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Auto_hemoterapia_intervencao_do_estado_e (2)

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Rev Assoc Med Bras 2008; 54(2): 183-8 183
FATO RES ASSO C IAD O S À IN TERRU PÇÃO D E TRATAM EN TO AN TI-RETRO VIRALTRATAM EN TO D E C RIAN Ç AS D ESN U TRID AS H O SPITALIZ AD ASSARN I RO S ET AL.Ponto de Vista
*Correspondência:
Caixa postal 04451
Brasília - DF
Cep 70904-970
bioetica@unb.br
RESUMO
A a uto-hem ote ra pia é um a prá t ica de uso clínico crescente , m a s com potencia l risco à sa úde dos indivíduos, um a vez que
se t ra t a de proce d im e nt o t e ra pê ut ico se m com prova çã o c ie nt ífica . At é o m om e nt o nã o e xist e m e st udos c línicos que
com provem a e ficá cia e a segura nça dest e procedim ento; a pena s pesquisa s experim enta is com result a dos quest ioná ve is,
tanto em se res huma nos qua nto em a nima is. N os últ imos a nos, a á rea de Vigilâ ncia Sa nit á ria (VS) do Minist é rio da Sa úde
a m pliou sua s a ções prevent iva s e de cont role de riscos t a nt o no â m bit o priva do com o cole t ivo. As a ções da VS t êm , m uit a s
vezes, com o ba se o pode r lega l de polícia a dm inist ra t iva que a legisla çã o lhe confe re . Esse pode r é ent endido com o a
fa culda de que dispõe a Adm inist ra çã o Pública pa ra condiciona r e re st ringir o uso e gozo de bens, a t ivida des e d ire it os
ind ividua is, e m be ne fíc io da cole t ivida de ou do próprio Est a do. Re ce nt e m e nt e , o Est a do, por m e io do pode r de políc ia da
VS, inte rve io na prá t ica da a uto-hemotera pia no Bra sil. O presente estudo a na lisa e de fende a a çã o int e rvent iva da VS na
prá t ica clínica da a uto-hemotera pia no pa ís, t endo como ba se de sustenta çã o a rgumenta t iva os “Q ua t ro Pê s” de se nvolvidos
pela cha ma da “Bio é t ica de Int e rvençã o” - prevençã o, proteçã o, preca uçã o e prudência .
U N ITERM O S: Aut o- he m ot e rapia . Vigilâ ncia Sa nit á ria . Poder de polícia . Bioé t ica de Int e rvençã o. Prevençã o,
proteçã o, preca uçã o e prudência .
AUTO-HEMOTERAPIA, INTERVENÇÃO DO ESTADO E BIOÉTICA
DENISE FERREIRA LEITE, PATRÍCIA FERNANDA TOLEDO BARBOSA, VOLNEI GARRAFA*
Trabalho realizado na Cátedra Unesco de Bioética da Universidade de Brasília e na Agência Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da
Saúde – Anvisa, Brasília, DF
INTRODUÇÃO
A defesa e a proteçã o da sa úde surgem no a pa ra to lega l bra sile iro
por m e io d as const ituições federa is de 1 9 3 7 , 1 9 4 6 , 1 9 6 7 , culmina ndo
com a de 1 9 8 8 . Refe rem -se à com pe tência do Est a do de legisla r sobre
a sa úde , ga nha ndo ênfa se com a cria çã o do Ministé rio da Sa úde (1 9 5 0 )
e a necessida de de um espa ço inst ituciona l que a compa nha sse o
de se nvolvim e nt o indust ria l e t e cnológico 1,2 . N esse cont ext o, a Vigilâ n-
cia Sa nit á ria surge inicia lm ente com o um conjunto de a ções que visa va
ao cont role dos riscos re la ciona dos à circula çã o de m erca doria s e à
força de t ra ba lho 3. Atua lmente , Vigilâ ncia Sa nitá ria é entendida como
um conjunto de a ções ca pa z de e lim ina r, d im inuir ou prevenir riscos à
sa úde e de int e rvir nos proble m a s sa nit á rios de corre nt e s do m e io
a m bient e , da produçã o e circula çã o de bens e da prest a çã o de se rviços
de inte resse da sa úde 4 .
As prá t ica s da Vigilâ ncia Sa nitá ria , no enta nto, sobre tudo com a
n ova concepçã o da sa úde pública reve la da a o fina l do século XX,
a m plia m a s opçõe s de pre ve nçã o e cont role de risco no se nt ido da
preca uçã o, implica ndo nã o a pena s no â mbito individua l, ma s t a mbém
na perspect iva cole t iva : “O fe nôm e no socia l t ra duz ido no princípio de
preca uçã o levou, igua lm ent e , a o de senvolvim ent o de um a filosofia da
preca uçã o, const ruída com ba se em uma história da prudência , que
reve la , a princípio, o dom ínio do pa ra digm a da re sponsa bilida de ,
subst ituído - na pa ssa gem pa ra o século XX - pe lo da solida rieda de . É
a segura nça - o novo pa ra digma , em fa se de forma çã o - que dá à s
obriga çõe s m ora is a form a de é t ica e t ra nsform a o princípio de
re sponsa bilida de em preca uçã o” 5 .
