrelevante a prova do animus 
– intenção de ter a coisa como sua -, esta teoria conseguiu explicar, de 
maneira bem mais satisfatória, a posse indireta. 
 
Segundo a professora Mariana Santiago, países que sofreram influência do 
direito romano, como França, Portugal, Itália, Espanha, Argentina seguiram 
a teoria subjetiva de Savigny. Já países como Alemanha, Suíça, China, 
México e Peru optaram pela teoria objetiva de Ihering (“Teoria Subjetiva da 
Posse”, a fonte é o excelente site: www.jus.com.br). 
 
O Código Civil Brasileiro, ao regular a posse, em seu art. 1196, optou, em 
nosso sentir, pela teoria objetiva (constitucionalmente reconstruída 
com base no princípio da função social), mas, em diversos dispositivos, 
deixa-se influenciar pela corrente saviniana, a exemplo da disciplina da 
usucapião (vide, v.g., no art. 1238, a referência inequívoca feita ao animus: 
“possuir como seu”). 
 
Kohler – A posse seria um instituto social, admitida para garantir a paz 
social (tb. referida por Beviláqua, in “Direito da Coisas”). Trata-se de teoria 
sem a importância das anteriores. Em nosso sentir, identifica-se com a 
própria finalidade do direito que é, exatamente, a garantia de pacificação 
social. 
 
 4
Questões Especiais de Concurso: 
 
1. O que é o “fâmulo da posse”? 
Trata-se do mero detentor da coisa, aquele que conserva a posse em nome 
de outrem (com mero animus detinendi), a exemplo do motorista particular 
ou do bibliotecário (art. 1198). 
Há, vale observar, entendimento no STJ, no sentido de que a ocupação em 
área pública traduz mera detenção: 
 
MANUTENÇÃO DE POSSE. OCUPAÇÃO DE ÁREA PÚBLICA, ADMINISTRADA 
PELA “TERRACAP – COMPANHIA IMOBILIÁRIA DE BRASÍLIA”. 
INADMISSIBILIDADE DA PROTEÇÃO POSSESSÓRIA. 
– A ocupação de bem público não passa de simples detenção, caso em que 
se afigura inadmissível o pleito de proteção possessória contra o órgão 
público. 
– Não induzem posse os atos de mera tolerância (art. 497 do Código 
Civil/1916). Precedentes do STJ. 
Recurso especial conhecido e provido. 
(REsp 489.732/DF, Rel. Ministro BARROS MONTEIRO, QUARTA TURMA, 
julgado em 05.05.2005, DJ 13.06.2005 p. 310) 
 
Analisando a detenção, CRISTIANO CHAVES e NELSON ROSENVALD, em 
bela obra, observam: 
 
“Perlustrando essa trilha, nota-se, então, que o capataz de uma fazenda, 
como servidor da posse que é, não concede destinação econômica à coisa”.4 
 
2. O que é “constituto possessório”? 
Trata-se da operação jurídica que altera a titularidade na posse, de maneira 
que, aquele que possuía em seu próprio nome, passa a possuir em nome de 
outrem (Ex.: eu vendo a minha casa a Fredie, e continuo possuindo-a, 
como simples locatário). Contrariamente, na traditio brevi manu, aquele 
que possuía em nome alheio, passa a possuir em nome próprio (caso do 
locatário, que adquire a propriedade da coisa locada). 
 
4 Direitos Reais, 6ª ed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, pág. 75. 
 5
 
3. O que é “auto-tutela da posse”? 
Trata-se de meio legítimo de auto-defesa, exercido segundo o princípio da 
proporcionalidade, operando-se em duas situações: legítima defesa e 
desforço incontinenti. Tais atos de defesa devem ser moderados, e 
mediante o uso de meios necessários. A sua disciplina é feita no art. 1210, 
parágrafo primeiro do Código Civil. 
 
 4. O que é “interversão da posse”? 
Tal expressão traduz a transformação ou a inversão no título a posse, como 
se dá na hipótese de o possuidor precário (titular de uma posse “de favor”) 
passar a atuar na qualidade de legítimo proprietário. 
Confira-se, a respeito, o enunciado 237, da III Jornada: 
 
237– Art. 1.203: É cabível a modificação do título da posse – interversio 
possessionis – na hipótese em que o até então possuidor direto demonstrar 
ato exterior e inequívoco de oposição ao antigo possuidor indireto, tendo 
por efeito a caracterização do animus domini. 
 
5. O que é “patrimônio de afetação”? 
 
Segundo Hércules Aghiarian, “Este novo sistema de direito real de garantia 
oferece oportunidade ao incorporador para destacar de seu patrimônio, ou 
de terceiros parceiros, um conjunto de bens que será reconhecido como 
patrimônio autônomo. Constituído pelos recursos obtidos com a 
comercialização das futuras unidades, pelas benfeitorias a serem agregadas 
a suas receitas, ou mesmo o próprio imóvel sobre o qual venha a ser 
edificada a incorporação. Este patrimônio constituído responderá, quando 
necessário, por quebras e outras indenizações surgentes por culpa do 
incorporador, em favor dos referidos promitentes-compradores, ficando 
imune, aliás, às responsabilidades pessoais daquele, como se verá” (fonte: 
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6408). 
 
 6
Consagrado na Lei nº 10.931/04, o patrimônio de afetação visa a imprimir 
maior segurança jurídica nas relações travadas no âmbito do mercado 
imobiliário, especialmente em favor do consumidor. 
 
Neste sentido, informa o site Precisão Consultoria: 
 
“Esta medida se torna relevante para evitar o que o mercado apelidou de 
‘efeito bicicleta’ ou ‘pedalada’, que significa a situação das empresas em 
dificuldade econômica que desviam recursos de um novo empreendimento 
para um anterior e assim sucessivamente, formando um ciclo vicioso que 
tantos prejuízos já causou no passado, ainda vivos na memória recente do 
país. Com a nova regra, todas as dívidas, de natureza tributária, trabalhista 
e junto a instituições financeiras, ficam restritas ao empreendimento em 
construção, não tendo qualquer relação com outros compromissos e dívidas 
assumidas pela empresa. Dessa forma, na hipótese de ocorrer falência da 
empresa construtora/incorporadora, os compradores poderão dar 
continuidade à obra, contratando outra empresa no lugar da falida, 
configurando o objetivo de garantir ao consumidor a entrega de imóvel 
comprado na planta” (fonte: 
http://www.precisao.eng.br/fmnresp/afeta.htm ). 
 
 Principais Classificações 
 
A) Posse Direta e Posse Indireta (art. 1197); 
B) Posse Justa e Posse Injusta (art. 1200); 
C) Posse de Boa-Fé e Posse de Má-Fé (arts. 1201 e 1202); 
D) Posse Nova e Posse Velha;5 
 
 Quem pode Adquirir a Posse (art. 1205) 
 
 Modos de Perda da Posse (art. 1223) 
 
5 O CC-02 não repetiu os arts. 507 e 508 do CC anterior, que diferenciavam posse nova e 
velha, para efeito de pedido de liminar. Entretanto, entende-se que, nesse ponto, permanece 
em vigor o art. 924 do CPC. Lembramos que aspectos processuais, especialmente ações 
possessórias, integram outras grades do LFG, não constando do conteúdo do presente Curso 
Intensivo 1. 
 7
 
 Principais Efeitos da Posse 
 
A) Percepção dos Frutos (arts. 1214, 1215, 1216) 
 
Vale lembrar, quanto aos produtos, que duas correntes de pensamento se 
desenvolveram na doutrina: a primeira, seguindo interpretação mais literal, 
sustenta que pertencem sempre ao proprietário, na forma do art. 1232; já 
a segunda, entende que se pode aplicar, por analogia, a disciplina especial 
da percepção dos frutos do CC. Seguimos esta última linha de entendimento 
que, em nosso sentir, homenageia os princípios da boa-fé e da função sócia. 
 
OBS.: 
Vale recordar... 
Conforme vimos nas aulas de Teoria Geral, frutos são utilidades 
renováveis, cuja percepção não diminui a substância da coisa principal 
(exemplo: laranja, café); já os produtos são utilidades que não se 
renovam, de maneira que a sua percepção diminui a substância da coisa 
principal (pedras extraídas de uma pedreira).6 
 
B) Responsabilidade pela Perda ou Deterioração da Coisa (arts. 
1217 e 1218) 
 
C) Indenização pelas Benfeitorias Realizadas e Direito de 
Retenção (arts. 1219 e 1220); 
 
D) Proteção Possessória;7 
 
 
3. Direito Real na Coisa Própria – Propriedade 
 
 Conceito. 
 
6 Analisamos este tema, em co-autoria com Rodolfo Pamplona Filho, em nosso volume I – 
Parte Geral, do Novo Curso de Direito Civil, no capítulo “Bens Jurídicos”, Ed. Saraiva. 
7 Tema desenvolvido em outra cadeira no curso LFG, conforme já mencionamos acima. 
 8
 
Trata-se de um direito real complexo, definido no art. 1228 do CC, e 
compreensivo das faculdades reais de usar, gozar/fruir, dispor e reivindicar 
a coisa¸ segundo a sua função social. 
 
