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literatuia brasileira iii-138

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Fonte [3]
A estagnação do rio é uma estagnação doente, de loucura ou desengano de vida que se arrasta 
pelas ruas e pelos caminhos. O rio absorve então toda a miséria, toda a pobreza da região, mas 
absorve também os detritos dos ricos, que são produzidos nas salas de jantar pernambucanas. Ao 
final, ele é comparado a uma fruta, produto de alguma árvore, que amadureceu, e chegou à podridão, 
para recreio das moscas, e fica no ar a pergunta: com tanta sujeira e impureza, por que o rio é 
representado nos mapas com a cor azul, como os olhos dos fidalgos alheios à miséria?
§ Ele tinha algo, então,
da estagnação de um louco.
Algo da estagnação
do hospital, da penitenciária, dos asilos,
da vida suja e abafada
(de roupa suja e abafada)
por onde se veio arrastando.
§ Algo da estagnação
dos palácios cariados, comidos
de mofo e erva-de-passarinho.
Algo da estagnação
das árvores obesas
pingando os mil açúcares
das salas de jantar pernambucanas,
por onde se veio arrastando.
§ (É nelas,
mas de costas para o rio,
que "as grandes famílias espirituais" da cidade
chocam os ovos gordos
de sua prosa.
Na paz redonda das cozinhas,
ei-Ias a revolver viciosamente seus caldeirões
de preguiça viscosa.) 
§ Seria a água daquele rio
fruta de alguma árvore?
Por que parecia aquela
uma água madura?
Por que sobre ela, sempre,
como que iam pousar moscas?
§ Aquele rio
saltou alegre em alguma parte?
Foi canção ou fonte
em alguma parte?
Por que então seus olhos
vinham pintados de azul
nos mapas? 
A segunda parte tem o mesmo título da primeira. A segunda paisagem do Capibaribe contempla 
agora o elemento humano, que é rio e é cão, também sem plumas, que está arraigado na sujeira e na 
miséria, e com elas se identifica. A definição de um cão sem plumas ultrapassa a própria vida, é mais que 
a própria morte, é mais do que as palavras podem dizer. A desarticulação sintática da segunda estrofe 
acima reflete o caos da trilogia rio/cão/homem, todos eles seres violentados, todos eles cães sem 
plumas.
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