Alguma s a ções da Vigilâ ncia Sa nitá ria pa rtem da prerroga t iva lega l
do pode r de políc ia a dminist ra t iva . Ao executa r ta is a ções, no enta nto,
deve -se procura r leva r em conside ra çã o a lguns re fe rencia is é t icos que
proporcionem sust ent a çã o à s m esm a s com o os “Q ua t ro Pê s” - pre ve n-
ção , prot eçã o, preca uçã o e prudência - desenvolvidos pe la cha m a da
Bioét ica de Intervençã o 6. O pode r a cim a re fe rido é e nt e ndido com o a
fa culda de que dispõe a Administ ra çã o Pública pa ra condiciona r e
re st ringir o uso e gozo de bens, a t ivida des e d ire it os individua is, em
bene fício da cole t ivida de ou do próprio Est a do 7. Assim, sua fina lida de
é a prot eçã o do int e re sse público no seu sent ido m a is a m plo, sendo
seus lim it e s dem a rca dos pe la concilia çã o ent re o int e resse socia l com
os d ire it os funda m ent a is do indivíduo.
C a be ressa lt a r que esse poder de a gir da a utorida de pública
conve rt e - se em deve r de a gir, um a vez que nã o se a dm it e om issã o
dia nte de situa ções em que se exige sua a tua çã o. A a tua çã o do poder
de polícia se dá por m e io de orde ns, proibiçõe s, sa nçõe s, norm a s
limita dora s e sa nciona dora s de conduta na ut iliza çã o de bens ou no
exercício de a t ivida des suje it a s a o policia mento a dminist ra t ivo 8 .
A a ut o-he m ot e ra pia é um a prá t ica de fre qüê ncia cre sce nt e , com
pot e ncia l risco à sa úde dos ind ivíduos, pois é um m é t odo t e ra pê ut ico
se m com prova çã o c ie nt ífica , e xe cut a do m uit a s ve ze s por pe ssoa l
sem ca pa cit a çã o e sob condições ina dequa da s de Biossegura nça .
Pra t ica m e nt e , nã o há e st udos c línicos que com prove m a e ficá cia e a
se gura nça de st e proce d im e nt o; a pe na s pe squisa s e xpe rim e nt a is com
re sult a dos que st ioná ve is, t a n t o e m e st udos com se re s hum a nos
qua nt o em a nim a is.
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LEITE D F ET AL.
Consid e rand o a legit imida de da inte rvençã o do Esta do frente a
sit ua ções de int e resse cole t ivo, vulne ra bilida de e susce t ibilida de , o
presente estudo se propõe a a na lisa r a prá t ica da a uto-hemotera pia
frente à s a ções de Vigilâ ncia Sa nitá ria e sua re la çã o com os “Q ua t ro Pês”
da Bioé t ica de Int e rvençã o.
Apresentação do problema
A auto-hemoterapia
A a uto-hemotera pia consist e na re t ira da de sa ngue por punçã o
venosa e sua imedia ta a dminist ra çã o por via int ra muscula r ou subcutâ -
ne a , e m que o doa dor e o re ce pt or sã o o m e sm o ind ivíduo. Ta m bém
é conhe c ida com o t e ra pia do soro, im unot e ra pia ou a ut o-
hemotra nsfusã o 9 ,1 0 ,1 1 .
Consta na esca ssa lit e ra tura exist ente sobre o a ssunto que a a uto-
hemotera pia foi int roduzida como t enta t iva t e ra pêut ica por Ra va ut , por
volt a de 1 9 1 0 e , desde entã o, t em sido ut iliza da como tenta t iva de
t ra t a m ento de dive rsos problem a s de sa úde , t a nto em hum a nos qua nto
em a nima is1 0 ,1 2. Apóia -se na compa ra çã o do procedimento à a plica çã o
de uma va cina a utógena , e st imula ndo a respost a imune do orga nismo
dia nte de uma sé rie de problema s, infecciosos ou nã o, cuja explica çã o
se ba se ia no ra ciocínio do foco de infecçã o 1 2 ,1 3 ,1 4.
N o e n t ant o, qua ndo se busca m re fe rência s sobre o t em a , os a rt igos
encont ra dos, a lém de nã o- indexa dos na sua gra nde ma ioria , re fe rem-
se are la tos de expe riência s e de ca sos sem conduçã o m e todológica que
apontem gra u de re levâ ncia cient ífica , a ponto de indica r o procedi-
m ento na t e ra pia de pa cient es. Result a dos de e studos conduzidos de
forma ma is crit e riosa em bovinos nã o a ponta m dife rença est a t íst ica
ent re a recupera çã o de a nim a is t ra t a dos com protocolos experim enta is
cont e nd o ou não a auto- he m ot e rapia 12 .
A despe ito da s esca ssa s e cont roversa s evidência s cient ífica s, há
m édicos, enfe rm e iros, a uxilia re s de enfe rm a gem e pessoa s sem ha bi-
lit a çã o com ercia liza ndo o procedim ent o nos m e ios de com unica çã o.
Além disso, a prá t ica pode ca usa r rea ções a dversa s imedia ta s ou ta rdia s
de gra vida de im previsíve l no pa cient e , a um enta ndo o risco e a gra vida -
de desta s rea ções qua ndo rea liza da por pessoa s nã o ha bilit a da s ou pe lo
próprio pa cie nt e .