Segundo Gustavo Tepedino, baseando-se em Perlingieri, a função social da 
propriedade constitui o título justificativo, a causa de atribuição dos 
poderes do seu titular, de maneira que: 
 
 “a propriedade, portanto, não seria mais aquela atribuição de poder 
tendencialmente plena, cujos confins são definidos externamente, ou, de 
qualquer modo, em caráter predominantemente negativo, de tal modo que, 
até uma certa demarcação, o proprietário teria espaço livre para as suas 
atividades e para a emanação de sua senhoria sobre o bem. A determinação 
do conteúdo da propriedade, ao contrário, dependerá de centros de 
interesses extra-proprietários, os quais vão ser regulados no âmbito da 
relação jurídica de propriedade” (Temas Atuais de Direito Civil, Contornos 
Constitucionais da Propriedade Privada, Ed. Renovar). 
 
 Características 
 
A) complexo – pois é formado por um plexo de poderes ou faculdades; 
B) absoluto – pois a sua oponibilidade é “erga omnes”; 
C) perpétuo – uma vez que não se extingue pelo simples não-uso; 
D) exclusivo – nesse sentido é entendido, pois afasta o exercício do 
poder dominial de terceiro sobre a mesma coisa, ressalvando-se a 
situação do condomínio, em que há divisão ideal do bem; 
E) elástico8 - pois pode ser distendido ou contraído, para formar outros 
direitos reais, sem perder a sua essência; 
 
 
 Extensão (art. 1229 e art. 1230) 
 
 
8 Cuidado com esta característica para concurso! 
 9
 Principal Limitação Constitucional ao Direito de Propriedade – A 
sua Função Social (art. 5. , incs. XXII e XXIII)9 
 
 Limitações Legais – Direitos de Vizinhança 
 
Trata-se do conjunto de regras que disciplina a convivência pacífica entre 
vizinhos. Têm natureza de obrigações “propter rem”. 
 
A) Uso Anormal da Propriedade (arts. 1277 e ss.); 
B) Árvores Limítrofes (arts. 1282 e ss.); 
C) Passagem Forçada (arts. 1286 e ss.); 
D) Passagem de Cabos e Tubulações (arts. 1286 e ss.); 
E) Das Águas (arts. 1288 e ss.); 
F) Limites e Direito de Tapagem (arts. 1297 e ss.); 
G) Direito de Construir (arts. 1299 e ss.) 
 
Faremos a análise desse tema, em sala de aula, mas, desde já, 
recomendamos o texto escrito por LUIZ EDSON FACHIN, a respeito dos 
“Direitos de Vizinhança”, na obra coletiva “Questões Controvertidas de 
Direito Civil – vol. 2”, Ed. Método. 
 
TEXTOS COMPLEMENTARES 
 
TEXTO 01 
 
Posse: Fato ou Direito ? 
Arruda Alvim (texto gentilmente cedido pelo grande 
Professor, dos seus originais “Comentários ao Código 
Civil”)10 
 
9 Veja, a respeito da função social, os textos complementares deste material de apoio. 
10 Aproveitamos, inclusive, a oportunidade, querido (a) amigo (a), para recomendar a 
monumental obra recentemente publicada pelo Professor Arruda Alvim: “Livro Introdutório 
ao Direito das Coisas e o Direito Civil”, bem como, em sequência, a obra “Comentários aos 
arts. 1196 a 1276”, esta última em co-autoria com a brilhante Profa. Monica Couto, 
publicação da Ed. Gen-Forense com a Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo (Fadisp). 
 10
 
Num dos ângulos básicos da visão possessória 
de Savigny ------ depois de colocar a questãoconsistente 
em se estabelecer se a posse é fato ou direito ------ 
constatamos aí ser considerada, a posse, em si mesma, 
como um fato puro, em relação ao qual, todavia, 
encontram-se atreladas conseqüências de direito. Em 
realidade, mais explicitamente, a dúvida é a que consiste 
saber se a posse é mero fato, ou, se é fato e direito. A 
idéia é a de que a posse é um fato; porém, melhor 
explicada, deve levar a que, conquanto seja um fato, não é 
ela (apenas) um fato, no sentido de nesse se esgotar. 
Muito pelo contrário, à posse ligam-se conseqüências 
jurídicas de alta significação, e, ainda que se possa afirmar 
que ela é fato, as aludidas conseqüências são insuscetíveis 
de serem negadas. 11 
Ernst Immanuel Bekker, 12 sublinha a 
discussão em sua época, em relação a ser a posse fato ou 
direito, afirmando que a posse, como comportamento e 
fazer [do possuidor] é fato; como somatório das 
conseqüências jurídicas, é direito. Este último autor, ao 
tratar da aquisição e perda da posse, fundamentalmente 
como fatos, conclui: “A posse é um fato. Não é um direito -
--- nem ilícito --- acompanha [caminha com] o direito”. 
Há autores que sublinham que a posse é 
elemento de duração de direitos, v.g., como Konrad Cosak, 
que diz: “…mas é [a posse] objeto de um direito e como tal 
suporte fático ou pelo menos elemento fundamental do 
 
Excelentes juristas participaram dos Comentários ao Livro de Direito das Coisas, nesta 
coleção. 
11 Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische 
Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], 7ª ed, Viena, 
Carl Gedold’s Sohn, 1865, § 5º, p. 43, onde diz que a posse é um fato 
puro (,…ein blosses Factum ist:…) – (v. notas 22 e ss, infra). 
12 V. Ernst Immanuel Bekker, Das Recht des Besitzes bei den Römern [O 
Direito da Posse nos Romanos], Leipzig, ed. Breitkopf und Härtel, 1880, 
no capítulo § 5º (“Ius und Factum”) – (“Direito e Fato”), p. 33 – no 
original: “Der Besitz ist ein Faktum. Er ist kein Recht, ----- kein Umrecht -
---- er geht neben dem Rechte einher”. Igualmente Anton Randa V. Der 
Besitz nach österreichem Rechte [A posse no direito austríaco], Leipzig, 
edição de Breitkopf e Härtel, 1876, § 3º, p. 32. 
 11
suporte fático para a subsistência ou a perdurabilidade de 
um direito”. 13 Afirma Konrad Büchel que é fato porque o 
ladrão pode ter posse, pois se fosse direito, haveria sempre 
de ser adquirida por meios jurídicos, onde diz que a posse 
somente pode ser entendida como relação de fato (“Er 
kann demnach der Besitz nur als faktisches Verhältnis, als 
causa facti, in Betracht kommen, und muß daher überall 
als begründet erscheinen,……” – em vernáculo: ( “Por isto é 
que a posse deve ser havida como relação de fato, como 
causa de fato, e por isso, acima de tudo, deve aparecer 
como fundada,…”). 14 
Anton Friedrich Justus Thibaut, por sua vez, 
estabelece os elementos materiais da posse, dizendo que, 
em conformidade com o próprio significado romano, que é, 
também, no seu sentir, o do direito alemão, possidere, 
significa poder físico: “O possidere romano indica, tal como 
o alemão possuir, entendido a partir do sentido originário 
da palavra significa o fato de alguém poder sentar numa 
coisa ou de ter poder físico de apreensão de um corpo”. 15 
Mas é relevante não deixarmos de ter 
presente que a posse não se reduz a um mero fato, senão 
que provoca uma série grande de conseqüências de ordem 
jurídica. Essa posição, entre muitos, é a de Dernburg, 
depois de descrever a posse em si mesma, ou, numa 
posição que pode ser designada de estática. Diz que “A 
posse como tal não é um direito. Todavia, na maioria dos 
casos a ela corresponde o direito”.16 Essas noções são, 
 
13 V. Konrad Cosac, Der Besitz des Erben [A posse dos herdeiros], 
Weimar, Böhlau, 1877, p. 4 – no original: “…aber er ist Gegenstand eines 
Rechtes und als solcher Thatbestand oder wenigstens Hauptelemente des 
Thatbestands für die Entstehung und Fortdauer eines Rechtes”. 
14 V. Konrad Büchel, Ueber die Natur des Besitzes [Sobre a natureza da 
Posse], Marburg, ed. Elwert, 1868, p. 8. 
15 V. Anton Friedrich Justus Thibaut, na sua obra Ueber Besitz und 
Verjärung [Sobre Posse e Prescrição], Jena, edição Michael Mauke, 1802, 
§ Iº - no original: “Das Römische possidere deutet, wie das Deutsche 
Besißen, seinem ursprünglichen Worte verstande zufolge, das Factum an, 
da Jemand eine körperliche Sache durch Sißen oder körperliches Begreifen 
in seiner physichen Gewalt hat,…”. 
16 V. Heinrich Dernburg, Das Sachenrecht des Deutschen Reichs und 
Preußens [O direito das coisas no Reino alemão e da Prússia], 4ª ed. 
retrabalhada, edição da Halle S.A. - Livraria Waisenhauses, 1908, § 11, p. 
 12
substancialmente, repetidas em livros contemporâneos, 17 
o que não significa para esses autores, também, que não 
ocorram significativas conseqüências jurídicas, a partir ou 
ainda que a partir da afirmação categórica de que a posse 
é um fato. Em realidade, a afirmação feita por esses 
autores (inclusive Savigny) deve ser lida como significando 
que a posse é apenas um fato, em si mesma considerada. 
Essa afirmação, por certo, não se estende e não pretende 
afastar o conjunto imenso de efeitos jurídicos, que derivam 
do “fato” da posse, como se acentuou. 
Mas, para que se configure esse fato da posse 
------ diferentemente da situação de detenção, onde há, 
também, uma situação aparente de poder (controle 
material) sobre uma coisa, que se mostra exteriormente tal 
como se fosse posse ------ é necessário que haja uma 
intenção específica, a que denominou de animus domini, 
no entender de Savigny, posição que não é a do nosso 
Código Civil e não o era do de 1.916. Na detenção há de 
reconhecer-se uma situação de fato a que corresponderia a 
uma situação jurídica. A situação de fato do detentor 
corresponderia à propriedade. 18 É através do animus 
possidendi que essa situação de detenção se alça à 
situação de posse, não sendo esta, todavia, a noção de 
detenção assumida por este Código e nem pelo Código Civil 
de 1916. 19 E, o animus possidendi, a seu turno, explica-se 
 
