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revista MarÇO 2016 núMerO 4 Informativo Oficial da Federação Brasileira de Gastroenterologia volume 28 IS SN 2 44 6- 50 54 revista junhO 2016 núMerO 5 Informativo Oficial da Federação Brasileira de Gastroenterologia volume 29 VEM AÍ O II CONGRESSO BRASILEIRO DE DOENÇAS FUNCIONAIS E I SIMPÓSIO BRASILEIRO DE MICROBIOTA GRAMADO – RS DIETA É O TEMA DO ANO PARA O DIA MUNDIAL DA SAÚDE DIGESTIVA BRASILEIROS SÃO PREMIADOS NO DDW 2016 Queima de fogos - Lagoa da Pampulha - Belo Horizonte/MG suMáriO EDITORIAL DIRETORIA FBG 2015-2016 PALAVRA DO LEITOR DESTAQUE SAÚDE • TRPV1 na doença do refluxo gastroesofágico • Diarreia crônica funcional • Doença celíaca • Dietas com restrições • Declaração ACG • Doença de Chagas • As emoções na Gastroenterologia Pág. 5 PERGUNTAS AO ESPECIALISTA • Diverticulite aguda • Gastroparesia • Transmissão do H.pylori pela saliva Pág. 6 Pág. 7 Pág. 8 Pág. 27 NOTÍCIAS FBG • Teste de alimentos • Congresso de Doenças Funcionais – Professores internacionais confirmados • Título de Especialista • Dia Mundial da Saúde Digestiva • XV SBAD • Jornada Uberlândia • Inovação no tratamento da hepatite C • Movimento Brasil sem Parasitose Pág. 32 VARIEDADES • Turismo Gramado, RS • Minas Gerais Carlos Drummond de Andrade Clube da Esquina • Crônica O seminarista GASTROARTE Pág. 37 Pág. 44 AGENDA FBG 2016 Pág. 46 Pág. 6 3 Revista FBG - Órgão oficial de divulgação da Federação Brasileira de Gastroenterologia Av. Brigadeiro Faria Lima, 2.391 - 100 andar - Conjunto 102 - CEP 01452-000 - São Paulo - SP Fone: +55 11 3813-1610 Fax: +55 11 3032-1460 - www.fbg.org.br Editor-chefe: Antonio Frederico Magalhães Coordenadora de Comunicação e Marketing: Fátima Lombardi Gerente: Jaider Henrique Silva Diretor de Comunicação: Décio Chinzon Jaime Natan Eisig (in memorian) Coordenação editorial: Malu Martins E-mail: fbg@fbg.org.br Projeto gráfico e diagramação: Phototexto Comunicação & Imagem Edição: Bárbara Cheffer (MTB 53.105/SP) - barbara.cheffer@phototexto.com.br Revisão: Carmen Garcez Tiragem: 3.000 exemplares Impressão: Ar Fernandez Distribuição: nacional ISSN: 2446-5054 Circulação: trimestral A reprodução da Revista FBG é permitida, desde que citados a fonte e o autor da matéria. Os conceitos e opiniões emitidos nos artigos e nos anúncios são de exclusiva responsabilidade de seus autores e anunciantes. Expediente O informativo oficial da Federação Brasileira de Gastroenterologia foi publicado pela primeira vez em 1989, como Gastren. A partir de 2009, passou a ser denominado Jornal da FBG. Em 2015, foi cadastrado no Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), com ISSN 2446-5054, passando a denominar-se Revista FBG, constituindo o Volume 27, Ano 1, abril 2015. O sistema ISSN é definido pela norma ISO 3297:2007 – Information and Documentation – International Standard Serial Number ISSN, gerida pelo ISSN International Centre. editOrial A Organização Mundial de Gastroenterologia promove anualmente o Dia Mundial da Saúde Digestiva, oficializado pela data de sua fundação (29 de maio), definindo a cada ano um tema para orientar a população na prevenção e no tratamento de doenças relacionadas ao aparelho digestivo. O foco escolhido para 2016 é a Dieta. Em concomitância com as mais de 100 sociedades de Gastroenterologia em todo o mundo, a Federação Brasileira de Gastroenterologia, coorde- nada por sua presidente Dra. Maria do Carmo Friche Passos, está enfati- zando a importância da dieta para a saúde da população. Nossa revista, que já vem publicando vários aspectos relacionados ao tema, continuará mantendo esse enfoque também nas próximas edi- ções. Neste número, ressaltamos as especificidades da dieta nos casos de diarreia crônica de origem funcional, no artigo formulado pela Dra. Maria do Carmo F. Passos, Dra. Ana Flávia Passos Ramos e Dr. Frederico Passos Marinho; a elucidativa matéria assinada pelo Dr. Celso Mirra de Paula e Silva, focada em doença celíaca, e ainda o artigo da Dra. Lore- te Kotze, que, didaticamente, esclarece os conceitos sobre intolerância, sensibilidade e alergia alimentar. No