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TERAPIA NUTRICIONAL NA DOENÇA RENAL CRÔNICA: HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA 3 Objetivo 3 Objetivos específicos 3 Habilidades 3 Ementa 3 1. TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA – MÉTODOS DIALÍTICOS: HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL 5 Hemodiálise 5 Diálise peritoneal 8 2. DIETOTERAPIA, RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS E ESTRATÉGIAS PARA PACIENTES EM TRATAMENTO DIALÍTICO (HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL) 14 Sistema GRADE e nível de evidência científica 15 Aspectos gerais do manejo nutricional de pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico 16 Ingestão energética 19 Ingestão de proteínas 20 Ingestão de fósforo, de potássio e de sódio 23 Ganho de peso interdialítico e controle hídrico 24 Necessidade de suplementação 25 Necessidade de nutrição enteral 26 Necessidade de nutrição parenteral intradialítica 27 Situações especiais 27 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 32 3 APRESENTAÇÃO DA DISCIPLINA Objetivo Abordar os métodos de terapia renal substitutiva (hemodiálise e diálise peritoneal), bem como a dietoterapia para pacientes submetidos a estes métodos. Objetivos específicos Apresentar os métodos hemodiálise e diálise peritoneal. Discutir sobre a dietoterapia de pacientes submetidos a hemodiálise e a diálise peritoneal. Habilidades Compreender como funcionam os métodos dialíticos (hemodiálise e diálise peritoneal) e quais são as recomendações nutricionais e demais estratégias para pacientes submetidos à hemodiálise e à diálise peritoneal. Ementa A disciplina aborda os métodos dialíticos – hemodiálise e diálise peritoneal – implementados como terapia renal substitutiva para pacientes em estágio avançado de doença renal crônica. Não obstante, são apresentadas as recomendações nutricionais e demais estratégias aplicadas a estes pacientes. As informações são baseadas em artigos científicos e órgãos de renome na área. 5 1. TERAPIA RENAL SUBSTITUTIVA – MÉTODOS DIALÍTICOS: HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL Introdução Pacientes com doença renal crônica em estágios mais avançados, em que o comprometimento das funções renais é muito severo, precisam ser submetidos à terapia renal substitutiva, que pode ocorrer através de métodos dialíticos (hemodiálise ou diálise peritoneal) ou de transplante renal. O objetivo da presente seção é apresentar o princípio destes métodos e como eles funcionam, até para que se entenda qual o tipo de procedimento estará sendo aplicado para os pacientes nesta fase do tratamento e qual o melhor manejo nutricional para eles. Abordar a dietoterapia, recomendações nutricionais e estratégias para tais pacientes será o objetivo da próxima seção (Aula 02). Hemodiálise Princípios do método Hemodiálise consiste em um processo de transferência de massa 6 entre o sangue e o líquido de diálise, que ocorre por intermédio de uma membrana semipermeável artificial. A remoção de solutos do sangue se dá por meio de difusão e é baseada no gradiente de concentração do soluto entre o sangue e o dialisato. Há também difusão de algumas substâncias do dialisato para o compartimento sanguíneo, a exemplo do bicarbonato. Para realização da hemodiálise, o sangue é obtido de um acesso vascular e é impulsionado por uma bomba em direção a um sistema de circulação extracorpórea, o qual contempla um filtro, também chamado de dialisador. É neste dialisador onde ocorrem as trocas entre o sangue e o dialisato, que é a solução de diálise. Esse processo ocorre por meio de uma membrana semipermeável. O procedimento de hemodiálise é altamente tecnológico, permitindo, inclusive, que se façam individualizações na prescrição. Não obstante, os equipamentos de hemodiálise possuem sensores de pressão, temperatura, presença de ar, condutividade do dialisato, volume filtrado e outros, fazendo com que o procedimento seja seguro e eficaz. Acesso vascular Quanto ao acesso vascular para realização da hemodiálise, é preciso estabelecer um acesso que forneça um fluxo sanguíneo de 300 a 500 ml por minuto. Os principais tipos de acesso são cateteres, fístula arteriovenosa e enxerto vascular. Destes, a fístula arteriovenosa normalmente é o acesso de escolha para a hemodiálise, haja vista que apresenta menor risco de trombose e de infecção. Esse acesso é realizado por intermédio de anastomose entre artéria e veia – laterolateral ou terminolateral – de forma mais distal possível (ex.: artéria radial e veia cefálica). Esse procedimento é feito por cirurgião vascular. O intuito de a anastomose ser o mais distal possível é para que se poupe os vasos proximais, pois, caso haja falência, a fístula arteriovenosa pode ser reconstruída mais acima. Sugere-se que o acesso seja realizado no membro superior não dominante. É preciso que o acesso seja efetuado alguns meses antes de iniciar o tratamento, de modo que se tenha tempo suficiente para correções, se elas forem necessárias, por exemplo, estenose arterial ou circulação venosa colateral. Contido na maquina Conexão Mais lateral possível Braço Mão Estreitamento 7 As complicações mais comuns decorrentes da fístula arteriovenosa são a falência primária, a estenose e a trombose secundária, as quais podem repercutir em redução parcial ou integral do seu fluxo. Se o paciente não puder ser submetido à fístula arteriovenosa por que apresenta vasos de pequeno calibre ou por outras complicações, pode-se optar pelo enxerto arteriovenoso. Essa opção apresenta benefícios e malefícios, sendo os benefícios a maior superfície para canulação e o menor tempo de maturação, e o malefício é a menor sobrevida, comparada com a fístula arteriovenosa. Dialisador