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TEORIA DA ARQUITETURA E DA PAISAGEM OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM > Reconhecer o paisagismo como elemento importante na escala urbana. > Comparar diferentes aplicações do paisagismo na cidade. > Apresentar exemplos de paisagismo urbano. Introdução A paisagem urbana é animada por uma intenção de conhecimento do arquiteto ou do urbanista, que intervém no projeto, voltando-o para a qualificação do espaço humano. Assim, não há paisagem sem pessoas. Por exemplo, mesmo que fotografemos, pela janela de um avião, um fragmento de floresta intocada, a paisagem só existe porque um ser humano a captou. Portanto, a paisagem está na interação constante entre o espaço e as pessoas. Neste capítulo, você vai estudar a importância do paisagismo na escala urbana, analisando os principais elementos que compõem a paisagem. Além disso, vai conhecer diferentes objetos existentes nos espaços públicos urbanos. Por fim, vai ver exemplos significativos de projetos paisagísticos no Brasil. O paisagismo em escala urbana Lucas Martins de Oliveira Importância do paisagismo na escala urbana A cidade é o principal exemplo de interação entre o espaço e as pessoas. Nosso desafio é pensar em paisagem urbana quando, especialmente nas grandes cidades, vemos pouca natureza. No mundo ocidental, com o advento da industrialização na Europa, a natureza e o meio ambiente passaram a ser representados na cidade pelas primeiras iniciativas de espaços livres verdes, como jardins públicos, praças e parques. Tais espaços foram pensados, inicial- mente, em função de seus benefícios, como estar ao ar livre, ser um ponto de encontro para a sociedade e o ver e ser visto. Ao longo do século XIX, muito se teorizou sobre aspectos de beleza e de utilidade das áreas verdes urbanas. No Brasil, em razão da desigualdade socioeconômica, existem grandes diferenças nas paisagens urbanas, inclusive dentro de uma mesma cidade. É possível afirmar que a paisagem está em constante processo de transfor- mação e adequação às novas demandas da sociedade e apresenta um intenso dinamismo. As cidades brasileiras passaram por um profundo processo de crescimento ao longo do último século. Como resultado, há uma conformação urbana, que pode ser caracterizada em categorias e elementos distintos: o suporte físico, os volumes construídos, os espaços livres de edificação, os parcelamentos e os seres vivos. Veremos cada um deles a seguir (MACEDO, 2012). � Suporte físico — Trata-se do relevo, do solo e das superfícies de água onde se articula a ocupação humana. É o suporte topográfico para a estruturação urbana e influencia diretamente na conformação da paisagem urbana. � Volumes urbanos — É tudo o que é construído, como edifícios, viadutos e pontes, e tudo o que é plantado, como a vegetação em geral. Esses volumes configuram fisicamente a paisagem urbana e, ainda, organizam os espaços pela sua verticalidade (paredes, muros, cercas etc.) e pela sua cobertura (copas de árvores, marquises etc.). � Espaços livres de edificação — Também chamados de espaços abertos, são aqueles por onde a vida urbana acontece, fora das edificações. São as vias, as praças, os parques, os quintais, os jardins, os clubes e as praias, ou seja, todos os espaços destinados a algum tipo de uso urbano ao ar livre, de propriedade pública ou privada. O paisagismo em escala urbana2 � Parcelamentos — São formas de divisão da propriedade da terra. É por meio dos parcelamentos que se subdivide os lotes e se criam as vias urbanas. Além disso, eles definem os espaços públicos, condicionando o desenho da cidade. Podem ser loteamentos residenciais, comerciais/ industriais ou de chácaras, por exemplo. Os parcelamentos são bali- zados por legislações urbanas e ambientais específicas, de âmbito municipal, estadual e federal. � Seres vivos — Categoria relacionada à humanidade e aos demais seres vivos que habitam a cidade. As formas de organização humana cons- troem e movimentam a paisagem urbana nos seus diversos modos