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MATRIZES RELIGIOSAS UNIASSELVI-PÓS Autoria: Taiane Flôres do Nascimento Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. xxxxx xxxx, xxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xx. – Indaial: UNIASSELVI, 2021. xxx p.; il. ISBN xxxxxxxxxxxxxxxxxxx ISBN Digital xxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx xxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxxx. – Brasil. Centro Universitário Leonardo Da Vinci. CDD xxxxxx Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS ...........................................7 CAPÍTULO 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL ....................................................................................51 CAPÍTULO 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL .........................................................................97 APRESENTAÇÃO A disciplina de Matrizes Religiosas surge no momento em que a configuração do espaço brasileiro passa a ter uma dimensão mais ampla à medida que novas religiosidades passam a compor e ter visibilidade no território brasileiro. A partir disto, essa disciplina vai contemplar temáticas dentro da proposta, que contribuem na formação acadêmica, a fim de levar não apenas conhecimento científico através das ciências humanas, mas também levantar questionamentos acerca da atual organização espacial-temporal das religiões no Brasil. A religiosidade, de um modo geral, remete a questionamentos e resulta em formação cuja qualidade forma e é formada pela atitude tanto de condução quanto de recepção. Conhecer as matrizes religiosas contribui com os aspectos formativos a partir do fenômeno religioso – cuja capacidade, quando desenvolvida, pode ampliar a reflexão e a ação, com relação aos acontecimentos, formulações, normativas e significados, sendo mesmo uma ferramenta para um agir social que venha a transformar as relações pessoais positivamente. A particularidade das manifestações religiosas, que revelam historicamente as diferentes concepções de divindade e formas de cultuar, é por vezes antagônica entre elas, contudo de acordo com a fenomenologia e hermenêutica, esses fatores não são excludentes quanto ao conhecimento que ele possibilita acesso. É imprescindível a ressalva de que a disciplina, no entanto, deve se esquivar das análises que direcionem a mera identificação, oposições ou juízo de valor, pois pretende uma ação transformadora com os aspectos do fenômeno religioso como um todo no espaço social. Diante disso, o presente texto está dividido em três partes, contendo incialmente, a apresentação das quatro maiores matrizes religiosas do Brasil, com bases nas principais religiosidades, processo de hibridismo e sua relação com o sincretismo religioso. É importante já assinalar desde o início problematizações acerca de religiões marginalizadas, como as de origem afro-brasileiras. Em um segundo momento, o texto vai trazer o pluralismo e diversidade religiosa ressaltando como a religião é conceituada e contextualizada na literatura contemporânea, mapeando alguns autores principais sobre a historiografia das religiões, bem como as consequências de novas dinâmicas que envolvem a interpretação das manifestações no espaço. E, por último, será abordada a religiosidade na atual configuração sociocultural brasileira, ressaltando suas expressões no espaço, dialogando principalmente com a questão do inter-religioso, que sugere possibilidades e desafios diante de uma perspectiva sobre as práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso. Diante da proposta da temática, destaca-se que tanto os conhecimentos escolares e acadêmicos quanto os aspectos religiosos trazem consigo o potencial formativo, de tal forma carregado de tendências e influências, que tanto se complementam quanto conflitam – e por isso mesmo, nesse encontro e movimentos, aprofundado em um fazer pedagógico responsável, é possível vislumbrar pessoas críticas e protagonistas de suas histórias conscientes da importância e contribuição de outras. Bons estudos! Professora Taiane Flôres do Nascimento CAPÍTULO 1 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • conhecer os aspectos estruturantes das diferentes religiosidades a partir de pressupostos científi cos; • conhecer as formas com as quais a academia tem se apropriado a fi m de produzir saberes acerca da temática; • analisar as relações entre as tradições religiosas e os campos da cultura, política, economia e da ciência; • compreender, valorizar e respeitar as manifestações religiosas em diferentes espaço-tempos e territórios. 8 MATriZES RELiGioSAS 9 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A constante busca pela história dos imigrantes fez com que muitos aspectos fossem levados em consideração. Diante das organizações espaciais e também das transformações que surgiram a partir da fi xação territorial, encontra-se diversos códigos culturais os quais são testemunhados através das suas marcas culturais. Neste sentido, a religião é uma forma de explicação do mundo e representa uma confi guração ampla e diversifi cada do conhecimento. Muitas ciências, como a sociologia e a antropologia, têm despertado interesses em estudos relacionados à religião, e o aumento gradativo dessa temática ocasionou uma constante busca sobre conceitos e narrativas que contemplem as matrizes religiosas no Brasil. As ciências humanas em seu âmbito relacional e com uma visão extremamente proporcional em diferentes escalas vem para explicar as transformações desses fenômenos no espaço e sua relação com a sociedade, junto às expressões no espaço das mesmas para que se possa ter uma dimensão concreta dos fatos. A diversidade cultural do Brasil tem gerado inúmeros estudos referentes a grupos étnicos como índios, alemães, italianos, poloneses, japoneses, árabes e negros. A procura por peculiaridades de cada grupo social remete a descobertas signifi cativas às ciências. Os estudos referentes à sociedade neste sentido procuram enfatizar as transformações que estes grupos realizaram no passado, realizam no presente e se isso poderia implicar no futuro. Neste capítulo, serão ressaltadas as quatro principais matrizes religiosas que compõem o Brasil, bem como a questão do hibridismo cultural juntamente com o mito das três raças, e consequentemente, uma ênfase nas religiosidades afro-brasileiras que têm despertado muitas curiosidades dentro da academia. 2 AS PRINCIPAIS RELIGIOSIDADES NO BRASIL E O MITO DAS TRÊS RAÇAS A temática sobre religião, no geral, tem sido discutida em diferentes áreas do conhecimento, e isso remete a uma gama de interpretações acerca de como o 10 MATriZES RELiGioSAS fenômeno religioso se dá a partir do espaço e suas manifestações envolvendo o processo de sociabilidade das pessoas. Não se pode esquecer que, atualmente, o conceito de religião – o que se verá no Capítulo 2 – não é limitado apenas à fé, mas está intrinsicamente ligado à política,economia e até mesmo em uma plataforma maior, como a midiática. Essas “novas” formas de interpretação sobre a religião vem à tona rompendo paradigmas que não apenas envolvem preceitos, dogmas etc., mas colabora na sociedade atingindo modifi cações nas relações sociais. Isso implicaria, mais tarde, nas próprias discussões e abordagens realizadas pelas ciências humanas, pois cada uma analisa e traz para si, a experiência, a essência e até mesmo a hermenêutica das religiões. Neste sentido, apresentar as principais matrizes religiosas do Brasil é abordar elementos culturais que se distinguem no espaço- tempo em que as manifestações acontecem. Neste sentido, reconhecendo a existência de um número considerável de religiões, entende-se que para dar conta dessa conjuntura precisa-se compreender a formação da religiosidade brasileira e refl etir sobre a diversidade religiosa a partir da construção histórica do Brasil. E assim, pode-se chegar a um consenso de que esse processo, de construção da cultura religiosa, se deu por meio de quatro grandes matrizes: indígena, ocidental, africana e oriental. Conhecer cada uma no processo de sua inserção ou reconhecimento no Brasil é uma tarefa importante, pois a partir do que é analisado através de outras vertentes como a questão de identidade cultural, política e até ambiental, percebe- se que as interligações de fatos históricos e geográfi cos são principais condutores da manifestação religiosa no espaço. Assim, abre-se uma poderosa construção do que realmente é a religião, não apenas a vendo como um conceito abstrato, que se remete, principalmente à fé e ao simbólico, mas também um norteamento das pessoas na construção da própria sociedade. Ressalta-se, então, que as páginas a seguir não são baseadas em juízo de valor, mas de considerações históricas e geográfi cas que apontam determinadas contribuições de diferentes abordagens, autores e refl exões acerca de como e quando as principais religiões estiveram/foram evidenciadas no espaço brasileiro, bem como a importância na construção sociocultural do Brasil. Embora existam muitas formas de explicação sobre a formação territorial brasileira, considerar a religião como fator fundador é como ver a história de outro ângulo, talvez mais aberto e mais questionador que os rotineiros. A tarefa aqui não é supervalorizar religiosidades, mas demonstrar suas condições e manifestações no espaço, sendo elas hegemônicas ou não. É explorar, de maneira científi ca e coerente, as principais contribuições de cada uma na atual confi guração do espaço do Brasil. 11 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 Diante disso, começa-se uma jornada de contextualizações e números para que se possa ter a ideia de como as principais religiosidades estão distribuídas nas grandes regiões brasileiras. Primeiramente, destaca-se que devido à diversidade de culturas existem quatro grandes matrizes religiosas no Brasil: indígena, ocidental, oriental e afro-brasileira. Ressaltar cada uma delas, e seu contexto histórico, pode trazer uma gama de interpretações acerca da espacialização das mesmas, bem como a construção de espaços sociais que, atualmente, se constituem em locais sagrados. Mas afi nal, qual é a primeira matriz religiosa brasileira? Não precisa estudar antropologia para saber que a primeira, obviamente, é a indígena. Os povos indígenas do território brasileiro, em toda a sua diversidade e grandiosidade cultural, possuíam e ainda possuem um grande número de religiosidades, pois são muitos povos com costumes e dialetos diferentes. Nesse sentido, o certo seria não falar em uma religião indígena, pois existem inúmeras formas de religiosidades quanto há de povos distintos e os que ainda não são conhecidos. Para realizar uma intermediação entre os estudos acadêmicos e a religiosidade dos povos indígenas brasileiros adota-se o termo religião, sem esquecer que o mesmo não se aplica ao caso estudado em todas as suas particularidades e nuances, ou seja, não estará contemplando-as em suas totalidades. Tal identifi cação não é apenas uma questão de resgate histórico, mas também de alteridade e reconhecimento da importância dos cultos indígenas, tanto para esses povos que vêm perdendo traços culturais ao longo dos anos, como para a formação da religiosidade da sociedade brasileira. No início, pode-se dizer que a academia negava a existência de uma religião indígena. Quando chegaram ao Brasil, portugueses e espanhóis tentaram e conseguiram, com sucesso, catequisar grande parte dos povos originários. Diante desse fato, percebe-se que desde 1500, a cultura indígena sofre modifi cações, sendo que muitas coisas se perderam no passado e que hoje não são mais parte da marca cultural destes. A catequização indígena foi realizada por grupos jesuítas de origem principalmente portuguesa. Pode-se pensar, a priori, que a catequização teve por objetivo apenas ensinar dogmas cristãos, porém com o tempo, esses ensinamentos passaram a ser estratégicos, no sentido de apropriação de terras, recrutamento de mão de obra e até mesmo para futuros combates por domínios territoriais. O investimento dos padres jesuítas causou uma perda de patrimônio cultural por parte da população indígena. Os costumes foram perdidos. As danças foram esquecidas. Os dialetos sumiram e a religiosidade/crença que eles tinham foi deixada de lado, como se o catolicismo fosse a religião mais importante. A Mas afi nal, qual é a primeira matriz religiosa brasileira? Indígena. 12 MATriZES RELiGioSAS principal perda através da catequização foi a língua. Os indígenas aprenderam o português e passaram a evitar conversas em dialetos, para que os europeus pudessem saber de todas as coisas que falavam como estratégia de controle sobre os povos. Diante disso, pode-se dizer que a perda da cultura indígena e morte de muitos povos se deu pela resistência de sobreviver ao “povo branco” que estava ali para habitar suas terras e escravizar para prosperar em solo brasileiro. Somente os índios que se catequizavam estariam a ''salvos'' dos portugueses. A religiosidade e crença foi altamente modifi cada com a catequização, se perdendo muito mais do que o próprio espaço material, mas também um espaço simbólico e fundamental na constituição do que é ser indígena. Nesse sentido, vale ressaltar uma consideração de Eliade (1991, p. 14): [...] a vida do homem moderno está cheia de mitos semiesquecidos, de hierofanias decadentes, de símbolos abandonados. A dessacralização incessante do homem moderno alterou o conteúdo da sua vida espiritual; ela não rompeu com as matrizes da sua imaginação: todo um refugo mitológico sobrevive nas zonas mal controladas. As religiões animistas e ameríndias (termos usados nos dias atuais para evidenciar as indígenas) passam a representar um número muito pequeno de praticantes e adeptos, visivelmente decaída desde a guerra guaranítica que se estendeu por parte do Brasil. Muitos dos povos nativos, além de características físicas, tiveram que abandonar toda sua crença em divindades que hoje não conhecemos, e que fazem parte da construção da sociedade brasileira. Muitos grupos de diferentes ciências humanas, como a Antropologia, Ciências Sociais, História, Geografi a, tentam reconstruir através de projetos acadêmicos e sociais, parte da cultura, mas o que se vê é a mínima parte do que fi cou para trás com o fenômeno de hibridismo cultural. Segundo Eliade (1998), desde o princípio do século XX, pesquisadores etnólogos adotaram o costume de empregar indistintamente os termos xamã, homem-médico, feiticeiro ou mago, para designar determinados indivíduos dotados de prestígio mágico-religioso e reconhecidos em todas as “sociedades primitivas”. Como as religiões dos índios colocam como seres sobrenaturais e divinos elementos da natureza, como o Sol, a Lua e as fl orestas, hoje, não é possível que sejam retomadas todas as suas características. Como já se sabe,o desmatamento das fl orestas, principalmente da Amazônia, onde grande parte dos povos originários ainda vive em sua cultura de origem, tem perdido grandes extensões territoriais, acarretando, assim, não apenas o isolamento 13 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 dos mesmos, mas também a perda dos elementos naturais que constituem o imaginário das crenças indígenas. Para Eisenberg (2000, p. 61): Ao perceberem que os índios conferiam autoridade religiosa ao curandeiro da tribo, os jesuítas tentaram assumir este papel, e para competir com a autoridade religiosa dos pajés, começaram a se dedicar ao atendimento médico dos índios e adaptar os rituais dos sacramentos cristãos aos usos locais. A própria sobrevivência dos povos originários é proveniente de uma crença religiosa: os peixes nos rios, as caças nas fl orestas, o plantio em determinada Lua, inclusive a cura de enfermidades. Tudo está ligado ao sagrado. E aqui aparece uma diferença muito grande de outras religiosidades hegemônicas no Brasil: o espaço sagrado. Para eles, todo espaço habitado é sagrado, a terra, a casa, os animais, a primeira natureza (não tocada pelo homem) é extremamente sagrada. Neste sentido, considera-se as palavras de Corrêa (2001, p. 32), que se pode ter uma noção dessa relação do índio com a natureza, quando ele salienta que: O espaço vivido é uma experiência contínua, egocêntrica e social, um espaço de movimento e um espaço-tempo vivido que se refere ao afetivo, ao mágico, ao imaginário. O espaço vivido é também um campo de representações simbólicas, rico em simbolismo que vão traduzir em sinais visíveis não só o projeto vital da sociedade, subsistir, proteger-se, sobreviver, mas também as suas aspirações, crenças, o mais íntimo de sua cultura. Os garimpos, extração de minérios, cortes de árvores e outras atividades ilegais nessas regiões destruíram e ainda destroem o que restou do espaço sagrado dos indígenas, ou seja, suas terras são alvo de interesse não apenas econômico, mas também político, e isso mostra como eles são vulneráveis a ponto de não conseguirem uma defesa para sobreviver a essas intervenções do “homem branco”. A natureza é parte de suas religiosidades e toda cultura fundamentalista indígena parte dela, pois eles acreditam que a terra não é apenas o lugar onde moram, mas sim um elemento central da religião e da identidade cultural dos mesmos, ou seja, é o lugar onde descansam os espíritos de seus ancestrais. A primeira matriz religiosa, atualmente, é caracterizada por perdas e memórias esquecidas, e obviamente, a crença religiosa atual é diferente da dos ancestrais. A cultura de qualquer povo é passada de geração a geração, sendo por meio de fala, ensinamentos ou até mesmo escritas vindas de pessoas mais velhas e isso infl uenciou a marginalização dos povos originários como a maior religiosidade brasileira. Pois se pensar em termos de legados culturais deixados 14 MATriZES RELiGioSAS por ancestrais, certamente, sem a invasão de europeus, a religião indígena seria uma das maiores religiões do Brasil e os índios estariam ocupando espaços pertencentes a eles mesmos. Para melhor compreender a história dos povos originários e a infl uência ocidental na sua cultura e crença, indicamos o fi lme Escolarizando o Mundo, disponível na plataforma Youtube e The Mission (A Missão) de 1986, dirigido por Roland Joffé, que conta com o contexto histórico da Guerra Guaranítica, entre meados de 1750 até 1756. Dá ênfase ao povo Guarani, tropas espanholas e portuguesas no sul do Brasil após a assinatura do Tratado de Madri, no dia 13 de janeiro de 1750. Os Guaranis da região dos Sete Povos das Missões não aceitaram deixar suas terras no território do Rio Grande do Sul para o outro lado do Rio Uruguai. A segunda matriz religiosa presente no território brasileiro, com base nas linhas anteriores, é originária da Europa ocidental, pois, ainda que se possa afi rmar a origem geográfi ca oriental do cristianismo, foi de Portugal e Espanha que o cristianismo católico veio para o Brasil no processo de colonização. Foi nos períodos colonial e imperial que o cristianismo, enquanto matriz religiosa, difundiu em terras brasileiras, por meio das missões jesuíticas e da devoção às divindades (santos e santas), que é chamado de cristianismo popular. Para informação, durante todo o período colonial (1500-1822) e imperial (1822-1889), o catolicismo foi a única religião legalmente aceita, não havendo liberdade religiosa em nosso país. Nesse período, ou seja, durante quatrocentos anos, segundo Mariano (2001, p. 127-128): [...] o Estado regulou com mão de ferro o campo religioso: estabeleceu o catolicismo como religião ofi cial, concedeu-lhe o monopólio religioso, subvencionou-o, reprimiu as crenças e práticas religiosas de índios e escravos negros e impediu a entrada das religiões concorrentes, sobretudo a protestante, e seu livre exercício país. O cristianismo popular é uma das maiores criações culturais em âmbito religioso no Brasil, pois se tornou fortemente imposto na maioria das comunidades. Neste sentido, pessoas com baixo poder aquisitivo, indígenas e negros, colocados 15 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 à margem do sistema político e religioso, deram corpo a sua experiência espiritual dentro da cultura popular que infl uencia mais pela conexão do inconsciente e do emocional do que do racional e do doutrinário. Como religião hegemônica, o cristianismo é muito forte, principalmente no Brasil, sendo uma das principais religiões mundiais. É notável que a mesma não infl uenciou somente na cultura de povos. O cristianismo foi, durante muitos séculos, disseminador dos ensinamentos de Jesus de Nazaré dentro do Ocidente e continua sendo a principal raiz de continuidades entre a cultura ocidental moderna e a cultura ocidental antiga. Desse modo, pode-se dizer que, geografi camente, é uma das maiores crenças que transita entre os quatro cantos no mundo todo. Ressalta-se que o cristianismo é uma religião monoteísta (crê somente em um Deus), que tem cerca de dois mil anos. Anteriormente, destacou-se que ela poderia ter sua gênese oriental, pois é nesses meados que a mesma se derivou do Judaísmo na região do Oriente Médio. Apesar deste detalhe em sua formação, ela é considerada a mais infl uente no Ocidente e todas as culturas sofreram ou sofrem alguma infl uência de seus preceitos. Ao contrário das religiões indígenas, o espaço sagrado dessa religião são as igrejas e santuários, que constituem um número muito grande materializado no espaço. É o maior número de construções com essa fi nalidade no Brasil. Aqui, considera-se que a refl exão sobre o sagrado envolve a consideração do profano, ou seja, ele se apresenta diferentemente do profano, pois o sagrado relaciona- se às divindades, e o segundo, a priori, não. O sagrado manifesta-se sempre como uma realidade de ordem inteiramente diferente da realidade do cotidiano (ROSENDAHL, 1996). Reconhece-se que o pensamento religioso das pessoas e sua conjuntura num mundo carregado de valores religiosos permitem que as mesmas identifi quem espaços qualitativamente diferentes de outros. A diferença é que espaços sagrados, como a igreja cristã, é demarcado e muito distinto e isso remete a uma oposição do que é sagrado e do que não é sagrado (profano). Neste sentido, é importante conceituar esses dois termos, pois eles fazem parte dos estudos de religião e são importantes na compreensão das mesmas e suas espacialidades. Rosendahl (1996, p. 30) defi ne que: O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência. É por meio de símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade. É o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homementrar em contato com a realidade transcendente chamada de deuses, nas religiões politeístas, e Deus, na monoteísta. 16 MATriZES RELiGioSAS Mais além, a autora ainda explica essa relação das pessoas com o espaço sagrado: O homem religioso tem necessidade de se movimentar num mundo sagrado, daí o desejo de participar do ritual de construção do espaço sagrado. Na realidade, o ritual pelo qual o homem constrói um espaço sagrado é efi ciente na medida em que ele reproduz a obra dos deuses. E desta forma habita um mundo ordenado, Cosmos, e não um espaço desconhecido e não consagrado, o Caos. O fenômeno da construção do espaço sagrado implica num comportamento religioso de conquista e ocupação do que não é “nosso”. A estrutura do espaço sagrado implica também na ideia da repetição da hierofania primordial que consagra o espaço e, assim transfi gura-o, singulariza-o e isola-o do espaço profano (ROSENDAHL, 1996, p. 30-31). É importante considerar esses conceitos, uma vez que, diferentemente das religiões indígenas, a igreja, no geral, incluindo de outras religiões, não é somente o lugar que reúne os fi éis, mas igualmente o espaço protegido das infl uências dos meios profanos que estão além das instalações materiais. Reconhecendo, então, que o homem conhece o sagrado em espaços diferentes do seu cotidiano e que as igrejas são os espaços dessas experiências, é possível concluir que o interior desses lugares proporciona ao homem religioso uma ruptura com o profano. Dessa forma, as igrejas são elementos fundamentais para o entendimento da separação entre sagrado e profano. Eliade (1992, p. 29) ressalva: [...] igreja faz parte de um espaço diferente da rua onde ela se encontra. A porta que se abre para o interior da igreja signifi ca, de fato, uma solução de continuidade. O limiar que separa os dois espaços indica ao mesmo tempo a distância entre os dois modos de ser, profano e religioso. O limiar é ao mesmo tempo o limite, a baliza, a fronteira que distinguem e opõem dois mundos – e o lugar paradoxal onde esses dois mundos se comunicam, onde se pode efetuar a passagem do mundo profano para o mundo sagrado. Com a hegemonia do cristianismo, o Brasil passa a ser um território que dissemina a religiosidade cristã para os povos que estavam chegando para logo mais, fi xar moradia, a exemplo de japoneses, poloneses, italianos, alemães etc. Pode-se considerar também que, atualmente, a base estruturante e hierarquizada da sociedade, que dita o que é certo ou errado, está associada às convenções cristãs, pois a igreja desde sempre foi e é a maior infl uenciadora dos padrões a qual as pessoas estão direcionadas. Obviamente, a desconstrução desses padrões tem sido evidenciada em diferentes movimentos, como a questão do casamento entre duas pessoas da mesma orientação sexual, pois sabe-se que o casamento entre orientações sexuais diferentes é uma convenção da igreja católica. Indo em direção às desconstruções, ressalta-se a terceira matriz religiosa introduzida no Brasil: a africana. Ela vem para evidenciar a cultura dos negros 17 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 escravizados e a crença nos orixás. É importante ressaltar que matriz africana é diferente de afro-brasileira. A primeira traz conhecimentos tradicionais originários da África, e a segunda, já conta com uma espécie de “mistura” de crenças (no terceiro tópico desse texto será discutida essa questão). Em contextos históricos e geográfi cos, quem trouxe o candomblé para o Brasil foram os negros escravizados nativos de diferentes lugares da África. Essa religiosidade tem rituais muito peculiares, porém assemelha-se com os rituais ameríndios. Eles são realizados ao ritmo de atabaques (instrumento musical) e cantos em idioma ioruba ou nagô (nativos), que variam conforme o orixá que está sendo cultuado. As cerimônias do candomblé são realizadas nos terreiros, que também podem ser casas, mas expressam no nome suas origens – clareiras na mata que os escravos podiam expressar sua religiosidade. A historicidade das religiões africanas no Brasil é comumente associada com a afro-brasileira, mas cabe lembrar que os primeiros escravos foram trazidos em meados de 1500, não há uma data certa por historiadores. Mas o que é relevante aqui, é a premissa de que eles foram quase ou mais de 4 milhões, entre homens, mulheres e crianças, trafi cados pelos navios negreiros (REIS, 2000), e isso infl uenciou fortemente o povoamento do território brasileiro. O Brasil foi o país da América que mais trafi cou escravos negros e eles foram utilizados como mão de obra escrava de diversas construções materiais, como a ferrovia em toda a extensão territorial, do Norte a Sul. Há quem diga que a longa permanência do negro no Brasil acabou por abrasileirá-lo, inclusive a sua religião de origem. De um lado, o negro africano tornou-se experiente e na tentativa de salvar as próximas gerações de suas famílias da escravidão, tornou seus fi lhos crioulos e mestiços, ou mais popularmente chamados de mulatos, pardos e caboclos. A mestiçagem e hibridismo de cultura são temas inevitáveis da história do negro no Brasil. De outro lado, raros são os aspectos da cultura brasileira que não trazem a marca da cultura africana. O assunto já foi muito tratado por historiadores e antropólogos, que estudaram a cultura negra, incluindo a origem da família, a língua, a religião, a música, a dança, a culinária e a arte popular em geral. Cultura esta que também foi se perdendo ao longo do tempo, porém em termos simbólicos, ela é mais passível de ser resgatada que dos indígenas. Finalizando sobre as matrizes, a quarta matriz religiosa no Brasil é a oriental, mais especifi cadamente, o budismo e suas vertentes. Ele desembarca em solo brasileiro através da imigração de povos orientais, principalmente com a chegada dos japoneses. Ele se expande, abrindo Indo em direção às desconstruções, ressalta-se a terceira matriz religiosa introduzida no Brasil: a africana. A quarta matriz religiosa no Brasil é a oriental, mais especifi cadamente, o budismo e suas vertentes. 