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Oliveira Vianna e o Direito

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Oliveira Vianna – Problemas de direito corporativo
Débora Araújo – O texto e sua relação com a invenção da classe trabalhadora
Durante a leitura desta primeira parte do livro de Vianna tive dificuldades em entender a relação do conteúdo do texto com o conteúdo da matéria, em especial na primeira parte onde ele discorre sobre a construção constitucional em diversos países, a partir de uma lógica formal ou construtiva, ou seja, a relação da norma com a politica e/ou fatos sociais, seja para admitir a interferência ou nega-la. Por fim, ao tratar do caso brasileiro sobre as competências da Justiça do Trabalho, em especial se o judiciário pode ou não ter poderes legislativos a partir da delegação constitucional foi possível encontrar pontos de contato com as questões enfrentadas pela disciplina. Um questionamento que tive, a partir da defesa do autor de que a delegação é essencial para a eficácia do direito, é se este fenômeno, justificado pelo “ritmo acelerado da sociedade capitalista no Brasil”, justificando inclusive que a haveria espaço, na ausência de previsão constitucional, de “delegações violentas”, tem a ver com a maneira como a conformação da classe trabalhadora se deu no país ou seja, em um processo acelerado e autoritário, que não poderia seguir o ritmo de outras legislações de trabalho. Gostaria que o professor comentasse sobre essa questão. 
Débora leite – o papel de Oliveira Vianna na constituição da forma jurídica
Criticando os paradigmas constitucionais que não se ajustavam a uma visão “objetiva” e “realista” da sociedade brasileira, Oliveira Vianna denunciava o caráter utópico do pensamento político brasileiro, que se encontrava invariavelmente atrelado a esquemas institucionais inspirados em doutrinas estrangeiras. Para Vianna, tal postura representaria a fuga da realidade brasileira.O modelo de Estado corporativo defendido por Oliveira Vianna, cujo papel de representação política e de relação entre Estado e sociedade é realizado primordialmente pelo assento de representantes de classe junto aos órgãos do Estado é o centro do trabalho intelectual desenvolvido pelo autor, e a base a partir da qual irá desenvolver sua defesa do Estado Novo. A partir do exposto, podemos afirmar que a origem histórica da estrutura modernizada do direito implantado no Brasil durante e após o Estado Novo, existiu por meio da influência decisiva de Oliveira Vianna?
 Amanda – Oliveira Vianna e a passagem para o capitalismo
Em sua obra “Problemas de Direito Corporativo” (1938), Oliveira Vianna introduz o debate sobre dois diferentes métodos de interpretação da norma constitucional feito nos Estados Unidos e em outros países europeus: o método clássico, que se limita a interpretar a letra fria da lei; e as regras de construção, nas quais a realidade social tem grande importância no momento da interpretação (VIANNA, 1938, p. 12 e seguintes). Na argumentação desenvolvida pelo autor, o primeiro método aparece como ultrapassado (“old school”), rígido, que “mumifica” a constituição (1938, p. 18) e reduz a exegese da norma ao uso de uma fórmula lógica-matemática, afastando elementos conjunturais do processo de interpretação. O clássico “Se A, então B”, independente do que seja A, de onde esteja B e da relação entre ambos. Já a construção ou realismo pragmático, própria de uma “escola sociológica”, é exaltado por Vianna, uma vez que decorre da percepção de que o próprio direito “nasce do fato” (p. 15) e que, portanto, toda aplicação da norma constitucional precisa atender às demandas contemporâneas da realidade social. Assim, o método sociológico é apresentado como uma maneira flexível de ajustar continuamente a norma constitucional “às exigências do momento”, presentes na realidade social e no interesse público. Na Europa, esse movimento anti-formalista e pragmático surge em grandes congressos jurídicos, espaços de formulação teórica em que os desafios da interpretação constitucional aparecem com destaque. Para Viana, porém, há um claro “vencedor” - contrapondo-se à “velha” e constrangedora concepção de que tudo se reduz à letra da lei, ele concorda com um jurista italiano que afirma “há muita coisa viva que não está nos códigos” (1938, p. 21). O avanço desse movimento, segundo Vianna, é um fenômeno do “direito moderno” (1938, p. 20), particularmente no direito político e constitucional, o que, na minha leitura, parece indicar que essa elasticidade de interpretação corresponde à uma demanda da expansão do modo de produção capitalista, que exige ajustes rápidos a novas conformações sociais, a pacificação de conflitos e a garantia de uma circulação rápida e eficiente para a realização do lucro. De certo modo, a realidade parece se tornar um “problema” para os pensadores do direito quando é preciso criar novas formas para refletir e garantir a reprodução dessa mesma realidade. A “norma” como era conhecida se torna insuficiente para “resolver os grandes e novos problemas