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Literatura Brasileira III Aula 05: A Década de 40 Tópico 02: João Cabral de Melo Neto Fonte [2] O poeta João Cabral de Melo Neto escreveu mais de 180 poemas sobre Pernambuco - a maioria deles sobre o Recife e seu rio Capibaribe. O que inspirou vários deles, inclusive O cão sem plumas, de 1950, ou Morte e vida severina, de 1954, foi a atmosfera de miséria que envolve as populações ribeirinhas do Capibaribe ou os retirantes da seca. O cão sem plumas tem sua gênese na descoberta que João Cabral fez, um dia, de que a média de vida do recifense era de 28 anos, menor do que a Índia. Isso lhe trouxe à lembrança sua infância no Recife, assistindo de lugar privilegiado à miséria das favelas e mangues, em contraste com a beleza da cidade. O choque entre a aristocracia - senhoras da sociedade pernambucana faziam crochê para doar aos mortos de fome da Índia, sem olhar para o quintal delas - e a miséria irremediável levou o poeta a escrever esse poema, o primeiro sobre o Recife. Denunciado como militante comunista em 1952 quando se encontrava em Londres, no corpo diplomático, Cabral voltou ao Recife, onde permaneceu por quase dois anos. Nesse período, conheceu Maria Clara Machado, filha de seu amigo mineiro Aníbal Machado, que lhe encomendou um auto de natal para encenar. Assim nasceu Morte e vida severina. Ela leu e devolveu, dizendo que não servia. Algum tempo mais tarde, José Olympio, ao lançar a primeira antologia de Cabral, incluiu Morte e vida severina no livro. Foi um sucesso mundial. Embora se declarasse orgulhoso com o sucesso da peça, Cabral ficou surpreso, porque havia escrito Morte e vida severina para os "sujeitos analfabetos que ouvem cordel na feira de Santo Amaro, no Recife", e o poema virou leitura de eruditos. O que aborreceu também o poeta com o sucesso de Morte e vida severina foi o assédio que ele passou a sofrer do que ele chama "a burrice nacional", que queria dele uma declaração formal e definitiva de sua adesão ao comunismo, o que ele nunca admitiu. O autor dizia que dele se esperava, ao final de cada espetáculo, que ele subisse ao palco e gritasse: "Viva a Reforma Agrária!". UM CÃO HUMILDE E ESPESSO "O cão sem plumas" é um poema dividido em quatro partes que homenageia o rio Capibaribe, que corta a cidade de Recife. Na primeira parte, "Paisagem do Capibaribe", o rio que corta a cidade é descrito por associações metafóricas. O duplo rio/cidade é relacionado a cachorro/rua e espada/fruta, dando uma ideia de transpassamento, em que o primeiro elemento da relação atravessa o segundo. A metáfora do cão se desdobra em outras partes do animal: a língua mansa, o ventre triste, os olhos de um cão. Era um cão sem plumas, um cão vira-lata, pobre, sujo, sem adornos, de pelo ralo e maltratado. 133