18 MATriZES RELiGioSAS um leque de religiões orientais que mais tarde se torna muito importante na construção do espaço religioso brasileiro. Segundo o censo de 2010 do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística – são 243.966 praticantes ou adeptos no Brasil, número este que decresceu do último censo. Eles estão distribuídos em diferentes vertentes do budismo: GRÁFICO 1 – DISTRIBUIÇÃO DO BUDISMO NO BRASIL FONTE: Shoji (2004 apud USARSKI, 2008 p. 2) É importante considerar que pelos dados do IBGE (2010), o budismo no Brasil tem se renovado, deixando de ser uma religião composta exclusivamente por descendentes de japoneses, mas também há a possibilidade do ingresso de outras etnias na religião. No entanto, Usarski (2008 p. 137) considera: Esse recente declínio do número total de budistas brasileiros não só contradiz os exageros numéricos comuns na mídia brasileira, mas também indica que não se deve contar com a possibilidade de que um número considerável de nipo- brasileiros que se recusaram a continuar declarando-se “amarelos” em 2000 agora apareça sob a rubrica “budista não- amarelo”. A dinâmica negativa no subcampo torna-se ainda mais clara quando se considera a evolução do segmento budista de “cor amarela” durante as últimas três décadas. Comparado aos 149.633 budistas de “cor amarela” registrados em 1970, o 19 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 número daqueles autodenominados de “cor amarela” caiu para 81.345 em 2000, um declínio de 68.288 indivíduos de origem asiática predispostos a se identifi car como adeptos da religião de seus ancestrais. Para Usarski (2008), pesquisador sobre a religião budista no Brasil, a queda está relacionada a diferentes fatores, incluindo a mortalidade de japoneses e a falta de interesse dos descentes emseguir a religião, procurando interagir com outras religiões que são mais hegemônicas no Brasil. Atualmente, o budismo tem sido objeto de estudo de muitas ciências, o que ocasiona em uma visibilidade maior por parte da população em geral, no entanto, ainda são estudos incipientes que compõem uma trajetória mais abrangente da religião. Mesmo assim, o budismo é uma das matrizes religiosas do Brasil, pois o país tem a maior população japonesa fora do Japão. Isso também infl uencia muito a questão do hibridismo cultural que se tem falado ao longo do texto. E diante da contextualização, é importante considerar o “mito das três raças”, pois ele está intrinsecamente ligado às principais matrizes religiosas e culturais do Brasil. Ele foi desenvolvido tanto pelo antropólogo Darcy Ribeiro como pelo senso comum da população, em que a cultura e a sociedade brasileiras foram constituídas a partir das infl uências culturais das três raças: europeia, africana e indígena. “mito das três raças”, pois ele está intrinsecamente ligado às principais matrizes religiosas e culturais do Brasil. IMPORTANTE: Nos dias de hoje, não existe nenhuma sociedade ou grupo social que não possua a mistura de etnias diferentes. Há exceções como pouquíssimos grupos indígenas que ainda vivem isolados na América Latina (o caso de alguns grupos na Amazônia) ou em algum outro lugar do planeta. De modo geral, as sociedades contemporâneas são o resultado de um longo processo de miscigenação de suas populações, cuja intensidade variou ao longo do tempo e do espaço. Fala-se em senso comum, pois é ele quem divide a espécie humana entre brancos, negros e amarelos, que, popularmente, são tidos como "raças" a partir de um traço peculiar – a cor da pele. Todavia, brancos, negros e amarelos não constituem raças no sentido biológico, mas grupos humanos de signifi cado sociológico. 20 MATriZES RELiGioSAS IMPORTANTE: É importante destacar que esse mito não é compartilhado por diversos críticos, pesquisadores e pela própria academia científi ca, pois minimiza a dominação violenta provocada pela colonização portuguesa sobre os povos indígenas e africanos, colocando a situação de colonização como um equilíbrio de forças entre os três povos, o que de historiadores não comprovam. Alguns estudos utilizaram, entre os séculos XVII e XX, o termo “raça” para designar as várias classifi cações de grupos humanos, mas desde que surgiram os primeiros métodos genéticos para estudar biologicamente as populações humanas, o termo raça caiu em desuso. Neste sentido, "o mito das três raças" é criticado por ser considerado uma visão simplista do processo colonizador brasileiro. Desse modo, a crença no mito da democracia racial é estruturante do sentimento de nacionalidade brasileiro, a ponto de atuar uma rara aceitação valorativa entre as diferentes camadas sociais que formam a sociedade atual. Para Ladouceur (1992, p. 417): O Brasil constitui um espaço plurinacional caracterizado por diversas identidades culturais. Este espaço é dominado por uma ideologia dominante [sic] com elementos brancos euroamericanos. O Estado brasileiro constrói sua geografi a na base da territorialidade desigual estabelecida contra as nações autóctones e a maioria negra. Na sua pesquisa que pode ser considerada um dos principais estudos da questão étnico-racial no período, Ladouceur (1992, p. 420) identifi ca que quase não há uma representação diferenciada de índios e negros no território brasileiro, e ele vai mais além ao ressaltar que: Os índios e negros são desterritorializados e dissolvidos na identidade nacional enquanto a pertença a um território próprio é destruída nas representações geográfi cas. A territorialidade dos índios e dos negros elabora-se unicamente a partir das relações inter-étnicas pela conquista do território [...] autóctone e a conquista do sexo feminino (implícito nos Livros) permitindo a miscigenação. Encontramos só um mapa que ilustra a presença territorial das nações autóctones, mas nenhum mapa ilustrando a territorialidade negra. 21 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 Destaca-se, ainda, as palavras de Ratts (2010, p. 129): Como dissemos, nossos “antigos” livros didáticos de geografi a do Brasil, tratam de brancos, negros e índios na composição étnica do país, trazendo fotografi as, índices populacionais e, algumas vezes, mapas. Nesta geografi a imaginativa, considerada não como falsifi cação, mas como representação, os índios se situam em aldeias muito distantes dos centros urbanos, como se seu ambiente próprio se reduzisse a fl orestas e matas. São como “orientais” numa terra ocidentalizada. Os negros são igualmente originários de um distante, vasto e misterioso território: a África. No Brasil, parte do Novo Mundo, igualmente exótico, misterioso e distante dos olhos europeus. Neste imaginário o pais seria, de modo genérico, mais indígena no Norte e Centro-Oeste, negro ao Nordeste e parte do Sudeste e branco ao Sul. No entanto, no senso comum geográfi co praticamente não existiria mais índios nas regiões Nordeste (com exceção do Maranhão), no Sudeste e no Sul. [...] Este quadro começa a ser revisto pela permanência por vezes incômoda dos “diferentes” e pelo reconhecimento muitas vezes tardio que alguns atores sociais hegemônicos fazem das identidades de grupos subalternos. É importante considerar que como sociedade pensadora e crítica, estamos em processo de abertura para o reconhecimento da diversidade étnica, racial e cultural no país e no mundo, abordando-a nos contextos de desigualdade e de reparações de situações históricas de subalternidade. A ideia de trazer as principais matrizes religiosas do Brasil é uma confi guração não apenas de uma parte da história de alguns povos, mas sim de uma visão mais ampla da própria territorialidade brasileira. Nos gráfi cos a seguir, pode-se observar um resumo por regiões, a partir de dados de 2010, a composição religiosa do Brasil, considerando o mito das três raças. 22 MATriZES RELiGioSAS GRÁFICO 2 – REGIÃO NORTE FONTE: Adaptado de IBGE (2010) GRÁFICO 3 – REGIÃO NORDESTE FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 23 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 GRÁFICO 4 – REGIÃO SUDESTE FONTE: Adaptado de IBGE (2010) GRÁFICO 5 – REGIÃO SUL FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 24 MATriZES RELiGioSAS GRÁFICO 6 – REGIÃO CENTRO-OESTE FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Pode-se visualizar nos gráfi cos, que em todas as regiões, as porcentagens de adeptos e praticantes de religiões não hegemônicas (matriz africana e afro- brasileira, espírita e oriental) são baixas em relação à católica. Mesmo que ela tenha dados altos e disparados é possível dizer que ela tem sofrido uma gradativa decadência de adeptos. Isso pode ser resultado das religiões que estão sendo visibilizadas com a proposta de uma multiculturalidade que o Brasil se desenha. As relações sociais baseadas nas religiões provocam um aumento importante na sociabilidade de determinados grupos marginalizados, a exemplo da população LGTBiQ+. Espaços como terreiros e casas espíritas tendem a ser mais abertos às expressões desse grupo social subalterno. Para tratar essas questões – caso haja interesse sobre – indicamos trabalhos desenvolvidos com a temática da religião e gênero: FURTADO, Maria Cristina S.; CALDEIRA, Angela Cristine Germine Pinto. Cristianismo e Diversidade Sexual: Confl itos e Mudanças. In: Fazendo Gênero: Diásporas, Diversidades, Deslocamentos, n. 9, Florianópolis, 2010. 25 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 NASCIMENTO, T. F do. Os terreiros de cultos afro-brasileiros e de origem africana como espaços possíveis às vivências travestis e transexuais. 2016. 103 p. Dissertação (Mestrado em Geografi a) - Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016. 2.1 O PROCESSO DE HIBRIDISMO RELIGIOSO NO TERRITÓRIO BRASILEIRO De modo geral,o hibridismo cultural aconteceu e acontece a partir da mistura de diferentes culturas. Algumas culturas conseguem adaptar-se a culturas hegemônicas, como também podem subverter a elas. Um exemplo importante e que já foi considerado anteriormente é a indígena. O hibridismo no Brasil iniciou com a chegada de europeus e, consequentemente, eles se sobressaíram em relação aos nativos, trazendo uma cultura europeia e eurocêntrica. Diante disso, muitos povos foram convertidos a diferentes realidades, como a catequização, mas também muitos resistiram a essa mudança de cultura, e foi então que aconteceu um dos maiores massacres da história brasileira: a morte de milhares de indígenas nas guerras em posse do território. Não é novidade essas linhas, porém é importante sempre enfatizar que o processo de miscigenação não foi algo natural, mas sim imposto por etnias europeias, principalmente portugueses e espanhóis. Tem-se ao longo da história, diversas denúncias em forma de contos, livros literários e, inclusive, na mídia, que destacou importantes obras de autores literários brasileiros que evidenciavam fatos desses períodos ao meio de eufemismo e romances um tanto duvidosos, mas que representavam a realidade brasileira. Neste sentido, a literatura passa a se tornar um instrumento de denúncia e crítica social, porém de uma forma que poucos compreenderam ao longo dos séculos. Pode-se citar obras como Memórias de um Sargento de Milícias (1854), de Manuel Antônio de Almeida, Iracema (1865), de José de Alencar, Macunaíma (1928), de Mário de Andrade, dentre outras importantes obras dos séculos XIX e XX. 26 MATriZES RELiGioSAS Retomando então a contextualização sobre o hibridismo religioso, considera- se que o mesmo é resultado do multiculturalismo ou pluralismo cultural (será discutido nos próximos capítulos), em que caracteriza a sociedade como heterogênea, enquanto gênero, raça, religião, padrões culturais e até mesmo “defi ciências” em questões identitárias. No entanto, considera-se as palavras de Miceli (2004 p. XIII): [...] uma vez que a cultura só existe efetivamente sob a forma de símbolos, de um conjunto de signifi cantes/signifi cados, de onde provém sua efi cácia própria, a percepção dessa realidade segunda, propriamente simbólica, que a cultura produz e inculca, parece indissociável de sua função política. Assim como não existem puras relações de força, também não há relações de sentido que não estejam referidas e determinadas por um sistema de dominação. Cabe ressaltar que a sociabilidade em todos os seus aspectos, e em todos os momentos da sua história, justifi ca a prática religiosa não pelo que está visivelmente aparente, mas pelo resultado de uma cooperação, intervenção de todos, que faz parte de um pensamento coletivo, rico em elementos sociais os quais são objetos de estudos de diferentes ciências humanas. Essa relação social imbricada no contexto das religiões traz uma gama de interpretações socioespaciais que podem ultrapassar diversos aspectos. Para isso considera-se Velho (2001, p. 207): [...] a sociabilidade em Simmel tem um sentido muito preciso, mas, se você fi car preso exclusivamente à defi nição que o Simmel deu para sociabilidade no início do século XX, pode perder muita coisa interessante que também é chamada de sociabilidade, e que acho que está muito mais próxima de uma discussão sobre interação, cotidiano e costumes. [...] existe esse nível ou esse conjunto de níveis do dia-a-dia, do cotidiano, da sociabilidade, que são absolutamente fundamentais e, num certo nível, são a base da vida social. [...] Na verdade, o dia-a- dia, o cotidiano, o microssocial, a interação têm esse potencial enorme que tem sido confi rmado na história das ciências sociais. O conceito de sociabilidade é evidenciado por George Simmel. Ver em: SIMMEL, G. Sociabilidade: um exemplo de sociologia pura ou formal. In: SIMMEL, G. Georg Simmel: Sociologia. Organização de Evaristo de Moraes Filho. Coordenação de Florestan Fernandes. São Paulo: Ática, 1983. 27 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 Com as diversas religiões, a sociabilidade é uma forma de vida cotidiana da sociedade. Não somente elas, mas sem dúvida é um dos maiores fatores que infl uenciam a cotidianidade. O maior hibridismo religioso está relacionado às religiões afro-brasileiras (último tema deste capítulo), mas adiantando os spoilers, congrega elementos simbólicos de diversas religiões hegemônicas do Brasil. Tem-se então uma ênfase maior a ela por considerar que a mesma ainda vive um processo de afi rmação e que isso está diretamente relacionado ao pluralismo cultural. Para adentrar ainda mais fundo nessa discussão, partilha-se o pensamento de Aragão (2002, p. 49): Acontece que a fé autêntica não se reduz a uma religião. A fé autenticamente religiosa prolonga uma fé antropológica mediante dados transcendentes sobre valores e signifi cações, oferecidos por um grupo de testemunhas. Enquanto as tradições religiosas transmitidas como cultura primeiro o reconhecimento do sagrado como sobrenatural efi caz e passam depois a adotar valores implícitos nesse sagrado, a fé religiosa leva a aceitar valores humanos e a reconhecer depois o sentido sagrado, absoluto. É importante considerar esse pensamento do autor, pois se analisar todas as estruturas da atual sociedade, percebe-se que a fé não se reduz a uma religião. A exemplo disso está o Gráfi co 7, que compõe uma comparação de religiões de matriz africana e afro-brasileiras com as cristãs. GRÁFICO 7 – RELAÇÃO ENTRE AS RELIGIÕES CATÓLICAS E DE MATRIZ AFRICANA/AFRO-BRASILEIRAS FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 28 MATriZES RELiGioSAS O gráfi co com os dados de 2010 não conseguem representar a realidade e tampouco demonstrá-la, pois as vertentes do catolicismo no Brasil ainda ocupam (e provavelmente sempre irão ocupar) o maior número de adeptos. Ele está aqui para a visualização de uma realidade que não pode ser comparada. No entanto, se destacar apenas as religiões não hegemônicas, pode fazer mais sentido a análise. Nos próximos gráfi cos é possível verifi car melhor as outras religiosidades no Brasil: GRÁFICO 8 – RELAÇÃO DAS RELIGIÕES NÃO HEGEMÔNICAS NO BRASIL FONTE: Adaptado de IBGE (2010) O Gráfi co 8 mostra a religião espírita com maior número de adeptos e pode- se explicar esses dados. O senso de 2010 foi o primeiro a considerar a religião das pessoas e ao responderem para os recenseadores, muitas delas não expressaram a sua religião de forma exata, ou não sabia onde algumas se encaixavam. Por defi nição do IBGE, o agente recenseador é o cargo que conta com requisito de nível médio, sendo o profi ssional designado para coletar as informações dos Censos Demográfi cos nos domicílios designados, cumprindo as orientações recebidas por meio do dispositivo móvel de coleta. 29 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 Há uma relação forte entre a espírita kardecista com as religiões afro- brasileiras e a diferença entre elas ainda não é reconhecida por parte da população. É uma forma de camufl ar o fenômeno, mas ao mesmo tempo, serve de estratégia para a resistência e permanência. No próximo senso, provavelmente esse número de adeptos e praticantes de religiões afros tende a aumentar, não apenas por essa razão, mas por outros fatores que Nascimento (2014, p. 66) aponta: Primeiramente, acredita-se que o maior e principal fator está ligado a inserção da cultura afro-brasileira no currículo escolar, pois em 2003, foi promulgada a lei nº 10.639 que alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), passando-se a exigir que as escolas brasileiras de ensino fundamental e médio incluíssem no currículo o ensino da história e cultura afro-brasileira, onde se ressalta a importância da cultura negra na formação da sociedade brasileira. [...] O preconceito estaria diminuindo em função da educação, e isso poderia acarretarna maior aceitação das religiões afro-brasileiras no Brasil. Salienta-se também que a partir destes estudos, o sincretismo religioso passa a ser compreendido e abrem possibilidades de conhecimentos ligados a estas manifestações ligadas as religiões de origem afro. Neste sentido, os professores exercem importante papel no processo da luta contra o preconceito e a discriminação racial no Brasil. Ainda exemplifi cando alguns fatores, a autora destaca mais além que: O segundo fator estaria ligado à mídia e acesso de informações. Com o maior número de acessibilidade às redes de informações das mais variadas formas, como a televisão e a internet. Assim, a população afro-brasileira passou a procurar seus direitos, pois houve um chamado muito grande de associações e movimentos 67 negros não só no país, mas no mundo todo. Com isso, eles passaram a se integrar em manifestações que os revelaram direitos e deveres que ainda não eram reconhecidos, a diversidade de fenômenos culturais ligados a este grupo social (NASCIMENTO, 2014, p. 66-67). Possivelmente, esses fatores podem ser agregados à questão da resistência também. No entanto, essa discussão é mais profunda em ciências como a Geografi a, que propõem uma relação de manifestação do fenômeno no espaço e suas relações sociais – o que não foge em nada das principais ideias desse texto em si. Continuando, o Gráfi co 9 apresenta uma comparação talvez esperada nesse texto, mas que, a priori, pode ser uma indicação de parâmetros de dados da realidade do Brasil. 30 MATriZES RELiGioSAS GRÁFICO 9 – RELAÇÃO CATÓLICA X EVANGÉLICA (SEM SUAS VERTENTES) FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Percebe-se através dessa imagem e com os dados especializados, que há um número muito elevado de adeptos de religiões evangélicas, o que permite nos apresentar uma outra confi guração de religiosidade no Brasil. Sobre isso, conta- se com a colaboração de Sousa (2017, p. 21), que comenta: Com o crescimento exponencial dos evangélicos, cresce também sua área de atuação, seja no campo da ação social ou na política e embora constitucionalmente for um Estado laico, o seu povo é extremamente religioso, portanto, é inevitável a manifestação de infl uência dos evangélicos no Brasil. A religião evangélica, que é uma vertente do cristianismo, sob outros preceitos, tem um aumento gradativo e importante nas últimas décadas. Ela parte de uma matriz maior, porém tem se tornado uma das crenças que mais se expande em níveis territoriais, tanto em adeptos quanto de materialização no espaço. Realmente, é inevitável que ela não seja infl uente em vários setores, a exemplo da economia e da política, no entanto, deve-se ressaltar que há diversas vertentes do evangelho no Brasil, como mostra o Gráfi co 10. 31 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 GRÁFICO 10 – VERTENTES EVANGÉLICAS NO BRASIL FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Conforme os dados de 2010, que podem ser maiores no momento, salienta as vertentes Assembleia de Deus e Batista como as maiores igrejas com praticantes no Brasil, número este que passará por mudanças no próximo senso, devido à expansão no espaço. Para Martins (2016, p. 19): [...] a Assembleia de Deus atualmente é extremamente difundida no país, tanto as convencionais, amplamente reconhecidas denominacionalmente, quanto as Assembleias de Deus independentes que surgem a cada dia e que não são reconhecidas como tais. Dado esse fato, é muito difícil, se não impossível, apontar uma doutrina defi nitiva e certa da Assembleia de Deus. As palavras da autora coincidem com os dados do Gráfi co 8, pois evidenciam exatamente a sua fala. Há um forte crescimento dessas religiões, pois em tese, atingem uma camada menos favorecida da população, pessoa com baixo poder aquisitivo, que veem nos preceitos e doutrinas, uma forma de modifi car suas vidas pertencendo àquele espaço de sociabilidade. O hibridismo religioso certamente é uma das temáticas mais interessantes e complexas como forma de analisar a organização do espaço do Brasil, pois abarca muitas religiosidades que ainda estão em ascensão, e logo depois de se fi xarem, outras mais irão aparecer, todas provenientes de algumas das quatro maiores matrizes religiosas. Aqui não aparece suas doutrinas de fato, e nem seus preceitos, pois é uma tarefa difícil e envolve uma pesquisa muito mais ampla e específi ca de cada religião, porém, se destacá-las de uma forma geral, pode-se 32 MATriZES RELiGioSAS absorver um método dedutivo de como elas se manifestam no espaço e quais as relações sociais que cada uma infl uencia na construção da própria sociedade. Indicamos a leitura da seguinte obra: TEIXEIRA, Faustino; MENEZES, Renata (orgs). As religiões no Brasil: continuidades e rupturas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2011. 2.2 AS RELIGIÕES AFRO- BRASILEIRAS E O “SINCRETISMO RELIGIOSO” Antes de iniciar a última abordagem deste capítulo, é importante considerar que as religiões afro-brasileiras são consideradas marginais e não homogêneas. A heterogeneidade das religiões indica que a própria construção do espaço é totalmente diferenciada, aparecendo singulares manifestações culturais. Umas das religiões que são totalmente diferenciadas ao manifestar-se no espaço são as afro-brasileiras e de matriz africana (NASCIMENTO, 2016). Os espaços que elas constituem são diferenciados e exigem uma compreensão maior sobre o que é o sagrado e o profano, conceitos estes que foram revisitados no início deste texto. O processo de aceitação e afi rmação enquanto uma religião legítima teve entrada ainda no século XX, mesmo que ela já tivesse em meio aos escravos negros nos anos anteriores. Ela abrange um leque de interpretações acerca do conceito do que é religião. Conforma Souza (2004, p. 122-123): A religião é, antes de tudo, uma construção sociocultural. Portanto, discutir religião é discutir transformações sociais, relações de poder, de classe, de gênero, de raça/etnia; é adentrar num complexo sistema de trocas simbólicas, de jogos de interesse, na dinâmica da oferta e da procura; é deparar-se com um sistema sociocultural permanentemente redesenhado que permanentemente redesenha as sociedades. Essa ideia de Souza é interessante para contextualizar a questão das religiões afro-brasileiras no Brasil, uma vez que elas sofreram e ainda sofrem transformações culturais relevantes ao longo do processo de “sincretização”. De 33 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 maneira geral, ela é vista por muitos pesquisadores, inclusive por praticantes da religiosidade, como um “abrancamento” das religiões de matriz africana, como o Candomblé, por exemplo. Isso se dá pelo fato de ela congregar em sua possível gênese, preceitos das religiões africanas, ameríndias, espírita e católica, sendo assim uma mistura de todas. Considera-se que ser “sincrético” pode não ser uma boa qualifi cação, especialmente para o senso comum, pois tem um sentido negativo, que dá a conotação de mistura confusa de elementos diferentes e de inautenticidade (PREVITALLI, 2013), e ela vai mais além quando exemplifi ca (p. 22-23): Sincretismo não é um fenômeno recente, tampouco estritamente localizado. Fruto da dinâmica da cultura, o sincretismo permite que se dê sentido àquilo que foi adquirido do outro. É um termo polêmico, de conotação pejorativa, uma vez que pressupõe contaminação e inautenticidade, acreditando-se que uma suposta tradição pura recebera infi ltrações de símbolos de outra tradição aparentemente incompatível. Esse ponto ainda é muito discutido entre diversos estudiosos da temática em questão, visto que há quem defenda que ela seja uma religião legítima do Brasil e que tem sua própria estrutura religiosa, fundamentos e formas de cultos originais, e por essa razão será utilizado o termo “sincretismo”, entre aspas, quando relacionado a elas no texto. O “sincretismo” da umbanda com o catolicismo também se concretiza comsua relação com outras imagens que são venerados nas duas religiões. Cosme e Damião são entidades que dividem opiniões quanto a sua origem, mas as festas e oferendas são semelhantes tanto na umbanda quanto na católica. Ainda que as crenças sejam diferentes, o objetivo das orações é o mesmo, principalmente no que se refere à saúde e estudo de crianças. Dentre as muitas entidades que são recebidas pelos médiuns das correntes nos inúmeros terreiros de umbanda, citam-se como exemplos os Caboclos e Pretos Velhos que são considerados as entidades mais cheias de luz espiritual e sabedoria. Diante disso, pode-se dizer que é através delas que a umbanda se caracteriza por ser uma religião com forte relação com o meio natural (água, terra, mata, entre outros), seguindo muitos ensinamentos ligados à natureza. Essa ligação com a natureza é consequência dos rituais e práticas que os negros realizavam em matas fechadas. Como exemplo, pode-se citar os Quilombos, os quais se caracterizavam como refúgios e locais de proteção. Nesses lugares, eles canalizavam as forças de seus antepassados e, também, de antigos índios guerreiros como forma de manifestação ao meio sagrado. Retiravam da vegetação, plantas e ervas capazes de realizar rituais de limpeza espiritual e também do local onde viviam. 