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Leis de Portos II
Pareceu-me de interesse voltar a abordar vários temas que têm 
alguma actualidade, tendo em conta a nova Lei de Portos que se está 
a preparar.
Uma lei de portos deve ter algum impacto na competitividade 
portuária, para que se aproveite em pleno a oportunidade. 
O tema da competitividade portuária, enquanto conceito de 
comparação dos portos, e enquanto variável com impactos na 
competitividade das empresas e das próprias regiões que servidas, 
quando comparadas com outras servidas por outros portos, leva-nos 
invariavelmente às componentes de custos, valor acrescentado, 
preços e produtividade:
Os custos portuários estão em grande medida ligados à amortização 
do investimento que é necessário realizar em equipamento e grandes 
obras de infra-estrutura e acessibilidades, que representam pesados 
encargos e risco acrescido, pelo menos nos primeiras anos de vida 
útil e no arranque da exploração de novos terminais e novas 
dragagens de aprofundamento.
Esta componente inevitável é, na maioria dos países europeus, co-
financiada pelo Estado e pelas cidades, que em contrapartida exigem 
o respectivo reflexo na redução das rendas cobradas nas concessões 
e nos preços praticados ao cliente final, com vista a maximizar os 
benefícios induzidos nas empresas e na economia, habitualmente 
muito superiores aos custos de orçamento público.
Nesta questão era importante definir bem os critérios de intervenção 
dos orçamentos comunitário e nacional nos portos, para que se crie 
uma base sólida de competitividade no principal custo de prestação 
do serviço portuário, o “hardware”, como fazem os belgas, os 
franceses, os espanhóis, os holandeses e os alemães.
Outra componente fundamental dos custos portuários é a mão-de-
obra. Uma mão-de-obra cara, na sua relação produtividade/custo é 
um “peso morto” que todos temos que suportar e arrastar quando 
vamos ao supermercado e compramos mais caro os produtos 
importados, ou quando não conseguimos emprego para os filhos ou 
somos despedidos, porque as empresas nacionais não conseguem 
competir nas exportações com empresas de outros países, que têm 
portos mais competitivos, vendo-se restringidas nos seus mercados 
ao território mais próximo.
O trabalhador dos portos continua a ser, como de resto acontece em 
alguns outros sectores da economia, um pouco privilegiado, podendo, 
se quiser, fazer parar os fluxos económicos internacionais e prejudicar 
muito muitos, se não lhe derem contrapartidas de salário e benefícios 
superiores aos dos outros trabalhadores da generalidade dos sectores 
da economia. 
Por outro lado, este serviço não possui ainda verdadeira concorrência, 
encontrando-se num mundo fechado, à parte, com controlo interno de 
acessos. Não é qualquer empresa de trabalho temporário que pode 
ceder mão-de-obra para os portos, mas só as especiais. Os serviços 
de estiva só podem ser realizados por trabalhadores especiais, com 
salários especiais, estando vedado a outros o livre acesso e não 
sendo permitida a subcontratação livre a terceiros.
Uma liberalização cuidada desta vertente poderia acrescentar maior 
produtividade e competitividade aos portos e às empresas nacionais, 
beneficiando toda a economia.
Uma outra vertente importante é o custo com o pessoal das diversas 
entidades com autoridade nos portos. Os quadros de pessoal, os 
serviços que se realizam e a sua produtividade devem tender cada 
vez mais para os “standards” internacionais, para que os portos 
sejam competitivos.
Não faz sentido Portugal continuar a ter um dos maiores índices de 
número de funcionários por tonelada e logo de remunerações nas 
entidades por tonelada movimentada nos portos. Estes quadros 
devem parar de crescer, serem valorizados e começar a baixar o 
número para os níveis de competitividade internacionalmente 
aceitáveis.
Em termos de competitividade, não é possível obrigar os navios e as 
cargas a pagarem custos e serviços “inúteis” que não existam em 
portos espanhóis, como parece suceder com algumas entidades. 
Tem que se estudar o que faz cada entidade portuária em Espanha, o 
que cobra por navio, o que cobra por tonelada, por serviço, o que 
paga de salários por tonelada e obrigar à adaptação e à redução de 
custos e, logo que possível, à redução de preços.
