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Tecnologia de Produtos de Origem Animal Responsável pelo Conteúdo: Prof. Dr. Claudio Eduardo dos Santos Cruxen Revisão Textual: Prof. Me. Luciano Vieira Francisco Tecnologia do Pescado Tecnologia do Pescado • Entender as características fundamentais dos peixes, suas classificações, alterações post- -mortem e medidas de controle, análises frequentemente empregadas para avaliar o frescor dos peixes e os principais produtos derivados. OBJETIVO DE APRENDIZADO • Introdução; • Classificação; • Características Fundamentais; • Alterações Post-Mortem; • Avaliação do Frescor; • Produtos Derivados da Pesca. UNIDADE Tecnologia do Pescado Introdução O termo pescado é uma denominação genérica para animais que vivem na água e que são destinados à alimentação humana, tais como os peixes, crustáceos, moluscos, anfíbios, répteis e mamíferos de água doce ou salgada. O pescado é uma das principais fontes de proteínas da dieta humana e proporciona óleos, rações e produtos para a indústria. Considerando o grande número de espécies que compõem o grupo dos pes- cados será enfatizado, nesta Unidade, os peixes de água doce e salgada. Classificação Os peixes são animais que vivem em diferentes ambientes e representam o maior grupo de vertebrados e podem ser classificados em agnatos, condrictes e osteíctes (Figura 1). Sem mandíbula Agnatos Gnathostomata Com mandíbula Peixes Osteíctes Condrictes Figura 1 – Esquema de classificação dos peixes Os agnatos são os peixes mais primitivos e destacam-se pela ausência de mandíbula, possuem boca circular, corpo cilíndrico e alongado e esqueleto cartilaginoso, sendo exemplos desse grupo a lampreia e o peixe-bruxa ou feiticeira (Figura 2). Figura 2 – Peixe sem mandíbula de boca circular (lampreia) Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Já os peixes cartilaginosos e ósseos diferem dos agnatos, pois possuem mandíbula e por isso são classificados como Gnathostomata. Os condrictes são peixes cartilaginosos com a boca localizada na porção ventral, sendo exemplo desse grupo os tubarões, as raias e quimeras. 8 9 Boca na porção ventral do corpo Figura 3 – Mostra a localização da boca de um peixe cartilaginoso (tubarão) Fonte: Adaptado de Getty Images Os osteíctes são peixes ósseos com boca localizada na porção anterior do corpo, possuem nadadeiras flexíveis, sendo exemplos desse grupo a maioria dos peixes de im- portância comercial, tais como sardinha, bacalhau, atum, salmão, traíra, pacu, lambari, tilápia, merluza, entre outros. Figura 4 – Mostra a localização da boca de um peixe ósseo (tilápia) Fonte: Adaptado de Wikimedia Commons Diferenças dos peixes cartilaginosos e ósseos, disponível em: https://bit.ly/37xjWEq Outra classificação importante se refere ao seu habitat, desta forma, peixes podem ser marinhos: vivem e se reproduzem no mar, de água doce (vivem e se reproduzem em água doce) e os migratórios (vivem no mar e se reproduzem em água doce ou vice- -versa). Além disso, os peixes podem ser classificados de acordo com a sua posição na coluna d’água em pelágios, que vivem mais próximos as superfícies, formam cardumes, possuem movimentação mais intensa e correspondem ao grupo de maior importância comercial, demersais que ficam próximo ao fundo e são pouco velozes e os bentônicos, que permanecem junto ao fundo do mar. Características Fundamentais Os peixes possuem formato hidrodinâmico e a maioria contém uma estrutura si- métrica que pode ser dividida em cabeça, corpo e cauda, sendo que a superfície do 9 UNIDADE Tecnologia do Pescado corpo é recoberta pela pele e nela encontram-se as escamas. Além disso, os peixes possuem glândulas que secretam muco em sua superfície, o que diminui o atrito com a água, favorecendo o seu deslocamento. As nadadeiras atuam na mudança de direção e estabilização do corpo desses animais, sendo que a nadadeira caudal apresenta como característica principal a propulsão. Nos peixes ósseos, a capacidade de manter-se em diferentes profundidades é atribuí- da à bexiga natatória, enquanto nos peixes cartilaginosos essa característica é atribuída ao fígado desenvolvido com grande quantidade de gordura. Outra característica é a linha lateral, que consiste em um sistema de órgãos