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Imperadores Romanos: Augusto a Marco Aurélio

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Imperadores Romanos, de Augusto a Marco Aurélio. Maria Aparecida de
Oliveira Silva; Vagner Carvalheiro Porto (Orgs.) 1a Edição 2019 © desta
coletânea: LABHAN/UFPI; LARP/MAE/USP Todos os direitos reservados
 
Capa: Detalhe da Ara Pacis Augustae. Roma
Foto: Maria Aparecida de Oliveira Silva 
Imperadores Romanos, de Augusto a Marco Aurélio. Maria Aparecida de
Oliveira Silva; Vagner Carvalheiro Porto (Orgs.) Teresina/São Paulo :
LABHAN/UFPI; LARP/MAE/USP, 2019. ISBN: 978-85-60984-68-8
1. História antiga 2. História de Roma 
Índices para catálogo sistemático: 1. História antiga 930
 
 
IMPERADORES ROMANOS
De Augusto a Marco Aurélio
 
 
 
 
Maria Aparecida de Oliveira Silva
Vagner Carvalheiro Porto
 
(Organizadores)
 
 
 
 
 
 
 
LABHAN/UFPI - LARP/MAE/USP
Teresina - São Paulo
2019
 
 
Sumário
 
 
Prefácio 06
José d’Encarnação
 
Apresentação 09
Os organizadores
 
Imperadores romanos
 
1. Augusto 11
Maria Cristina Nicolau Kormikiari e Felipe Perissato
 
 
2. Tibério 33
Julio Cesar Magalhães de Oliveira
 
3. Calígula – Loucura, Tirania e Poder, ou não? 57
Filipe Silva e Pedro Paulo A. Funari
 
4. Cláudio 79
Marcia Severina Vasques
 
5. Initium saeculi felicissimi no advento de Nero:
Apocolocyntosis e a Consecratio Imperial 100
Claudia Beltrão da Rosa
 
6. Galba, Oto e Vitélio 119
Maria Aparecida de Oliveira Silva
 
7. Vespasiano e o lado Oriental do Império 136
Vagner Carvalheiro Porto
 
8. As Múltiplas Faces do Imperador Romano Tito 166
Ana Teresa Marques Gonçalves e André Ricardo Nunes dos Santos
 
9. Domiciano 191
Pérola de Paula Sanfelice e Renata Senna Garraffoni
 
10. Nerva 207
Monica Selvatici
 
11. Trajano – Optimus Princeps 226
Glaydson José da Silva
 
 
12. Adriano, o “pequeno grego” sui generis 248
Renato Pinto
 
13. Antonino Pio 271
Thiago David Stadler
 
14. Marco Aurélio: entre a Glória e o Oblivium 295
Gilvan Ventura da Silva
 
Posfácio 320
Henrique Modanez de Sant’Anna
 
Sobre os autores 323
 
 
A consciencialização necessária
 
Ocorrerá perguntar: porquê um livro sobre os imperadores
romanos, quando vinte séculos passaram já sobre a sua existência,
numa Europa tão diferente da actual? Que interesse daí poderá advir
para o público brasileiro do século XXI?
Nossa mentalidade se formou, no entanto, a partir de Roma; não
podemos negar nossas raízes, nossos arquétipos, e o facto de, amiúde,
haver quem queira dar aos filhos nomes dos heróis da história romana
disso constitui sintoma evidente.
Depois, há uma questão de cultura geral. Aspectos que não
podem passar despercebidos, mesmo que apenas se trate aqui dos
imperadores que reinaram desde Augusto a Marco Aurélio, ou seja, a
partir do nascimento do Império até ao seu período áureo, o de maior
expansão, no século II, resguardadas as contingências políticas pela
possibilidade de uma quase sequência dinástica. Ter uma ideia do que
foram esses dois primeiros séculos no vasto império que chegou a vir
do rio Eufrates até às Ilhas Britânicas antoja-se, pois, qual serena
aprendizagem de como, sem conflitos e no mútuo respeito, se
consolida um império.
Augusto não teve receio em afirmar-se Imperator Caesar
Augustus: imperator, porque lhe interessava reconhecer a origem
militar do seu poder; Caesar, porque do pai adoptivo, César, de certo
modo recebera o trono (a via hereditária); Augustus, porque,
predestinado pelos deuses para arcar com essa missão, por eles fora
abençoado, iria aumentar (augere) o bem-estar do Povo. Tibério, seu
sucessor, já não quererá o título de imperator, preferirá acentuar o seu
carácter de civilis; mas os militares, designadamente as tropas
pretorianas, não vão permitir que essa tónica civil ganhe força e,
paulatinamente, irão impor os seus chefes predilectos, a troco de
benesses.
Após o período conturbado dos anos 68-69, em que se
digladiam as forças em presença, os Flávios olham com mais atenção
para as províncias, outorgam-lhes direitos mesmo do ponto de vista
político, organizam o território, criam municípios e só o facto de Tito
ter falecido prematuramente, dando lugar a seu irmão Domiciano, que
não fora preparado para governar, fará com que o Senado ganhe
preponderância e Nerva seja o escolhido para governar.
Compreende-se, então, em Roma, que algo mais havia para
além da Península Itálica. E, no que mais directamente nos diz
respeito, a Hispânia, porque – queira-se ou não – a tradição cultural
brasileira bebeu nos mananciais hispânicos, dois aspectos poderão ser
sublinhados, tamanha importância hoje lhes damos, na medida em
que à nossa volta mui diferentes são as realidades palpáveis.
Prende-se o primeiro com o que poderíamos chamar
«municipalização»: os Romanos apoiaram incondicionalmente o
poder local; cada município ou colónia, dotados de magistrados
próprios eleitos pela população (os duúnviros, os edis, os questores),
estavam sob a dependência da ordo decurionum, a ordem dos
decuriões, passível de comparar-se ao Senado. Eram decuriões os
antigos magistrados, que ao saber da idade ajuntavam a experiência
acumulada.
O segundo representa mais uma lição – e que lição! - para a
Humanidade neste sangrento e ainda balbuciante dealbar do século
XXI: a tolerância religiosa! Tinham os povos conquistados os seus
deuses próprios, porque tal é inerente à natureza humana, deificar as
forças da Natureza de que se depende: as fontes, os rios, as
abstracções que nos passeiam na alma… Respeitaram-nos os
Romanos recém-chegados e até ensinaram aos nativos como se
poderiam escrever esses estranhos teónimos à maneira latina e como
se lhes poderia fazer ex-voto de livre vontade para que a divindade
mais facilmente se amerceasse do seu devoto gentil.
Imperadores Romanos surge, por tudo isso, na altura melhor!
Professor Catedrático da Universidade de Coimbra
 
 
Apresentação
 
 
O imperador era a figura central do Império Romano. O título
conferido aos imperadores varia conforme o tempo, usou-se os títulos
de Augusto ou César, porém o mais utilizado foi o de imperator,
título honorífico concedido a um general vitorioso, que mais tarde
passou a designar o próprio imperador (Cícero Filípicas 14, 11 e
Plínio Ep. 3, 5, 9). Suetônio é o primeiro a usar o termo já com o
sentido de Imperador (Cés. 76). Em sentido figurado, como homem
de guerra e capitão, imperator aparece assim grafado em Cícero
(Verr. 4, 95). Existe ainda outra forma arcaica do vernáculo:
Induperator, registrada por Lucrécio (4, 967). Os primeiros
imperadores se serviram também do título de princeps (primeiro
cidadão). A legitimidade de um imperador dependia de seu exército e
do apoio do Senado; um imperador normalmente seria proclamado
por suas tropas, ou investido de títulos imperiais pelo Senado, ou por
ambos.
Sobre o termo imperium, Cícero afirma que este é um poder
soberano, como o do pai sobre os filhos, o do senhor sobre os
escravos; em um supremo poder (de tomar todas as medidas de
utilidade pública, mesmo fora das leis), mando, autoridade suprema,
domínio, soberania (Verr. 5, 8). Já Tito Lívio usa o termo com o
sentido de poder supremo atribuído a certos magistrados, magistratura
(26, 2 9). César, por sua vez, observa-o em um sentido de comando
militar (B. Gal. 2, 23, 4). Por fim, Suetônio o relaciona a conceitos
como Estado, império e governo imperial (Tib. 24).
Esta coletânea apresenta ao leitor aspectos relevantes dos
governos dos imperadores romanos, de Augusto a Marco Aurélio. Os
autores desta obra nos brindam com textos em que combinam o uso
das fontes antigas com o de uma bibliografia atualizada que resulta
em uma leitura que revela fatos da vida privada que se desenrolam no
cenário público e interferem na atuação dos imperadores. Há de se
destacar o caráter multidisciplinar que perpassa todos os capítulos
desta edição, com diferentes abordagens.
Os organizadores
 
 
 
1
 
Augusto
 
 
Maria Cristina Nicolau Kormikiari
Felipe Perissato
 
 
 
