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MUSICALIZAÇÃO INFANTIL AULA 2 Profª Florinda Cerdeira Pimentel 2 CONVERSA INICIAL O conceito de música possui diversas definições e funções na vida do ser humano: arte, terapia, aprendizagem, desenvolvimento, entretenimento. Nesta aula, veremos a música como uma poderosa ferramenta de desenvolvimento e aprendizagem desde a mais tenra idade e como ela pode ser inserida no cotidiano do indivíduo do ponto de vista educacional, afetivo e estético. De acordo com Bastian (2009, p. 42), a educação musical é capaz de auxiliar no desenvolvimento de capacidades cognitivas, criativas, estéticas, sociais, emocionais e psicomotoras. Também nesta aula, abordaremos o quanto a educação musical pode ser transformadora em um contexto sociocultural e faremos uma reflexão sobre talento musical e a importância da avaliação durante o processo de musicalização infantil. TEMA 1 – MÚSICA E MUSICALIZAÇÃO: PRINCÍPIOS DA MUSICALIZAÇÃO INFANTIL A música sempre esteve presente na infância: nas cantigas de roda, nos acalantos, nas cantigas de ninar, nas brincadeiras de rua e nos jogos dos pátios da escola. Desde muito cedo, os bebês já têm contato com o ritmo por meio das pulsações do coração da mãe. Por meio de seus movimentos, eles têm contato com os diferentes timbres dos sons do corpo materno e imediatamente quando nascem estão expostos aos sons que os rodeiam. O ouvido humano, diferente dos olhos que possuem as pálpebras que filtram o que queremos ou não ver, não apresenta “filtro”, ou seja, captamos todos os sons ao nosso redor, direta ou indiretamente. Sobre essa condição Jeandot (1990, p. 21) afirma que Para ouvir, basta estarmos expostos ao mundo sonoro e possuirmos o aparelho auditivo em funcionamento. Nunca cessamos de ouvir, de receber as impressões dos ruídos, dos sons. Não podemos fechar a porta dos sons: não temos pálpebras auditivas. Já a escuta envolve interesse, motivação, atenção. É uma atitude mais ativa que o ouvir, pois, selecionamos o mundo sonoro, aquilo que nos interessa. Dessa maneira, podemos perceber a música, seus elementos constituintes, como a tonalidade, os timbres, o andamento, o ritmo etc. Sendo assim, a musicalização infantil é um processo que visa buscar uma escuta mais apurada, em que o educador musical possibilita às suas crianças a 3 oportunidade de experimentar todos os tipos de sons. Por meio dessa pesquisa, ele desperta o interesse, a curiosidade, a criatividade e, a partir da exploração, ir desenvolvendo uma percepção mais apurada do universo sonoro que as rodeia. Por meio da escuta atenta, é possível então partir para outras etapas da musicalização, como o fazer musical, a apreciação e a composição. TEMA 2 – ASPECTOS COGNITIVOS, AFETIVOS E ESTÉTICOS Em Teoria de aprendizagem musical, Gordon (2000) destaca que a música é concebida de maneira orgânica, da mesma maneira com que se aprende a língua materna. Esse processo se dá em quatro etapas: escuta, imitação, pensamento e improviso. • Pela escuta: o indivíduo, como já foi dito, tem acesso aos sons desde o ventre materno, segundo pesquisadores, a partir do quarto mês de gestação, o feto já pode sentir as vibrações sonoras e captá-las em seu aparelho auditivo. Ao nascer, o bebê recebe informações sonoras de todas as formas, seja pelo som da própria voz, da voz das pessoas que o circundam ou os sons do ambiente. • Pela imitação: a criança brinca com os sons que ouve – especialmente a voz das pessoas mais próximas – e passa a imitá-los. Os sons rotineiros passam a ser assimilados com maior frequência e facilidade. • Pelo pensamento: os sons ao redor da criança começam a ter significado. • Pelo improviso: o pensar das palavras faz com que o indivíduo seja capaz de compor palavras e frases. De acordo com a teoria de Gordon, observa-se que é primordial que alguns aspectos devam ser respeitados no desenvolvimento da criança para que o ensino da música seja efetivo, como a faixa etária, a individualidade e a sua bagagem cultural. A musicalização infantil parte do princípio de que a criança vivencie os sons, brinque e experimente. Para Brito (2003, p. 41), “a forma com que as crianças percebem, apreendem e se relacionam com os sons, no tempo-espaço, revela o modo como percebem, apreendem e se relacionam com o mundo que vêm explorando e descobrindo a cada dia”. O ensino tecnicista, em que a criança deve memorizar