responsá- veis pela captação dos movimentos na água por meio dos mecanorreceptores que captam e transmitem essas vibrações para as células nervosas. A linha lateral protege os peixes contra o ataque de predadores e possuem papel também na orientação dos peixes. Figura 5 – Mostra a linha lateral presente em um tubarão Fonte: Wikimedia Commons Além disso, os peixes são pecilotérmicos, isto é, a temperatura corporal varia con- forme a temperatura da água. Já no que se refere ao tecido muscular, pode-se dizer que os peixes apresentam uma estrutura similar a dos mamíferos terrestres, sendo composto de músculo estriado, cuja unidade funcional é a fibra muscular. Nelas estão as miofibrilas e os miofilamentos de actina e miosina, que são as proteínas contráteis do músculo. O tecido branco é o que predomina nos peixes, contudo, o tecido escuro localiza-se logo abaixo da pele e está relacionado à sustentação da natação. Nos pelágios que são mais ativos e se locomovem com maior intensidade, a proporção de músculo escuro é maior em relação aos demersais que se locomovem pouco. Alimentação e Sistema Digestório Alguns peixes são herbívoros, alimentando-se de algas e plantas como a carpa-capim, enquanto outros são carnívoros, como o dourado, a traíra, o tucunaré e o pirarucu, que se alimentam de outros peixes menores, moluscos e crustáceos. Os peixes também podem ser onívoros quando ingerem alimentos de origem vegetal e animal em partes equilibradas como, por exemplo, o pacu, a tilápia, o tambaqui e lambari. O sistema digestório dos peixes é completo, constituído de boca, faringe, esôfago, estômago e intestino, além de glândulas anexas como o fígado e pâncreas. O sistema digestório termina em cloaca nos peixes cartilaginosos ou em ânus nos peixes ósseos. Além disso, no que se refere ao sistema excretor, é formado por um par de rins, sendo que os peixes cartilaginosos excretam principalmente ureia, enquanto os peixes ósseos eliminam principalmente amônia. 10 11 Respiração e Sistema Circulatório A respiração dos peixes ocorre por meio das brânquias, as quais são altamente vascu- larizadas, o que permite a troca gasosa com a água e o sangue. A água entra pela boca, passa pelas brânquias e sai pela abertura lateral do opérculo ( link abaixo). Esse processo permite o ingresso de oxigênio presente na água e a liberação de gás carbônico. Respiração branquial, disponível em: https://bit.ly/3mdxM2U Leia mais sobre a respiração branquial, disponível em: https://bit.ly/3muYeFl O sistema circulatório é simples, pois o sangue passa uma única vez pelo coração e é fechado, já que o sangue está sempre circulando em vasos sanguíneos. O coração possui apenas um átrio e um ventrículo onde o sangue entra e sai venoso (rico em CO2 e pobre em O2) até alcançar as brânquias onde ocorre a hematose, isto é, o sangue torna- -se arterial (rico em O2 e pobre em CO2). Sistema circulatório de peixes, disponível em: https://youtu.be/d4dRlRj4gQw Alterações Post-Mortem Os peixes são alimentos altamente perecíveis por apresentar potencial Hidrogeniô- nico (pH) próximo da neutralidade, alta atividade de água, perfil lipídico insaturado, rico em nutrientes utilizáveis por microrganismos e por possuir enzimas presentes em teci- dos e vísceras que podem degradar proteínas e lipídios do próprio peixe. Desta forma, é necessária grande atenção desde a sua captura até o consumo. A forma de manipula- ção dos peixes, neste período, determinará o grau de alterações que poderão ocorrer. Após a captura dos peixes, deve-se proceder com o abate seguido pela imediata re- frigeração. Quando o animal morre, ocorrem alterações físicas e químicas inerentes do processo, tais como produção de muco, rigor mortis, autólisee degradação microbiana, contudo, essas alterações devem ser minimizadas para que o peixe mantenha seu estado de frescor pelo maior tempo possível. A primeira alteração a ser observada é a produção de muco em sua superfície. Esse muco é constituído principalmente por mucina (glicoproteína), que é um bom substrato para o desenvolvimento de microrganismos deteriorantes. Desta forma, é importante que se realize uma lavagem com água de boa qualidade antes de estivar os peixes para reduzir a presença de muco e proceder com a imediata refrigeração, onde normalmente emprega-se gelo produzido a partir de água potável. Estivar: significa acomodar a carga na embarcação . 