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MUSCULAÇÃO Salime Donida Chedid Lisboa Adaptações neurais ao treinamento de força Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Descrever as adaptações neurais crônicas obtidas com o treinamento de força. � Discutir os efeitos das adaptações neurais do treinamento de força na performance motora. � Avaliar os benefícios neurais obtidos com treinamento de força. Introdução A prática regular de exercícios físicos promove uma série de respostas que impactam diversos sistemas do organismo. O treinamento de força é capaz de causar, na musculatura esquelética, importantes efeitos de caráter neural e de caráter morfológico. As adaptações neurais compre- endem alterações no recrutamento e na ativação das unidades motoras e redução na coativação antagonista, as quais resultam em incrementos na força muscular. Para que os ganhos neurais associados ao treinamento de força sejam avaliados, a eletromiografia e a ressonância magnética são as principais técnicas utilizadas, uma vez que refletem a ativação da musculatura. Neste capítulo, você vai ler sobre as adaptações neurais oriundas do treinamento de força, sobre os mecanismos e os efeitos dessas adap- tações e sobre os métodos disponíveis para a avaliação das respostas neuromusculares ao exercício e treinamento. 1 As adaptações neurais crônicas Para que ocorram adaptações em resposta a um programa de treinamento de força, primeiramente, é necessário se ativar a musculatura para produzir força e levantar uma carga. Contudo, para que um músculo seja ativado, deve haver a ação da inervação neural, que integra a unidade motora. Como apresentado na Figura 1, a unidade motora é composta por um neurônio motor alfa e todas as fibras musculares inervadas por ele; sendo assim, a ativação dessas unidades motoras implica a contração das fibras musculares. Além disso, segundo Fleck e Kraemer (2017), a unidade motora é controlada pelo sistema nervoso, fornecendo exatamente o necessário de força para se realizar o movimento desejado. Figura 1. A unidade motora. Fonte: Adaptada de Alila Medical Media/Shutterstock.com. Inervação do músculo esquelético Axônio do motoneuronio (neurônio motor) Fibras musculares esqueléticas Núcleo da �bra muscular Junção neuromuscular Adaptações neurais ao treinamento de força2 Considerando-se a interação bastante íntima entre o sistema nervoso e o músculo esquelético, esse sistema é conhecido como neuromuscular, uma vez que, em resposta ao treinamento de força, ocorrem adaptações tanto em nível neural quanto em nível hipertrófico. As alterações na ativação neural acarretadas pelos programas de treinamento de força podem produzir diversos tipos de adaptações, em especial incrementos na força muscular, geralmente associados a pouca mudança no tamanho das fibras do músculo (FLECK; KRAEMER, 2017). O papel desses fatores neurais é particularmente importante durante a fase inicial do treinamento de força. Embora a síntese proteica seja perceptível após uma sessão desse tipo de treino, as mudanças evidentes na hipertrofia muscular não são observadas de forma significativa até a oitava semana de treinamento. Segundo Gabriel, Kamen e Frost (2006), esse “atraso” hipertró- fico simultaneamente associado a um ganho substancial na força muscular demonstra a importância dos fatores adaptativos neurais (Figura 2). Figura 2. A interação entre fatores neurais e hipertróficos no incremento da força durante treinamento em curto e longo prazo Fonte: Fleck e Kraemer (2017, p. 99). 3Adaptações neurais ao treinamento de força Normalmente, quando é gerada a maior força muscular possível, são ati- vadas todas as unidades motoras disponíveis, ou o máximo possível delas. De acordo com Fleck e Kraemer (2017), pode-se aumentar a força pelo recru- tamento de mais unidades motoras, pelo aumento na frequência de disparo da unidade motora ou, até mesmo, pela somação de ondas. Além disso, Gabriel, Kamen e Frost (2006) afirmam que existem evidências de que o padrão de ativação das unidades motoras pode ser, na produção de aumentos na força muscular, tão importante quanto o número de unidades motoras ativadas ou a frequência de ativação. Portanto, a produção de força máxima requer o recrutamento de todas as unidades motoras (inclusive as de alto limiar), que devem ser recrutadas a uma taxa de disparo suficientemente alta, para que a força