da organização política e jurídica do Estado moderno e da sociedade moderna” (VIANNA, 1938, p. 26) . De modo geral, o argumento de Vianna também parece retratar as exigências da transição entre o modo escravista colonial e a instalação do modo de produção capitalista no Brasil. Para ele, há um descompasso entre as discussões “mais avançadas” sobre a interpenetração da norma constitucional na realidade social feitas na Europa (até mesmo na terra alemã do “direito puro”) e nos Estados Unidos, em relação ao Brasil (VIANNA, 1938, p. 27 e seguintes). Aqui, diz ele, ainda há a primazia da interpretação literal (e privada) da norma, o que, segundo ele, decorre em parte da “inexistência de verdadeiros publicistas”. Isso significa que, para o autor, a norma constitucional ainda era aplicada com uma perspectiva privatista, como se fosse uma regra comercial/civilista (1938, p. 28). O exemplo que ilustra essa falta é a análise do projeto que regulamentava a então nascente justiça do trabalho. Para Vianna, os comentadores desse projeto, ao focarem na indelegabilidade do poder normativo ao poder judiciário, por determinação constitucional, deixaram de considerar os elementos políticos e sociais desse modelo, os quais justificam a flexibilização da constituição nesse aspecto. A justiça do trabalho, diz ele, foi “fundada para atender a condições econômicas e sociais inteiramente desconhecidas do nosso velho direito judiciário”, condições “resultantes da moderna sociedade industrial e da socialização progressiva da vida econômica” (1938, p. 35). Surge, então, a ideia de “eficiência do serviço público” como solução para o problema. Ela deve prevalecer, em detrimento da “obediência cega à letra da Constituição” (1938, p. 41-42). Aqui, me parece novamente que se trata de uma demanda da instalação do modo de produção capitalista no Brasil, a exemplo do que comentei acima. “Eficiência pública” seria então a eficiência da garantia do modo de produção e circulação de mercadorias? Isso significa dizer que o interesse público que surgia como algo distinguível dos interesses privados já apontava como o interesse de classe no texto de Vianna? Como relacionar essa crescente separação entre público/privado com a prevalência da concepção privatista na justiça do trabalho, como a conhecemos hoje?
Flávio – Oliveira Vianna e a passagem do modo de produção escravista colonial para o capitalismo
O texto trata da hermenêutica jurídica ou, como é definido pelo seu título inicial, de métodos de exegese, fazendo uma diferenciação entre o processo interpretativo e construtivo. O primeiro, apontado como método clássico ou “old school” se ancora no literalismo, “cego” e “surdo” às circunstâncias, enquanto o segundo, apontado como um novo e superior método sociológico, “new school”, mantém viva a dinâmica da lei, ancorado na realidade social e política da vida concreta, que ilumina supostas categorias abstratas, que ganham corpo e se tornam “living law”. Trata-se de uma crítica à “mumificação” jurídica, predominante naquele momento em nossa realidade, criando uma“jurisprudência mecânica’. Defende que a dogmática jurídica esteja à serviço do interesse prático, não tendo um valor absoluto em si mesma, mas sim instrumental, ironizando que, sem estes elementos sociológicos e políticos, apenas se reproduz sem qualquer reflexão a literalidade da lei neste nosso “adorável país de papagaios”. Finalmente, feita esta crítica e estas distinções, ele se debruça sobre a organização da justiça do trabalho, em que se pretende, rigidamente, utilizar sobre o fenômeno corporativo, por definição mais abrangente, elementos do direito privado, como se sentenças coletivas ou afins levassem automaticamente a extrapolar os limites do poder judiciário que passariam, deste modo, a ter funções legislativas, o que feriria as estruturas do “estado” e o princípio da não delegação de poderes. Esta rigidez, entretanto, longe de beneficiar os interesses coletivos, acaba por criar um automatismo jurídico, que países mais desenvolvidos já haviam superado com mais flexibilidade, pois caso contrário se tornaria praticamente impossível a administração da coisa pública. Por fim, o autor aponta que esta indispensável compreensão da delegação de poderes, que torna fluida e contextualizada e legítima a aplicabilidade da lei na vida social e política concreta, está implícita no artigo 122 da Constituição de 1934, que institui a Justiça do Trabalho. Diante disto e de tudo o que temos estudado até aqui e levando-se em consideração que críticas como a de Oliveira Vianna tenham ecoado na compreensão da relação entre os poderes, pode-se depreender que a criação da Justiça do Trabalho, dotada de relativa autonomia jurídica, em face do seu caráter normativo, esteve em diálogo mais direto e concreto com a realidade social, política e econômica na passagem do escravismo colonial para o modo capitalista de produção, fornecendo seus contornos iniciais para que, apenas mais tarde, a legislação propriamente dita oferecesse um acabamento formal ao nascente estado brasileiro?