códigos e depois digitar em um instrumento, sem antes ter sido 4 exposta a vivências sonoras, torna o seu fazer musical um aprendizado mecânico e, muitas vezes, desestimulante. O aprendizado musical, tanto nos aspectos cognitivos quanto afetivos, proporciona ao indivíduo, segundo Muszkat (2012), a ativação de diversas áreas do hemisfério esquerdo cerebral que podem potencializar além das funções musicais, que ali se encontram como funções linguísticas. Muitos circuitos neuronais são ativados pela música, uma vez que as percepções ocorrem por meio de estímulos simultâneos com tocar ou cantar e se movimentar, exigindo funções cognitivas como atenção, concentração e construção da memória. As crianças, de maneira geral, expressam as emoções mais facilmente pela música do que pelas palavras. Nesse sentido, o estudo da música pode ser uma ferramenta única para ampliação do desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças, incluindo aquelas com transtornos ou disfunções do neurodesenvolvimento como o déficit de atenção e a dislexia. (Muszcat, 2012, p. 68) Além de proporcionar o desenvolvimento cognitivo e afetivo do indivíduo, a criança que convive com a música desde pequena desenvolve uma sensibilidade sinestésica e emocional, ou seja, ela é capaz de perceber a beleza do que se ouve e consegue sentir sensações e se expressar por meio dos sons. A estética musical é a habilidade que o indivíduo adquire quando é capaz de perceber a qualidade daquilo que se ouve. Esse processo se constrói na medida em que, de forma lúdica e sensível, desperta-se na criança um ouvinte cada vez mais perceptível, quando ela já adquiriu um rico repertório, capaz de velá-la a fazer suas escolhas e demonstrar suas preferências. TEMA 3 – ASPECTOS SOCIAIS DA MÚSICA NA INFÂNCIA Desde muito pequenos, os recém-nascidos já iniciam suas relações sociais. Pesquisadores apontam que a partir do quarto mês de vida, eles já reconhecem a voz e os rostos das pessoas mais próximas de seu convívio. Isso acontece porque o timbre é um forte elemento para a construção dessa paisagem sonora familiar para os bebês, em que por meio de canções de ninar, histórias, acalantos e brincos, o cérebro em desenvolvimento converte os sons captados em sensações (Pinto, 2009). Por toda infância, a música, as canções, os jogos musicais e as brincadeiras promovem o desenvolvimento da socialização, pois por meio deles é que a criança se relaciona com outras pessoas. Nessas relações, ela aprende 5 a conviver em sociedade e aprende na prática conceitos tão importantes como compartilhar, esperar a sua vez, dividir, emprestar, ser solidário, controlar seus impulsos, empatia, companheirismo e tantos outros aspectos essenciais para o bom convívio social. Em uma única brincadeira musical, como Passa, passa gavião, são trabalhados com as crianças vários aspectos musicais, como pulso, ritmo, melodia e o timbre de um determinado instrumento. No entanto, o objetivo principal da brincadeira é passar o instrumento ou o objeto sonoro para que todos possam experimentar aquele determinado som. Portanto, o fato de passar para o colega do lado, aguardar a sua vez de tocar e respeitar a sequência da roda faz com que aspectos sociais também sejam desenvolvidos. As cantigas de roda também são grandes ferramentas de socialização, tanto pela sua formação na coreografia quanto pela própria letra de determinadas cantigas. Mesmosem perceber, as crianças cantam sobre sentimentos e emoções: “o anel que tu me deste era vidro e se quebrou, o amor que tu me tinhas era pouco e se acabou”. As cirandas fazem com que as crianças cantem de mãos dadas e ali se desenvolvem noções de ritmo, tempo, espaço e percepção musical, pois todas devem seguir o mesmo andamento para que a roda funcione, todos os participantes devem se olhar, devem se ouvir. É mão com mão, em um só pulso, como uma engrenagem orgânica movida a música e a amizade. São muitas as propostas pedagógicas que contribuem para o desenvolvimento social, emocional e afetivo das crianças como os jogos de mãos, as bandinhas rítmicas e outras atividades em que a proposta seja realizada em grupo. TEMA 4 – CONVERSANDO SOBRE O TALENTO MUSICAL Vamos abordar o talento musical sob o ponto de vista do psicólogo cognitivo e educacional Howard Gardner, que desenvolveu a Teoria das Inteligências Múltiplas. Em sua pesquisa, ele concluiu que todos possuem um número de faculdades mentais relativas e, ainda, que é possível desenvolver, por meio de estímulos, algumas dessas capacidades, que ele chama de inteligências múltiplas. Essas inteligências se localizam em diferentes regiões do cérebro e são organizadas conforme o Quadro 1. 