49 (“Conceito e essência da Posse”), - no original: “Der Besiß als solcher 
ist kein Recht. Doch in der Mehrheit der Fälle entspricht er dem Rechte”. 
17 V. Jan Shapp e Wolfgang Schur, Sachenrecht [Direito das Coisas], 
Munique, 2002, ed. Vahlen, § 5º, b, nº 44, p. 26, onde se lê que a “Posse 
é fato, não direito” (“Der Besitz ist Tatsache, kein Recht” – destaque do 
original) 
18 V. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische 
Abhandlung [O direito de posse - Dissertação civilística], 7ª ed., Viena, 
Carl Gedold’s Sohn, 1865, § 1º, p. 27) [“…, so liegt in der Detention die 
Ausübung des Eigenthums, und sie ist der f a c t i s c h e Zustand, welcher 
dem Eigenthum, als einem r e c h t l i c h e n Zustand, correspondiert”] 
(destaques do autor) – (“…reside na detenção o exercício da propriedade, 
e é ela a s i t u a ç ã o fática, através da qual a propriedade, como uma 
situação j u r í d i c a , corresponde”) - (destaques do original). 
19 V. Friedrich Carl von Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische 
Abhandlung [O direito de posse, Dissertação civilística], cit., § 9º, p. 109, 
onde diz que ‘por meio do qual [animus possidendi] é que a detenção foi 
alçada à situação de posse’ -----“…, durch welchen [animus possidendi] 
die Detention zum Besitz erhoben wurde”. V. comentários aos arts. 1.198 
 13
pelo animus domini ou animus rem sibi habendi, que é o 
animus (ou, a intenção) que só o possuidor pode exercitar, 
como se proprietáriofosse e como este se comportaria em 
relação à coisa; ou seja, ele quer faticamente exercer 
senhoria [sobre a coisa], tal como um proprietário exerce o 
seu direito. 
Embora freqüentemente utilizada, a expressão 
animus domini não encontra apoio em nenhum texto do 
direito romano, sendo uma tradução apontada da paráfrase 
de Teófilo que não corresponderia à tradução de animus 
domini, mas animus dominantis. Ao contrário encontra-se, 
ainda que escassamente, a expressão animus possidendi, 
com suas expressões análogas animus possidentis, animus 
possessionis. 20 - 21 A concepção de Savigny teve como 
pano de fundo a inspiração, possivelmente, do pensamento 
de Kant 22, e a noção de liberdade, i.e., a esfera de 
liberdade do possuidor e a agressão a essa situação, que 
justificava a defesa da posse. 23 
 
e 1.208, em que, ao lado dos comentários a esses textos, se procura 
estudar a detenção nos quadros das teorias subjetiva e objetiva. 
20 V. Paola Lambrini, L’Elemento Soggettivo nelle Situazioni Possessorie 
Del Diritto Romano Classico [O Elemento Subjetivo nas Situações 
Possessórias do Direito Romano Clássico], Padova, Cedam, 1998, p. 28. 
21 V. Savigny, Das Recht des Besitzes, Eine civilitistische Abhandlung, cit., 
§ 9º, p. 110 [O direito de posse, Dissertação civilística], onde está dito: 
“…de tal forma que animus possidendi através do animus domini ou 
animus rem sibi habendi demandam ser esclarecidos, [e] por 
conseqüência somente vale para o que é possuidor, de cuja coisa ele se 
comporta como proprietário [e] tem a detenção, isto é, em relação à qual 
ele tem o controle material, tal como um proprietário está autorizado em 
razão do seu direito”) – no original: “…, so daß der animus possidendi 
durch animus domini oder animus sibi habendi erklärt werden muß, 
folglich nur der als Besitzer gelten kann, welcher die Sache als 
Eigenthümer behandelt, deren Detention er hat, d. h., welcher sie factisch 
eben so beherrschen will, wie ein Eigenthümer Kraft seines Rechts zu thun 
befugt ist, …”. Com essa explicação, v. Moreira Alves, Posse, 2ª ed., 2.ª 
tiragem, Rio de Janeiro, Forense, 1997, vol. I, p. 212, nota 692. 
22 Disse o autor francês Jean-Marc Trigeaud: “La possession-droit 
savignienne coincide pleinement dans sa configuration et sa structure avec 
la notion Kantienne” – (“A posse-direito savigniana coincide inteiramente 
na sua configuração e estrutura com a noção kantiana”). Para uma síntese 
da influência de Kant e do idealismo alemão na teoria de Savigny, v. Jean-
Marc Trigeaud, La Possession des Biens Immobiliers, Economica, 1981, 
p.459 e ss. 
23 Para uma notícia ampla, v. Moreira Alves, Posse, 1.ª ed., 2.ª tiragem, 
vol. I, cit., 1997, pp. 209-210 e nota 691, da p. 209. Observa-se dessa 
informação (nota 691) que, até mesmo alguns lineamentos da idéia de 
 14
Se, v.g., é o proprietário que exerce a posse, 
correspondente ao direito de propriedade, esta é uma 
manifestação do direito subjetivo de que é titular; se, 
diferentemente, outrem é o possuidor (sem titularidade 
alguma), a situação é diferente, justificando-se a si 
própria.24 
A concepção de Savigny teve como mérito 
realçar os dois elementos que compõem a base do 
fenômeno possessório (corpus e animus); não teria, 
porém, resistido às observações e objeções traçadas por 
Ihering, que procurou desmontar a teoria de Savigny. 
Segundo palavras de Ihering “Llamar a la posesión de las 
cosas exterioridad o visibilidad de la propiedad, es resumir 
en una frase toda la teoria posesoria” 25. 
De outra parte, ainda, Ihering nunca negou o 
papel da vontade, pois não há dúvida de que a posse exige 
o “querer” como pressuposto do “ter” (rectius, possuir). 
Como explica Cornil, responsável por aprofundar a teoria 
objetiva: “Em toda relação possessória está implicada 
necessariamente a vontade. Sem vontade a relação 
exterior com a coisa, fosse mesmo um contato corporal 
imediato, é uma simples relação de justaposição local a 
que é completamente indiferente o direito”. 26 Contudo, no 
que tange ao ônus da prova da posse, a comprovação do 
animus colocaria o julgador em posição difícil. Assim, o que 
deve determinar a existência da posse relaciona-se com o 
 
posse, tal como fora entendida por Kant, teriam penetrado no pensamento 
de Savigny (V. no Livro Introdutório ao Direito das Coisas e o Direito Civil 
item 1.8.2, nota 109, o texto de Kant). 
24 V. Fedele, ob. ult. cit., I, 2, p. 14, o qual explica a última situação do 
texto como um fenômeno autônomo (possideo quia possideo ----- possuo 
porque possuo; possuo como estava possuindo). 
25 V. Rudolf von Ihering, La Teoria de La Posesión, 2ª ed., trad. Adolfo 
Posada, Madrid, 1912, tomo I, p. 222. 
26 V. Cornil, Traité de la Possession dans le Droit Romain, Paris, 1905, pp. 
34 e ss. – no original: “Tout rapport possessoire implique nécessairement 
la volonté. Sans volonté le rapport extérieur avec une chose, fût-il même 
un contact corporel immédiat, est un simple rapport de juxtaposition 
locale complètement indifférent en droit”. 
 15
seu perfil (em rigor, perfil externo, o que aparece), tal 
como reconhecido pelo ordenamento jurídico27. 
Ihering procurou demonstrar que a distinção 
entre posse (possessio civilis) e detenção (possessio 
naturalis) com base no animus possidendi, não tinha 
sustentação perante o direito romano 28. A teoria de 
Ihering foi amplamente aceita, mas a influência de Savigny 
foi extremamente grande nas codificações que 
acompanharam o final do século XIX como demonstra 
Cornil. 29 
A teoria de Ihering ‘teria superado’ a teoria 
subjetiva de Savigny menos pela demonstração lógico-
formal, mas através de uma constatação e construção 
 