e dialisato Em relação ao dialisador, este é constituído de dois compartimentos, sendo que em um deles circula o sangue e no outro circula o dialisato. Estes compartimentos comunicam-se entre si por meio de uma membrana semipermeável, a qual tem a capacidade de maximizar a área de contato entre os líquidos. Comumente, utilizam-se membranas sintéticas, como polissulfona, e as de celulose modificada, por exemplo a de acetato de celulose. Em relação ao dialisato, a sua composição usual é: Sódio: 135 a 145 mEq/L Potássio: 1 a 3 mEq/L Bicarbonato: 30 a 38 mEq/L Cálcio: 2,5 a 3,5 mEq/L Magnésio: 0,5 a 1 mEq/L Cloro: 100 a 124 mEq/L Acetato: 2 a 4 mEq/L Glicose: 100 a 200 mg/L Além destes, os pacientes são expostos à cerca de 150 L de água por sessão de diálise, sendo que a qualidade dessa água deve ser monitorada com frequência. Aspectos sobre prescrição A anticoagulação é necessária durante o processo de hemodiálise, normalmente sendo feita com hepática sódica, na dose de 100 U/kg, a qual deve ser administrada no início da hemodiálise. Pode-se ainda infundir heparina continuamente à hemodiálise, devendo ser interrompida uma hora após o final da sessão para que se evite o risco de hemorragia. Para pacientes que apresentem alto risco ligação veia - - arteria 8 de sangramento, a hemodiálise deve ser feita sem heparina. No que tange à prescrição da hemodiálise, o mais usual é que sejam realizadas três sessões por semana, com duração de cerca de 4 horas por sessão, sendo o fluxo sanguíneo de 300 ml por minuto e o fluxo de dialisato de 500 ml por minuto. Caso haja impossibilidade de se atingir o peso seco (menor peso em que o paciente se apresenta clinicamente bem), deve-se agendar uma sessão adicional de hemodiálise. A complicação mais comum da hemodiálise é a hipotensão arterial, ocorrendo em cerca de 20 a 30% dos procedimentos realizados, que pode vir acompanhada de náuseas, vômitos, cãibras, sudorese,taquicardia, dor precordial e confusão mental. Não obstante, é comum a presença de cefaleia, a qual vincula-se ao aumento de bradicinina e óxido nítrico durante a sessão de hemodiálise. A reação pirogênica também pode ocorrer após a sessão de hemodiálise, a qual consiste em febre, tremor, mialgia e instabilidade hemodinâmica. Neste caso, pode tratar-se o episódio febril com antitérmicos e a instabilidade hemodinâmica com reposição de solução salina isotônica. Outro ponto crítico de ser levado em consideração é que alguns fármacos podem ser removidos durante a sessão de hemodiálise, necessitando de dose suplementar. Considerando esse ponto, deve-se atentar aos pacientes com arritmia cardíaca. Diálise peritoneal Princípios do método e aspectos gerais Diálise peritoneal consiste no método em que há troca de solutos e fluidos entre o sangue dos capilares peritoneais e a solução de diálise aplicada na cavidade abdominal, a qual chamamos de dialisato. Esse processo ocorre por meio de um cateter e utiliza a membrana peritoneal como uma superfície dialisadora. Deve-se ter extremo cuidado para realizar a conexão entre as bolsas e o cateter, de modo que essa ocorra de forma estéril, impedindo a contaminação e complicações. Para tal, exige-se cuidador treinado ou equipe de enfermagem especializada. Area localizada sobre o coração Ambos vasos dilatádores 9 É preciso admitir que a diálise peritoneal apresenta como grande vantagem a sua portabilidade, pois há maior liberdade, independência e autonomia, quando em comparação com a hemodiálise. Outra grande vantagem é a maior liberdade na dieta (incluindo alimentos e líquidos), pois o processo de diálise é feito com maior continuidade (diariamente). De maneira muito simplista, pode-se dizer que o movimento de solutos ocorre por meio de transporte difusional e convectivo, ao passo que a remoção de líquidos ocorre através de gradiente osmótico gerado pela adição de agentes osmóticos à solução de diálise. Alguns solutos movem-se do sangue ao dialisato (ex.: ureia, creatinina e potássio), enquanto outros movem-se em direção oposta, ou seja, do dialisato ao sangue, como o bicarbonato. Para que a diálise peritoneal seja viável, precisa-se do implante de um cateter na cavidade abdominal, permitindo o fluxo bidirecional da solução de diálise. É preciso aguardar pelo menos duas semanas entre o implante do cateter e o início da terapia dialítica. A esse período, dá-se o nome de break-in e o seu intuito é evitar o vazamento do dialisato. Caso não seja possível aguardar esse período, deve-se realizar trocas com volumes reduzidos, de preferência em posição supina e usando-se heparina sódica nas primeiras trocas. Tipos de diálise peritoneal A diálise peritoneal crônica pode ser prescrita de algumas formas diferentes, como diálise peritoneal intermitente, diálise peritoneal ambulatorial e diálise peritoneal automatizada. A diálise peritoneal intermitente está praticamente em desuso nos dias atuais. Ocorre em sessões que duram até 24 horas, de forma que se realizem trocas a cada 60 minutos, manualmente ou com equipamento especial ou cicladora. A diálise peritoneal ambulatorial contínua usualmente contempla cerca de 4 a 5 trocas diariamente, de 2 a 2,5 litros cada, de forma que cada troca permaneça cerca de 4 a 8 horas na cavidade abdominal. Os processos nessa modalidade são sempre feitos de forma manual. A diálise peritoneal automatizada é bastante prática, 10 porém também bastante onerosa, e consiste em cerca de 3 a 6 trocas, as quais são realizadas por meio de uma cicladora automática no período noturno. Esse método permite mais autonomia e independência ao paciente, favorecendo a qualidade de vida. Características do dialisato A composição do dialisato varia de acordo com a concentração de glicose em 1,5%, 2,5% e 4,25%, e de acordo