6 Quadro 1 – As inteligências múltiplas Inteligência lógico- matemática Diz respeito à capacidade de realizações operacionais de uma pessoa, ou seja, operações numéricas e dedutivas. Inteligência linguística Está diretamente relacionada à habilidade de aprender idiomas variados. Além disso, também está ligada à capacidade de usar a fala e a escrita para um fim, como a comunicação interpessoal. Inteligência espacial Diz respeito à capacidade de compreensão, reconhecimento e manipulação de situações que estejam considerando a visão como fator determinante. Inteligência físico- cinestésica Podemos entendê-la como uma “inteligência corporal”. Está relacionada à capacidade de utilizar os movimentos corporais para a resolução de algo. Vai desde montar um brinquedo até contribuir na construção de um carro ou uma casa. Inteligência interpessoal Está ligada ao entendimento das intenções e desejos das pessoas. Reflexo direto na relação social do indivíduo em grupo. Inteligência intrapessoal Diretamente ligada ao desenvolvimento de uma compreensão de si. Essa é a inteligência que é trabalhada para se conhecer e poder agir para alcançar objetivos pessoais. Inteligência musical É o que muitos chamam de talento musical. É aquela aptidão para compor, tocar ou estar inserido no universo dos padrões musicais. Inteligência natural Aquela que está relacionada ao reconhecimento e classificação de uma espécie da natureza. Inteligência existencial Ligada à reflexão sobre temas que estão presentes na nossa vida. Seguindo a discussão sobre talento musical, ao considerar as inteligências múltiplas de Gardner, observa-se que todos temos potencialidade para desenvolver alguma forma de talento, seja ela musical ou não. Quando o educador ou familiar percebe na criança uma facilidade para a música, muitas vezes desperta-se no adulto certa euforia, pois realmente é encantador quando se observa crianças pequenas com facilidade em identificar certos timbres, memorizar sons ou reproduzir ritmos ou melodias. Até mesmo alguns indivíduos têm habilidades para manipular instrumentos musicais com muita facilidade. No entanto, esses indivíduos, mesmo que hábeis, precisam de estímulos e estudos para que aperfeiçoem suas habilidades. 7 Um cuidado muito importante que o educador deve ter com seus alunos quando se trata de talento é que o termo em si é um tanto excludente. Como ficam as demais crianças quando se coloca uma em destaque? Já observou em uma atividade musical alguma criança que não demonstra prazer, que até participa das propostas, mas tem dificuldade em executá-las ou que realiza com facilidade, mas as faz por obrigação? É uma reflexão importante a ser feita, pois o fato dessa criança não ter “talento musical” não a faz menos inteligente do que as outras. Talvez essa criança tenha mais habilidade com números ou com movimentos físicos. Cabe ao professor de música lançar mão desses recursos para tornar suas aulas mais interessantes e, assim, todos possam participar com alegria, sem destacar este ou aquele aluno. Mas existe alguma maneira de estimular a inteligência musical nas crianças? De acordo com os pesquisadores e educadores musicais mais modernos, a melhor maneira de se estimular o desenvolvimento musical é através da vivência dos sons. Desde a mais tenra idade, deve-se proporcionar a esse indivíduo ambientes estimulantes para que esse “gosto” pela música surja naturalmente nas crianças. O Brasil é rico em sonoridades, porém dentro do ambiente escolar a educação musical ainda engatinha. Enquanto isso, no Japão, nos Estados Unidos e em muitos países da Europa, as crianças saem da escola alfabetizadas musicalmente e isso faz toda a diferença. No entanto, nós, como educadores, não devemos nos restringir às limitações impostas à nossa condição, mas cada um deve fazer o seu melhor. Mais do que pensar em crianças talentosas, precisamos pensar em crianças felizes. TEMA 5 – AVALIAÇÃO NA MUSICALIZAÇÃO INFANTIL Quando se ouve o termo avaliação, logo associa-se a prova, teste. No senso comum, criou-se uma concepção de avaliação como sendo um meio de dar notas a um aluno para saber se ele merece ou não passar de ano. Segundo a Lei de Diretrizes e Bases de 1961 a avaliação era considerada classificatória, apenas atentando para a posse do conhecimento. Não havia uma preocupação quanto à recuperação, ficando esta a cargo dos familiares, cabendo à escola somente a verificação dos conhecimentos através do uso de segunda época (Lei n. 4.024/1961, art. 14). 