A Agência N a ciona l de Vigilâ ncia Sa nitá ria (Anvisa ) e a Socieda de
Bra sile ira de H em a tologia e H em ote ra pia (SBH H ), por m e io da N ota
Té cnica nº 1 /2 0 0 7 15 e d o Com unica d o Ele t rôn ico Aut o-
H e m ot e ra pia16 , re spe c t iva m e nt e , nã o re conhe ce m a a ut o-
hemotera pia como prá t ica hemoterá pica . Em sua nota técnica , a Anvisa
orientou a s vigilâ ncia s sa nitá ria s esta dua is e municipa is a enqua dra r o
procedim ent o com o infra çã o sa nit á ria , segundo o Decre t o nº . 7 7 .0 5 2 /
1976 17 , considera ndo sua prá t ica suje it a à s pena lida des prevista s pe la
Le i nº 6 .4 3 7 /1 9 7 7 18 .
O Con se lh o Fe d e ra l de Medicina é a inda ma is contundente a o
em it ir oficia lm ent e o pa rece r nº 1 2 /2 0 0 7 1 9 sobre a a uto-hemotera pia ,
ao ma nifesta r que a mesma “nã o foi submet ida a t estes genuínos, nã o
foi corrobora da , e na da há , a lém de indícios, ca sos isola dos, na rra dos
com dra ma t icida de , que pouco se prest a m a prova r coisa a lguma
pe rant e a ciência em que a m pa re o seu va lor, sendo seu uso a tua l em
se re s hum a nos um a a vent ura irre sponsá ve l”.
O poder de polícia
A Le i nº 8 0 8 0 /1 9 9 0 , ou Le i O rgâ nica da Sa úde4, a t ribui à Uniã o, a os
Estados, a os m unicípios e a o Dist rit o Fe de ra l o e xe rcíc io do pode r de
polícia sa nitá ria . Assim, a descentra liza çã o polít ico-a dminist ra t iva fa z
com que o pod e r d e políc ia possua com pe tência s exclusiva s e concor-
rentes na s t rês esfe ra s est a t a is. Com a Le i nº 9 7 8 2 /1 9 9 9 20 , à Anvisa foi
a t ribuída a fina lida de de : “promover a proteçã o da sa úde da popula çã o,
por int e rmédio do cont role sa nit á rio da produçã o e da comercia liza çã o
de produt os e se rviços subm et idos à Vigilâ ncia Sa nit á ria , inclusive dos
a m bient es, dos insum os e da s t ecnologia s a e le s re la ciona dos, bem
com o o cont role d e port os, ae roport os e front e ira s”.
N a sua orige m , o pode r de políc ia e ra e xe rc ido por pe ssoas o u
inst it uições com a ções legit ima da s pe la socieda de pa ra exerce r a
vigilâ ncia pública , pena liza ndo os indivíduos que nã o cum prissem a
orde m soc ia l esta be lecida . A necessida de de proteçã o dos ha bit a ntes
da polis , ge rou o t e rm o polit ia e o ve rn á culo polícia 7 , 21 . Com o
orde na m e nt o juríd ico do Est a do De m ocrá t ico de Dire it o, e sse pode r
passou a t e r lim it a ções e im posições lega is pa ra o seu exe rcício, sendo
conside ra do um a to a dm inist ra t ivo.
Atua lmente , a funçã o do poder de polícia a dminist ra t iva é ga ra nt ir
a suprem a cia dos d ire it os cole t ivos sob os d ire it os individua is qua ndo
há oposição e nt re a m bos, t e ndo com o ob je t ivo be ns, d ire it os e
a t ivida des individua is 22 . Se us a t ribut os sã o os se guint e s: a
discriciona rieda de no uso da libe rda de lega l de va lora çã o da s a t ivida des
policia da s e na gra dua çã o da s sa nções; a a uto-executorieda de do a to
independente de ma nda to judicia l, exce tua ndo-se a s multa s e dema is
prest a ções pecuniá ria s; e a coercibilida de do a to pe la imposiçã o coa t iva
da s medida s a dota da s, a dmit indo a té o uso da força pública nos ca sos
de resist ência por pa rt e do a dminist ra do 7 , 2 1 , 2 2.
Por im por lim it e s a d m in ist ra t ivos à lib e rd a d e e à p rop rie d a d e ,
o p od e r d e p olíc ia choca - se com os p rinc íp ios re la c iona d os a os
d ire it os ind ivid ua is, p rinc ipa lm e nt e com a a u t onom ia , p rinc íp io
fa milia r a o c a m po d a b ioé t ica . In t e rp re t a çõe s e rrône a s d e t e rm os,
conce it os e re fe re nc ia is pe rt e nce nt e s à s d ua s á re a s re la c iona d a s à
que st ã o - Vigilâ ncia Sa nit á ria e Bioé t ica - t ê m t orna do o a ssunt o
p a lco d e a lgum a s cont ra d içõe s. A Bioé t ica ofe re ce fe rra m e nt a s e
subsíd ios pa ra a uxilia r à Vigilâ nc ia nos m om e nt os e m que t a is
con t ra d içõe s e n t re re fe re nc ia is b ioé t icos e sa n it á rios a pa re ce m .