11 UNIDADE Tecnologia do Pescado Após a morte do animal, o glicogênio é utilizado para a produção de Adenosina Trifosfato (ATP) via fermentação, acidificando o pH do músculo. A presença de ATP permite que as proteínas miofibrilares permaneçam dissociadas, contudo, ao esgotar as reservas de ATP ocorre o processo de actomiosina (rigor mortis). Pode-se dizer, de maneira geral, que o pH do músculo decai de 6,9 a 7,0 para 6,2 a 6,3. Repare que a acidificação em peixes é menor do que a acidificação da carne bovina, por exemplo, embora o processo do ponto de vista bioquímico seja bastante similar. A menor acidifi- cação se dá em decorrência das menores reservas de glicogênio presentes nos peixes. Alguns peixes são ativos como atum e cavala e podem se debater de forma bastante intensa durante a captura e morrer ainda na água em função do esforço extenuante. Esse esforço ante mortem causa esgotamento das reservas de glicogênio, o que acarreta rápido rigor mortis. Outro fenômeno que ocorre após a morte do animal é a autólise. Trata-se de um processo que ocorrerá naturalmente e contribui para que o músculo recupere a sua elas- ticidade por degradar a actomiosina. Contudo, uma autólise intensa pode degradar ra- pidamente o peixe e, por essa razão, é importante atenuar esse processo pelo emprego do frio e pelas boas práticas a bordo. Outro fator importante que pode ser utilizado para controlar a autólise é limpar o peixe logo após a captura (evisceração e retirada das brânquias). Normalmente, esse processo se aplica a peixes demersais, pois peixes pelágios são capturados em grandes quantidades, o que torna essa operação unitária difícil de ser realizada na prática – a não ser que se disponha de maquinário para essa finalidade. A contaminação do peixe ocor- re principalmente por bactérias presentes no intestino, brânquias e o desenvolvimento microbiano é favorecido pela presença de muco e pela autólise mais intensa. Outro ponto importante está relacionado à manipulação dos peixes quando esses são içados a bordo, pois, em alguns casos, podem ocorrer danos físicos que favorecem as alterações de origem bacteriana. A atividade proteolítica e lipolítica dos microrganismos pode acarretar efeito sinérgico com o processo de autólise, levando a processos de de- terioração mais acelerados. O metabolismo desses microrganismos pode produzir com- postos sulfurados, ácidos graxos de cadeia curta, amônia (desaminação de aminoácido), aminas biogênicas (descarboxilação de aminoácidos), redução do óxido de trimetilamina a trimetilamina, entre outras alterações. Como dito, essas alterações são inerentes do processo, contudo, objetiva-se minimizá- -las para prolongar o frescor dos peixes por maior tempo possível. Desta forma, além da refrigeração, a higiene do ambiente é de fundamental importância. Assim, antes de estivar os peixes, os porões do barco devem receber adequada higienização e o peixes devem ser lavados com água limpa do mar para reduzir a contaminação superficial ou para eliminar restos de vísceras e de sangue (quando submetidos a processo de evisceração). Avaliação do Frescor Como vimos, o peixe é muito perecível, de modo que existem várias formas de avaliar as alterações na estrutura física e química para se inferir sobre o seu estado de 12 13 frescor. A deterioração de peixes é um processo complexo, pois várias alterações podem ocorrer, tanto de ordem física e química quanto microbiológica. Por essa razão, avaliar o frescor dos peixes por meio de uma análise isolada é praticamente impossível. Desta forma, é mais segura e adequada a utilização de métodos combinados como um método sensorial (subjetivo) e um método não sensorial (objetivo). Entre as principais avaliações no que se refere ao frescor dos peixes é possível empregar análises sensoriais, químicas e microbiológicas – que serão abordadas a seguir. Avaliação Sensorial A avaliação sensorial é o método mais frequentemente empregado para avaliar o estado de frescor dos peixes, pois apresenta baixo custo e pode ser facilmente avaliada. Algumas características sensoriais do peixe fresco serão listadas com base no