Introdução
 
Após a decisiva batalha do Ácio (Actium) de 31 a.C. no
noroeste da Grécia, Otaviano havia eternizado com a fundação da
cidade de Nicópolisa celebração de sua vitória sobre Marco Antônio
e Cleópatra, encerrando, assim, décadas de conflitos políticos em
Roma. Tal evento marcaria definitivamente o projeto de ascensão ao
poder iniciado cerca de dez anos antes quando fora proclamado como
herdeiro legítimo de Júlio César. A vitória no Áciio significara
também o início de um projeto centralizador de um poder pessoal
capaz tanto de administrar as significantes conquistas territoriais
romanas, quanto trazer estabilidade social para vasta e diversificada
população de Roma. Assim, a simbologia do triunfo e da exaltação da
figura vitoriosa de Otaviano, inscrita tanto na monumentalidade
erigida em Nicópolis[1] mas, sobretudo, em Roma com sua
reorganização urbana[2], acabou se tornando um prenúncio da
mensagem e do legado que o então primeiro imperador de Roma
pretendia inscrever em pedra e deixar às próximas gerações (Zanker,
2005: 106-9). Nos anos seguintes, em 27 a.C., Otaviano fora
proclamado pelo senado com os títulos de Augusto e de primeiro
cidadão (princeps senatus), status que o permitiu conduzir Roma e
suas províncias à estabilidade política. No entanto, a trajetória política
de Otaviano foi intensa e trilhou por árduos conflitos e negociações
até finalmente se tornar Augusto.
Nascido em 63 a.C., filho de Caio Otávio e Átia Balba,
Otaviano teve como grande referência o tio por parte materna, aquele
que futuramente se tornaria seu pai-adotivo, Júlio César. Foi educado
na oratória tanto latina quanto grega, esta última responsável por lhe
despertar uma profunda admiração pela Grécia. Sua paixão pela
cultura grega ainda o aproximou, inclusive, dos clássicos literários de
cunho filosófico e político, conhecimento cujo domínio já
demonstrava desde sua infância e que fora determinante para sua
carreira política e militar (Southern, 1998:.1-4).
Nos turbulentos idos de março de 44 a.C., Júlio César foi
assassinado durante sessão na Cúria romana em uma conspiração
armada por senadores contrários ao seu projeto político. Entendido
como tirânico e nocivo à República pelos conspiradores, o projeto
cesarista de reformulação do Estado Romano encontrou continuidade
e força naquele que, por testamento, havia se tornado seu filho-
adotivo e legítimo herdeiro. Otaviano, assim, havia prometido a
vingança pela morte de César. Além disso, havia se empenhado no
tecer dos arranjos políticos e no ajuntamento de forças militares para
a consolidação de um projeto de estado que pusesse fim ao caos
instaurado pelas décadas de guerra civil (Southern, 1998: 45-70).
Dessa forma, em poucos anos Otaviano ascendeu em sua carreira e
atingiu a magistratura, se tornando triúnviro ao lado de Marco
Antônio e Lépido. Tal posição lhe permitiu se tornar protagonista de
uma narrativa cujo cenário lhe possibilitava a vingança contra os
assassinos de César. O evento derradeiro foi a Batalha de Filipos em
42 a.C., na Macedônia, com a efetiva derrota dos conspiradores
(Grimal, 2008: 28-30).
Contudo, uma nova polarização política se constituiu após
Filipos. Com objetivos distintos, Marco Antônio partiu para o Oriente
a fim de prosseguir as guerras na fronteira contra o Império Parta e
governar as províncias orientais, o que o fez se aproximar da rainha
egípcia, Cleópatra. Por sua vez, Otaviano ficara encarregado da difícil
missão de governar Roma e as províncias ocidentais (Southern, 1998:
71-99). Assim, o rompimento entre os dois foi um elemento
fundamental da ascensão de Otaviano no poder de Roma e o resultado
em Ácio foi a derrocada de um movimento de reorganização do poder
que vinha acontecendo há décadas durante essa conturbada fase da
história romana.
É importante ressaltar, no entanto, que Otaviano soube lidar
com as questões institucionais e fazer as reformas necessárias.
Preservou as magistraturas da República, mas as usou para trazer
legalidade aos atos imperais. O papel do Príncipe era, dessa forma, o
de um elemento centralizador dentro do senado. O sentido de
princeps senatus era “aquele que ocupa o primeiro lugar”. Quando
em 27 a.C. o senado finalmente apresenta sua incondicional
submissão ao Príncipe e o sacraliza com um título honorífico de
Augusto, extraído da esfera religiosa. Otaviano se torna enfim
Augusto (Corassin, 2004: 187).
Durante seu reinado, Augusto mandou registrar por meio de
um decreto esculpido em pedra os feitos, as narrativas e todo grande
legado de seu principado nas paredes de seu Mausoléu em Roma. Tal
decreto, as famosas Res Gestae Divi Augusti, chegou a nós por meio
de cópias deixadas em templos romanos nas províncias orientais,
sobretudo, aquele de Ancira na Ásia Menor (atual Ancara na
Turquia), cujo estado de conservação permitiu a recuperação
praticamente completa do conteúdo escrito (Corassin, 2004: 182).
Nelas, Augusto afirma que foi príncipe do senado durante quarenta
anos. Relata, ainda, todas as despesas feitas em favor do Estado e do
povo de Roma; as doações que fez aos veteranos e à plebe e também
os jogos e espetáculos que ofereceu ao povo. Narrou também seus
feitos, se posicionando ora como pacificador, ora como conquistador
(Res gestae, 15-35; Corassin, 2004:183).
Augusto foi também responsável por inúmeras construções
em Roma e nas províncias. Seu programa de construções públicas é
de fato impactante na paisagem e na topografia das cidades do
Império. Na Vida dos Doze Césares, obra escrita cerca de cem anos
após a morte do imperador, Suetônio afirma que o aspecto urbano de
Roma não correspondia à suntuosidade do império. Assim, Augusto
foi responsável por embelezar a cidade, deixando “uma cidade de
mármore onde encontrara uma de tijolos”. Ergueu numerosos
monumentos públicos, dos quais Suetônio destaca o Fórum de
Augusto, com o Templo de Marte Vingador; o Templo de Apolo no
Palatino e o de Júpiter Tonante no Capitólio (Suetônio, 2.29).
Seu programa de construções esteve voltado, inclusive, para
diversas províncias do império, onde procurou inscrever sua marca e
sua simbologia imperial nas paisagens urbanas (Zankler 2005: 103-
27). Na Grécia, por exemplo, Augusto foi responsável pela
construção de inúmeras edificações. Foi também homenageado em
diversas ocasiões pelas elites locais por meio da construção de
monumentos e estátuas como forma de agradecimento pelas
benfeitorias realizadas às cidades. Um caso bastante notável e
interessante é o Templo de Roma e Augusto construído por um demo
ateniense na Acrópole de Atenas. Trata-se de um monóptero[3], que
foi muito utilizado, na literatura, como evidência da “romanização”
ateniense. No entanto, não há como se provar a ligação entre o culto
da divindade grega Héstia, atestada epigraficamente na Acrópole, e a
construção do monóptero enquanto reprodução do edifício de culto
circular dedicado a Vesta, em Roma. O que sabemos, de fato, é
estarmos diante do primeiro exemplo de templo dedicado ao culto
imperial, no caso, a Augusto, na Grécia, e um dos primeiros do
Mediterrâneo oriental. (Stephanidou-Tiveriou, 2008: 21-2). Augusto
foi inclusive iniciado nos Mistérios de Elêusis em duas ocasiões
quando esteve visitando a Ática. O impacto augustano no urbanismo
da Grécia é, de fato, muito evidente e marcado na paisagem, sendo
inclusive uma tendência que encontra continuidade por seus
sucessores.
Entretanto, a paz foi talvez o maior legado do Principado de
Augusto para sua época. Contrastando com o longo período de
instabilidade social decorrente das guerras civis, Augusto pôde
finalmente instaurar a Pax Romana por meio de reformas
institucionais; um amplo programa de obras públicas, com a
distribuição de terras e de assentamento em novas colônias aos
veteranos; além da celebração de jogos e espetáculos para o povo
(Corassin, 2004: 189-93). Tácito afirma, nesse sentido, que “Augusto
nos deu as instituições sobre as quais ganhamos a paz - sob um
principado”, enfatizando a reforma institucional como principal
elemento do estabelecimento da paz (Tácito, 3.28; Galinski, 2005:
33).
Na historiografia, o debate entre o papel institucional do
Império e a transição entre Repúblicae Império a partir de Augusto é
interessante de ser pontuado, pois há divergências na interpretação
das fontes entre os historiadores, como aponta Faversani (2013: 100-
1). Primeiramente há a perspectiva de ruptura, preconizada na obra de
Ronald Syme (1939), e retomada posteriormente na tese de Moses
Finley (1983) e, recentemente, com a ideia de “revolução cultural”
proposta por Wallace-Hadrill (2008) e Anthony Spawforth (2012).
Haveria, portanto, segundo a perspectiva geral desses autores uma
ruptura na periodização, entre o modelo republicano e a formação do
principado a partir de Augusto. Por outro lado, há quem se pontue
pelos aspectos de continuidade, tentando analisar a instituição do
Principado como um artífice republicano. Theodor Mommsen é o
principal historiador a trabalhar essa perspectiva em sua monumental
obra Römische Geschichte. Ele reconhece o caráter especial da nova
ordem, mas entende sua peculiaridade pela perspectiva da lei
constitucional, cunhando o termo “diarquia”: o príncipe e o senado.
Haveria continuidades com algumas rupturas no esquema
interpretativo de Mommsen (Eder, 2005:16-7; Faversani, 2013: 101-
2).
É difícil, no entanto, apresentar um século de intensas
transformações políticas e sociais a partir da figura de um só
personagem. Porém, o século de Augusto é um quadro tecido como
modelo para as próximas gerações de imperadores, o que fica
evidente na sua imagem divinizada construída a partir de sua morte.
 
