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Filosofia Moderna e 
Conhecimento
Rosana de Oliveira
Filosofia Moderna e 
Conhecimento
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Introdução
Neste conteúdo, vamos abordar o período denominado de filosofia moderna, que 
se inicia após o Renascimento e se estende até o século XIX. É um período muito 
diverso e que abordou diferentes áreas do pensamento filosófico, mas vamos nos 
concentrar na discussão sobre o conhecimento, especificamente nas perguntas sobre 
o que e como se pode conhecer algo. Neste sentido, o marco fundador da filosofia 
moderna pode ser remetido a Descartes com o surgimento do sujeito, que, como 
veremos, refere-se à descoberta da própria subjetividade como o alicerce que garante 
o conhecimento e, de quebra, o desenvolvimento da filosofia. Para as perguntas sobre 
o conhecimento são formuladas diferentes respostas, como a de Descartes, que, por 
fundamentar-se no pensamento, denomina-se racionalista; ou ainda a dos empiristas, 
como Locke e Hume, que pontuam o início do conhecimento com a experiência; ou 
então a dos teóricos do idealismo alemão, como Kant e Hegel, que procuram uma 
conciliação entre estas duas vias. Para não nos perdermos no fio da história, vale já 
uma provocação: relembre como o processo de conhecimento se apresentava até 
aqui e tente criar uma conexão entre os temas. 
Objetivos da Aprendizagem
• reconstituir a argumentação cartesiana do cogito como nascimento do sujeito 
moderno. 
• identificar as respostas para a possibilidade do conhecimento dadas pelo racionalismo 
com Descartes, pelo empirismo com Locke e Hume, e pelo idealismo alemão com Kant 
e Hegel. 
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O que é o conhecimento e quais são seus limites?
As concepções de Platão e Aristóteles e suas modificações com Agostinho e Tomás 
de Aquino sobre como era possível conhecer algo são parte do contexto histórico 
da filosofia. Com Platão, temos um processo de conhecimento no qual a verdade 
se encontrava nos elementos intelectuais, para além da crença, já em Aristóteles, 
numa parcela considerável de experiência. Estas duas vertentes se transportam para 
a filosofia medieval com Agostinho e Aquino que, apesar das diferenças de teorias, 
consideram a presença divina no processo de conhecimento seja pela revelação, 
ou seja, pela inspiração divina, seja pelo trabalho conjunto entre fé e razão. Desta 
forma, suas concepções epistemológicas, isto é, sobre a teoria do conhecimento, se 
encontravam intimamente ligadas às concepções teológicas e também metafísicas. 
Vale aqui definir com mais precisão estes dois termos: teoria do conhecimento e 
metafísica.
Metafísica, como adjetivo ou substantivo, refere-se à doutrina do Ser. O termo remonta 
a Aristóteles, mas não foi empregado por ele, e sim por um dos organizadores de sua 
obra com o significado de aquilo que está além da física, no caso, a filosofia sobre 
as causas primeiras. Posteriormente, foi criada a palavra ontologia para se referir à 
doutrina do Ser e, neste sentido, podemos dizer que metafísica e ontologia se tornam 
sinônimos. 
Já a teoria do conhecimento é classicamente concebida como o conteúdo filosófico 
que estuda os diferentes modos de conhecimento (a sensação, a percepção, a 
memória, a imaginação, por exemplo) e as relações entre os tipos de conhecimentos 
(conhecimentos do senso comum, religioso, científico e filosófico) (CHAUI, 2010). 
Epistemologia (episteme = ciência + logia, de logos = conhecimento, estudo) e filosofia 
da ciência são termos frequentemente empregados como sinônimo para teoria do 
conhecimento.
Como veremos aqui, em reflexo das transformações de mundo preparadas desde o 
Renascimento, a teoria do conhecimento adquire papel central na filosofia moderna e 
novamente são colocadas suas relações com a metafísica. 
Descartes 
Para muitos de nós o nome Descartes (1596-1650) remete, à primeira vista, a um velho 
conhecido matemático: o sistema de coordenadas cartesianas. Descartes também foi, 
além de filósofo, matemático, e a matemática imprimiu fortes tons em sua filosofia. 
