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Linguistica_de_Texto_Impresso-16

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Como já sabemos, entre aquilo sobre o qual queremos falar e a forma escolhida para 
textualizar/discursivizar, não se verifica uma relação direta e transparente, porque a língua não espelha o 
mundo, antes reflete e refrata esse mundo.
Assim, a referência, ou o processo de referenciação sobre o qual nos ocuparemos nesta aula, pretende 
ampliar seus conhecimentos sobre o assunto, no sentido de aprofundar diferentes funções 
textuais/discursivas que são realizadas ao nos referirmos a referentes/objetos de discurso. Em síntese, 
estudaremos o modo como nos referimos às coisas utilizando a língua. 
Antes de tudo, porém, é importante explicitar que esse estudo se ancora em uma concepção de língua 
considerada como atividade sociointerativa, a qual, de acordo com Marcurchi (2008), pressupõe que os 
interlocutores, ao interagiram pela linguagem, enunciam conteúdos e sugerem sentidos que devem ser 
construídos, inferidos, determinados mutuamente. Isso quer dizer que os sentidos são fundados numa relação 
de interação e coprodução em que os conhecimentos partilhados desempenham papel decisivo.
Além disso, sendo a linguagem uma atividade, uma forma de ação; o texto, como vimos na aula anterior, é 
uma unidade de sentido ou unidade de interação, produzido por sujeitos históricos e sociais e, por isso 
mesmo, produto de uma interação condicionada por fatores tanto subjetivos quanto sociocognitivos.
Essa consideração é muito importante porque, como bem observa Silva (2008), não só as pessoas são 
diferentes, em função de suas características individuais, de seu ambiente e cultura, mas também mudam 
seus pontos de vista em relação à forma de ver o mundo, o modo como pensam esse mundo. Tudo isso é 
levado em conta quando o assunto é Referenciação, já que no modo como nos referimos às coisas importa 
também quem somos e onde estamos, como se pode conferir no exemplo a seguir, analisado por Ciula e Silva 
(2008): 
O ferro em brasa, que a própria mulher do filho trouxe da trempe de 
tijolos na cozinha. O gemido, contorções do corpo. A pele de fumo voltou a 
cobrir a ferida. Morreu três horas depois. Longe os vizinhos. Légua e meia o 
mais próximo. Belarmino teve de ir até lá (o cachorro enrolava-se no chão 
sob a tipóia do morto). Trouxe outros seres em molambos e grunhidos. E a 
marcha fúnebre – tipóia oscilante presa à estaca de sabiá – se fez em 
direção ao distante arruado, onde havia a capela e o telheiro abatido do 
mercado. No mais, a solidão da noite e dos seres. A viúva-menina, sem 
lágrimas. Duro mundo, carente de umidades. Muitas lições de renúncia. Tão 
trabalhados todos como a escarpa fendida e crestada pelo tempo, por onde 
subiam bodes e cabras. 
(Moreira Campos, O peregrino)
Nesse trecho de conto, quando pela primeira vez temos a expressão a própria mulher do filho, referindo à 
nora de Belarmino, ocorre uma introdução referencial que é retomada com a viúva-menina, uma expressão 
anafórica, já que retoma “mulher do filho”. Nessa retomada, temos não só a manutenção do referente, como 
também sua progressão, na medida em que são acrescentadas as informações de que a mulher era jovem e 
viúva. 
Essas escolhas realizadas em expressões referenciais se relacionam, por sua vez, ao ponto de vista do 
sogro Belarmino, que tem seu sentimento em relação à nora, alterado com a morte de seu filho. Assim, a 
seleção lexical por ele escolhida revela que o ato de enunciação representa o contexto e as versões 
intersubjetivas do mundo adequadas a cada contexto. 
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