máxima seja gerada de modo suficiente (FLECK; KRAEMER, 2017). Estudos demonstram que os seres humanos são incapazes de, voluntaria- mente, ativar os músculos por completo. Para designar possíveis limitações quanto ao recrutamento da unidade motora ou à taxa de disparo, emprega-se o nome ativação incompleta da unidade motora. Em uma contração máxima, um ou mais estímulos supramáximos são entregues ao músculo para ativar quaisquer fibras musculares ainda não ativadas pela contração voluntária. Sendo assim, a ativação total do músculo não é possível durante o esforço máximo. Porém, a magnitude da ativação muscular geral aumenta com o treinamento, e essa melhora da ativação muscular pode resultar em maiores taxas de descarga (GABRIEL; KAMEN; FROST, 2006). Portanto, uma parte das adaptações ao treinamento de força é o desenvolvimento da capacidade de se recrutarem todas as unidades motoras e aumentar-se a taxa de disparos, o qual, em certa medida, pode ter relação com a redução da inibição neural à produção de força máxima (FLECK; KRAEMER, 2017). Outro fator neural capaz de implicar incrementos na produção de força é a maior sincronização da ação das unidades motoras, sendo essa adaptação também observada após o programa de treino de força. Segundo Fleck e Kraemer (2017), o treinamento parece aumentar o período em que todas as unidades motoras podem estar ativadas em uma faixa de até 30 segundos. Esse tipo de adaptação pode não acarretar aumento na força máxima, mas pode ajudar a mantê-la por mais tempo. Para Gabriel, Kamen e Frost (2006), a contração de um músculo agindo como agonista resulta no movimento do membro na direção desejada, e um músculo agindo como antagonista se opõe ao movimento do agonista. A coativação dos músculos antagonistas é frequentemente observada quando altos níveis de força são aplicados; em algumas ocasiões, esse fenômeno ocorre em um grau próximo ao de um movimento em que seriam agonistas. Porém, Adaptações neurais ao treinamento de força4 há estudos que apresentam um aumento nos níveis de força de alguns grupos musculares após treinamento, sem que a ativação dos músculos agonistas seja alterada em longo prazo (BRENTANO; PINTO, 2001). As alterações na ativi- dade muscular antagonista são uma das adaptações associadas ao treinamento de força mais incompreendidas. A literatura sugere que, na coativação dos antagonistas, existe uma diminuição pequena, mas significativa, ocorrendo durante os estágios adiantados do treinamento de força, sendo ela apontada como uma adaptação que não provoca hipertrofia do sistema neuromuscular (MAIOR; ALVES, 2003). De acordo com Bentrano e Pinto (2001), analisando- -se as causas do fenômeno da coativação, é possível inferir que essa inibição ocorre basicamente porque o indivíduo aprende e coordena os movimentos, o que proporciona aumentos na força produzida pela musculatura agonista sem que sejam observadas maiores ativações dessa musculatura. Como resultado das adaptações neuromusculares, a ativação de todas as unidades motoras em todos os músculos envolvidos em certo movimento é coordenada ou aprimorada para resultar em força ou potência máxima. Sendo assim, o treinamento contribui para uma melhor coordenação de movimentos, com produção de força máxima e submáxima. Essa coordenação de unidades motoras em todos os músculos envolvidos em um movimento é influenciada tanto pela velocidade quanto pelo tipo de ação muscular. Além disso, o sis- tema nervoso central também consegue limitar a força por meio de ativaçãode mecanismos inibitórios, podendo ser considerado um fator de proteção. Ainda, o treinamento pode resultar em mudanças na ordem de recrutamento das fibras em agonistas e antagonistas, ou produzir uma diminuição da ini- bição, evento que pode ser capaz de auxiliar no desempenho de alguns tipos de ações musculares (FLECK; KRAEMER, 2017). Os mecanismos reflexos de proteção que inibem a ação muscular, como os órgãos tendinosos de Golgi, são apontados como fatores limitantes da produção de força muscular. Sendo assim, a ativação da musculatura antagonista imediatamente antes da realização do exercício pode ser mais eficaz no aumento de força em baixas velo- cidades se comparada a um programa em que a pré-contração dos antagonistas não é realizada. Isso ocorre porque essa pré-contração é capaz de inibir os mecanismos protetores neurais, permitindo a execução de ações musculares mais intensas (FLECK; KRAEMER, 2017). 