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A filosofia cartesiana coloca-se numa tradição de recusa da filosofia escolástica, que 
já havia sido tematizada no Renascimento, mas que com Descartes assume o caráter 
metódico e ousado do projeto de uma nova ciência. Desta forma, na base do projeto 
cartesiano está uma reformulação do saber, do próprio conhecimento.
Figura 1 - Parábola em coordenadas cartesianas
Fonte: Plataforma Deduca (2018). 
Neste projeto, as ciências adquirem uma nova organização. Valendo-se da figura de 
uma árvore, a metafísica assumiria a função de raiz; a física, a do tronco, e a copa 
se dividiria em moral, medicina e mecânica. Ao colocar a metafísica na raiz, temos a 
necessidade de encontrar o solo firme, o fundamento do saber. Descartes mostra em 
diferentes obras, mas nos ateremos aqui, em princípio, à argumentação do “Discurso 
do Método”.
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Figura 2 - Árvore dos saberes cartesianos.
Fonte: Plataforma Deduca (2018).
Uma das formas de apontar a importância do “Discurso do Método” reside numa espécie 
de trabalho de limpeza de campo. De partida, Descartes propõe-se a não aceitar nada 
que não seja verdadeiro, colocando em suspenso todos os seus conhecimentos para 
chegar a uma base segura. Trata-se de um método estabelecido que tem como uma 
das diretrizes partir sempre do mais simples para o mais complexo. Suspendendo 
desde aquilo que os sentidos informam, passando pela suspensão das verdades 
geométricas e da própria realidade, quando se considera que se pode estar sonhando 
em vez de estar acordado, a certeza que sobra, e que é também a primeira e fundadora 
da filosofia cartesiana, é o fato de que eu penso. Daí a frase clássica: “penso, logo 
existo”, do latim “cogito, ergo sum”, motivo pelo qual este argumento cartesiano é 
chamado de cogito. 
Portanto, a primeira certeza é de minha existência assegurada pelo meu pensamento, 
da existência da alma enquanto substância pensante. Esta verdade, que se apresenta 
de modo claro e distinto, fornece o critério para pensar o que é a verdade em geral: 
tudo aquilo que se apresenta de modo claro e distinto. Assim é que, por exemplo, 
Descartes chega à segunda certeza: se eu existo, eu penso, mas se habita em mim 
a dúvida e a incerteza, deve haver, então, algo que seja mais perfeito – Deus. Tal é a 
segunda certeza. 
Este Itinerário do “Discurso do Método” também é exposto nas “Meditações Metafísicas” 
(BONJOUR, BAKER, 2010). Ali estão explicitados novamente o argumento da dúvida 
dos sentidos, do sonho e da vigília, e o polêmico, para a época, argumento do gênio 
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maligno: como posso garantir que não existe um Deus enganador, que projeta um 
mundo para me confundir? 
Como você pode imaginar, este argumento causou muita discussão na época. 
Entretanto, seu objetivo é ir além de um puro ceticismo: Descartes pretende ultrapassar 
a dúvida e estabelecer fundamentos seguros para prosseguir na investigação. 
É fundamental compreender esta forma pela qual Descartes se relaciona com o 
ceticismo: «o cético quer duvidar? Pois que duvide, mas o faça com método – isso 
é o que Descartes impõe ao ceticismo. Ele se põe na condição de cético e passa 
a mostrar como se duvida metodicamente» (GHIRALDELLI JR, 2010, p. 132). Neste 
modo de proceder, como o fundamento seguro que Descartes estabelece é o próprio 
pensamento, podemos chamar sua filosofia de racionalista.
Hume
No que toca à teoria do conhecimento, Hume (1711-1776) foi herdeiro da tradição 
empirista, cujo nome principal foi Locke. Hume divide o conhecimento em dois 
processos ou lados. De um lado, as impressões, isto é, os dados sensíveis, a 
experiência, que podem dizer respeito ao caráter interno, como no sentimento de 
tristeza, ou ao caráter externo, como os cinco sentidos. Do outro lado, se encontram 
as ideias, que correspondem a uma espécie de cópia das impressões feitas pela 
memória e pela imaginação. Elas ocorrem por semelhança, por contiguidade no tempo 
e no espaço e por causalidade. Desta forma, Hume dá atenção ao aspecto subjetivo, 
pelo que se pode chamarsua doutrina de empirismo psicológico, mas sob a forma de 
um questionamento crítico do sujeito tal qual na concepção cartesiana: se todas as 
ideias referem-se a alguma sensação, qual sensação corresponderia à ideia de Eu? A 
resposta de Hume é nenhuma, pois para haver essa correspondência entre a ideia do 
Eu e uma sensação, teria de haver alguma sensação que fosse constante, invariável, 
e não há nada deste tipo na experiência. Neste sentido, o Eu seria antes um feixe de 
sensações. 