8 O real papel da avaliação no sistema de ensino é abordar o aprendizado do aluno como um todo, considerando as dimensões emocionais e sociais do indivíduo, não meramente mensurar sua capacidade de armazenar conhecimento e memorizar dados. O processo avaliativo, que deve ser planejado e contínuo, serve como uma ferramenta para que o professor possa conhecer melhor seus alunos, visualizar suas dificuldades ou facilidades e, com base nessa análise, possa trabalhar com eles de maneira cada vez mais eficaz. De acordo com a nova LDB de 1996, a avaliação passa a ser um instrumento de acompanhamento e verificação no processo de aprendizagem. Para que isso aconteça, é necessário que o professor lance mão de ferramentas de avaliação que sirvam para que esse acompanhamento ocorra não apenas pelo professor, mas que o próprio aluno seja um verificador de seus progressos. Na educação musical, especialmente, o processo avaliativo precisa ser realizado visando às experiências do aluno, e não simplesmente quantificando-o. Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs, 1997) indicam que mais do que proporcionar conhecimentos técnicos e teóricos, é fundamental que o educador musical verifique se o indivíduo desenvolveu sua musicalidade e suas potencialidades. Para isso, o instrumento apontou metas e objetivos do ensino- aprendizagem, como saber se expressar por meio da música, desenvolvendo a percepção, emoção, imaginação e sensibilidade; interagir com instrumentos musicais; e também perceber a música como um fato histórico contextualizado em diferentes culturas. O educador deve proporcionar, durante todo o processo de musicalização, formas de avaliar que atendam a esses requisitos e busque diagnosticar o desenvolvimento individual e coletivo dos alunos. Por meio de uma percepção analítica, o professor pode observar constantemente o desenvolvimento de aspectos como postura corporal, uso adequado da voz, entrosamento entre os colegas, manuseio dos instrumentos e objetos sonoros,levando em consideração suas dúvidas, suas descobertas, suas ideias e seu desenvolvimento crítico. O educador musical que utiliza a avaliação durante todo o processo de musicalização como ferramenta de aprendizagem fará com que o aluno aprenda não apenas os elementos teóricos, mas despertará nele um indivíduo musicalmente consciente de suas possibilidades, capaz de criticar, refletir, compor e se expressar. 9 NA PRÁTICA Como já foi dito anteriormente, ao assumir um aluno ou uma turma de musicalização infantil, é de primordial importância que o educador assuma o papel de mediador de oportunidades de experimentações e vivências musicais e sonoras, para que junto com a criança desenvolvam uma prática musical instigadora, criativa e efetiva. Para isso, é necessário, antes de tudo, que ele tenha um olhar observador e analise particularmente seus alunos, reconhecendo o que a turma realmente precisa. Ao elaborar um plano de aula, assunto que abordaremos mais tarde com detalhes, cabe ao professor ter “cartas na manga”, pois, quando se trata de crianças, é preciso que haja flexibilidade para lidar com os imprevistos que possam surgir, como birras, desinteresse ou excesso de interesse por determinada proposta, fralda suja, atrito entre as crianças, indisciplina e outros tantos imprevistos comuns na rotina de uma sala de aula. Uma sugestão de planejamento que auxilia o professor no despertar do interesse das crianças logo no início das aulas é a chamada aula-espetáculo. Nessa técnica, desenvolvida pelo educador musical Estevão Marques (2017), ele compara uma aula bem planejada a um show e diz que, nessa ocasião, os espectadores aguardam ansiosamente pelas suas canções favoritas antes de ouvir os lançamentos do artista, e é isso que prende a atenção do público. Na proposta, o autor organiza a aula nas seguintes etapas: • Canção de boas-vindas: o professor deve criar uma conexão com seus alunos. A canção de boas-vindas, além de cumprimentá-los, desperta o entusiasmo para a aula que irá começar. • Aquecimento: iniciar a aula com o aquecimento é fundamental porque “um corpo bem desperto faz com que a cabeça funcione bem melhor” (Marques, 2017). Aqui, o professor não necessita dizer quase nada; ele simplesmente coloca uma música instrumental e dá início à sequência de movimentos que permita com que as crianças trabalhem a respiração, conectem-se com seus próprios corpos e agucem seus sentidos. A música instrumental desperta na criança a imaginação criativa, pois ela compõe seu próprio enredo a partir do que a melodia propõe. 