5Adaptações neurais ao treinamento de força Embora as adaptações neurais possam resultar sobretudo em aumentos na força muscular, ainda não se sabe de forma precisa como todos os mecanismos neurais interagem para gerar tal incremento. Além disso, é possível que exista uma elevada variabilidade entre as pessoas em relação a esses mecanismos associados à produção de força (FLECK; KRAEMER, 2017). Em vista disso, pode-se afirmar que uma maior ativação neural oriunda do treinamento de força implica diferentes respostas adaptativas na muscu- latura esquelética. Desse modo, sugere-se que a maior manifestação a essas adaptações neurais ao treinamento é o aumento na força muscular, que pode ser considerado o principal efeito sobre o desempenho motor. 2 Os efeitos das adaptações neurais sobre a performance motora O treinamento de força é capaz de gerar estímulos que promovem aumento na força máxima. A produção repetida de força pelos músculos esqueléticos em níveis acima dos encontrados nas atividades diárias recruta mais unidades motoras e, consequentemente, ocasiona maior tensão muscular. Desse modo, o aumento na força é proporcional à quantidade de sobrecarga aplicada durante o treinamento de força. Sendo assim, os maiores níveis de força muscular após o treinamento de força são respostas decorrentes das adaptações neuro- musculares, entre as quais figura uma maior ativação neural da musculatura (MAIOR; ALVES, 2003). Para Maior e Alves (2003), a força pode ser caracterizada pela habilidade do sistema nervoso de ativar os músculos envolvidos em determinados mo- vimentos. Portanto, os ganhos em força estão relacionados ao sistema ner- voso por meio das adaptações neurais. Conforme apresentado anteriormente, as adaptações neurais compreendem basicamente três fenômenos que in- fluenciam o incremento da força muscular: o aumento do número de unidades motoras recrutadas, o aumento da frequência de disparo dessas unidades motoras e a redução na coativação dos grupos musculares antagonistas ao movimento (BRENTANO; PINTO, 2001). Principalmente em um período inicial de treinamento, podem-se verificar adaptações relativas ao padrão de recrutamento das unidades motoras dos grupos musculares agonistas. Nessa fase do treinamento, além da importância do componente neural sobre incrementos em força na musculatura agonista, sugere-se que o fenômeno da coativação também é inibido para que haja a aprendizagem e a coordenação dos movimentos (BRENTANO; PINTO, 2001). Adaptações neurais ao treinamento de força6 A literatura aponta a adaptação neurológica como a primeira resposta ao treinamento de força. Como se pode ver no Quadro 1, o aumento inicial na força muscular ocorre mais rapidamente do que o ocorrido na hipertrofia muscular, relacionando-se ao aprendizado motor. Sendo assim, no início do treinamento de força, acontece o desenvolvimento da coordenação intramus- cular e intermuscular, a sincronização (quando todas as fibras musculares ativas são recrutadas ao mesmo tempo), o maior nível de estimulação neural e o aumento no recrutamento de unidades motoras. Após a ocorrência dessas adaptações em níveis neurais sobre a força muscular, os fatores hipertróficos passam a ter maior influência. Estudos demonstram que os ganhos de força ocorrem dentro de um prazo de 4 a 8 semanas de treinamento, apresentando aumentos na força resultantes das adaptações neurais significativas, sem alterações no tamanho muscular (MAIOR; ALVES, 2003). Fonte: Adaptado de Maior e Alves (2003). População Ganhos de força (%) Destreinados 40% Moderados 20% Treinados 16% Avançados 10% Elite 2% Quadro 1. Os ganhos de força de acordo com a progressão do treinamento Indivíduos treinados em força devem ter ajustes mais frequentes e diversificados na planilha de treinamento em relação às suas variáveis (como volume, intensidade, recuperação e ações musculares) e/ou à adoção de novos métodos (como pliometria, levantamentos olímpicos e treinamentos complexos) a fim de que haja a continuidade das adaptações neurais já alcançadas nas fases iniciais do programa (IDE et al., 2014). 