site de nossa Federação, cada vez mais dinâmico, está disponibili- zada a descrição da recente dieta tipo FODMAPS, para orientação tanto dos médicos como da população leiga. Aos colegas que ainda não tiveram oportunidade de ler, recomendo o excelente artigo dos epidemiologistas das universidades de Oxford e Pe- king, publicado em abril de 2016 no The England Journal of Medicine. O gigantesco e minucioso estudo relata a influência da ingestão de fru- tas frescas na incidência de doenças cardiovasculares em 512.591 adul- tos, residentes em dez regiões da China, demonstrando que aqueles que consumiam frutas frescas diariamente apresentaram 40% menos risco de morte por doença cardiovascular do que os indivíduos que nunca ou raramente consumiam frutas. Além da dieta, outros relevantes temas são apresentados neste número, em especial o trabalho da tese de doutorado do Dr. Renan Oliveira Silva, orientado pelo Dr. Marcellus Henrique Loiola Ponte Souza e que mereceu o prêmio Basic Sciences Travel Award no DDW 2016. Em nome da Gastroenterologia brasileira, nossos reconhecidos e entu- siasmados cumprimentos aos doutores! Mais uma vez, agradecemos a todos os colegas que prontamente aca- tam nossa solicitação para colaborar com esta revista e ainda a todos os que nos honram e estimulam com sua atenciosa e arguta leitura. Dr. Antonio Frederico Magalhães Editor-chefe 5 diretOria FBG 2015-2016 Palavra dO leitOr Opiniões e sugestões enriquecem nossa revista. Nosso agradecimento pela gentileza dos retornos. Continuamos todos ouvidos para você! fredericomagalhaes@terra.com.br | malu.plural@terra.com.br | comunicação@fbg.org.br “A revista FBG está maravilhosa. Científica e cheia de novidades pertinentes. Parabenizo a todos que fazem dela um subsídio científico indispensável.” Dra. Solimar Fátima Vanon Brasileiro, sócia-titular da FBG – Juiz de Fora (MG) “Gostaria de enviar meus parabéns ao Prof. Frederico Magalhães pelo editorial da Revista nº 1 de 2016. Estou adorando o novo formato e as mudanças ocorridas” Dr. Idblan Carvalho de Albuquerque, sócio-titular da FBG – São Paulo (SP) Dra. Eponina Maria Oliveira Lemme (RJ) 1ª Secretária Dr. Celso Mirra de Paula e Silva (MG) Diretor financeiro Dra. Luciana Dias Moretzsohn (MG) Coordenadora do FAPEGE Dr. James Ramalho Marinho (AL) Vice-presidente Dra. Maria do Carmo Friche Passos (MG) Presidente Dr. Ricardo Corrêa Barbuti (SP) Secretário-geral Dr. Flávio Antônio Quilici (SP) Presidente Eleito 2017-2018 6 destaque II Congresso Brasileiro de Doenças Funcionais do Aparelho Digestivo (Roma IV) I Simpósio Brasileiro de Microbiota 28 a 31 de julho, Gramado (RS) Caros leitores, Nos últimos anos, os conhecimentos na área das Doenças Funcionais Digestivas avançaram tanto que se tornou imprescindível para os pesquisadores e professores da Fundação Roma realizar uma ampla revisão e atualização sobre o tema, apresentando-nos neste ano um novo consenso – o Roma IV. Assim, o congresso em Gramado será uma oportunidade ímpar e fundamental para todos os gastroenterologistas conhecerem as novidades do Consenso de Roma IV e discutirem aspectos práticos para o manuseio dos pacientes, que representam, com frequência, um grande desafio na prática diária. O congresso conta com a participação conjunta da Sociedade Brasileira de Motilidade Digestiva e Neurogastroenterologia. Também será realizado o I Simpósio Brasileiro de Microbiota, um assunto palpitante que vem recebendo cada vez mais a atenção dos gastroenterologistas. Atualmen- te, tem sido observada a correlação das alterações da microbiota com uma série de doenças digestivas e extradigestivas. O evento está sendo organizado em conjunto com o Núcleo Brasileiro para Estudo do H. pylori e Microbiota. Tudo isso seráabordado na programação científica, que já está finalizada. É impor- tante ressaltar a presença dos convidados internacionais, professores de renome e participantes do Consenso de Roma IV. Destaque especial para a presença do Prof. Douglas Drossman, presidente da Fundação Roma e coordenador do novo consenso. Ele nos brindará com três apresentações, incluindo a conferência de