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Texto do Livro: Fisioterapia em Uroginecologia – Adriana L. Moreno Fisiopatologia e classificação da incontinência urinária Presciliana Mitrano A incontinência urinária é a condição na qual a perda involuntária de urina, objetivamente demonstrável, ocasiona problema social ou higiênico à mulher. A causa mais freqüente é a incontinência urinária de esforço, conceituada como perda involuntária de urina pela uretra quando a pressão vesical excede a uretra, na ausência de atividade do detrusor. O trato urinário baixo feminino, com suas funções anatômicas de armazenamento e eliminação da urina, possui complexo mecanismo de controle, que depende da adequação da interação entre os vários centros do sistema nervoso e da integridade anatômica da bexiga, da uretra e do assoalho da pelve. Muito se discute sobre o real mecanismo envolvido na continência urinária. Inúmeras teorias foram formuladas visando maior elucidação da fisiologia da continência urinária, sendo a mais aceita a teoria da equalização das pressões intra-abdominais, embora muitas falhas tenham sido detectadas ao longo dos anos, o que estimulou a buscar novas teorias. Atualmente, a teoria em voga é a da integralidade, que explica os diferentes tipos de incontinência urinária através da frouxidão da parede vaginal e dos ligamentos pélvicos. Fisiopatologia Para a continência urinária é de sobremodo importante que a pressão uretral exceda a pressão vesical tanto no repouso quanto no esforço, sendo a sua redução um dos principais fatores envolvidos na gênese da incontinência urinária de esforço. Segundo Bump (1988), a pressão intraluminal da uretra é gerada por mecanismo esfincteriano multifatorial, constituído por um componente neuromuscular e outro não neuromuscular. O primeiro é representado por fibras musculares estriadas e lisas, o segundo, por mucosa e tecidos conjuntivos uretral e peri-uretral, bem como pelo plexo vascular submucoso. Os principais fatores determinantes da pressão intra-uretral são a mucosa da uretra, a vascularização, a musculatura e o tecido conjuntivo peri-uretral. Todos esses fatores em conjunto mantêm as paredes uretrais colabadas e são bastante influenciados pelos estrogênios. Na falência dos mecanismos intrínsecos da uretra, a pressão de fechamento uretral se encontra constantemente em níveis muito baixos, cabendo ao esfíncter externo o papel de resistência ativa não só à ação do detrusor, mas também às oscilações da pressão abdominal. A perda urinária ocorre com qualquer aumento de pressão intra-abdominal, já que a bexiga e uretra permanecem isobáricas, o que acarreta perda urinária aos mínimos esforços. Esses casos clínicos cercam-se de dificuldade na conduta terapêutica, realçando a importância do mecanismo intrínseco na continência urinária. Contudo, conforme citado anteriormente, a grande maioria dos casos de incontinência urinária é explicada pela teoria de Enhorning, que atribui a gênese da incontinência urinária ao posicionamento extra-abdominal do colo vesical. A topografia do colo vesical abaixo da borda inferior da sínfise púbica permitiria a transmissão da pressão intra-abdominal, que ocorre durante os esforços, apenas à bexiga, não à uretra. Isso ocasionaria aumento da pressão intravesical sem concomitante evento na pressão intra-uretral, o que predispõe à perda urinária. Alguns casos de incontinência urinária não foram elucidados com a teoria da equalização das pressões. Como explicar, por exemplo, as mulheres incontinentes em vigência de maior mobilidade do colo vesical? Tentando solucionar essa problemática, outra teoria foi postulada, a teoria da integralidade de Petrus Ulmsten. Essa nova teoria baseia-se na composição do tecido conjuntivo, para explicar a fisiopatologia da incontinência urinária. Assim, quase todos os sintomas urinários teriam sua etiologia baseada na frouxidão da parede vaginal ou de seus ligamentos de suporte, representando expressões diferentes do mesmo reflexo de micção, prematuramente