 
O caso do Norte da África
 
O Norte da África foi o sexto território mediterrânico
incorporado como província pelos romanos. Essa incorporação inicia-
se com a destruição total de Cartago, colônia fenícia localizada onde
hoje temos Túnis, na Tunísia, a qual havia ascendido a uma posição
de poder capaz de ameaçar as aspirações romanas de controle do
Mediterrâneo. Com a destruição total da cidade em 146 a.C. os
romanos incorporam o território sob controle cartaginês direto[4],
criando a provincia Africa[5]. Com o avanço romano que ocorre ao
longo dos próximos 200 anos, todo o Norte da África terminará tendo
sido anexado. Assim, em 46 a.C. o território a oeste da província
Africa é anexado por César, ao vencer Pompeu e seus aliados
africanos, leia-se Juba I, rei númida, em Tapsos, denominando-o
Africa nova (a antiga província Africa passa a ser conhecida como
Africa vetus)[6]. Augusto será o responsável pela consolidação desse
território mesmo não tendo realizado, sob seu comando, novas
anexações territoriais para o oeste. Não obstante, a morte do rei
númida Juba I, aliado de Pompeu, de fato, representou a quase
extinção de sua linhagem norte africana (Kormikiari, 2000: 218). Seu
filho, Juba II, foi levado para Roma por César e foi criado na casa de
Augusto, junto com Cleópatra Selene, filha de Cleópatra e Marco
Antônio (Carcopino, 1943: 29).
Posteriormente, em 25 a.C., Augusto colocará o casal no
comando das terras ocidentais norte africanas. Apesar de ser um
local, Juba II era de origem númida, como seu pai, e foi colocado
para governar terras de um grupo rival, os mouros, cujos últimos reis
haviam perecido em entre 38 e 33 a.C. (Kormikiari, 2000: 218-222).
Desse modo, Augusto conseguiu não atiçar a população norte
africana com imposições de lideranças estrangeiras, mas ao mesmo
tempo, o fato de Juba II ser um númida e não um mouro permitiu um
certo afastamento entre ele e seus súditos.
As terras ocidentais do Norte da África só serão oficialmente
anexadas após a morte de Ptolomeu, filho de Juba II e Cleópatra
Selene, em Roma, a mando de Calígula, em 40 d.C. (Leveau, 1984:
314-315), quando ganham o nome de Mauritânia. Mas foi Augusto
que, décadas antes, criou as condições para essa anexação.
Antes de instituir Juba II como rei da Mauritânia, Augusto
recortou três cidades autônomas, Zilis, Babba e Banasa, desse reino e
as transferiu, junto com suas nationes (isto é, com os grupos
indígenas que habitavam nos seus arredores), do domínio real para a
autoridade romana (Plínio, HN, V, 3 e 5).
Os dados relativos juà ocupação do território africano, desde o
início do processo, isto é, a partir da destruição de Cartago,
permitem-nos visualizar como as ações de Augusto foram essenciais
para assegurar a Roma, territórios tão férteis e ricos em contingente
militar. Os soldados mouros aparecem na Coluna de Trajano, datada
do século II d.C., e vários relatos textuais dão conta da importância
dessa cavalaria para as conquistas romanas (Le Bohec, 1980: 113).
A destruição de Cartago e a criação simultânea da província
Africa em solo púnico acarretaram uma mudança decisiva na relação
entre as forças políticas do Norte da África. T. Kotula afirma que o
estado cartaginês havia, já há séculos, se tornado africano, isto é,
mesclado à cultura indígena local. No entanto, este estado foi, após a
destruição da capital africana, o praedium populi Romani, o solo
provincial do inimigo estrangeiro (Kotula, 1976: 338). Os reinos
indígenas fazem, agora, fronteira com os territórios ocupados pelos
romanos. Estudos recentes têm procurado demonstrar o complicado
jogo político e econômico romano, à época dos Gracos e durante a
derrocada da República, ao longo das acirradas disputas entre os
optimates e os populares[7]. Paralelamente, este interesse romano nas
questões políticas locais estava relacionado aos interesses econômicos
dos homens de negócio, os negotiatores[8], atuando nas cidades
fenício/cartaginesas e númidas.
A vitória de Mário na Guerra de Jugurta permitiu ao partido
dos populares levar a cabo sua política de doações de terras férteis,
longe da Itália, aos veteranos. Uma série de inscrições africanas,
encontradas em território númida, atestam que a lex Appuleia, de 103
a.C., que designava para cada veterano de Mário 100 iugera (c. 25
ha), utilizou terras não pertencentes à província Africa (Kotula, 1976:
339).
A sociedade norte-africana, no momento do início das
incursões romanas pode ser considerada multifacetada: urbana (a
imensa maioria das cidades conhecidas do período fenício-cartaginês
está localizada ao longo da costa marítima), sedentária e agrícola para
o interior, semi-nômade, principalmente em direção à zona desértica,
isto é, ao Saara (mas com uma grande variação de percurso territorial,
tanto na direção norte-sul, como leste-oeste) (Whittaker, 1993).
A vitória de Pompeu em 81 a.C. representou a sustentação da
política dos optimates e retardou uma colonização romana mais
acentuada no Norte da África, ao menos até a vitória, quase quarenta
anos depois, de César em Tapso. Nesse momento, então, temos a
anexação definitiva das terras númidas (região ao leste do rio
Ampsaga, na região oriental da Argélia atual), transformada na
província Africa nova.
O povoamento romano no Norte da África dura mais de três
séculos. Temos um povoamento misto de longa duração, com uma
característica única, a manutenção da pequena propriedade na África,
em contrapartida ao que aconteceu em outras províncias, onde a
concentração fundiária avançou rápido e alcançou um alto grau
(Lassère, 1977).
Os romanos perceberam que não poderiam utilizar os mesmos
métodos no povoamento do antigo território de Cartago, na Numídia
(Argélia) aliada de Roma a mais de um século e meio, e,
posteriormente nas Mauritânias (atuais Marrocos e Argélia ocidental)
onde as civilizações mediterrânicas apenas exerceram sua influência
nas áreas costeiras.
Após a destruição de Cartago, seu território foi mais
rigidamente controlado. Sem o aval do senado, o partido popular
procura ocupar, o máximo possível, o antigo território púnico. Isto
explica a concessão à colônia de Cartago, em 43 a.C., de uma vasta
pertica que compreendia, particularmente, a cidade de Thugga
(Dougga), onde o templo de Baal Hammon/Saturno vigiava três vales
que são igualmente vias de penetração (Fig.1).
 
Fig. 1: Templo de Baal Hammon/Saturno, Dougga, Tunísia. Autoria:
Pradigue, 2001
 
Uma outra área que foi imediatamente ocupada foi o território
ao redor da cidade númida de Cirta, que posteriormente será
rebatizada comoConstantina (à época do imperador Constantino).
Esta cidade foi particularmente importante, mencionada nas fontes
textuais como capital de vários reis númidas. Localizada na região
interiorana do leste da Argélia, seu território era livre de um comando
maior de Cartago, mas ao mesmo tempo, foi extremamente
influenciada pela cultura fenício-púnica, e, ao longo do século I a.C.,
recebeu levas de negotiatores da Península Itálica (Lassère, 1977).
Ao mesmo tempo, a organização dos contatos humanos, que
se inicia no final da República e que cabe aos primeiros imperadores,
parava frente a certos problemas difíceis, como o clima hostil e as
distâncias imensas; o trabalho da terra para que esta possa sustentar as
novas populações; o cultivo intensivo, mas com necessidade
premente dos novos colonos se apoiarem na experiência de seus
parceiros africanos.
A longa decadência das sociedades rurais do sul da Itália e da
Sicília tornava uma região próxima, como a África, um local onde se
podia recomeçar, se tentar satisfazer uma vocação rural aguçada pela
reputação de fertilidade da região (Lassère, 1977: 75-9)[9].
Outros cidadãos foram instalados na África, seja pelo Estado,
seja pelos generais que, ocasionalmente, ao longo do último século da
República controlaram estas instalações. A instalação de colonos em
Cartago em 121 a.C. é bastante conhecida. Mas a idéia que se tem
deste episódio associa-o à própria cidade destruída e não seu
território, isto é, à província Africa no seu conjunto.
Neste território, onde vastas extensões de ager publicus
haviam sido deixadas, de maneira precária, aos indígenas, uma
epidemia havia trazido altas taxas de mortalidade em 124 a.C.,
levando mais de 200.000 pessoas (Tito-Lívio, Per., LX; Orósio, V,
11). Em Roma havia claramente a consciência da necessidade de se
manter o território de Cartago e do perigo que seria deixar muita terra
despovoada nas proximidades de um reino númida em plena
expansão.
Assim, se explica que ao lado do renascimento de Cartago,
modesto, na forma de uma pequena colônia de cidadãos, temos
também a instalação de 6.000 colonos em lotes de 200 jugeres, isto é
50 ha. (Apiano, Bell. Ciu., I. 2; CIL I 585, l.61, Lassère, 1982: 402).
Temos assim, a distribuição de 300.000 ha, 3.000 km2 de
terras. Foi menos a instalação de colonos que importou – logo
esquecidos por Roma, e mais a fundação de uma cidade com
instituições romanas, capital de uma província onde o partido
democrata começa a se instalar (Lassère, 1982: 402).
O general Mário, da ordem equestre, foi responsável por
deixar um contingente razoável em território africano. Nosso
conhecimento da colonização de Mário (107 - 86 a.C) vem mais da
epigrafia do que dos textos. Uma inscrição de Thuburnica (A.E.,
1951, 81) nomeia Mário, sete vezes consul (107-100 a.C.), conditor
coloniae. Outros textos lembram de seu papel nas cidades norte-
africanas de Uchi maius, Thibaris e Mustis. Acredita-se que ele
deixou na África a maior parte de seus soldados. Talvez o equivalente
a duas legiões: entre 6.000 e 10.000 homens (Lassère, 1982: 403)[10].
Desde o início do século I a.C. estima-se que ceramistas se
instalaram na África para reproduzir as formas cerâmicas da
península italiana. No entanto, trata-se, sobretudo de uma colonização
masculina, eles tomam mulheres locais como esposas, e sua prole é
denominada hibridi. Mais adiante, na época de César e de Augusto, a
concessão de cidadania romana volta-se para estes mestiços.
Na região númida de Cirta, César legaliza a colonização
particular de P. Sittius. Colonia Iulia Iuvenalis Honoris et Virtutis
Cirta. Após a vitória de César em Tapsos, em 46 a.C., foi oferecida a
P. Sittius de Nuceria, na Campânia, por sua ajuda, a parte oriental do
reino de Massinissa (Apiano, IV, 54).
Nesta região temos um povoamento alógeno, itálico,
sobretudo campânico, mas também espanhol e mesmo africano.
Algumas das oferendas encontradas no santuário de El-Hofra
assinalam três nomes, Munatius, Servius e Gabiedius, sendo que
destes, os dois primeiros são comuns na Campânia. Além dos
campânicos, na região de Cirta também encontramos inscrições com
nomes de outras origens itálicas: samnitas; brútios; picênios; etruscos;
e mesmo celtas; além de romanos da urbs (Lassère, 1982: 411).
No porto de Rusicade (a norte de Cirta), ligação com a Itália e
com o Oriente, encontra-se o nome de uma família, os Granii. De
fato, 27 nomes encontrados em Rusicade não são encontrados em
outras áreas da região e são bem atestados em Óstia, em Pouzzoles e
em Delos, e também em portos espanhóis, como Tarraco, Valentia e
Mago (Port Mahon, nas Ilhas Baleares) e em Cordoba (Lassère, 1982:
411-2).
Assim, o povoamento da região de Cirta confirma os três tipos
de povoamento que existiu na África durante a República: as
implantações governamentais (temos notícia apenas da implantação
dos Graco); a tradição do povoamento individual comandada por
grandes interesses (Rusicade, Cirta); e as instalações semi-oficiais
realizadas pelo partido democrata.
 