27 Diz Ihering: “Cuando las dos condiciones de la posesión, esto es, el 
corpus y el animus, concurren, se tiene siempre posesión, a menos que 
una disposición legal no prescriba excepcionalmente, que sólo hay 
simple tenencia” (grifos do autor). (Ihering, La voluntad en la Posesión, 
trad. Adolfo Posada do original Der Besitzwille, Madrid, 1910, t. II, p. 22). 
28 Como afirma Ihering “El animus domini señala el punto de partida de 
mis vacilaciones acerca de la exactidud de la teoria de Savigny. Leyendo 
las fuentes, me he encontrado con textos que no es posible armonizar con 
ellas, y de los cuales he hablado en el cap. XV. Tales textos produjeron en 
mi la convicción de que, para determinar ante las condiciones legales 
exteriores de la posesión, o del corpus, si hay posesión o tenencia, en 
materia de posesión derivada, lo decisivo, en mi concepto, aunque sea en 
contra del sentimento y de la intención de las partes, no es la diversidad 
de la voluntad de poseer, sino la naturaleza de la relación existente; la 
causa posessionis o el momento causal de la posesión, como yo lo llamo” 
(Ihering, La voluntad en la Posesión, trad. Adolfo Posada do original Der 
Besitzwille, cit., t. II, p. 8). 
29 Para uma simples visualização da influência do animus na definição da 
posse em algumas legislações, arroladas por Cornil: Código Civil da 
Saxônia de 1863, § 186: “Aquele que tem realmente uma coisa em seu 
poder e se há a vontade de exercer [o direito de] propriedade por si 
próprio, este é o seu possuidor” – (“Celui qui a une chose réellement en 
son pouvoir, en est détenteur, et s’il a la volonté d’exercer sur la chose la 
propriété pour lui-même, il en est possesseur”) ; Código do Cantão de 
Zurique (Suíça), art. 64: “a aquisição da posse é subordinada, em 
princípio, a duas condições: 1. …; A vontade de exercer esse poder 
material sobre a coisa” (“L’acquisition de la possession est subordonnée, 
en principe, à deux conditions:1..., 2ª La volonté d’exercer ce pouvoir 
matériel sur la chose”); Código espanhol de 1889, art. 430: “A posse civil 
é esta mesma detenção, ou este mesmo gozo, unido à intenção de 
considerar a coisa ou o direito, como propriedade” - (“La possession civile 
est cette même détention, ou cette même jouissance, unie à l’intention de 
considérer la chose, ou le droit, comme la propriété”); Código Civil 
Japonês de 1896, art. 180: “A posse se adquire pela detenção de uma 
coisa com a intenção de a exercer no seu próprio interesse”- (“La 
possession s’acquiert par la détention de la chose avec l’intention de 
l’exerer dans son propre intérêt”).V. Cornil, Traité de la Possession dans 
de Droit Romain, Paris, 1905, p. 544 ss. 
 16
teórica mais próximas da realidade. Priorizou a visão 
realista dos institutos, o que só é possível com a percepção 
dos fins para os quais os mesmos existem (método 
teleológico). Não há dúvida de que essa posição 
corresponde ao pensamento de Ihering em sua segunda 
fase, pois o mesmo viveu um período de transição do 
pensamento positivista do século XIX. Num primeiro 
momento, valorizou a jurisprudência dos conceitos e todo o 
seu formalismo racional, por influência de Puchta, posição 
que mais tarde abandonou ante a incapacidade ou 
impotência da jurisprudência dos conceitos se adaptar à 
evolução econômica, bem como em fornecer soluções aos 
problemas sociais. A jurisprudência dos conceitos revelava-
se como um espelho dos arquétipos existentes nas fontes 
romanas, situação incompatível com o ambiente social da 
segunda metade do século XIX. A segunda fase de Ihering 
assenta-se em seu amadurecimento e na adoção de uma 
visão pragmática, a qual correspondeu ao elemento 
catalisador para o surgimento da jurisprudência dos 
interesses. 30 
A história demonstrou que os romanos sempre 
foram avessos a elaborações científicas, no sentido de 
formular abstrações, pois estavam mais preocupados em 
propiciar soluções práticas aos problemas do cotidiano. 
 
TEXTO 02 
 
 
Da função social da propriedade imóvel. 
Estudos do princípio constitucional e de sua regulamentação pelo 
novo Código Civil brasileiro 
 
Juliano Taveira Bernardes 
juiz federal em Goiás, professor na Universidade Federal de Goiás, 
mestre em Direito e Estado pela Universidade de Brasília(UnB), ex-
membro da magistratura e do Ministério Público do Estado de 
Goiás,membro do IBDC (Instituto Brasileiro de Direito 
Constitucional) 
 
 
30 Para maiores esclarecimentos, vide Karl Larenz, Metodologia da Ciência 
do Direito, Lisboa, 1997, Fundação Calouste Gulbenkian. trad. orig. 
Methodenlehre der Rechtswissenschaft [6ª edição, 1991], p. 55 ss. 
 17
Texto disponível no Jus Navigandi 
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4573 
 