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O empirismo de Hume teve grande influência num movimento 
posterior, chamado positivismo lógico, neopositivismo ou 
empirismo lógico. Neste movimento, as palavras têm de ter 
um referencial na realidade. Assim, neste caso, o que é feito da 
metafísica?
Reflita
Considerando a divisão em impressões e em ideias, é possível dizer que o empirismo 
de Hume considera, obviamente, a experiência como o ponto central, mas também 
abre espaço para a ideia e para as formas como elas se relacionam. As ideias podem 
se relacionar no âmbito lógico de demonstração, mas aí não possuem validade real. 
Os dados sensíveis se mostram como são, ou seja, não admitem demonstração. 
Hume seria também um cético.
Um ponto central de sua abordagem consiste na ideia de causalidade enquanto nexo 
necessário entre os fatos, surgida desde Aristóteles com a doutrina das causas. 
Ora, mas para Hume, a causalidade está dada na sequência temporal, nos fatos 
que se seguem uns aos outros e não como conexão necessária. Mesmo nos dados 
sensíveis, se trataria de uma conexão temporal levada a cabo pela subjetividade e 
pela crença, portanto, distante do intelecto. De acordo com isso, as ciências naturais 
não possuiriam arcabouço lógico. Ao afirmar isso, o inimigo maior de Hume não são 
as ciências, e sim as metafísicas tradicionais como a racionalista cartesiana, que se 
apoiavam na ideia de causa fosse pelos argumentos ontológicos, cosmológicos e de 
desígnio para afirmar a existência de Deus. De um lado, diziam que se há uma ordem 
no mundo, é preciso haver uma causa que a coordene (Deus); de outro, afirmam que 
se há ideias inatas, é porque existe perfeição. Mas em ambos os casos estas ideias 
não encontram correspondência na realidade, são vazias. Daí que Hume tenha sido 
tachado e recusado para diversas funções por sua pecha de ateu. 
Ao tratar da filosofia política e do liberalismo de Locke, o ceticismo se expande, com 
Hume, também para a moral. 
Locke
Contra o inatismo propagado desde Platão, passando por Agostinho e que permanece 
no racionalismo de Descartes, Locke (1632-1704) desenvolve uma doutrina baseada 
na experiência como elemento fundador, o empirismo. O empirismo de Locke é “uma 
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alegação sobre onde e como a mente humana adquire as ideias ou conceitos que 
ela utiliza para pensar sobre o mundo ou, de fato, sobre qualquer coisa” (BONJOUR; 
BAKER, 2010, p. 72). Em outras palavras, estamos tratando da experiência. 
Inatismo é a doutrina que propõe a existência de conhecimentos já 
desde o nascimento, portanto, independentes da experiência. Para 
Descartes, ideias inatas são introduzidas por Deus no pensamento 
antes do nascimento e é contra isso que se volta o empirismo.
Atenção
Locke formula uma teoria do conhecimento baseada numa concepção da razão ou da 
alma como uma tábula rasa ou folha em branco sobre a qual se escreve, se imprime, 
mediante sensações e experiências, o conhecimento. Por este motivo, no que toca ao 
conhecimento Locke foi um dos representantes do empirismo inglês. O empirismo, 
contrariamente ao racionalismo, determina a experiência como fonte única do 
conhecimento, excluindo qualquer categoria a priori ou inata. Dito de outra maneira, a 
consciência cognoscente (que conhece) não extrai, por dedução, seus conteúdos da 
razão, mas da experiência.
A doutrina empirista encontra fundamentação também na filosofia política, como 
veremos no próximo conteúdo. Por agora, basta indicar uma inspiração além do 
inatismo do conhecimento. Locke se volta contra o absolutismo, que afirmava o poder 
político como algo natural, concedido por Deus. A crítica ao inatismo o leva a duvidar 
até mesmo da ideia de Deus como a apresentada em Descartes.
