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LLPT_TopicosdeLiteraturaPortuguesa_impresso-63


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maldizer, que dá vazão aos baixos instintos, tanto ao ódio quanto às volúpias, 
como ainda a críticas a grupos sociais, profissionais e ao mundo político e 
religioso.
É nesse último grupo de poemas (escárnio e maldizer) que vamos 
encontrar a primeira manifestação anticlerical da literatura em português. 
Trata-se de três cantigas de um nobre galego chamado Fernão Paes de 
Tamalancos (séc. XIII). Pouco se sabe a respeito desse trovador, e o fato de 
ele ser galego, e não português, não impede que seja estudado no 
Trovadorismo português, já que a língua utilizada configurou uma 
comunidade literária (ver Saraiva e Lopes 2005:49). 
As cantigas de números 5, 6 e 7 de Tamalancos da edição de Graça 
Videira Lopes (2002, p. 28-30) se referem a uma abadessa, prima do poeta, a 
quem ele servia de modo cortês, ou seja, ele lhe era dedicado, dando-lhe 
atenção e proteção, mas sem compensações físicas. Aconteceu que um 
cavaleiro de posição inferior deu um presente à freira e conquistou assim o 
seu afeto. As duas primeiras cantigas reportam o amor sincero do eu lírico à 
moça e a forma ingrata como a abadessa o trocou por alguém de menor 
valor.
Mas é a cantiga 7 que nos interessa. Esta, já de caráter satírico, insinua 
com ironia que a freira havia se corrompido, atentando contra a virtude de 
seus votos eclesiásticos. Leiamos essa cantiga (do lado direito fizemos uma 
paráfrase para melhor compreensão do leitor):
Original
Quand’eu passei per Dormã 
preguntei por mia coirmã, 
a salva e paçãã. 
Disserom: - Nom é aqui essa, 
alhur buscade vós essa; 
mais é aqui a abadessa.
Preguntei: — Por caridade, 
u é daqui salvidade 
que sempr'amou castidade? 
Disserom: - Nom é aqui essa, 
alhur buscade vós essa; 
mais é aqui a abadessa.
(In Lopes 2002:30)
Paráfrase
Quando passei por Dormã (ou 
Dormea (Segundo a estudiosa 
Carolina Michaëlis, o poema se refere 
ao convento de S. Cristóvão de 
Dormea, na região de Santiago de 
Compostela, Galícia (cf. Lopes 
2002:30). ) ) Perguntei por minha 
prima, a pura e nobre (educada no 
paço).
Disseram-me: não está aqui, 
deveis buscá-la em outro lugar, 
mas aqui está a abadessa.
Perguntei: por caridade, 
onde está a moça pura 
que sempre amou a castidade?
Disseram-me: não está aqui, 
deveis buscá-la em outro lugar, 
mas aqui está a abadessa.
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