Lucas – Leitura sintomal e o receio do comunismo 
Professor, de fato, esse parece um bom texto para ser feito a partir da leitura sintomal. O autor, ao enfrentar a teoria pura com a constatação de que existe conexão entre direito e realidade, parece indicar para um horizonte da possibilidade de transformação social. Isso se repete em nossos tempos, sobretudo, dentro da lógica dos direitos humanos - que estão "reinventando a linguagem da emancipação”. Ele confessa, no entanto, a importância do direito obedecer às demandas do corpo social e político, porque "só assim, seria possível o processo de transformação da lei ou da Constituição dentro da ordem, tornando impossível o appello á revolução" (p. 23). Você pensa que uma das razões fundamentais para o Brasil ter adotado essa estratégia no momento de arquitetar seu aparato jurídico e estatal foi a sombra do comunismo, muito viva na época?
Marianna Haug – A universalidade e a questão dos costumes
Vianna, ao descrever o processo de divisão dos poderes e determinações das fontes no direito americano, cumpre uma função para a burguesia brasileira a fim de elaborar teoricamente formas de organização e consolidação das instituições jurídicas no Brasil. Ele argumenta que na “cultura jurídica brasileira” (VIANNA, p. 27) não havia a mesma preocupação em estabelecer as fontes do direito como havia na Europa ou nos Estados Unidos da América, mas uma limitação à aplicação técnica da legislação. Seria possível a interpretação de que isso se daria porque uma das principais fontes do direito tratada no texto são os costumes e, no caso brasileiro pós definhamento das relações de produção do escravismo colonial, os costumes da nascente sociedade brasileira não eram ainda plenamente compatíveis com práticas necessárias para a organização do trabalho na lógica do capital? De forma que os costumes da época devessem ser combatidos e substituídos por novas práticas reiteradas, de modo a priorizar outras fontes do direito? 
CAIO – Facultas agendi e “Escola Sociológica”
Oliveira Viana destaca o debate norte-americano entre a interpretação escolástica e realista. Ele destaca o método de REYNOLDS no caso Adam versus Tanner: “[ele] separa estas duas cousas, que devem ser inseparáveis – a Constituição e a sociedade.” (VIANNA, p. 17). A interpretação escolástica vai de encontro com a visão de Edelman sobre a separação entre ilusão e capacidade no Direito sintetizada pelo professor: “Somos iludidos pelo fato de que o poder jurídico, partindo do estado e de outras fontes legitimadoras do capital, nos confere liberdade. A facultas agendi nos remetendo a esse poder. Afinal, somente a cada de um nós é facultado deflagrá-lo. Uma falsa faculdade, que nada mais é do que uma imposição quando vislumbrada não mais para cada pessoa, mas para a coletividade como um todo. Em alguma medida, alguém irá dela se utilizar, tornando-a um exercício socialmente necessário.” (ORIONE, p.33). Oliveira Viana demonstra querer escapar dessa separação, ainda mais quando comenta que Constituição e sociedade “devem ser inseparáveis”, em que medida a escola sociológica não criou um segundo nível de ilusão ao se propor, de maneira ainda mais utópica, aproximar a forma jurídica de igualdade e liberdade de uma sociedade cingida em classes?
Mariana Faria – Direitos sociais X direitos individuais na constituição da forma jurídica
O trecho lido sistematiza posições relacionadas a debates ligados à consolidação do ordenamento jurídico brasileiro, no momento de transição para o modo de produção capitalista. Nesse sentido, percebe-se que mais uma vez os estudos focam na análise a partir da perspectiva do debate “inter burguesia” e o projeto de consolidação do modo de produção capitalista no Brasil. Nesse sentido, o trecho foca na explicação dos pontos defendidos por Waldemar Ferreira, na visão de Oliveira Vianna, com um modelo de maior descentralização do “poder” de regulamentação (delegação) e menor centralização do poder estatal (mais próximo ao modelo liberal). Assim sendo, sobre o tema da consolidação da forma jurídica no Brasil, essa perspectiva defendida por Waldemar Ferreira estaria mais próxima da defesa de uma consolidação da forma jurídica a partir dos direitos do campo do Direito Civil? Isso, tendo em vista os debates sobre a importância dos direitos sociais para a constituição da forma jurídica no Brasil, vistos na aula anterior. Ainda sobre o debate acerca de uma visão mais liberal (norte americana) e outra visão mais coorporativa (europeia), é possível transpor esses modelos para o debate colocado à época no Brasil?