 
1 - INTRODUÇÃO 
 Surgida no ordenamento jurídico pátrio após a edição do Código 
Civil de 1916, a função social da propriedade recebeu importantes 
contribuições da Constituição de 1988. Mas, nem bem analisadas as 
implicações da atual Constituição em relação à antiga legislação civil, veio a 
lume o novo Código Civil (Lei 10.406, de 10/01/2002), que promoveu 
significativas mudanças acerca da matéria. Logo, é oportuno estudar as 
inovações obtidas e os problemas que surgirão com a recente concretização 
do instituto por meio do novo Código Civil. 
 Nesse esforço, o estudo começará pela conceituação da função 
social da propriedade, passando por breve histórico. Após, pretender-se-á 
demonstrar o porquê e as conseqüências advindas do enquadramento do 
instituto na acepção de princípio constitucional. Em seguida, partindo da 
interpretação da Constituição de 1988, o tema proposto será explorado em 
visão sistemática abrangente, não olvidando a legislação que, 
paralelamente ao Código Civil, promove a regulamentação da função social 
da propriedade. Somente então, no último item do trabalho, é que serão 
analisados artigos específicos que tocam a questão, no novo Código Civil, 
buscando interligá-los às normas preexistentes, especialmente ao recente 
Estatuto da Cidade (Lei 10.257, de 11/07/2001). 
 Destarte, a preocupação maior do subscritor será uma exegese que 
não se limite só à legislação civil recém-editada, mas a ela se chegue após 
estudar todo o sistema normativo em que se insere o princípio da função 
social e as regras que lhe dão corpo. Intenta-se, dessa forma, superar a 
pouca literatura e nenhuma jurisprudência acerca da Lei 10.406/2002. 
 Por fim, quanto ao corte temático, o trabalho concentrar-se-á na 
função social da propriedade imóvel, a despeito de o princípio incidir 
também em face de outros tipos de propriedade. 
2 – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 
 Antes de iniciar a exposição sobre o que vem a ser a chamada 
função social da propriedade, não se pode olvidar que o princípio da função 
social tem como pressuposto necessário a propriedade. (1) Daí, é de bom 
alvitre cuidar simultaneamente, ainda que em breves linhas, do liame 
umbilical existente entre função social e direito de propriedade. 
 Nesse prumo, o Código de Napoleão qualificou o direito de 
propriedade, na esfera privada, como o "direito de gozar e dispor das coisas 
da maneira mais absoluta, desde que delas não se faça uso proibido pelas 
 18
leis e regulamentos" (art. 436). 
 De sua vez, a aplicação do princípio da função social da propriedade
descaracteriza o acerto dessa velha concepção civilista, imantando o direito 
de propriedade com um dever de agir, e não apenas uma obrigação de não 
fazer (função social ativa). (2) Assim, a propriedade, modernamente, 
converteu-se em poder-dever voltado à destinação do bem a objetivos que 
transcendem o simples interesse do proprietário. 
 Porém, não se confunde a função social com as limitações da 
propriedade contidas no direito civil, (3) tampouco com as limitações 
administrativas. (4) Mesmo sendo inválido afirmar que se resumem a 
prestações de não fazer, as limitações constituem condição de exercício do 
direito. Já a função social está ligada aos deveres inerentes ao exercício da 
propriedade, convertendo-se em "elemento da estrutura e do regime 
jurídico da propriedade". (5) Como afirma ARAÚJO SÁ, as limitações 
administrativas têm fundamento não na função social da propriedade mas 
no poder de polícia, e são externas ao direito de propriedade, interferindo 
tão-somente no exercício do direito, enquanto a função social interfere no 
conceito e na estrutura do direito de propriedade. (6) 
 Mesmo a desapropriação, instituto bastante associado à função 
social, com ela não se pode baralhar, ainda que o descumprimento desta 
possa implicar a decretação de desapropriação. O que sucede é simples 
relação de causa e efeito. 
 Como dizem GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER, a 
funcionalização da propriedade introduz critério de valoração de sua própria 
titularidade, que passa a exigir atuações positivas de seu titular, a fim de 
adequar-se à tarefa que dele se espera na sociedade. (7) 
 Aproveitando-se da definição do jus-agrarista argentino ANTONINO 
C. VIVANCO, citado por TORMINN BORGES, o princípio da função social 
consiste na obrigação condicionante do exercício da propriedade a 
interesses que transcendem a vontade do proprietário, de modo a satisfazer 
indiretamente as necessidades dos demais membros da comunidade. (8) 
 Enfim, com arrimo em PIETRO PERLINGERI, pode-se dizer que a 
função social converteu-se em título justificativo, verdadeira causa de 
atribuição dos poderes do titular da propriedade. (9) 
3 – BREVE HISTÓRICO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE 
 É a partir das obras de direito agrário que melhor se remonta o 
retrospecto da função social da propriedade. Nessa linha, percebe-se que a 
evolução do instituto andou de mãos dadas com o desenvolvimento do 
direito de propriedade. 
 Combase na obra do ilustre professor da Faculdade de Direito da 
 19
Universidade Federal de Goiás BENEDITO FERREIRA MARQUES, (10) as 
origens do princípio da função social estão em lições de ARISTÓTELES, o 
primeiro a entender que aos bens se deveria dar uma destinação social. 
 Depois de ARISTÓTELES, a idéia só foi impulsionada por TOMÁS DE 
AQUINO. O conceito tomista de propriedade possuía três planos distintos na 
ordem de valores. (11) No primeiro deles, o homem teria um direito natural 
ao apossamento de bens materiais, dada sua natureza de animal racional, 
como forma de manter sua própria sobrevivência. No segundo, considerou-
se que o homem não poderia refletir apenas acerca de sua sobrevivência 
imediata, como ocorre com os animais irracionais, porque deveria pensar 
também no amanhã, pois, para que fosse verdadeiramente livre, precisaria 
estar ao abrigo das surpresas econômicas. Num terceiro plano, permitir-se-
ia o condicionamento da propriedade em razão do momento histórico de 
cada povo, desde que não se chegasse a negá-lo. Ou seja, embora a 
propriedade consistiria num direito natural, o proprietário não poderia 
abstrair-se do dever do zelar pelo "bem comum". (12) 
 Em seguida, operaram-se várias fases da evolução do conceito de 
direito de propriedade, até que o Código de Napoleão o fixasse com 
características quase absolutas, conforme dispunha o já transcrito art. 436. 
E foi com base nessa clássica definição francesa que os códigos civis que se 
sucederam buscaram inspiração, inclusive o brasileiro. 
 Porém, segundo MARQUES, "foi com Duguit, escorado no 
pensamento positivista de Comte, que o direito de propriedade se despiu do 
caráter subjetivista que o impregnava, para ceder espaço à idéia de que a 
propriedade era, em si, uma função social." (13) Assim, afirma MARQUES, o 
grande impulso às idéias de subordinação da propriedade a uma finalidade 
social teve início com a célebre palestra proferida por DUGUIT em Buenos 
Aires no ano de 1911. 
 Também GUSTAVO TEPEDINO e ANDERSON SCHREIBER creditam a 
DUGUIT a difusão do termo função social da propriedade, o qual teria sido 
primeiramente estampado na obra Les transformations du droit prive depuis
le Code Napoléon. (14) Os mesmos autores lembram, mais, da contribuição 
da doutrina italiana. Citando SALVATORE PUGLIATTI e STEFANO RODOTÀ, 
prosseguem TEPEDINO e SCHREIBER, foi na Itália que se soube dar à 
função social seu melhor sentido, "não como uma categoria oposta ao 
direito subjetivo, mas como um elemento capaz de alterar-lhe a estrutura, 
inserindo-se em seu profilo interno e atuando como critério de valoração do 
exercício do direito, o qual deverá ser direcionado para um massimo 
sociale." (15) 
 Dignas de registro, ainda, são as influências das teorias marxistas a
apregoar a coletivização da propriedade individual. Tampouco se esqueça a 
importância da Igreja Católica, especialmente as encíclicas papais de 1891 
(Rerum Novarum, de Leão XIII), de 1931 (Quadragesimo Anno, de Pio XI) e
de 1962 (Mater et Magistra, de João XXIII). 
 No Brasil, com apoio em LIMA STEFANINI e FERNANDO PEREIRA 
SODERO, anota MARQUES que, desde a concessão das chamadas 
 20
sesmarias, já havia preocupação com o cumprimento da função social, pois 
os sesmeiros deveriam cultivar a terra e daí tirar-lhe aproveitamento 
econômico. Afirma ainda, embasado em estudo de ROSALINA RODRIGUES 
PEREIRA, que também as Ordenações Manoelinas e Filipinas já se 
ocupavam de questões ligadas ao uso do solo e a técnicas agrícolas. 
 Após a independência, a Constituição de 1824 não se dedicou 
especificamente ao tema, afirmando o direito de propriedade "em toda sua 
plenitude", ressalvada uma "única" exceção: o uso público indenizado do 
bem, quando legalmente necessário (art. 179, XXII). 
 Sob o governo republicano da Constituição de 1891, pouco se 
evoluiu, salvo na parte em que prevista a desapropriação por necessidade 
ou utilidade pública. Outrossim, muito influenciado pelo Código de 
Napoleão, o Código Civil de 1916 não incrementou a função social da 
propriedade, limitando-se a regular genericamente os casos de necessidade 
e de utilidade pública, para fins de desapropriação (art. 590 e §§1º e 2º), e 
de requisição de bens por autoridade pública (art. 591 e par. único). 
 A seguir, a função social só ganhou algum espaço na Constituição 
de 1934, cujo artigo 113, n. 17, estabelecia que o direito de propriedade 
não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, na forma da 
lei. 
 Nenhum desenvolvimento se fez sentir na Constituição de 1937, 
mas a Constituição de 1946 condicionou o uso da propriedade ao "bem-
estar social" (art. 147), dando então margem a regulamentação por meio 
da Lei 4.132, de 10/09/62, que até hoje cuida dos casos de desapropriação 
por interesse social. Não bastasse, nos trabalhos legislativos que 
culminaram com a aprovação da desapropriação por interesse social na 
CF/46, a proposta de emenda apresentada pelo Senador FERREIRA DE 
SOUZA já abordava expressamente a questão da função social, como 
informa MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO. (16) 
 Então, editado o Estatuto da Terra (Lei 4.504, de 30/11/64), seu 
artigo 2º expressamente tratou da função social do imóvel rural. (17) Daí por 
diante, a expressão "função social" foi incorporada nas Constituições 
posteriores, (18) até se chegar à atual Constituição de 1988. Nesta, a 
inspiração mais próxima, segundo MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, 
deve-se à doutrina social da Igreja Católica, especialmente às Encíclicas 
Mater et Magistra, do Papa João XXIII, e Populorum Progressio, do Papa 
João Paulo II, "nas quais se associou a propriedade a uma função social, ou 
seja, à função de servir como instrumento para a criação de bens 
necessários à subsistência de toda a humanidade." (19) 
4 - DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE COMO PRINCÍPIO 
CONSTITUCIONAL 
 Não faz parte deste estudo a conceituação do que vem a ser 