Se gu n d o Arre gu y e Sc h ra m m 23 , a Bioé t ica foi cria da na t e nt a t iva de
t e n t a r c om p re e n d e r e d issolve r c on flit os d e in t e re sse s e va lore s n o
ca m po da sa úde , se ndo um a fe rra m e nt a no a uxílio da prá t ica
ge st ora d e se rviç os p úb lic os d e sa úd e .
Referencial teórico - Bioética de intervenção e os “Quatro
Pês” para uma prática ética responsável: prevenção, prote-
ção, precaução e prudência
A Bioé t ica de int e rvençã o conside ra os “Q uatro Pê s” - pre ve nçã o,
prot eçã o, preca uçã o e prudência - com o re fe rencia is t eóricos e prá t i-
cos ind ispe nsá ve is e m que st õe s que e nvolva m o uso de t e cnologia s e m
situa ções de vulnera bilida de , gestã o da “coisa pública ” e equilíbrio
ambienta l24. O t e m a da pre ve nçã o é usa do e m que st õe s que e nvolva m
possíve is da nos e ia t rogenia s de t ecnologia s exist entes; a preca uçã o é
e voca da e m sit ua çõe s e m que se de sconhe ce m os riscos e nvolvidos; a
prudência é lem bra da com re la çã o a os cuida dos necessá rios frente a os
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AU TO -H EMO TERAPIA
a va nços t ecnológicos; enqua nt o o re fe rencia l da prot eçã o obje t iva
t ra ba lha r o t ema da vulnera bilida de , da proteçã o indispensá ve l a os ma is
frá ge is, a os necessit a dos6 , 2 4.
O conce ito de risco é importa nte na compreensã o dos “Q ua tro Pês”.
Risco é a cha nce ou possibilida de de ocorrência de uma conseqüência
pre judicia l ou ruim em virtude de uma a çã o ou omissã o. Refere-se à
possibilida de, com certo gra u de proba bilida de, de da no à sa úde, a mbi-
ente ou a os produtos em combina çã o com a na tureza e ma gnitude do
da no 2 . Fa z-se necessá rio explicit a r, t a mbém, o conce ito de
vulnera bilida de , diferencia ndo-o do conceito de risco. Pa ra Sá nchez e t
al.25, a vulnera bilida de é como um conjunto de a spectos que ult ra pa ssa m
o individua l, a bra ngendo a spectos cole t ivos e contextua is que leva m à
suscet ibilida de a doença s ou a gra vos, a lém de a spectos re la ciona dos à
disponibilida de ou à ca rência de recursos dest ina dos à proteçã o.
Prevenção
A idé ia de prevençã o pode se r t ra z ida da m edicina prevent iva ,
re fe rindo-se à sit ua çã o em que conduta s sã o t om a da s com o obje t ivo
im e dia t o de que nã o ocorra o proce sso sa úde -doe nça - ou, no ca so do
uso de t ecnologia s, o da no - e , pa ra isto, busca -se int e rfe rir nos fa tores
predisponentes, na educa çã o e na muda nça de há bitos, dent re ou-
t ros1 ,2 3. O da no é t ido com o um aa m ea ça ou um pre juízo que segura -
m e nt e ocorre rá , e , dent ro dest e cont exto, o risco é a possibilida de de
da no. Pa ra Engelha rdt , a s “polít ica s pa ra enfrenta r a a mea ça de risco
le vanta m a questã o da compa ra çã o ent re da nos e benefícios a tua is com
possíve is da nos e be ne fícios fut uros” 2 6.
A prevençã o, a ssim, a ntecipa -se à s possibilida des de da nos à sa úde
sendo o referencia l que busca a a çã o a ntecipa da e , pa ra isso, “é
necessá rio t e r conhecim entos e ce rt eza s cient ífica s dos e fe it os dos a tos,
proce ssos ou produt os” 27 . Berlinguer ressa lt a que , a lém da “virtude
a ntecipa tória ”, a prevençã o t a mbém tem como mot iva ções é t ica s: um
ca rá ter igua litá rio, pois qua ndo pra t ica da , e limina a desigua lda de ent re
um a pessoa a com et ida por um a doença e um a pessoa que pe rm a nece
c om b oa sa úde; e a inda , a a tenua çã o de conflitos ent re inte resses e
m e sm o e n t re valore s hum anos dificilm ent e conciliá ve is ent re si27 .
C ze re snia de fine prevençã o com o um a int e rvençã o dire t a pa ra
evit a r a emergência de doença s específica s, visa ndo reduzir a incidência
e p re va lência da s mesma s na popula çã o. Dessa forma , a prevençã o se
ba se ia no conhecim ent o epidem iológico. Est a a ut ora d ife rencia a
prevençã o da promoçã o, conside ra ndo a últ ima ma is a mpla que a
primeira . Pa ra e la , a promoçã o est imula a ca pa cida de individua l e
cole t iva de e scolha , com ba se no conhe cim e nt o e a t ribuindo va lore s,
ou se ja , est imula ndo a a utonomia 28 .
Proteção
O re fe rencia l da prot eçã o é ent endido com o um a especifica çã o do
princípio da responsa bilida de pa ra Schra mm e Kot tow2 3 ,2 9, um a vez que
é a plica do em situa ções de fra gilida de e a mea ça à popula çã o, ou se ja ,
em sit ua ções de vulne ra bilida de e susce t ibilida de . Kot tow dife rencia
vulnera bilida de de susce t ibilida de , sendo a primeira “. . . a t ributo a nt ro-
pológico de t odo se r hum a no” e a segunda , “. . . um da no inst a la do em
grupos soc ia is e ind ivíduos” 3 0 . Assim , o ob je t ivo da prot e çã o é
norma t iza r a s prá t ica s huma na s por meio da a ntecipa çã o dos e fe itos
posit ivos, pre ve nindo e ve nt ua is e fe itos nega t ivos.