de locomoção, seja a pé, seja em veículos. A avifauna, por exemplo, se utiliza das árvores e das demais vegetações da área urbana. A Figura 1 apresenta uma vista aérea de uma região da zona leste da cidade de São Paulo. É possível observar o suporte físico topograficamente irregular e quase totalmente parcelado e ocupado por volumes edificados, poucos espaços livres e as áreas de montanhas ao fundo. Figura 1. Vista aérea da Vila Nova Galvão, em São Paulo. Fonte: Caio Pederneiras/Shutterstock.com. O paisagismo em escala urbana 3 A Figura 2 mostra a paisagem urbana do Jardim Europa, na zona oeste de São Paulo. Podemos perceber diferenças em relação à Figura 1, mesmo sendo na mesma cidade. No Jardim Europa, vemos um suporte físico mais plano, que favorece a inserção de parcelamentos, e volumes edificados e arbóreos mais bem distribuídos em lotes de maior tamanho. Figura 2. Vista aérea do bairro Jardim Europa, em São Paulo. Fonte: Nova 017 (2006, documento on-line). A diferença entre as paisagens urbanas é tão substancial porque o valor da terra define e condiciona a existência de determinada paisagem. A pro- priedade e a forma como os investimentos públicos e privados são direcio- nados estabelecem a forma de ocupação e a qualidade da paisagem urbana (MACEDO, 2012). O paisagismo em escala urbana4 Paisagismo na cidade: aplicações A cidade é entendida por meio da percepção de seus espaços públicos. Andando a pé ou de ônibus, trem ou carro, nós identificamos ruas, praças, parques e jardins que fazem parte de nossa história cotidiana. A vegetação participa ativamente desses espaços, seja de maneira mais evidente, como em parques e na maioria das praças, seja de forma mais contida, como nas ruas e avenidas. Esses elementos que compõem os espaços públicos de uma cidade têm como principal objetivo estruturá-la espacialmente. Por isso, eles podem ser entendidos como partes de um sistema denominado sistema de espaços livres. Queiroga (2012, documento on-line) afirma que “[...] compreende-se como sistema de espaços livres urbanos os elementos e as relações que organizam e estruturam o conjunto de todos os espaços livres de um determinado recorte urbano”. Toda cidade, pequena ou grande, tem o seu sistema de espaços livres, independentemente de este ser qualificado ou não. O estudo dos sistemas de espaços livres das cidades brasileiras tem avançado a passos largos nas últimas décadas graças ao esforço de pesquisadores do campo do paisagismo de diversas universidades do País. Um exemplo é o Laboratório QUAPA (Quadro do Paisagismo no Brasil), da Univer- sidade de São Paulo, que pesquisa, desde 1994, aspectos históricos, de projeto, de gestão e de apropriação dos espaços públicos. A rua é o principal espaço público de uma cidade. Ela é o elemento que interconecta todos os outros. As vias são chamadas de sistema viário. Assim, é possível entender que o sistema viário é um subsistema do sistema de espaços livres. As praças são elementos de encontro intencional de pessoas, permanência, acontecimentos, práticas sociais e manifestações da vida urbana e comunitária. As praças contemporâneas podem ter origem intencional ou ser originadas de outros usos, como as praças dos adros das igrejas. O formato da praça pode ser quadrangular, triangular, circular, entre outros. Independentemente de suas características, o importante é que a praça tenha qualificação e significado funcional (GARCIA LAMAS, 2014). O paisagismo em escala urbana 5 Os parques são estruturas verdes que contribuem para caracterizar a imagem da cidade. São multifuncionais, pois servem para controle do clima, drenagem urbana e até aspectos sociais e culturais. Os parques contempo- râneos têm sua origem na era industrial, respondendo a uma demanda por lazer dos trabalhadores. Eles se contrapõem ao ambiente urbano poluído. Consideramos parques todo espaço de uso público destinado à recreação de massa, independentemente do tipo, capaz de incorporarintenções de conservação e cuja estrutura morfológica é autossuficiente, ou seja, não é