 
O principado de Augusto
 
Estas são as bases sobre as quais Augusto edificou sua obra
africana, nas palavras de J. Lassère (1982, p. 414). Tanto o território
quanto seus habitantes, após um século de contatos, eram melhor
conhecidos, e a recíproca também era válida, os africanos, até os
mouros, conheciam melhor os romanos. Augusto instalou doze
colônias na Mauritânia, isto é, em terras ainda não anexadas
oficialmente por Roma[11].
Augusto acelerou o processo de colonização das terras
africanas. Este movimento populacional já havia se iniciado desde a
destruição de Cartago (lembramos apenas a tentativa dos irmãos
Graco em refundar Cartago, e os assentamentos marianistas de
veteranos durante as Guerras Civis). Na Berberia oriental, isto é, na
província unificada que juntou a Africa vetus e a Africa nova, e para
além, na região das Sirtes (atual Líbia), Augusto não interferiu nos
estatutos políticos das cidades livres, principalmente dos portos. Já
nas regiões interioranas, ao longo do Ouerd Medjerda (o antigo
Bagradas) e do Ouerd Miliane (região dos berberes misiciri, entre
outros númidas e líbios), ele instalou veteranos da XIIIª legião (C.I.L.
VI, 36917 apud Lassère, 1982: 415) em Thuburbu Minus, Thuburbi
Maius, Suturnuca, Medeli, Assuras, Simithus (esta cidade possuía
minas de mármore as quais foram muito exploradas pelos romanos),
Thuburnica e Sicca Veneria. Outras cidades como Vaga e Cirta
receberam mais colonos (Kormikiari, 2000: 272) (Fig.2).
 
 
Fig.2 Mapa do Norte da África com algumas das colônias fundadas por
Augusto.
Autoria: Ursus, 2008.
 
Os habitantes indígenas dessas regiões entravam em contato
com essas novas instalações, principalmente nos dias de mercado,
quando desciam de suas castella, isto é, de seus vilarejos fortificados,
para se dirigir às nundinae, aos mercados itinerantes[12].
No Norte da África ocidental e central, região que ainda não
havia sido transformada em província romana, Augusto igualmente
procedeu à instalação de veteranos. São doze as colônias ali
estabelecidas: três no Oeste, com os nomes de Iulia, nove no Leste,
com o nome de Iulia Augusta[13]. No Oeste temos Iulia Constantia
Zulil; Iulia Campestris Babbae; Iulia Valentia Banasa. No Leste
temos, ao longo da costa, Cartenna, Gunugu, Rusguniae, Rusazus,
Saldae e Igilgi; no interior foram fundadas Succhabar; Aquae e
Tubusuptu (Mackie, 1983: 337-8)[14].
Passou-se a utilizar os efetivos italianos já instalados para um
povoamento “mais distante” – temos o início de um movimento de
pioneiros. Os estudiosos modernos marcam a prudência com a qual
Augusto teria completado a obra africana da República: de um lado o
desejo de “romanizar” a África, e do outro a necessidade de manter o
envio de grãos à Itália. Assim, Augusto teria tido o cuidado de não
criar obstáculos à manutenção das atividades econômicas nas
províncias (Lassère, 1982, p.414).
Ele não altera o estatuto político das cidades púnicas, em
particular aquelas livres desde 146 a.C., e também não dosportos,
especialmente os da região das Sirtes (costa oriental da Tunísia e
Líbia).
Nas regiões rurais do baixo Medjerda e do Ouerd Miliane, ele
instala veteranos da XIIIª Legião (C.I.L. VI 36917) em Thuburbo
minus, e coloca outros, talvez, em Thuburbo maius, com certeza em
Sutunurca e em Medeli (C.I.L. VIII 885 = 12387).
Esta política segue na Africa nova (logo reunida com a Africa
vetus, em 27 a.C.) com a fundação de uma colônia em Assuras (CIL
VIII 1798), de outra nas proximidades de Simitthus (CIL VIII
14612), com o reforço de Thuburnica e de Sicca Veneria, que se
tornam colônias (CIL VIII 14697; VIII 14687, 14705, entre outras) e,
talvez, Vaga, que se torna município (Lassère, 1982: 415; Gascou,
1972: 24). 
O reforço de povoamento em Cirta, em 26 a.C., aconteceu
tanto com a compra de terras às custas do próprio Augusto (Res
gestae diui Augusti, 16), como ele utilizou para as instalações ager
das próprias cidades. Percebe-se, assim, a amplitude de um
movimento de dispersão de colonos sobre um vasto território cujos
limites vão de Thysdrus até Thuburbo maius e terminam na
confederação cirtense (Piganiol e Pflaum, 1953).
São poucas colônias, sem dúvida, mas instaladas em
localizações que permitiam que estas atuassem como “vitrines da
romanização” frente aos indígenas. Foi nesta região plana, no centro
das planícies férteis, próximo aos mercados agrícolas, não longe das
reservas de mão-de-obra das tribos, que o pragmatismo de Augusto
optou por distribuir os pagi de veteranos ou de camponeses civis que
coordenavam a boa utilização da região ao mesmo tempo em que
levavam para mais além, no mundo africano, a ação de “romanização
das colônias” e dos municípios, particularmente na Africa nova
(Lassère, 1982: 415-6).
Apesar destes reforços, no entanto, a disparidade entre uma
África interior e uma marítima permanecia, pois a obra de Augusto
foi realizada, essencialmente, na costa. Em particular, Cartago, a
antiga capital do império marítimo púnico, recebeu uma atenção
especial de Augusto. Segundo Dião Cássio (LII, 43, 1), em 29 a.C.,
Augusto reforça a região com uma nova leva de colonos. Ele irá
além, a interdição de construção lançada contra a cidade por ocasião
de sua destruição quase 200 anos antes é retirada. Fica garantida,
assim, a ressureição de um dos portos comerciais mais importantes do
Mediterrâneo antigo (Lassère, 1981: 416)[15].
Nas fundações que Augusto espalha, entre 33 e 25 a.C., na
costa do reino mouro, isto é, na futura Mauritânia, encontramos a
confirmação desta preocupação em ocupar o território norte-africano
com elementos itálicos em Saldae e Tubusuctu. Cerca de 30 textos
epigráficos demonstram que os colonos vieram, na sua maioria, ou de
Roma, ou da Itália central ou meridional, e alguns da Cisalpina. Mais
para o oeste, em Iol Cesarea, a antiga capital de Juba II, encontramos
um texto que menciona uma habitante de Rusguniae, Iulia, filha de
Iulius Respectus (cognomen literalmente traduzido do púnico) que ao
demonstrar que seu pai recebeu a cidadania com César ou Augusto,
provaria os inícios da incorporação de elementos africanos na
sociedade romana local (Lassère, 1982: 417).
O caso da organização pacífica do território norte-africano,
por parte de Augusto, demonstra a engenhosidade de um governante
que, sem ter sequer colocado os pés nessa região (que durante o
triunvirato havia ficado a cargo de Lépido), foi capaz de estender o
controle romano sobre uma área absolutamente vasta mesmo antes de
sua anexação total.
O processo norte-africano será longo, quase 200 anos passarão
entre o início da tomada de controle romano, a partir da queda de
Cartago, e a anexação final dos territórios até a costa atlântica. São
mais de 3000 km de extensão em um território difícil do ponto de
vista climático e morfológico, e habitado por populações autóctones
não totalmente homogêneas entre si e já misturadas por quase mil
anos, por ocasião da chegada romana, aos colonizadores de origem
fenícia.
Ao mesmo tempo, os modos de vida das populações citadinas,
rurais e semi-nômades, não caracterizadas pela arquitetura
monumental ao estilo grego e romano, permitirá aos romanos a
implantação bastante livre do seu viver arquitetônico. Assim, temos,
hoje, no Norte da África, alguns dos exemplos melhor acabados da
urbanização romana, urbanização essa que ficará a cargo dos
imperadores posteriores. A ação de Augusto, organizativa, abrirá essa
porta aos seus sucessores.
 
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2
 
Tibério
 
 
Julio Cesar Magalhães de Oliveira
 
 
 