34 MATriZES RELiGioSAS Esses rituais que reúnem antepassados e espíritos indígenas, juntamente com santos católicos, atingem a fronteira do sagrado e do profano. Precisam, assim, de um espaço adequado para acontecer e manter a linha misteriosa característica dessa manifestação religiosa. A defi nição de um culto é fornecida pela fé e integridade dos médiuns que participam da corrente. O mais importante, neste caso, é a conexão espiritual de cada participante nos rituais. Desde o início mostra-se alguns dados do censo de 2010, mas o que é preciso observar, no caso das religiões afro-brasileiras, é que o censo oferece números subestimados de praticantes e adeptos. Possivelmente, isso se deve às circunstâncias históricas nas quais essas religiões se constituíram no Brasil e ao seu caráter “sincrético” que lhe é atribuído. Prandi (2013, p. 16) ressalta: As religiões afro-brasileiras mais antigas foram formadas no século XIX, quando o catolicismo era a única religião tolerada no País e a fonte básica de legitimidade social. Para se viver no Brasil, mesmo sendo escravo, e principalmente depois, sendo negro livre, era indispensável antes de mais nada ser católico. Por isso, os negros que recriaram no Brasil as religiões africanas dos orixás, voduns e inquices se diziam católicos e se comportavam como tais. Além dos rituais de seu ancestrais, frequentavam também os ritos católicos. Continuaram sendo e se dizendo católicos, mesmo com o advento da República, quando o catolicismo perdeu a condição de religião ofi cial. Essa ideia de Prandi (2013), um dos principais pesquisadores dessa temática atualmente, traz fortemente a ideia do sincretismo religioso. O processo de hibridismo cultural fez com que os negros que no Brasil chegaram, tivessem confrontos com seus senhores relacionados a sua crença. Nascimento (2014, p. 30) comenta sobre isso: Nos anos que precedem a abolição da escravatura, não era permitida a prática de outra religião sem ser a católica. A população que não se identifi cava com a mesma, era proibida de revelar suas crenças, uma vez que o sistema racista e conservador da época não aceitava. Com isto, muitas pessoas praticavam a religião umbanda ocultamente, sem expor manifestações que poderiam comprometer seu convívio social. No geral, as religiões afro, nesse período de colonização e mais tarde, no imperial, eram taxadas de crença demoníaca, ou ainda, que cultuavam entidades demoníacas. Para Silva (2007, p. 23-24), as religiões afro: [...] foram perseguidas pela Igreja Católica ao longo de quatro séculos, pelo Estado republicano, sobretudo na primeira metade do século XX, quando este se valeu de órgãos de repressão policial e de serviços de controle social e higiene mental, e, fi nalmente, pelas elites sociais num misto de desprezo e fascínio 35 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 pelo exotismo que sempre esteve associado às manifestações culturais dos africanos e seus descendentes no Brasil. Essa ideia perpassa até os dias de hoje em algumas religiões e crenças, porém, com as inúmeras pesquisas que têm destacado essas religiosidades no espaço, abriu-se uma forma de desconstruir mitos que eram atribuídos a elas. Segundo Previtalli (2013, p. 24), a partir do século XX: O trânsito religioso proporcionou mudanças no quadro das religiões brasileiras. O Brasil deixou de ser um país unicamente católico, pois a concorrência religiosa acarretou o crescimento dos pentecostais e dos umbandistas, nas classes populares, e dos espíritas, nas classes médias. Na disputa pelo mercado de bens simbólicos, a umbanda procurava se fi rmar na cidade, e passou a se organizar em federações e associações contra a perseguição policial, da Igreja Católica e os noticiários pejorativos dos jornais. Nesse período, o cenário religioso do Brasil passa a integrar outras religiosidades que, consequentemente, acabaram caindo no modismo da sociedade, principalmente da classe média, pois a umbanda já estava sendo cultuada como uma forma diferenciada daquelas que os negros cultuavam anos antes. A partir da década de 1950 as perseguições às religiões afro-brasileiras diminuíram e a umbanda passou a ser seguida por uma parte signifi cativa da classe média carioca. Na década de 1960, as religiões afro-brasileiras passaram a ser celebradas pela elite branca (NASCIMENTO, 2014). Bastide (1971, p. 439- 440) argumenta sobre a afi rmação da religião umbandista salientando que: Ora, o sucesso dessa nova seita, a primeira no Rio, em seguida nos outros Estados do Brasil – Minas, Rio Grande do Sul, São Paulo, Recife - Prova que ela correspondia à nova mentalidade do negro mais evoluído, em ascensão social, que compreendia que a macumba o rebaixava aos olhares dos brancos, mas que, entretanto não queria abandonar completamente a tradição africana. Umbanda é uma valorização da macumba através do espiritismo. E o ingresso de brancos em seu seio, trazendo com eles restos de leituras mal dirigidas, de fi lósofos, de teósofos, de ocultistas, não podia senão ajudar essa valorização. Pelo menos, em certa medida. Até o momento no qual a valorização se transforma em traição, na qual a origem africana de Umbanda é esquecida. Pois existem uma valorização negra e uma valorização branca que se cruzam, como veremos, por causa desse duplo contingente de adeptos: o de cor e o de origem europeia. A luta racial prosseguirá ainda, sob a forma mais sutil, é verdade, e mais disfarçada. Bastide, com essas afi rmações de 1971, em que o cenário político e socioeconômico do Brasil já havia sofrido um grande salto, continua coerente com a situação atual. A luta das religiões afro-brasileiras para se manter diante 36 MATriZES RELiGioSAS de outras religiões hegemônicas é constante. Em algum momento deste texto especifi cou-se que existe um movimento de resistência e permanência de terreiros de cultos afros no espaço urbano. Isso é uma forte tendência, visto que esse fato também foi condicionado desde que a religião passa a ser parte de espaços subalternos. Bastide (1971, p. 72) conta: [...] diante do modesto altar católico erguido contra o muro da senzala, à luz tremula das velas os negros podiam dançar impudentemente suas danças religiosas e tribais. O branco imaginava que eles dançavam em homenagem à Virgem ou aos santos; na realidade, a Virgem e os santos não passavam de disfarces e os passos dos bailados rituais cujo signifi cado escapava aos senhores, traçavam sobre o chão de terra batida os mitos dos Orixás ou dos voduns […]. Uma das principais diferenças de algumas religiões é que o espaço sagrado nas crenças afro podeser todos os lugares: uma rua, uma mata, um riacho, o mar, uma pedreira e até mesmo o cemitério. Questionamento: Há uma desconstrução do que é espaço profano aqui. O que é espaço profano para as religiões de origem afro? Será que existe o profano ou ele está imbricado no sagrado? Sem dúvidas (e com elas também), essa questão exige um aprofundamento teórico e conceitual da qual ainda não é possível trazer aqui, mas fi ca o momento de refl exão. Retomando para o momento atual, o Gráfi co 11 demonstra as religiosidades afros no Brasil: 37 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 GRÁFICO 11 – RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA E AFRO-BRASILEIRAS NO BRASIL FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Separadas pelas grandes regiões, percebe-se que a umbanda e candomblé, juntas, lideram em todas elas. Isso se dá pelo fato de os praticantes serem adeptos tanto de uma quanto de outra, que não as diferenciam de fato. Porém, sabe-se que elas são diferentes. É um trabalho difícil de contextualização, e isso fi ca evidente a cada terreiro que se passa, pois cada um tem um jeito particular de realizar os cultos. Um dia pode ser culto de umbanda, outro de candomblé, poucos são os que conseguem trabalhar apenas com um seguimento. Em segundo lugar, aparece a umbanda com certa expressividade no gráfi co, e isso remete ao “abrancamento”, pois a própria religião umbandista carrega em si, fundamentos de uma umbanda branca, original e real. Como ela, possivelmente, é a mais aceita por parte da sociedade, pode ser uma maneira de evitar a intolerância e preconceito de outras crenças hegemônicas. Além disso tudo, o espaço do terreiro tende a ser aberto a diferentes expressões de gênero e sexualidades, ocasionando, assim, uma abertura maior a grupos que fi cam às margens da sociedade heterogênea. 38 MATriZES RELiGioSAS O livro sugerido apresenta a maior coleção de mitos iorubanos e afro-americanos já publicada até hoje no Brasil. É um trabalho que envolveu o autor dez anos de pesquisa bibliográfi ca sobre a temática: PRANDI, Reginaldo. Mitologia dos Orixás. São Paulo, Companhia das Letras, 2001. Sobre o Candomblé, atualmente, ele tem se colocado em destaque, uma vez que muitos grupos religiosos estão resgatando particularidades da cultura africana para os cultos originários. Segundo Prandi (1991), no seu processo de transformação em religião universal, isto é, religião que se oferece para todos, o candomblé conheceu o que os sociólogos chamam de movimento de africanização, que implica certas reformas de orientação fortemente intelectual, como o reaprendizado das línguas africanas esquecidas ao longo de um século, a recuperação da mitologia dos deuses africanos, que em parte também se perdeu nesses anos todos de Brasil, e a restauração de cerimoniais africanos. Prandi (2003, p. 22) ainda destaca: Um elemento importante do movimento de africanização do candomblé e sua constituição como religião autônoma inserida no mercado religioso é o processo de dessincretização, com o abandono de símbolos, práticas e crenças de origem católica. É a descatolização do candomblé, que se descentra do catolicismo e se assume como religião autônoma. Dessa forma, pode-se dizer que o resgate da cultura está em evidência, justamente para dar maior valor a uma religião que também perde um pouco da sua essência dentro do fenômeno do hibridismo cultural. As afro-brasileiras contornam uma possibilidade muito maior de aceitação do que as de matriz africana, pois como se viu anteriormente, ela congrega em seus cultos, grande parte das imagens do catolicismo e parte do espiritismo. Para exemplifi car este fato, se traz a imagem de Nossa Senhora dos Navegantes no catolicismo, que na religião umbandista é a mesma entidade denominada Iemanjá. Segue Quadro 1, que demonstra: 39 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 QUADRO 1 – “SINCRETIZAÇÃO” DAS ENTIDADES DE RELIGIÕES AFRO-BRASILEIRAS COM AS DA RELIGIÃO CATÓLICA RELIGIÃO CATÓLICA RELIGIÃO UMBANDA São Jorge Ogum Nossa Senhora dos Navegantes Iemanjá Nossa Senhora da Conceição Oxum Santa Bárbara Iansã São Jerônimo Xangô FONTE: A autora O sincretismo religioso no geral é objeto de estudo principal de teólogos, pois abrange uma estrutura de diferentes formas de entendimento sobre as religiões. De certo modo, essa preocupação tende a aumentar em diferentes pesquisadores e estudiosos, por exemplo, os geógrafos, que veem na própria manifestação religiosa no espaço, uma reorganização espacial que confronta interseccionalidades resultantes da própria constituição da sociedade brasileira. São temáticas associadas, principalmente, por uma questão socioeconômica e política. As religiões fazem esse vínculo importante para estabelecer algumas normas que ajudam na sua disseminação e espacialização. Considerando todo o contexto histórico e social das principais matrizes religiosas no Brasil, percebe-se que a própria construção da sociedade foi e é baseada nos fundamentalismos religiosos. Esse processo recorre diante do espaço-tempo, possibilitando norteamentos das pessoas em seus cotidianos bem como uma estrutura social de diferentes sociabilidades. Encerra-se esse primeiro capítulo com a ideia de conhecimento de diferentes religiosidades, hegemônicas e não hegemônicas em paralelo à formação territorial brasileira, de uma visão diferente do habitual. Para conhecer alguns estudos específi cos sobre as matrizes religiosas e suas vertentes, indicamos o site da Revista de Estudos da Religião (REVER), do programa de Pós-graduação em Ciência da Religião da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo: https:// revistas.pucsp.br/index.php/rever. 40 MATriZES RELiGioSAS 1) Religião e religiosidade muitas vezes são conhecidas por serem sinônimos. Com base no capítulo, defi na o que você entende sobre os dois termos e faça um paralelo com seus signifi cados. 2) Pensando em termos políticos, econômicos e culturais, qual a razão da existência de religiões? 3) O que é espaço sagrado e espaço profano? Qual a relação entre esses conceitos com religiões diferentes (o catolicismo e a umbanda, por exemplo)? 4) No Brasil, há o “Mito das três raças”, desenvolvido tanto pelo antropólogo Darcy Ribeiro como pelo senso comum, em que a cultura e a sociedade brasileiras foram constituídas a partir das infl uências culturais das “três raças”: europeia, africana e indígena. Coloque V para verdadeiro ou F para as falsas nas alternativas a seguir e justifi que as falsas: a) ( ) De modo geral, as sociedades contemporâneas são o resultado de um longo processo de miscigenação de suas populações, cuja intensidade variou ao longo do tempo e do espaço. b) ( ) O conceito “miscigenação” pode ser defi nido como o processo resultante da mistura a partir de casamentos ou coabitação de um homem e uma mulher de etnias diferentes. c) ( ) Na atualidade existem sociedades ou grupo social que não possua a mistura de etnias diferentes. d) ( ) O “mito das três raças” é criticado por ser considerado uma visão simplista e do processo colonizador brasileiro. 5) Analise a imagem a seguir e faça uma refl exão dissertativa acerca da(o): a) Intolerância Religiosa b) Mito das três raças 41 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 FIGURA – INTOLERÊNCIA RELIGIOSA FONTE: <https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/intolerancia- religiosa.htm>. Acesso em: 19 jan. 2021. 6) O povo brasileiro, é formado por três grandes raças – negra, branca e indígena – e três culturas – africana, europeia e indígena americana. Essa formação multirracial e multicultural constituiu, nas palavras de Darcy Ribeiro, um povo sui generis, singular, até então inexistente em outras partes. A formação multirracial e __________ do povo brasileiro acarretou a construção de um mito, considerado fundador da __________ brasileira: o mito da democracia __________. Assinale a alternativa que completa corretamentea frase. a) ( ) Multicultural, nacionalidade, cultural. b) ( ) Multicultural, nacionalidade, racial. c) ( ) Multicultural, democracia, racial. d) ( ) Multicultural, identidade, cultural. e) ( ) Multicultural, identidade, racial. 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES O capítulo sobre as principais matrizes religiosas do Brasil abarcou uma gama de informações de cunho qualitativo que trouxe uma linha narrativa de interpretação em diferentes áreas do conhecimento científi co: história, geografi a, literatura, antropologia, ciências sociais etc. Falar sobre a religiosidade de um modo geral não é uma tarefa fácil, pois compreende o conjunto de crenças e práticas sociais relacionadas à noção de sagrado, que só é experienciado e vivido por cada indivíduo. 42 MATriZES RELiGioSAS A partir da leitura de textos historiográfi cos como os referenciados no capítulo, estas páginas propõem uma refl exão teórico-metodológica sobre o fazer histórico relacionado aos fatos religiosos. Em um primeiro momento foi proposta uma revisão do campo historiográfi co, sobre as quatro principais matrizes religiosas do Brasil, descrevendo o caminho que os estudos do campo religioso seguiram ao longo do tempo até chegar à proposta da história cultural das religiões, para só posteriormente analisar alguns apontamentos desse campo. Questionamentos acerca do mito das três raças é uma forma de desconstruir inúmeras ideias sobre a formação cultural brasileira, podendo ser estendida para estudos da organização espacial do Brasil. Deixando de lado o juízo de valor, que é imprescindível nos estudos de religião, considerando os apontamentos da história cultural é possível compreender que os próprios signifi cados dos conceitos das religiões variam de acordo com o binômio espaço/tempo. Essas conclusões estão longe de determinar que a história das religiões não deve levar em consideração uma análise comparativa das religiosidades, pelo contrário, os estudos reforçam a necessidade da comparação quando o historiador se debruça sobre as práticas religiosas. A comparação enriquece a pesquisa na medida em que permite a percepção de semelhanças e diferenças entre as práticas religiosas, auxiliando o historiador a compreender os hibridismos que ocorrem entre essas práticas, facilitando o trabalho de percepção da construção das representações bem como das apropriações dessas religiosidades. A partir de estudos que focam o contato entre povos distintos, os pesquisadores têm procurado esclarecer os códigos de comunicação que foram construídos ao longo dos discursos. Fecha-se esse primeiro capítulo com a ideia de conhecimento sobre os aspectos estruturantes das diferentes religiões a partir de exemplifi cações diante do espaço-tempo em que elas aconteceram/acontecem. É possível sair dessas páginas analisando as tradições religiosas e o campo da cultura intrínsecas às questões políticas e econômicas. REFERÊNCIAS BASTIDE, R. As Religiões Africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações. Primeiro e segundo volume. São Paulo: Pioneira: Ed. da Universidade de São Paulo, 1971. EISENBERG, J. As missões jesuíticas e o pensamento político moderno. Encontros culturais, aventuras teóricas. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. 43 AS QUATRO MATRIZES RELIGIOSAS Capítulo 1 ELIADE, M. O xamanismo e as técnicas arcaicas do êxtase. São Paulo: Martins Fontes, 1998. ELIADE, M. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 191 p. ELIADE, M. Imagens e símbolos. São Paulo: Martins Fontes, 1991. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE, 2020. LADOUCEUR, M. Índios e negros na geografi a brasileira. 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Geografi a da Religião: as manifestações da umbanda em Santa Maria/RS. 2014. Trabalho de Conclusão de Curso (Geografi a Bacharelado) Curso de Geografi a, Universidade Federal de Santa Maria. Santa Maria, 2014. 85 f. PRANDI, R. As religiões afro-brasileiras e seus seguidores. In: Civitas, Revista de Ciências Sociais, Porto Alegre, v. 3, n. 1, p. 15-33, jun. 2003. PRANDI, R. Os candomblés de São Paulo. São Paulo: Hucitec, 1991. 44 MATriZES RELiGioSAS PREVITALLI, I. M. Refl exões sobre hibridismo, sincretismo e tradução no candomblé angola paulista. Ponto & Vírgula, p. 21-40, 2013. RATTS, A. Geografi a, relações étnico-raciais e educação: a dimensão espacial das políticas de ação afi rmativa no ensino. Terra Livre, São Paulo, v. 1, n. 34, p. 125-140, jan./jun. 2010. REIS, J. J. A presença negra: encontros e confl itos. In: Instituto Brasileiro de Geografi a e Estatística. Brasil: 500 anos de povoamento. Rio de Janeiro, 2000. ROSENDAHL, Z. Espaço e religião: uma abordagem geográfi ca. 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CAPÍTULO 2 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • conhecer a historiografi a das religiões por diferentes autores, relacionando com as práticas religiosas signifi cantes nos diferentes grupos; • conhecimento sobre a heterogeneidade religiosa em diferentes aspectos, principalmente no que se refere à abordagem teórica contemporânea; • analisar o papel das religiões na estruturação e manutenção das diferentes culturas e manifestações socioculturais; • desenvolver leitura crítica sobre diferentes aspectos do conceito de religião e suas formas de adaptação às novas realidades espaciais. 46 MATriZES RELiGioSAS 47 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO A pluralidade religiosa é um fenômeno espacial que desafia a sociedade a viver de forma respeitosa com a diversidade. Pode ser considerado um novo paradigma que abre espaço às diversas cosmovisões religiosas, que por meio do diálogo e alteridade procura o entendimento, principalmente a tolerância entre os grupos religiosos. Nesta perspectiva, ressaltar a dimensão do que é a pluralidade religiosa no Brasil é dimensionar uma visão abrangente e ao mesmo tempo crítica em relação à hegemonia e heterogeneidade das religiões. O processo de contextualização sobre a religião é transcender a limitação que a própria academia instaura. Isso quer dizer que, a partir de uma visão sociológica, histórica, geográfi ca, e principalmente humanista, pretende-se com este capítulo, uma abordagem mais ampla e coerente, sem juízo de valor acerca não somente do conceitual, mas também criar uma meta narrativa capaz de suprir o entendimento do que pode ser considerado religião no espaço-tempo em que o fenômeno religioso acontece. O impacto que isso ocasiona na visão acadêmica é relevante na própria construção de novas metodologias em confl uência com autores que dimensionam proposições acerca de como e quando se deve analisar o fenômeno religioso através da pluralidade, diversidade e também multiculturalidade. Neste capítulo será ressaltado o conceito de religião em diferentes abordagens, a pluralidade religiosa e as novas religiões e o impacto que elas ocasionam no espaço social. Dessa forma, espera-se que ao fi nal da leitura do texto, desperte questionamentos e também refl exões sobre a temática. 2 A RELIGIÃO NA LITERATURA CONTEMPORÂNEA A diferenciação conceitual dos termos diversidade religiosa e pluralismo religioso está ligada à realidade religiosa diversifi cada. O debate sobre a temática permite entender a condição temporal dos sentidos. Em diferentes áreas do saber, 48 MATriZES RELiGioSAS a religião e suas divisões, desdobramentos, implicações embasam conceitos que se debruçam na abrangência cultural e religiosa. Neste sentido, abre-se este capítulo com a diferenciação. A Unesco (2002, p. 7) considera: A diversidade cultural [...] refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. Tais expressões são transmitidas entre e dentro dos grupos e sociedades. A diversidade cultural se manifesta não apenas nas variadas formas pelas quais se expressa, se enriquece e se transmite o patrimônio cultural da humanidade mediante a variedade das expressões culturais, mas também através dos diversos modos de criação, produção, difusão, distribuição e fruição das expressões culturais, quaisquer que sejam os meios e tecnologias empregados. Pode-se trazer esse conceito para a realidade do texto, que é a diversidade religiosa. Ela entra como um código cultural imaterial, pois abrange inúmeras formas como a fé, a manifestação do sagrado e a própria imaterialidade no espaço social. Já considerando a questão da pluralidade, Klinger (2010, p. 21) destaca: O mais interessante, o mais importante, o mais discutido e também o menos esclarecido mote dessa teologia é seu próprio conceito-título – o pluralismo. É usado tanto substantiva quanto adjetivamente. Signifi ca a multiplicidade atual das religiões com a qual temos de lidar, mas ao mesmo tempo a interpretação dessa multiplicidade na teologia. Trata-se de sua legitimidade, não apenas de sua existência real. O pluralismo religioso em paralelo com o multiculturalismo possui dimensões comuns para uma análise do reconhecimento e valoração da diversidade em si mesma e da diversidade religiosa, em específi co. Enquanto o pluralismo religioso parte de uma análise da religião para favorecer a diversidade religiosa, o multiculturalismo leva em consideração a cultura para reconhecer a diversidade cultural. Isso é importante na compreensão da atual confi guração espacial. Oliveira (2015, p. 79) ressalta: O multiculturalismo é a teoria do reconhecimento do outro e luta contra todas as formas de homogeneização. Como cultura e religião estão interligados, entende-se também que multiculturalismo está para o pluralismo religioso como religião está para a cultura. O pluralismo religioso se entende como uma forma de resistência ao processo de homogeneização e universalização por parte de uma determinada religião e chama a atenção para os aspectos da multiplicidade, da diversidade e da validade das experiências religiosas de outros povos e culturas. 49 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 Defi nidos esses conceitos importantes, destaca-se que o principal objetivo deste tópico do Capítulo 2 é ressaltar o conceito de religião, destacando autores e pensadores contemporâneos, relacionando com os estudos acadêmicos que têm partindo de diversas abordagens, tanto dentro das próprias ciências das religiões, quanto nas demais ciências que trazem o fenômeno religioso enquanto um fenômeno espacial, passível de análise em diferentes perspectivas. Na visão acadêmica, o conceito de religião pode ser comum e óbvio, porém, ele traz uma bagagem muito maior de abrangência do que se imagina. Ele parece simples, mas quando se aprofunda, logo se depara com inquietações que se estendem por diversas especifi cações, principalmente na construção do saber. Dependendo da ciência que se atrela o conceito, há diferentes perspectivas teóricas e metodológicas de se analisar o fenômeno religioso. Camurça (2008, p. 61) já destaca: Desta forma, postulo então, outra perspectiva para as Ciências da Religião, em que as disciplinas das Ciências Humanas que as compõem seriam resguardadas no exercício pleno de sua autonomia teórico-metodológica, em torno de uma área (inter) disciplinar na qual o interesse comum dessas ciências seria a religião como tema. EXTRA EXTRA!! Existem muitas considerações acerca dessa temática, principalmente por pensadores e estudiosos clássicos, resumidos com suas ideias a seguir: • Karl Marx (1818 -1883) faz uma relação da religião com a alienação. • Émile Durkheim (1858 – 1917) fala que a sociedade é criadora da religião. • Max Weber (1864 – 1920), onde defendia a religião como sistema sociocultural. • Sigmund Freud (1856 – 1939), com suas análises dentro da psicanálise, onde ressalta a religião como uma neurose. • Mircea Eliade (1907 – 1986) que se baseava no universalismo do elemento religioso. 