Prévia do material em texto
Amanda Rocha 1 Pancreatite Cronica • As pancreatites crônicas (PC) caracterizam-se pela substituição irreversível do parênquima pancreático normal por áreas de fibrose e pelo surgimento de estenoses e irregularidade nos ductos pancreáticos; • Tais lesões são, em geral, progressivas, mesmo com a retirada do fator causal; • Há dois tipos principais de pancreatites crônicas: as calcificantes e as obstrutivas, de acordo com a classificação proposta em Roma em 1988, porém não engloba outros tipos de PC, principalmente as PC autoimunes; Pancreatites Crônicas Calcificantes • Assim denominadas porque se calcificarão com o passar do tempo; • Representam quase todos os casos de PC e correspondem à PC alcoólica, hereditária, nutricional, metabólica e idiopática; Pancreatites Crônicas Obstrutivas • São bem mais raras e que não se calcificam; • São consequentes a qualquer modificação anatômica que dificulte a drenagem de secreção pancreática para o duodeno, como estenose cicatricial, traumática, cirúrgica, endoscópica ou congênita do ducto pancreático principal; Introdução Classificação Amanda Rocha 2 • Dados internacionais limitados sugerem que a incidência de pancreatite crônica varia de 5 a 12 por 100.000 pessoas, com uma prevalência de aproximadamente 50/100.000 pessoas; • A PC relacionada ao álcool é mais comum no Ocidente e no Japão, em comparação com outros países asiáticos; Álcool • O uso abusivo de álcool é a principal causa de PC em nosso meio; • Dos 545 pacientes avaliados pelo Grupo de Pâncreas do Serviço de Gastroenterologia do Hospital das Clínicas da FMUSP, 93,4% apresentavam o alcoolismo como causa da PC; • Os alcoolistas que desenvolvem PC, segundo estudos, iniciam o consumo de álcool em torno dos 20 anos de idade, permanecendo assintomáticos por 15 anos, em média; • A quantidade média diária de etanol consumida é elevada, correspondendo a uma garrafa de aguardente diária, de modo regular, durante 20 anos; • Esses dados mostram que brasileiros portadores de PC alcoólica iniciam seu consumo mais precocemente do que em outros países, apresentam um tempo de exposição mais prolongado e ingerem quantidades significativamente maiores de etanol; • Os exatos mecanismos pelos quais o álcool promove a lesão pancreática não são conhecidos, mas acredita-se que isso ocorra por uma série de fatores, como: n Toxicidade direta às células acinares; n Produção de um suco pancreático litogênico; n Aumento do estresse oxidativo; n Indução da ativação prematura dos zimogênios (pró-enzimas) pancreáticos; n Carências nutricionais relacionadas ao alcoolismo; • Além disso, deve ser mencionada a frequente associação entre tabagismo e etilismo nos portadores de PC, o que potencializa os efeitos tóxicos do etanol, aparentemente por mecanismos de toxicidade direta e aumento do estresse oxidativo, acelerando a progressão da doença e agravando suas manifestações; Epidemiologia Etiologia Amanda Rocha 3 Pancreatite Crônica Hereditária • A PC hereditária apresenta-se como uma síndrome de PA recorrente, geralmente provocando PC, com menção familiar de casos e ausência de fatores etiológicos evidentes para a doença; • A sua principal causa é a mutação R117H do gene do tripsinogênio catiônico (PRSS1); • O reconhecimento dessa etiologia é importantíssimo, pois esses pacientes têm elevado risco de CA de pâncreas após 30 a 40 anos da instalação da doença; Pancreatite Crônica Nutricional • Portadores de desnutrição proteica grave podem evoluir com lesões compatíveis com o diagnóstico de PC, embora o mecanismo exato para sua ocorrência seja pouco conhecido; • Essa forma da doença é mais observada em países pobres de regiões tropicais, sobretudo na África e na Ásia tropical, principalmente na Índia; • No Brasil, há relatos de casos em BH e na região Nordeste, mas são raros em SP e no Sul do país; Pancreatite Crônica Idiopática • A prevalência da PC idiopática é variável de acordo com a população estudada (4-40%); • No Brasil, em virtude da esmagadora prevalência da pancreatite alcóolica, essa forma de pancreatite responde por até 9% dos casos; • Do