"norma jurídica", tampouco a questão da estrutura lógica das chamadas 
 21
"proposições jurídicas". (20) Porém, sem menosprezar as polêmicas 
doutrinárias acerca do tema, num primeiro esforço de categorização, já se 
afirma que tanto as regras como os princípios serão neste estudo 
enquadrados na definição lato sensu de normas jurídicas. (21) Dessa forma, a
classificação das normas jurídicas em sentido estrito, de modo a nestas 
incluir somente as regras e não os princípios, será de todo irrelevante, salvo
naquilo que de alguma forma possa exprimir censurável tendência de negar 
aos princípios conteúdo normativo. (22) 
 De sua vez, entendem-se por regras as disposições (interpretadas) 
que estabelecem mandatos, proibições ou permissões de atuação em 
situações concretas previstas nelas mesmas. (23) No conceito de 
CANOTILHO, regras "são normas que, verificados determinados 
pressupostos, exigem, proíbem ou permitem algo em termos definitivos, 
sem qualquer exceção." (24) 
 Já a conceituação de princípios é mais difícil. Para este estudo, 
devem ser entendidos como normas que proporcionam critérios para 
tomadas de posições ante situações concretas indeterminadas. (25) Na 
festejada definição de CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO: 
 Princípio (...) é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, 
verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre 
diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua 
exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a 
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá 
sentido harmônico. (26) 
 Tratando já daqueles estampados em textos constitucionais, "os 
princípios são núcleos de condensação nos quais confluem bens e valores 
constitucionais" (CANTILHO e VITAL MOREIRA); (27) "são ordenações que se 
irradiam e imantam os sistemas de normas" (AFONSO DA SILVA).(28) 
Assim, a normatização e a constitucionalização conferiu aos princípios 
constitucionais o status hierárquico de "normas-chaves" do sistema jurídico 
(BONAVIDES). (29) 
 Dito isso, para se saber se a função social, como concebida na 
CF/88, é princípio ou regra, cabe expor alguns critérios para diferenciá-los. 
Nessa tarefa, a despeito dos clássicos e extratificados critérios de distinção 
apontados por CANOTILHO, (30) é de bom alvitre enunciá-los de forma 
menos resumida, com apoio, principalmente, na obra já mencionada de 
EROS ROBERTO GRAU. (31) 
 Assim, tem-se que as regras jurídicas são aplicáveis por completo, 
ou não se aplicam de modo absoluto. Na dicção de DWORKIN, aplicam-se à 
maneira de um tudo ou nada (an all or nothing), (32) não comportando 
exceções. (33) Presentes os pressupostos fáticos a que se refira, a regra 
(válida) há de ser aplicada. (34) 
 Já os princípios sequer exigem a indicação das condições 
necessárias à sua incidência, pois não configuram uma decisão concreta a 
ser necessariamente tomada. Em vez disso, os princípios se qualificam 
 22
como mandamentos de otimização, (35) acenando uma vontade normativa 
inclinada a certa direção. No dizer de ALEXY, os princípios ordenam algo 
que deve ser realizado na maior medida possível, tendo em conta as 
possibilidades jurídicas e fáticas. (36) Daí, os princípios não contêm 
mandamentos definitivos, mas somente prima facie. (37) 
 Dessa maneira, com apoio em BOULAGER, citado por EROS 
ROBERTO GRAU, pode-se afirmar que os princípios, ao contrário das regras, 
não admitem a própria enunciação das hipóteses nas quais não se aplicam, 
bem como carecem de conteúdo de determinação relativo aos princípios 
contrapostos e as possibilidade fáticas, (38) porquanto "são aptos a serem 
aplicados a uma série indefinida de situações". (39) 
 Devido a esse alto grau de abstração, demandam os princípios 
constitucionais medidas concretizadoras, o que é feito por meio de outros 
princípios de maior densidade (40) (subprincípios), (41) ou mesmo por regras, 
até chegar-se, na ponta de final de sua incidência fática, na descoberta da 
"norma de decisão" do caso jurídico-constitucional. (42) Ademais, ainda 
quando se manifestam as condições nele previstas, um princípio não se 
aplica automaticamente. É que, em determinado caso, pode também incidir 
um princípio diverso, apontado em sentido diverso. Surge então outra 
diferença dos princípios frente às regras jurídicas: como somente uma regra
pode incidir em face de uma idêntica situação, se duas ou mais regras estão
em choque, (43) apenas uma – ou nenhuma – delas poderá ser considerada 
válida à regulação da situação concreta, surgindo daí um problema de 
antinomia jurídica a ser resolvido. (44) Contudo, mais de um princípio pode 
regular uma mesma situação, pois princípios diversos comportam juízo de 
ponderação relativa, cujo resultado poderá ser a prevalência de um em 
detrimento do outro. Consoante sintetizado por BONAVIDES, com base em 
ALEXY, resolve-se o conflito de regras na dimensão da "validade", enquanto 
o conflito de princípios é resolvido na dimensão do "valor". (45) 
 Sem embargo, cabe ressaltar não haver antinomia entre princípios 
e regras. Se as regras servem para densificar princípios, o eventual conflito 
envolve, na verdade, o próprio princípio objeto de densificação. Logo, 
quando um princípio antagônico deva prevalecer, a regra contrastante é 
simplesmente afastada da regulação da situação concreta, acompanhando o 
próprio princípio desprezado. (46) 
 Por fim, em vigor a Constituição de 1988, encaixa-se perfeitamente 
no conceito de princípio constitucional explícito a exigência de que a 
propriedade cumpra sua função social (inciso XXIII do art. 5º). É que a 
observância da função social da propriedade não se aplica à maneira de um 
tudo ou nada, tampouco se pode, de antemão, indicar todas as condições 
necessárias à sua incidência. Em vez disso, a verificação do cumprimento da
função social pode exigir juízos de ponderação em face de outros princípios, 
sendo necessária a "concretização" de seu alto grau de abstração. (47) Essa é
a conclusão de JOSÉ AFONSO DA SILVA, para quem a norma-princípio 
contida nesse dispositivo é de aplicabilidade imediata. (48) 
 23
5 – O PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE NA CONSTITUIÇÃO
DE 1988 
 Já foi dito que a Constituição de 1988 tratou da exigência de que a 
propriedade cumpra sua função social no inciso XXIII do art. 5º. Mas a 
Constituição também se referiu à função social na redação original do §1º 
do art. 156 (hoje alterado pela EC n. 29, de 13/09/2000), no inciso III do 
art. 170, no §2º do art. 182, no caput do art. 184, no par. único do art. 185
e no art. 186. Outrossim, o Poder Constituinte derivado se valeu da 
expressão em tela no inciso I do §1º do art. 173, na redação dada pela EC 
n. 19, de 04/06/98. (49) 
 É bem verdade que EROS ROBERTO GRAU sustenta que a 
referência à função social contida no inciso XXIII do art. 5º não se 
justificaria. Defende o ilustre mestre, por essa norma estaria garantida a 
propriedade individual, cuja utilização, como instrumento voltado à 
subsistência individual e familiar, estaria servindo a uma função individual 
ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, daí por que imune à 
questão da função social. (50) 
 Porém, não só com base na premissa de que na Constituição não 
há palavras inúteis, pode-se perfeitamente sustentar que toda e qualquer 
propriedade privada, material ou imaterial, individual ou coletiva, urbana ou 
rural, móvel ou imóvel, deve atender à função social. (51) De efeito, o 
princípio atua de forma diferente em relação a cada tipo de propriedade, 
conforme a destinação reservada aos respectivos bens. (52) Via de regra, é a 
lei que dispõe sobre como a função social estará sendo cumprida, caso a 
caso. (53) Nesse pensar, o que pode ocorrer é que a destinação individual do 
bem satisfaça à função que socialmente dele se espera. (54) Ou seja, 
cumprindo com sua função individual, o exercício do direito de propriedade 
poderá estar também obedecendo à função social, mas isso não significa 
que a propriedade destinada à subsistência individual esteja de antemão 
imune à função social. Tanto não está que o próprio EROS ROBERTO GRAU 
tratou de estabelecer exceção a esse raciocínio, dizendo que a propriedade 
individual pode exceder sua função meramente individual quando "detida 
para fins de especulação ou acumulada sem destinação ao uso a que se 
volta." (55) 
 É evidente, contudo, que na Constituição não houve maior 
preocupação com a concretização das normas que dispõem acerca do 
princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis 
rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. Em razão 
disso, há quem sustente que as medidas voltadas contra o descumprimento 
da função social "só podem ter por objeto terras particulares, sejam 
urbanas ou rurais." (56) Porém, consoante exposto, cada tipo de propriedade 
sujeita-se a determinados modos de cumprimento da função social. De fato,
a razão do tratamento mais exaustivo do tema da função social em relação 
aos imóveis rurais está no maior esforço de regulamentação dos 
parlamentares ruralistas. Mas isso, nem de longe, pode excluir a incidência 
do princípio a respeito dos demais tipos de propriedade. (57) Confirma-se 
esse raciocínio quando se sabe que o conceito de propriedade é mais amplo 
 24
que o de domínio, pois abrange também os bens imateriais. 
 Enfim, não se pautando o exercício da propriedade dentro dos 
pressupostos da função social, sujeita-se o proprietário à expropriação de 
seu direito, seja qual for a modalidade de propriedade. E contra isso não se 
pode alegar que a Constituição só se referiu ao descumprimento da função 
social, como causa deflagradora de desapropriação, naquela movida por 
interesse social parafins de reforma agrária (art. 184). Com efeito, essa 
assertiva apenas enuncia que o cumprimento da função social integra o 
conceito de interesse social para fins de desapropriação. Não se pode negar,
porém, que o atual diploma legal que regula a desapropriação por interesse 
social (Lei 4.132, de 10/09/62) não contemplou expressamente a hipótese 
de inobservância da função social. Isso se explica, como visto, porque a 
expressão "função social" só veio a ser cunhada posteriormente, pelo 
Estatuto da Terra. Mas a própria enunciação dos casos considerados de 
interesse social faz crer a presença "latente" do princípio da função social 
em muitos dos incisos do art. 2º da Lei 4.132/62. Logo, à luz do art. 184 da 
CF, evidencia-se que o legislador poderá encaixar, na regulamentação dos 
casos de desapropriação para fins de interesse social, regras atinentes à 
expropriação decorrente do eventual desatendimento do princípio 
constitucional da função social da propriedade, seja esta de que tipo for. E 
nisso reside a razão da relativização da garantia à propriedade no inciso 
XXIII do art. 5º, em regra que se repete no inciso III do art. 170 e no §2º 
do art. 182 da CF/88. 
 Todavia, mesmo que facultado à lei incluir hipóteses de 
descumprimento da função social aos casos de desapropriação por interesse 
social, salvo as exceções expressamente previstas na Constituição, o 