abertura sobre as principais novidades do Roma IV. Confira mais informações no site do evento www.doencasfuncionais2016.com.br e na seção Notícias FBG Dra. Maria do Carmo Friche Passos Presidente da FBG 2015/2016 Presidente do II Congresso Brasileiro de Doenças Funcionais do Aparelho Digestivo e I Simpósio Brasileiro de Microbiota COMISSãO OrGANIzADOrA: Décio Chinzon Diretor de Comunicação e Evento da FBG e coordenador do Congresso Luciana Dias Moretzsohn Presidente do FAPEGE Joaquim Prado P. Moraes Filho Presidente da Sociedade Brasileira de Motilidade e Neurogastroenterologia Luiz Gonzaga Vaz Coelho Presidente do Núcleo Brasileiro para Estudo do H. pylori e Microbiota 7 saúde TRPV1, um alarme sensorial biológico na doença do refluxo gastroesofágico Trabalho apresentado e premiado no DDW 2016 A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) é uma condição clínica muito prevalente, acometendo de 10% a 20% da população mundial, e ocorre quando o refluxo do conteúdo gástrico provoca sintomas e/ou complicações. Sua relevância se dá ainda devido à sig- nificativa limitação da qualidade de vida, além do custo elevado de exames e medicamentos (Cury et al., 2006). Atualmente, o tratamento clínico para DRGE baseia- se principalmente em fármacos que suprimem a se- creção do ácido gástrico, tais como os inibidores da bomba de prótons (IBPs). Além disso, outras abor- dagens terapêuticas têm sido utilizadas, incluindo as formulações tópicas à base de alginato (camada ade- rente viscosa em contato com a mucosa esofágica) (Woodland et al., 2015). Os principais objetivos da terapia para a DRGE são aliviar os sintomas, prevenir complicações e melhorar a qualidade de vida. Clinicamente, a descoberta dos IBPs proporcionou grandes avanços, uma vez que essa classe de fármacos bloqueia efetivamente a secreção ácida gástrica. No entanto, tem sido demonstrado que os fenótipos da DRGE respondem de forma diferente ao tratamento. Os pacientes com doença do refluxo não erosiva (NERD), por exemplo, que correspondem a 70% dos pacientes com sintomas de refluxo, apre- sentam uma taxa de resposta sintomática bem menor à terapia com IBPs, quando comparados com pacien- tes com esofagite erosiva (70% versus 30%) e, con- sequentemente, constituem a maioria dos pacientes refratários ao tratamento com IBPs (Bytzer et al., 2012). Tem sido mostrado que pacientes NERD têm uma mu- cosa aparentemente normal, mas apresentam hiper- sensibilidade esofágica a agentes químicos, mecânicos e térmicos em comparação com os indivíduos normais (Hobson et al., 2008). Nesse contexto, a mucosa do esôfago apresenta um tipo de receptor que pode ser um possível candidato na cascata de transdução de sinais envolvidos na patogênese da NERD, o chama- do receptor de potencial transitório do tipo I (TRPV1) (Bulsiewicz et al., 2013). Dessa forma, uma terapia eficaz para o tratamento dos pacientes com doença do refluxo não erosiva (NERD) poderia ser conseguida investigando os mecanismos que contribuem para os aspectos sintomáticos referidos por esses pacientes e buscando novas moléculas sinalizadoras envolvidas nos eventos microinflamatórios observados na mucosa esofágica. Os receptores TRPV1, originalmente referidos como receptores da capsaicina, respondem também a dife- rentes ligantes químicos exógenos e endógenos, bem como são detectores e conversores de sinais biológi- cos e ambientais prejudiciais ao corpo, tais como pró- tons (ácido, pH < 5,6) e estímulos físicos como calor (> 42 ºC), o que indica que o TRPV1 é um detector polimodal sensível a insultos térmicos, mecânicos e químicos (Cortright et al., 2004). É importante ressaltar que a regulação da atividade de TRPV1 está envolvida em uma série de cascatas de sinalização implicadas na resposta a mediadores inflamatórios. Em geral, esse fato aponta para um papel do TRPV1 como um integra- dor fundamental nas diversas vias do sistema nervoso periférico (SNP) e central (SNC), resultando em ativi- dade neuronal que pode vir a ser percebida como dor. A ativação TRPV1 em neurônios aferentes primários, além de provocar sensação dolorosa, induz inflama- ção neurogênica por meio da liberação de substância P (SP), peptídio relacionado com a calcitonina-gene da calcitonina (CGRP) e fator de ativação de plaque- tas (PAF) (Cheng et al., 2009). Nesse sentido, tem sido demonstrado aumento da expressão de TRPV1 na ca- mada de células epiteliais e em fibras aferentes da lâ- mina própria de pacientes caracterizados como NERD 8 referências 1. Bulsiewicz WJ, Shaheen NJ, Hansen MB, Pruitt A, Orlando RC. Effect of amiloride on experimental acid-induced heartburn in non-erosive reflux disease. Dig Dis Sci. 2013; 58:1.955-9. 