com a concentração de cálcio em 2,5 mEq/L e 3,5 mEq/L. Os outros nutrientes tendem a ser padrão para a maioria dos fornecedores – sódio: 132 mEq/L, cloro: 95 a 102 mEq/L e lactato 35 a 40 mEq/L. O pH do dialisato tende a ser de 5,5 para que não haja caramelização da glicose durante o processo de aquecimento com fins de esterilização. Em razão do pH ácido, alguns pacientes podem sentir dor durante a infusão do dialisato, apesar de isso ser pouco comum. Para atenuar esse problema, desenvolveu-se bolsas com dois compartimentos, de modo que se possa usar bicarbonato para aumentar o pH, sem a formação de produtos de degradação de glicose. Percebe-se que soluções de pH neutro melhoram a integridade da membrana peritoneal e reduzem a resposta inflamatória. Como resultado do alto conteúdo de glicose no dialisato, observa-se maior risco de desenvolvimento de hiperglicemia, resistência à insulina, diabetes mellitus e obesidade nos pacientes submetidos à diálise peritoneal. O excesso de glicose no dialisato tem sido um motivo pelo qual o uso do método (diálise peritoneal) tem sido reduzido e parcialmente substituído pela hemodiálise. Como alternativa, pode-se utilizar preparações com aminoácidos como agente osmótico, apesar do aumento do risco de acidose e aumento das concentrações de ureia, o que faz com que essas preparações possam ser utilizadas apenas uma vez ao dia. Parece que as preparações com aminoácidos são interessantes para pacientes desnutridos. Um dos aminoácidos que pode ser utilizado como substituto da glicose é a L-carnitina. Um benefício do uso deste aminoácido é o seu estímulo sobre a eritropoiese, atenuando o risco de anemia, que, por sua vez, é comum em pacientes com doença renal crônica. Estimulo de produção e maturação de globulos vermelhos 11 Outra alternativa ao uso de preparações com elevadas quantidades de glicose é o uso de preparações com icodextrina (7,5%), a qual é absorvida muito mais lentamente do que a glicose. Complicações da diálise peritoneal Algumas das principais complicações de diálise peritoneal são: vazamento pericateter, falências de drenagem, dor na infusão, edema, hérnias, entre outros. O vazamento pericateter deve ser resolvido pela interrupção temporária da diálise peritoneal, pela mudança do sistema para diálise intermitente noturna ou, em último caso, pela troca do cateter. Já em caso de falência de drenagem, deve-se checar as dobras do cateter na parece abdominal e, se necessário, trocar o cateter. Se existir constipação intestinal associada, é preciso resolver o quadro (ex.: com uso de laxativos) para resolução da falência de drenagem. Ainda pode ocorrer falência de drenagem pela translocação do cateter, podendo-se exigir reposição usando fio-guia, peritoneoscopia ou troca do cateter. A falência de drenagem também pode ocorrer quando a ponta do cateter está bloqueada pelo omento, devendo-se proceder com a omentectomia. A dor com a infusão pode decorrer do baixo pH do dialisato, de sua temperatura (se superaquecido) e da pressão que o dialisato exerce na estrutura intra- abdominal. Nestes casos, pode-se verificar a possibilidade de se usar soluções com pH neutro, atentar-se à temperatura do dialisato (revisar com o responsável o procedimento de aquecimento da bolsa) e diminuir a velocidade de infusão. A falência de ultrafiltração é uma das causas de sobrecarga de volume, sendo compreendida como um fator de risco para distúrbios cardiovasculares. Se o volume de ultrafiltração estiver normal, deve- se investigar se há ingestão excessiva de sal e/ou de água, se há perda da função renal residual, se há absorção excessiva de dialisato durante troca longa, se há uso insuficiente de soluçãohipertônica e, finalmente, se o paciente está aderindo adequadamente à prescrição. Se o volume de ultrafiltração estiver reduzido, diversos tipos de falência podem estar ocorrendo, como tipo I (dissipação do gradiente peritônio dobrado 12 osmótico pela absorção de glicose para a circulação), tipo II (diminuição da superfície peritoneal, ex.: por fibrose), tipo III (aumento da absorção do dialisato). Na falência tipo I, pode-se usar icodextrina ao invés de glicose ou evitar longos períodos de permanência, e nos tipos II e III pode-se reduzir os volumes de troca e o tempo de permanência, usar icodextrina, interromper temporariamente a diálise peritoneal ou substituir o método dialítico. As hérnias podem ocorrer em cerca de 10 a 25% dos pacientes submetidos à diálise peritoneal e causam aumento da pressão intra- abdominal, por isso têm que ser corrigidas por método cirúrgico. A diálise peritoneal pode ser retomada em um a dois dias após a cirurgia, porém com menores volumes de infusão. A peritonite é a complicação mais grave em pacientes submetidos à diálise peritoneal, podendo causar dor e febre, e sendo percebida por meio de líquido de diálise turvo e pelo aumento da contagem de leucócitos no dialisato (acima de 100 leucócitos/mcL), com predomínio de, no mínimo, 50% de polimorfonucleares. O tratamento consiste na aplicação de antibióticos via intraperitoneal ou sistêmica por pelo menos 14 dias. Finalmente, é válido pontuar que se a complicação da diálise peritoneal não for resolvida em tempo hábil, deve-se considerar a alteração do sistema para a hemodiálise, de modo a evitar maior risco de morbidade e de mortalidade ao paciente. 