ativado. Para entender de forma mais didática o papel da parede vaginal na abertura do colo vesical recorremos aos esquemas a seguir: A figura 3.1 representa o posicionamento da vagina e do colo vesical durante o repouso, com o colo vesical fechado. A vagina é suspensa anteriormente pelo ligamento pubo-uretral (LPU), superiormente pela fáscia pélvica do arco tendíneo e posteriormente pelo ligamento uterossacro (LUS). Mantém-se tensa às custas de contração, anteriormente pelo músculo pubo- coccígeo (MPC), posteriormente pelo levantador do ânus (LA) inferiormente pelo músculo longitudinal do ânus (MLA). Ao mesmo tempo que a vagina é mantida tensionada, ela suporta as terminações nervosas presentes na base da bexiga, prevenindo a ativação prematura do reflexo da micção. A figura 3.2 representa o posicionamento da vagina e do colo vesical durante o esforço com o colo vesical fechado. A contração do músculo pubo- coccígeo puxa os 2/3 da vagina superior ao redor da uretra, imobilizando-a. Simultaneamente, o levantador do ânus e o músculo longitudinal do ânus tracionam a bexiga para baixo e para trás como um balão elástico, fechando e isolando a bexiga da uretra como se fosse uma mangueira dobrada. Para que o objetivo dessas contrações musculares em sentidos opostos sejam alcançados, faz-se necessário elasticidade suficiente nos tecidos para-uretais e no colo vesical. A figura 3.3 representa o posicionamento da vagina e do colo vesical durante a micção. O músculo pubo-coccígeo relaxa, permitindo que a concentração dos músculos levantador e longitudinal do ânus não tenha nenhuma oposição. Em conseqüência desse vetor de força gerado, cria-se um “funil”, aumentando o orifício uretral. Ao mesmo tempo, a distensão ocasiona um estímulo das terminações nervosos, ativando e reforçando o reflexo da micção, que será ainda mais estimulado pela presença de urina na uretra proximal. Essa nova teoria veio reforçar a importância das fáscias e dos ligamentos pélvicos para a continência urinária, e como o principal componente do tecido conectivo dessas estruturas é o colágeno, muitos pesquisadores procuram alterações quantitativas e qualitativas no colágeno da matriz extracelular dos pacientes incontinentes na tentativa de esclarecer a fisiopatologia envolvida nos distúrbios urinários. Falconer et al., estudando mulheres no menacme, detectaram maior concentração de colágeno total e maior diâmetro das fibras de colágeno no tecido conectivo para –uretral de pacientes incontinentes. Contudo, em mulheres incontinentes na pós-menopausa não foram demonstradas variações quantitativas ou qualitativas no colágeno do tecido conectivo para-uretral. Notou-se, entretanto, resposta mais significativa à reposição hormonal, com aumento na relação entre comparação com as incontinentes. Na faixa etária onde a incontinência urinária era mais freqüente, não foram demonstradas quaisquer alterações significativas na concentração, no metabolismo ou diferenciação do colágeno; criou-se, então, a necessidade de investigação de outros componentes da matriz extracelular que apresentassem papel importante na continência urinária. Constituindo a matriz extracelular juntamente com o colágeno e as fibras elásticas encontramos as proteoglicanas. Falconer observou, ainda, aumento na quantidade de colágeno tipo I e III, aumento na quantidade de ligações moleculares, redução na relação entre proteoglicanas e colágeno, em mulheres na menacme incontinentes. O autor conclui que essas alterações de relação entre os diferentes componentes da matriz extracelular e as fibras de colágeno prejudicariam as propriedades mecânicas do tecido, conferindo-lhe diferentes propriedades físicas, que poderiam favorecer a incontinência urinária. Perante o papel do tecido conjuntivo na continência urinária, alguns estudiosos vêm tentando decifrar o comportamento desse complexo, focando principalmente o colágeno e as proteoglicanas,frente às mudanças hormonais inerentes aos diversos períodos da vida reprodutiva das mulheres, sejam