2. Bytzer P, van Zanten SV, Mattsson H, Wernersson B. Partial symptom-response to proton pump inhibitors in patients with non-erosive reflux disease or reflux oesophagitis – a post hoc analysis of 5796 patients. Aliment Pharmacol Ther. 2012; 36:635-43. 3. Cheng L, de la Monte S, Ma J, Hong J, Tong M, Cao W. HCl-activated neural and epithelial vanilloid receptors (TRPV1) in cat esophageal mucosa. Am J Physiol. 2009; 297:G135-43. 4. Cortright DN, Szallasi A. Biochemical pharmacology of the vanilloid receptor TRPV1. An update. Eur J Biochem. 2004; 271:1.814-9. 5. Cury MS, Ferrari AP, Ciconelli R, Ferraz MB, Moraes-Filho JP. Evaluation of health-related quality of life in gastroesophageal reflux disease patients before and after treatment with pantoprazole. Dis Esophagus. 2006; 19:289-93. 6. Guarino MP, Cheng L, Ma J, Harnett K, Biancani P, Altomare A, Panzera F, Behar J, Cicala M. Increased TRPV1 gene expression in esophageal mucosa of patients with non- erosive and erosive reflux disease. Neurogastroenterol Motil. 2010; 22:746-51. 7. Hobson AR, Furlong PL, Aziz Q. Oesophageal afferent pathway sensitivity in non-erosive reflux disease. Neurogastroenterol Motil. 2008; 20:877-83. 8. Woodland P, Batista-Lima F, Lee C, Preston SL, Dettmar P, Sifrim D. Topical protection of human esophageal mucosal integrity. Am J Physiol Gastrointest Liver Physiol. 2015; 308:G975-80. Dra. Angelita Habr-Gama e com esofagite erosiva (Guarino et al., 2010). Conside- rando a sensibilidade dos receptores TRPV1 ao ácido, e que sua presença e expressão aumentam em pacien- tes com DRGE, é concebível que esse TRPV1 esteja associado com a sensação dolorosa induzida por áci- do no esófago e pode constituir um importante alvo terapêutico. Nosso grupo de pesquisa, através de uma colabora- ção com o grupo do Prof. Daniel Sifrim, da Queen Mary University of London (Londres, Reino Unido), financia- da pelo programa Ciências sem Fronteiras/CNPq, vem estudando em modelo de doença do refluxo não ero- siva em camundongos o papel do TRPV1 na inflama- ção esofágica. De maneira inédita, demonstramos num modelo experimental cirúrgico que a depleção ou o bloqueio do TRPV1 é capaz de reduzir o processo infla- Dra. Angelita Habr-Gama Dr. Renan Oliveira Silva Dr. Dr. Marcellus Henrique L. P. Souza matório no esôfago de modo semelhante a altas doses de omeprazol. Nossos resultados serão apresentados no DDW 2016 em San Diego, numa sessão solene da premiação Basic Science Travel Award. Assim, podemos concluir que a exposição de ácido no lúmen do esófago pode provocar o aumento da expres- são de receptores TRPV1 nos neurônios sensoriais. Des- sa forma, os receptores TRPV1 atuam como alarme de aviso de moléculas prejudiciais, detectam esse sinal, di- reta ou indiretamente, e o transduzem e o retransmitem para o cérebro. A percepção da dor resultante prepara ocorpo para a defesa. Assim, a busca pelo papel do TRPV1 na gênese e/ou desenvolvimento da DRGE pode ajudar a elucidar a fisiopatologia da NERD e fornecer subsídios para um novo alvo terapêutico para pacientes com DRGE, sobretudo os refratários. 