ponto de vista clínico, a doença tem apresentação bimodal, com o primeiro pico de incidência por volta dos 25 anos, e o segundo, por volta dos 60 anos, caracterizando-se por episódios de dor recorrente e, em fases mais tardias, associando-se à má absorção e ao DM; Pancreatite Crônica Autoimune (PCA) • É caracterizada pela presença de massas inflamatórias pancreáticas e irregularidades ductais nos exames de imagem, associadas à presença de hipergamaglobulinemia e, em geral, de autoanticorpos; • A boa resposta desses pacientes à corticoterapia favorece a ideia de uma etiologia inflamatória, e é comum a associação com outras doenças autoimunes, como a cirrose biliar primária, a síndrome de Sjogren e a colangite esclerosante; Amanda Rocha 4 • Sua fisiopatologia é pouco conhecida, mas supõe-se que seja uma forma de doença sistêmica que cursa com inflamação e fibrose do pâncreas e de outras glândulas exócrinas, ex. as salivares; • Associa-se a uma resposta imune predominantemente Th1; Pancreatite Crônica Calcificante (Litíase Pancreática) • A PCC é uma doença litiásica. Há diversidade na litíase pancreática, os cálculos apresentando diferentes composições bioquímicas e correspondendo a causas também diferentes; • Em sua mais comum apresentação, os cálculos são radiopacos e contêm mais de 95% de sais de cálcio; • A PC alcoólica e a hipercalcêmica pertencem a esse grupo; • Em cerca de 5 a 105 dos pacientes, todavia, os cálculos contêm unicamente proteína e são radiotransparentes; • A fisiopatologia da PCC é ainda motivo de debates; • A escola de Marselha elaborou uma teoria chamada “secretória”, procurando explicar, sobretudo, a Litogênese pancreática; • Um dos eventos iniciais da PCC é o aparecimento de tampões proteicos na luz dos ductos pancreáticos; • Esses tampões funcionam como matrizes para a deposição de cálcio, formando os cálculos pancreáticos; • Esses cálculos acabam por ocluir a luz dos pequemos ductos, e até mesmo dos ductos calibrosos, e a fibrose se desenvolve nos locais drenados pelos ductos ocluídos; • Portanto, a PCC é uma doença litiásica; • Nos estágios iniciais da doença, o suco pancreático contém maior quantidade de cristais de cálcio, concentração maior que aquela observada no suco normal; • Nos estágios tardios, os cálculos são constituídos por mais de 95% de sais de cálcio; Fisiopatologia da PC e Litogênese Pancreática Amanda Rocha 5 • As PC, particularmente as alcoólicas, predominam em homens entre 30 3 40 anos de idade; • As formas hereditárias e nutricionais afetam indivíduos mais jovens, na 1ª ou 2ª década de vida; • As obstrutivas, metabólicas e idiopáticas prevalecem em indivíduos acima dos 40 anos; • As manifestações clínicas observadas geralmente são características, sem variações importantes de um caso a outro, exceto as inerentes à própria fase evolutiva do processo; • A dor é sintoma habitualmente presente e, em geral, a primeira exteriorização clínica da doença; • Manifesta-se sob a forma de crises dolorosas recorrentes, intensas, localizadas no andar superior do abdome, com duração de 1 a 7 dias, intercaladas por períodos de acalmia variáveis de meses a anos, precipitadas, quase sempre, pelo abuso alcoólico e/ou por alimentação gordurosa; • Sua fisiopatologia não é adequadamente conhecida, mas seuaparecimento é atribuído à hipertensão ductal provocada pela presença de rolhas proteicas nas fases iniciais da doença e por estenoses ductais nas fases mais tardias; • Inflamação perineural dos nervos intra e peripancreáticos também pode contribuir para o quadro doloroso; • Atualmente, o ponto mais importante para que a dor seja corretamente abordada é a evidência de alterações em todos os níveis do sistema nervoso, central e periférico, naqueles pacientes portadores de PC com dor, estando as alterações neuronais bem demonstradas, bem como os receptores PAR-2 e TRPV1 para dor; • A dor é considerada a principal causa de indicação cirúrgica em portadores de PC; • A redução do peso corporal é notada, pelo menos temporariamente, em quase todos os pacientes; • A má absorção e o DM são manifestações tardias da doença, surgindo, em