ODARA – cidadania e constituição da forma jurídica
A leitura do texto de Oliveira Vianna atrelada ao que já discutimos na matéria, principalmente, no nosso último encontro em que debatemos os momentos do escravismo colonial, a transição para o capitalismo e o capitalismo no Brasil, me fez muito refletir sobre as categorias da “generalidade” das normas/leis frente a uma separação de poderes (categorias abordada por Vianna)e universalidade da forma jurídica (categorias pachukanianas). Nesse sentido, é possível apoiarmos a tese do período de transição p o capitalismo no Brasil estar na década de 30 com o argumento de que: a categoria de sujeito de direito se difere da categoria burguesa de cidadão no que se refere à universalidade? Pergunto isso, porque no texto indicado a ideia de “Estado moderno”, para mim, ficou muito remetida à possibilidade de Leis Gerais, quando Oliveira Vianna fala como, por ex, na pagina 35, dos efeitos de decisões que tratam sobre o trabalho estarem entre as partes litigantes unicamente e, evidencia que isso não corrobora com uma “organização social moderna” me fez pensar que, de fato, somente é somente no capitalismo que há a possibilidade sistematização do que denominamos vulgarmente como “Justiça do Trabalho” e essa regulamentação se difere de todas as outras porque seu caráter é, pela própria ideia dos sujeitos envolvidos nessa relação jurídica, geral, ou seja, diferentementedo direito comercial ou das aproximações interpretativas de cunho comercial que os efeitos são interpartes, a regulamentação do trabalho capitalista só se realiza pelo sujeito de direito. Isso faz com que mesmo que hajam Constituições nos Estados, como no Brasil de 1892, e estas criem a categoria de cidadãos, só podemos falar que há o capitalismo quando estes Estados e suas Constituições generalizam suas normas sendo a generalização possível, por sua vez, só a partir do sujeito universal, o sujeito de direito (detentor da força da trabalho), logo, a sistematização de uma “Justiça do Trabalho” que demarca o início do modo de produção capitalista nas regiões e portanto, diferente o que temos por cidadãos e sujeitos de direito. 
Thays – A forma política e a forma jurídica
A relação do texto do Oliveira Viana com a crítica marxista da dicotomia entre direito público e privado, em especial ao se referir a exegese constitucional de construção e o tratamento da realidade social como um todo homogêneo e abstrato. Para deixar mais clara a minha questão segue uma citação: O desenvolvimento do modo de produção capitalista implica uma ruptura na sociedade. Economia e política, duas instâncias que até então se encontravam mais ou menos indiferenciadas, passam a figurar como pólos opostos. Despojada de todo o caráter político, a sociedade, ou melhor, a sociedade civil, assumiu o papel de lugar exclusivo da economia, do interesse privado, da vontade igual. Sublimado das impurezas individualistas, o poder político concentrou-se numa entidade à parte, alheia à sociedade civil, de caráter essencialmente abstrato. Esta entidade, o Estado, assumiu o papel de representante homogênea da comunidade dos indivíduos da sociedade civil, lugar exclusivo do interesse coletivo, do bem comum e da violência legítima Kashiura Jr., Celso Naoto. Crítica da igualdade jurídica: contribuição ao pensamento jurídico marxista. São Paulo: Quartier Latin, 2009, p. 127-128.
Mariane Brasil – Forma jurídica e forma política (forma-estado)
Citando um dos textos de Carl Schmitt, Legalité-Légitimitte (1936, p. 42), Oliveira Vianna aduz que: “Por outro lado, a revelação da existência de novas fontes de normas jurídicas, fora das fontes instituídas pelo Estado - o “Estado Legislador”, de Carl Schmitt - normas estas elaboradas pelos grupos sociais e pelas coletividades organizadas, vivendo dentro do próprio Estado - forçou os intérpretes a abandonarem a preocupação exclusivista da norma legal e atentarem nestas outras realidades indissimuláveis e incompressíveis da vida jurídica” p. 22. Pode se afirmar que Oliveira Vianna está aqui defendendo a necessidade de normativização das questões políticas e sociais por meio da criação de instituições corporativas controladas pelo Estado (por um modelo autoritário e corporativista de Estado)? 