A prot eçã o se ria a fe rra m enta principa l pa ra a va lia r m ora lm ente
a s polít ica s pública s em sa úde , visa ndo just iça socia l. Dessa form a , o
re fe re ncia l da prot e çã o de ve se r conside ra do na s se guint e s c ircuns-
t â ncia s: e xist ê ncia de obje t ivos sa nit á rios ine vit á ve is e ind ispe nsá ve is;
exist ência de m edida s necessá ria s e ra zoá ve is com a lt a proba bilida de
de pre ve nçã o dos prob le m a s sa nit á rios por m e io de progra m a s de
sa úde ; e e xist ê ncia de ne ce ssida de socia l pa ra o e xe rcíc io da prot e -
ção, o que just ifica a nã o int e rfe rê ncia dos e fe it os ne ga t ivos na
va lida çã o do progra m a 3 1 .
Pontes e t a l. 32 de fine m prot e çã o com o o re sgua rdo ou cobe rt ura
da s necessida des e ssencia is, ga ra nt indo o a t endim ento de reque rim en-
tos m ora lm ente legít im os de t odos os indivíduos. Pa ra e st e s a utore s sã o
considera da s necessida des essencia is: a sa úde, a educa çã o, a a limenta -
ção , a segura nça , a mora dia , o vestuá rio e o a ba stecimento de á gua . A
part ir do século XVIII, o Est a do pa ssou a re sgua rda r os int e re sses
individua is dos cida dã os, ca ra ct e riza ndo com o prim e iro níve l de prot e -
ção os d ire it os hum a nos funda m ent a is da pessoa , t a m bém conhecidos
com o d ire it os libe ra is. O se gundo níve l de prot e çã o re fe re - se à
população, com atuação n o c a m po dos dire it os socia is.
Precaução
O desenvolvimento da ciência t em produzido a va nços t ecnológicos
em diversa s á rea s do conhecimento. Na á rea da sa úde, riscos potencia is
e rea is fora m cria dos por este a va nço tecnológico. Assim, o referencia l da
preca uçã o busca a a va lia çã o segura e qua nt ita t iva dos riscos por meio da
elimina çã o ou diminuiçã o do da no ca usa do pelos mesmos; a tua ndo ta nto
na possibilida de como no próprio da no. Exist em muitos conce itos e
definições pa ra preca uçã o em inst rumentos interna ciona is, a pa recendo
pela primeira vez no sistema da s Na ções Unida s, na Decla ra çã o do Rio
sobre Am bient e e Desenvolvim ent o, em 1 9 9 2 33.
A pre cauçã o na sce u e m conside ra çõe s sobre m e io a m bie nt e , com
a noçã o de cont role pré -da no dos riscos (m edida s de a nt ecipa çã o) e
responsa bilida de é t ica . Assim, a sua fina lida de é a proteçã o dos se res
hum anos e d o a mbiente cont ra possíve is riscos da a çã o huma na por
m e io de m e dida s de cont role pré -da no. A a plica çã o deste referencia l
o corre n a s seguintes situa ções 33: existência de incerteza s cient ífica s
sob re a ca usa lida de , ma gnitude , proba bilida de e na tureza do da no;
exist ência de hipót e ses ou m ode los, ba sea dos em evidência s cient ífica s,
do possíve l dano; reduçã o im possíve l da s ince rt eza s sem um a um ento
na ignorâ ncia de out ros fa t ore s re le va nt e s; da no pot e ncia l sé rio,
irreversíve l ou mora lmente ina ce it á ve l à ge ra çã o a tua l ou futura ; e
necessida de de a çã o imedia ta , uma vez que ta rdia mente seria ma is
difícil ou com m a is cust o.
A O rganiza çã o da s Na ções Unida s pa ra a Educa çã o, a C iência e a
Cult ura (UN ESCO ) re la ciona à preca uçã o a ignorâ ncia culposa , a co-
responsa bilida de e a just iça int ra -gera çã o na s a ções ou omissões de
indivíduos, inst ituições e Esta dos. O s dois prim e iros, ignorâ ncia culposa
e co- responsa bilida de , dizem respe ito à re sponsa bilida de , nã o isent a n-
d o a m esm a por fa lt a de conhecim ent o ou exe rcício profissiona l. A
just iça int ra gera çã o é a igua l dist ribuiçã o de oportunida des pa ra ca da
indivíduo em t e r segura nça econôm ica , socia l e polít ica . A UN ESCO
dife rencia os t e rm os precaut ionary principle e precautionary approach ,
se ndo o prim e iro re la ciona do à ba se filosófica da preca uçã o, enqua nto
o segundo é a a plica çã o prá t ica da preca uçã o 33 .
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LEITE D F ET AL.
