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que quer passar ao leitor a certeza de que foi traído e de que sua vingança é legítima, mas não convence ninguém, desviando a simpatia do leitor para a mulher supostamente adúltera; em Menino de engenho, de José Lins do Rego, apresenta-se uma voz narrativa vacilante entre menino e adulto; em Sargento Getúlio, de João Ubaldo Ribeiro, temos o monólogo da missão e do destino inalterável. 2 - NARRADOR Com relação à perspectiva sobre os fatos narrados, o narrador pode ser de primeira ou de terceira pessoa. No primeiro caso, pode haver variações: o personagem principal relata sua história, ou uma personagem secundária relata a história do protagonista. A atitude do narrador de terceira pessoa pode variar entre aquele que sabe de tudo o que acontece e o que apenas observa os acontecimentos. O primeiro é o narrador onisciente, conhece tudo sobre a história e a intimidade (inclusive psicológica) das personagens. Às vezes esse ser onisciente chega a interferir na história, dando conselhos aos personagens e influenciando em seu comportamento: esse é o narrador intruso. No segundo caso, temos o narrador observador, que se limita a observar e relatar os acontecimentos, comunicando apenas o que está ao seu alcance. Outra modalidade de apresentação do narrador é a que propicia focos narrativos múltiplos. É um recurso que aparece na narrativa moderna, e se torna mais frequente nos textos contemporâneos, contemplando a presença de pontos de vista variados, com mistura ou não de pessoa. Em Macunaíma, de Mário de Andrade, por exemplo, o protagonista, na “Carta pras Icamiabas”, assume a narrativa, que até então se fazia em terceira pessoa. Em Um copo de cólera, de Raduan Nassar, o narrador masculino dos seis primeiros capítulos cede a condução do texto no sétimo e último capítulo a uma voz feminina, que encerra a novela e revela a fraqueza e a carência do narrador masculino anterior. Em Nove noites, de Bernardo Carvalho, há a presença de dois narradores que relatam os acontecimentos relacionados ao suicídio do etnólogo norte-americano Buel Quain em épocas e locais diferentes, assumindo, evidentemente, pontos-de-vista também diferentes. Outro autor importante da literatura portuguesa contemporânea, António Lobo Antunes, usa frequentemente o recurso de narradores múltiplos, embaralhando as “verdades” ficcionais. Quanto às atitudes do narrador, pode ser de envolvimento com o leitor, com quem ele dialoga, como ocorre em Machado de Assis; de autoridade em relação aos fatos narrados (ou mesmo de ausência de autoridade narrativa); ele pode ser um narrador memorialista, cuja atitude é de recordação; ele pode assumir uma postura crítica e irônica, ou lírica e melancólica; pode apresentar maior ou menor grau 43