O que sabemos sobre a vida de Tibério César depende, em
grande parte, de fontes literárias tardias e hostis. Tácito e Suetônio
escreveram suas obras quase um século após a morte de Tibério e
Díon Cássio no início do século III. Tácito e Díon eram membros da
aristocracia senatorial e Suetônio, um funcionário dos imperadores da
dinastia antonina. O propósito de Tácito nos seus Anais era apresentar
os imperadores Júlio-Cláudios como tiranos em uma história política,
expondo o contraste entre a liberdade republicana e a escravidão
imperial à qual os senadores haviam se submetido (Joly, 2004: 109-
142). O governo de Tibério, que ocupa os seis primeiros livros dessa
obra, interessava-o, nesse sentido, como “o momento em que a
fachada republicana da dominação imperial se desfez” (Campos,
2015: 116). A História Romana de Díon Cássio também era uma
história política, mas tinha por objetivo expor a história dos
imperadores do passado como um conjunto de conselhos para a
dinastia dos Severos. Dissimulado e ausente, o Tibério retratado por
Díon era o contraexemplo de seu ideal do autocrata detentor de um
poder absoluto, mas limitado pelas virtudes postas em prática em prol
dos cidadãos (Gonçalves, 2011). Suetônio, por sua vez, concentrava-
se na história moral da dinastia Júlio-Cláudia. Sua narrativa era mais
temática do que cronológica e, em muitos aspectos, mais ambígua do
que as histórias de Tácito e Díon. Mesmo assim, ele não deixava de
partilhar do pressuposto básico da tradição historiográfica senatorial,
segundo a qual o governo de um imperador só é legítimo na medida
em que contemple outros grupos sociais (Joly, 2005). Sua Vida de
Tibério é estruturada por uma série de exemplos da crueldade e
hipocrisia do princeps e também por seu afastamento dos olhares
públicos na ilha de Capri. O contraste com as virtudes propagadas
pela dinastia Antonina e com a publicidade dos atos de Trajano, que
não hesitava em abrir à visitação a própria casa, não podia ser mais
claro (Dupont; Éloi, 2001: 293-294).
Não sabemos se Tácito, Suetônio e Díon escreveram suas
obras a partir de uma fonte comum, mas a tradição negativa sobre
Tibério que veiculam não foi inventada por eles. As histórias de
crueldade ou devassidão de Tibério citadas por Tácito e Suetônio
derivam de uma longa tradição oral e as memórias de Agripina que
consultaram também contribuíram em muito para o triunfo dessa
visão (Levick, 1999: 222-223). Outras fontes, no entanto, nos
permitem estabelecer um contraponto. Veleio Patérculo, por exemplo,
que acompanhou Tibério por oito anos em suas campanhas na
Germânia, Panônia e Dalmácia como comandante da cavalaria e
legado de Augusto e que assumiu a pretura durante seu principado,
apresenta em sua História Romana uma visão bem mais positiva e até
mesmo laudatória do imperador, ainda que não oculte as tensões e
conflitos do período (Campos, 2010). As cunhagens monetárias e
inscrições datadas do governo de Tibério são outras tantas fontes que
nos permitem compreender as decisões políticas do princeps em seu
próprio contexto (Charles, 2005). É apenas a partir do confronto entre
essa diversidade de fontes e de pontos de vista que uma biografia
crítica de Tibério pode hoje ser escrita.
Tibério César era filho de Ti. Cláudio Nero e de Lívia Drusila,
filha de Ápio Cláudio Pulcro, também chamado de M. Lívio Druso
Claudiano por ter sido adotado por M. Lívio Druso, o tribuno da
plebe de 91 a.C. (Suet. Tib. 1-3). Pelos dois lados, portanto, Tibério
era originário da antiga família patrícia dos Cláudios e, pela adoção
do avô materno, era um membro da família plebeia dos Drusos.
Descendentes de outro M. Lívio Druso, o tribuno de 122 a.C., um dos
mais ferrenhos opositores de Caio Graco, os Drusos mantiveram até o
final da República uma clara posição conservadora e oligárquica. Os
Cláudios, porém, eram mais controversos. Ultraconservadores e
defensores absolutos das prerrogativas dos patrícios, por um lado,
alguns de seus membros, como Públio Clódio, foram também os
maiores defensores da plebe urbana no século I a.C. As ambiguidades
de uma família atuante na política de Roma por mais de meio milênio
não deixariam de oferecer a Suetônio os exemplos de “numerosas
façanhas” e “numerosos delitos” dos Cláudios (Suet. Tib. 2). Tácito,
por sua vez, preferiria ver na “velha e inculcada soberba” da
linhagem a chave para o caráter de Tibério (Tac. Ann. 1, 4, 3). O que
é certo, como observou Barbara Levick, é que Tibério, por educação,
herança ou emulação consciente, continuou a tradição de
engajamento militar de um dos ramos da família Cláudia, o dos
Neros, e abraçou os princípios políticos dos Drusos, os mesmos que
levaram seu avô Claudiano a tomar o partido de Bruto e Cássio e com
eles perecer durante a guerra civil (Levick, 1999: 11-18).
Tibério nasceu em 42 a.C., no ano mesmo em que seu avô se
suicidou com outros tiranicidas derrotados na batalha de Filipos
(Vell. Pat. 2, 71). Em 39 a.C., o pai de Tibério, que havia passado da
aliança com Sexto Pompeu à de Marco Antônio, aceita se divorciar
de sua esposa Lívia, então grávida de seis meses de seu segundo
filho, Nero Druso, para entregá-la em casamento a Otávio (Suet. Tib.
4). A fim de evitar o escândalo de ter “um filho nascido em apenas
três meses”, segundo o dito popular reportado por Suetônio, Otávio
deixou os dois filhos de Lívia aos cuidados do pai biológico (Suet.
Claud. 1). Aos nove anos, Tibério passou à tutela do padrasto e
estreou na vida pública pronunciando o elogio fúnebre de seu pai. Em
29 a.C., Otávio manifestou publicamente a proximidade de Tibério
com sua dinastia fazendo-o desfilar ao seu lado e ao de M. Cláudio
Marcelo, o filho de sua irmã Otávia, no triunfo celebrado pela vitória
na batalha do Ácio (Suet. Tib. 6). Em 24 de abril de 27 a.C., Tibério
envergou a toga viril, o símbolo da maioridade, e, pelos dois anos
seguintes, acompanhou Augusto em sua campanha na Espanha contra
os Cantábrios como tribuno militar. Aos dezenove anos, iniciou sua
carreira política assumindo, com autorização do Senado, o cargo de
questor para o ano 23 a.C., cinco anos antes da idade mínima legal
(Vell. Pat. 2, 94).
A não ser por essa precocidade, que seria uma característica
comum aos jovens da família imperial, Tibério seguia até então os
mesmos passos de qualquer filho da nobreza que iniciava uma
carreira política durante a República (Sears, 2005: 12). Peitar um
cidadão em um processo judicial também fazia parte dessa tradição,
mas a descoberta de uma conspiração contra Augusto, em 23 a.C.,
não foi apenas a ocasião para Tibério obter a glória de um êxito
oratório. Seu discurso demandando a condenação à morte de um dos
conspiradores, Fânio Cipião, foi, antes, uma forma de manifestar sua
lealdade a Augusto no momento mais delicado e contestado de seu
principado (Suet. Tib. 8; Levick, 1999: 22-23). A suspeita de que
Augusto estivesse preparando Marcelo para sucedê-lo havia
contribuído para suscitar a conspiração de 23 a.C. Mas a morte do
sobrinho, no outono desse mesmo ano, deixou o caminho aberto para
o principal general e braço direito político do príncipe, Marco Agripa,
quando Augusto, de fato, começou a pensar em sua sucessão. Em 21
a.C., Agripa casou-se com Júlia, a viúva de Marcelo e filha de
Augusto, selando a aliança com a família. Pouco depois, em 20 ou 19
a.C., Tibério também celebrou seu casamento, desposando a filha de
Agripa, Vipsânia Agripina.
Em 20 a.C. Tibério foi incumbido por Augusto de seu
primeiro comando militar como legado com poderes de pretor
(legatus Augusti pro praetore). Enviado em uma missão para depor
Artaxes e substitui-lo por Tigranes no trono da Armênia, atingiuseu
objetivo sem muitos esforços (Dio Cass. 54, 9). Em 16 a.C., assumiu
a pretura que lhe havia sido garantida quatro anos antes e
acompanhou Augusto em nova missão militar contra os gauleses nos
Alpes (Dio Cass. 54, 19; Vell. Pat. 2, 95). Nos anos seguintes, foi
enviado com seu irmão Druso para submeter as tribos da Récia e da
Vindelícia, estendendo as conquistas até o Danúbio (Dio Cass. 54,
22).
Em 13 a.C., com apenas vinte e oito anos de idade, Tibério
assumiu seu primeiro consulado (Suet. Tib. 9). Apesar da carreira
acelerada, o filho de Lívia ainda estava longe de ser o escolhido por
Augusto para sucedê-lo. Por essa época, o corregente de fato do
Império ainda era Marco Agripa. Seus filhos, Caio e Lúcio, então
com oito e quatro anos de idade, haviam sido adotados por Augusto e
eram os herdeiros políticos do príncipe. Mas, em fevereiro de 12 a.C.,
a morte prematura de Agripa obrigou Augusto a repensar seus planos
para a sucessão. Tibério era o principal general do exército e (ao lado
de seu irmão Nero Druso) um dos únicos homens da casa de Augusto
com idade suficiente para sucedê-lo, caso a morte lhe sobreviesse
antes que Caio e Lúcio atingissem a maioridade. Tornou-se, por isso,
a escolha óbvia para ocupar o lugar de Agripa (Vell. Pat. 2, 96).
Para garantir o plano, Tibério foi obrigado por Augusto a se
divorciar de Vipsânia e casar-se com Júlia Augusta, a viúva de
Agripa (Suet. Aug. 63). Tibério vivia um casamento feliz com
Vipsânia. Com ela teve seu filho, Druso, ainda em 13 a.C. e deixou-a
quando ela estava novamente grávida de um segundo filho seu. Mais
tarde, segundo Suetônio, Tibério lamentou tão amargamente ter-se
divorciado de sua primeira esposa que, certa vez, “ao encontrá-la por
acaso, perseguiu-a com olhares tão insistentes e cheios de lágrimas,
que ela depois disso nunca mais quis aparecer-lhe” (Suet. Tib. 7, 3).
O casamento com Júlia seria em tudo o oposto. De início viveram
bem, mas o único filho que tiveram morreu ainda criança e pouco
depois passaram a dormir em leitos separados.
Os anos que se seguiram foram de repetidos êxitos militares e
políticos para Tibério e não é improvável que a deterioração das
relações do casal estivesse ao menos em parte ligada a esse mesmo
êxito. Assumindo o comando deixado vago por Agripa, Tibério