Soule divide a regula çã o pe la preca uçã o em dua s ca tegoria s: w eak
precautionary e strong precaut ionary , se ndo a dife rença ent re e la s a
necessida de de disposit ivos de a çã o regula tória na últ ima . N o ca so da
w eak precautionary , um risco pode ria se r a ce it o e m virt ude de um
be ne fíc io ou por se r m uit o ca ro e vit á - lo, ne ce ssit a ndo se u
gerencia mento. Já na regula çã o por strong precaut ionary , o risco é
evit a do 34 .
Se gund o Da lla ri et a l.5, a preca uçã o “pre t ende conte r a inova çã o,
re -orient a ndo o progre sso cient ífico ilim it a do e re -va loriza ndo a busca
d os ve rd a de iros re sponsá ve is pe los com port a m e nt os im prude nt e s” .
Para estas autora s, o “a gir em sa úde pública significa conduzir uma a çã o
polít ica , que , por sua vez, obriga à prudência ”, de spe rt a ndo os Est a dos
para a pro teção e p re ve nção d a sa úde pública . “De ma neira gera l, o
e scopo d a preca uçã o é ult ra pa ssa r a prevençã o. N ã o seria ma is preciso
que um dano se produz isse , ou se m ost ra sse im inent e , pa ra que um
gesto, visa ndo evit a r a produçã o ou a repe t içã o desse da no, fosse
legít imo.” Pa ra W eed, a preca uçã o tem como idéia cent ra l a a çã o
prevent iva a ntecipa tória devido à evidência cient ífica de incert ezafrente a um risco, est a ndo a prevençã o dent ro da preca uçã o 35 .
Prudência
A prudência é uma da s qua t ro virtudes ca rdea is da Ant iguida de e da
Ida de Média , sendo a s dema is, a just iça , a cora gem e a tempera nça .
Atua lm ente , a prudência t eve seu significa do reduzido a o a specto de
cuida do, ca ut e la , risco, be m d ife re nt e do significa do da do por
Arist ót e le s e Tom á s de Aquino. Arist ót e le s conside ra va a prudência
um a virt ude , a m ode ra çã o, o pont o de e quilíbrio e nt re os dois e xt re -
mos de vício. A prudência e ra vist a como necessá ria pa ra a s dema is
virt udes por se r um a qua lida de que de t e rm ina ria a condut a do hom em
por m e io d a razão e d a ve rda de 36 . Pa ra e le , o hom em prudent e
de libe ra e julga a s coisa s de modo conveniente , busca ndo a fe licida de
e um a vida boa . Cont udo, Arist ót e le s nã o conside ra va a prudência
pe rt encente à a rt e ou à ciência . Além disso, Aristót e le s dife rencia a
prudência da sa bedoria , sendo a prim e ira a sa bedoria prá t ica
(phrósnesis) e a segunda a sa bedoria teórica (sophia).
To m á s de Aquino 37 de fine prudê ncia com o “a virtude da decisã o
certa” ou “recta ratio agibilium ” (reta razão aplicada ao agir). Pa ra ele, a
prudência regeria a s dema is virtudes ca rdea is, nã o sendo nem a rt e nem
ciência . Ele a credit a va que a prudência e ra uma virtude composta por
partes, exist indo t rês t ipos: pa rt es integra ntes, pa rt es subje t iva s e pa rtes
potencia is. As pa rt es int egra ntes se ria m a s funções da virtude , ocorren-
do pa ra o a to pe rfe it o da virt ude da prudência enqua nto cognoscit iva
(memória , ra zã o, inte lecto, docilida de , sa ga cida de) e precept iva (pre-
vidência , circunspeçã o, preca uçã o), esta últ ima a plica ndo o conheci-
m e nt o à ação. Com re la ção à previdência , Tom á s de Aquino a de fine
com o um t e rm o que “. . . im plica , com e fe it o, que o olha r se prenda a
qua lque r coisa dist a nt e com o a um t e rm o a o qua l devem se r ordena da s
as ações presentes”. Pa ra e le , a preca uçã o é necessá ria à prudência “. . .
para e scolhe r os be ns e e vit ar os m a les” 3 7.
As pa rt es subje t iva s compõem a va ria bilida de de prudência exist en-
t e no m undo para o “governo da m ult idã o”, enqua nto a s pot encia is
dizem respe ito a os a tos secundá rios re la ciona dos a o a to da prudência .
Com p õe a pa rt e subje t iva da prudência o com ponente legisla t ivo,
polít ico, econôm ico e m ilit a r. A eubulia, ou a t o de be m de libe ra r ou o
que a conse lha bem, int egra a pa rt e potencia l, a ssim como synesis , juízo
re to de a ções pa rt icula res, e a gnom e , esta implica ndo em uma certa
pe rspicá cia no julga m ento. Um dos vícios opostos à prudência é a
imprudência , definida como a fa lta da primeira . Fa zem pa rte da impru-
dência a negligência (fa lt a de solicit ude devida ),
precipita çã o ou temerida de (fa lta de de libera çã o, esta ocupa çã o da
eubulia), inconsidera çã o (fa lta de julga mento, obje to da synesis e gnom e )
e a inconst â ncia (a ba ndono de um bom propósit o de t e rm ina do)37 .
Gracián 38 é out ro filósofo que t ra t a do princípio da prudência . Pa ra
e le , a prudência é com post a , dent re out ros a t ribut os, pe lo conheci-
mento, disce rnimento, sa bedoria , int e ligência , ra zã o, re flexã o, ponde-
ração, pe rcepçã o, decisã o, benevolência , bene ficência , condescen-
dência e sensa tez.