Uma questão fundamental para procurar reduzir estes quadros, é a 
questão da produtividade dos funcionários das entidades com 
autoridade nos portos, que ainda têm muito enraizada a mentalidade 
de “funcionários públicos” - não podem ser despedidos e que apenas 
têm deveres mínimos, mas que têm direito inalienável ao salário 
mensal, de forma perpétua e à subida automática nas carreiras. 
Parece muito importante criar alguma flexibilização na contratação e 
no despedimento, aproximando ao regime privado, criar uma ligação 
das remunerações ao cumprimento de objectivos e permitir até a 
atribuição de prémios de produtividade, uma vez que os portos são 
geridos em boa parte por diversas entidades, e devem ser geridos 
como empresas. 
Finalmente, parece-me importante falar sobre o preço portuário e a 
sua regulação, que estará em causa quando existe já uma entidade 
cujo descritivo de funções e responsabilidades inclui, em termos 
gerais, a regulação dos tarifários dos portos. 
Em primeiro lugar, o princípio básico da regulação deve ser entendido 
como garantir os preços mais baixos possíveis ao cliente final dos 
portos, obrigando a que exista verdadeira concorrência em todos os 
segmentos, portos e serviços portuários, evitando qualquer estratégia 
ou política de criação de mais-valias indevidas relacionadas com o 
controlo artificial de preços ou dos serviços oferecidos, e evitando a 
criação de monopólios e concessionários monopolistas.
Quando não é possível assegurar a livre concorrência, devem ser 
tomadas medidas especiais de acompanhamento para garantir o 
controlo de preços, o limite das rendibilidades aceitáveis e a 
eficiência de custos.
Por outro lado, o preço a regular deve ser entendido como o preço 
portuário total pago pelo cliente final e, assim, por todos os serviços 
prestados nos portos. 
Regular parte não serve. Ou se regulam e consideram os preços todos 
ou não se está a regular. Regular uma ou duas taxas de nada serve, 
quando os preços são um conjunto de muitas taxas somadas, que 
afectam o cliente final. É a tal questão da árvore e da floresta.
Considero que a Lei de Portos pode ser o caminho certo para inverter 
algumas tendências, enveredando pelo caminho da competitividade 
dos portos, tendo como objectivo sempre em mente: a 
competitividade das empresas portuguesas.
4. Planeamento Portuário
Gestão de Riscos Portuários
O incremento verificado nos últimos anos nos vários riscos ligados à 
gestão de portos, nomeadamente quanto aos mercados, à 
especialização do transporte marítimo, ao aumento da dimensão dos 
navios, às concessões, ao risco de atentados e catástrofes naturais, 
associados ao posicionamento dos portos de forma estratégica nas 
cadeias logísticas internacionais de transportes para abastecimento 
das populações e escoamento da produção nacional, levam a 
necessidade de implementação de sistemas integrados de gestão de 
risco portuários, que reduzam a exposição dos portos e das suas 
empresas.
As necessidades de investimento a longo prazo e a complexidade da 
gestão operacionais da movimentação de navios e mercadorias são 
as principais fontes de risco associadas a um porto. 
Assim, um sistema integrado de gestão de risco deve incorporar 
planos de gestão de risco operacionais e de risco associados ao 
negócio ao longo da cadeia de valor.