9 saúde Diarreia crônica de origem funcional Introdução Para se estabelecer o diagnóstico de diarreia crônica de origem funcional, é preciso descartar, com razoável se- gurança, uma causa orgânica subjacente. Sugere uma desordem funcional quando a diarreia tem um curso mais intermitente, evolução longa (no mínimo seis me- ses), ausência de sinais de alarme e de história familiar de doenças intestinais. Nesses casos, os exames labo- ratoriais, endoscópicos e radiológicos não apresentam alterações que justifiquem a sintomatologia. A anamnese detalhada é o passo mais importante que nos orienta no diagnóstico diferencial da diarreia crô- nica (orgânica e funcional) e na seleção dos pacientes que deverão ser submetidos à propedêutica. Alguns dados são essenciais e devem ser obtidos na anamne- se: a) duração da diarreia, número, periodicidade e ho- rário das evacuações, volume e aspecto das fezes; b) presença de dor abdominal e suas características; c) sintomas gerais como febre, artralgia, edema, emagre- cimento; d) fatores agravantes, como alimentos, álcool e estresse; e) uso de medicamentos, entre eles anti- bióticos, antiácidos, antidiabéticos, anti-hipertensivos e antiarrítmicos; f) doenças associadas como diabetes, neoplasias, infecções, pancreatopatias e hipertireoidis- mo; g) história prévia de cirurgia digestiva, radioterapia e viagens a outros países; h) história familiar de neo- plasias, especialmente de cólon, doença inflamatória intestinal e doença celíaca; i) alergia alimentar; j) cofa- tores psicológicos e ambientais capazes de interferir no ritmo evacuatório. Os pacientes com diarreia funcional são classificados pelo Consenso de Roma entre os distúrbios funcionais intestinais e podem ser enquadrados fundamentalmente em duas síndromes: Diarreia Funcional e Síndrome do In- testino Irritável (SII) com diarreia (SII-D). A diferença entre elas, basicamente, é a presença de dor e/ou desconforto no abdome inferior, que é característica da SII. O relato de distensão abdominal, presença de muco nas fezes, ur- gência evacuatória e sensação de evacuação incompleta é frequente e pode ocorrer nas duas síndromes. Abordagem Diante de um paciente com diarreia crônica, sem sinais de alarme e com propedêutica inicial de rotina dentro da normalidade, o diagnóstico mais provável é de diar- reia de origem funcional. Nesses casos, é imprescin- dível pesquisar também uma possível intolerância aos carboidratos, doença celíaca, parasitoses intestinais (especialmente giardíase e amebíase), supercresci- mento bacteriano do intestino delgado (SCBID), micro- colite inflamatória e má absorção de ácidos biliares. A má absorção de açúcares da dieta (lactose, fruto- se, frutano, sorbitol, xilitol, d-xilose e sacarose) é uma causa bastante frequente de diarreia crônica. Os testes respiratórios são os mais utilizados para o diagnóstico, apresentando boa sensibilidade e especificidade. Al- guns estudos recentes demonstram uma alta prevalên- cia de intolerância à frutose, especialmente em pacien- tes com SII-D e SII-Mista. Shepherd et al. indicaram uma dieta com restrição de frutose para 62 pacientes com SII-D, observando uma resposta favorável em 74%, com melhora significativa dos sintomas intesti- nais. Outros autores demonstraram que uma dieta com restrição de frutanos e frutose reduz os sintomas dos pacientes com SII. Vários guidelines recentes recomendam que em pa- cientes com diarreia crônica de etiologia não definida, devem ser solicitados, de forma rotineira, testes labo- ratoriais para excluir a doença celíaca (dosagem dos anticorpos antiendomísio e/ou antitransglutaminase tecidual IgA e da imunoglobulina A). Um pequeno sub- grupo de pacientes com SII apresenta hipersensibili- dade ao glúten (não celíacos), e pesquisas atuais de- monstram que uma dieta isenta de glúten pode aliviar os sintomas intestinais, especialmente a diarreia e a distensão abdominal nesses casos. Embora seja uma condição mais rara, a microcolite in- flamatória também pode ser a causa da diarreia refra- tária. Nos casos de microcolite linfocítica, eosinofílica e colágena, o quadro pode ser muito semelhante ao da diarreia funcional e os exames complementares rotinei- 10 ros também não apresentam alterações. Assim, para um paciente com diarreia crônica refratária ao trata- mento, devemos lembrar dessa possibilidade e solici- tar a colonoscopia com biópsias seriadas dos diversos segmentos do cólon. A má absorção de sais biliares tem sido cada vez mais estudada nos casos de SII-D e diarreia funcional, estan- do presente em até 