D ISCUSSÃO
A Bioé t ica de int e rve nçã o conside ra com o m ora lm e nt e just ificá -
ve l n o c a m p o p úb lic o e c ole t ivo, d e n t re ou t ros a sp e c t os, a
prioriz a çã o de polít ica s e a çõe s que privile gie m um m a ior núm e ro de
pe ssoa s, pe lo m a ior e spa ço d e t e m po e que re su lt e m na s m e lhore s
conse qüê ncia s. N o ca m po priva do e ind ividua l, de fe nde a busca por
soluçõe s viá ve is e prá t ica s pa ra os conflit os, cont e xt ua liza ndo-os
on d e os m e sm os oc orre m 6 , 2 4 .
De nt ro da Bioé t ica de in t e rve nçã o, os “Q ua t ro Pês” sã o
re fe rencia is t eóricos e prá t icos re fe ridos frent e a nova s t ecnologia s de
se rviços e produt os para a sa úde , be m com o os proce d im e nt os por
e les ut iliza dos. A prudência e a preca uçã o sã o ca tegoria s busca da s no
m om ent o de de sconhecim ent o de ssa s nova s t e cnologia s. A prot eçã o
e a prevençã o, muito conhecida s da Vigilâ ncia Sa nitá ria , sã o referência s
ut iliza da s pa ra evit a r possíve is da nos e ia t rogenia s a dvindos do uso
dessa s t ecnologia s, uma vez que a popula çã o doente que necessit a da s
m e sm a s é vulne rá ve l e susce t íve l, a o m e sm o t e m po, a os possíve is
riscos a ssocia dos.
A Bioét ica tem muito a cont ribuir pa ra a Vigilâ ncia Sa nitá ria , uma vez
que ofe rece “fe rra m enta s” que poderã o se r ut iliza da s em sit ua ções de
conflito é t ico e mora l da á rea da Sa úde Pública . O s “Q u a tro Pês” sã o
a lguma s dessa s ferra menta s, que muito têm a oferecer à temá t ica a qui
discut ida , principa lmente da regula menta çã o de nova s t ecnologia s. O
Estado , por m e io do pode r de políc ia da Vigilâ ncia Sa nitá ria nos t rês
níve is de governo, int e rve io na prá t ica da a uto-hem ote ra pia no pa ís,
com ba se nos re fe rencia is bioé t icos da prevençã o, prot eçã o, preca u-
ção e prudência , de form a int e r- re la ciona da e com plem enta r.
Com re la çã o à in t e rve nçã o do Est a do na prá t ica da a ut o-
he m ot e ra pia , a prudê ncia possui m a ior a bra ngê ncia , incluindo a
pre ca uçã o no se u ca m po de a çã o. Pa ra e vit a r os da nos oriundos dos
riscos ine re nt e s a os se rviços e produt os pa ra a sa úde , a pre ca uçã o
ut iliz a a p rot e çã o e a p re ve nçã o, a lé m d e out ros conce it os e
re fe rencia is. A prot eçã o t a m bém ut iliza a prevençã o na sua a çã o, se
re la ciona ndo com a s polít ica s pública s de sa úde e sua norm a t iza çã o.
A prevençã o se ria a prim e ira ca t egoria a se r ut iliza da na funda m en-
tação d a int e rve nçã o do Est a do de vido à re la çã o risco- da no de nt ro
do cont e xt o da sa úde pública .
A re sponsa bilida de é out ro pont o em com um ent re a preca uçã o e
a prot e çã o, um a ve z que e st á inse rida no d iscurso de a m ba s,
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AU TO -H EMO TERAPIA
principa lmente qua ndo se fa la da responsa bilida de do Esta do na Sa úde
Pública . C a be resga ta r a prudência na a tua çã o do Esta do, desta ca ndo
a sua pa rt e subje t iva com o propost o por Tom á s de Aquino.
N o ca so da a uto-hemotera pia , a Vigilâ ncia Sa nitá ria , por meio do
pode r de políc ia, convoca os “Qua t ro Pês” na sua a tua çã o. A prudência
e , conseqüent em ent e , a preca uçã o, re la ciona m -se a o pouco conheci-
m ent o, cient ifica m ent e com prova do, de sse procedim ent o. A prot eçã o
e a prevençã o visa m e lim ina r os da nos à sa úde da popula çã o doente
que procura a a uto-hemotera pia como t ra t a mento, uma vez que t a l
procedim ent o ofe rece risco de rea çã o a dve rsa , principa lm ent e se
rea liza do em condições sa nit á ria s ina dequa da s (higiene do loca l, est ru-
tura física , ma teria l desca rtá ve l, medica mentos e equipa mentos de
pronto-a t endim ento, licença ou a lva rá sa nit á rio do loca l, recursos
hum anos ca pa cita dos e t re ina dos, e tc.).
Q ua nt o a os re cursos hum a nos, com o a prá t ica da a ut o-
hem ot e ra pia nã o t em a inda um níve l reconhecidode evidência cient í-
fica , nã o há pessoa s ca pa cita da s e t reina da s pa ra sua rea liza çã o. A fa lta
de conhe cim e nt o sobre o proce d im e nt o a ut o- he m ot e rá pico ge ra
desconhecim ento sobre a s indica ções, cont ra - indica ções, posologia ,
d osa gem, inte ra ções medica mentosa s, rea ções a dversa s, ent re out ra s
inform a ções necessá ria s pa ra seu uso t e ra pêut ico.