 Caroline – Conformações da forma sindicato 
O texto de Vianna bem retrata o papel normativo atribuído tanto à Justiça do trabalho quanto aos sindicatos, como possibilidade de "transformação da lei e da constituição dentro da ordem". Nesse sentido, cabível a análise do autor a partir da ideia de conciliação de classes, "inserindo" o negro como sujeito de direito e construindo um projeto de unidade nacional a partir da forma jurídica e da forma estado. As convenções coletivas do trabalho, com caráter de norma geral, seriam uma espécie de manifestação estatal (dado o caráter público dos sindicatos) e as leis trabalhistas, aplicadas pela Justiça do trabalho (também de caráter público) também seriam uma outra forma de manifestação do aparelhamento ideológico, por meio da forma jurídica. Pois bem. Fiquei refletindo sobre o risco de se atribuir aos sindicatos tamanha importância, ainda que a eles tivesse sido atribuído caráter público e, portanto, com certo controle estatal. Ainda que se argumente que seriam duas "instituições" (Sindicato e Justiça do trabalho) aptas a combater a luta de classes, haveria um risco de que tais lutas pudessem eclodir a partir da própria ideia de Sindicato, como representante de categorias. A partir dessa ideia, poderíamos pensar que os sindicatos, desde a década de 30, já foram criados apenas para promoverem a conciliação de classes e, com a força que a forma jurídica tomou por meio da atuação da Justiça do trabalho, serem aos poucos minorizados numa tentativa crescente de aparelhamento ideológico total pela Justiça do trabalho, sob o argumento de que todos são sujeitos de direito (igualdade formal, e não material)?
BETÂNIA – Unicidade e forma jurídica
Com a influencia de Oliveira Viana sobre os ideais de Vargas e tendo em vista que o texto de Oliveira Viana data de 1938, após a Constituição que foi outorgada em 1937, podemos contextualizar histórica e politicamente os trechos constantes na página 15, que afirma que a ”constituição é um instrumento politico por excelencia”, página 17 que se norteia no método Brandeis, de que a “Constituição é para a sociedade”, página 19 que afirma que a “Constituição de 1879 se adequará à estrutura de uma nova sociedade saída do pós guerra”, também na página 30, que trata dos “aspectos sociais e políticos da Justiça do Trabalho” e critica os “critérios de direito privado aplicados a organização da Justiça do Trabalho”. Ou seja, se nota a intenção de Oliveira Viana em sempre defender o aspectos político da Constituição para além do jurídico, bem como a prevalência do público sobre o privado e com destaque especial para a Justiça do Trabalho, num contexto, recordo, de Constituição outorgada por Vargas, não democrática. Podemos contextualizar historicamente o texto de Oliveira Viana e sua inspiração jurídica em métodos estadunidenses (criticando o lógico-gramatical e defendendo o sociológico), com o fim da Belle Époque que marca o fim da influencia europeia, mais precisamente francesa, bem como o posicionamento do Brasil ao lado dos EUA na 1ª Guerra e a necessidade de se aliar ao centro capitalista. Dito isso, observamos que Getúlio se inspirou na Constituição-polaca fascista, bem como num pensador com influências estadunidenses (Oliveira Viana), ou seja, se inspirou em Mussolini que completou a unificação da Itália (com o Tratado de Latrão) e na Constituição dos EUA, estratégica para união no pós guerra. Podemos fazer essa relação com dois países paradigmas de unicidade nacional, para entender o caminho que trilhou para também tentar unicidade nacional em ideais nacionalistas e assim centralizar o poder utilizando justamente o enfraquecimento das lutas trabalhistas, concedendo uma espécie de “legalização” das lutas?