25% dos pacientes. Uma das pro- váveis causas nesses casos é a deficiência do fator de crescimento do fibroblasto (FGF-19), um hormônio pro- duzido pelos enterócitos que regula a sínteses hepática dos ácidos biliares. Outras causas possíveis são as va- riações genéticas que afetam a produção de proteínas envolvidas na síntese e circulação dos ácidos biliares. A má absorção de sais biliares aumenta a permeabilidade da mucosa, induz a secreção de água e eletrólitos, além de acelerar o trânsito colônico. Existem alguns novos testes para esse diagnóstico, como a retenção abdo- minal de 75Se-homotaurocolato (SeHCAT), a dosagem sérica de C4 e de FGF-19, mas a maioria deles ainda não está disponível para a nossa prática diária. A má absorção de ácidos biliares também pode surgir após colecistectomia e o tratamento com colestiramina repre- senta uma boa opção nesses casos. O SCBID tem sido observado com bastante frequência no subgrupo de pacientes que desenvolvem o quadro intestinal crônico após episódio de gastroenterite agu- da, adotando-se nesses casos o termo SII pós-infecção (SII-PI). Essa evolução tem sido descrita após infecções causadas por bactérias (Campylobacter jejuni, Yersinia, Salmonella, Shigella), vírus (rotavírus, adenovírus, calici- vírus), fungos e parasitas (Giardia lamblia, Blastocystis hominis). Nos últimos anos, inúmeros trabalhos demons- traram que pacientes com SII-PI apresentam marcado- res de inflamação crônica e de infecção intestinal aguda, disbiose e SCBID, diferindo daqueles portadores da SII sem história de enterite prévia. Estudos recentes, utilizando técnicas moleculares com DNA, investigaram um espectro mais amplo de bacté- rias intestinais e forneceram informações detalhadas, evidenciando diferenças sutis, porém estatisticamente significativas, na composição da microbiota intestinal de indivíduos saudáveis e portadores da diarreia funcional; além disso, existem algumas evidências de que a mani- pulação terapêutica da microbiota com a utilização de antibióticos e/ou probióticos contribui de forma determi- nante para a resolução do quadro e melhora da diarreia. Tratamento É fundamental realizar uma cuidadosa revisão dos há- bitos alimentares, orientando uma alimentação ade- quada, pobre em gorduras e em alimentos que possam agravar a diarreia. As intolerâncias específicas a alguns carboidratos (lactose, frutose, frutano, sorbitol, xilitol, d-xilose e sacarose) devem ser identificadas. Uma vez estabelecida a relação entre a ingestão de determina- dos alimentos e os sintomas, justifica-se a dieta de exclusão. Sugere-se que de três a seis meses após a exclusão inicial do carboidrato, seja feita uma tentativa de reintrodução gradual, baseando-se no limiar sinto- mático de cada paciente. Nos últimos anos, pesquisadores australianos pro- puseram a adoção de uma dieta pobre em alimentos contendo oligossacarídeos, dissacarídeos e monossa- carídeos fermentáveis e polióis, conhecida como Low FODMAP. Estudos recentes demonstram que essa die- ta pode aliviar os sintomas de pacientes com SII, espe- cialmente na forma com diarreia, melhorando a consis- tênciadas fezes e reduzindo a frequência evacuatória, a flatulência e a distensão abdominal. Tratamento farmacológico As opções terapêuticas para os pacientes com diag- nóstico de diarreia crônica funcional ou SII-D incluem os antidiarreicos (loperamida), colestiramina, antibióti- cos, probióticos, alosetron (serotoninérgico antagonis- ta 5HT3) e eluxadoline (atua em receptores no SNE). A eficácia desse último medicamento foi estabelecida em vários ensaios clínicos que demonstraram sua superio- ridade em relação ao placebo para o alívio da diarreia e da dor abdominal, tendo sido aprovada pelo FDA para o tratamento da SII-D no ano passado. Na nossa prática diária, o medicamento mais utilizado ainda é a loperamida, um agonista opioide sintético que em baixas doses não apresenta efeitos do sistema nervo- so central ou outros eventos adversos. A dose deve ser ajustada de forma individualizada, recomendando-se, na maioria dos casos, 2 mg de uma a duas vezes por dia. A colestiramina está