Kant
Percebemos até aqui o quanto a história da filosofia progride pela refutação e 
reformulação de problemas. É o que ocorre com Kant (1724-1804), que já se dedicava 
à filosofia e havia escrito algumas obras quando, lendo Hume, tem o insight que o 
prepara para aquilo que viria a ser seu sistema. A influência de Hume se dá no ponto 
da crítica à metafísica, Kant descreve que Hume o fez despertar do sono dogmático, 
isto é, da adesão às metafísicas tradicionais, como a cartesiana. Junte-se a isso o 
apreço pela matemática e pela física como ciências modelares e temos um panorama 
no qual surge a filosofia kantiana. 
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A teoria do conhecimento está presente, com Kant, na “Crítica da Razão Pura”, 
integrante de uma trilogia que conta ainda com a “Crítica da Razão Prática”, que trata 
da moral, e a “Crítica do Juízo”, que trata da filosofia natural, compreendida na biologia, 
e da arte. Assim, sua filosofia é dita um projeto de filosofia crítica. A “Crítica da Razão 
Pura” é uma obra que lida com as duas vertentes já expostas aqui: a do racionalismo 
e a do empirismo.
De início, temos que considerar uma dupla distinção fundamental para a teoria 
kantiana. Por um lado, Kant afirma que há duas formas de conhecimento: a forma a 
priori, que não depende da experiência e é universal e necessária, e a forma a posteriori, 
que depende do elemento sensível. Ao contrário da forma a priori, a forma a posteriori 
não proporcionaria juízos necessários e universais. 
Os juízos, por sua vez, se dividiriam em analíticos e sintéticos. Os juízos analíticos são 
juízos em que o predicado já está contido no sujeito, por exemplo, no juízo “os corpos 
são extensos”, no qual o predicado extensão está contido necessariamente no sujeito 
corpos. Já os juízos sintéticos ofereciam alguma informação que não está contida ali.
Considerando estes dois tipos de juízo, Kant chega a outros três tipos:
• juízos analíticos: proposições tautológicas, isto é, que não afirmam nada de 
novo, e que não proporcionam conhecimento;
• juízos sintéticos a posteriori: experiências particulares, que também não pro-
porcionam conhecimento por não serem universais;
• juízos sintéticos a priori: juízos que devem ser universais e necessários e tra-
zer informações novas e que são, portanto, objeto de interesse para o proces-
so de conhecimento.
Considerando isso, Kant se pergunta sobre a possibilidade dos juízos sintéticos a 
priori na matemática, na física e na metafísica, isto é, nas duas ciências modelares já 
estabelecidas neste período, e com a qual ele se debate. Para tratar da possibilidade 
de conhecimento nestas ciências, Kant se mostra original: ele propõe uma inversão 
na relação entre sujeito e objeto do conhecimento. Em vez de considerar os objetos, 
o centro seria o sujeito e a partir dele se regulariam os objetos. Esta inversão foi 
inspirada pela Revolução Copernicana que nos mostra como exemplo o modelo 
heliocêntrico, no qual o deslocamento do Sol para o centro do sistema solar é o que 
inspira o deslocamento do sujeito para o centro da investigação.
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Figura 3 - Sistema solar em modelo heliocêntrico como aperfeiçoado por Copérnico.
Fonte: Plataforma Deduca (2018).
Partindo do sujeito, Kant considera que há duas fontes de conhecimento: a sensibilidade 
e o entendimento. Para investigá-las, vale-se de uma análise dita transcendental. 
Assim, temos que transcendental diz respeito, aos modos de conhecer e diferencia-se 
do termo transcendente.
A sensibilidade seria a faculdade da intuição. Nela haveria forma e matéria: a matéria 
são os dados sensíveis, a experiência, e a formas são o espaço e o tempo. Assim, o 
espaço e o tempo são formas, condições para o conhecimento. Do mesmo modo, 
também o entendimento teria formas, que são chamadas por Kant de categorias.
Kant chega à ideiade categorias por Aristóteles que havia estabelecido em sua lógica 
uma tábua dos juízos, da qual Kant se vale para elaborar sua tábua das categorias. 
A legitimação das categorias se daria pela necessidade de unificar a diversidade em 
uma síntese. Esta síntese poderia ser a síntese da apreensão na intuição, a síntese 
na reprodução da imaginação, e a síntese do reconhecimento do conceito. São os 
três modos da chamada apercepção transcendental, isto é, a condição para toda a 
percepção, assemelhada ao “Eu penso” cartesiano. 