“A gestão de risco é um processo, a cargo da administração, 
directores e outro pessoal, aplicado na definição estratégica, que 
atravessa toda a empresa, desenhadopara identificar potenciais 
eventos que podem afectar a empresa e para gerir o risco e o nível de 
exposição da empresa, garantindo um nível de segurança razoável de 
acordo com os objectivos da empresa” (COSO, 2004)
Objectivos de um sistema integrado de gestão de risco
a) Definir a política e estratégia de risco;
b) Melhorar a resposta a riscos;
c) Reduzir surpresas e perdas;
d) Identificar e gerir riscos cruzados;
e) Identificar eventuais oportunidades;
As principais Fontes de Risco de um porto são:
a) Risco Estratégico - Planeamento e infra-estruturas, projectos, 
marketing, novos concessionários e parceiros
b) Risco de Mercado - Alterações tecnológicas no transporte 
marítimo, alterações nas rotas e reorganização logística, novos 
terminais e portos concorrentes, deslocalização da produção, preço 
do petróleo, flutuações no comércio externo, ciclos de vida das 
unidades industriais da região
c) Riscos naturais, catástrofes , guerras, terrorismo, gripe das Aves
d) Risco de Regulação - convenções internacionais, directivas da 
EU, contratos de concessão, restrições de preços e tarifas, legislação 
ambiental, legislação sobre segurança e protecção
e) Risco de Clientes - pagamentos e garantias, acordos especiais 
com outros portos, alterações nas cadeias logísticas
f) Risco de Fornecedores - Qualidade do serviço, Preços, 
Incumprimento e garantias
g) Risco de Outras Entidades - SEF, Alfândega, Capitania
h) Risco de Coordenação e Operação - Manutenção de terminais, 
áreas, obras e edifícios, contaminação e poluição, operação com 
navios e Canais de navegação, VTS, Pilotagem, reboques, amarração, 
operação de cargas, protecção ambiental, sistema de informações, 
terminais Portuários
i) Riscos Tecnológicos - Infra-estrutura tecnológica, vírus
j) Riscos Corporativos - Administração do Porto, Recursos 
humanos, imagem, Responsabilidade social, responsabilidade legal, 
cultura
k) Riscos Financeiros e Económicos 
Valorização do Risco e Prioridades
Para valorizar o risco pode ser utilizada a matriz abaixo e os métodos 
de simulação e valorização financeira de risco nas empresas (técnica 
“Value-at-Risk”).
Matriz de Risco
Categoria
Ocorrência
Improváv
el
Rara Ocasiona
l
Prováv
el
Frequen
te
Impacto
Catástrofe M G G E E
Critico M M G G E
Notável R M M G G
Marginal R R M M G
Negligenciá
vel
R R R R M
(COSO, 2004)
E – Risco Extremo
G – Grande Risco
M – Risco Moderado
R – Risco Reduzido
Instrumentos Gestão de Risco
a. Seguros 
b. Planos de emergência e de Segurança
c. Sistemas de auditoria, monitorização e controlo 
d. Planos de Protecção e vigilância
e. Partilha de investimento e risco de mercado
f. Instrumentos financeiros
g. Controlo de Prejuízos
h. Sistemas de acompanhamento 
i. Antecipação das estratégias de terceiros
j. Redundâncias
k. Acordos de longo prazo
l. Planos, procedimentos, prevenção, precaução
Sistema de Gestão de Risco 
Deverá existir no porto um gestor de risco que centralize a 
monitorização do risco global da empresa, a aplicação das políticas de 
risco e a informação.
Deverá ser elaborado um Manual de Procedimentos de Gestão de 
Risco com os procedimentos e os fluxos de informação para a gestão 
de risco.
Para cada tipo de evento potencial de risco de perdas, deverão ser 
definidas as estratégias a adoptar:
a) Ignorar o risco;
b) Aceitar o risco;
c) Mitigar o risco;
d) Partilhar o risco;
e) Transferir o risco.
COSO, 2004
Gateway Atlântico
Os portos de Portugal estão a ficar atrás dos de Espanha, por falta de 
visão das empresas do sector, que teimam em não liderar a mudança 
necessária para o upgrade da oferta nacional, conforme preconizam 
os modelos de Bird e Rodrigue.
1. Comparação Portugal Espanha
A análise comparativa dos movimentos dos portos em Portugal e 
Espanha dispensa palavras.
0,0
50,0
100,0
150,0
200,0
250,0
300,0
350,0
400,0
450,0
500,0
1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006
Milhões de 
Toneladas Espanha Portugal
Fonte: Puertos del Estado, IPTM e APs nacionais
Há que perceber também qual a estrutura do tráfego, constatando-se 
o grande peso dos contentores (que domina a carga geral) no 
movimento espanhol, onde se incluem os contentores portugueses 
que procuram os Hub do país vizinho.