14 2. DIETOTERAPIA, RECOMENDAÇÕES NUTRICIONAIS E ESTRATÉGIAS PARA PACIENTES EM TRATAMENTO DIALÍTICO (HEMODIÁLISE E DIÁLISE PERITONEAL) Introdução A dietoterapia, as recomendações nutricionais e as estratégias para pacientes em tratamento dialítico (hemodiálise e diálise peritoneal) são completamente diferentes daquelas endereçadas a pacientes em tratamento conservador, apesar de ambos os tipos de pacientes apresentarem doença renal crônica. Do ponto de vista nutricional, pode-se compreender que não existem recomendações nutricionais gerais para pacientes com doença renal crônica, sendo que o tratamento nutricional será completamente diferente de acordo com o estágio da doença renal crônica e qual terapia está sendo implementada. Assim, consegue-se compreender que antes de pensar em estratégias para o paciente com 15 doença renal crônica, precisa-se entender se este paciente está em tratamento conservador, dialítico ou será submetido ao transplante renal. Um erro clássico é pensar que todo paciente com doença renal crônica precisa ser submetido à restrição proteica, por exemplo, sendo que no tratamento dialítico a diminuição na oferta de proteínas pode trazer mais malefícios do que benefícios, aumentando o risco de desnutrição e de sarcopenia – quadros que prejudicam severamente a qualidade de vida e a autonomia do paciente, bem como aumentam o risco de morbidades e de mortalidade. Na presente seção, serão apresentadas as recomendações nutricionais para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico, comparando-as com as recomendações destinadas a pacientes com doença renal crônica em tratamento conservador. Será apresentado o nível de evidência científica das recomendações propostas por órgãos de renome na área, como a BRASPEN (Brazilian Society of Parenteral and Enteral Nutrition), bem como estratégias publicadas recentemente na literatura. Sistema GRADE e nível de evidência científica Antes de apresentar a dietoterapia, as recomendações nutricionais e as estratégias para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico, é preciso apresentar brevemente o sistema GRADE (Grading of Recommendations, Assessment, Development and Evaluation), o qual define a qualidade da evidência científica em quatro níveis, sendo eles: alto, moderado, baixo e muito baixo. No Quadro 1, é explicado cada um destes níveis, de forma que se compreenda melhor o significado que eles têm ao serem atribuídos às recomendações nutricionais, tendo papel decisivo na adoção ou não daquela conduta na prática clínica. É importante salientar, entretanto, que as intervenções aplicadas na prática clínica devem levar em consideração as individualidades do paciente, as circunstâncias e as possibilidades locais, as condições clínicas e afins, bem como o próprio julgamento profissional. 16 Aspectos gerais do manejo nutricional de pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico Apesar de existir instrumentos específicos e validados para a triagem do estado nutricional de pacientes com doença renal crônica, o Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (KDOQI)/Academy 2020 não sugere nenhuma ferramenta específica para tal. No entanto, parece que o instrumento MST – Malnutrition Screening Tool – pode ser utilizado para triar o risco de desnutrição em pacientes com doença renal crônica (seja em tratamento conservador ou dialítico), sendo o nível de evidência científica considerado como moderado. Evidências a partir de revisão sistemática demonstram que o MST apresentou bons resultados no que concerne aos parâmetros grau de validade, concordância e confiabilidade, de forma independente de idade, história clínica ou local de atendimento do paciente. O MST foi validado para pacientes hospitalizados, ambulatoriais e em reabilitação, que estejam sob cuidados agudos ou crônicos. Por tratar-se de uma ferramenta simples, pode ser 17 aplicado pelo próprio paciente, familiares, cuidadores ou profissionais da área da saúde, como nutricionistas. O Quadro 2 apresenta a ferramenta MST traduzida para o português. Além dessa ferramenta, a BRASPEN (2021) sugere que a perda não intencional de peso, maior do que 10% nos últimos seis meses, é uma informação relevante de ser questionada e pode ser um indicativo de desnutrição. Pode-se ainda utilizar o índice de massa corpórea (IMC), sendo que, quando abaixo de 18 kg/m², pode ser um indicador de maior risco de mortalidade. Salienta-se que o peso corporal isolado pode não ser um bom marcador, pois é influenciado pela retenção hídrica comum em pacientes com doença renal. A ingestão energética e proteica também pode indicar do estado nutricional do paciente, sendo que a ingestão energética insuficiente foi associada à pior sobrevida em um período de 10 anos. O ganho de peso 18 interdialítico (GPID) abaixo de 2% pode ser um indicativo de baixa ingestão alimentar e está associado ao maior risco de mortalidade de pacientes em hemodiálise. Pode-se ainda utilizar as dobras cutâneas para auxiliar na determinação do estado nutricional do paciente, sendo que as dobras mais acuradas para pacientes com doença renal crônica são a tricipital e a subescapular. Parece, entretanto, que as dobras cutâneas podem subestimar a gordura corporal (informação obtida a partir de estudo comparando dobras cutâneas com DEXA). A bioimpedância também pode ser utilizada, devendo ser aplicada 30 minutos após a sessão de hemodiálise – tempo hábil para permitir a redistribuição dos líquidos corporais. A avaliação da força e da função muscular está atrelada ao conteúdo de massa muscular. A força pode ser aferida por meio da dinamometria, podendo incluir os testes de força de preensão palmar e de pinçamento dos dedos. Parece que a baixa força de preensão palmar para pacientescom doença renal crônica em tratamento dialítico relacionou-se ao maior risco de mortalidade. Outros parâmetros também vinculados à mortalidade quando em resultados insatisfatórios foram: velocidade de marcha e atividades de vida diária. Interessantemente, a razão circunferência de cintura/estatura parece ser mais sensível do que a circunferência de cintura isolada e o IMC para identificar o