7Adaptações neurais ao treinamento de força O drive neural pode ser definido como uma medida da quantidade e da amplitude dos impulsos elétricos nervosos direcionados aos músculos. Na literatura, há dados demonstrando que um aumento no drive neural máximo para um músculo pode implicar incrementos na capacidade de produção de força. Por outro lado, estudos demonstram que, após o treinamento, menos unidades motoras podem ser necessárias para se levantar uma carga igual à levantada no momento pré-treinamento. Assim, na fase inicial do treino, pode-se ver um de seus efeitos: uma quantidade maior de força pode ser de- senvolvida por área de seção transversal muscular. Portanto, se um programa progressivo de força não for usado para recrutar mais unidades motoras após essa primeira fase de adaptação ao treino, será observado um platô ou um progresso limitado. Sendo assim, Fleck e Kraemer (2017) afirmam que devido a uma melhor ativação do músculo ou a um padrão de recrutamento mais efi- ciente das fibras musculares, faz-se necessário um menor drive neural para se produzir qualquer força submáxima após programas de treinamento de força. Sugere-se que os aumentos na força muscular relacionados ao treinamento estão associados também a uma redução na coativação antagonista, isto é, a ativação dos antagonistas é reduzida em alguns movimentos, resultando no incremento da força dos agonistas. Como a atividade muscular antagonista está associada a uma força que se opõe à direção desejada do movimento, reduções na coativação antagonista permitiriam que a força muscular agonista se manifestasse sem o impedimento da contração do grupo muscular oposto (GABRIEL; KAMEN; FROST, 2006). Dessa forma, o treinamento de força causa um aumento na inibição dos antagonistas, e essa redução da coativação explica parte dos ganhos de força atribuídos aos fatores neurais (MAIOR; ALVES, 2003). Por outro lado, a potência máxima descreve o nível mais alto de força (trabalho/tempo) alcançado nas contrações musculares. De uma perspectiva aplicada, a potência máxima representa a maior potência instantânea durante um único movimento realizado com o objetivo de se produzir velocidade máxima na decolagem, na liberação ou no impacto. A capacidade superior de se gerar potência máxima normalmente acarreta melhor desempenho físico, sendo o incremento na potência uma resposta do treinamento de força. Cormie, McGuigan e Newton (2011) afirmam que a potência muscular máxima é influenciada por uma ampla variedade de fatores neuromusculares advindos do treinamento, incluindo recrutamento de unidades motoras, frequência de disparo, sincronização e coordenação intermuscular. Adaptações neurais ao treinamento de força8 Existem três teorias comuns de adaptação no recrutamento de unidades motoras que pode ocorrer em resposta ao treinamento. Sugere-se que o treina- mento resulta em aumento do recrutamento de unidadesmotoras, recrutamento preferencial de unidades motoras de alto limiar e/ou redução dos limiares de recrutamento de unidades motoras. Todas essas possíveis adaptações atuariam para aumentar a ativação do agonista, implicando aumento na tensão do mús- culo e, consequentemente, melhora da produção de potência. Por outro lado, há dados disponíveis apontando que o aumento da frequência máxima de disparo das unidades motoras pode contribuir para melhorar o surgimento de força e potência, especialmente nas fases iniciais do treinamento. O treinamento também é capaz de gerar maior sincronização, que é teorizada como uma adaptação do sistema nervoso que auxilia na coativação de vários músculos diferentes, a fim de melhorar a potência. Ainda, a capacidade de se gerar potência máxima durante os movimentos é consideravelmente influenciada pela coordenação intermuscular, sendo essa um fenômeno que descreve a ativação apropriada dos músculos agonistas, sinergistas e antagonistas durante um movimento (CORMIE; MCGUIGAN; NEWTON, 2011). Outras adaptações estão relacionadas ao incremento na potência. Como os sinergistas desempenham um papel na produção máxima de potência, teoriza- -se que a ativação e/ou a coordenação aprimoradas dos músculos sinérgicos podem contribuir para melhorias de desempenho após o treinamento. Além disso, devido ao fato de que a coativação excessiva de antagonistas pode influenciar negativamente a capacidade de se realizarem movimentos com potência máxima, sugere-se que uma redução na coativação antagonista durante movimentos tão complexos contribuiria para melhorias na potência máxima após o treinamento (CORMIE; MCGUIGAN; NEWTON, 2011). Contudo, a coordenação intramuscular pode ser considerada