10 Os benefícios dessa atividade são: promoção de maior tônus muscular e energia, escuta ativa, disciplina, concentração, habilidade motora, imaginação criativa, percepção da forma musical, percepção sensorial, equilíbrio. • Memória brincante: nesta etapa da aula, sugere-se o resgate de alguma canção ou atividade musical conhecida pelos alunos, que esteja presente na memória corporal e sonora das crianças. Pode ser alguma cantiga trabalhada em aulas anteriores, uma música do cotidiano, mas que seja algo que as crianças identifiquem. Outra sugestão é resgatar o cancioneiro popular, tão rico em nosso país. Essa proposta pedagógica faz com que as crianças, ao realizar algo já familiarizado por elas, sintam-se em território seguro, ou, conforme o autor exemplifica, “sintam-se em casa”. Segundo Marques (2017, p. 8), “neste momento, a casa, que era só do professor, também passa a ser a casa da criança. E assim acontece um pacto de confiança entre ambos, resultando numa turma muito mais unida, em que todos aprendem se divertindo!”. Pode-se observar que até mesmo entre os adultos essa “técnica” funciona. Quando se vai a um show, por exemplo, mesmo que o artista esteja lançando um novo trabalho, o público geralmente se satisfaz somente quando são tocadas as músicas conhecidas. Esse sim é o grande trunfo para o sucesso de um espetáculo, quando se aguarda ansiosamente pelos grandes sucessos, ao serem tocados, o público se conecta profundamente ao artista. Os benefícios desse momento da aula são: investigação cultural, sociabilidade, integração entre professor e aluno, agilidade dos reflexos, assimilação do conteúdo, conexão entre atividades, estrutura musical e repertório popular. • Novidade: depois de despertos a imaginação, o corpo, a memória e com alunos devidamente motivados é hora de apresentar um novo conteúdo. No entanto, deve-se ter o cuidado de seguir o eixo proposto nas atividades anteriores. Por exemplo: se no momento da memória brincante foi trabalhada a canção Seu Lobato tinha uma fazenda, sugere-se que o conteúdo trabalhado gire em torno do tema (animais da fazenda ou paisagem sonora sobre o campo). Inclusive, na atividade de aquecimento, pode-se sugerir às crianças a imitação dos movimentos dos animais, das árvores ao vento, do espantalho parado etc. 11 Nesta proposta, Marques enfatiza a importância de que tudo dentro da aula-espetáculo — canções, jogos, brincadeiras, leituras — deve estar conectado. Para ele, “construir uma sequência temática no planejamento de uma aula é uma oportunidade para as crianças trabalharem um mesmo conteúdo sob diferentes olhares e linguagens, valorizando o potencial criativo de cada aluno” (Marques, 2017, p. 8). Os benefícios obtidos na realização dessa etapa são: curiosidade, interdisciplinaridade, potencial criativo, dinâmica de grupo, ampliação de repertório, ludicidade, percepção musical e escuta ativa. • Objetos e instrumentos: até o momento, as atividades musicais propostas, como a musicalidade e a expressividade, foram trabalhadas com o corpo. Agora chegou a hora de converter as experiências corporais em experimentações de instrumentos e objetos. Em uma aula de musicalização, é fundamental que as crianças tenham a oportunidade de conhecer e manipular diferentes instrumentos musicais. No entanto, o professor deve promover atividades em que elas possam brincar com outros tipos de materiais, investigando-os e descobrindo possibilidades de fazer música com copos, colheres, papéis, brinquedos, garrafas, potes e o que mais a imaginação permitir. Marques (2017) afirma que “ao trazer objetos do cotidiano para este passo, cada criança pode se colocar no papel de um inventor, explorando as possibilidades de cada material”. Os elementos abordados nesta etapa são: ritmo, habilidade motora, dinâmica musical, confiança e motivação, técnica musical, pesquisa sonora, lateralidade e pulsação. • Criação