risco de doenças cardiovasculares e de doenças crônicas, podendo também ser indicativo de mortalidade. A junção das ferramentas supramencionadas na determinação da composição corporal, do estado nutricional e do risco de morbidades e de mortalidade em pacientes com doença renal crônica apresenta nível de evidência científica alto. Finalmente, a Avaliação Subjetiva Global (ASG), do inglês Subjective Global Assessment, parece também ser recomendada para avaliar desnutrição em pacientes com doença renal crônica, apresentando nível de evidência científica moderado. A avaliação negativa nesta ferramenta parece relacionar-se ao maior risco de mortalidade. O KDOQI/Academy 2020 recomenda a ASG de sete pontos para pacientes com doença renal crônica em estágio 5 e o Escore de Desnutrição-Inflamação, do inglês Malnutrition-Inflammation Score, para pacientes em 19 hemodiálise e após transplante renal. A Figura 1 apresenta a ASG de sete pontos e a Figura 2 apresenta o Escore de Desnutrição- Inflamação. Uma nova ferramenta também parece promissora, apesar de não ser ainda completamente esclarecida na literatura – Características Clínicas da Desnutrição, do inglês Malnutrition Clinical Characteristics. Essa ferramenta parece indicar tempo de internação e risco de mortalidade, bem como é considerada como mais objetiva do que a ASG, facilitando sua aplicação, já que é sugerido que pacientes com doença renal crônica entre os estágios 1 e 3 sejam avaliados a cada seis meses, ao passo que pacientes entre os estágios 4 e 5 devem ser avaliados a cada três meses. Ingestão energética A recomendação de ingestão de energia para pacientes com doença renal crônica em tratamento conservador ou dialítico é de 25 a 35 kcal/kg de peso/dia, devendo-se levar em consideração questões como: idade, gênero, nível de atividade física, estado nutricional, estágio da doença renal crônica, comorbidades e se o paciente está metabolicamente estável. Vale salientar, entretanto, que essa evidência cientifica apresenta nível baixo. Destaca-se que vários fatores podem influenciar a demanda energética do paciente e devem ser considerados no momento do estabelecimento do valor energético total (VET) da dieta, como: inflamação, diabetes, sarcopenia, alterações no funcionamento da tireoide (ex.: hipotireoidismo e hipertireoidismo), hiperparatireoidismo e outros. Apesar da recomendação, deve- se ter em mente que pacientes com obesidade podem necessitar de ingestão energética menor (pois o tecido adiposo é menos metabolicamente ativo), ao passo que pacientes hipercatabólicos podem necessitar de um aporte calórico maior. O acompanhamento nutricional é de suma importância para identificar se o paciente está ganhando ou perdendo peso, bem como se o objetivo inicial está sendo alcançado. A partir de estudos com calorimetria indireta foi possível observar que o gasto energético de pacientes com doença renal crônica é semelhante ou inferior ao de indivíduos saudáveis. Observou-se, 20 também, que para pacientes com doença renal crônica e obesidade, a recomendação máxima (35 kcal/kg de peso/dia) parece superestimar o gasto energético. Não obstante, as equações de Harris & Benedict e Schofield também parecem superestimar as necessidades destes pacientes. Deve-se admitir que há uma lacuna na literatura sobre qual peso corporal – ideal, atual ou ajustado para obesidade – utilizar nas fórmulas preditivas do gasto energético para pacientes com doença renal crônica. Considerando o exposto, entende-se que mais estudos são necessários para confirmar a recomendação atual ou estabelecer uma nova recomendação de ingestão energética para pacientes com doença renal crônica. Ingestão de proteínas Como já mencionado nesse material, um erro clássico é pensar que a restrição proteica é necessária para todo paciente com doença renal crônica. Para se ter ideia, a recomendação de ingestão diária de proteínas é de 1,2 g/kg de peso para pacientes em tratamento dialítico – hemodiálise ou diálise peritoneal, bastante diferente da recomendação para pacientes em tratamento conservador, que pode variar entre 0,3 a 0,8 g/kg de peso/dia (consultar apostila específica sobre tratamento conservador). O nível de evidência científica destas recomendações é de qualidade moderada. A mudança nas recomendações de ingestão proteica para pacientes em tratamento conservador e terapia dialítica consiste no fato de que há significativa perda de aminoácidos e de proteínas durante os procedimentos dialíticos, bem como comprometimento à síntese de novas proteínas e hipercatabolismo proteico – este último em razão de inflamação, acidose metabólica e outros fatores. Não obstante, no tratamento conservador o objetivo é retardar a progressão da doença, porém, no tratamento dialítico, o paciente já encontra-se em estágio avançado, necessitando de terapia substitutiva, pois a função renal já está deveras comprometida. Perceba que a recomendação de ingestão proteica para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico é ainda maior que do que a recomendação proteica para indivíduos saudáveis. Salienta- se que, em situações específicas, como na presença de diabetes 21 mellitus, a recomendação proteica para o paciente com doença renal crônica em tratamento dialítico pode ser ainda maior, o que poderia auxiliar no controle glicêmico, em casos de hiperglicemia ou hipoglicemia. 