Re- gulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) (BRASIL, 2017), de modo que o peixe fresco deverá apresentar: • Superfície do corpo limpa, com relativo brilho metálico; • Olhos transparentes, brilhantes e salientes, ocupando completamente as órbitas; • Brânquias róseas ou vermelhas, úmidas e brilhantes com odor natural, próprio e suave; • Ventre roliço, firme, não deixando impressão duradoura à pressão dos dedos; • Escamas brilhantes, bem aderentes à pele e nadadeiras apresentando certa resistên- cia aos movimentos provocados; • Carne firme, consistência elástica, de cor própria à espécie; • Vísceras íntegras, perfeitamente diferenciadas; • Ânus fechado; • Cheiro específico, lembrando o das plantas marinhas. Por outro lado, é possível observar algumas características de peixes deteriorados, conforme Ordóñez (2005): • O corpo perde firmeza e retém a marca dos dedos ao pressionar; • Carne mole e pegajosa; • Olhos fundos e opacos; • As brânquias passam da cor vermelha-brilhante a cores mais pardas, recobertas de muco e de odores pútridos; • Ânus úmido, inchado e avermelhado; • Escamas soltas. Existem métodos sensoriais que visam deixar a análise mais objetiva, como o Méto- do do Índice de Qualidade (MIQ), que se baseia na avaliação sensorial por meio de um sistema de pontos de emérito de 0 a 3. O MIC consiste na avaliação visual e olfativa dos principais atributos sensoriais (olhos, pele, brânquias, textura e odor) de cada espécie de peixe. 13 UNIDADE Tecnologia do Pescado A pontuação desses atributos é somada para gerar o Índice de Qualidade (IQ), que é uti- lizado como parâmetro de qualidade dos peixes, sendo que quanto menor o IQ, mais fresco estará o pescado. Esse método se aplica tanto a matéria-prima ainda a bordo da embarca- ção, no controle de qualidade nas indústrias, ou em pontos de venda para o consumidor. Indicadores Químicos A avaliação de peixes por indicadores químicos permite uma avaliação mais objetiva, já que a avaliação sensorial se trata, geralmente, de uma avaliação subjetiva. Os métodos químicos permitem monitorar o acúmulo ou desaparecimento de compostos relaciona- dos à atividade autolítica ou microbiana. Os principais métodos utilizados são a determinação do valor de K, de trimetilamina, de Nitrogênio Básico Volátil Total (N-BVT) e de aminas biogênicas. Valor de K O valor de K baseia-se na determinação de compostos resultantes da degradação do ATP, que podem ser ADP, AMP, IMP, inosina e hipoxantina. Este último é o compo- nente final da hidrólise do ATP e se acumula gradualmente no músculo à medida que o peixe perde seu frescor, mas isso não ocorre em todas as espécies, pois algumas tendem a acumular inosina. Dessa forma, o valor de K gera um percentual que é obtido pela correlação desses metabólitos finais com os metabólitos intermediários, conforme a seguinte equação: K = [(Inosina + Hipoxantina) / (ATP + ADP + AMP + IMP + Inosina + Hipoxantina)] × 100 O percentual de K baixo é resultante de maior concentração de metabólitos interme- diários, indicando que o peixe está em seu estado fresco; por outro lado, um percentualde K elevado indica maiores concentrações de inosina e hipoxantina, demonstrando que o peixe perdeu seu frescor. Por exemplo, percentuais até 9% indicam que o peixe está extremamente fresco, contudo, percentuais acima de 60% indicam que o peixe está deteriorado e não pode ser consumido. Trimetilamina A Trimetilamina (TMA) proporciona indicação muito útil de alteração microbiana em algumas espécies de peixes, pois apresenta odor característico de peixe deteriorado. O Óxido de Trimetilamina (OTMA) está presente principalmente nos peixes marinhos e pode ser reduzido à TMA pela ação de microrganismos. Contudo, algumas espécies possuem baixa quantidade de OTMA e, por essa razão, mesmo em estágios avançados de deterioração podem apresentar baixas concentrações de TMA – como alternativa é possível estimar o N-BVT. Nitrogênio Básico Volátil Total (N-BVT) Este indicador químico foi um dos primeiros parâmetros propostos para avaliar o frescor do pescado e até hoje é amplamente utilizado. O N-BVT expressa quantitativa- mente o conteúdo de bases voláteis nitrogenadas encontradas na carne dos peixes onde 14 15 as principais são: Trimetilamina (TMA), Dimetilamina (DMA), Monotilamina (MMA), putrescina, cadaverina e amônia. O teor de bases nitrogenadas no músculo de peixes frescos normalmente não é supe- rior a 20 mg de nitrogênio/100 g de carne. O Riispoa prevê que as bases voláteis totais devem ser inferiores a 30 mg de nitrogênio/100 g de carne (BRASIL, 2017). Aminas Biogênicas Aminas biogênicas são bases orgânicas nitrogenadas de baixo peso molecular que podem ser produzidas pela descarboxilação de aminoácidos livres. Esse processo está fortemente vinculado à atividade enzimática dos microrganismos presentes nos peixes. As aminas biogênicas mais importantes no pescado em geral são: histamina, putrescina, cadaverina, tiramina, esperimidina e espermina. Os peixes frescos apresentam concentrações de aminas biogênicas bastante baixas, contudo, ao sofrerem deterioração essas concentrações podem aumentar e levar a qua- dros de intoxicação alimentar e, por essa razão, o seu monitoramento é uma questão de saúde pública. A histamina é a amina biogênica de maior interesse e provém da descarboxilação do aminoácido histidina, esse aminoácido está presente em elevadas concentrações em muitos peixes. A legislação brasileira fixa o máximo de 100 mg de histamina por kg de tecido mus- cular nas espécies pertencentes às famílias Carangidae, Gempylidae, Istiophoridae, Scombridae, Clupeidae, Engraulidae, Coryfenidae, Pomatomidae, Scombresosidae (BRASIL, 2019). Em Síntese O grau de frescor dos peixes pode ser monitorado por métodos sensoriais associados a um indicador químico, sendo o valor de K e N-BVT os mais utilizados. Contudo, o monitora- mento de aminas biogênicas torna-se importante por uma questão sanitária, uma vez que elevadas concentrações de aminas biogênicas, em especial histamina, podem acarretar quadros de intoxicação alimentar. A histamina possui maior preocupação porque muitos peixes possuem elevadas concentrações do aminoácido histidina – que é o seu precursor. Análises Microbiológicas A legislação brasileira preconiza os padrões microbiológicos para os alimentos pron- tos para oferta ao consumidor, sendo as análises de Salmonella, Estafilococos coagulase positiva e Escherichia coli obrigatórias para os peixes (BRASIL, 2019). As análises microbiológicas permitem identificar e quantificar microrganismos dete- riorantes e patogênicos presentes em amostras de peixes. Porém, quando realizadas por métodos tradicionais podem demorar até uma semana para se obter o resultado, sendo um grande limitante. Atualmente, existem métodos microbiológicos alternativos como as placas de petrifilm, que permitem obter os resultados de forma mais rápida. Assim, a determinação de bactérias do grupo coliformes ou mesmo de Escherichia coli pode ser obtida em até 24h, Salmonella spp., pode ser identificada em até 48 horas, enquanto Estafilococos coagulase positiva pode ser determinada em até 24h. 15 UNIDADE Tecnologia do Pescado Produtos Derivados da Pesca A conservação dos peixes, em geral, ocorre mediante aplicação da cadeia do frio (refrigeração ou congelamento), podendo-se associar embalagem com atmosfera mo- dificada – como a embalagem a vácuo. Outras técnicas como salga e/ou dessecação, defumação e conservas são aplicadas com o intuito de conservar, mas sobretudo de disponibilizar produtos derivados da pesca. Desta forma, veremos alguns processos tec- nológicos empregados com essa finalidade. Salga A salga de peixes é um dos métodos mais antigos utilizados pelo homem para con- servar alimentos. O tamanho e o teor de gordura direcionam as etapas do processo tecnológico, pois os peixes pequenos podem ser salgados inteiros, enquanto peixes maiores devem ser filetados para melhor penetração do sal. Além disso, peixes magros podem sofrer salga a seco, enquanto peixes mais gordos devem sofrer salga mista ou salga úmida. Mas quais são os tipos de salga e como funciona cada processo? A salga em peixes pode ser a seco, mista, úmida e com fermentação. A salga a seco é recomendável para peixes magros como o bacalhau, que possui gran- de importância comercial, onde o peixe é colocado em recipientes que proporcionem o escoamento da salmoura proveniente da desidratação dos tecidos musculares. Esse pro- cesso é realizado adicionando camadas de