Se m a p rofund a r e spe c ific a m e n t e na d isc ussã o sob re o e m pre -
go d os t e rm os vu lne ra b ilid a d e e susce t ib ilid a d e , a fra gilid a d e d o
e nfe rm o é um fa t o concre t o: u lt ra pa ssa a d im e nsã o b iológica ,
incorpora nd o a spe c t os psicossoc ia is e a fe t ivos. Essa fra gilid a d e o
to r n a con su m id or- a lvo d a p rom oç ã o d e n ova s t e c n ologia s , n e m
se m pre com re su lt a d os t e ra pê u t icos com prova d os pe la c iê nc ia , o
q u e re forç a o p od e r- d e ve r d o Est a d o d e in t e rvir n o c u id a d o é t ic o
com a sa úd e d os se us c id a d ã os.
Considerações finais e recomendações
A in c orp ora ç ã o à s p rá t ic a s d e sa ú d e d e t e c n ologia s n ova s ou
d e c orre n t e s d e c on h e c im e n t os t id os c om o t ra d ic ion a is e m d ife -
re n t e s c iviliz a ç õe s , c om o é o c a so d a a u t o- h e m ot e ra p ia , m e re c e
um a ra c iona liz a ç ã o nã o a pe na s d o pon t o d e vist a d e c ust os, m a s
visa nd o à se gu ra nç a d e se u u so. Fre n t e à s a t rib u iç õe s p re c íp ua s
da Vigilâ nc ia Sa n it á ria , os “Q u a t ro Pê s” d a Bioé t ic a d e in t e rve n -
çã o e su a p rá t ic a m ost ra m - se c om o u m a b a se e p is t e m iológic a
a d e q u a d a d e a rgu m e n t a ç ã o q u e d e ve p re c e d e r à c on c e ssã o d e
p e rm issõe s e a p lic a ç ã o d e p e n a lid a d e s , c on fe r id a s p e lo p od e r d e
políc ia a e ssa funç ã o d o Est a d o sob re a Sa úd e Púb lic a . E, se nd o
a ss im , re c om e n d a - se q u e :
• Profissiona is de sa úde , a lém de se m a nte r pe rm a nentem ente
a tua lizados qua nto a os conteúdos t écnico-cient íficos que va lidem sua s
prá t ica s e prom ova m o bem -est a r de seus pa cientes, e st e ja m a t entos
à s recomenda ções da s a utorida des sa nitá ria s e a bstenha m-se de pres-
sões, m esm o que de origem cult ura l, pa ra a a plica çã o de procedim en-
tos sem a devida comprova çã o cient ífica ;
• Conse lhos de Cla sse orie nt e m os profissiona is sob sua re sponsa -
bilida de pa ra essa s questões e a umentem a fisca liza çã o sobre o exercí-
c io da s profissõe s de sa úde , ide nt ifica ndo e coib indo a s form a s
indevida s ou de le t é ria s a os pa cientes;
• O sistema de sa úde e a a ca demia est imulem a re flexã o e a
pesquisa sobre m é t odos pre t ensa m ent e t e ra pêut icos, no sent ido de se
re com e nd ar com se gura nça o se u uso ou proscre vê - lo, m inim iza ndo
e spe cula çõe s a re spe it o e , com ist o, conscie nt iza ndo m a is
a sse rt iva m ent e a popula çã o sobre o seu uso.
Conflito de interesse: nã o há
SUMMARY
AUTOHEMOTERAPHY, STATE IN TERVEN TION AN D BIOETHICS
The increasingly frequent pract ice of autohem otherapy entails a
potent ial risk to the health of individuals since it is scient ifically unproven.
The re are pract ically no clinical studies show ing the efficacy and safety of
this procedure; only experim ental research w ith quest ionable results from
studies on hum an beings and anim als. Over the last years, the sanitary
surveillance area has expanded it s prevent ive and risk control act ions
based upon a precaut ionary philosophy in the private as well as the public
sphere. By observing the theoret ical and pract ical reference points of the
“four Ps” (prevent ion, prot ect ion, precaut ion and prudence), in
accordance with the epist em ology deve loped w ithin Intervent ion
Bioethics, sanitary surveillance actions are based upon legal adm inistrative
policing powers. These powers are underst ood t o be t he Public
Adm inistrat ion’s com petence to set condit ions on and restrict the use and
benefit of goods, act ivit ies and individual rights, on behalf of the com m on
w ell being of people or the State it self. The Braz ilian State, through its
sanitary surveillance policing powe rs at the three levels of governm ent, has
int ervened in the pract ice of autohem otherapy. Considering the
responsible State int ervent ion in situat ions of collect ive int erest ,
vulnerability and suscept ibility, the present study proposed to analyz e the
pract ice of autohem otherapy in the light of sanitary surveillance act ions
and their relat ionship w ith the “four Ps” of Intervent ion Bioethics. [Re v
Assoc Med Bra s 2 0 0 8 ; 5 4 (2 ): 1 8 3 -8 ]
KEY W O RD S: Aut ohe m ot he ra py. Polic ing powe rs. Sa nit a ry surve illa nce .
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