um dos fatores decorrentes da adaptação neurogênica e está relacionada à função repre- sentada pelas unidades motoras nesse processo. A melhora da ativação das unidades motoras compreende uma das primeiras alterações adaptativas no sistema neuromuscular. Em relação à melhoria das funções intramusculares, o aumento da capacidade de um músculo de mobilizar um maior número de unidades motoras causa uma maior capacidade de desenvolvimento de força de contração. Ou seja, ao contrário do que se observa em destreinados, que apenas têm a capacidade de colocar simultaneamente em ação um determinado percentual de fibras musculares ativáveis, a melhora na coordenação intramus- cular promove uma maior quantidade de fibras musculares contráteis ativadas 9Adaptações neurais ao treinamento de força sincronizadamente. Como consequência, ocorre um maior recrutamento de unidades motoras, bem como uma maior força total do músculo. No início do programa de treinamento de força, constata-se a importância da existência da coordenação intramuscular para todas as modalidades esportivas, sobretudo para aquelas que exigem potência e força (MAIOR; ALVES, 2003). Por outro lado, a coordenação intermuscular ocorre quase juntamente com a coordenação intramuscular, diferenciando-se dessa devido à ocorrência de ajustes entre as musculaturas envolvidas em um ato motor. O aprimoramento das capacidades coordenativas dos sistemas musculares acontece por meio do aumento da inervação nas musculaturas, o qual ocorre por causa da melhoria da coordenação dos grupos musculares participantes de um determinado movimento. Portanto, a coordenação intermuscular representa a cooperação de diversos músculos em relação a um movimento a ser produzido. Sendo assim, ela é de muita importância em esportes que demandam altos níveis de força e técnica, nos quais ocorre associação entre a eficiência e a coordenação motora. Além disso, segundo Maior e Alves (2003), a coordenação intermuscular aparece também como ferramenta de incremento da força. No que diz respeito aos aspectos relacionados ao treinamento, tem-se recomendado que o conceito de sobrecarga progressiva seja modificado para o de treinamento periodizado, em que são usadas variações nas cargas e no volume de exercício, pois esse método pode propiciar uma melhor recuperação de determinadas fibras musculares. Com o aumento da força muscular ao longo de um programa de treinamento, o uso de cargas pesadas, moderadas e leves promove certa recuperação, visto que não recruta intensamente algumas fibras musculares específicas em dias de treinamento de leve a moderado. Da mesma forma, um aumento de tensão por área muscular ativada teria potencial de provocar um estímulo fisiológico para ganhos de força e crescimento tecidual. Portanto, os dias de treinamento de alta intensidade podem ativar ao máximo a musculatura disponível, mas, ao se alterarem as intensidades de treino ao longo do tempo, podem-se minimizar tanto o overtraining quanto uma falta de recuperação. Essas manipulações de treinamento periodizado são consideradas importantes quando se objetivam ganhos de força, especialmente com aumento do nível de condicionamento ou treinamento (FLECK; KRAEMER, 2017). Adaptações neurais ao treinamento de força10 Em suma, as adaptações neurais resultantes do treinamento de força são capazes de gerar respostas que influenciam no desempenho motor dos indi- víduos. Dentre elas, ganham destaque os ganhos em força, embora também se possam verificar melhorias em potência, coordenação e técnica. Para que sejam avaliados os mecanismos adaptativos que geram esses efeitos, diferentes métodos são empregados tanto na ciência quanto na prática. Atualmente, duas técnicas são predominantemente utilizadas com o intuito de se verificarem as adaptações neurais advindas do treinamento, sendo uma delas um método mais simples e de acesso mais facilitado e outra, de maior nível de sofisticação e acesso laboratorial. 