peixes e de sal de modo a formar pilhas. A salga úmida é bastante similar à salga a seco, contudo, o recipiente onde é coloca- do os peixes e sal não possui orifícios para a saída da salmoura, o que leva ao seu acú- mulo. Esse tipo de salga é recomendável para peixes com teor de gordura intermediária. Já a salga úmida ocorre em tanques com salmoura saturada, com valores próximos a 30 g de cloreto de sódio por litro de água, onde o peixe é imerso. Esse tipo de salga é aplicado para peixes gordos, uma vez que esse processo limita a rancificação oxidativa. Por último, existe o processo de salga associado à fermentação; neste caso, ocorre abrandamento da textura em função das enzimas proteolíticas provenientes dos mi- crorganismos e por enzimas presentes no próprio peixe. As anchovas são exemplos de peixes gordos em que, além da salga, ocorre a sua fermentação. Dessecação A dessecação de peixes normalmente é empregada em associação com outra etapa como a salga e defumação. Após a salga, os peixes podem ser submetidos à dessecação natural ou artificial. Na dessecação natural, os peixes ficam expostos à luz, ao vento, sem o controle dessas condições. Contudo, deve-se evitar temperatura ambiente superior a 30° C para peixes provenientes de águas temperadas e de 50° C para peixes provenientes de águas tropicais. Existe também a secagem artificial, que se realiza em secadores artificiais projetados para controlar a temperatura, circulação do ar e da umidade relativa. Normalmente, a 16 17 temperatura varia entre 30 a 40° C, a circulação de ar entre 2 a 3 m/s e a umidade relativa entre 45 e 55%. Independentemente do processo aplicado – natural ou artificial –, peixes de porte médio e grande que sejam espessos devem ser abertos ou cortados na forma de filé para permitir uma secagem mais homogênea e por um período menor. A dessecação não é recomendável para peixes gordos devido a maior possibilidade de oxidação lipídica. Defumação A defumação também é uma tecnologia muito antiga, empregada na conservação, mas que também atribui características peculiares de aroma e sabor ao produto. A de- fumação pode ser a quente, onde emprega-se temperaturas que podem ultrapassar os 100° C na câmara de defumação, o que acarreta temperaturas próximas aos 60° C no interior do tecido muscular; desta forma, o produto também é cozido. Por outro lado, existe a defumação a frio, onde emprega-se temperaturas próximas aos 30° C. Nos dois casos, realiza-se a salga e dessecação mais ou menos intensa segui- do pela defumação. Aopasso que se realiza a defumação, ocorre concomitantemente uma desidratação onde os peixes podem perder de 5 a 15% do seu peso; já na defuma- ção a quente, essa desidratação é ainda maior. A defumação é indicada para peixes gordurosos, pois a gordura ajuda na retenção dos compostos aromáticos da fumaça, sendo que alguns desses compostos possuem atividade antimicrobiana e antioxidante. Contudo, é necessário ponderar que atualmente a defuma- ção empregada nos peixes é mais um método de transformação do que de conservação. A produção de fumaça é gerada pela combustão de serragens provenientes da mis- tura de madeiras duras como carvalho e nogueiras e de madeiras moles como álamo. A fumaça líquida comercialmente disponível também pode ser empregada, neste caso, podendo ser adicionada na salmoura no processo de salga ou aplicada diretamente ao peixe após a salga. Esse processo apresenta como vantagem conferir maior uniformida- de ao produto em relação ao aroma e sabor. Além disso, não há necessidade de investi- mento em fumeiros e na limpeza dos mesmos – como recolhimento de cinzas. Um exemplo clássico de peixe defumado é o salmão, onde inicialmente realiza-se a salga dos filés, os quais perderão, aproximadamente, 10% do seu peso; o tempo variará conforme o tamanho dos filés e o teor de gordura – geralmente, esse processo não leva mais que 24h. Em seguida, os filés são lavados para remover o sal superficial e depen- durados para secar por aproximadamente 24h. Posteriormente, são submetidos à defumação a frio por um período médio de 8h, sendo que esse intervalo de tempo pode variar de acordo com a intensidade da fumaça empregada, mais ou menos densa, com a espessura dos filés e com as características sensoriais que se deseja estabelecer no produto – se mais ou menos intensas. Um filé defumado perderá em torno de 10% do seu peso durante esse processo e so- mado ao peso perdido durante a salga, a perda será de aproximadamente 20%. Após a defumação, os filés serão preparados para uma boa apresentação comercial, embalados a vácuo e refrigerados ou congelados. 