diretamente influenciada em sua configuração por nenhuma estrutura constituída em seu entorno (MACEDO; SAKATA, 2010). As vias urbanas, ruas e avenidas, são os elementos mais claramente identificáveis na forma da cidade. O conceito de vias urbanas não pode ser reduzido ao leito carroçável, como se a calçada fosse uma categoria à parte. A calçada é objeto de projeto do paisagismo. Uma via deve oferecer condições adequadas de trânsito de veículos e de pessoas, com desenho acessível e conforto. A arborização também deve ser considerada. As faixas de domínio rodoviário, ferroviário, de adutoras e de linhas de alta tensão também compõem o sistema de espaços livres públicos de uma cidade. São espaços lineares de alto potencial ambiental e paisagístico e até de apropriação pública, quando devidamente tratados e seguros. Veja, na Figura 3, as áreas permeáveis das faixas de domínio rodoviário. Figura 3. Cruzamento rodoviário em Campinas, entre as rodovias SP-065 e SP-340. Fonte: Viadutos... (2019, documento on-line). O paisagismo em escala urbana6 As áreas de preservação permanente (APPs) são áreas resguardadas por leis ambientais específicas. Em áreas urbanas, elas têm a condição de propiciar uma vivência integrada entre as pessoas e a natureza. A maioria dos parques públicos urbanos foram pensados associados às APPs. Isso inclui os parques nucleares, as áreas de nascentes, as matas nativas ou os lagos e os parques lineares ao longo de córregos ou rios urbanos. A Figura 4 apresenta o Parque Nacional da Tijuca, uma das principais reservas nativas em área urbana do Brasil. Figura 4. Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro. Fonte: Floresta... (2010, documento on-line). Exemplos significativos de projetos de paisagismo na escala urbana Nesta seção, serão apresentados alguns exemplos de projetos paisagísticos significativos de todas as regiões do Brasil. A Praça Rio Branco (Figura 5), também conhecida como Marco Zero, localizada em Recife, teve sua última versão elaborada em 1999 por Fernando Borba, Reginaldo Estêves e Cícero Dias (ROBBA; MACEDO, 2010). É uma praça “seca”, sem o componente vegetal predominante, mas seu desenho se encon- tra na paginação de piso, no seu simbolismo e na relação com a arquitetura O paisagismo em escala urbana 7 circundante. Hoje, é um ponto turístico importante da cidade, com foco na contemplação e no suporte aos eventos culturais. Figura 5. Praça Rio Branco (Marco Zero), em Recife. Fonte: Enter Guide (2021, documento on-line). O Parque da Cidade Sarah Kubitschek (Figura 6), em Brasília, projeto co- ordenado por Roberto Burle Marx em 1975 (MACEDO; SAKATA, 2010), é uma importante referência de paisagismo urbano moderno no Brasil. O parque apresenta uma valorização dos espaços de lazer e da prática de esportes associado à implantação de equipamentos arquitetônicos de usos culturais, como museus, teatros e bibliotecas. O Parque do Ibirapuera (Figura 7), em São Paulo, foi pensado para dar lugar a um espaço comemorativo ao quinto centenário da cidade. A área era originalmente alagável — Ibirapuera significa árvore apodrecida —, mas, ao longo do tempo, teve suas águas naturais drenadas, restando apenas lagos artificiais. Essa não foi uma ação embasada em princípios ecológicos. O Parque Ibirapuera foi inaugurado em 1954, com um projeto paisagístico fragmentado, de autoria de Uchoa Cavalcanti e Ícaro de Castro Melo (MACEDO; SAKATA, 2010). O destaque é o conjunto arquitetônico projetado por Oscar Niemeyer, ícone do modernismo brasileiro. O paisagismo em escala urbana8 Figura 6. Parque da Cidade Sarah Kubitschek, em Brasília. Fonte: Wagner Santos de Almeida/Shutterstock.com. Figura 7. Parque do Ibirapuera, em São Paulo. Fonte: Justiça... (2019, documento on-line). Em Belém, é possível destacar a Praça Frei Caetano Brandão (Largo da Sé) (Figura 8), um espaço público de relevância histórica. Projetada em 1902 por Antônio José de Lemos, a praça tem como principal finalidade emoldurar a igreja para a qual está voltada, sendo um amplo espaço de contemplação, com