3 Avaliação das adaptações neurais A força pode aumentar em consequência de adaptações neurais mesmo com pequenas mudanças na hipertrofia do músculo, em especial nas primeiras semanas de treino. Sendo assim, diferentes técnicas podem ser utilizadas para a demonstração desse fenômeno (FLECK; KRAEMER, 2017). Na maioria dos casos, a eletromiografia (EMG) é utilizada para se avalia- rem as adaptações neurais geradas pelo treinamento de força. Os fenômenos neurais relacionados ao aumento do número de unidades motoras recrutadas e ao aumento da frequência de disparo dessas unidades motoras influen- ciam na amplitude e na densidade do sinal eletromiográfico (BRENTANO; PINTO, 2001). De acordo com Fleck e Kraemer (2017) e Ocarino et al. (2005), a EMG é uma técnica que permite o registro dos sinais elétricos gerados pela despolarização das membranas das células musculares. Ou seja, essa técnica possibilita o registro da atividade muscular durante o movimento. O sinal do método de EMG compreende o somatório dos potenciais de ação oriun- dos das unidades motoras ativas que são lançados para a superfície da pele. Incrementos na amplitude do sinal representam o aumento na capacidade de recrutamento de unidades motoras. Já o aumento na frequência de disparos representa o incremento na velocidade de condução dos potenciais de ação das unidades motoras ativas de maior diâmetro, como se pode observar na Figura 3 (IDE et al., 2014). 11Adaptações neurais ao treinamento de força Figura 3. Eletromiografia do músculo vasto lateral, de indivíduo não treinado em força e de indivíduo treinado em força, sobre 3 repetições com intensidades de 30%, 50% e 70% da contração voluntária máxima (CVM) e uma CVM em isometria por aproximadamente 3 segundos. Fonte: Ide et al. (2014, documento on-line). O uso da EMG de superfície apresenta uma série de vantagens, uma vez que é um método não invasivo, seguro e fácil que permite a quantificação da atividade elétrica muscular. É importante salientar que, para o controle das interferências no sinal eletromiográfico, são essenciais a minimização da im- pedância, a amplificação diferencial, a rejeição do modo comum e a filtragem. Além disso, para que seja realizada uma análise crítica dos dados, devem-seconsiderar os processos utilizados para quantificação e normalização dos sinais eletromiográficos. Isso é importante porque processos de quantificação e normalização distintos podem conduzir a resultados diferentes. Segundo Ocarino et al. (2005), quando todos esses fatores são considerados, a EMG se torna uma ferramenta amplamente adequada para o registro da atividade elétrica muscular. Adaptações neurais ao treinamento de força12 Também se podem verificar variáveis adicionais relacionadas ao sinal eletromiográfico. Na avaliação das adaptações neurais relativas à potência, é importante a taxa de aumento do sinal EMG em determinados intervalos (por exemplo, 100ms, 500ms). Esse fenômeno é capaz de evidenciar uma melhora na capacidade de recrutamento rápido de um determinado grupo muscular (CADORE; PINTO; KRUEL, 2012). Um método de estudo de padrões de coa- tivação entre grupos musculares antagônicos usa um coeficiente de correlação cruzada entre os sinais eletromiográficos agonista e antagonista. O coeficiente de correlação cruzada varia de 0 a 1. Um alto coeficiente de correlação cruzada indica que os dois músculos têm formas de ação da unidade motora e taxas de disparo semelhantes (GABRIEL; KAMEN; FROST, 2006). Ainda, os sinais eletromiográficos obtidos antes e depois de um programa de treinamento podem determinar o fenômeno de economia neuromuscular. De acordo com Fleck e Kraemer (2017), se resultado é verificado por meio da comparação dos valores obtidos em cada momento sobre uma mesma carga submáxima. Outra adaptação neural detectada pela EMG é a melhora na economia neuromuscular. Em estudo realizado em 2010, observou-se uma redução no sinal EMG normalizado a 40%, 60% e 80% da força máxima isométrica (CIVM) pré-treinamento no vasto lateral e a 60% e 80% no reto da coxa, após treinamento de força em idosos. Esses resultados sugerem que, para a mesma carga absoluta, esses indivíduos precisaram de um menor número de unidades motoras para realizar o esforço no momento pós-treinamento (CADORE et al., 2010) Em resumo, pode-se inferir que o treinamento de força acarreta um aumento na amplitude do sinal da EMG, bem como uma redução no sinal normalizado para a mesma carga submáxima. Esse aumento está relacionado às adaptações neurais ao treinamento de força, já que tal incremento ocorre paralelamente ao aumento na força máxima (CADORE; PINTO; KRUEL, 2012). 