indicada nos casos de suspeita de má absorção de sais biliares e a dose é muito variável, deven- do ser ajustada de acordo com a resposta clínica. Alose- tron e eluxadoline ainda não estão disponíveis no Brasil. Caso o paciente apresente diarreia com dor abdominal (SII-D), os medicamentos antiespasmódicos e relaxan- 11 saúde tes da musculatura lisa estão indicados. Entre eles, es- tão os bloqueadores de canais de cálcio (brometo de pinavério e de otilônio), derivados da papaverina (clori- drato de mebeverina), relaxantes musculares (hioscina, dicloverina) e derivados opioides (trimebutina). Os antidepressivos tricíclicos (amitriptilina, imipramina, nortriptilina) constituem opções terapêuticas impor- tantes para um subgrupo de pacientes, especialmente quando há relato de agravamento dos sintomas com o estresse. Recomenda-se iniciar com doses baixas e, caso a resposta clínica seja satisfatória, o tratamento deverá ser mantido, no mínimo, por três a seis meses. Os probióticos constituem um novo grupo de produtos que vêm ganhando espaço na condução terapêutica nos casos de diarreia de origem funcional. Como alimentos funcionais, eles poderiam recompor qualitativamente a microbiota intestinal e combater quantitativamente o su- percrescimento. Os probióticos que se mostraram mais eficazes são constituídos de combinações de lactoba- cilos e bifidobactérias, sendo superiores ao placebo no alívio dos sintomas. São necessários novos estudos a longo prazo para se concluir sobre a real eficácia dos probióticos no tratamento da diarreia crônica funcional. Os antibióticos não absorvíveis, como a rifaximina, têm se mostrado úteis no manejo dos pacientes com SII-D. Ensaios clínicos randomizados e duplo-cegos recentes demonstraram que a rifaximina em diferentes doses (600 mg/dia a 2.400 mg/dia) é capaz de reduzir os sinto- mas, especialmente a distensão abdominal e a diarreia. Esses resultados apoiam a hipótese de que a disbiose desempenha um papel importante na fisiopatologia de um subgrupo de pacientes com SII, demonstrando im- pacto direto sobre o sistema imunológico e sinalizando queixas clínicas relevantes. A rifaximina é considerada medicação padrão ouro para o tratamento, mas ainda não está disponível no Brasil. No nosso meio, haven- do confirmação de SCBID, indicamos antibióticos con- vencionais como quinolonas, amoxicilina, tetraciclina ou metronidazol durante sete a dez dias. Se a resposta clínica for favorável, ciclos repetidos de antibióticos po- dem ser necessários se houver recidiva dos sintomas. A mesalazina tem sido indicada para os pacientes com diarreia crônica refratária (SII-D ou diarreia funcional), jus- tificando-se a sua prescrição pelas evidentes alterações imunológicas e microinflamatórias observadas nesses ca- sos. Embora um subgrupo de pacientes apresente respos- ta clínica bastante satisfatória, existem controvérsias na li- teratura acerca da real superioridade desse medicamento em relação ao placebo para o alívio da dor abdominal e melhora da diarreia. A dose recomendada para esses ca- sos varia entre 2 g/dia a 3 g/dia durante 30 a 60 dias. Como pudemos ver, o tratamento da diarreia crônica de origem funcional evoluiu muito nos últimos anos, possi- bilitando novas abordagens dietéticas e farmacológicas. Novos medicamentos, capazes de prevenir a sensibiliza- ção central ou atuar sobre os ácidos biliares, estão sen- do testados com resultados promissores, incluindo entre eles os novos agentes serotoninérgicos, os antagonistas do receptor 1 PGA-2 (EP-1), agonista μ-opioide e anta- gonista δ, agonista da grelina, colesevelam e obeticólico. Leitura recomendada 1. Camilleri M. Bile Acid diarrhea: prevalence, pathogenesis, and therapy. Gut Liver. 2015; 9:332-9. 2. Guagnozzi D, Arias Á, Lucendo AJ. Systematic review with meta-analysis: diagnostic overlap of microscopic colitis and functional bowel disorders. Aliment Pharmacol Ther. 2016. doi: 10.1111/apt.13573. 3. Lacy BE. Diagnosis and treatment of diarrhea-predominant irritable bowel syndrome. Int J Gen Med. 2016; 9:7-17. 