22 23 Ingestão de fósforo, de potássio e de sódio Segundo a BRASPEN (2021), a restrição de fósforo para pacientes com doença renal crônica entre os estágios 3 e 5 (tratamento conservador, dialítico ou transplante) só é necessária em caso de hiperfosfatemia persistente e progressiva, devendo-se avaliar também os níveis séricos de cálcio e de paratormônio. Nestes casos, deve-se restringir não só os alimentos que naturalmente são fontes de fósforo, mas principalmente alimentos industrializados e ultra processados que contêm aditivos alimentares ricos em fósforo. O fósforo presente em aditivos alimentares está na forma de fósforo inorgânico, cuja absorção intestinal é mais alta. Para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico que precisem restringir fósforo, mas, que ao mesmo tempo, exigem uma maior oferta de proteínas, deve-se incluir na dieta alimentos com menor razão fósforo/proteína, como clara de ovo e carnes, devendo-se evitar os laticínios. As recomendações acerca da ingestão de fósforo são baseadas em evidências científicas de nível moderado. Similarmente ao fósforo, a ingestão alimentar de potássio deve garantir que as concentrações sanguíneas deste eletrólito estejam dentro da normalidade. Em caso indicativo de hipercalemia, deve-se restringir a oferta desse nutriente na dieta, restringindo não somente os alimentos que naturalmente são fontes de potássio, mas especialmente aqueles industrializados e ultra processados que contêm potássio na sua formulação na forma de aditivos alimentares. O potássio proveniente de aditivos alimentares pode aumentar o teor deste mineral nos 24 alimentos em cerca de 20%. As informações acerca da ingestão de potássio para pacientes com doençarenal crônica são advindas de opiniões de especialistas. Em relação ao sódio, a ingestão deste eletrólito por pacientes com doença renal crônica deve ser inferior a 2,3 g/dia, sendo que o nível de evidência dessa recomendação é moderado. É válido lembrar que essa recomendação deve ser individualizada e ajustada em casos de hipertensão arterial sistêmica, de acordo com o estado nutricional, segundo o ganho de peso interdialítico, na presença de acidose, hiperglicemia, hipercatabolismo, distúrbios no trato gastrointestinal (ex.: vômito e diarreia) etc. Ganho de peso interdialítico e controle hídrico O ganho de peso interdialítico (GPID) recomendado para pacientes submetidos à hemodiálise é de 2 a 4% do peso corporal seco, sendo que a ingestão de líquidos deve se basear no GPID, porém, não se sabe ao certo o quanto de líquidos deve-se ingerir para manter o GPID dentro da normalidade. Essa recomendação é baseada em evidência científica de qualidade moderada. Interessantemente, o GPID tanto excessivo quanto insuficiente em pacientes com doença renal crônica submetidos à hemodiálise parece ser indicativo de risco aumentado de morbidade e de mortalidade. Como já mencionado anteriormente, o GPID baixo relaciona-se à baixa ingestão alimentar e desnutrição, porém, o que mais observa-se na prática são pacientes com alto GPID, o que pode comprometer a saúde cardiovascular, a qualidade de vida, aumentar os custos de saúde, exigir maiores cuidados e, inclusive, aumentar o tempo de diálise. O motivo do alto GPID normalmente é o consumo excessivo de sódio e de líquidos. Durante a sessão de hemodiálise, a retirada do excesso de GPID aumenta a sensação de sede, em razão da hiperosmolaridade sérica. Como resultado, pacientes sentem muita sede após a sessão de hemodiálise – situação que se mantém por horas após o procedimento – e decorre da perda de água e de sódio durante o procedimento. Além do controle da ingestão de sódio e de líquidos após a sessão de hemodiálise para evitar o GPID 25 excessivo, outra opção é substituir um dialisato que contenha menor concentração de sódio. Necessidade de suplementação Aparentemente, tal como para a população saudável, pacientes com doença renal crônica só necessitarão de suplementação com vitaminas e minerais caso a ingestão alimentar seja insuficiente e/ou caso exames laboratoriais e físicos indiquem deficiência nutricional. Quando a suplementação for necessária, ela deve ser baseada na Ingestão Dietética de Referência, do inglês Dietary Reference Intakes (DRIs), podendo diferir-se destas recomendações apenas em casos específicos, como na deficiência de vitamina D, em que as doses podem ser mais elevadas (vale lembrar que doses acima da UL são de prescrição médica exclusiva). Deve-se admitir que os pacientes com doença renal crônica podem apresentar maior risco em desenvolver deficiências nutricionais, haja vista as inúmeras limitações dietéticas, as perdas durante os procedimentos dialíticos, a absorção intestinal muitas vezes prejudicada (alguns estudos pontuam até o maior risco de disbiose intestinal), o uso de medicamentos (os quais podem interferir na biodisponibilidade de nutrientes) e as alterações metabólicas induzidas pela própria doença. Apesar disso, a suplementação contínua só é indicada na presença de deficiências nutricionais, devendo-se ofertar todos os nutrientes necessários principalmente pela dieta, e não via suplementos. Ressalta-se o papel do profissional nutricionista – o único profissional habilitado em elaborar planos alimentares que supram as necessidades energéticas e nutricionais de indivíduos sadios ou enfermos. É importante enfatizar ainda que se a doença renal crônica estiver associada a outras condições, como gestação, cirurgia bariátrica, vegetarianismo, idade avançada e afins, deve-se considerar a condição associada no momento da escolha ou não da suplementação. Por exemplo, gestantes precisam suplementar com alguns nutrientes, haja vista que a recomendação de alguns deles (ex.: ferro) é tão elevada que é inviável de ser ofertada via dietética. Outro exemplo são os pacientes veganos que usualmente são deficientes em vitamina B12, pois não consomem quantidades 26 suficientes desta vitamina em sua dieta. Pacientes pós-bariátricos também apresentam inúmeras deficiências nutricionais, haja vista a limitação da absorção intestinal. Em relação a formulações de suplemento nutricional oral (SNO), essas só devem ser ofertadas se a dieta não suprir as necessidades energéticas e proteicas, ou se existir risco eminente de desnutrição. O SNO pode ser industrial ou artesanal, sendo que a sua exata composição nutricional não é ainda clara na literatura. Se não existir defasagens nutricionais severas e alterações metabólicas graves, sugere-se que o aporte com o SNO não ultrapasse 20 a 25% da necessidade total do paciente. Caso o paciente apresente alterações metabólicas específicas, como hipercalemia e hiperfosfatemia, ele precisará de SNO individualizado ao seu caso. Apesar de se recomendar que o SNO seja ofertado por pelo menos três meses, na prática, esta estratégia apresenta baixa adesão, principalmente em razão dos efeitos colaterais gastrointestinais. Modular, na fórmula, características como sabor, cheiro, aparência e textura pode aumentar a aceitabilidade. A recomendação é que os pacientes usem o SNO de duas a três vezes ao dia, uma hora após as refeições. Para pacientes em hemodiálise, uma estratégia pode ser ofertar o SNO durante as sessões de hemodiálise, o que poderia melhorar o estado nutricional destes pacientes. No entanto, vale ressaltar que essa prática ainda é controversa, pois pode causar hipotensão, o que oferece riscos ao paciente. Salamon & Lambert (2018) observaram que a oferta de SNO líquido, contendo 200 ml e 1,25 kcal/ml, e SNO sólido, na forma de barrinha hiperproteica, melhoraram parâmetros de desnutrição em pacientes com doença renal crônica submetidos à diálise peritoneal após 16 semanas de uso. Percebeu-se que os pacientes preferiram o SNO fluido ao sólido. Necessidade de nutrição enteral A nutrição enteral será indicada apenas quando a ingestão oral – dieta + SNO – for insuficiente para alcançar as necessidades calóricas e nutricionais do paciente, aumentando o seu risco de desnutrição. Sugere-se a utilização de fórmulas específicas para pacientes com doença renal crônica, pois tendem a ter menos eletrólitos. 27 Salienta-se, entretanto, que o nível de evidência sobre a nutrição enteral em pacientes com doença renal crônica é baixo. Necessidade de nutrição parenteral intradialítica A nutrição parenteral só será necessária quando a ingestão oral (dieta + SNO) for insuficiente para alcançar as recomendações energéticas e nutricionais, podendo levar à desnutrição. Este método parece ser seguro e prático para pacientes sob hemodiálise, pois é efetuado durante a sessão dialítica, podendo controlar o hipercatabolismo durante o processo. Sugere-se que o aporte parenteral seja de, aproximadamente, 1.000 kcal e 50 a 60 g de aminoácidos por sessão, permitindo o aporte semanal via parenteral de cerca de 3.000 kcal e 150 a 180 g de aminoácidos. O interessante desse método é que a taxa de retenção de nutrientes via parenteral é de quase 100%, ao passo que via intestinal esse valor decai para cerca de 60%. Ressalta-se que o nível de evidência científica é baixo para a nutrição parenteral em pacientes com doença renal crônica. Ensaio clínico randomizado e controlado, realizado por Marsen et al. (2017), com pacientes com doençarenal crônica submetidos à hemodiálise e com indícios de má nutrição, observou que a nutrição parenteral intradialítica ofertada três vezes por semana, ao longo de 16 semanas, foi capaz de melhorar parâmetros de desnutrição, como os níveis sanguíneos de pré-albumina. Situações especiais Gestantes A recomendação energética diária para gestantes com doença renal crônica submetidas à hemodiálise é de 25 a 35 kcal/kg de peso e para aquelas submetidas à diálise peritoneal é de 25 kcal/kg de peso (menos kcal pela maior contribuição da glicose na diálise peritoneal), devendo-se utilizar o peso pré-gestacional para o cálculo. No primeiro trimestre da gestação devem ser acrescentadas 85 kcal/dia, no segundo 275 kcal/dia e no terceiro 475 kcal/dia. Em relação à ingestão proteica, gestantes em hemodiálise devem ingerir diariamente cerca de 1,2 g/kg de peso, ao passo que as gestantes submetidas à diálise peritoneal devem receber cerca de 1,4 g/kg de 28 peso, utilizando-se o peso pré- gestacional. Ressalta-se, entretanto, que o nível de evidência científica destas recomendações é baixo. Vale salientar que mulheres com doença renal crônica apresentam maior dificuldade em engravidar, pois possuem desequilíbrio no eixo hormonal hipotalâmico-hipofisário-gonadal, o que pode culminar em irregularidades no ciclo menstrual e anovulação. Salienta-se, ainda, que mulheres com doença renal crônica tendem a ter gestações com uma gama de complicações, dentre elas: hipertensão gestacional, polidrâmnio (líquido amniótico em excesso), crescimento intrauterino comprometido, prematuridade e pré-eclâmpsia, exigindo bastante atenção e cautela. Crianças Não se recomenda restrição de proteínas ou um aporte energético diferente para crianças com doença renal crônica, quando em comparação com crianças saudáveis. O intuito dessa recomendação é evitar prejuízos no crescimento e desenvolvimento da criança. Em contrapartida, algumas evidências têm indicado sobrepeso em crianças com doença renal crônica, o que poderia ser explicado parcialmente pelo conteúdo de energia e de glicose no dialisato de crianças submetidas à diálise peritoneal, exigindo atenção e cautela. Para bebês com doença renal crônica, o aleitamento materno deve ser realizado normalmente até os seis meses de vida. Se o aleitamento materno for insuficiente ou não for possível, sugere-se a oferta de fórmulas com proteínas do soro do leite, as quais podem ser fortificadas com nutrientes. Ressalta-se que o nível de evidência científica destas recomendações é baixo. Idosos Recomenda-se a oferta proteica diária de 1,2 a 1,5 g/kg de peso para idosos submetidos à hemodiálise ou à