conquistou a Panônia em 12 a.C., enquanto seu irmão Nero Druso
conduzia operações militares na Germânia (Dio Cass. 54, 31). Em 11
e 10 a.C., os irmãos debelaram sucessivas revoltas ao longo da
fronteira norte do Império e receberam por seus êxitos os ornamentos
triunfais e uma ovação (Dio Cass. 54, 32-34). Mas em 9 a.C. seu
irmão, que então atuava como cônsul, foi ferido em combate na
Germânia e morreu pouco depois (Dio Cass. 55, 1-2). A morte de
Nero Druso representou o desaparecimento do outro único membro
da dinastia em idade adulta, o que levou Augusto a estreitar ainda
mais sua parceria com Tibério. Em 8 a.C., Tibério foi eleito cônsul
pela segunda vez e indicado para assumir, por cinco anos a partir de 6
a.C., o poder tribunício em Roma e o comando proconsular sobre
todas as províncias do oriente (Dio Cass. 55, 6). Como Agripa antes
dele, Tibério se tornou de fato e para todos os efeitos o corregente do
Império. 
Então, no auge de seu poder, Tibério abandonou os planos de
Augusto e retirou-se da cena política em um exílio voluntário na ilha
de Rodes (Suet. Tib. 10-11; Dio Cass. 55, 9). As razões desse retiro
inesperado foram objeto de discussão já na Antiguidade. Segundo
Suetônio, alguns diziam que Tibério havia se afastado pelo desgosto
da mulher, a quem não podia acusar publicamente de adultério; outros
diziam que ele pretendia reforçar sua autoridade pela ausência. O
próprio Tibério teria alegado, no momento, estar saciado de honras e
necessitado de repouso. Mais tarde, como muitos também afirmavam,
ele diria que, ao ver que os filhos de Augusto se aproximavam da
maioridade, não queria que sua presença parecesse a de um
concorrente (Suet. Tib. 10).
A maioria dos historiadores modernos associa o afastamento
de Tibério à tentativa fracassada da plebe de Roma e dos partidários
de Júlia de eleger Caio como cônsul para o ano 5 a.C., quando o
jovem ainda tinha apenas quatorze anos (Dio Cass. 55, 9; Suet. Tib.
10). Júlia e seus aliados podem ter sentido que a ascensão vertiginosa
de Tibério ao poder acabaria por beneficiar seu filho Druso, em
detrimento de Caio e Lúcio. A plebe urbana pode ter visto na ocasião
da eleição uma oportunidade não apenas de manifestar sua lealdade à
família Júlia, mas também de expor a impopularidade de Tibério.
Tibério, com efeito, não escondia sua aversão à ideia de um
principado baseado no culto da personalidade e no apoio popular e ele
já havia dado mostras do ideal austero e oligárquico que pretendia
instaurar. Ao assumir seu segundo consulado, ele havia anunciado,
como seu primeiro ato, que pretendia restaurar o Templo da
Concórdia, o mesmo fundado no século IV a.C. pelo político
conservador M. Fúrio Camilo e restaurado em 121 a.C. por Lúcio
Opímio, o homem responsável pelo assassinato de Caio Graco e seus
partidários. Tibério não poderia escolher um símbolo mais odiado
pela plebe para afirmar suas simpatias oligárquicas (Levick, 1999:
24-27).
Embora preparada com antecedência, a eleição de Caio foi
uma surpresa para o próprio Augusto. Pressionado pela multidão a
não anular o resultado dos comícios, Augusto procurou
contemporizar. Prometendo a Caio o consulado assim que
completasse os vinte anos, não hesitou em nomear seus dois filhos
adotivos como “príncipes da juventude”, colocando-os à frente da
ordem equestre. Foi a gota d’água para Tibério. Seu afastamento pode
ter sido apenas um protesto contra o que via como uma concessão
excessiva à plebe e aos partidários de Júlia. Mas uma vez tomada a
decisão, o impasse estava criado. Tibério não podia voltar atrás sem
reconhecer o papel do povo na criação dos príncipes e Augusto não
podia retirar o consulado que prometera ao filho sem prejudicar sua
própria autoridade e o futuro do herdeiro (Levick, 1999: 40). O exílio
de Tibério tornou-se, então, um caminho sem volta.
Em 2 a.C., Júlia caiu em desgraça. Acusada publicamente de
adultério (mas certamente também por razões políticas) foi exilada
por Augusto, enquanto um de seus supostos amantes era executado e
os demais eram banidos. Para Tibério, a notícia não representou a
reviravolta que esperava. Os planos de Augusto para Caio e Lúcio
continuaram os mesmos e os únicos laços que o ligavam ao príncipe
foram cortados quando Augusto demandou o divórcio de Júlia em
nome do genro. Pouco depois, quando seus poderes expiraram e Caio
assumiu o comando proconsular do oriente, Tibério foi recebido pelo
filho adotivo de Augusto com frieza. Percebeu, então, o perigo que
corria. Pediu a Augusto para retornar, mas foi ignorado. Nos confins
do Império, Tibério passou a ser visto como um homem morto. Na
cidade de Nemauso, na Gália, imagens e estátuas suas foram
derrubadas pela população. Na comitiva de Caio, no oriente, um
conviva não hesitou em oferecer-se para entregar a cabeça do
desterrado, se Caio assim o quisesse (Suet. Tib. 13). Para sua sorte,
Caio o recusou, e depois de dois anos de ansiedades, e por instâncias
suas e de sua mãe Lívia, Tibério conseguiu retornar a Roma, após
oito anos de exílio, em 2 d.C. 
A reabilitação de Tibério nos anos seguintes foi facilitada
pelas mortes de Lúcio, no mesmo ano, e de Caio, em 3 d.C. O
desaparecimento precoce dos herdeiros obrigou Augusto, aos sessenta
e seis anos, a repensar, mais uma vez, seus planos para sucessão. Dos
filhos homens de Júlia, o único sobrevivente era Agripa Póstumo,
nascido em 12 a.C., pouco depois da morte de seu pai Marco Agripa.
A solução encontrada por Augusto foi adotar como filhos, em 4 d.C.,
tanto Tibério, aos quarenta e cinco anos, como o jovem Agripa, então
com quatorze anos de idade (Suet. Tib. 15). A dupla adoção não
implicava uma situação de igualdade. Investido novamente do poder
tribunício, mas agora por dez anos, e encarregado de umcomando
militar da Germânia, Tibério voltava à condição de corregente do
Império. Agripa Póstumo, no limiar da vida pública, era apenas um
herdeiro. Além disso, ao se tornarem netos adotivos de Augusto,
Druso, o filho natural de Tibério, e Germânico, o filho que Tibério
adotara de seu irmão, podiam também ser vistos como herdeiros tão
legítimos quanto os descendentes naturais da família Júlia. Augusto
pode ter tentado mitigar os temores dos familiares e aliados de Júlia
Augusta que ainda gozava de popularidade e esperava uma
reabilitação, ao dar em casamento sua filha Agripina a Germânico
César. Mas se o acordo foi um compromisso, não havia dúvidas de
que o maior favorecido ainda era Tibério (Levick, 1999: 31-47).
A campanha militar que Tibério conduziu na Germânia em 4 e
5 d.C. foi em breve coroada de pleno êxito. No julgamento otimista
de Veleio Patérculo, que participou das incursões entre o baixo Reno
e o Elba, não havia nada mais a conquistar na Germânia, exceto os
Marcomanos chefiados por Marabôdo (Vell. Pat. 2, 107-109). Mas
quando Tibério se preparava para enfrentar esse novo desafio,
mobilizando nada menos do que oito legiões, uma revolta
generalizada eclodiu na Panônia e na Dalmácia. Por três temporadas,
de 6 a 8, os Panônios ocupariam a atenção de Tibério, enquanto os
dálmatas apenas se renderiam em 9 (Dio Cass. 56, 12-17). A
campanha da Panônia mostrou Tibério em sua melhor forma como
general e lhe rendeu um de seus maiores êxitos militares. Mas no
auge do esforço de guerra, as pressões em Roma por uma guerra
breve, os temores manifestos pelo próprio Augusto de que os
inimigos poderiam assediar a cidade e os altos custos impostos pela
mobilização também contribuíram para elevar a impopularidade de
Tibério e as esperanças de seus adversários.
Segundo Veleio Patérculo, foi em 5 d.C., dois anos antes da
maior batalha contra os rebeldes, que Agripa Póstumo “começou a
revelar sua verdadeira personalidade, caindo numa estranha
depravação da alma e do engenho e alienando-se da afeição de seu
pai e avô” (Vell. Pat. 2, 112). É provável que Agripa tivesse
manifestado o desejo logo frustrado de acelerar sua carreira, obtendo
em pouco tempo, como seus irmãos o haviam obtido, o consulado, o
comando proconsular e o poder tribunício (Levick, 1999: 57).
Segundo Suetônio, a queda de Agripa ocorreu em duas etapas:
primeiro, com sua emancipação forçada (isto é, o rompimento de seus
laços com a família Júlia) e, depois, com seu banimento para Surrento
e, não muito depois, com seu exílio permanente e sob guarda na ilha
de Planásia (Suet. Aug. 65). Segundo Díon Cássio, o pano de fundo
dessa queda foi uma tentativa de agitação popular no contexto da
fome e do aumento de impostos provocados pela guerra que Tibério
conduzia ao norte (Dio Cass. 55, 27). A dura repressão decretada por
Augusto provocou não apenas a desgraça de Agripa, mas também a
execução de Lúcio Paulo e o possível banimento de sua esposa Júlia,
a menor, a filha de Júlia Augusta e irmã de Agripa Póstumo.
A ruína de seus principais rivais na casa imperial consolidou o
caminho para a ascensão final de Tibério. Desde sua reabilitação, em
4 d.C., seus amigos e companheiros de campanhas na Germânia e na
Panônia monopolizaram os consulados e os comandos provinciais.
Seus filhos, Germânico César e Druso César, que também se
destacaram nessas campanhas, obtiveram os benefícios de uma
carreira acelerada, o sinal mais claro de que eram os herdeiros da
dinastia. Monumentos públicos, como o arco de Ticínio em 7-8 d.C.,
e cunhagens monetárias, a partir de 10 d.C., já apresentavam Tibério
como o virtual sucessor de Augusto. Em 13 d.C., Tibério teve seus
poderes tribunícios renovados e recebeu o comando supremo (o
imperium maius) sobre todo o Império. Quando Augusto morreu, em
19 de agosto de 14 d.C., não havia dúvidas quanto a quem assumiria
o governo de Roma (Wiedemann, 1996: 201; Seager, 2005: 37-39).
“O primeiro ato do novo principado”, nas palavras de Tácito,
“foi o assassinato de Agripa Póstumo, que, surpreendido sem armas
por um centurião determinado, só foi executado com dificuldade”
(Tac. Ann. 1, 6). Não há nenhum acordo nas fontes antigas ou entre os
historiadores modernos sobre se a eliminação de Agripa teria sido