50 MATriZES RELiGioSAS Não é novidade que diversas ciências humanas, como a História, Geografi a e Sociologia caminham lado a lado em estudos acadêmicos, no entanto, para compreender melhor o processo de interpretação das mesmas sobre religião, deve-se considerar todas em suas análises. Religião é uma prática social desde que a Filosofi a se torna mãe das ciências. Religião em seu primeiro conceito adotado por uma abordagem cultural, em poucas e reduzas palavras, é norteamento do homem no mundo. Resgatando as considerações de Pieper (2019, p. 8): Para o senso comum, uma desconfi ança em relação ao conceito religião parece até mesmo desprovida de sentido. É usual a suspeita com relação à religião. Mas, não sobre o conceito de religião. Afi nal, todos sabemos o que é religião; todos temos uma resposta pronta para a pergunta sobre o que é religião. Não possuímos apenas uma resposta teórica, mas conseguimos identifi cá-la ao redor, diferenciando religião de outras esferas sociais, como a política, a economia, a estética, etc. Alguns se empenham, por exemplo, em mostrar o caráter opressivo e violento da religião; outros defendem a radical separação entre política e religião. Ora, para afi rmar uma separação entre essas duas instâncias, é preciso que elas estejam bem delimitadas. Inclusive os cursos reconhecidos por instâncias competentes e que se ocupam desse objeto organizam congressos, conferências, debates sobre esse tema: a religião. Nos parece fácil a compreensão, mas quando se relativiza a religião como sendouma prática social, a perspectiva predominante muda de direção. Para iniciar essa experiência, mapeia-se autores importantes na construção dessa meta narrativa sobre o conceito de religião e suas relações com os sistemas (social, histórico, político, econômico e cultural) e com eles deve-se criar um aporte teórico e também metodológico que interliga as abordagens e práxis de tais. Diante disto, o que pode ser considerado conceito de religião? Para abrir essa discussão, com base no que se viu no capítulo sobre as quatro matrizes religiosas no Brasil, pode-se dizer que há muitas metas narrativas a cerca desse conceito, principalmente quando se fala em religiosidades no plural. Porém, é imprescindível dividir (com o leitor) aqui, alguns conceitos importantes como referencial teórico e bibliográfi co, começando com as considerações de Hanegraaff (2017, p. 205): É possível defi nir religião, apesar do fato da pesquisa histórica e empírica detalhada parecer minar qualquer tentativa de fazer declarações “de aplicação geral”, “universais”, sobre religião ou fenômenos religiosos – para não mencionar a ideia ainda mais problemática de transcender o relativismo, formulando “leis universais” de evolução religiosa, revelando a função da religião na sociedade humana, ou a descoberta de uma “unidade transcendente das religiões” (grifo do autor). 51 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 A citação acima traz a ideia de que conceituar religião é muito mais difícil do que se pensa, considerando as suas pluralidades e diversidades, até porque, segundo Eliade (1989, p. 20-22): Um dado religioso revela seu sentido mais profundo quando é considerado no seu plano de referência e não quando é reduzido a um dos seus aspectos secundários ou aos seus contextos [...]. Isto não signifi ca, evidentemente, que um fenômeno religioso possa ser compreendido fora de sua ‘história’, isto é, fora dos seus contextos culturais e socioeconômicos. Um dado religioso ‘puro’, fora da história, é coisa que não existe, pois não existe um dado humano que não seja ao mesmo tempo um dado histórico. Com base nisso, tentar aproximar conceitos e complementar com teorias da vertente cultural e humanista, talvez ajude em uma compreensão melhor do que é e como se dá o fenômeno religioso a partir de suas interpretações. No entanto, vale destacar algumas metas narrativas de autores que dedicaram parte de seus estudos acadêmicos, analisando as variadas religiões no mundo, contextualizando principalmente com os momentos históricos, econômicos e também políticos da sociedade. Ressalta-se a abordagem da tese de Geertz (2008, p. 67), tornada explícita pelo próprio, em que religião é: [...] (1) um sistema de símbolos que atua para (2) estabelecer poderosas, penetrantes e duradouras disposições e motivações nos homens através da (3) formulação de conceitos de uma ordem de existência geral e (4) vestindo essas concepções com tal aura de fatualidade que (5) as disposições e motivações parecem singularmente realistas. Para o autor, a religião desempenha uma função social, devendo “servir, tanto para o indivíduo como para um grupo” (GEERTZ, 2008, p. 90). A partir de suas funções culturais – a saber, modelo da atitude e modelo para a atitude (grifos do próprio autor) – estabelecem-se, em decorrência, as funções sociais e psicológicas da religião (GEERTZ, 2008). Pieper (2019, p. 15) esclarece: Uma possibilidade de esclarecimento, que considero mais plausível, nos leva a considerar como a modernidade se constitui. Um de seus traços que traz profundo impacto para o entendimento da religião é a organização da vida em esferas sociais autônomas. Grosso modo, com o advento da modernidade, o dossel sagrado não se mostra mais como aquela instância que articula e organiza a vida social. Em seu lugar, há a lógica da racionalização que, com sua especialização 52 MATriZES RELiGioSAS e burocratização, conduz à concepção de sociedade a partir da diferenciação das esferas sociais. Em outras palavras, se antes da modernidade o sagrado se colocava como agente regulador, agora surgem esferas especializadas, cada qual com seu modo de legitimação próprias. Nesse movimento, o que será chamado de religião deixa de ser referência última para se tornar uma esfera ao lado de outras. Bataille (2015) vai trazer uma teoria da religião, considerando que a própria humanidade criou o mundo profano. Mas antes de continuar, é importante retomar o conceito do que é Espaço Sagrado e Espaço Profano, para ter compreensão sobre a teoria da religião que será tratado daqui até a entrada para o próximo tópico. Incialmente, considera-se uma defi nição sociológica de profano e sagrado. Neste sentido, Durkheim (1996, p. 50), ressalta: Todas as crenças religiosas conhecidas, sejam elas simples ou complexas, apresentam uma característica comum: elas supõem uma classifi cação das coisas reais e ideais que representam o homem em duas classes, em dois gêneros opostos, geralmente designados por dois termos distintos que são bem traduzidos pelas palavras profano e sagrado. E mais além, ele distingue sagrado e profano: As coisas sagradas são aquelas isoladas e protegidas pela proibição; as coisas profanas são aquelas às quais essas proibições se aplicam e que devem fi car distantes das primeiras. As crenças religiosas são representações que expressam a natureza das coisas sagradas e as relações que essas implicam umas às outras ou entre elas e as cosias profanas. E, enfi m, os ritos são regras de comportamento que determinam como o homem deve se comportar com as coisas sagradas (DURKHEIM, 1996, p. 56). Essa distinção sobre profano e sagrado, interessa aqui. No entanto, deve- se considerar o espaço sagrado, agora com defi nições geográfi cas. Rosendahl (1996, p. 30-31), então, conceitua: O espaço sagrado é um campo de forças e de valores que eleva o homem religioso acima de si mesmo, que o transporta para um meio distinto daquele no qual transcorre sua existência. É por meio dos símbolos, dos mitos e dos ritos que o sagrado exerce sua função de mediação entre o homem e a divindade. É o espaço sagrado, enquanto expressão do sagrado, que possibilita ao homem entrar em contato com a realidade transcendente chamada deuses, nas religiões politeístas, e Deus, nas monoteístas. [...] A estrutura do espaço sagrado implica também a ideia da repetição da hierofania primordial que consagra o espaço, e assim, transfi gura-o singulariza-o e isola-o do espaço profano. 53 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 E sobre espaço profano, considera-se o entendimento de Eliade (1992, p. 27-28): A experiência profana, ao contrário [do sagrado] mantém a homogeneidade e, portanto, a relatividade do espaço. Já não é possível nenhuma verdadeira orientação, porque o “ponto fi xo” já não goza de um estatuto ontológico único; aparece e desaparece segundo as necessidades diárias. A bem dizer, já não há “Mundo”, há apenas fragmentos de um universo fragmentado, massa amorfa de uma infi nidade de “lugares” mais ou menos neutros onde o homem se move, forçado pelas obrigações de toda existência integrada numa sociedade industrial (grifo do autor). Ainda que não adentre de fato a temática da religião propriamente dita, esses conceitos sobre sagrado e profano permite ter uma visão ampla sobre as religiões, e vieram no começo deste capítulo, pois se falará em sagrado e profano daqui adiante. Como se viu no capítulo anterior, a priori, esses conceitos defi nem uma igreja como espaço sagrado, e o que a circunda, fora dela, como sendo espaço profano, por exemplo. Analisa também que o homem que se considera religioso, necessita participar desse ritual que concretiza o espaço como sendo sagrado. Dessa forma, a institucionalizaçãodo espaço sagrado é realizada e fundamentada nos valores do próprio homem. Bataille (2015, p. 47) diz que a religião resulta da “busca da intimidade perdida”. E vai mais além ao relacionar religião e consciência: A religião, cuja essência é a busca da intimidade perdida, se resumiu ao esforço da consciência clara que quer ser inteiramente consciência de si: mas esse esforço é vão, já que a consciência da intimidade só é possível no nível em que a consciência não é mais uma operação cujo resultado implica a duração, ou seja, no nível em que a clareza, que é o efeito da duração, não é mais nada (BATAILLE, 2015, p. 47). Percebe-se que a religião está associada à consciência do que o ser humano quer em relação a sua posição no mundo. No entanto, podemos considerar também que essa relação pode ter rupturas, pois quando se perde a consciência de algo, se está fadado à alienação. E isso implica no nível de clareza que se vê ou se conscientiza de algo. Nem sempre o que está à frente é o que parece ser. Segundo o autor, assim acontece com a religião. A busca pelas particularidades perdidas ou ausentes deixou a sociedade fragmentada e susceptível a armadilhas de representação do que é real ou não. Aqui a consciência já não é mais clara e distinta. Para Lambert (2012, p.87): 54 MATriZES RELiGioSAS Uma organização que supõe, no fundamento da realidade empírica, uma realidade supraempírica (Deus, deuses, espírito, alma...) com a qual é possível comunicar-se por meios simbólicos (preces, ritos, meditações, etc.) de modo a procurar um domínio e uma realização que ultrapassam os limites da realidade objetiva. Até aqui, viu-se alguns conceitos sobre como a religião se volta na produção do espaço, bem como a propõem enquanto fenômeno espacial. A partir daqui se verá uma meta narrativa voltada para a religião no contexto capitalista, industrial e político. Acredita-se que desta forma é possível realizar uma contextualização da historiografi a da religião diante dos processos sociais em diferentes espaço- tempos. Através disto, inicia-se com Bataille (2015, p. 68), que traz que “a busca milenar pela intimidade perdida é abandonada pela humanidade produtiva”. A problematização aqui referida, é sobre os aspectos do crescimento industrial, pois nesse período histórico “[...] o homem se afasta de si mesmo mais do que nunca” (BATAILLE, 2015, p. 68). Ressalta-se, então, que a religião pode ser compreendida como algo político e capitalista. As ciências sociais se preocupam em traçar linhas narrativas que embasem a religião como um dos pilares desse dualismo. Mesmo que ocultamente, a religião pode ser a grande manifestadora da atual confi guração da sociedade; isto com a ajuda de uma rede de interesses e interações advindas de um processo político e cultural de uma sociedade moderna. Diante disto, segundo Moreira (2018, p. 4): Para analisar esse panorama religioso sem precedentes, novas ferramentas são necessárias tanto em nível conceitual quanto metodológico. A diversidade religiosa na verdade obriga os cientistas sociais da religião, bem como os teólogos, a apresentarem novas abordagens teóricas e métodos de análise. A transição da diversidade religiosa para o pluralismo religioso é um dos desafi os mais importantes que reformularão o papel da religião na sociedade contemporânea. Essa transição obrigará as ciências sociais da religião e da teologia a reconsiderarem muitas das noções, termos e ferramentas analíticas que tomam como certas. Nos livros de História sempre se vê a igreja, ou o cristianismo, em forte evidência. Isso implica muito o conhecimento sobre como a religião se expandiu no mundo. Ainda que existam religiões milenares, como o Judaísmo, ou até mesmo as religiões africanas, o Cristianismo era predominante. Até os dias de hoje, as cristãs em sua totalidade, são predominantes. 55 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 As ciências sociais vão questionar esses fundamentos e dogmas de uma forma científi ca e conceitual. O homem é posto em evidência e grande formatador dessa confi guração religiosa. Assim como no cenário político, a religião é a principal infl uenciadora da sociedade moderna. Isso por que ela é quem cria e dita regras, e a política se apropria das mesmas para se fortalecer diante de uma sociedade formada e praticante religiosamente. A ideia de uma religião doutrinadora é conservada mesmo diante do termo “novo”. Isso por que na realidade, o condicionamento religioso, principalmente referente ao “estilo de vida, é um, ainda que só um, dos fatores da ética econômica” (WEBER, 2015, p. 10). Indo mais além sobre essa questão: A expressão “ética econômica” alude às tendências práticas à ação que se baseiam no nível psicológico e pragmático das religiões. [...] A religião nunca determina de modo exclusivo uma ética econômica. Certamente, uma ética econômica tem uma grande autonomia a respeito das atitudes do homem perante o mundo, condicionadas por elementos religiosos ou outros elementos internos. Determinados fatores geográfi cos, históricos e econômicos condicionam muito essa economia (WEBER, 2015, p. 10). Obviamente, se pensar que a religião é apenas resultado de uma ética econômica, estas linhas iriam se reduzir aos estudos de ciência econômica e política. Mas é importante considerar essa questão de Weber, uma vez que se depende da sociologia das religiões para compreender a atual confi guração das religiões. Essa alusão que o autor fala é passível de relacionar com o espaço social. A relação intrínseca entre religião, política e sociedade, dá uma outra alternativa de como direcionar as análises sobre a prática social religiosa de determinados grupos, ou a predominância de crenças. E isso pode ser visto, nas palavras de Weber (2015, p. 12) quando diz que: Por mais decisivas que sejam as infl uências sociais, econômicas e políticas sobre a ética religiosa, em um caso específi co, adquire essencialmente sua peculiaridade a partir de fontes religiosas e, primordialmente, do sentido de sua pregação e de sua promessa. Com frequência, essas pregações e promessas já são reinterpretadas pela geração seguinte. As reinterpretações adaptam a doutrina às necessidades da comunidade religiosa. Quando isso ocorre, o comum é que as doutrinas religiosas sejam adaptadas às necessidades religiosas. Weber abre uma gama de análises acerca dessa discussão sobre interpretações e reinterpretações religiosas. De início, pode-se considerar que a religião é dialética; primeiro por relacionar o trinômio socio-político- econômico; segundo porque a ideia dinâmica se refere também às interpretações simbólicas passadas de geração a geração, remetendo a ideia de religião cultural 56 MATriZES RELiGioSAS (simbologias, crenças, saberes contínuos, estilo de vida norteado pelas bases religiosas). Importante dar ênfase às duas ideias, pois considera-se a religião tanto como parte de uma cultura, como uma prática social que confi gura e reconfi gura espaços (fechados e abertos) a diferentes expressões paradoxais referentes ao trinômio socio-político-econômico. É uma maneira inteiramente subjetiva do modo de agir em grupo e por consequência, seria necessário estudar as condições e os implicações de tal condicionamento. Cabe ressaltar, dando continuidade, que o poder religioso se exerce de um modo perspicaz, pois a pessoa sempre é remetida a sua própria visão das coisas, mesmo se as práticas aplicadas são codifi cadas (WILLAIME, 2012). Para Durkheim (1996, p. 30): A função da religião é fazer-nos agir, é auxiliar-nos a viver. O fi el que se comunicou com Deus não é apenas um homem que vê novas verdades que o descrente ignora; ele é um homem que pode mais. Ele sente em si mais força seja para suportar as difi culdades da existência, seja para vencê-las. Ele está como que elevado acima de sua condição de homem. Acredita ser salvo do mal sobqualquer forma. O primeiro artigo de toda a fé é a crença na salvação pela fé. A infl uência religiosa na vida das pessoas é muito mais complexa do que se parece. Ela pode segregar ou incluir grupos sociais subalternos, por exemplo. Em caráter geral, signifi ca relação social expressiva que altera e ressignifi ca padrões normativos de uma sociedade regradora. Para o espaço geográfi co, isso é infl uente, pois ele se reconfi gura de uma forma signifi cativa que dá outro sentido à organização a seguir. São outras análises, outras metodologias, outros conceitos, quiçá outros modelos sociais apresentados. Deve-se considerar Willaime (2012, p. 104) quando pontua: A religião [...] é voltada para a vida na Terra. Neste sentido, a ordem social existente é confi rmada, pois esses grupos se socializam em harmonia com os valores dominantes ao mesmo tempo que expressam certo estranhamento com relação à sociedade abrangente. Em alguns casos, um grande espaço é dado à expressão das emoções ou, ao contrário, ao seu controle racional. O autor citado denomina a religião considerando a subjetividade, espaço e relações sociais. Tudo o que as ciências humanas (Geografi a, História) perceberam a partir dos anos 1970 sobre a religião, os sociólogos perceberam um século antes. Por esse motivo, essa revisitação na Sociologia é fundamental na construção de um aporte teórico-metodológico sobre a temática dentro desta compreensão. 57 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 Uma defi nição de religião de longa data é a de Durkheim (1996, p. 65): “Uma religião é um sistema solidário de crenças e de práticas relativas às coisas sagradas, ou seja, isoladas ou proibidas, crenças e práticas que reúnem todos aqueles que aderem a tal sistema em uma mesma comunidade moral chamada Igreja”. Se considerar esse conceito atualmente, ele não favorece enquanto um conceito a ser utilizado para explicar ou tentar compreender a religião, principalmente dentro do atual contexto em que a sociedade se encontra. Ele não considera a pluralidade das religiões, o que hoje, é a principal instigação para os estudos sobre a temática. A igreja não é a única “comunidade moral” do sistema religioso. Ela é sim a materialização do sagrado, mas existem outros espaços que determinados grupos religiosos confi guram e reconhecem como sagrado. Exemplo concreto de modelo de “comunidade moral” são os terreiros de cultos afro-brasileiros. Não são considerados igrejas, mas sim, templos, casas espirituais. Outro exemplo são as igrejas “clandestinas” pentecostais e neopentecostais, que também podem ser residências. O conceito de religião deve ser abordado em uma perspectiva mais ampla e que não se limite apenas como um fator cultural, e é isso que se espera desenvolver a partir dessa obra. Para isso, reafi rma-se as palavras de Filoramo e Prandi (2010, p. 17): Para escapar do perigo do reducionismo, que priva o objeto de pesquisa de qualquer especifi cidade, e também de um idealismo essencialista, que postula desde o início a “realidade” de um objeto que a pesquisa terá a obrigação de desvelar e testemunhar, só resta percorrer uma difícil “terceira via”, trabalhando com um conceito de religião capaz de levar em conta tanto os seus aspectos funcionais quanto os específi cos. A religião, atualmente, com maior nitidez, congrega elementos políticos e econômicos, resultando na relativização de parâmetros que defi ne a necessidade de uma sociedade institucionalizada por um poder normativo e coercivo, impondo regras e utilizando a força de forma disciplinadora, porque a vida e cotidianidade das pessoas decorre do convívio e experienciações. É importante trazer essas considerações de determinados autores para que seja justifi cada a melhor forma de se analisar a religião como fenômeno no espaço, ressaltando sua importância na construção do ser social. 58 MATriZES RELiGioSAS Para complementar a leitura sobre a religião no contexto contemporâneo é interessante você conhecer as obras listadas a seguir: DURKHEIM, Émile. As formas elementares da vida religiosa. Trad. de Paulo Neves. São Paulo: Martins Fontes, 1996. ELIADE, Mircea. O sagrado e o profano: a essência das religiões. Trad. Rogério Fernandes. São Paulo: Martins Fontes, 1992. 191 p. 59 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 WEBER, Max. Sociologia das religiões. São Paulo: Ícone, 2015. MARX, F. Contribución a la crítica de la fi losofía del derecho de Hegel. In: MARX, K.; ENGELS, F. Sobre la religión. 2. ed. Salamanca: Sígueme, 1979a.p. 93-106. MARX, K. Tesis sobre Feuerbach. In: MARX, K.; ENGELS, F. Sobre la religión. 2. ed. Salamanca: Sígueme, 1979b.p. 159-161. FREUD, Sigmund. Totem e tabu. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Trabalho original publicado em 1913). 2.1 CONSEQUÊNCIAS DO PLURALISMO RELIGIOSO NO BRASIL Para iniciar este tópico, deve-se considerar que o pluralismo religioso pode ser compreendido como sendo uma condição observada em sociedades nas quais não ocorre a hegemonia de uma única religião, ou ainda, onde a hegemonia religiosa tende a desaparecer. O Brasil se encaixa nessa compreensão, visto que há grandes matrizes religiosas que compõem o fenômeno religioso no espaço. No entanto, para Teixeira e Menezes (2013, p. 25): […] não há como negar a força do referencial cristão na sociedade brasileira. Mas já se começa a perceber nele uma diversifi cação cada vez mais evidenciada. Junto com essa multiformidade interna ao campo cristão, verifi ca-se também uma pluralização religiosa cada vez maior, com visibilização crescente. 60 MATriZES RELiGioSAS Essa condição pode estar associada à democratização das sociedades no geral, que considera todos os sujeitos religiosos como legítimos. As sociedades que se tornam democráticas, reconhecem o direito à diferença dos indivíduos e grupos sociais, sendo os grupos religiosos pertencentes e reconhecidos à convivência entre as diferentes denominações. Para estes grupos, o diálogo inter- religioso – que virá no próximo capítulo – surge como uma necessidade e um desafi o ao mesmo tempo. Para Neto (2006, p. 142), pluralismo: É o modo pelo qual se percebe que cada cultura vê toda a realidade, mas parcialmente, e que se traduz numa atitude em prol de que a diversidade seja um espaço de paz e justiça. Como tal, exige mais que o simples reconhecimento, da multiplicidade, além da superação do pensamento desejoso de unidade – que não é concebida como um ideal imperioso e necessário, pois o pluralismo assume e aceita positivamente a existência de aspectos irredutíveis na cultura. Tratar o pluralismo religioso em um país democrático tende a ser menos difícil do que em países onde a religiosidade é absoluta e homogênea, como alguns países do Oriente. Ainda que as minorias religiosas sejam a base do pluralismo religioso no Brasil, elas devem ser consideradas a partir de um resultado da própria condição de povoamento brasileiro. A ideia é que a diversidade religiosa aparece na medida em que povos europeus e orientais se instalam em território brasileiro. Nesse sentido, resgata-se a síntese de Freyre (1968, p. 36- 37): No Brasil, havendo uma mística de abrasileiramento, sob a forma outras procedências, além de portuguesa, de métodos ou de técnicas de adaptação do europeu ao trópico americano, já desenvolvidas com êxito pelo luso brasileiro), há, por outro lado, uma tradição atuante no sentido de se conservarem, ou de se desenvolverem, dentro da mística de abrasileiramento, variações regionais de culturas associadas a predominâncias étnicas regionalmente diversas: a do ameríndio, na alemão, em Santa Catarina; a do polonês, no Paraná, a do africano, na Bahia. Através dessas predominâncias, regionalmente diversas, de étnica e cultura – ou da tradição delas – vários Brasis se fazem sentir dentro de um só Brasil, já bastante seguro de sua singularidadecomo sistema nacional de convivência, para temer semelhantes variações. Ao contrário: elas – e mais a japonesa, a síria, a libanesa, a húngara – são hoje antes estimadas que lamentadas pelo brasileiro: pelo brasileiro médio e não apenas pelo superior em inteligência política ou em saber sociológico. A estrangeiros ilustres que ultimamente tem visitado o Brasil não vem escapando o fato de ser o nosso país uma nação ao mesmo tempo uma e plural. Um Brasil, e ao mesmo tempo, vários Brasis. E em semelhante combinação parece-lhes haver antes vantagem que desvantagem para o desenvolvimento, entre nós, de uma cultura pluriregional. Ainda que as minorias religiosas sejam a base do pluralismo religioso no Brasil, elas devem ser consideradas a partir de um resultado da própria condição de povoamento brasileiro. 61 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 Uma cultura de que Brasília seja a cúpula, reunindo em seu modo novo, mas não – livre-nos Deus – incaracteristicamente internacional, de ser a cidade, a expressão do que há na sociedade e na cultura brasileira, de étnica e regionalmente diverso, vário, plural. A constante busca dos imigrantes e migrantes em se manter em uma região que não é a oriunda de seu povo, acaba por modifi car toda sua cultura, principalmente a religião, no entanto, ainda pode-se dizer que um dos obstáculo à convivência inter-religiosa continua sendo o fundamentalismo religioso. Giordan e Pace (2014, p. 1) consideram: O pluralismo religioso é um conceito-chave para entender o que está acontecendo em nosso mundo, mesmo que o risco, como todas as palavras que se tornam populares e modernas, se torne um guarda-chuva sob o qual reunimos fenômenos bastante diferentes e heterogêneos, às vezes difi cilmente consistentes uns com os outros. Esse erro que ocorre com frequência em grande parte da literatura sociológica, é sobrepor o signifi cado do pluralismo ao de diversidade, como se fossem sinônimos. [...] não devemos confundir o nível normativo, a saber, o pluralismo, com o nível descritivo de diversidade empírica. Se por um lado, os fenômenos religiosos infl uenciaram os acontecimentos históricos no Brasil, por outro lado, esses mesmos fenômenos foram transformando-se de forma dinâmica pela realidade plural desenhada e vivenciada no espaço social. Com base nisso, ressalta Negrão (2008, p. 263): O catolicismo foi, no passado colonial brasileiro, uma religião obrigatória: os que aqui nasciam o aceitavam por pressuposto de cidadania, exceto os indígenas, aos quais se exterminava ou se convertia. Os que aqui não nasciam tinham que adotá-lo, mesmo que não o compreendessem: os negros escravizados eram batizados no porto de procedência ou de desembarque. Já os judeus, sob a pressão de serem perseguidos pelos inquisidores, de perderem seus bens ou mesmo suas vidas, preferiram, em geral, tornar-se “cristãos novos”. Essa descrição do autor sobre as várias etnias sugere que muitos povos optaram pela religião predominante para não sofrerem represálias ou discriminação. O caso dos judeus em diferentes localidades do mundo está ligado à perseguição (muitas vezes com morte), onde viam nas outras religiões (principalmente no catolicismo), uma maneira de camufl agem aos seus perseguidores. Muitos deles em solo brasileiro, optaram por se tornarem cristãos, e abandonaram o judaísmo junto de muitos de seus códigos culturais. 