diálise peritoneal. Deve-se atentar à ingestão proteica adequada, pois idosos com doença renal crônica apresentam maiores chances de apresentar síndrome de fragilidade, cujas características principais são: perda de peso não intencional, exaustão, lentidão ao caminhar, redução da funcionalidade e afins. A 29 inflamação, a acidose metabólica e as deficiências nutricionais, como a hipovitaminose D, também podem contribuir para o desenvolvimento da síndrome de fragilidade. Essas evidências científicas apresentam qualidade moderada. O Quadro 3 apresenta as principais recomendações nutricionais para pacientes com doença renal crônica em tratamento dialítico. Estudos científicos recentes têm testado novas estratégias para pacientes com doença renal crônica. No entanto, é imprescindível pontuar que muitas destas intervenções ainda são dúbias e controversas na literatura, devendo ser consideradas com cautela. Dentre estas estratégias, destaca-se a suplementação com probióticos, prebióticos e simbióticos. Pacientes com doença renal crônica parecem apresentar disbiose intestinal, especialmente nos últimos estágios da doença. A disbiose intestinal pode trazer sinais/sintomas a estes pacientes, como diarreia ou constipação intestinal, desconforto no trato gastrointestinal, gases, cólica etc. Neste cenário, estratégias que podem modular a microbiota intestinal, como a suplementação com probióticos, prebióticos e simbióticos, poderiam ser benéficas para pacientes com doença renal crônica. Em revisão sistemática com meta-análise, Nguyen et al. (2021) demonstraram que a suplementação com probióticos, prebióticos e simbióticos para pacientes com doença renal crônica em hemodiálise reduziu parâmetros de inflamação (ex.: redução de IL-6 e proteína C reativa), de estresse oxidativo (ex.: diminuição de malondialdeído, aumento de glutationa e da capacidade antioxidante total) e diminuiu a concentração de endotoxinas. Adicionalmente, Soleimani et al. (2016) observaram que a suplementação com probióticos para pacientes com doença renal crônica e diabetes mellitus modulou diversos parâmetros do metabolismo glicídico, como glicemia de jejum, insulina sérica, hemoglobina glicada, sensibilidade à insulina e funcionamento das células beta-pancreáticas. De forma similar ao estudo de Nguyen et al. (2021), Soleimani et al. (2016) também obtiveram melhora de parâmetros vinculados à inflamação (proteína C reativa) e ao estresse oxidativo (malondialdeído e capacidade antioxidante total). 30 Outra estratégia estudada é a suplementação com L-carnitina, haja vista que pacientes com doença renal crônica submetidos à terapia dialítica tendem a ter deficiência desse aminoácido. Kuwasawa- Iwasaki et al. (2020) suplementaram L-carnitina para pacientes submetidos à diálise peritoneal e à hemodiálise e perceberam diminuição dos episódios de câimbras, apesar de não ter havido diferença significativa nos episódios de espasmo muscular. Não obstante, a suplementação com L-carnitina aumentou as concentrações de hemoglobina nestes pacientes, podendo ser uma estratégia coadjuvante no tratamento de anemia – quadro comum em pacientes com doença renal crônica. 32 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Cuppari, L.; Avesani, C.M.; Kamimura, M.A. Nutrição na doença renal crônica. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2013. Cuppari, L. Guias de medicina ambulatorial e hospitalar da EPM-UNIFESP: Nutrição clínica no adulto. 4ª ed. Manole: São Paulo, 2018. Cuppari, L. Nutrição nas doenças crônicas não- transmissíveis. 1ª ed. Manole: São Paulo, 2009. Cozzolino, SMF; Cominetti, C. Livro: Bases bioquímicas e fisiológicas da nutrição, nas diferentes fases da vida, na saúde e na doença. Ed. Manole, 2ª edição, 2020. Guyton, A.C.; Hall, J.E. Tratado de fisiologia médica. 13ª Ed. Rio de Janeiro: Elsevier. 2017. Van de Graaff. Anatomia humana. 6ª Ed. São Paulo: Manole. 2013. Zambeli, C.M.S.F. et al. Diretriz BRASPEN de Terapia Nutricional no Paciente com Doença Renal. BRASPEN J 2021; 36 (2o Supl 2): 2-22. Ikisler, T.A. et al. KDOQI Clinical Practice Guideline for Nutrition in CKD: 2020 Update. AJKD, vol 76, iss 3, suppl 1, September 2020. Pereira, R.A. et al. Diet in Chronic Kidney Disease: an integrated approach to nutritional therapy. Rev Assoc Med Bras 2020; 66(SUPPL 1):S:59-S67. Ferguson, M., Capra, S., Bauer, J. & Banks, M. Development of a valid and reliable malnutrition screening tool for adult acute hospital patients. Nutrition 15, 458–464. 1999. Fetter, R.L. et al. Adaptação transcultural para o português de instrumentos de avaliação do estado nutricional de pacientes em diálise. J Bras Nefrol 36 (2) • Apr-Jun 2014. Marsen, T.A. et al. Intradialytic parenteral nutrition in maintenance hemodialysis patients suffering from protein-energy wasting. Results of a multicenter, open, prospective, randomized trial. Clin Nutr. 2017.33 Salamon, K.M.; Lambert, K. Oral nutritional supplementation in patients undergoing peritoneal dialysis: a randomised, crossover pilot study. J Ren Care. 2018. Nguyen, T.T.U. et al. Effects of Probiotics, Prebiotics, and Synbiotics on Uremic Toxins, Inflammation, and Oxidative Stress in Hemodialysis Patients: A Systematic Review and Meta-Analysis of Randomized Controlled Trials. J Clin Med. 2021. Bonomini, N. et al. Current Opinion on Usage of L- Carnitine in End-Stage Renal Disease Patients on Peritoneal Dialysis. Molecules. 2019. Soleimani, A. et al. Probiotic supplementation in diabetic hemodialysis patients has beneficial metabolic effects. Kidney Int. 2017. Kuwasawa-Iwasaki, M. et al. Effects of L-Carnitine Supplementation in Patients Receiving Hemodialysis or Peritoneal Dialysis. Nutrients. 2020. 03 4
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