pagamento deverá ser feito prévia e integralmente em dinheiro (inciso XXIV 
do art. 5º). 
 Dessarte, os conceitos civilísticos de propriedade, com a 
normatização constitucional do princípio da função social, sofreram 
profundas transformações. Ao tratamento civil do direito de propriedade 
hoje em vigor aplicam-se direcionamentos de direito público voltados à 
caracterização da função social, motivo pelo qual, empolgado com a CF/88, 
JOSÉ AFONSO DA SILVA afirmou que "o Código Civil não disciplina a 
propriedade, mas tão-somente as relações civis a ela referentes". (58) 
 Porém, ao contrário do que pretendem alguns, a propriedade não 
se confunde com sua função social, como bem analisou o ilustre professor 
BENEDITO FERREIRA MARQUES. Ainda que a função social faça parte da 
estrutura do direito de propriedade, servindo como título jurídico de 
atribuição plena das faculdades que lhe são inerentes, não se pode 
sustentar que sua eventual inobservância subtraia todos os direitos do 
proprietário inadimplente. Isso seria chancelar exagero que daria margem 
até para justificar a expropriação sem o pagamento de indenização. É que a 
Constituição não baniu o direito de propriedade; apenas impôs a seu 
exercício o dever de cumprimento da função social. (59) 
 Vale dizer: ainda que caiba à lei regular como a função social estará
sendo cumprida, a não-satisfação da princípio só haverá de acarretar as 
 25
conseqüências estabelecidas na própria Constituição. 
 E tais conseqüências podem ser: (a) o parcelamento ou edificação 
compulsórios dos imóveis urbanos (inciso I do §4º do art. 182 (60)); (b) o 
aumento progressivo da carga tributária incidente sobre os imóveis urbanos 
(§1º do art. 156, na redação que lhe deu a EC n. 29/2000, c/c inciso II do 
§4º do art. 182 (61)) e rurais (art. 153, §4º); (c) a desapropriação-sanção de
imóveis urbanos, com pagamento integral mediante títulos da dívida pública
(inciso III do §4º do art. 182 (62)); (d) a desapropriação-sanção de imóveis 
rurais, com o pagamento em dinheiro das benfeitorias úteis e necessárias 
(§1º do art. 184) e o restante em títulos da dívida agrária (art. 184, caput);
(e) a desapropriação-sanção, sem indenização, no caso das glebas onde 
forem encontradas culturas ilegais de plantas psicotrópicas (art. 243 (63)), e; 
(f) a desapropriação comum, prévia e integralmente indenizada em 
dinheiro, por motivo de interesse social, nas situações a serem 
estabelecidas por lei ordinária (inciso XXIV do art. 5º). 
 Fora dessas hipóteses, porém, remanesce a garantia da 
propriedade, inclusive a de reivindicá-la das mãos de terceiros que 
injustamente a detenham. 
 Por derradeiro, consoante afirma JOSÉ AFONSO DA SILVA, "é certo 
que o princípio da função social não autoriza a suprimir, por via legislativa, 
a instituição da propriedade." (64) Essa assertiva serve para delimitar o 
núcleo essencial do direito fundamental de propriedade, daí por que, ao 
disciplinar os requisitos de cumprimento da função social, não poderá o 
legislador desviar-se de sua finalidade normativa, erigindo deveres 
desarrazoados ou que tornem impraticável o exercício do direito de 
propriedade. (65) Incidiria aí o princípio da proporcionalidade, em repressão 
ao excesso do poder de legislar, pois a função social deve se resumir a algo 
atingível, até porque, especialmente em se tratando de imóveis rurais, a 
exigência de padrões de produtividade demasiado altos pode acarretar o 
esgotamento dos recursos naturais da terra, o que também iria de encontro 
à função social. 
6 – DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL INSERIDO NA ORDEM ECONÔMICA 
 Analisando o texto das Constituições anteriores que expressamente 
consignaram a função social da propriedade, percebe-se, em todas elas, 
que a inclusão do princípio se deu no capítulo destinado à ordem econômica 
(cf. art. 157, III, da CF/67 e art. 160, III, da CF/69). De outro turno, ainda 
que a Carta de 1988 tenha feito o mesmo, inovou o Constituinte 
consagrando o princípio, em relativização ao próprio direito individual de 
propriedade, no capítulo destinado aos direitos fundamentais (inciso XXIII 
do artigo 5º). Ademais, a propriedade privada foi incluída em inciso 
autônomo, entre os princípios da ordem econômica (inciso II do art. 170), 
antes mesmo da enunciação do princípio da função social da propriedade 
(inciso III do mesmo artigo). 
 Por conseguinte, pela nova Constituição, a função social não 
 26
interessa apenas à ordem econômica, mas serve de princípio norteador 
também do direito individual de propriedade. Outrossim, inserido no 
capítulo da ordem econômica, o conceito de propriedade privada foi ainda 
mais "relativizado", (66) em comparação com aquele das Cartas anteriores, 
pois passou a se submeter ao juízo de ponderação decorrente da aplicação 
de todos os outros princípios integrantes da ordem econômica. 
7 – PECULIARIDADES DO PRINCÍPIO DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
RURAL 
 Em relação aos imóveis rurais, aplica-se tudo o que se disse acerca 
da função social, especialmente em relação à transformação do regime 
privatístico de propriedade. Contudo, há certas peculiaridades anotadas 
especialmente por jus-agraristas. 
 Primeiramente, cabe dizer que a expressão "função social da 
propriedade rural" é muito criticada pelos estudiosos do direito agrário. 
Defendem eles que a expressão utilizada pelo Constituinte não satisfaz 
plenamente as preocupações com a total dimensão do problema agrário, o 
qual não se resume só à questão da propriedade, pois engloba também a 
função social da posse e dos contratos agrários. Daí, sustenta-se a 
predileção pela expressão genérica "função social da terra" (67) ou "função 
social do imóvel rural", (68) de que seriam espécies a "função social da posse 
agrária" e a "função social dos contratos agrários". 
 Porém, dadas as finalidades deste estudo, que exorbitam o campo 
da função social do imóvel rural, com a vênia dos jus-agraristas, tem-se por 
escusável a utilização da consagrada expressão "função social da 
propriedade". 
 Na esteira da repercussão do princípio da função social em face do 
novo regime da posse agrária, ensina outro ilustre professor GETÚLIO 
TARGINO LIMA, da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Goiás, 
em obra já mencionada, a posse de imóvel rural não mais pode ser 
encarada como simples exercício de um dos poderes inerentes ao domínio, 
mas sim como um comportamento em relação à coisa que tenha por 
pressuposto o cumprimento da funçãosocial. 
 Essa nova concepção de posse agrária vem contaminando a 
jurisprudência dos tribunais estaduais, não sendo raro encontrar assentado 
em acórdãos que "não se concebe mais a posse como mera emanação do 
domínio. O poder fático sobre a coisa (posse), a partir do regramento 
constitucional, se caracteriza pelo uso econômico do bem". (69) 
 Ressalte-se, porém, não serve esse raciocínio de incentivo a 
invasões de terra praticadas a pretexto de fazer cumprir a função social. 
Conforme jurisprudência do TJRS, citando acórdão do TAMG, não constitui 
"o principio constitucional da função social da propriedade justificativa de 
 27
invasão, a permitir a realização de justiça pelas próprias mãos." (70) 
 Assentado tudo isso, já se pode dizer alguma coisa sobre as regras 
que dão densidade ao princípio da função social do imóvel rural. Essas 
considerações, contudo, serão feitas de maneira perfunctória, dado o 
recorte temático do trabalho. 
 Pois bem. Como antes mencionado, não houve maior preocupação 
da Constituição com a concretização das normas que dispõem acerca do 
princípio da função social da propriedade, salvo em relação aos imóveis 
rurais e, com menor intensidade, em face dos imóveis urbanos. 
 Enfocando os imóveis urbanos, o tratamento um pouco mais 
específico que a Constituição lhes reservou não impediu fosse o tema 
tratado com alto grau de abstração. Dispõe o art. 182, §2º, da CF/88, que a
"propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências 
fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor." (CF, art. 
182, §2º). Desse modo, restou ao legislador municipal ampla margem de 
poder para dizer como será cumprida a função social. A lei do plano diretor 
tratará do assunto. Mas a Constituição também cuida da edição de leis 
municipais específicas (no §4º do mesmo artigo) que poderão regulamentar 
exigências menos genéricas - se comparadas às previsões do plano diretor -
, nos termos definidos na recente Lei 10.257, de 11/07/2001, (71) sob pena 
de serem aplicadas as sanções previstas nos incisos I a IV do mesmo 
parágrafo 4º do art. 182 da CF/88. 
 No tocante aos imóveis rurais, entretanto, a Constituição foi menos 
generosa para com o legislador. De início, percebe-se que só a União 
Federal possui competência material para promover a desapropriação por 
descumprimento da função social do imóvel rural (caput do art. 184), bem 
como para legislar sobre os requisitos a serem atendidos (caput do art. 
186). E dessas restrições, com base na teoria dos poderes implícitos, (72) 
pode-se extrair outra: só a União detém atribuição para fiscalizar e 
controlar a observância da função social do imóvel rural. 
 Conforme consta do artigo 2º da Lei 8.629, de 25/02/93, a 
atribuição para ingressar no imóvel rural, em nome da União, para fins de 
levantamento de dados, é realizada por intermédio de "órgão federal 
competente" (§2º do art. 2º), (73) tarefa essa que vem sendo observada por 
uma autarquia federal, no caso, o INCRA – Instituto Nacional de 
Colonização e Reforma Agrária. Nada indica, porém, essa competência de 
controle tenha sido dada com exclusividade à União, motivo pelo qual se 
afigura válida a possibilidade de delegação a Estados-membros, Distrito 
Federal ou a municípios. (74) 
 Volvendo à Constituição, percebe-se que o art. 185 estabelece zona 
de imunidade à desapropriação por interesse social para fins de reforma 
agrária, mesmo que a função social não esteja sendo observada, em 
relação: (a) à pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, 
desde que seu proprietário não possua outra; e (b) à propriedade produtiva.
 Nesse prumo, a conceituação de pequena e média propriedade 
 28
rural só veio a ser estabelecida com o art. 4º da Lei 8.629/93, pelo qual 
ficou assentado que pequena propriedade é aquela com área compreendida 
entre 1 (um) e 4 (quatro) módulos fiscais (75) e média propriedade é o 
imóvel rural (76) de área superior a 4 (quatro) e até 15 (quinze) módulos 
fiscais. 
 Critica-se a dimensão dessa imunidade expropriatória em relação à 
grande propriedade produtiva, dizendo que a produtividade é apenas um 
dos elementos da função social, motivo pelo qual não basta ser produtivo o 
imóvel rural para que seja considerado cumpridor do princípio. (77) Contudo, 
defende CELSO RIBEIRO BASTOS a opção da Constituição, afirmando que 
parcelar "a propriedade produtiva é prenúncio quase certo de diminuição da 
produção com conseqüente degradação dos níveis sociais já atingidos." (78) 
Desse modo, mesmo que sem o aplauso de toda doutrina pátria, o fato é 