decidida por Augusto, por Lívia ou pelo próprio Tibério (Tac. Ann. 1,
5-6; Suet. Tib. 22; Dio Cass. Hist. Rom. 56, 31-32). Qualquer que seja
o mandante, porém, o assassinato foi um passo inevitável para
consolidar a transmissão dos poderes em favor de Tibério e da família
Cláudia. Agripa havia sido preterido por Augusto, mas permanecia
um sucessor em potencial. Além disso, a difusão de rumores de uma
possível reconciliação entre Augusto e Agripa em um encontro
secreto na ilha de Planásia pode ter alimentado esperanças entre os
partidários da família Júlia e justificado os temores de uma
instabilidade política entre os apoiadores de Tibério (Campos, 2010,
2011).
Após o funeral de Augusto e a leitura de seu testamento, a
passagem dos poderes se completou com a reunião do Senado em 17
de setembro de 14 d.C. Nessa reunião, após Augusto ser deificado, os
cônsules apresentaram uma moção para determinar a posição de
Tibério. Não havia necessidade de uma moção consular para
confirmar os poderes já conferidos ao agora Divi filius, “filho do
divino”. O que a moção implicava era apenas a concessão a Tibério
das províncias antes atribuídas a Augusto e a requisição para que o
novo Príncipe aceitasse reter seus poderes e defender a res publica
(Seager, 2005: 42-47). No entanto, o longo intervalo de quase um
mês entre a morte de Augusto em 19 de agosto e a reunião do Senado
em 17 de setembro, conjugado às narrativas de Tácito, Suetônio e
Díon Cássio de um tenso debate ocorrido nessa reunião entre
senadores exasperados e um Príncipe relutante em admitir seus
poderes sugerem que Tibério, de fato, postergou o momento
inevitável em que deveria assumir sua nova posição (Tac. Ann. 1, 11-
12; Suet. Tib. 24; Dio Cass. 57, 2; Levick, 1999: 50). A questão é: por
quê? Para Tácito, a razão dessa hesitação teriam sido a cautela e a
astúcia: Tibério teria desejado forçar o Senado a se comprometer com
ele e “ter o crédito de ter sido chamado e eleito pelo Estado, em vez
de ter chegado ao poder graças às intrigas de uma esposa e à adoção
de um velho caduco” (Tac. Ann. 1, 7). Para Suetônio e Díon, ao
contrário, o motivo teria sido o receio dos perigos que o ameaçavam,
a saber: o temor de uma rebelião do exército, acompanhada ou não de
uma conjuração em Roma (Suet. Tib. 25; Dio Cass. 57, 3, 1).
É verdade que, tão logo receberam a notícia da morte de
Augusto, três legiões da Panônia e quatro do Reno se rebelaram. O
motivo real e declarado dessas rebeliões era o aumento do soldo, a
melhoria das condições de vida dos soldados e a redução do tempo de
serviço. Mas no Reno, as legiões não hesitaram em proclamar seu
comandante, Germânico César, como imperador (Dio Cass. 57, 5).
No entanto, a resposta de Tibério aos motins da Panônia, ao contrário
do que sugerem Suetônio e Díon, foi imediata: antes mesmo da
reunião do Senado, ele já havia enviado um destacamento da guarda
pretoriana e da cavalaria sob o comando de seu filho Druso César
para suprimir a rebelião. Em 26 de setembro, Druso já estava na
Panônia, quando, aproveitando-se de um eclipse lunar, conseguiu
com que os amotinados aterrorizados se rendessem. A rebelião no
Reno, ao contrário, só foi conhecida em Roma após o dia 17 de
setembro e foi debelada pelas iniciativas do próprio Germânico entre
o final de setembro e meados de outubro. Embora tenham coincidido
com a ascensão de Tibério ao poder, as rebeliões não parecem,
portanto, terem sido a causa das hesitações do novo Príncipe (Levick,
1999: 51-54).
Como Barbara Levick argumentou a esse respeito, é mais
provável que a hesitação de Tibério tivesse sido uma tentativa de
estabelecer com o Senado as esferas de atuação e as relações entre os
agentes políticos do novo regime, sem criticar abertamente seu
antecessor (Levick, 1999: 54-59). No debate “sucessório”,Tibério
havia tentado negar que a posse dos poderes supremos
necessariamente faria de um homem um “Príncipe”, no sentido de
que esses poderes impunham a ele a responsabilidade de guiar o
Império e dirigir sua política. Pretendia, portanto, que o Senado não
reportasse tudo a um único homem, mas assumisse suas próprias
responsabilidades. Mas como os senadores recusassem que os
poderes, uma vez concedidos, fossem divididos, Tibério se viu
obrigado a aceitar a responsabilidade que eles abdicavam de assumir.
No final, nas palavras de Levick, “é irônico que tivesse cabido a um
homem das convicções de Tibério abrir o caminho para legitimar e
institucionalizar a nova monarquia e ainda mais irônico que, fazendo
isso, ele estivesse se curvando à vontade do Senado” (Levick, 1999:
58).
A política empreendida por Tibério durante seu principado foi
toda ela marcada por essa contradição entre seus princípios austeros e
oligárquicos e uma prática política cada vez mais centralizadora e
autocrática. Foi essa contradição, entre outros fatores, que lhe
assegurou a reputação de hipocrisia que a tradição senatorial nos
transmitiu. Desde seus primeiros atos, Tibério buscou desencorajar o
servilismo, a bajulação e o culto à personalidade: recusou que o mês
de setembro fosse chamado tibério e o de outubro, lívio; proibiu que
lhe fossem consagrados templos, sacerdotes e estátuas; tomava como
afronta o nome de Senhor, afastava de sua liteira senadores
bajuladores e não se importava com injúrias, boatos ofensivos e
versos satíricos (Suet. Tib. 26-31; Dio Cass. 57, 9-11). Os temas
evocados em suas cunhagens monetárias remetem todos a um ideário
austero e conservador (Levick, 1999: 60-68). A tranquilidade
ininterrupta evocada pelas palavras salus, quies, pax e tranquilitas,
sem nenhuma surpresa, emergem como o ideal dominante do Príncipe
conservador. A concordia e a clementia eram a proposta de Tibério, a
partir de sua posição de força, a seus adversários derrotados para que
superassem suas divergências (o que, na prática, reconhecia a
permanência de uma oposição). Em um discurso endereçado aos
senadores em 25 d.C., Tibério dizia que pretendia ser lembrado como
um homem providus (isto é zeloso, comprometido) para com os
interesses do Senado, mesmo que isso implicasse em sua
impopularidade entre outros grupos sociais (Tac. Ann. 4, 38). Uma
das razões de sua futura reputação como omisso no exercício de suas
responsabilidades como imperador residia em sua ênfase na
moderatio, incluindo sua disposição em aceitar a pluralidade de
opiniões discutidas no Senado (Wiedemann, 1996: 212). Mas ao
advogar a concordia, exibir sua providentia e exercer a iustitia, a
clementia, e a moderatio, Tibério também reconhecia possuir poderes
muito acima do que qualquer político republicano havia jamais
possuído (Levick, 1999: 68).
No resumo dos “anos bons” do principado de Tibério, de 14 a
23 d.C., Tácito se referia com reservado elogio à dignidade e poder
que o príncipe concedera aos senadores e magistrados (Tac. Ann. 4,
6). Um de seus primeiros atos administrativos foi transferir as
eleições do povo para o Senado (Tac. Ann. 1, 15, 1; Vel. Pat. Hist.
Rom. 2, 124, 3). Durante todo o seu principado, o posto mais
prestigioso, o de consul ordinarius, foi reservado com poucas
exceções aos membros das antigas famílias republicanas e aos filhos
de cônsules eleitos sob Augusto (Seager, 2005: 106-107). Tibério
aboliu o restrito conselho administrativo constituído por seu
antecessor e transferiu todas as decisões para o plenário do Senado.
Nas palavras de Suetônio, “não houve assunto, importante ou não,
público ou particular, que não fosse referido aos senadores” (Suet.
Tib. 30). Mas a principal dificuldade de levar a cabo seu projeto de
restituir autonomia ao Senado adveio dos próprios senadores que, em
todas as decisões importantes, como em 21 d.C. na nomeação de um
governador para a província da África para debelar a rebelião liderada
por Tacfarinas, procuraram eximir-se de responsabilidade e transferir
a decisão para o príncipe (Idem, 110-111). Não surpreende que,
segundo Tácito, todos os dias quando deixava a cúria, Tibério dizia,
em grego, para si mesmo: “Ó homens preparados para a escravidão!”
(Tac. Ann. 3, 65). 
Tibério não introduziu nenhuma mudança significativa no
papel da ordem equestre na administração. Precisou, porém, os
critérios de pertencimento à ordem, enfatizando a liberdade de
nascimento para excluir a ascensão de libertos ricos entre os
equestres. Na relação com a plebe, não procurou se fazer popular.
Segundo Suetônio, seu lema foi sempre: “Que me odeiem, mas que
me respeitem” (Suet. Tib. 59). Em Roma, mandou construir uma
caserna para a Guarda Pretoriana e suprimiu severamente todas as
revoltas populares (Suet. Tib. 37). Não aboliu as lutas de gladiadores
e os espetáculos teatrais que o povo considerava como um direito.
Mas, em 14, após o morticínio de soldados em confronto com
torcedores no teatro, decretou que os pretores poderiam punir
espectadores com o exílio por mau comportamento e, em 23, baniu
todos os atores da Itália (Tac. Ann. 1, 77; 4, 14; Suet. Tib. 37). Em
Polência, na Ligúria, não hesitou em enviar o exército para punir a
plebe que forçara a família de um centurião falecido a oferecer um
combate de gladiadores (Suet. Tib. 37). Mesmo assim, procurou
evitar a principal causa de descontentamento popular, afirmando seu
constante cuidado com o abastecimento de Roma (Tac. Ann. 4, 6).
Nas províncias, a maior parte do esforço militar foi
concentrado ao longo da fronteira norte do Império (Tac. Ann. 4, 5).
O objetivo das legiões acantonadas nessas regiões era não apenas
conter os Germanos fora das fronteiras, mas também suprimir as
rebeliões nas Gálias. A mais grave dessas sublevações foi revolta das
tribos gaulesas de 21 d.C. suscitada pelo peso dos impostos e pelos
abusos dos governadores (Tac. Ann. 3, 40-47). Ainda assim, a
província que mais causou dificuldades durante o principado de
Tibério foi a África. De 17 a 24, uma longa guerra foi travada contra
os rebeldes liderados por Tacfarinas, um Númida que havia servido