Marina – Judiciário, forma jurídica e freios e contrapesos
VIANNA (1938, p. 24) afirma que a “tendência realista, que procura estabelecer a interpenetração da norma jurídica e da realidade social é tão profunda que vemos revelar-se mesmo na Allemanha até então dominada pelo ‘theoria do direito puro’ (...) a sciencia do direito é uma espécie de ‘geometria’, excluindo a intervenção de qualquer elemento experimental” mas, doutrinas mais recentes (da época), já apontavam “a necessidade que cada vez mais se impõe de uma transformação dessa dogmática em face dessa realidade indiscutível do mundo atual” (VIANNA, 1938, p. 25). Considerado a realidade brasileira da época, Arruda Campos (1960, p. 42) afirmava que “se as leis são mal feitas, se os códigos não correspondem as exigências sociais, se o Executivo nomeia maus funcionários, se o Legislativo cede a interesses de escrivães, ou de escreventes”, compete ao Judiciário a “cota de responsabilidade na função do Estado de propiciar o bem-estar do povo”, tendo em consideração a que a Justiça cada vez mais se aproxima[va] do poder e se afasta[va] do povo. “E, se os grupos dominantes a querem dessa forma é porque assim ela lhes convém” (CAMPOS, 1960, p. 38). Para ele, caricatos “são os juristas quando comparados aos que se dedicam às ciências positivas, que aludem às doutrinas do Corpus Juris com a mesma gravidade com que o matemático faz a demonstração de um teorema. Nullumcrimen sine lege, com exceção de Nuremberg – e do resto”. Se o apego normativo torna a Justiça submissa e (mais) um instrumento de dominação, aos magistrados ser cabível a função de enfrentamento do sistema de freios e contrapesos, para romperem com a lógica do capital? E ainda que assim fizessem, ao que parece, seria mais provável alcançarem somente a concessão de direitos individuais e evidenciam a afirmação que “os limites permitidos a qualquer um, inclusive ao trabalhador, são os da reprodução da lógica específica do capital. Significa dizer que toda situação de conflito é retirada da arena do confrontamento ‘selvagem’ entre as classes e passa para uma mais delimitada, individualizada e domesticada” (CORREIA, 2022, p. 334). CAMPOS, Arruda. A Justiça a Serviço do Crime. 2. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 1960.
 Karina – a conformação do Judiciário trabalhista
Oliveira Vianna, ao definir a atuação do magistrado em 1938, aduziu que este não estava mais como há cinquenta anos, circunscrito ao texto da lei, fora do qual não lhe era permitido sair e dentro do qual tinha que se manter de qualquer forma, procurando através de um jogo de silogismos e analogias, a solução para todas as lacunas e obscuridades. Assim, definiu o magistrado como um órgão vivo de ‘elaboração legal’, com uma amplitude de poder no manejo dos textos que o permite ser um verdadeiro legislador. A Lei 13.467 de novembro de 2017, conhecida Reforma Trabalhista trouxe uma alteração no tocante à atuação do magistrado no artigo 8º : Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito, principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. Parágrafo único - O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho, naquilo em que não for incompatível com os princípios fundamentais deste. § 1º O direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho. (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência) § 2o Súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo Tribunal Superior do Trabalho e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos nem criar obrigações que não estejam previstas em lei. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência) § 3o No exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, a Justiça do Trabalho analisará exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), e balizará sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017) (Vigência). Considerando a nova norma e comparando com a atuação do magistrado na Era Vargas, podemos afirmar que estamos diante de um retrocesso na atividade judicante, posto que o juiz está limitado a não criar algo não previsto em lei, e deverá ainda, no que tange a negociação coletiva, analisar exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico? 
Vítor – A Justiça do trabalho
Na sua contraposição entre métodos de interpretação constitucional, o Autor privilegia aquele que ele denomina como “construtivo”, qual seja, “a lógica da realidade deve prevalecer sobre a lógica das palavras”. (fls. 18) A despeito de defender esse método, e o Autor aponta que faltam “publicistas”, no Brasil, capazes de aplicá-lo, pois não são versados em direito constitucional, direito público, ciências e, curiosamente, história geral e nacional (fls. 28). Ao que parece, para justificar a existência de uma Justiça do Trabalho com poder normativo na solução de conflitos, se faz necessária a defesa do método construtivo, pois, naquela época, não existiam regramentos precisos às relações de trabalho. O ponto mais interessante, a meu ver, é afirmação de que a Justiça do Trabalho foi “fundada para atender a condições econômicas e sociais inteiramente desconhecidas do nosso velho direito judiciário – porque resultantes da moderna sociedade industrial e da socialização progressiva da vida econômica”. (fls. 35) Assim, surgem minhas questões: ainda que não seja a intenção aparente do Autor, quando ele defende que a realidade deve se sobrepor aos ditames da lei, podemos ler, através dos nossos conceitos, que a forma mercadoria modela a forma jurídica? Se a proposição do Autor estiver correta, o que justifica, em 2004, a criação da Justiça do Trabalho como ramo autônomo do Poder Judiciário?

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