O que diferencia o cogito cartesiano da apercepção transcendental é que a apercepção 
não é subjetiva. Ela diz respeito às condições para toda a experiência possível, sendo, 
portanto, objetiva.
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Ora, mas como se dá a ligação entre a sensibilidade e o conhecimento? Para Kant, 
ocorreria no chamado esquematismo transcendental, no tempo, na imaginação. Disso 
tudo resulta que só se pode conhecer os fenômenos e não a coisa-em-si. Matemática 
e física estão a salvo, mas como fica a metafísica?
Dadas as condições de conhecimento apresentadas na “Crítica da Razão Pura”, os 
objetos da metafísica – sendo os objetos clássicos alma, universo e existência de Deus 
– só podem ser pensados e não conhecidos. Esta distinção entre pensar e conhecer 
é fundamental, pois mostra que a metafísica, do ponto de vista kantiano, tentava se 
estender além daquilo que era possível conhecer, pois o processo de conhecimento 
precisava sempre de um lastro no sensível, que a metafísica não consegue. Para 
provar isso, vale-se das chamadas antinomias da razão, isto é, argumentos sobre os 
objetos metafísicos nos quais tanto a tese quanto a antítese podem estar certas. Por 
exemplo, quando se fala do universo, Kant expõe que tanto a tese de que o universo 
tem limite espaço-temporal quanto a de que não tem tal limite podem ser válidas, de 
modo que não se pode chegar a uma resposta para o que está além da experiência. 
Isso também se passa com as provas da existência de Deus. 
Mas para quê então a metafísica? Se o lugar dela não é no processo de conhecimento, 
Kant a desloca para o problema moral pelo foco na teoria do conhecimento. 
Hegel
Podemos dizer que até Kant, no conhecimento do mundo imperava um realismo 
que, em diferentes versões, pregava a realidade do Ser. Com Kant se inicia a tradição 
idealista, que realoca o problema da metafísica em relação à epistemologia, impondo 
limites à metafísica e atribuindo ao sujeito, como estrutura comum a todos, portanto, 
universal, o papel do conhecimento. Com isso, Kant exerce influência fundamental 
em todos os filósofos do chamado idealismo alemão, dos quais quem apresentou o 
sistema mais acabado foi Hegel (1770-1831). Havia, também, influências do contexto: 
Hegel acompanha com grande fervor as notícias da Revolução Francesa. Mas se na 
França havia ação, na Alemanha, com outra configuração, dominava o pensamento, a 
ideia. 
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Figura 4 - Napoleão Bonaparte, uma das figuras centrais dos desdobramentos da Revolução Fran-
cesa
Fonte: Plataforma Deduca (2018). 
Durante sua estadia em Jena, Hegel viu Napoleão entrar e anexar 
a cidade ao território napoleônico, evento que impressionou Hegel 
profundamente.
Curiosidade
Hegel, apesar de muito influenciado por Kant, nota na doutrina deste as consequências 
da posição em relação à coisa-em-si. Enquanto a coisa-em-si estiver fora da razão, que 
deve fazer uso meramente regulativo, a razão continua a ser algo só subjetivo, sem 
ação na realidade, e predomina a cisão entre sujeito e objeto. Há aqui uma modificação 
no sentido da palavra razão: Hegel pensa uma razão destituída do psicologismo, 
menos como uma estrutura do pensamento e mais como um elemento ontológico, 
subjacente a tudo.
Na teoria do conhecimento, Hegel identifica três formas de tratamento da relação 
entre razão e realidade:
• a experiência imediata, ingênua, representada pela metafísica clássica, que 
acha que pode conhecer a verdade;
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• o empirismo, por um lado, e o criticismo idealista kantiano, por outro, nos 
quais Hegel vê vantagens, mas também críticas: o empirismo usa categorias 
metafísicas e Kant não supera a cisão sujeito-objeto;
• o saber imediato ou a fé, que pensam o incondicionado, o infinito, Deus, como 
representação, e ligam a esta representação a consciência de seu ser. 