17 UNIDADE Tecnologia do Pescado Escabeches Escabeche é um molho de vinagre e sal aplicado ao pescado em geral. Inicialmente, o propósito era apenas conservar a matéria-prima por um maior período, contudo, ao passar dos anos o principal propósito da produção de escabeches se tornou diversificar a apresentação de alguns pescados como arenque, atuns, mexilhões e cavalas. A produção de escabeches é utilizada em vários países europeus como na Espanha, onde várias espécies de pescado são utilizadas – anchova, atum, mexilhões, sardinha e cavala. Nos Estados Unidos destaca-se a produção de escabeche a partir do arenque. Esse processo tecnológico emprega vinagre (ácido acético) e sal (cloreto de sódio) e especiarias. O efeito sinérgico desses ingredientes confere estabilidade microbiológica, sendo que o escabeche pode ainda ser cozido ou frito, o que aumenta a sua estabilidade em comparação ao escabeche frio. O pH final do escabeche normalmente varia de 4,0 a 4,5, pois caso ocorra a conta- minação por esporos de Clostridium botulinum, não germinarão, evitando que ocorra a produção de toxina botulínica. O vinagre e sal, apesar de possuírem efeitos conser- vantes, diferem quanto ao seu papel na textura do produto, pois o sal contribui para uma textura mais firme, enquanto o vinagre tende a abrandar a textura. Neste sentido, quando se utiliza peixes mais gordos de textura mais tenra, emprega-se maiores concen- trações de sal. Conservas As conservas de peixe ocorrem mediante o seu enlatamento, seguido por tratamento térmico, onde várias espécies podem ser utilizadas para esse processo, desde algu- mas espécies demersais, mas principalmente espécies pelágicas, onde é possível citar o atum, a sardinha, cavala e o salmão. As etapas para fabricação de conservas devem ser realizadas de forma higiênica para evitar contaminações. As operações realizadas durante o enlatamento são as seguintes: preparo da matéria-prima, preenchimento da embalagem manual ou mecânica, exaustão, recravamento, lavagem das latas com água e detergente, tratamento térmico, resfriamento e rotulagem. A preparação da matéria-prima consiste em remoção de escamas e de vísceras, reti- rada de cabeça e lavagem para remoção de resíduos como sangue, vísceras e escamas residuais. Logo após o peixe é salgado em banho de salmoura até que o tecido muscular adquira de 1 a 2% de sal para ganhar sabor e consistência. Após, são transferidos para as embalagens, que devem estar limpas e bem secas, sendo que esse processo possa ser manual ou mecânico. É possível adicionar molhos ou outras misturas que acompanham o peixe, mas deve- -se evitar o preenchimento excessivo; assim, recomenda-se um espaço de 2,5 mm entre a tampa e o alimento. Posteriormente ocorre a exaustão, que consiste na expulsão do ar presente na lata antes de fechá-la – esta etapa é importante, pois previne as oxidações lipídicas, entre outros fatores. O fechamento das latas é realizado com a finalidade de se obter uma embalagem hermeticamente fechada. 18 19 Após as embalagens fechadas, procede-se com a sua limpeza para remover óleos e outras impurezas do lado externo da embalagem. O tratamento térmico objetiva a este- rilização comercial, sendo que após a aplicação do calor se deve realizar o resfriamento imediato para temperaturas entre 40 e 45° C para evitar supercozimento. O fluxograma das conservas pode ser visualizado na Figura 6: Adiciona-se também óleos vegetais e molhos Visa a esterilização comercial Pode ocorrer em temperatura ambiente Preparo da matéria-prima Preenchimento das embalagens Exaustão Recravamento Lavagem das latas Tratamento térmico Resfriamento Rotulagem Armazanamento Figura 6 – Fluxograma da produção de conservas Surimi O termo surimi significa músculo do pescado picado, embora o processo não se restrinja a isso, pois aplica-se várias operações unitárias para que seja possível obter um extrato