que essa imunidade expropriatória da terra produtiva foi expressamente 
consagrada pela Constituição, que previu ainda a edição de lei que garanta 
tratamento especial ao imóvel rural produtivo, fixando normas para o 
cumprimento dos requisitos da função social (par. único do art. 185). 
 Neste ponto, cabem breves digressões em torno dos pressupostos a
serem observados no atendimento da função social do imóvel rural. A 
começar das regras enumeradas pelo art. 186 da Constituição, o imóvel 
rústico deverá simultaneamente satisfazer os seguintes requisitos: (a) 
aproveitamento racional e adequado; (b) utilização adequada dos recursos 
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente; (c) observância das 
disposições que regulam as relações de trabalho; (d) exploração que 
favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores. 
 De conseguinte, fala-se que o preenchimento da função social do 
imóvel rural exige a presença simultânea de requisitos espalhados em três 
óticas: (79) (a) econômica, ligada à "produtividade" do imóvel rural, ou seja, 
seu aproveitamento racional e adequado; (b) social, abraçando as 
disposições que regulam as relações de trabalho e as que contemplam o 
bem-estar dos que exploram a terra (incluídos aí não só os proprietários e 
trabalhadores, mas os que detém a posse direta do imóvel); (c) ecológica, 
relacionada com a preservação do meio ambiente, concebido como direito 
fundamental de terceira geração, garantido-o à presente e futuras 
gerações. (80) 
 Por óbvio, a Constituição, no caput do art. 186, previu que esses 
requisitos fossem fixados por lei, de modo a atender às peculiaridades da 
região onde se situa cada imóvel rural. E essa tarefa foi confiada à Lei 
8.629/93. 
 Em linhas gerais, o esquema legislativo de fixação dos critérios de 
cumprimento da função social do imóvel rural, conforme estabelecidos pela 
Lei 8.629/93, atualmente alterada pela MP 1.577, de 11/06/97, e reedições 
(atualmente, MP 2.183-56, de 24/08/2001), pode assim ser resumido. 
 O reconhecimento da produtividade da gleba exige sejam atingidos, 
cumulativamente, nos termos do art. 6º da Lei 8.629/93: (a) um percentual
mínimo de 80% do grau de utilização da terra (GUT), e; (b) um percentual 
 29
igual ou superior a 100% do grau de eficiência da exploração econômica 
(GEE). 
 O cálculo do índice do GUT considera a área efetivamente utilizada 
do imóvel, em cotejo com a área potencialmente utilizável, excluídas, desse 
último conceito, por força do art. 10 da Lei 8.629/93, as áreas ocupadas por
construções e instalações, excetuadas aquelas destinadas a fins produtivos, 
como estufas, viveiros, sementeiros, tanques de reprodução e criação de 
peixes e outros semelhantes; as áreas comprovadamente imprestáveis para 
qualquer tipo de exploração agrícola, pecuária, florestal ou extrativa 
vegetal; as áreas sob efetiva exploração mineral; as áreas de efetiva 
preservação permanente e demais áreas protegidas por legislação relativa à 
conservação dos recursos naturais e à preservação do meio ambiente. 
 De sua vez, o GEE é obtido por meio da aplicação de sistemática de 
cálculo que leva em consideração a destinação econômica da gleba em face 
de índices de rendimento consideradosmedianos, de acordo com a região 
onde se localiza o imóvel. Assim, determina o art. 6º, §2º, da Lei 8.629/93, 
que, para os produtos vegetais, divide-se a quantidade colhida de cada 
produto pelos respectivos índices de rendimento estabelecidos pelo órgão 
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso 
I); para a exploração pecuária, divide-se o número total de Unidades 
Animais (UA) do rebanho, pelo índice de lotação estabelecido pelo órgão 
competente do Poder Executivo, para cada Microrregião Homogênea (inciso 
II). Então, a soma dos resultados obtidos na forma anterior é dividida pela 
área efetivamente utilizada e multiplicada por 100 (cem), determinando-se 
assim o grau de eficiência na exploração (GEE) do imóvel rural. Dessa 
forma, um imóvel com níveis de exploração econômica mais eficientes que 
aqueles relativos à média exigida pelos órgãos oficiais poderá obter um 
percentual superior a 100% de GEE. 
 Nada obstante, não há registro de que o Poder Público venha 
respeitando a regra do art. 11 da Lei 8.629/93, que mesmo antes da 
alteração determinada pela MP 1.577/97, já exigia que, na fixação dos 
parâmetros, índices e indicadores que informam o conceito de produtividade
fosse ouvido também o Conselho Nacional de Política Agrícola. 
 De outro turno, mostra-se razoável a Lei 8.629/93, ao não retirar a 
qualificação de propriedade produtiva do imóvel que, por razões de força 
maior, caso fortuito ou de renovação de pastagens tecnicamente conduzida, 
devidamente comprovados pelo órgão competente, deixar de apresentar, no
ano respectivo, os graus de eficiência na exploração, exigidos para a 
espécie (art. 6º, §7º). Assim, os danos à produtividade decorrentes de 
esbulho da área podem ser considerados albergados por essa norma legal, 
como já reconheceu o STF. (81) 
 Pela ótica social, considera a lei que a terra, mesmo produtiva, 
poderá estar desatendendo à função social se quem a explora o faz com 
desrespeito às leis trabalhistas, às disposições dos contratos agrários, bem 
como se não forem observadas as normas de segurança do trabalho ou 
provoca conflitos e tensões sociais no imóvel (§§4º e 5º do art. 9º da Lei 
8.629/93). Aqui, portanto, é importante identificar o agente provocador do 
 30
conflito social, pois com ele a lei não se compadece. Daí por que se 
afiguram materialmente corretas as disposições contidas na atual MP 2.183-
56/2001, que inseriram os §§6º a 8º na redação do art. 2º da Lei 8.629/93. 
(82) 
 O último dos requisitos - mas nem por isso menos importante - a 
ser brevemente analisado diz respeito à utilização adequada dos recursos 
naturais disponíveis e preservação do meio ambiente. 
 De efeito, considera-se adequada a utilização dos recursos naturais 
disponíveis quando a exploração se faz respeitando a vocação natural da 
terra, de modo a manter o potencial produtivo da propriedade (§2º do art. 
9º da Lei 8.629/93). E por preservação do meio ambiente deseja a lei a 
manutenção das características próprias do meio natural e da qualidade dos 
recursos ambientais, na medida adequada à manutenção do equilíbrio 
ecológico da propriedade e da saúde e qualidade de vida das comunidades 
vizinhas (§3º do art. 9º da Lei 8.629/93). (83) 
 Neste ponto, percebe-se a necessidade de ponderar os aspectos 
relativos ao aproveitamento racional e adequado do imóvel rural (ótica 
econômica) em face daqueles referentes à adequada utilização dos recursos 
naturais e a preservação do meio ambiente (ótica ecológica). Assim, na 
fixação dos requisitos da função social do imóvel rural, a lei há de observar 
uma razoabilidade interna (84) que permita a eleição de critérios adequados 
tanto sob a ótica econômica quanto ecológica, daí o motivo de a 
Constituição mencionar, em ambos os casos, a questão da adequabilidade 
(cf. os incisos I e II do art. 186). Dessarte, a fixação do GUT e o GEE não 
pode perder de rumo a vedação à exploração econômica depredatória. É 
preciso saber se os parâmetros de produtividade que vêm sendo fixados 
pelos órgãos do Executivo não estão trabalhando com padrões por demais 
genéricos, ou que não levem em consideração certas peculiaridades ligadas 
à localização dos imóveis rurais. 
 Essa importante questão, aliás, sujeita-se ao controle judicial não 
só para verificar se o "núcleo essencial" do direito de propriedade está 
sendo preservado, diante de eventuais imposições concretamente 
inatingíveis, mas principalmente para que não se exijam graus de 
exploração econômica mais elevados que a própria capacidade de 
regeneração natural do imóvel rural. 
8 – DA FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE IMÓVEL E O NOVO CÓDIGO 
CIVIL 
 Por tudo que foi dito, considerando que a lei há de ser interpretada 
sob a ótica constitucional da qual retira validade, é justificado fazer-se uma 
releitura das normas infraconstitucionais acerca da propriedade à luz do 
princípio da função social. E não há por que excluir desse tratamento 
hermenêutico sequer antigos institutos de direito privado, cujas origens 
remontam o tempo do direito romano. Aqueles recepcionados pela 
Constituição passam a valer ungidos pela função social que condiciona o 
 31
exercício da titularidade da propriedade. Nas palavras de ARAÚJO SÁ: 
 A função social, portanto, na concepção dos estudiosos mais 
acatados, incide no conteúdo do direito de propriedade, impondo-lhe novo 
conceito. A constituição posiciona a propriedade privada como princípio da 
ordem econômica, submetendo-a aos ditames da justiça social. É dizer que 
se legitima a propriedade enquanto cumpre sua função social. É importante 
destacar que a disciplina constitucional deve orientar a compreensão das 
normas de direito privado sobre o direito de propriedade, e não o contrário, 
como costuma ocorrer na prática jurídica nacional. (85) 
 Nessa perspectiva, pelo novo Código Civil, instituído pela Lei 
10.406, de 10/01/2002 (que entrará em vigor um ano após sua publicação, 
ocorrida em 11/01/2002), a questão da função social da propriedade no 
Brasil recebe importantes contribuições e institutos. 
 A começar da seção das disposições preliminares do título relativo à
propriedade (Seção I do Capítulo I do Título III do Livro III da Parte 
Especial), logo após seu respectivo conceito (caput do art. 1.228), o novo 
Código já cuida de traçar pressupostos à utilização do direito de 
propriedade. Seu exercício deverá fazer-se "em consonância com as suas 
finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de 
conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as 
belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, 
bem como evitada a poluição do ar e das águas" (§1º do art. 1.228). 
 Assim, a par de reservar à lei especial o tratamento da ótica 
ecológica da função social, optou o legislador civil por avançar na 
positivação do princípio relativo às finalidades econômicas e sociais da 
propriedade, propiciando ao juiz estabelecer as respectivas regras 
concretas. Foi agora explicitado o que no Código antigo era princípio geral 
implícito norteador do direito de propriedade. (86) 
 Aliás, inova o recente Código ao indicar algumas regras ligadas à 
finalidade social e econômica da propriedade. Esse o caso da norma do art. 
1.229, que apesar de inserir na abrangência da propriedade do solo o 
espaço aéreo e subsolo, (87) retira a garantia de proteção do direito do 
proprietário se desenvolvidas atividades por terceiros a "uma altura ou 
profundidade tais, que não tenha ele interesse legítimo em impedi-las." 
 Da mesma forma, o §2º do art. 1.228 consagrou proibição ao 
abuso do direito de propriedade, ao estabelecer serem "defesos os atos que 
não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam 
animados pela intenção de prejudicar outrem." 
 Nessas regras, a intenção da lei é

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