nas tropas auxiliares romanas e que colocou sua experiência a serviço
de suas tropas (Tac. Ann. 2, 52; 3, 20-21, 32, 35; 4, 23-26). A atitude
de Tibério em relação à exploração das províncias pode ser
sintetizada na resposta à solicitação do prefeito do Egito Emílio Reto
para que lançasse um novo imposto: “um bom pastor deve tosquiar
seu rebanho, não o esfolar” (Suet. Tib. 32, 2; Dio Cass. 57, 10, 5).
Mas como o mostram as duas revoltas mencionadas, é claro que esse
preceito não foi sempre seguido e é por essa razão que tantos
governadores durante seu principado foram processados por extorsão
ou crueldade em suas províncias, muitos deles sob a acusação de lesa-
majestade (Seager, 2005: 144-145).
A face mais sombria do principado de Tibério na opinião de
seus biógrafos antigos foi precisamente a difusão das condenações
por crime de lesa-majestade (maiestas) (Levick, 1999: 142-159;
Seager, 2005: 125-138). Tácito responsabilizou Tibério pelo número
considerável de pessoas acusadas de traição a partir dos anos 20 d.C.
e, na verdade, por qualquer morte nesse período (Tac. Ann. 1, 72).
Tibério, porém, não criou nem reviveu a legislação a esse respeito,
que já existia antes dele, e tampouco poderia suprimi-la. Nas palavras
de Robin Seager, no regime político do principado, “revogar ou
suspender a lei de maiestas, ou mesmo suprimir as recompensas por
um processo bem-sucedido, seria o mesmo que convidar abertamente
à conspiração e ao assassinato” (Seager, 2005: 138). Como
Wiedemann observou, se Tibério deve ser culpado é por omissão,
pois foram suas constantes ausências de Roma que encorajaram
delatores a fazerem acusações de traição para atacar seus próprios
rivais ou simplesmente para se enriquecerem (Wiedemann, 1996:
219).
O ano de 23 d.C. marcava para Tácito o fim dos “anos bons”
do principado de Tibério porque foi a partir de então que uma
catástrofe dinástica deixaria o príncipe cada vez maisisolado, abrindo
o caminho para a ascensão do Prefeito do Pretório Lúcio Élio Sejano
(Tac. Ann. 4, 1). Ao assumir o principado em 14 d.C., Tibério havia
solicitado ao Senado a concessão do imperium proconsular a seu filho
adotivo Germânico, enquanto Druso, seu filho natural e três anos
mais novo, receberia a mesma concessão em 17 d.C. Durante os anos
em que foram associados ao governo do Império, os dois irmãos
mantiveram boas relações, embora rivalidades certamente existissem
tanto entre ambos, como entre Agripina, a esposa de Germânico, e
Lívia Júlia, a esposa de Druso. Em 17 d.C., porém, Germânico foi
enviado em uma missão ao oriente, onde ambicionava seguir os
passos do avô Marco Antônio. Para refrear ambições do jovem,
Tibério o fez ser acompanhado por Gn. Calpúrnio Pisão como novo
governador da Síria. Mas as relações entre os dois enviados logo se
deterioraram e em 19 d.C. Germânico adoeceu e morreu sob a
suspeita de ter sido envenenado por Pisão. Germânico e Agripina
contavam com imensa simpatia popular e, desde as primeiras notícias
do infortúnio e depois com a chegada da viúva portando as cinzas do
marido, a plebe de Roma demonstrou a sua consternação em protestos
e num luto voluntário (Suet. Calig. 5-6; Courrier, 2014: 868-870). No
julgamento de Pisão, no final de 20 d.C., a ira popular se manifestou
mais uma vez em pichações e aos gritos durante a noite de “Devolve-
nos Germânico!” (Suet. Tib. 52; Courrier, 2014: 872-873). Apesar
dos esforços de Tibério para que o julgamento fosse aberto e justo, o
suicídio de Pisão durante o processo foi interpretado na opinião
pública como um sinal de que ele havia de fato assassinado
Germânico – e sob as ordens de Tibério (Dio Cass. 57, 18;
Wiedemann, 1996: 211).
Com a morte de Germânico, Druso César se tornou o sucessor
natural do Príncipe. Isso já era claro nas cunhagens monetárias que
celebravam o nascimento dos dois filhos gêmeos de Druso em 19 ou
20 d.C. A posição de Druso foi ainda confirmada em 21 d.C., quando
compartilhou com Tibério seu quarto consulado, e em abril de 22
d.C., quando foi formalmente investido do poder tribunício (Tac.
Ann. 3, 31; Wiedemann, 1996, p. 211). Embora a morte de
Germânico e a ascensão de Druso tivesse privado sua família da
sucessão imediata, Agripina ainda podia se sentir segura pela
introdução na vida pública, com os privilégios de uma carreira
acelerada, de seus dois filhos mais velhos, Nero e Druso,
respectivamente em 20 e 23. Mas tudo isso deveria mudar em
setembro de 23 com a morte de Druso César, talvez vitimado por uma
conspiração de Sejano.
O Prefeito do Pretório já era, por essa época, uma eminência
parda no principado de Tibério. Contava com o apoio inconteste da
Guarda Pretoriana, estendera sua influência ao Senado e gozava da
total confiança do Príncipe. Os autores antigos divergem ao explicar a
ascensão de Sejano: teria Tibério utilizado Sejano como um
instrumento contra Agripina e seus filhos, ou seria Sejano quem teria
explorado os temores de Tibério para avançar suas ambições
pessoais? Suetônio adota a primeira opção, enquanto Tácito privilegia
a segunda, o que é a pista seguida pela maioria dos historiadores na
atualidade (Suet. Tib. 55 e 61; Tac. Ann. 4, 1). Segundo Tácito, o
principal obstáculo às ambições de Sejano era que “a casa imperial
estava cheia de Césares”: “um filho na força da idade e netos adultos
impunham um atraso aos seus desejos” (Tac. Ann. 4, 3). Isso sugere
que, mais do que se tornar um imperador no lugar de Tibério, Sejano
ambicionava apenas a posição de regente durante a minoridade de um
herdeiro (Seager, 2005: 153).
O primeiro passo executado por Sejano para atingir seus
planos seria eliminar Druso César, com quem já havia se indisposto.
Para tanto, seduziu Lívia Júlia e com ela começou a conspirar (Tac.
Ann. 4, 1-3). Druso faleceu em 14 de setembro de 23 de uma longa
doença que à época passou como uma fatalidade, mas que anos mais
tarde seria denunciada por Apicata, a esposa repudiada por Sejano,
como tendo sido provocada por um lento e fatal envenenamento
administrado por Lívia Júlia (Tac. Ann. 4, 8-10). Sejano se voltou,
então, contra Agripina, incitando contra ela o ódio de Lívia, mãe de
Tibério, e a cumplicidade de Lívia Júlia (Tac. Ann. 4, 12). Aos
poucos, convenceu Tibério das conspirações de um suposto “partido
de Agripina” (Tac. Ann. 4, 17). Desde 24, intentou uma série de
processos de lesa-majestade contra pretensos membros dessa
“facção”. Em 26, seus agentes infiltrados convenceram a própria
Agripina de que Tibério pretendia envenená-la (Suet. Tib. 63).
Exaurido pelo esgarçamento de suas relações com a família imperial,
mas certamente também pelo fracasso de sua política de
fortalecimento do Senado, Tibério deixou Roma nesse mesmo ano
para um retiro na Campânia e, a partir do ano seguinte, na ilha de
Capri (Suet. Tib. 39-41; Tac. Ann. 4, 57-59). O caminho estava aberto
para supremacia de Sejano, nomeado por Tibério para gerir em seu
nome os assuntos do Império na capital.
Tibério nunca mais retornaria a Roma. Não compareceu nem
mesmo aos funerais de sua mãe Lívia, em 29 d.C., com quem, de
resto, já não mantinha boas relações (Tac. Ann. 5, 1-2; Dio Cass. 58,
2). Em sua ausência, Sejano se viu livre para eliminar Agripina e seus
filhos. Pouco depois da morte de Lívia, uma carta oficial de Tibério
foi lida no Senado atacando a arrogância de Agripina e a
licenciosidade de Nero. Fora da cúria, uma multidão portando as
imagens de Agripina e Nero protestava, alegando que a carta lida era
falsa, atentava contra a família de Germânico e não contava com o
consentimento do Príncipe (Tac. Ann. 5, 3-4; Courrier, 2014: 876-
877). Na ocasião, nenhuma iniciativa foi tomada contra os dois, mas
os protestos forneceram a Sejano os elementos que lhe faltavam para
convencer Tibério da suposta ameaça que corria. Em pouco tempo,
Agripina e Nero foram exilados, a primeira na ilha de Pandatária, o
segundo na ilha de Pontia, enquanto que Druso, no ano seguinte, seria
confinado aos porões do palácio em Roma. Submetidos a inúmeros
maus-tratos, os três morreriam de inanição em circunstâncias
suspeitas (Suet. Tib. 53-54). O único filho de Germânico que
escaparia ileso seria Caio Calígula, que Tibério acolheria na ilha de
Capri após o fim de agosto de 30 (Suet. Calig. 10).
Sejano atingiu o auge de seu poder em 31, quando
compartilhou o consulado com Tibério em sua ausência e finalmente
se casou com Lívia Júlia. Mas antes do fim desse mesmo ano, ele e
toda sua família estariam mortos, suas estátuas derrubadas e seu nome
apagado de todo registro público (Seager, 2005: 180-188). A razão
alegada por Tibério para castigar Sejano, conforme ele mesmo
registrou em um trecho de suas memórias citado por Suetônio, foi que
ele “havia descoberto a sua raiva furiosa contra os filhos de seu filho
Germânico” (Suet. Tib. 61). Não se sabe se, conforme a versão
oficial, Sejano havia de fato conspirado contra Caio Calígula. O que é
certo é que, alertado por Antônia, a viúva de seu irmão, Tibério
parece ter-se dado conta de que Sejano perseguia às suas custas
objetivos próprios (Joseph. AJ 18, 180-182). Preso no Senado quando
acreditava prestes a receber o poder tribunício, Sejano foi
estrangulado na prisão na mesma noite, seu corpo ultrajado pela
multidão durante três dias, seus filhos condenados à morte, sua filha
estuprada pelo carrasco, “sob o pretexto de que seria ímpio assassinar
uma virgem na prisão”. Lívia Júlia, do mesmo modo, foi executada
por ordem de Tibério após Apicata denunciar sua participação na
conspiração contra Druso César. Seguiu-se uma perseguição
implacável contra aliados e apadrinhados por Sejano, o que em muito
contribuiria para a reputação de crueldade de Tibério (Dio Cass. 58,
11-15).
Os últimos anos do principado de Tibério foram chamados de
um “reinado do terror” em razão dos inúmeros processos por traição
que se sucederam à queda de Sejano. O rótulo se justifica menos pelo
número das vítimas efetivas do que pela atmosfera de pânico e
histeria que prevaleceu, na qual