62 MATriZES RELiGioSAS Essa informação acima é oriunda da história familiar da autora deste livro, que ao pesquisar a árvore genealógica da família, descobriu que seus ancestrais eram judeus convertidos da região dos Açores que se instalaram em Rio Pardo/RS. Seguindo sobre a diversidade religiosa, Mariano (2003, p. 112) considera importante: No caso brasileiro, a ampla liberdade religiosa resultante da secularização do Estado está na raiz da desmonopolização religiosa, da formação e expansão do pluralismo religioso e, por conseqüência, do acirramento da concorrência religiosa. Isto é, a concessão de liberdade religiosa e a separação Igreja–Estado romperam defi nitivamente o monopólio católico, abrindo caminho para que outros grupos religiosos pudessem ingressar e se formar no país, disputar e conquistar novos espaços na sociedade, adquirir legitimidade social e consolidar sua presença institucional. Este fenômeno não se deu de um dia para o outro, pois a separação Igreja-Estado é algo muito discutido há séculos. Em defesa dessas páginas, é possível dizer que essa separação resulta principalmente na desmonopolização religiosa, na liberdade e no pluralismo religioso, pois ainda, segundo Mariano (2003, p. 115): Numa situação de monopólio, em contraste, a diversidade de produtos e serviços religiosos tende a ser mais limitada, na medida em que uma única religião tem menor capacidade de diversifi car sua oferta de bens de salvação – sem comprometer sua mensagem e seus propósitos – para atender, satisfatória e concomitantemente, à heterogeneidade dos interesses e preferências religiosos dos mais distintos grupos sociais de uma sociedade complexa e pluralista. O Brasil, atualmente, vive o ápice de liberdade religiosa, ou seja, as religiões nunca foram tão livres como nessa atual confi guração social. Tal liberdade acarreta o processo de pluralidade religiosa com tendência a ser independente de qualquer monopólio religioso. Considerando o cenário de uma sociedade plural, as pessoas ou grupos sociais são abertos para manifestar suas crenças sem precisar esconder ou camufl ar sua identidade religiosa. Em defesa dessas páginas, é possível dizer que essa separação resulta principalmente na desmonopolização religiosa, na liberdade e no pluralismo religioso. 63 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 Em contrapartida, também vive uma intensa polarização de religiosidades não hegemônicas que vivem às margens da população, ou seja, estão principalmente localizadas nas regiões mais periféricas, tendendo a resgatar uma população subalterna que não se encaixa na hegemonia normativa, o que ocasiona desigualdades em relação a visibilidade das mesmas. Para Teixeira e Menezes (2013, p. 122): O tempo atual é marcado por um pluralismo religioso intransponível e irrevogável, que tende a se ampliar nos próximos anos. Não há porque seguir mantendo posicionamentos teóricos e práticos que reduzem a diversidade religiosa. O desafi o mais fundamental está em buscar compreender esse pluralismo como valor. A pluralidade religiosa brasileira, que se apresentou e se apresenta de forma mais sólida nas últimas décadas, é também um campo em debate, onde a intolerância religiosa se apresenta de contorno violento especialmente contra religiões de matriz africana e afro-brasileiras, já que as mesmas não mais aceitam se esconder ou se camufl arem, pois a liberdade religiosa é um direito constitucional. No entanto, grupos não cristãos, dentro de uma hegemonia cristã, ainda são vistos como implicados ou como possíveis pessoas a serem convertidas, especialmente por grupos pentecostais em ascensão no cenário religioso. Ribeiro (2014, p. 38) assinala para o fato de que: A dinâmica da globalização e de pluralismo por que passa a sociedade contemporânea afetou vários segmentos da sociedade, e de forma especial a religião. Os fundamentalismos, por exemplo, encontram-se diante de um desafi o: dialogar com outros grupos e rever conceitos que já não fazem mais sentido no contexto atual. Para as práticas religiosas, assim como para as análises científi cas sobre a religião, a comunicação dialógica se faz necessária e o alargamento das fronteiras é imprescindível. Difi cilmente haverá espaço na sociedade para interpretações singulares e herméticas, que privilegiam determinadas tradições. Por isso, atesta-se que o pluralismo religioso apresenta como exigência o diálogo entre as variadastradições e culturas religiosas, resultando então, no alargamento das fronteiras (no sentido de barreiras religiosas). Isso tem sido debatido constantemente dentro da academia, principalmente com o objetivo dentro das relações sociais. Conclui-se, então, que a pluralidade religiosa é resultado da diversidade e liberdade religiosa que se vivencia no Brasil. A hegemonia religiosa, que uma vez era (e continua sendo em partes) do catolicismo, está diminuindo. Gabatz (2014, p. 513) afi rma que o reconhecimento do “pluralismo representa a democratização do campo religioso, em que todos os sujeitos são reconhecidos como legítimos em suas reivindicações, desde que respeitados os seus princípios éticos”. 64 MATriZES RELiGioSAS A pluralidade representa essa democratização do campo religioso, em que todos as pessoas são reconhecidas como legítimas em suas reivindicações, desde que respeitados os seus princípios éticos. Para Hall (2000, p. 7) também existe um risco, pois: As velhas identidades que por tanto tempo estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até aqui visto como um sujeito unifi cado. A assim chamada crise de identidade é vista como um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social. Seguindo essa linha de raciocínio, a própria pluralidade religiosa aponta para uma sociedade democrática e plural. Ao assinalar para uma sociedade plural, cidadã, democrática, o pluralismo religioso aposta em processos de autonomia e de emancipação das pessoas, o que se pode defi nir também como sendo uma consequência do fenômeno. Faz-se então, um comparativo de 2000 e 2010, considerando apenas a religião católica apostólica (romana e brasileira, gráfi cos 1 e 2, respectivamente), que ainda consegue se tornar a principal matriz religiosa no Brasil: GRÁFICO 1 – GRANDES REGIÕES E RELIGIÃO CATÓLICA APOSTÓLICA ROMANA NOS ANOS 2000 E 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 65 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 GRÁFICO 2 – GRANDES REGIÕES E RELIGIÃO CATÓLICA APOSTÓLICA BRASILEIRA NOS ANOS 2000 E 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Nota-se no Gráfi co 1, que em uma década, houve decrescente número de adeptos na região Sudeste. Essa região em específi co sofre infl uência de grandes cidades como São Paulo e Rio de Janeiro (as quais a compõem junto do Espírito Santo e Minas Gerais, o Sudeste), que concentra a maior parte de imigrantes (fi xos e transitórios) no Brasil. É também infl uenciada por ter uma diversidade étnica muito grande em relação as outras regiões. A questão da população transitória segue o fl uxo de acessibilidade para outros estados, pois a fronteira garante essa entrada e saída com maior facilidade. Já no Gráfi co 2 percebe-se que o número total de adeptos da apostólica brasileira é bem inferior à apostólica romana, isso pode ser pelo fato de a população praticante não as diferenciarem totalmente – acontece o mesmo com outras vertentes das afros e cristã no geral. Houve um aumento na região nordeste, e isso por ser explicado pela maior acessibilidade de informações já que a mesma, é uma região considerada afastada das grandes metrópoles do Brasil. O multiculturalismo resulta no acréscimo gradual de religiões heterogêneas, e isso imbrica o decréscimo das hegemônicas. Não se pode comparar a católica com a budista, por exemplo, no entanto é importante evidenciar essas diferenças, na medida em que a própria pluralidade das religiões permite que elas estejam ali, ocupando um espaço social dentro de muitos processos de sociabilidade, ou seja, elas fazem parte do espaço religioso brasileiro. Para Gomes e Souza (2013, p. 4): Na modernidade a expansão do pluralismo religioso origina-se 66 MATriZES RELiGioSAS em decorrência do secularismo e a laicização do estado. Se o estado é laico o pluralismo religioso será aceito na sociedade sem restrição, nessa sociedade haverá abertura para escolha sem interferências externas, pois o secularismo visa um estado democrático e livre. Neste aspecto não existe mais um monopólio religioso, mas uma abertura a um novo paradigma que valoriza a pluralidade religiosa e a liberdade do indivíduo. A liberdade das pessoas em relação a sua crença é um processo que requer muita informação e isso ainda está acontecendo, principalmente nas regiões periféricas do espaço. Nesse sentido, ainda pode-se considerar o que Prandi (1997, p. 68) escreve a seguir: A diferenciação [...] se dá também nos espaços físicos das grandes cidades, que cada vez mais separam pobres e ricos, nativos e migrantes, com bairros fortifi cados de classe média separados das etnias marginalizadas e “perigosas”, como se uma mesma cidade comportasse vários mundos e civilizações. Prandi (1997) sempre defendeu a pluralidade religiosa, especialmente as que envolvem o “sincretismo”. No entanto, atualmente, pensar a diversidade com certeza não pode se limitar que as mesmas não produzem espaços sociais. Existe uma romantização da pluralidade, onde diversas etnias vieram, se instalaram e foi a partir daí que começou o processo de hibridismo cultural. Essa ideia acaba sendo refutada quando se percebe que ao longo da colonização, a mestiçagem acontece de diversas formas, incluindo violência sexual, conversão de e para culturas hegemônicas com a justifi cativa de pena de morte, submissão de trabalho escravo etc. Já se ressaltou isso no capítulo anterior, porém é “óbvio” que precisa ser reforçado a cada ponto em que se fala de pluralidade, principalmente no Brasil. Retomando, então, Negrão (2008, p. 266) destaca e sintetiza: A herança do catolicismo colonial e imperial foi, contudo, de certa forma preservada, apesar das profundas transformações republicanas. Não obstante a cessação da obrigatoriedade, a maioria dos brasileiros, apesar de ter continuado a se declarar católica, continuou a sê-lo de maneira formal e superfi cial: sem frequência às missas, avessa aos sacramentos, apegada às devoções e às rezas. Além disso, muitos dos descendentes de negros e índios criaram cultos sincréticos, em que o catolicismo coexiste com crenças e práticas que lhe são estranhas, como o candomblé baiano (e outros cultos afro- brasileiros assemelhados) e as pajelanças do norte e nordeste do Brasil. Já no Império, começaram a se introduzir grupos protestantes históricos, como os batistas, os presbiterianos, os congregacionais, os metodistas, que, embora não numerosos, tiveram alguma infl uência no sistema educacional ao longo do período republicano. Mas é apenas a partir do fi m da primeira década do século passado que começam a introduzir-se 67 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 no cenário religioso brasileiro os protestantes pentecostais que, pelo seu crescimento intenso e presença marcante, passam a alterá-lo substancialmente, sobretudo, nas regiões metropolitanas do país. O autor concretiza em sua sintetização, aspectos relevantes nessa discussão, porém sem enfatizar as subalternidades que ocorreram durante o processo (NEGRÃO, 2008). A principal consequência desse pluralismo religioso, sem dúvida, está ligada à marginalização e também resistência de algumas religiões no espaço. A expansão e domínio de territorialidades também é uma consequência, no que tange outras religiões que têm um crescimento desproporcional em relação às outras. É sobre isso que o próximo tópico irá tratar, pois não apenas elas se manifestam no espaço, mas também o dinamizam em diferentes formas, incluindo função e estrutura, impactando não só a organização espacial, mas também na economia, política e sociabilidade entre grupos sociais. Nessa perspectiva, existem muitas discussões sobre a questãode gênero e subversão, que por enquanto não serão abordadas. Salientando que é importante e fundamental discussões a partir dessas vertentes, pois é emergente e compreende uma gama de interpretações acerca da temática. No entanto, para o leitor que quiser aprofundar esse tema, indicamos algumas leituras: SOUZA, Sandra Duarte de. (org.) Gênero e Religião no Brasil: Ensaios Feministas. 2007. São Bernardo do Campo: Editora da Umesp. 167 p. LIMA, Rita. Lourdes de. Diversidade, identidade de gênero e religião: algumas refl exões. Revista em Pauta, n. 28, 165-182, 2011. 68 MATriZES RELiGioSAS BANDINI, C. Gênero e poder na Igreja Universal do Reino De Deus. Horizonte - Revista de Estudos de Teologia e Ciências da Religião da PUC Minas, 13(39), Belo Horizonte, 2015, p. 1410-1426. ALENCAR, G. F.; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: uma superação da discriminação racial, de classe e de gênero? Estudos de Religião 30(2), São Paulo-SP, Universidade Metodista de São Paulo, 2016, pp. 95-112 2.2 SURGIMENTO DE NOVAS RELIGIÕES E SEUS IMPACTOS Para iniciar este último tópico, é importante ressaltar que será abordado um novo conceito, o de novo movimento religioso (NRM), que supõe em resumidas linhas, termo geral para defi nir diferentes comunidades religiosas ou grupos espirituais com origens modernas, que tem um lugar periférico dentro da principal cultura religiosa de uma nação. Os NRM podem ser visto como “novo” na origem ou em parte de uma religião mais ampla, no caso de serem diferentes das denominações pré-existentes e hegemônicas. Estudos religiosos contextualizam o surgimento de NRM na modernidade, observando-o como o resultado de uma solução diante dos processos modernos de secularização, globalização, fragmentação e individualização. Alguns desses novos movimentos religiosos lidam com os desafi os colocados pelo mundo moderno ao envolver o individualismo onde outros buscam meios de coesão coletiva. Apesar da constante imposição sobre as religiões predominantes, deve- se ressaltar a importância do que é chamado de “novos movimentos religiosos” (WILLAIME, 2012). Novos elementos que qualifi cam a nova realidade da confi guração da sociedade em relação as suas práticas religiosas – mas seriam novos? Podemos afi rmar que esses fenômenos não estavam espacializados? São realmente um campo religioso? São questionamentos realizados por quem 69 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 se “atreve” a ir mais afundo sobre a temática. Em tempos onde a informação chega em segundos até a uma população mais remota, devemos considerar que as redes informativas são as grandes infl uenciadoras para unir grupos sociais e visibilizar esses “novos movimentos religiosos”. Sobre isso, ressalta Willaime (2012, p. 103) quando introduz: Podemos distinguir algumas características importantes desses novos movimentos religiosos. Eles são frequentemente muito modernos no que diz respeito à sua organização e suas técnicas de divulgação. A experiência ali, valorizada: os indivíduos são convidados a aderir a um corpo de doutrinas, e não a experimentar uma forma de sabedoria que lhes traria supostamente certo bem-estar. Apesar de ainda não existir um critério ou conjunto de critérios para descrever um grupo como novo movimento religioso, o uso do termo exige normalmente que o grupo tenha uma origem prescrita e seja ao mesmo tempo diferente das religiões existentes. Nesse sentido, pode-se considerar duas perspectivas sobre o que seria essas religiões existentes: a primeira seria uma abordagem mais restrita que sugere diferenças em religiões existentes. A diferença aplica-se à fé que, apesar de poder ser vista como parte de uma religião existente, encontra rejeição dessa mesma religião por não partilhar o mesmo credo básico, ou se autodeclara como separada da religião existente ou até como a única fé correta. A outra perspectiva está ligada ao que se considerada uma proposta de expansão do critério de diferença, considerando que os movimentos religiosos quando tirados do seu contexto cultural tradicional, surgem em novos locais, com de formas e preceitos modifi cados. Segundo o IBGE (2010, p. 91): [...] o crescimento da diversidade dos grupos religiosos no Brasil, revelando uma maior pluralidade nas áreas mais urbanizadas e populosas do País. A proporção de católicos seguiu a tendência de redução observada nas duas décadas anteriores, embora tenha permanecido majoritária. Em paralelo, consolidou-se o crescimento da parcela da população que se declarou evangélica. Os dados censitários indicam também o aumento do total de pessoas que professam a religião espírita, dos que se declararam sem religião, ainda que em ritmo inferior ao da década anterior e do conjunto pertencente a outras religiosidades. Os novos movimentos religiosos parecem não partilhar necessariamente um conjunto de características particulares, mas têm sido atribuídos à hegemonia da cultura religiosa dominante. É atribuído a eles também, a existência de um espaço relativamente concorrido dentro da sociedade como um todo. O que não deixa 70 MATriZES RELiGioSAS de ser real, pois algumas religiões “novas” têm vindo fortemente e recrutando o máximo de adeptos possíveis, fi xando-se rapidamente no espaço. Dessa forma, é possível que os novos movimentos religiosos variem em termos de liderança, autoridade, conceito sobre família e até mesmo de gênero e outras formas, como estrutura organizacional. É por esse motivo que essas variações colocaram um desafi o aos pesquisadores da temática nas tentativas de formular critérios abrangentes e também específi cos para classifi car esses novos movimentos religiosos. Mariano (2011, p. 239) faz uma ressalva sobre isso, quando diz que: A partir da estrondosa emergência de grupos religiosos na esfera pública stricto sensu e do crescimento vertiginoso de novos movimentos religiosos e de religiões mágicas e fundamentalistas em quase todas as regiões do planeta nas últimas décadas, a teoria da secularização – teoria colada à da modernização e até o fi m dos anos 1960 hegemônica e praticamente inconteste nas Ciências Sociais – tornou- se objeto de acirrada controvérsia na sociologia da religião. Desde então, perdeu a aura de asserção quase autoevidente e assumiu uma posição defensiva. Os novos estudos religiosos são um estudo interdisciplinar de novos movimentos religiosos que surgiram em meados de 1970, juntamente com a revolução de diferentes ciências, a exemplo da geográfi ca, que implementou em seus estudos humanos, a crítica aos métodos quantitativos de se analisar a sociedade, pois eles não dariam conta da totalidade de códigos e símbolos sociais que se encontram nas relações socioespaciais. Um deles é a questão da religião, que não se pode mensurar em números exatos (aproxima-se e estima-se segundo o IBGE), e que as relações de fé, doutrinação e valores são signos que competem a uma cultura imaterial. Na lista de Novos Movimentos Religiosos há grupos originados nas grandes religiões, há grupos de matriz oriental e de matriz indígena e africana. Pode-se observar que há nestes grupos um grande sincretismo, sendo esta uma característica comum a muitos deles (MARTINS, 2017). Neste sentido, pode-se considerar que a identidade religiosa contemporânea não é herdada, mas uma construção individual “a partir dos diversos recursos simbólicos colocados à sua disposição” (HERVIEU-LÉGER, 2008). A questão difícil de responder é: por que surgem os novos movimentos religiosos? 71 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 Bem, essa é uma tarefa difícil de colocar nessas linhas, mas pode-se ter uma compreensão nas palavras de Prandi (1991, p. 34): As mais díspares religiões, assim, surgem nas biografi as dos adeptos como alternativas que se podem pôr de lado facilmente, que se podem abandonar a uma primeira experiênciade insatisfação ou desafeto, a uma mínima decepção. São inesgotáveis as possibilidades de opção, intensa a competição entre elas, fraca a sua capacidade de dar a última palavra. A religião de hoje é a religião da mudança rápida, da lealdade pequena, do compromisso descartável. Certamente, nas considerações de Prandi, ele deixa algumas pistas de como prosseguir nessa análise que é intrínseca e ponderada. Primeiramente, pode- se dizer que todo e qualquer novo movimento religioso surge nas fragilidades deixadas pelas religiões existentes ou hegemônicas. O surgimento do novo é uma declaração da carência das respostas que as igrejas institucionalizadas têm fornecido e que não conseguem atender às expectativas dos adeptos. Outra questão a ser levada em conta é que nas democracias ocidentais, a relativização das mensagens religiosas, a autonomia individual em relação às opções religiosas, aliada à liberdade de culto, facilita sobretudo, o surgimento de líderes espirituais com novas mensagens ou novas revelações, que possam fazer mais sentido diante das condições espaciais em que os adeptos estão inseridos. Mas afi nal, quem são os novos movimentos religiosos? De modo geral, podemos destacar quatro grandes grupos que representam a maioria dos Novos Movimentos Religiosos, apontados por Guerriero (2005, p. 37-55), que são: a) Grupos oriundos de igrejas cristãs tradicionais. b) Grupos sincréticos. c) Grupos orientais. d) Grupos esotéricos ou da Nova Era. Não é fácil defi nir um novo movimento religioso, porém a partir da distribuição de Guerriero (2005) pode-se trazer alguns exemplos para cada grupo proposto pelo autor. Neste sentido, parte-se: • Grupo oriundo das igrejas cristãs tradicionais Pode-se colocar nesse grupo, as igrejas neopentecostais, pois elas são oriundas da crença cristã e que hoje é uma vertente bem diferente daquela a qual saiu. A expressão Terceira Onda do Pentecostalismo designa a terceira onda do movimento pentecostal. É um movimento dentro do cristianismo que surgiu em meados dos anos 1970 e 1980. Para Gonçalves e Pedra (2017, p. 76): Mas afi nal, quem são os novos movimentos religiosos? 72 MATriZES RELiGioSAS A terceira onda, denominada neopentecostal, é representada pelas igrejas que surgiram na segunda metade dos anos de 1970. Foi um movimento que garantiu forte visibilidade e se fortaleceu nas décadas posteriores. São consideradas igrejas neopentecostais a Igreja Universal do Reino de Deus, fundada em 1977 no Rio de Janeiro; a Igreja Internacional da Graça de Deus, fundada em 1980 também no Rio de Janeiro; a Comunidade Evangélica Sara Nossa Terra, fundada em 1976 em Goiás; a Igreja Renascer em Cristo, fundada em 1986 em São Paulo; e a Igreja Mundial do Poder de Deus, fundada em 1998 em São Paulo. Trata-se de igrejas fundadas por pastores brasileiros, constituindo essas as principais denominações neopentecostais no Brasil. O crescimento da vertente neopentecostal está associado ao engajamento e trabalho de evangelização desempenhado principalmente por adeptos que procuram disseminar a crença através de panfl etos, abordagens em vias públicas para explicar sobre como a religiosidade é, e convidar as pessoas, bem como o trabalho solidário em comunidades periféricas. Destaca-se então, Mafra (2001, p. 43-44), que caracteriza: Ao contrário da ênfase assembleiana na autonomia e personalidade do pastor e na criação de uma rede de pequenas comunidades morais ligadas o lugar, o pastor da Universal é visto principalmente como um funcionário de uma instituição que tem um papel fundamental em termos escatológicos, isto é, na consumação do tempo e da história. Esses pastores, bem como os “obreiros” e “obreiras”, são selecionados segundo seu carisma e seu dom de oratória, num reconhecimento da graça dada ao indivíduo, mas que só ganhará valor se aceita pela lógica institucional. Sem submergir necessariamente sua peculiaridade religiosa, as igrejas neopentecostais revelam-se, entre as pentecostais, as mais oblíquas a acomodarem-se à sociedade abrangente e a seus valores, interesses e práticas. Neste sentido, seus cultos basearem-se na oferta individualizada de serviços mágico-religiosos, de cunho terapêutico e taumatúrgico, centrados em promessas de concessão divina de prosperidade material, cura física e emocional e de resolução de problemas familiares, afetivos, amorosos e de sociabilidade. Essas promessas são atrativas a grande parte da população marginalizada, pois elas tendem a fi xar-se em espaços onde essas variantes costumam a ser dinâmicas e conturbadas (MARIANO, 2004). Já que aqui neste tópico fala-se sobre a religião neopentecostal, podemos abrir um parêntese para abordar as pentecostais como um todo, pois elas também podem ser consideradas como um novo movimento religioso em relação às grandes matrizes. Valoriza-se, então, nos gráfi cos 3, 4, 5, 6 e 7, uma visão muito mais objetiva dessa religião e suas vertentes no Brasil. 