valor simbólico-cultural para a cidade (ROBBA; MACEDO, 2010). O paisagismo em escala urbana 9 Figura 8. Praça Frei Caetano Brandão (Largo da Sé), em Belém. Fonte: Sandra Moraes/Shutterstock.com. No Rio de Janeiro, a demolição do elevado rodoviário que atravessava o centro da cidade e a requalificação de seu entorno estão entre as principais intervenções urbanas catalisadas pela realização dos Jogos Olímpicos de 2016. O Boulevard Olímpico (Figura 9), desenvolvido pelos escritórios B+ABR Backheuser e Riera Arquitetura, renovou a área portuária. O projeto deu vida a uma via de pedestres arborizada e dotada de transporte público composto por veículos leves sobre trilhos, que percorrem linearmente a área antes ocupada pelo elevado. O projeto do Parque Urbano da Orla Guaíba (Figura 10), em Porto Alegre, desenvolvido por Jaime Lerner em 2018, buscou a revalorização socioeco- nômica da área e conectou a cidade ao rio. Em geral, os grandes projetos paisagísticos à beira d’água, de orlas de mares, rios ou córregos, visam à apropriação de áreas de apelo turístico. O paisagismo em escala urbana10 Figura 9. Boulevard Olímpico, no Rio de Janeiro. Fonte: ArchDaily Brasil (2017, documento on-line). Figura 10. Parque Urbano da Orla do Guaíba, em Porto Alegre. Fonte: ArchDaily Brasil (2018, documento on-line). O paisagismo em escala urbana 11 Referências ARCHDAILY BRASIL. Parque Urbano da Orla do Guaíba / Jaime Lerner Arquitetos As- sociados. [S. l.]: ArchDaily Brasil, 2018. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/ br/907892/parque-urbano-da-orla-do-guaiba-jaime-lerner-arquitetos-associados. Acesso em: 16 fev. 2021. ARCHDAILY BRASIL. Urbanização da Orla Prefeito Luiz Paulo Conde - Boulevard Olímpico / B+ABR Backheuser e Riera Arquitetura. [S. l.]: ArchDaily Brasil, 2017. Disponível em: https://www.archdaily.com.br/br/806633/urbanizacao-da-orla-prefeito-luiz-paulo- -conde-boulevard-olimpico-b-plus-abr-backheuser-e-riera-arquitetura. Acesso em: 16 fev. 2021. ENTER GUIDE. O que fazer em Recife. Buenos Aires: Enter Guide, 2021. Disponível em: https://enter.travel/portodegalinhas/pt/o-que-fazer-em-recife/. Acesso em: 16 fev. 2021. FLORESTA da Tijuca 60. In: WIKIMEDIA Commons. [S. l.: s. n.], 2010. Disponível em: https:// commons.wikimedia.org/wiki/File:Floresta_da_Tijuca_60.jpg. Acesso em: 16 fev. 2021. GARCIA LAMAS, J. M. R. Morfologia urbana e desenho da cidade. 7. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2014. JUSTIÇA de São Paulo libera concessão do Parque Ibirapuera à iniciativa privada. G1, 2019. Disponível em: https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2019/10/30/justica- -de-sao-paulo-libera-concessao-do-parque-ibirapuera-a-iniciativa-privada.ghtml. Acesso em: 16 fev. 2021. MACEDO, S. S. Paisagismo brasileiro na virada do século: 1990-2010. São Paulo: Edusp; Campinas: Editora da Unicamp, 2012. MACEDO, S. S.; SAKATA, F. G. Parques urbanos no Brasil. São Paulo: Edusp, 2010. NOVA 017. In: WIKIMEDIA Commons. [S. l.: s. n.], 2006. Disponível em: https://commons. wikimedia.org/wiki/File:Nova_017.jpg. Acesso em: 16 fev. 2021. QUEIROGA, E. F. 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Parque ecológico Aldeia de Carapicuíba: projeto de paisagismo participativo valorizando um patrimônio histórico. Paisagem e Ambiente: Ensaios, n. 37, p. 101–117, 2016. Disponível em: http://www.revistas.usp.br/paam/article/ view/102043. Acesso em: 16 fev. 2021. O paisagismo em escala urbana12 SANCHES, P. M. De áreas degradadas a espaços vegetados: potencialidades de áreas vazias, abandonadas e subutilizadas como parte da infra-estrutura verde urbana. 2011. 292 p. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) — FAUUSP, São Paulo, 2011. Disponível em: https://teses.usp.br/teses/disponiveis/16/16135/tde-05122011-100405/ pt-br.php. Acesso em: 16 fev. 2021. Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu funcionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. O paisagismo em escala urbana 13
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