elas continentes ou não. No ciclo gravídico-puerperal ocorrem modificações intensas no trato genito-urnário. Tanto fatores hormonais como os mecânicos favorecem o aumento dos sintomas urinários durante a gravidez, sendo comum o aumento da freqüência miccional, bem como a piora da urge-incontinência e da incontinência aos esforços prévios à gestação. De modo geral, a incontinência urinária de esforços durante a gravidez é elevada, mas a grande maioria dos casos é transitória, desaparecendo no pós- parto. Apenas uma pequena parcela das pacientes incontinentes mantém a sintomatologia no puerpério. Vários pesquisadores notaram índices de incontinência urinária em gestantes previamente continentes de até 67% e 14% no puerpério. O aumento dos níveis séricos de progesterona que ocorrem durante a gestação predisporia à incontinência urinária, o que, somando a inibição das alterações de estrogênio induzidas no aparelho urogenital, teria parcela importante na gênese da incontinência urinária durante a gestação. O parto transpélvico pode acarretar lesões totais ou parciais do nervo pudendo, determinando menor tônus da uretra e dos músculos do assoalho pélvico. No entanto, são muitos os questionamentos quanto a presença e internação de múltiplos co-fatores que, associados ao parto transpélvico, colaborem para a etiologia da incontinência urinária, uma vez que nem todas as mulheres que tiveram parto transpélvico evoluem obrigatoriamente, para incontinência urinária. Classificação Muitas são as classificações da incontinência urinária, e alguns são destituídas de importância clinica, motivo pelo qual não serão comentadas neste texto. A incontinência urinária pode ser dividida em uretral e extra-uretral, conforme a perda urinária ocorra ou não pela uretra. Ainda que essa divisão admita causas congênitas em ambas as mobilidades, permite, por outro lado, a individualização das fistulas como importante causa de incontinência. A classificação proposta por Stanton é a seguinte: Condições uretrais A incontinência de esfíncter uretral é a forma mais comum de incontinência urinária: ocorre quando a pressão intra-vesical excede a pressão uretral, na ausência de atividade do detrusor, ocasionando perda involuntária de urina. Instabilidade do detrusor: caracteriza-se pela presença de atividade do detrusor na fase de enchimento do ciclo miccional. São conhecidas as formas neuropáticas e não neuropática, conforma esteja ou não presente disfunção neurológica demonstrável. A primeira condição é denominada hiper-reflexia do detrusor. Retenção por transbordamento: é a perda de urina que ocorre quando a pressão intra-vesical excede a pressão uretral; está associada à distensão vesical, mas em ausência de atividade do detrusor. O transbordamento ocorre quando se atinge os limites podem ser alcançados tanto em uma bexiga espástica, caso daquelas acometidas por fibrose pós-radioterapia, como em uma bexiga atônica, decorrente de lesão neurológica, sendo que o ponto comum é a falta de capacidade da fibra muscular do detrusor apresentar contração. Congênitas: as hipospádias, ainda que mais raras em mulheres, podem apresentar-se como IUE pelo envolvimento da porção inferior da parede posterior da uretra. As epispádias representam graus mais leves de extrofia vesical e o grau de incontinência dependerá da extensão da uretra acometida. Os ureteres ectópicos podem apresentar perda urinária constante ou intermitente. Miscelânea: lesões diversas da uretra e bexiga, como pólipos, divertículos, cistos e tumores, bem como os processos inflamatórios e/ou infecciosos. O mecanismo para explicar a incontinência varia desde alterações dos estímulos sensitivos até alterações do mecanismo esfincteriano uretral. Aqui também deve ser incluído o uso de drogas farmacológicas – alfabloqueadores, colinérgicos e relaxantes musculares. Condições extra-uretrais Ocasionam perdas urinárias contínuas. Dentre os distúrbios congênitos destacamos o ureter ectópico. Neste grupo também se encontram as fístulas urinárias que, por