Carga Geral 
22,42%
Carga Geral 
41,28%
Granéis Sólidos 
25,43%
Granéis Sólidos 
29,75%
Granéis 
Líquidos 
47,83%
Granéis 
Líquidos 
33,28%
Espanha Portugal
Fonte: “El Vigia” e APs nacionais
2. O Modelo Anyport de Bird e Rodrigue
O famoso modelo de J. Bird desenvolvido em 1963 e actualizado em 
1980, preconiza que o desenvolvimento normal de qualquer porto 
passa por três fases: 
a) Estabelecimento – em que o porto e a cidade estão 
intimamente ligados;
b) Expansão – surgimento de cais graneleiros de indústrias, no 
perímetro da cidade;
c) Especialização – surgimento de terminais de contentores longe 
da cidade e próximos do mar, com maiores fundos e 
terraplenos, permitindo a reconversão das zonas ribeirinhas das 
cidades.
Fonte: Rodrigue e Notteboom
Fonte: Bird
Em 2005, Theo Notteboom e Jean-Paul Rodrigue defenderam a 
existência de uma quarta fase na vida de qualquer porto, a 
regionalização.
Nesta fase verifica-se a integração logística com o hinterland e o 
abandono definitivo da zona urbana, de forma a permitir criar 
grandes Hubs ou Gateways logísticos, implicando muitas vezes a 
construção de novos portos próximos, em locais de águas profundas 
(para navios maiores), descongestionadas e com terraplenos 
disponíveis.
São exemplo o novo porto de Gioia Tauro em Itália, o porto de Sete 
em França, o novo porto 2000 no Havre, o caso de Felixstowe/Londres 
em Inglaterra, o novo porto exterior de Barcelona em Espanha, o 
novo porto de mar de Roterdão e o novo porto de mar de Zeebrugge.
O quadro seguinte ajuda a perceber cada uma das fases de evolução.
Fases de 
evolução de 
qualquer porto Ligação à Cidade Área Ribeirinha
Peso no 
Emprego Fundos Terraplenos Terminais Localização Função Logística
Estabelecimento Função Portuária - - Multiusos
No rio, na 
cidade Armazéns do Porto
Expansão Função Portuária + -
Graneleiros 
Industriais
No exterior da 
cidade Industrial
Especialização
Algumas áreas 
reconvertidas ++ +
Especializad
os em 
ContentoresPróximo do mar
Bipolaridades com
Terminais de 2ª 
Linha
Regionalização Reconversão total +++ +++
Gateway e 
Hub 
Logísticos
Águas 
profundas. 
Novo porto. Integração Logística
porto cidade
Fonte: Lopez e Rodrigue (adaptação do autor)
Espanha já há muito que percebeu e começou cedo a liderar a 
mudança, com resultados que estão à vista. Duplicação, expansão e 
modernização dos portos. Crescimento. Mais negócio. Logística. Hubs. 
E cada vez mais contentores.
Por cá, construíram-se novos e modernos terminais de contentores 
em Setúbal e Sines, com espaço, cada um para o seu mercado (short-
sea e deep-sea), mas é o sector privado, estabelecido e acomodado, 
que impede a mudança, fazendo os portos desfalecer lentamente. 
Quem perde é a economia, cujas empresas não têm um Hub em 
Portugal, com muitas ligações directas e competitivas de 
Megacarriers para o resto do mundo, com cadeias logísticas 
integradas, nem um porto moderno de curta distância, com espaço e 
ligações diárias para a Europa e a África e com os procedimentos 
aduaneiros simplificados ou mesmo inexistentes, no caso da UE.
Falta-nos massa crítica e desperdiçamos a que temos. O problema 
parece estar no facto de os nossos portos ainda se encontrarem no 
primeiro nível do quadro seguinte e o conjunto de empresas aí 
referidas não tem interesse em mudar nada.
Fonte: Notteboom e Rodrigue
3. Gateway Atlântico em Sines
Tendo já abordado diversas vezes o tema de Setúbal, focarei desta 
vez o porto de Sines.
Não tenho dúvidas que o portode Sines tem potencial para vir a ser o 
grande Gateway Atlântico da Península Ibérica e uma plataforma de 
troca de contentores entre linhas para vários destinos no mundo, ou 
seja, de transhipment. Está a arrancar bem.