73 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 GRÁFICO 3 – REGIÃO NORTE NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) GRÁFICO 4 – REGIÃO NORDESTE NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 74 MATriZES RELiGioSAS GRÁFICO 5 – REGIÃO SUDESTE NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) GRÁFICO 6 – REGIÃO SUL NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) 75 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 GRÁFICO 7 – REGIÃO CENTRO-OESTE NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Considerando os gráfi cos, o crescimento pentecostal se mostrou de modo desigual, com algumas igrejas experimentando um surpreendente crescimento e outras até perdendo fi éis. A Assembleia de Deus se apresenta destacadamente como a maior igreja evangélico-pentecostal com o maior número de adeptos em todas as regiões, seguida de longe pela Congregação Cristã do Brasil com o segundo maior número de autodeclarados. Isso mostra como as religiões cristãs evangélicas tendem a ter o maior número de vertentes distribuídas em diferentes cantos do espaço brasileiro. Essa projeção provavelmente já é muito maior neste ano presente, uma vez que elas estão em constante crescimento não apenas de fi éis, mas material também. As igrejas pentecostais têm uma visibilidade muito maior do que as outras minorias, e isso é uma infl uência para recrutar pessoas. Elas se tornam mais acessíveis, pois estão fi xadas nas comunidades periféricas e regiões centrais, e em grandes centros urbanos. • Grupos sincréticos Estes grupos se caracterizam por uma subversão com as grandes matrizes religiosas instituídas e buscam alternativas para expressarem sua fé, bem como a religiosidade no geral. Embora possa até mesmo ser um agir inconsciente, eles se apropriam de elementos constantes em várias religiões, misturando-os e apresentando um novo signifi cado. Pode-se até confundir com as religiões afro- brasileiras, mas aqui existe um diferencial: não há um preceito, dogma, mas sim uma mistura de vários cultos para o momento. A exemplo disso, pode-se citar o Santo Daime, que segundo Higuet (2001), o grupo tem esse nome derivado 76 MATriZES RELiGioSAS do fato de os nativos pedirem o chá alucinógeno em forma de prece: "Dai-me o chá, dai-me luz, dai-me amor, dai-me força, dai-me saúde". Nestes grupos, a valorização e interação com a natureza é o principal fundamento, visto que mesmos dependem quase que exclusivamente dos alimentos que a fl oresta fornece para a sobrevivência do grupo. A consciência ecológica é parte efetiva da vida no grupo e a fl oresta na sua totalidade se torna uma divindade. • Grupos orientais Como o próprio nome do grupo diz, trata-se das novas religiões orientais trazidas ao Brasil pelos imigrantes, principalmente os japoneses. Dentre elas destacam-se Igreja Messiânica Mundial e a Seicho-No-Ie. No ano de 2010, a religião Messiânica (Gráfi co 8) aparece no censo,pois há uma expressividade considerável de adeptos no território brasileiro. GRÁFICO 8 – RELIGIÕES ORIENTAIS NO BRASIL NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Esses grupos religiosos ainda são ofuscados por mais que estejam integrando a heterogeneidade religiosa. O gráfi co demonstra a disposição numérica das religiões orientais no Brasil em relação à matriz oriental predominante que é o Budismo. Ainda que sejam novas, elas também sofrem com a invisibilidade no espaço, principalmente no urbano, porém têm tido um aumento gradativo de adeptos e participantes na última década. • Grupos esotéricos ou da Nova Era 77 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 São muitos os grupos que se encaixam nesta possível categoria. A priori, muitos deles procuram passar uma ideia de que não se constituem em uma religião, por não possuírem doutrinas defi nidas. O Gráfi co 9 mostra as tradições esotéricas nas grandes regiões, em uma população total de 38.507 auto declarantes. GRÁFICO 9 – TRADIÇÕES ESOTÉRICAS NAS GRANDES REGIÕES NO ANO DE 2010 FONTE: Adaptado de IBGE (2010) Dessa forma, muitos fi éis de outras religiões acabam frequentando cultos esotéricos sem terem consciência da abrangência do que realmente é transmitido como ensinamento. Para Martins (2017, p. 15): Estes grupos caracterizam-se pelo relativismo no tocante à salvação, pois advogam que existem várias maneiras de se achegar à iluminação completa e que todas elas são válidas. Há uma grande ênfase no emocional, em uma religiosidade que se expressa através dos sentimentos, intuições e meditações místicas que venham proporcionar um sentimento de paz espiritual. É uma religiosidade que apela muito para o subjetivo. Muitos destes grupos disponibilizam espaços para práticas esotéricas que visam o desenvolvimento pessoal e a felicidade do cliente/adepto. No Brasil, há uma ligação muito forte dos grupos esotéricos com questões de terapias alternativas. Essa linha terapêutica é construída por saberes “místicos” que têm por objetivo a expansão de consciência. Dentro da psicologia há uma vertente de estudos sobre essa temática, que debate principalmente o uso dessas técnicas no tratamento de pessoas com depressão, ansiedade, bem como para o desenvolvimento pessoal. 78 MATriZES RELiGioSAS O acelerado crescimento do número e da diversidade de grupos religiosos, de doutrinas, de fi losofi as, de novas religiões e de novas religiosidades, nas últimas décadas, tem sido um fenômeno bastante signifi cativo. Neste sentido, a principal consequência disso é a pluralidade religiosa. Mesmo que em um número muito menor que as matrizes hegemônicas e suas vertentes, essas religiões se tornam parte da composição territorial e plural da organização socioespacial. Isso por que a partir do momento em que elas criam espaços de sociabilidades, desestruturam toda a hegemonia majoritária. É redundante de se pensar? Sim. No entanto, as vezes o óbvio ainda não é “tão óbvio” quanto parece. Acredita-se que uma grande parte da população do Brasil ainda não consegue diferenciar determinadas crenças e isso prejudica de certa forma a validação e afi rmação de outras religiosidades que estão se destacando em determinado espaço-tempo. O fenômeno religioso é proporcional à cultura híbrida e isso transforma o espaço habitado e social em uma desconfi guração de tradições, tornando os saberes populares uma forma ímpar de se reconhecer enquanto sujeito social e religioso. 1) Faça a correspondência corretamente: (1) Estado laico (2) Estado religioso (3) Estado ateu ( ) Pode ocorrer de forma orgânica ou subjetiva. ( ) Rejeita todos os credos em favor da “não crença”. ( ) É também conhecido como Estado Secular. Assinale a alternativa que apresenta a sequência correta: a) ( ) 1, 2, 3. b) ( ) 1, 3, 2. c) ( ) 2, 1, 3. d) ( ) 2, 3, 1. 2) Analise o gráfi co e assinale a resposta correta: 79 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 GRÁFICO – RELIGIÕES CATÓLICA E EVANGÉLICA FONTE: Adaptado de IBGE (2010) a) ( ) Em 2010, as religiões evangélicas tiveram um decréscimo de adeptos em relação ao ano 2000. b) ( ) Em 2000 e 2010, a religião católica se manteve com os mesmos dados. c) ( ) As religiões evangélicas aumentaram o número de adeptos entre os anos de 2000-2010. d) ( ) Comparando as duas religiões é possível dizer que as evangélicas tiveram acréscimo de adeptos, porque a católica perdeu praticantes entre os anos de 2000 e 2010. 3) Com base nas minorias religiosas, assinale a resposta correta: a) ( ) Ainda que as minorias religiosas sejam a base do pluralismo religioso no Brasil, elas devem ser consideradas a partir de um resultado da própria condição de povoamento brasileiro. b) ( ) Não se deve considerar a pluralidade religiosa no que tange às religiões afro-brasileiras, neopentecostais e messiânicas. c) ( ) As minorias religiosas não devem ser aceitas dentro da validação da diversidade religiosa. d) ( ) O espaço religioso do Brasil é apenas formado pelas quatro grandes matrizes religiosas, sem suas vertentes minoritárias. 80 MATriZES RELiGioSAS 4) Leia o texto a seguir: “O Estado Brasileiro é laico. Isso signifi ca que ele não deve ter, e não tem religião. Tem, sim, o dever de garantir a liberdade religiosa. Diz o artigo 5º, inciso VI, da Constituição: “É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” A liberdade religiosa é um dos direitos fundamentais da humanidade, como afi rma a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da qual somos signatários. [...] Invadir terreiros de umbanda e candomblé, que, além de locais sagrados de culto, são também guardiães da memória de povos arrancados da África e escravizados no Brasil; desrespeitar a espiritualidade dos povos indígenas, ou tentar impor a eles a visão de que sua religião é falsa; agredir os ciganos devido à sua etnia ou crença, mesmo motivo que os levou ao quase extermínio na Europa, durante a Segunda Guerra Mundial: tudo isto é intolerância, é discriminação contra religiões. É o contrário do que pretende o Programa Nacional dos Direitos Humanos.” FONTE: JUNIOR, José Rezende. Diversidade religiosa e direitos humanos. Disponível em: http://www.mestreirineu.org/ diversidade.htm. Acesso em: 16 fev. 2021. São muitos os casos noticiados acerca do desrespeito às religiões, principalmente às afrodescendentes. Como defende, porém, o artigo 5º da Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Brasil é um país em que há um cenário de pluralidade religiosa. Algo que defende essa pluralidade e garante o reconhecimento legal da sociedade das diversas instituições e grupos religiosos é o: a) ( ) Ecumenismo. b) ( ) Pluralismo religioso. c) ( ) Sincretismo religioso. d) ( ) Ceticismo. 5) Sobre o conceito de religião, pode-se afi rmar: a) ( ) Refere-se à multiplicidade de formas pelas quais as culturas dos grupos e sociedades encontram sua expressão. b) ( ) É a teoria do reconhecimento do outro e luta contra todas as formas de homogeneização. 81 PLURALISMO RELIGIOSO E DIVERSIDADE RELIGIOSA NO BRASIL Capítulo 2 c) ( ) Defi nida como um conjunto de crenças e práticas sociais relacionadas com a noção de sagrado. d) ( ) São um sistema solidário de crenças e de práticas relativas às coisas sagradas, ou seja, isoladas ou proibidas, crenças e práticas que reúnem todos aqueles que aderem a tal sistema em uma mesma comunidade moral chamada Igreja. 3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Para dar fi nalidade a este capítulo, espera-se, sobretudo, que deve haver o respeito em relação às minorias religiosas, levando-se em conta que estas são subestimadas, desassistidas e, acima de tudo, que suas crenças possuem o mesmo valor que qualquer outra religiãoabrange, independentemente de sua matriz. Nesse sentido, deve-se agenciar a quebra de paradigmas, a aceitação das diversas religiões e o reconhecimento do princípio de laicidade aderido pelo Estado brasileiro, perante o combate das desigualdades e garantia, efetiva, dos direitos constitucionais. As hermenêuticas das religiões estão diante de debates para as readaptações de aceitação e diálogo com o diferente. A priori, a violência e os fundamentalismos não são tolerados em tempos de pluralismo religioso. Isso por que a realidade social é predominante nesse quesito. Cabe discutir a razão da intolerância e seus desdobramentos: discriminação, perseguição, fundamentalismo e violência, que existem em meio às religiões no Brasil, confi gurando-se tais realidades como desafi os de convivência entre elas. Por fi m, salienta-se que é necessária a perspectiva que busca entender a religião a partir de si mesma, ou ainda, tratar a religião como tendo origem e função distintivamente religiosa, ou seja, examinar a religião em “escala religiosa”. Em outros termos, reconhece-se a religião como esfera social com aspectos peculiares e que, portanto, exigiria aproximação própria, buscando captar aspectos distintivos dessa esfera em relação às demais. As relações de sociabilidade entram nessa perspectiva, pois ao mesmo tempo em que a religião tem uma origem e principalmente uma função, considera-se ela parte da construção do ser social e no próprio espaço social que acontece o fenômeno. 82 MATriZES RELiGioSAS REFERÊNCIAS ALENCAR, G. F.; FAJARDO, M. P. Pentecostalismos: uma superação da discriminação racial, de classe e de gênero? Estudos de Religião 30(2), São Paulo-SP, Universidade Metodista de São Paulo, 2016, p. 95-112. BATAILLE, G. Teoria da religião. Belo Horizonte: Autêntica, 2015. 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CAPÍTULO 3 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • conhecer como a religiosidade pode infl uenciar a estrutura de organização espacial da sociedade, principalmente relacionada à construção de espaços de sociabilidade; • refl etir como acontece a manifestação do transcendente nos espaços sagrados que também podem ser em espaços públicos; • debater, problematizar e posicionar-se aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso; • argumentar com base em fatos, dados e informações confi áveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns que respeitem e promovam os direitos humanos. 86 MATriZES RELiGioSAS 87 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Para iniciar o capítulo de fechamentodesta obra é importante destacar e retomar algumas considerações para que se possa criar e recriar um elo que permita o desenvolvimento da crítica construtiva acerca das matrizes religiosas e suas diversas discussões que envolvem seu leque de temáticas. O principal objetivo deste capítulo é atrelar os conhecimentos dos capítulos anteriores com a atual expressão das religiões no contexto social em que vivemos e vivenciamos. Para isso, é importante considerar que essas manifestações e expressões estão em constante movimento, ou seja, as religiões seguem se modifi cando e dinamizando seus aspectos relacionais. Essas mudanças seguem as contextualizações políticas, econômicas e culturais da sociedade, então, após o término desta obra, é possível que haja muito mais considerações acerca da temática proposta em diferentes contribuições dentro das ciências sociais e humanas. A história do desenvolvimento das religiões em geral, como se viu anteriormente, ocorre paralelamente com as transformações sociais, e, de certa forma, as religiões acabam surgindo como resposta às indigências do espaço- tempo em que está inserida. Apesar de, por muitos anos, o cristianismo brasileiro ter uma grande dependência europeia, pois estes foram responsáveis pela grande parte dos dogmas, trazendo consigo seus ideais, aos poucos, os cristãos brasileiros foram criando uma autonomia, não só doutrinária, mas também, cultural. No entanto, as outras religiões como o protestantismo, espíritas, afro- brasileiras também ganham um destaque importante nessa construção, pois na medida em que crescem suas porcentagens em todas as unidades territoriais do Brasil, criam-se também manifestações expressivas no espaço. Essas expressões garantem que as religiões se solidifi quem, fazendo com que a sociedade passe a ter ampla visão (contraditória ou não) sobre as contribuições das práticas estabelecidas naquele espaço. Então, pode-se dizer que com a maior união de adeptos foi necessária a criação das instituições religiosas, que são criadas como um modo de manifestação da fé e por necessidades de ganhar espaço. Por muito tempo, apenas manifestações foram centralizadas e restritas, mas com o fenômeno da multiculturalidade, esses espaços começaram a se abrir e possuir caráter não apenas religioso, mas também uma forma de resistência as religiões hegemônicas. Para isso, é importante considerar que essas manifestações e expressões estão em constante movimento, ou seja, as religiões seguem se modifi cando e dinamizando seus aspectos relacionais. 88 MATriZES RELiGioSAS 2 EXPRESSÕES CONTEMPORÂNEAS DE RELIGIOSIDADES Quando falamos em expressões contemporâneas de religiosidades, logo nos vem algo muito subjetivo, mas que pode conter inúmeras formas de interpretação, incluindo questões espaciais, sociais e culturais. Apesar da subjetividade ser resultado de experiências individuais, também é produzida pelas coletivas e institucionais. Dessa maneira, atrelar o fenômeno religioso à atual confi guração da sociedade, nos parece conduzir um referencial importante no processo de conhecimento, principalmente relacionado às diferentes possibilidades de analisar e ter um conhecimento mais amplo sobre as matrizes religiosas. Partindo desse princípio, essas expressões de religiosidades atualmente estão atreladas à manifestação no espaço, principalmente no que tange à perspectiva simbólica individual. Léger (2005, p. 41) esclarece que “esta concepção religiosa de uma fé pessoal é uma peça mestra do universo de representações de que a fi gura moderna do indivíduo, sujeito autônomo que governa a sua própria vida, emergiu progressivamente”. Pensemos que, no atual momento, mais do que em qualquer outro período da história da sociedade, a própria religião se caracteriza por um pluralismo cultural, pluralidades estas que muitas vezes se tornam intrigantes, na medida em que fogem dos referenciais estabelecidos. Há uma enorme diversidade religiosa e expressões culturais que podem ser desconhecidas por grande parte de nós. Muitos cultos derivados de outras religiosidades também infl uenciam a criação de grupos sociais fora dos padrões em que estamos imbricados. É importante destacar isso, pois falamos sobre subjetividade e ela está intrinsicamente relacionada com a busca das pessoas por algo sobrenatural e que seja consistente ao mesmo tempo. Essa explosão de diversidades religiosas justifi ca a atual organização socioespacial em que estamos confi gurando, como sendo uma “era das religiões”, isso porque elas são essencialmente fundamentais nos dias de hoje, competindo inclusive dentro de interesses econômicos e políticos. 89 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 As religiões sempre estiveram presentes na formação socioeconômica da sociedade, porém não de uma forma tão concorrida e exposta quanto atualmente. Apesar de Max Weber – autor que vimos no Capítulo 2 – atribuir às crenças e valores religiosos um papel importante na conduta dos indivíduos em sociedade, ele também defendeu a tese de que a religião protestante exerceu uma poderosa infl uência no surgimento do modo de produção capitalista. Se quiser saber mais sobre o assunto, sugerimos a leitura da obra: WEBER, Max. A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo. São Paulo: Companhia das letras, 2005. Ela está disponível na versão PDF em: http://www. ldaceliaoliveira.seed.pr.gov.br/redeescola/escolas/18/1380/184/ arquivos/File/materiais/2014/sociologia/A_Etica_Protestante_e_o_ Espirito_do_Capitalismo_Max_Weber_-_Flavio_Pierucci.pdf. 90 MATriZES RELiGioSAS Considerando então, que na medida em que nada é permanente, nada é estável, os valores, principalmente religiosos, são ligeiramente substituídos por outros. Diante de muitas multiplicidades e de infl uências tão confl itantes e, às vezes, adversas, as pessoas vivenciam e escolhem a forma de expressar os seus anseios espirituais, numa busca pessoal de sentido espiritual, como ser único, à procura de sua identidade religiosa. Para isso, salienta Wolff (2015, p. 85), quando ele explica que: Uma das expressões da característica plural dos nossos tempos é a diversidade de correntes de espiritualidade que emergem constantemente tanto no interior das tradições religiosas históricas quanto à sua margem. A atual sociedade é de pouca religião e de muita espiritualidade. As novas formas de crer são fl uidas, sem a preocupação de formular doutrinas, ritos e mediações que lhe deem estabilidade. Isso gera crise nas convicções, nos valores, nas posturas e nas doutrinas que sustentam o ato de crer. E apresentam a exigência de revisão, ressignifi cação e redimensionamento do ato de fé tradicional. Trazendo os novos movimentos religiosos para esse debate – os quais vimos no capítulo anterior – percebe-se que ainda há uma resistência muito grande das religiões hegemônicas no que se refere às “novas religiões” – entre aspas, pois sabemos que muitas delas já estão há mais de um século fazendo parte da sociedade, no entanto, foram invisibilizadas pelas predominantes. Religiões como a protestante, de uma forma geral, ganha maior destaque na produção do espaço, pois ela veio com força questionando e quebrando paradigmas cristãos. O protestantismo e suas vertentes pode ser considerado um dos maiores movimentos religiosos que teve no Brasil nas duas últimas décadas. Isso quer dizer que apesar de se constituir em uma crença “nova”, tem uma estrutura de adequação em qualquer lugar do espaço, conseguindo, então, recrutar um número considerável de adeptos. O crescimento gradativo das religiões não hegemônicas pode ser uma forma de permanência na pluralidade do espaço – a tendência é de que sejam marginais e isso explicaria o recrutamento menos “em massa”, a exemplo das religiões afro- brasileiras. A expressividade dessas religiões de origem afro são limitadas aos terreiros/ casas/centros de cultos,pois o “diferente” é questionado por quem não a cultua. No entanto, o espaço sagrado é considerado todo lugar que tenha natureza. Ainda que um de seus preceitos estejam fundamentados em rituais que envolvam elementos como água, fogo, ar, terra, mata, os ritos difi cilmente aparecem fora das quatro paredes. Há exceções como as festas e procissões nas praias e rios. Uma das manifestações religiosas mais tradicionais, que junta religiões diferentes, está ligada à divindade Nossa Senhora dos Navegantes ou Iemanjá. 91 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 A data de 2 de fevereiro é simbolicamente associada a esta imagem, tanto pela igreja católica quanto para as religiões de origem afro. Católicos e afro-religiosos se unem para celebrar o dia de uma das divindades mais conhecida no Brasil. Ainda que haja o “sincretismo”, a forma de expressar a fé e devoção é totalmente diferente. As representações advindas das religiosidades diversas fazem com que o incomum passe a ser visto como algo notório, tendo como construção, o próprio conhecimento da cultura popular. Nossa Senhora dos Navegantes/Iemanjá é uma das fi guras mais populares do Brasil, sendo inclusive uma das maiores tradições religiosas nos quatro cantos do território brasileiro. Considerando essas expressões, Schechner (2003, p. 27) destaca: A performance cultural não é gratuita. São expressões artísticas, rituais ou cotidianas marcadas pelo limite de tempo e espaço, regras e programa organizado, atuação dos atores e participação de uma plateia. Performances afi rmam identidades, curvam o tempo, remodelam e adornam corpos, contam histórias. Schechner (2003) alerta a percepção para a existência de diferentes divisões que se relacionam na composição da performance, afi rmando que é preciso examinar o fenômeno em si e suas inter-relações sociais e políticas. E essa expressão cultural que une católicos e afro-religiosos é o resultado da própria multiculturalidade, pois Souza (2007, p 31) ressalva: Na diáspora forçada, fugindo à coisifi cação imposta pela escravização, os africanos e afrodescendentes costuraram e teceram identidades e, a partir da memória, reorganizaram suas vidas desenhando novas confi gurações culturais advindas da sua situação em terras estrangeiras. Enfaticamente, no campo da música, da dança e de religiosidade, as tradições culturais permaneceram como espaços privilegiados de memória e de recriação, o que faz das performances um dos elementos signifi cativos na transmissão, circulação e reconfi guração da memória dos afrodescendentes. A maioria das relações religiosas que envolvem mais de uma cultura está ligada com a história do povoamento do Brasil e perpassa por uma série de adaptações não apenas culturais, mas também econômicas e políticas ao longo dos anos. E essa ideia de que a maioria dos novos movimentos religiosos se resultem no “sincretismo”, é mais uma forma de tentar homogeneizar a estrutura religiosa. Pode-se trazer também o exemplo do próprio catolicismo popular, que se tornou uma matriz religiosa potente por diversos motivos, dentre eles, alguns citados nas palavras de Wernet (1995, p. 41-42), que podem ser atribuídos até os dias de hoje: 92 MATriZES RELiGioSAS Elementos típicos desse catolicismo popular foram: linguagem e estilo dos sermões acessíveis ao povo; uma profunda devoção mariana; o cultivo e a promoção de formas tradicionais de religiosidade como romarias e festas populares; a presença de elementos externos emocionais e sentimentais de religiosidade; cerimônias pomposas e edifi cantes, que tocavam o coração e a alma e não apenas a razão; a valorização da experiência, da simplicidade e da sabedoria em oposição a religião sofi sticada e intelectualizada dos fi lósofos e teólogos e o amor e a estima do povo simples e camponês. Essa forma de expressão do catolicismo permite que a tradição do mesmo seja fi xada e com enorme importância no espaço social religioso. Apesar de Wernet (1995) trazer essas análises na década de 1990, e considerando todas as manifestações de “novas” religiões, ainda é possível afi rmar que o catolicismo é presente em todas as unidades territoriais, sendo fortemente infl uenciado pela própria cultura popular que é destaque brasileira. Outra expressão importante a considerar são as manifestações religiosas do espiritismo. Sobre isso, Ribeiro (2012, p. 24) enfatiza: Muito embora a doutrina não tenha sofrido muita infl uência externa, pode-se dizer com certeza que ela infl uenciou várias das outras correntes religiosas no Brasil. Por tratar do sobrenatural e explicar as manifestações dos espíritos, essa religião se alinhou bastante com as crenças populares brasileiras, servindo como ponto de apoio para várias dissidências religiosas. Inte ressante observar que as manifestações do espiritismo são fundamentadas em explicar algumas questões que sempre estiveram no imaginário popular, como forças sobrenaturais, espíritos, incluindo a própria manifestação de pessoas que faleceram e que ainda deixariam recados de como estão no novo plano, aos seus entes queridos. De certa forma, pode-se dizer que as religiões em geral perpassam uma experiência religiosa marcadamente utópica em seu aspecto religioso teológico prático, pois estão sempre preocupadas com o que ainda está por vir, ou seja, ela parece preparar as pessoas para o futuro. Abrindo espaço para falar sobre experiências religiosas, é importante considerar as expressões em espaços públicos. Existem muitos lugares religiosos que são patrimônios culturais no Brasil. Isso é uma expressão que vai além da questão imaterial e abstrata, tornando-se apoio material na construção da sociabilidade religiosa. A maioria das igrejas católicas são patrimônios materiais culturais de uma matriz religiosa predominante. Assim, como existem terreiros 93 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 de cultos afros que são patrimônios culturais de determinadas regiões onde a religiosidade afro se destaca. Pensando por esse lado, Camargo (2002) afi rma que os testemunhos contidos no monumento histórico enquanto patrimônio cultural estão repletos de valor simbólico. E ele vai mais além quando fala que: O valor simbólico que atribuímos aos objetos ou artefatos é decorrente da importância que lhes atribui a memória coletiva. E é esta memória que nos impele a desvendar o seu signifi cado histórico-social, refazendo o passado em relação ao presente, e a inventar o patrimônio dentro dos limites possíveis, estabelecidos pelo conhecimento (CAMARGO, 2002, p. 30- 31). Nesse sentido, a noção de materialidade verifi cada através dos monumentos históricos religiosos, sobretudo em suas expressões edifi cadas, transformou-se numa das formas do patrimônio arquitetônico. Além disso, esse tipo de patrimônio está diretamente relacionado a conceitos de territorialidade e temporalidade, na medida em que a sociedade defi ne o que será eleito e legitimado dependendo do tempo e lugar em que se situa (SOUZA, 2011). Vamos ver a seguir, imagens de alguns patrimônios religiosos mais expressivos no Brasil e suas datas de construção, respectivamente. FIGURA 1 – IGREJA NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO – VILA VELHA (ES) – DATADA EM 1535 FONTE: <https://secult.es.gov.br/Media/secult/Importacao/ Noticias/1450371045-rosarioa.JPG>. Acesso em: 10 jun. 2021. 