e adaptação: desenvolver a criatividade e a expressividade é fundamental quando se propõe uma aula de musicalização com crianças. Nesta etapa, o professor pode sugerir aos alunos que inventem novas formas de brincar, tocar ou cantar os conteúdos já trabalhados. As crianças sempre trazem ideias muito interessantes. Dar a elas a oportunidade de inventar uma nova letra para uma canção conhecida, criar uma coreografia, mudar a forma de tocar, realizar arranjos e composições são excelentes formas de despertar a imaginação. Algumas conquistas alcançadas por meio de atividades como essas são: experimentação e investigação, criação literária, aprimoramento da 12 psicomotricidade, percepção corporal, treinamento vocal, socialização e cooperação, espontaneidade, teatralidade. • Despedida: o final da aula deve ser sinalizado com uma canção de despedida, de preferência que seja a mesma em todas as aulas, para que se estabeleça uma rotina. No entanto, um pouco antes da canção, é um bom momento para que o professor realize um momento relaxante com os alunos, com uma música instrumental e alguns movimentos suaves, pois, após a atividade de criação, as crianças costumam ficar agitadas. Outra sugestão é realizar uma roda de conversa muito tranquila, em que o professor agradece a participação de todos e menciona asatividades criativas que surgiram durante a aula. Esse processo é essencial para que seja fixado todo conteúdo trabalhado durante a aula, desacelere a turma para que receba tranquilamente o próximo professor que possivelmente irá chegar, além de desenvolver a autoestima. Os benefícios promovidos pela realização desta etapa são: disciplina, memória corporal, integração com a turma, confiança e autoestima, assimilação do conteúdo, expressividade, equilíbrio, concentração e foco. FINALIZANDO Nesta aula, vimos o quanto a musicalização infantil bem planejada pode ser significativa para o desenvolvimento social, cognitivo e motor das crianças. Vimos também que, por meio da vivência dos sons e da música, pode-se promover o despertar de um indivíduo mais atento, crítico e criativo, capaz de perceber pela sua paisagem sonora o ambiente em que vive e ampliar seu conhecimento para outras formas de arte e cultura. Esse despertar de mundo proporcionado pelo educador às crianças por meio da musicalização as torna adultos mais conscientes e sensíveis aos diferentes povos e culturas. Conversamos também sobre o talento musical e sobre a importância de diferenciar talento de inteligência, pois, enquanto o termo talento pode ser discriminatório no ambiente escolar, ao falarmos sobre inteligência musical, sabemos da possibilidade que temos de estimulá-la. De acordo com a Teoria das Inteligências Múltiplas de Gardner, todos temos potencial para desenvolver alguma forma inteligência. 13 Além disso, aprendemos que a avaliação na musicalização, mais do que algo classificatório, deve fazer parte do processo de ensino-aprendizagem, sendo realizado cotidianamente, com o olhar do educador para os alunos e do educador para si mesmo. 14 REFERÊNCIAS BASTIAN, H. G. Música na escola. 1. ed. São Paulo: Paulinas, 2009. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Arte. Brasília, 1997. Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/livro06.pdf>. Acesso em: 18 maio 2020. _____. Lei n. 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 28 dez. 1961. _____. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 23 dez. 1961. BRITO, T. A. de. Música na educação infantil: propostas para a formação integral da criança. São Paulo: Peirópolis, 2003. GORDON, E. A. Teoria da aprendizagem musical: competências, conteúdos e padrões. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2000b. JEANDOT, N. Explorando o universo da música. São Paulo: Scipione, 1990. MARQUES, E. O método da aula-espetáculo. [S.l.]: [s.n.], 2017 MUSZKAT, M. Música, neurociência e desenvolvimento humano. In: JORDÃO, G. et al. (Coord.). A música na escola. São Paulo: Allucci & Associados Comunicações, 2012. p. 68. PINTO, R. da S. A música no processo de desenvolvimento infantil. Rio de Janeiro: [s.n.], 2009. QUEM é Howard Gardner e o que é Teoria das Inteligências Múltiplas. Laboratório Inteligência de Vida, Rio de Janeiro, 8 ago. 2018. Disponível em: <https://blog.inteligenciadevida.com.br/2018/08/08/quem-e-howard-gardner- especialistas-em-educacao/>. Acesso em: 18 maio 2020.