de proteínas miofibrilares com características funcionais emulsificantes e geleificantes. Trata-se de um produto típico do Japão que foi introduzido nos países ocidentais em um passado relativamente recente. O surimi é preparado a partir de espécies pouco valorizadas, onde também se aproveitam retalhos de peixes provenientes do corte de filés, por exemplo. A obtenção do surimi inicia com a remoção das cabeças e vísceras dos peixes que posteriormente são lavados e colocados em máquinas que separam o tecido muscular de outras partes, tais como brânquias, pele, espinha e escamas. Após, ocorrem ciclos de lavagem desse tecido muscular para remover substâncias solúveis em água. Posterior- mente, é necessário remover o excesso de água, onde essa massa proteica é colocada 19 UNIDADE Tecnologia do Pescado em cilindros giratórios perfurados, dotados de um sistema vibratório para favorecer o escorrimento da água para que atinjam umidade entre 75 e 80%. Após essas etapas ocorre o refino, que visa remover algumas impurezas que tenham permanecido como, por exemplo, restos de escamas. O surimi obtido pelo primeiro processo de refino apresenta maior qualidade. A carne e as impurezas retidas podem ser submetidas novamente a um novo processo de refino para se extrair o máximo de tecido muscular. Neste caso, a tendência é obter um surimi mais escuro e de menor capacidade funcional. Após a etapa de refino, é necessário adicionar alguns ingredientes para manter as características funcionais do surimi preservadas por maior tempo. Assim, antes do con- gelamento, adiciona-se crioprotetores como os açúcares sacarose e sorbitol em quan- tidades não superiores a 8%. Além disso, adiciona-se polifosfato em concentrações de 0,2 a 3%, pois auxilia na estabilização do surimi. Após a mistura com os crioprotetores, o surimi está pronto para congelar. O fluxograma para a produção de surimi pode ser observado na Figura 7: Adição de ingredientes Preparaçãoda matéria-prima Retirada da cabeça e evisceração Corte dos �lés Lavagem Separação mecânica do tecido muscular Ciclo da lavagem Eliminação do excesso de água Re�no Mistura Congelamento Figura 7 – Fluxograma da produção de surimi O surimi não se trata de um produto, mas pode ser adicionado em várias receitas para atribuir textura ou servir de emulsificante, portanto, o surimi é matéria-prima para a produção de outros produtos. 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Vídeos Vídeo aula sobre as principais características dos Peixes ósseos e cartilaginosos Vídeo sobre as principais características dos peixes ósseos e cartilaginosos. https://youtu.be/6T1boi5saZQ Leitura Peixes Leitura sobre as características gerais dos peixes. https://bit.ly/3nyBHsv Método do índice de qualidade na determinação do frescor de peixes Artigo de revisão sobre o método do índice de qualidade na determinação do frescor de peixes. https://bit.ly/2Wprxi0 Estudo das metodologias de destilação na quantifi cação do Nitrogênio das Bases Voláteis Totais em pescada, tilápia e camarão Artigo sobre a quantificação do nitrogênio das bases voláteis totais, onde você poderá compreender melhor o procedimento analítico. https://bit.ly/2J2BXkH 21 UNIDADE Tecnologia do Pescado Referências AMARAL, G. V. do; FREITAS, D. de G. C. Método do índice de qualidade na determina- ção do frescor de peixes. Ciencia Rural, v. 43, n. 11, p. 2.093-2.100, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-84782013001100027>. Acesso em: 11/12/2020. BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Decreto n.º 9.013, de 29 de março de 2017. Estabelece o Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa). Brasília, DF, 2017. ________. Secretaria de Defesa Agropecuária. Instrução Normativa n.º 60, de 23 de dezembro de 2019. Brasília, DF, 2019. CICERO, L. H. et al. Estudo das metodologias de destilação na quantificação do ni- trogênio das bases voláteis totais em pescada, tilápia e camarão. Brazilian Journal of Food Technology, v. 17, n. 3, p. 192-197, 2014. Disponível em: <https://doi. org/10.1590/1981-6723.5713>. Acesso em: 11 dez. 2020. FERNANDES, M. da S.; GARCIA, R. da K. de A (Org.). Princípio e inovações em Ciência e tecnologia de alimentos. 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