94 MATriZES RELiGioSAS FIGURA 2 – I GREJA MATRIZ DOS SANTOS COSME E DAMIÃO – IGARASSU (PE) – INÍCIO DA CONSTRUÇÃO EM 1535 FONTE: <https://www.roteirospe.com/wp-content/uploads/2017/05/ principal-4-1024x576.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. FIGURA 3 – I GREJA NOSSA SENHORA SANTANA, ILHÉUS (BA) – 1537 FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/legacy/2016/12/28/ igreja-nossa-senhora-santana-ilheus.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. 95 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo3 FIGURA 4 – IGREJA NOSSA SENHORA DO CARMO, RIO DE JANEIRO (RJ) – 1590 FONTE: <https://aventurasnahistoria.uol.com.br/media/uploads/ legacy/2016/12/28/igreja-do-carmo-rj.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. FIGURA 5 – TERREIRO CASA BRANCA DO ENGENHO VELHO - SALVADOR (BA) – DATADO DE 1830 FONTE: <http://portal.iphan.gov.br/pagina/detalhes/1636>. Acesso em: 10 jun. 2021. 96 MATriZES RELiGioSAS FIGURA 6 – IGREJA EVANGÉLICA FLUMINENSE, RIO DE JANEIRO (RJ) – 1914 FONTE: <https://www.temploshistoricos.info/evangelica- fl uminense>. Acesso em: 10 jun. 2021. FIGURA 7 – IGREJA ADVENTISTA DO SÉTIMO DIA, GASPAR (SC) – 1986 FONTE: <https://turismo.gaspar.sc.gov.br/o-que-fazer/item/igreja-adventista-do-setimo- dia-de-gaspar#:~:text=A%20Igreja%20Adventista%20do%20S%C3%A9timo,do%20 Gaspar%20Alto%2C%20em%20Gaspar>. Acesso em: 10 jun. 2021. 97 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 Essas são as principais e mais antigas igrejas e templos em funcionamento até os dias de hoje registrados no Brasil. Existem muito mais, no entanto, as imagens e locais são limitados e não se encontram com facilidade. Para isso, lista-se algumas que não há fotos, mas que também são importantes patrimônios religiosos com suas datas fundadoras: • Terreiro do senhor Nicanor, Rio de Janeiro (RJ) – 1890. • Igreja Evangélica Luterana do Brasil (IELB) – 1904. • Congregação Cristã no Brasil (CCB) – 1910. • Igreja Missão de Fé Apostólica - 1911, mais tarde (1918) conhecida como Assembleia de Deus. A ideia de expressão contemporânea das religiões também congrega locais sagrados de peregrinação. Esses lugares, ainda, transcendem as quatro paredes, como cidades que são consideradas espaços sagrados na sua totalidade. Pode- se denominá-las como sendo cidades religiosas, pois sua expressividade vem através do turismo religioso. Vejamos as principais brasileiras a seguir. FIGURA 8 – CATEDRAL B ASÍLICA NOSSA SENHORA APARECIDA FONTE: <http://blog.ibrturismo.com.br/wp-content/uploads/2017/06/Santu%C3%A1rio- Nacional-de-Nossa-Senhora-Aparecida-1024x678.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. 98 MATriZES RELiGioSAS A Catedral Basílica Santuário Nacional de Nossa Senhora da Conceição Aparecida, também conhecida como Santuário Nacional de Nossa Senhora Aparecida, é um templo religioso católico localizado no município de Aparecida (SP). É o maior templo católico do Brasil e o segundo maior do mundo. Essa cidade turística religiosa recebe milhões de pessoas todos os anos, principalmente na data de 12 de outubro. Além de tudo, Nossa Senhora Aparecida é a padroeira do Brasil, o que faz com que todo município se torne um espaço amplamente sagrado. FIGURA 9 – MEMORIAL PADRE CÍCERO, JUAZEIRO DO NORTE (CE) FONTE: <https://badalo.com.br/wp-content/uploads/2018/10/ IMG_6807.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. O município de Juazeiro do Norte (CE) é conhecido devido à fi gura de Padre Cícero, e é considerado um dos três maiores centros de religiosidade popular do Brasil, junto a Aparecida (SP) e Nova Trento (SC), esta última veremos a seguir. O memorial de Padre Cícero contém toda a vida da fi gura popular, bem como a história da cidade. Além dele, ainda há o Museu Vivo do Padre Cícero, que conta com esculturas de cera; e Museu Padre Cícero, que foi a casa onde ele residiu por vários anos antes de sua morte. Com isso, o município todo acaba sendo considerado uma cidade religiosa. 99 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 FIGURA 10 – S ANTUÁRIO DE SANTA PAULINA, NOVA TRENTO (SC) FONTE: <https://santuariosantapaulina.org.br/wp-content/uploads/2019/01/ Santu%C3%A1rio-Santa-Paulina-.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. Após a canonização de Madre Paulina, primeira santa brasileira, o município de Nova Trento (SC) fi cou reconhecido como uma cidade religiosa. Apesar de apresentar cerca de 15 mil habitantes (IBGE, 2019), o município do oeste do estado de Santa Catarina tem se destacado como ponto turístico religioso desde 2006, quando foi inaugurado o santuário. Os números de visitantes aumentam gradativamente fazendo com que outros pontos da cidade se tornem parte do turismo religioso, como o Morro da Cruz, que é uma trilha com vista panorâmica, tornando-se uma caminhada de peregrinação. Também conta com o Santuário de Nossa Senhora do Bom Socorro, que é o destino fi nal da trilha e outros locais de visita ao longo do trajeto. Apesar de não estar na lista ofi cial de templos/monumentos, a Basílica de Nossa Senhora Medianeira (Figura 10), também tem sido destaque na manifestação religiosa católica no Brasil. 100 MATriZES RELiGioSAS FIGURA 11 – BASÍLICA DE NOSSA SENHORA MEDIANEIRA, SANTA MARIA (RS) FONTE: <https://media-cdn.tripadvisor.com/media/photo-s/0f/20/1b/ ff/basilica-nossa-senhora.jpg>. Acesso em: 10 jun. 2021. Localizado no município de Santa Maria (RS), o Santuário da Medianeira, como é popularmente conhecido, recebe números incontáveis de fi éis devotos à Nossa Senhora Medianeira a cada ano. É uma das maiores manifestações religiosas no espaço do Rio Grande do Sul, e tem sido percebida, inclusive, fora do país. No entanto, não é somente o espaço sagrado da basílica que é importante. Todo o profano em volta se torna religioso, pois a Romaria que acontece todos os anos no segundo domingo de novembro, conta com a procissão que tem início na área central do município, e logo após, uma programação de missas e celebrações religiosas (o qual a basílica não comporta todos, e há um revezamento de fi éis que se aglomeram no lado de fora), ainda acontece a tradicional festa da romaria, que traz inúmeros comércios relacionados à santa. Essa movimentação é muito expressiva na região do interior do Rio Grande do Sul, pois o dia de Romaria é planejado durante o ano todo pelos santa-marienses e quem vêm de municípios limítrofes. Outro exemplo de evento religioso que podemos destacar é o Congresso Internacional de Missões dos Gideões Missionários da Última Hora, que acontece em Balneário Camboriú (SC) – local sede –, que é considerado o maior congresso missionário protestante pentecostal do Brasil. Este congresso tem por objetivo principal, a divulgação do evangelho de Cristo em território brasileiro e no mundo. Uma das características desse evento é a duração de cerca de 10 dias, onde as pessoas se envolvem em inúmeros cultos diários, com a presença de cantos, palestras e atividades religiosas no intuito de levar a Obra de Deus para milhares de pessoas. 101 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 É importante considerar essas expressões religiosas, mas também não podemos esquecer que a maioria delas é ligada às religiões predominantes. Manifestações protestantes, afro-religiosas, espíritas, dentre outras, são limitadas e acontecem em espaços muito menores (praças, áreas de lazer, bairros locais) e não têm um número muito grande de pessoas. No entanto, elas são maiores em número de vezes em que acontecem. Por exemplo, um culto protestante pode acontecer em uma área de lazer de um bairro, pelo menos umas quatro vezes durante um mês. Ele pode não ser expressivo ao conhecimento nacional, mas é expressivo para as pessoas que residem onde ele acontece. Essas pequenas e, às vezes, não notáveis manifestações são as que mais ganham força no sentido local, e acabam se ramifi cando em escala pequena até que uma rede de aparições se cria e interliga espaços religiosos uns com os outros. Outro exemplo que podemos utilizar nesse entendimento são as comemorações da Nossa Senhora dos Navegantes, a qual já vimos anteriormente, mas que ganha expressividade por acontecer em quase todas as regiões litorâneas do país, e apesar de não ser de uma exclusiva de uma matriz religiosa, cria essa manifestação em rede que liga diferentes crenças. Dessa forma, além da pluralidade e diversidade, a constante fragmentação religiosa é resultadoda dinâmica socioespacial contemporânea. Considera-se que, a partir do século XX, o campo religioso tem sofrido transformações e reordenam-se diferentes formas de expressão religiosa, sejam elas institucionais ou não, tradicionais/ hegemônicas e novas, permanentes ou temporárias, fundamentalistas ou performáticas. Esse contexto em que vivemos – da multiculturalidade – não apresenta um limite de diversidade, e o fenômeno religioso acompanha na mesma proporção. Moreira e Oliveira (2008) defendem que a globalização trouxe transformações duradouras para o campo religioso. Resumindo as considerações acerca das transformações feitas pelos autores, tem-se: • Religião e ordem global se interpenetram: as religiões tanto sofrem os efeitos como têm sido fatores importantes do fenômeno da globalização. Elas infl uem e são infl uenciadas por outras culturas distintas. • Aproximação de fronteiras entre sistemas simbólicos: a visualização do outro, do exótico e do diferente não está mais distante, podendo haver convivência, como um espaço aberto a todos. • Hibridismo nas práticas religiosas: uma mescla ou combinação eventual de universos simbólicos distintos. Dessa forma, além da pluralidade e diversidade, a constante fragmentação religiosa é resultado da dinâmica socioespacial contemporânea. 102 MATriZES RELiGioSAS • Pluralidade religiosa: as ofertas simbólicas são as mais diversifi cadas. • Desenvolvimento de identidades particulares e subalternas: os regionalismos, nacionalismos e fundamentalismos são um meio de preservação da identidade diante de uma acirrada competição, da dominação e da dependência cultural da hegemonia. • As religiões, de modo geral, se tornaram um elemento fl utuante: tradições religiosas foram liberadas de seus contextos de origem. • Religião da escolha de cada pessoa: perda da autoridade vinculante das instituições religiosas e a maior autonomia das pessoas na procura de seus próprios seguimentos religiosos. • Deslocamento do campo religioso: outras instituições assumem funções das igrejas no campo cultural, principalmente a mídia e a política. • Disputa pela interpretação ou afi rmação: as lutas pela legitimação entre os diversos seguimentos religiosos devem expandir. • Confl ito de apropriação das próprias religiões: devido ao grande número de informações, pela era informacional que estamos passando, a maioria não consegue chegar a um acordo sobre o que pode e não pode ser absorvido. A emergência da sociedade, em geral, abriu a possibilidade para diversas alternativas e pertencimentos religiosos. As velhas tradições dão lugar a uma cultura religiosa menos intolerante, e a autoridade sobre sentidos e códigos simbólicos está cada vez mais difícil. Neste sentido, “o esforço das instituições para assegurar uma identidade uniforme parece ir a contrapelo de uma tendência sincrética predominante que busca o intercâmbio entre símbolos pertencentes a diversos sistemas religiosos” (STEIL, 2008, p. 8). O fenômeno da globalização, ao mesmo tempo que aproximou sistemas religiosos, produziu também a comercialização do campo religioso e as tentativas de resistência com o renascimento do fundamentalismo. A constante luta por mais adeptos e as novas demandas institucionais fi zeram com que muitas religiões aderissem à dialética da concorrência de mercado. As incertezas geradas pelo que é novo, por outro lado, reforçaram normativas e atitudes de intolerância em relação à diversidade. A emergência da sociedade, em geral, abriu a possibilidade para diversas alternativas e pertencimentos religiosos. Existem diversas formas de expressões religiosas no espaço e uma delas é dentro da escola. Nesse sentido, sugere-se a leitura de um texto interessante sobre a temática: ROCHA, M. Z. B. Expressões religiosas em escolas públicas: representações sociais ou ideologia?. Revista Acta Scientiarum Education, Maringá, Paraná, v. 38, n. 3, p. 231-246, 2016. 103 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 1) Neste momento não apenas de refl exão sobre as expressões religiosas atuais, seria importante você conhecer outras além destas que partilhamos no texto. Para isso, descreva uma manifestação religiosa que você conhece ou que tenha pesquisado e analise os seguintes aspectos a seguir: a) Características da manifestação (qual religião pertence, local, escala). b) Se possível, anexe uma foto do fenômeno. c) Função social que ele exerce na sociedade. 3 TECNOLOGIA E RELIGIÃO: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO Partindo do pressuposto de que a religião sempre foi vista como algo tradicional, rústico e inalterado, fadado às inúmeras páginas de seus livros sagrados, história oral e cultura passada de geração em geração etc., é quase impossível pensar no binômio religião-tecnologia. No entanto, essa característica clássica está mudando no campo religioso, pois a sociedade está cada vez mais conectada com as mídias sociais, forçando com que as religiões estejam acompanhando essa evolução do cotidiano. Diante do meio técnico-científi co-informacional sugerido por Santos (2008), no qual estamos inseridos, a produção de conceitos e interpretações acerca da temática proposta é incontável. No entanto, as perspectivas do emprego dessa temática é o que nos faz realizar um mapeamento do que podemos utilizar no entendimento das múltiplas relações religiosas no espaço. As discussões que alavancam o destaque para o diálogo inter-religioso não está apenas em livros, mas toma conta de um espaço midiático, que propõe o mesmo a acontecer via ciberespaço. Ou seja, a ação pode ser realizada diante de diferentes contextos e localidades, pois não precisa ser exatamente em um espaço físico. Uma das possibilidades das manifestações religiosas está, então, no que se pode chamar de tecnologia espiritual, ou ainda, igreja on-line (SPADARO, 2013). Para introduzir melhor essa visão, Sbardelloto destaca (2011, p. 47): 104 MATriZES RELiGioSAS Vemos hoje um deslocamento das práticas de fé ao ambiente online, a partir de lógicas midiáticas, complexifi cando o fenômeno religioso e as processualidades comunicacionais. A religião, especialmente a católica, em sua necessidade de dar a conhecer as suas verdades sobre o mundo, se apropria dos dispositivos comunicacionais digitais ao seu alcance, através de suas várias possibilidades, para transmitir sua mensagem de fé. Dessa forma, as pessoas passam a encontrar uma oferta da fé não apenas nas igrejas de pedra, nos padres de carne e osso e nos rituais palpáveis, mas também na religiosidade disponível em bits e pixels. Formam-se novas modalidades de percepção e de expressão do sagrado em novos ambientes de culto. Manifesta-se, assim, uma nova forma de hierofania, uma nova forma de revelação e manifestação do sagrado, agora midiatizada: midiohierofanias que lançam a religião para novos patamares de existência. Existem muitas manifestações religiosas em programas de televisão, principalmente em canais abertos. A ideia é levar as experiências religiosas para o mais afastado lugar, recrutando fi éis não apenas locais, mas também de outros lugares fora do original. Sobre isso, Sbardelloto (2011, p. 5) sugere: [...] até mesmo a religião constrói e gera sentido ao fi el também por meio de processos sociais que ocorrem dentro do fenômeno da midiatização. A religião também passa a existir nessa nova cultura, tentando, aos poucos, remodelar suas estruturas para as novas processualidades midiáticas, reconstruindo e ressignifi cando práticas religiosas tradicionais de acordo com os protocoles da internet. Ou seja, em uma sociedade em midiatização, o religioso já não pode ser explicado nem entendido sem se levar em conta o papel da mídia. De modo geral, a mídia – canais de televisão, programas de rádio e internet – tem dedicado parte de sua grade de horários a programas e discussões relacionados com a religião. Como já sesabe, a religião continuamente foi uma das temáticas privilegiadas nas ciências sociais e humanas, notando-se um interesse em compreender a religião como um fenômeno social no âmbito dos estudos a respeito da sociedade. Os principais pensadores das ciências sociais, Marx, Weber e Durkheim, dedicaram muito tempo de estudos ao tema, incluindo aí algumas de suas obras clássicas, as quais foram apresentadas nesse texto. Os diversos caminhos trilhados por esses estudos, no entanto, parecem trazer como objeto a preocupação em estudar a religião como uma prática social, ou um espaço de relações sociais, ou até mesmo campo específi co de saberes populares, de maneira que suas relações com outros aspectos da sociedade são levadas em consideração no sentido de se pensar a relação com outras dinâmicas sociais objetivadas no sentido de intersecções com a política, a economia, identidades ou vínculos com a sociabilidade. Obviamente, nenhum desses autores trouxe 105 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 a religião nas mídias (espaço-tempo é a justifi ca), e essa temática é considera emergente na atualidade. Para Martino (2014, p. 84): A desvinculação da “sociologia da religião” dos estudos de caráter religioso parece ter sido fundamental para a emergência de uma área de “mídia e religião” na medida em que a inclusão de outras instâncias, no caso a comunicação, passa a ser possível e desejável na constituição de formas específi cas de ação religiosa. Cabe ressaltar que, no geral, as religiões cristãs têm se transformado em função da mídia, pois a sua abrangência de “telespectadores” é muito maior do que dentro de um espaço físico. Como os canais de comunicação fazem a notícia chegar em qualquer lugar em segundos, aliar-se à tecnologia nos dias de hoje é praticamente uma obrigação. Para Martins e Rivero (2019, p. 13): O entendimento é de que a internet também é um espaço de comunhão que chama a comunidade religiosa a ser mais unida e ligada. As redes sociais, auxiliadas pela fl uidez e espaços interativos, atuam como agentes da circulação dos discursos; para a religião, tornam-se protagonistas no processo de interação e circulação do campo religioso. As redes sociais, enquanto um sistema digital interconectado, são micro-manifestações desse campo religioso. As igrejas cristãs se adaptaram às mídias, começando pelas eletrônicas, como rádio e televisão, e depois migraram para as digitais, com a internet e suas redes sociais, sobretudo Facebook e YouTube, como estratégia de evangelização, pois é possível alcançar um número maior de pessoas. A aproximação da religião com novas tecnologias está ampliando a forma com que as pessoas acessam, ensinam ou compartilham seu modo de vida religioso. Hoje, por exemplo, é possível carregar a bíblia em um aparelho smartphone, ter acesso a inúmeros aplicativos de estudos religiosos e diferentes recursos para auxiliar no entendimento do mesmo. A íntima ligação entre religião e tecnologia (principalmente, a internet) atinge diretamente a forma como as pessoas aprendem e disseminam a sua religião, compartilhando conhecimentos, experiências com pessoas de qualquer lugar do mundo. Nesse sentido, a tecnologia ajuda a aprimorar qualquer forma de transmissão de mensagens, conteúdo ou informações para outras pessoas, e facilita especialmente a comunicação de longa distância e em massa. Tendo a capacidade de conectar e construir relações de sociabilidade, a tecnologia é uma ferramenta importante para o crescimento de qualquer seguimento religioso. Ainda que muitos líderes de religiões hegemônicas sejam resistentes a essa nova era digital, é notável que a maioria das congregações religiosas que recorrem à tecnologia estão tendo maior visibilidade, resultando na maior disseminação de seus preceitos para a sociedade no geral. 106 MATriZES RELiGioSAS Ela não é apenas uma forma de alcance por mais adeptos, mas também auxilia na interação com seus fi éis, estimulando a participação, aprendizado e compartilhamento de múltiplas experiências. Em tempos de pandemia, onde o distanciamento social se faz presente e possivelmente continuará fazendo parte do cotidiano, a tecnologia ajuda na aproximação de pessoas, principalmente quando envolve a fé, independentemente de sua crença religiosa. A rede que se forma através da comunicação em massa é poderosa e efi caz na própria construção do espaço virtual – pois o mesmo tende a ser dinâmico e multirrelacional, podendo abranger intersecções culturais, políticas e até mesmo econômicas. Exemplifi cando essa prática, podemos ter como referência a religião católica. Uma igreja que marca presença no mundo digital, tem envolvimento em tempo real com a vida das pessoas, e ao invés de esperar que elas venham ao seu encontro, as leva simultaneamente para “dentro” de seus espaços religiosos. As pessoas tendo acesso às informações sobre atividades, eventos e recursos disponíveis, ajuda a elevar o perfi l de adeptos, bem como mostra a expressividade e representatividade da igreja em maiores escalas. As mídias sociais, principalmente, são ótimos canais para as igrejas compartilharem sua cultura, suas histórias e momentos de manifestação de fé, o que resulta em interação, engajamento e desperta interesse em diferentes gerações, que é o caso dos jovens, pois eles têm maior cotidiano virtual se comparado a todas as faixas etárias. Com isso, podemos dizer que a mobilidade das religiões no ciberespaço é uma forma inteligente de manifestação e expressão contemporânea. O processo de inserção ainda é tímido, porém bastante efi caz quando bem organizado pelas entidades, e isso permite uma prática não apenas social, mas também funcional das mesmas. Observa-se em termos panorâmicos, que a tendência em adotar a tecnologia como objeto principal de comunicação entre religião e sociedade é uma realidade emergente e imposta pela atual confi guração socioespacial, tendo como base o uso de ferramentas tecnológicas que podem se ajustar à vida cotidiana do adepto. Um exemplo disso são os cultos on-line, onde um líder religioso pode realizar várias vezes ao dia, para contemplar as pessoas que não podem em determinados horários. Talvez isso não seria possível se o culto fosse presencial. Há uma fl exibilidade que permite esses planejamentos e com isso a adaptação seja algo permanente para cada pessoa. 107 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 Para refl etir: Considerando o momento atual que estamos vivendo, é possível que a identidade religiosa das matrizes originais possa ser preservada mesmo que elas se aliem à era digital? De certa forma, isso é uma visão muito particular de cada um, pois as experiências nunca são iguais e possivelmente as respostas para esse questionamento serão extremamente singulares. Lembrando que, ao mesmo tempo em que a tecnologia avança, muitas coisas vão se perdendo com o tempo. Isso vale para a cultura e também seus códigos culturais. 