média, 10 anos após o início das crises dolorosas; • As complicações clínicas das PC podem surgir em qualquer fase, mas são mais frequentes em suas fases mais iniciais, quando ainda não houve comprometimento do parênquima; Quadro Clínico Amanda Rocha 6 • Durante a evolução das PC, os pacientes podem desenvolver hemorragia digestiva, exteriorizada sob a forma de hematêmese ou melena, causada, em geral, pela ruptura de varizes esofagogástricas, secundárias à compressão ou trombose da veia esplênica, pela presença de cisto ou pelo aumento de volume do pâncreas; • Podem estar presentes necrose pancreática estéril ou infectada, abscessos e fístulas, mas são complicações raras; • Alguns pacientes apresentam, concomitantemente ao envolvimento pancreático, tuberculose pulmonar; • Outros, em longo prazo, têm maior incidência de cânceres relacionados a álcool-tabagismo (ex. boca, orofaringe, pulmão etc.); • O diagnóstico depende de um contexto clínico apropriado, associado a exames que reflitam a perda de função pancreática e a presença de anormalidade anatômicas compatíveis; • Com a evolução do processo inflamatório e a destruição progressiva do parênquima pancreático, os níveis séricos de amilase e lipase são normais ou até baixos, mesmo nos casos de agudização e com clínica de PA; • Nas fezes, a pesquisa qualitativa de gordura pode sugerir a síndrome de má absorção relacionada à insuficiência pancreática – é útil para avaliar o grau de comprometimento do pâncreas; Diagnóstico Amanda Rocha 7 Exames de Imagem t Radiografia simples de abdome: • Fácil de realizar; • Não há necessidade de preparo; • Revela presença de calcificação pancreática em cerca de 50% dos pacientes com PC; • Deve ser o primeiro exame a ser realizado, juntamente com USG abdominal para investigação diagnóstica; • A ausência de calcificação pancreática na radiografia simples não afasta o diagnóstico de comprometimento crônico; t USG abdominal: • Método não invasivo e que pode ser repetido várias vezes; • Tem elevada especificidade diagnóstica e detecta eventuais complicações, sendo as principais alterações ecográficas observadas: n A textura heterogênea do parênquima; n A presença de calcificações; n A dilatação e tortuosidade do ducto pancreático principal; t TC abdominal: • Principalmente a helicoidal, é útil no diagnóstico das afecções pancreáticas, possibilitando o acesso ao retroperitônio, com observação direta da glândula pancreática e dos tecidos adjacentes; • Os principais achados tomográficos são: n Cálculos intraductais; n Dilatação do ducto pancreático principal; n Alterações do parênquima glandular por edema, fibrose ou necrose e atrofia; Amanda Rocha 8 t Pancreatocolangiorresonância magnética: • É útil para a observação de alterações do ducto pancreático principal, da via biliar principal e de complicações como cistos pancreáticos; • Gradativamente, com o aprimoramento das imagens que fornece, ocupa cada vez mais espaço no estudo dos pancreopatas crônicos, especialmente em relação aos métodos endoscópicos; t Colangiopancreatografia endoscópica: • Permite o detalhado delineamento da anatomia ductal, mas, com o desenvolvimento de técnicas não invasivas, é reservada atualmente para o pré- operatório de cirurgias pancreáticas ou situações nas quais seu potencial terapêutico seja necessário; • É útil nos casos que evoluem com derrames cavitários (ascético e pleural), por permitir, na maioria das vezes, localizar a fístula pancreática ou mesmo um cisto roto; • O alicerce do tratamento da PC é a reposição das enzimas pancreáticas (protease e lipase), tratamento da DM, caso já instalada e o tratamento da dor; Tratamento Amanda Rocha 9 • Manejo do paciente com PC: î Dieta pobre em gorduras e fracionada; î Abstinência alcóolica; î Suplementação enzimática oral (tripsina); î Analgesia farmacológica escalonada e sequencial: paracetamol -> AINE -> antidepressivos -> opioides; î Descompressão ductal endoscópica; î Descompressão ductal cirúrgica; î Pancreatectomia subtotal; î Pancreatoduodenectomia; î Bloqueio de plexo celíaco; î Reposição de enzimas lipases; î Insulinoterapia;