A partir destas três abordagens, Hegel identifica um problema fundamental que 
culmina na formulação de sua própria filosofia: até aqui, as doutrinas se valem da 
razão ou o pensamento como distintos do real. Já com Hegel, aquela oposição 
kantiana é superada quando o sujeito que conhece e seu objeto se unem, o que 
significa, em outros termos, identificar epistemologia e ontologia. Daí que o real – 
ou, na terminologia correta hegeliana, o efetivo – e o racional entrem em relação de 
identidade:
[...] assim, Hegel oferece uma solução para o problema da coisa-em-si, 
incognoscível, de Kant. Ser e Conhecer seriam idênticos; o ser é o objeto, 
o que deve ser conhecido pelo sujeito. Mas ser e conhecer nada possuem 
de estranho, são apenas dois aspectos da realidade. Ou se aceita isso, 
disse Hegel, ou então o conhecimento pleno pareceria impossível, como 
pareceu a muitos (GHIRALDELLI JR., 2003, p. 84). 
 Com Hegel, a experiência entra no mundo intelectual, buscando encontrar uma 
correspondência em conceitos. Formar conceitos é dar forma aos fatos, de modo a 
formar correspondência entre a realidade e a verdade. E como isso se daria? Seria 
pela dialética, processo que engloba o negativo (quando o objeto é falso) e o positivo 
(quando alcança verdade), e que se repete na filosofia hegeliana em vários círculos e 
âmbitos. 
Esta tese de Hegel da identidade entre razão e efetividade se expande também para 
a história, que é racional. Com efeito, muito da filosofia hegeliana contempla o campo 
da ética e da política, que, tal como no caso de Kant ou mesmo dos empiristas, não 
vamos abordar aqui por questões de enfoque. 
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Conclusão
Neste conteúdo, nosso foco de estudo foi a filosofia moderna. Assim, os principais 
pontos abordados foram:
• Para o racionalismo, o processo de conhecimento se embasa, a exemplo de 
Descartes, no pensamento como certeza fundamental. As ideias inatas tam-
bém integram esta teoria. 
• Para o empirismo, com Locke e Hume, o conhecimento tem como fonte ne-
cessária a experiência. A alma humana seria como uma folha em branco que, 
com o material fornecido pela experiência, constituiria o conhecimento.
• Para o idealismo, haveria outra via de conceber a questão. Com Kant, am-
bos os lados – o pensamento e a experiência – participariam do processo 
de conhecimento. O processo de conhecimento e a investigação sobre o ser 
se aproximariam, de modo que, para Kant, a metafísica entraria na questão 
sobre os limites do que é possível conhecer, e a resposta é que a ela é pos-
sível apenas pensar seus objetos. Com Hegel, a própria fronteira entre o ser 
e o conhecer se dissolveria de vez, dissipando a coisa-em-si sob a forma do 
idealismo absoluto. 
Idealismo alemão é o período compreendido entre as filosofias de 
Kant e Hegel, no qual surgem outros teóricos de grande relevância 
como Fichte, Schelling, Hölderlin e os irmãos August e Friedrich 
Schlegel. Valendo-se desta periodização, o livro “Entre Kant e 
Hegel”, de Joãosinho Beckenkamp, apresenta a tradução seguida 
de comentário de alguns textos fundamentais do período. Assim, 
para começar no assunto, sugerimos a leitura da resenha escrita 
por Pedro Novelli, disponível em: 
https://www.ibb.unesp.br/Home/ensino/departamentos/
educacao/beckenkamp.pdf
Saiba mais
15
Referências
BECKENKAMP. J. Entre Kant e Hegel. Porto Alegre: Edipucrs, 2004. Resenha de NOVELLI, 
P. G. A. Entre Kant e Hegel. Rev. Simbio-Logias: Revista Eletrônica de Educação, 
Filosofia e Nutrição, Botucatu, v. 1, n. 1, mai. 2008. Disponível em: https://www.ibb.
unesp.br/Home/ensino/departamentos/educacao/beckenkamp.pdf. Acesso em: 6 
mar. 2018. 
BONJOUR, L; BAKER, A. Filosofia: Textosfundamentais comentados. Porto Alegre: 
Artmed, 2010, p. 68-106. 
, M. Convite à Filosofia. São Paulo: Ática, 2010.
GHIRALDELLI JR, P. Introdução à Filosofia. Barueri, SP: Manole, 2003. p. 43-49; 55-72; 
81-87. 
_________. A aventura da filosofia – de Parmênides a Nietzsche. Barueri, SP: Manole, 
2010, p. 123-160.

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