4 DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO: POSSIBILIDADES E DESAFIOS Quando iniciamos esta obra, falamos sobre as principais matrizes religiosas no Brasil, detalhamos com dados os adeptos e comparamos umas com as outras, destacamos o conceito de religião em diferentes perspectivas em referências contemporâneas, incluímos no debate, questões sobre a pluralidade cultural e religiosa presente no território brasileiro. Tudo isso forma uma boa base teórica e também metodológica para a discussão fundamental que tem se destacado nos dias de hoje: o diálogo inter-religioso. Pensamos em possibilidades e desafi os por conta dos inúmeros questionamentos acerca da temática, o que pressupõe que nesta seção, busquemos mais um compreendimento sobre como isso é apresentado em forma de objeto de estudo, bem como a posicionalidade das pessoas no que tange à diversidade. Partindo então do pressuposto de que a sociedade é o resultadoda uma herança genética e cultura histórica (BORGES, 2010), podemos acrescentar que também é resultado de vivências e relações sociais. Para Borges (2010, p. 40): A religião enquadra-se na experiência radical de dependência, implicando, portanto, na sua compreensão estrita, um núcleo com dois polos: um polo objetivo, constituído pela presença 108 MATriZES RELiGioSAS de uma realidade superior de que se depende, e um polo subjetivo, que consiste na atitude de reconhecimento dessa realidade por parte do homem. Apesar de o conceito de religião apresentar limitações em virtude da sua complexidade e multiplicidade de formas e conteúdos historicamente construídos nos diversos grupos sociais espalhados pelo mundo, com essa defi nição de Borges (2010), abre-se então, uma discussão pertinente e fundamental na atualidade: a convivência com o que é diferente. Grosso modo, é a partir disso que surgem os diálogos inter-religiosos. Teixeira (2002, p. 156) comenta: O grande, difícil e arriscado desafi o do diálogo inter-religioso consiste em apontar e demonstrar a possibilidade de um horizonte de conversação alternativa; de indicar que a violência religiosa não faz parte da essência da religião, mas constitui um desvio ou traição do dinamismo mais profundo que anima a relação do ser humano com o Absoluto. O principal desafi o está relacionado com a história das religiões, em que elas se detêm nos confl itos como a hostilidade, o fanatismo, agressões e ódio. As perseguições religiosas foram e ainda são signifi cativas no Brasil, e em diversos casos, as atitudes de extremismo e exclusão apoiaram-se em sentimentos enraizados de superioridade, arrogância identitária e pretensão exclusiva de verdade, que impossibilitam qualquer exercício de fraternidade mútua. Em função disso, Teixeira (2002, p. 156) extrai que “em razão e sua inserção histórica, as religiões podem, contrariando a sua motivação original, exercer uma “instrumentalização do sagrado” em favor da afi rmação de seu poder particular com respeito aos outros”. Considerando o contexto, signifi cado e gênese do diálogo inter-religioso, acrescenta Teixeira (2017, p. 2): Na década de 80 pode-se registrar um evento que foi paradigmático para o diálogo inter-religioso. Trata-se da Jornada Mundial de Oração pela Paz, realizada na cidade de Assis (Itália), em 1986, sob a iniciativa do papa João Paulo II. Reuniram-se em Assis inúmeros cristãos das tradições católico- romana, ortodoxa e protestante, budistas, judeus, muçulmanos e representantes das religiões tradicionais da África e América. Este evento signifi cou uma novidade no campo da experiência inter-religiosa, uma iniciativa histórica de grande alcance, e que até hoje setores do vaticano não conseguem digerir com facilidade. A unidade das religiões estava agora sendo construída e fi rmada em torno da oração em favor da paz. A Jornada Mundial de Oração pela Paz passa a ser um marco tanto temporal quanto material do diálogo inter-religioso. A partir deste evento, uma série de 109 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 outros encontros inter-religiosos vêm ocorrendo em todo o mundo, com o intuito de sinalizar a força das práticas comuns e das experiências espirituais partilhadas. Fica mais evidente do que nunca, que as pessoas passam de uma consciência cósmica, imersa no cosmos, a uma consciência refl exiva, de uma consciência submersa no grupo e no coletivo a uma consciência de identidade individual (BORGES, 2010). As variantes que defi nem o diálogo inter-religioso são constituídas a partir das relações sociais diante do espaço-tempo em que a sociedade está inserida. No entanto, ela continua tendo um propósito: respeito recíproco entre todas as religiões. Isso é visto como um desafi o e ao mesmo tempo uma possibilidade que resultaria na anulação “total” dos confl itos que se estendem até os dias de hoje. Entendendo que a questão do inter-religioso é um desafi o porque o diferente sempre traz incertezas e receios, também faz com que as tradições hegemônicas religiosas sejam questionadas desestabilizando as verdades, dogmas, normativas estabelecidas, ocasionando a tendência de sempre afi rmar sua identidade em um processo contínuo de construção. Nesse sentido, retoma-se as palavras de Wolff (2015, p. 85), que nos explica: Vivemos em uma sociedade eminentemente plural em todas as suas expressões socioculturais e religiosas. Por um lado, essa pluralidade é expressão da riqueza do espírito humano e de seus múltiplos valores. Possibilita ampliação dos horizontes da existência individual e coletiva, progressos que qualifi cam o ato de viver, superação de carências e de males que afl igem a humanidade. Por outro lado, a realidade plural apresenta também desafi os para a manutenção do sentido de totalidade do real, do conjunto da vida humana e social. Tal desafi o faz-se sentir, sobretudo, onde imperam tendências de subjetivismo, individualismo e pragmatismo na condução da existência, o que implica fragmentação na compreensão da realidade, das relações e das experiências. Considerando toda história da sociedade, em nenhum momento histórico anterior, as religiões se viram tão vizinhas umas às outras, devendo reciprocamente se reconhecerem e se respeitarem. Consequentemente, a cada seguimento religioso é imposta a inevitável tarefa de integrar em sua respectiva autocompreensão às demais manifestações religiosas. Diante disso, Wolff (2015, p. 90-91) destaca: O encontro entre as religiões é o encontro entre seus signifi cados espirituais para a vida das pessoas. As religiões precisam encontrar-se naquilo que realmente conta para os crentes. Nisso está o desafi o para as religiões promoverem, juntas, o espírito humano e alargarem seu universo simbólico. Isso se dá pela observação dos valores, direitos e obrigações 110 MATriZES RELiGioSAS que sustentam sua dignidade, como a justiça, a solidariedade, a amizade, a paz. É preciso fazer da afi rmação religiosa uma afi rmação apaixonada do ser humano. Entendendo que ainda há uma certa alusão de que as religiões hegemônicas dominam o espaço religioso, os padrões normativos que regem a estrutura da sociedade são voltados a elas. As afi rmações religiosas das heterogêneas são compostas por construções de espacialidades múltiplas que defi nem os seus limites enquanto dogmas. O diálogo inter-religioso pode quebrar essas barreiras que impedem as religiões subalternas de produzirem não apenas espaços religiosos, mas também um espaço de sociabilidade entre grupos diversos. Miranda (1997, p. 34) comenta que: Limitando-nos ao cristianismo, observamos que a questão posta pelas outras religiões eclodiu diversamente, ao longo dos séculos, na consciência cristã. De um juízo duro e negativo com relação às religiões «pagãs» passou-se a uma maior preocupação com o indivíduo pertencente a outra tradição religiosa, sobretudo no que dizia respeito à sua salvação (grifos do autor). Apesar da citação acima ser da década anterior, ela ainda se torna pertinente para o entendimento multifacetário do diálogo e as religiões. Ele não fala, especifi camente, em fragmentação, porém o fenômeno religioso nos dias de hoje tem sofrido constantes infl uências de um hibridismo cultural acentuado. A preocupação da “salvação do outro” é o começo de uma interação em religiões e o que determina maior diálogo é a questão de “ver o diferente”. Para que haja um início de sociabilidade entre seguimentos religiosos, Sousa (2020, p. 243) destaca: [...] é necessária uma apresentação primeiro da espiritualidade e só depois da religião, uma religião que seja capaz realmente de “religar” o imanente com o transcendente e que valorize o clima de liberdade, de diversidade religiosa e de abertura ao pluralismo cultural, ao diálogo inter-religioso, portanto, uma prática religiosa que não esteja presa ao peso da instituição, da estruturae da hierarquia, muito embora não deva ser à revelia dessas. Valorizar a liberdade, a diversidade religiosa, a pluralidade cultural, são variáveis fundamentais para que o diálogo inter-religioso passe a ser uma consequência social. Dessa forma, a função social da religião se reitera como sendo uma prática social que transcende o imaginário subjetivo. Devemos considerar também, que vivemos em uma sociedade impregnada nas ações de consumo e globalizada, o que especifi ca que a mesma se torne alienada na 111 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 própria construção do seu cotidiano. Nesse sentido, é importante deixar claro que o intuito do diálogo inter-religioso, em termos teológicos, segundo Miranda (1997, p. 34), consiste: [...] em determinar o fundamento mesmo de sua existência, que não pode ser apenas de ordem extrínseca ou funcional, enquanto favorece a paz no mundo. Devemos, portanto buscar o solo comum a todas as religiões, que seja de caráter intrínseco e substantivo, e que demonstre ser o diálogo, ou o respeito e acolhimento do outro, não apenas uma postura política ou de boa educação, mas a atitude correta e necessária. Além disso, a colaboração das religiões pela paz, pela justiça ou pela vida, porá, mais cedo ou mais tarde, a questão sobre Deus e sua ação no ser humano (grifos do autor). Já comentamos que o ser religioso é constituído de suas experiências e vivências cotidianas, e isso pode ser a base comum do diálogo inter-religioso, pois parte da própria estrutura do ser humano, ou seja, como de um ser aberto para uma realidade que o transcende. Pode-se dizer que estas estruturas se farão atuante e presentes no ser humano diversamente, conforme os diferentes contextos sócio-culturais-religiosos, em que estão integrados. Wolff (2015, p. 92) discute: Tanto o conteúdo quanto a linguagem da religião são objetos do diálogo entre as diferentes tradições religiosas e, não raro, são motivos de tensões e confl itos. Mas podem ser também vias de encontro entre as religiões à medida que possibilitam sintonias das espiritualidades que sustentam cada expressão religiosa. A espiritualidade aponta para uma superabundância de sentido que provoca as religiões para uma atitude de acolhida mútua no horizonte do Mistério que se revela para além de cada uma delas. Na dimensão espiritual as religiões se encontram. Daí a necessidade de as religiões colocarem seus conteúdos, seus símbolos e suas linguagens religiosas à disposição umas das outras, num intercâmbio espiritual crítico que lhes possibilite crescerem, juntas, na compreensão da Verdade sobre o Deus que as ampara e fundamenta. Nesta perspectiva de diálogo, não se trata de afi rmar que uma experiência espiritual ou uma religião que a possibilita é “mais” verdadeira que as outras, mas sim considerar que em um mundo multirreligioso e multicultural, assim como os princípios e dogmas religiosos não são únicos, também a interação sociedade- religião se dá de modo diferente em cada contexto espacial. Diante disso, um dos desafi os está em construir uma cultura comum que reúna não só a riqueza dos diversos valores sociais, mas também as múltiplas inspirações religiosas desses valores, não numa mesclagem indistinta, mas numa unidade estruturada e diferenciada que respeite a identidade de cada elemento (AMALADOSS, 1996). 112 MATriZES RELiGioSAS A ideia é de que o diálogo inter-religioso ocorra entre fi éis que estão enraizados e que tenham assumido o compromisso com sua própria fé, porém igualmente disponíveis ao aprendizado com a diferença. Em nível mais existencialista, compartilhar o diálogo é disponibilizar-se a entrar em uma conversação de diferentes temas (no caso, diferenças religiosas), o que signifi ca viver uma experiência de fronteira ou experiência transcendente. Amaladoss (1996, p. 15) considera que o diálogo inter-religioso se trata de desenvolver uma: [...] cultura pluralista que seria, ao mesmo tempo, uma e muitas, uma variedade na unidade, tendo as várias religiões o direito à auto-expressão, respeitando-se umas às outras e lutando juntos pelo estabelecimento de uma dimensão comum para sua cultura comum. Somente o diálogo religioso sincero e autêntico, que já foi além da mera tolerância e coexistência pacífi ca, pode fazer isso. É um dos objetivos do diálogo inter-religioso, então, traduzir a riqueza de um novo aprendizado ou ainda, traduzir os elementos culturais de um novo aprendizado, conduzindo que a relação com a diferença e a alteridade signifi ca que pode haver a apropriação de outras possibilidades e a abertura de transformação entre as religiões. Em resumo, o diálogo inter-religioso envolve uma reunião entre participantes de diferentes tradições religiosas e acontece em diversos níveis ou formas. Independentemente da maneira em que se consolida, a prática do diálogo traduz um espírito de abertura, hospitalidade e cuidado, ou seja, o diálogo refere-se a um caráter particular de ação. O esquema a seguir pode ser a base de como funciona a dinâmica do diálogo inter-religioso: FIGURA 12 – DINÂMICA BASE DO DIÁLOGO INTER-RELIGIOSO FONTE: A autora 113 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 A função do intérprete é fundamental para que o diálogo inter-religioso garanta o alcance dos objetivos propostos. Neste sentido, enfatizar sua competência é uma forma de garantir que todas as características e traduções sobre a religião em que se propõem seja condizente ao que é real. Mas ele também tem a tarefa de achar o melhor entendimento de determinadas “falas” para todos os presentes. É dele a responsabilidade de todos os integrantes da conversação entenderem o processo pelo qual estão ali reunidos. A partir daqui, há importantes consequências para o diálogo inter-religioso. Este diálogo congrega um espaço em um grupo de pessoas, suas crenças distintas, já estão ligadas entre si. Apesar da diferença das suas pertenças e costumes religiosos, essas pessoas já se encontram em sociabilidade umas com as outras, embora se mantenha entre elas uma distinção de nível religioso, independente de hierarquias. Dupuis (2002, p. 69) destaca: No presente contexto do pluralismo religioso, o diálogo inter- religioso tornou-se de primordial importância para a vida do mundo. Para que este diálogo possa ser frutuoso é necessário que os cristãos tenham uma avaliação positiva das outras tradições religiosas. Impõe-se acrescentar que, na actual situação do mundo, o diálogo se torna ainda mais imperativo. Os recentes acontecimentos que sacudiram o mundo, e que continuam a perturbá-lo tão profundamente, são disso prova chocante. O mundo parece incapaz de manter a paz entre os povos: por outro lado, as religiões, que deveriam ser um elemento conducente à paz universal, foram as mais das vezes utilizadas ao longo da história para promover confl itos e guerras entre os povos. Dupuis, em 2002, parecia prever que quase duas décadas após seu artigo publicado, o diálogo inter-religioso ainda seria uma das principais contribuições em nível mundial para a harmonia religiosa. Neste sentido, é imprescindível dizer que para garantir a paz no mundo, é necessário um diálogo inter-religioso aberto, teologicamente fundado em uma avaliação positiva das tradições religiosas. Não se pode negar que através dos séculos o cristianismo manteve, repetidamente, uma avaliação negativa das outras religiões, levando a atitudes igualmente negativas a respeito dos seus fi éis. O autor vai mais além quando fala que: O mundo pluri-étnico, pluricultural e pluri-religioso do nosso tempo, requer, de todas as partes, um «salto de qualidade» proporcional à situação, se desejamos fruir de relações mútuas positivas e abertas, caracterizadas pelo diálogo e colaboração entre os povos, as culturas e as religiões do mundo. Nada menos que uma verdadeira conversão das pessoas e gruposreligiosos será sufi ciente para levar à paz entre as religiões, sem a qual - como foi recordado atrás - não pode haver paz entre os povos (DUPUIS, 2002, p. 71, grifos do autor). 114 MATriZES RELiGioSAS A principal exigência do diálogo inter-religioso, é o acolhimento sem restrições dos outros na sua diferença, ou seja, sem ser baseado na sua identidade. O desafi o, mas também o ponto alto dessa ação, consiste nesse acolhimento dos outros nas suas diferenças. A experiência do outro é levada em consideração sem ser vista como algo errado, mas sim uma forma diferente de manifestar sua fé. Diante de tudo, ainda ressaltamos que a própria tradição de diversas religiões traz em seu núcleo a separação das demais religiões, não somente no cristianismo, mas em várias outras religiões. Por mais que o diálogo inter-religioso seja fundamental e vem aumentando gradativamente no mundo, não é preciso que as comunidades religiosas abdiquem de suas características, as quais as fazem específi cas e distintas perante as outras. Não é necessário um sincretismo absoluto das religiões para haver o diálogo, pois o que se busca, na realidade, é a harmonia religiosa e diminuição da intolerância e preconceito com as culturas diferentes. Partindo da premissa da função do diálogo inter-religioso, devemos nos questionar se é possível, e até que ponto, partilhar fés religiosas diferentes, fazendo da sua vivência cada uma delas e vivendo-as em simultâneo na sua própria vida religiosa. Isso seria possível? Vale a refl exão. BORGES, Anselmo. Religião e diálogo inter-religioso. Coimbra – Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. 115 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 Prolongando um pouco mais este tópico, podemos acrescentar algumas considerações acerca do preconceito e da intolerância religiosa que são características presentes no Brasil. Isso é resultado da pluralidade cultural, no entanto, mesmo com a ideia de culturas diferentes, estas duas ações continuam e continuarão sendo uma das maiores causas de discussão, não apenas na mídia, mas dentro da própria academia. Para que fi que claro, é interessante diferenciar preconceito de intolerância. Em resumo, preconceito é caracterizado como qualquer opinião ou sentimento concebido sem uma análise crítica. Já a intolerância pode ser defi nida ou entendida como sendo a recusa de determinado pensamento, ação ou da convivência com determinados grupos sociais, incluindo os religiosos e culturais. Nesse sentido, trazendo para nossa realidade de estudos, reafi rmamos que religião é uma prática social, e evidenciamos ainda mais com as palavras de Oliveira (1995, p. 117): Desde as antigas civilizações, percebe-se o culto ao sobrenatural como algo muito importante, mostrando que o espírito de religiosidade acompanha o homem desde os primórdios. Cada povo tem sua cultura própria, tem o culto ao sobrenatural como motivo de estabilidade social e de obediência às normas sociais. As religiões, as liturgias variam, mas o aspecto religioso é bem evidente. O homem procura algo sobrenatural que lhe transmita paz de espírito e segurança; A religião sempre desempenha função social indispensável. Se a religião é indispensável na construção do ser social, ela é uma prática que constrói a sociedade em diferentes escalas. O maior discurso das religiões, no geral, considera a sociedade livre e voluntária, e nenhuma pessoa nasce dentro de alguma religiosidade, ela torna-se religiosa da religião que mais se identifi ca, ou seja, nenhuma pessoa está subordinada por natureza a nenhuma crença. Sendo assim, práticas sociais tendem a ter rizomas nem sempre favoráveis na construção social, e um dos elementos resultantes dessa rizomática cadeia social está o preconceito e intolerância religiosa. Tendemos a olhar com certa “discriminação” o diferente, e por isso que essas duas práticas são resultantes de uma construção social, igual ao machismo, homofobia, xenofobia etc. Considerando a intolerância religiosa, podemos pensar que cada religião, quanto mais fragmentada, menor a chance de ela sofrer por conta de algum tipo de preconceito, pois essa fragmentação as enfraquece, deixando aberto um diálogo entre o que foi fragmentado. Combater a intolerância religiosa nos dias atuais tem sido uma tarefa constante e persistente. Apesar de haver medidas intervencionistas para essas 116 MATriZES RELiGioSAS práticas – como na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu art. 18, que contempla a liberdade religiosa e o direito da transmissão da fé – ainda é muito incipiente e necessita de uma visão maior por parte da sociedade. O Código Penal brasileiro, por exemplo, em seu art. 208, garante punição àquele que ferir os direitos à liberdade de crença de outrem, mas nem sempre as pessoas vítimas de intolerância religiosa sabem desse direito, principalmente as comunidades marginais que são adeptas às religiões não hegemônicas. Com o acesso à informação mais rápida, como a internet, isso tem mudado e alcançado importantes índices de combate a essas práticas, via mídia e redes sociais. As leis passaram a se espalhar entre as comunidades religiosas, no entanto, ainda não se conhece exatamente o poder de harmonia que essas ações podem resultar sendo concretizadas, pois mesmo que as vítimas da intolerância religiosa também encontrem amparo na Lei 9.459/1997, que altera o art. 1º e 20 da Lei 7.716/1989 e defi ne o crime de intolerância religiosa, essas medidas nem sempre são tomadas por inúmeros motivos, entre eles, as religiões hegemônicas que se consideram detentoras da verdade e impõem-se sobre outras com característica egocêntrica. Diante da liberdade de expressão religiosa, a própria existência da prática da intolerância é considerada uma raiz do preconceito – as duas estão intrinsicamente relacionadas – e ela vem em diferentes formas, sendo elas as verbais, físicas e psicológicas. A própria marginalização e localizações periféricas podem ser formas de resistência diante dessas práticas. Um exemplo muito comum são as religiões de origem afro no geral, que estão às margens da sociedade no geral, algumas por ser um mecanismo de resistência e permanência das mesmas no espaço. Aquele velho ditado popular: o que não é visto, não é lembrado. E vale para outras religiões que seguem esses parâmetros de invisibilidade para continuarem existindo espacialmente, diante de opressões, violência, preconceito, intolerância surgidas por outros grupos religiosos. Essas religiões subjacentes tendem a ter maior índice de intolerância religiosa, pois a própria construção da sua manifestação espacial pode ter sido resultante deste processo. E voltamos a questão sobre algumas crenças “relativamente novas” aos olhos da sociedade. Seriam elas, novas ou apenas invisibilizadas e mal compreendidas diante do espaço-tempo em que o fenômeno religioso entra em evidência? Essa é uma questão que pode ser compreendida quando nós mesmos olhamos para nosso espaço particular e aumentamos nosso questionamento acerca do nosso lugar de vivência. É uma tarefa particular analisar isso dentro do nosso pensamento empírico e crítico, pois é assim que percebemos a realidade das religiões diferentes e passamos a considerar as manifestações iguais, sem intervir de forma negativa e considerando legítimas todas as possibilidades culturais que nos é mostrada no espaço. 117 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 1) A partir do texto sobre o diálogo inter-religioso, quais funções você acredita que ele possa exercer sobre a sociedade nos dias atuais? 2) Marx, Weber, Durkheim, Eliade são pensadores sobre a sociologia das religiões. A abordagem que não está dentro de suas obras é: a) ( ) Religião e sociabilidade. b) ( ) Cultura e religião. c) ( ) Religião e tecnologia. d) ( ) Novos movimentos religiosos e diálogo inter-religioso. 3)Quais são os três maiores centros religiosos populares do Brasil? a) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Memorial Padre Cícero (CE) e Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS). b) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Memorial Padre Cícero (CE) e Santuário de Santa Paulina (SC). c) ( ) Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS), Igreja matriz dos santos Cosme e Damião (PE) e Igreja Nossa Senhora Santana (BA). d) ( ) Basílica Nossa Senhora Aparecida (SP), Igreja matriz dos santos Cosme e Damião (PE) e Igreja Nossa Senhora Santana (BA). e) ( ) Basílica Nossa Senhora Medianeira (RS), Igreja matriz dos santos Cosme e Damião (PE) e Memorial Padre Cícero (CE). 4) Sobre as expressões religiosas contemporâneas é correto afi rmar que: a) ( ) Estão atreladas à manifestação no espaço. b) ( ) Não estão relacionadas ao processo de povoamento do Brasil. c) ( ) Tem como função a aproximação da religião e pessoas na pandemia. d) ( ) Estão relacionadas ao meio técnico-científi co-informacional. e) ( ) Não estão integradas à organização espacial atual. 5) Com base no texto, o conhecimento religioso se insere no campo das práticas sociais, entre outros saberes, principalmente o popular. Nesse sentido, ele se torna muito próximo do 118 MATriZES RELiGioSAS conhecimento teológico, que por sua vez se estabeleceu historicamente como estudo sistemático dos aspectos das experiências religiosas. A principal diferença entre conhecimento religioso e o conhecimento teológico está na: a) ( ) Criticidade. b) ( ) Autenticidade. c) ( ) Autoridade. d) ( ) Epistemologia. e) ( ) Historicidade. 6) As religiões têm grande preocupação em trabalhar o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Em relação a esses conceitos, é correto afi rmar: a) ( ) O ecumenismo é a busca do convencimento das religiões através do confronto; o diálogo inter-religioso é a soberania de algumas igrejas cristãs. b) ( ) O ecumenismo é a busca da unidade entre as igrejas cristãs; o diálogo inter-religioso é o processo de entendimento mútuo no qual estão envolvidas outras religiões. c) ( ) O ecumenismo é a convergência entre as religiões; o diálogo inter-religioso é a revelação das religiões. d) ( ) O ecumenismo é o processo de entendimento mútuo no qual estão envolvidas todas as religiões; o diálogo inter-religioso é a vivência dogmática de uma religião. e) ( ) O ecumenismo é a busca pela hegemonia das religiões cristãs; o diálogo inter-religioso é uma prática que não envolve mais de uma religião. 7) Em A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o autor faz uma relação de uma sociedade que vai se desligando da religião e o efeito na economia. A autoria dessa obra é de: a) ( ) Bertrand Russel. b) ( ) Max Weber. c) ( ) Émile Durkheim. d) ( ) Karl Marx. e) ( ) Mircea Eliade 119 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 8) Sobre religião e tecnologia é correto afi rmar que: a) ( ) A aproximação da religião com novas tecnologias está ampliando a forma com que as pessoas acessam, ensinam ou compartilham seu modo de vida religioso. b) ( ) A íntima ligação entre religião e tecnologia não atinge diretamente a forma como as pessoas aprendem e disseminam sobre a sua religião, compartilhando conhecimentos, experiências com pessoas de qualquer lugar do mundo. c) ( ) A rede que se forma através da comunicação em massa não se torna efi caz do espaço virtual. d) ( ) Religião, tecnologia e diálogo inter-religioso não são temas emergentes na atualidade. e) ( ) O binômio religião-tecnologia sempre foi discutido dentro da sociologia das religiões. 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Interessante observar que as manifestações das religiões em um contexto geral acabam por delimitarem uma forma expressiva que transcende muitas outras religiosidades. Esse processo de absorção de elementos religiosos pressupõe que no Brasil, difi cilmente, iremos ver uma matriz religiosa original, pois mesmo que não seja perceptível, até as religiões hegemônicas sofrem infl uência das culturas dominadas ao longo do tempo. Por mais que seja um processo sutil e extremamente lento, ele existe. Pode levar mais de uma geração para a “transformação”. E isso imbrica muito de como as pessoas cultuam e manifestam suas crenças no espaço. Ao término desse trabalho, provavelmente já aparecerá outras formas de expressão religiosa em algum lugar que ainda não poderemos identifi car, no entanto, somos capazes de colocar nossos “óculos acadêmicos e científi cos” para conhecer o máximo de conteúdo sobre essas expressões. Em relação ao que chamamos de diálogo inter-religioso, podemos acrescentar que em tese, ele é uma possível ferramenta social para barrar o preconceito religioso, pois havendo um consenso de que todas as religiões são verdadeiras, a própria construção de sociabilidade entre grupos sociais diversos passa a ser a grande chave de signifi cação do que é viver em sociedade de fato. O resultado desses diálogos tende a ser pacifi sta e harmonioso, e como a religião é a principal formadora de seres sociais (ou pelo menos a primeira), e que estrutura normativas 120 MATriZES RELiGioSAS REFERÊNCIAS AMALADOSS, M. Pelas estradas da vida: prática do diálogo inter-religioso. São Paulo: Paulinas, 1996. BORGES, A. Religião e diálogo inter-religioso. Coimbra – Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2010. (Estado da Arte) CAMARGO, H. L. Patrimônio histórico e cultural. 2. ed. São Paulo: Aleph, 2002. DUPUIS, J. O diálogo inter-religioso numa sociedade pluralista. Didaskalia, v. 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Ao término destas páginas, espera-se que elas tenham contribuído para uma visão sistêmica, que seja capaz de debater, problematizar e posicionar-se aos discursos e práticas de intolerância, discriminação e violência de cunho religioso, considerando principalmente, a heterogeneidade religiosa do Brasil. 121 A RELIGIOSIDADE NA ATUAL CONFIGURAÇÃO SOCIOCULTURAL Capítulo 3 MIRANDA, M. de F. Diálogo inter-religioso e fé cristã. Perspectiva Teológica, Belo Horizonte, v. 29, p. 33-54, 1997. MOREIRA, A. S.; OLIVEIRA, I. D. (Orgs.). O Futuro da Religião na Sociedade Global. São Paulo: Paulinas, 2008. OLIVEIRA, P. S. de. Introdução à Sociologia. 1. ed. São Paulo: Ática, 1995. RIBEIRO, J. O. Sincretismo religioso no Brasil: uma análise histórica das transformações no catolicismo, evangelismo, candomblé e espiritismo. Recife/PE: UFPE, 2012. ROCHA, M. Z. B. Expressões religiosas em escolas públicas: representações sociais ou ideologia? 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