13Adaptações neurais ao treinamento de força Mais recentemente, outro método de avaliação passou a ser utilizado na verificação do aspecto neural ao treinamento de força. Como se pode observar na Figura 4, a ressonância magnética (RM) é capaz de verificar as proporções ativadas e inativadas dos músculos (BRENTANO; PINTO, 2001). A imagem por RM possibilita a visualização dos grupos musculares inteiros, e os mús- culos ativados podem ser observados mediante alterações nas imagens, antes e depois dos exercícios. As imagens obtidas por meio dessa técnica mostram que a ativação muscular pode ter relação direta com o desenvolvimento de força resultante de ações musculares geradas por ações voluntárias e por estimulação elétrica de superfície (FLECK; KRAEMER, 2017). Sugere-se que a maior vantagem da utilização de imagens de RM é a pos- sibilidade de avaliar-se a musculatura que não está posicionada na superfície, diferentemente da EMG de superfície, que permite apenas a avaliação dos músculos superficiais (BRENTANO; PINTO, 2001). Figura 4. Imagens de ressonância magnética da porção média da coxa antes e depois de exercício de extensão de joelhos. A cor mais clara da condição após o exercício demonstra a quantidade de ativação e exatamente onde ela foi mais intensa. Fonte: Fleck e Kraemer (2017, p. 95). Adaptações neurais ao treinamento de força14 Apesar de as técnicas de avaliação das adaptações neurais ao treinamento de força serem, na maior parte dos casos, aplicadas no âmbito da ciência, muitas vezes a utilização na prática pode ser de grande utilidade. Por meio delas, podem-se verificar tanto a ativação muscular em resposta aos exer- cícios realizados quanto as respostas ao treinamento ao longo do tempo. Cronicamente, o treinamento de força promove aumento na capacidade de recrutamento de unidades motoras e maior frequência de disparos delas, sendo esses fenômenos evidenciados mediante tais técnicas. Além disso, a redução na coativação dos grupos musculares antagonistas ao movimento também é considerada uma resposta neural ao treinamento e, juntamente com as demais adaptações relacionadas às unidades motoras, influenciam de forma direta o incremento da força muscular. BRENTANO, M. A.; PINTO, R. S. Adaptações neurais ao treinamento de força. Revista Brasileira de Atividade Fisíca & Saúde, v. 6, nº. 3, 2001. Disponível em: http://rbafs.org.br/ RBAFS/article/view/946/1248. Acesso em: 29 mar. 2020. CADORE, E. L. et al. Physiological effects of concurrent training in elderly men. Int. J. Sports. Med., v. 31, nº. 10, out. 2010. CADORE, E. L.; PINTO, R. S.; KRUEL, L. F. M. Adaptações neuromusculares ao treinamento de força e concorrente em homens idosos. 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Sports Med., v. 36, nº. 2, p. 133–149, 2006. 15Adaptações neurais ao treinamento de força Os links para sites da web fornecidos neste capítulo foram todos testados, e seu fun- cionamento foi comprovado no momento da publicação do material. No entanto, a rede é extremamente dinâmica; suas páginas estão constantemente mudando de local e conteúdo. Assim, os editores declaram não ter qualquer responsabilidade sobre qualidade, precisão ou integralidade das informações referidas em tais links. IDE, B. N. et al. Adaptações neurais ao treinamento de força. Rev. Acta Brasileira do Movimento Humano, v. 4, nº. 5, p. 1–16, out./dez. 2014. Disponível em: https://www. researchgate.net/profile/Evanisi_Palomari/publication/272786477_ADAPTACOES_NEU- RAIS_AO_TREINAMENTO_DE_FORCA/links/54ede4ac0cf2e55866f1937c/ADAPTACOES- -NEURAIS-AO-TREINAMENTO-DE-FORCA.pdf. Acesso em: 29 mar. 2020. MAIOR, A. S.; ALVES, A. A contribuição dos fatores neurais em fases iniciais do treina- mento de força muscular: uma revisão bibliográfica. Motriz, v. 9, nº. 3, p. 161–168, set./ dez. 2003. Disponível em: http://files.agenorjunqueira.webnode.com.br/200000083- -9dd779e557/Contribui%C3%A7%C3%A3o%20dos%20fatores%20neurais%20no%20 treino%20de%20for%C3%A7a.pdf. Acesso em: 29 mar. 2020. OCARINO, J. M. et al. Eletromiografia: interpretação e aplicações nas ciências da reabi- litação. Fisioterapia Brasil, v. 6, nº. 4, p. 305–310, 2005. Leitura recomendada BATISTA, A. R. Respostas eletromiográficas frente a diferentes métodos de treinamento de força. 2011. 63 f. Dissertação (Mestrado em Educação Física) — Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, Campinas 2011. Disponível em: http:// repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/275087/1/Batista_AlexandreRosas_M.pdf. Acesso em: 29 mar. 2020. Adaptações neurais ao treinamento de força16