fugirem ao objetivo do nosso estudo, não serão melhor estudadas. Blaivas e Olsson, estabeleceram uma nova classificação para a incontinência urinária de esforço, tendo como base critérios clínicos e vídeo- urodinâmicos. Essa classificação muito emprega no meio da uroginecologia, apresenta valor prático, já que realça a importância do mecanismo esfincteriano intrínseco da uretra. Tipo 0: Apesar da queixa clínica, não há evidencia nem no exame físico nem no estudo urodinâmico de perda de urina. Tipo I: há evidencia de perda urinária no estudo urodinâmico. O colo vesical permanece fechado e acima da borda inferior da sínfise púbica durante o repouso; ao esforço, abre e desce, porém com mobilidade do colo vesical menor que 2cm. Tipo II a: A mobilidade do colo vesical é maior que 2 cm. Tipo II b: O colo vesical no repouso já se encontra em posição infrapúbica. Durante o esforço pode ou não apresentar hipermobilidade, porém a uretra proximal se encontra aberta no esforço. Tipo III: O colo vesical e a uretra proximal permanecem sempre abertos mesmo no repouso, sugerindo lesão esfincteriana uretral. INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO Manoel João batista e Castello Girão Marair Grácio Ferreira Sartori Geraldo Rodrigues de Lima Define-se incontinência urinária como toda perda involuntária de urina, clinicamente demonstrável, que cause problema social ou higiênico. A incontinência de esforço, por sua vez, é definida como toda perda de urina pelo meato esterno da uretra, quando a pressão vesical excede a pressão máxima de fechamento uretral, na ausência de contração do músculo detrusor. Assim, o conceito de incontinência urinária de esforço baseia-se em dados clínicos e urodinâmicos, ou seja, corresponde a um sintonia (perda involuntária de urina durante esforço físico), a um sinal (identificação da perda de urina pela uretra, sincrônica ao aumento de pressão abdominal) e a uma condição (perda de urina quando a pressão vesical excede a pressão uretral, na ausência de atividade do detrusor). Pode-se subdividir a incontinência urinária de esforço em: incontinência por hipermobilidade do colo vesical e incontinência decorrente de defeito esfincteriano da uretra, podendo ocorrer concomitância de ambas. A incontinência de esforço é a causa mais freqüente de perda de urina. Para Souza constitui 10,7% das queixas urinárias de pacientes que procuram os ambulatórios ginecológicos. Stanton relatou que 26% das mulheres no período reprodutivo têm perda urinária, elevando-se para 40% após a menopausa. Porém, esta incidência pode variar por inexistir padronização quanto ao volume e à freqüência da perda. Colabora, ainda, para a dificuldade de estabelecer a sua real freqüência, o fato de que muitas mulheres não procuram atendimento médico para esta condição. Incontinência Urinária de Esforço Gabriela Olbrich de Souza Raquel Martins Arruda A instabilidade vesical é a segunda causa mais comum de incontinência urinária feminina, acometendo cerca de 30 a 65% das mulheres adultas com queixa de perda urinária. Entre as com queixas exclusivas de perda urinária aos esforços, tem sido diagnosticada em aproximadamente 30% dos casos. É definida como uma condição na qual ocorre contração do músculo detrusor durante o enchimento vesical, espontaneamente ou provocada por certas manobras (tosse, por exemplo), enquanto a paciente tenta parar a micção. Na presença de doenças neurológicas, o termo utilizado é hiper- reflexia do detrusor. Entre as diversas causas de hiper-reflexia destacam-se certos tipos de trauma medular, acidentes vasculares cerebrais (suprapontinos), doença de Parkinson e esclerose múltipla. Deve-se ressaltar, entretanto, quealguns autores propõem uma nova definição, baseada nos sintomas clínicos, uma vez que o conceito atual, com base nos achados urodinâmicos, limita o diagnóstico. A fisiopatologia da instabilidade do detrusor não é totalmente conhecida. Trata-se de distúrbio funcional envolvendo o controle central e/ou periférico do reflexo da micção.