4. Mottacki N, Simrén M, Bajor A. Review article: bile acid diarrhoea – pathogenesis, diagnosis and management. Aliment Pharmacol Ther. 2016. doi: 10.1111/apt.13570. 5. Nee J, Zakari M, Lembo AJ. Current and emerging drug options in the treatment of diarrhea predominant irritable bowel syndrome. Expert Opin Pharmacother. 2015; 16:2.781-92. 6. Rivkin A, Rybalov S. Update on the Management of Diarrhea-Predominant Irritable Bowel Syndrome: Focus on Rifaximin and Eluxadoline. S. Pharmacotherapy 2016; 36:300-16. 7. Shepherd SJ, Lomer MC, Gibson PR. Short-chain carbohydrates and functional gastrointestinal disorders. Am J Gastroenterol. 2013; 108:707-17. 8. Staudacher HM, Whelan K. Altered gastrointestinal microbiota in irritable bowel syndrome and its modification by diet: probiotics, prebiotics and the low FODMAP diet. Proc Nutr Soc. 2016; 24:1-13. Dr. Frederico Passos Marinho Dra. Maria do Carmo Friche PassosDra. Ana Flávia Passos Ramos 12 Doença celíaca – 20 questões comentadas ocorre na terceira e quarta década. Ressalte-se, con- tudo, que a DC pode ocorrer em qualquer faixa etária. Incidência entre parentes de 1º grau: • irmã é de 1 para 7 casos; • filha é de 1 para 8 casos; • filho é de 1 para 13 casos; • irmão é de 1 para 16 casos. 3. Como a doença celíaca se manifesta? A DC tem um largo espectro clínico, variando de sin- tomas gastrointestinais e extraintestinais a quadro completamente assintomático. As manifestações mais frequentes são diarreia crônica, flatulência, distensão abdominal, desconforto abdominal e perda de peso em até 40% a 50% dos casos. Muitas vezes a manifestação é extraintestinal ou atí- pica: anemia ferropriva, fadiga crônica, osteopenia, osteoporose, transaminases elevadas, constipação in- testinal, enxaqueca, depressão, neuropatia periférica, ataxia, infertilidade, dermatite herpetiforme. 4. Quando devemos obrigatoriamente pesquisar doença celíaca? Devemos pensar e pesquisar doença celíaca em: • Pacientes com diarreia crônica, perda de peso, dor abdominal pós-prandial, flatulência e sinais de má absorção. • Pacientes sintomáticos e com familiar de 1º grau com doença celíaca. • Pacientes com aminotransferases alteradas sem causa determinada. • Diabéticos tipo I com sintomas dispépticos persistentes. 1. Como conceituar doença celíaca A doença celíaca (DC) é uma enteropatia autoimune mediada caracterizada por intolerância ao glúten, re- sultando em lesão da mucosa do intestino delgado em indivíduos geneticamente suscetíveis. O glúten repre- senta um conjunto de proteínas individuais encontra- das no trigo, centeio, cevada e na aveia, quando con- taminada. 2. Epidemiologia da doença celíaca A DC acomete indivíduos de qualquer idade e de ambos os sexos. Contudo, é mais frequente na criança e no sexo feminino (2:1 em relação ao masculino). Estudos recentes apontam para a frequência aumentada de diagnóstico emadultos. Ocorre em todo o mundo, com incidências variadas de acordo com as regiões. Em crianças, é mais frequente na África, especialmente na Argélia, onde atin- ge 5,6% da população infantil. Em adultos, a frequência é maior no México, onde atinge 2,6% da população. No Brasil a incidência é de cerca de 0,15%. A DC tem apresentação bimodal; o primeiro pico ocor- re entre os 8 e 12 meses de vida, e o segundo pico 13 saúde 5. Quais são as outras condições nas quais devemos pensar em doença celíaca? • Má absorção sintomática. • Diarreia crônica com perda de peso. • Anemia crônica ferropriva, de causa obscura. • Osteoporose prematura. • Perda de peso inexplicada. • Fadiga crônica. • Dermatite herpetiforme. • Neuropatia periférica de causa obscura. • Déficit de crescimento. • Síndrome de Down. 6. recomendações importantes quanto à pesquisa diagnóstica da doença celíaca • O teste sorológico de preferência é o anticorpo anti- transglutaminase teciduaI IgA (ou IgA + IgG). • Se a suspeita de doença celíaca é alta, mesmo com a sorologia negativa, deve-se realizar biópsia duodenal (duas do bulbo e quatro do duodeno distal). • Todos os testes diagnósticos sorológicos devem ser realizados com o paciente em uso de glúten. 7. A biópsia duodenal é indispensável para o diagnóstico? Não. Em criança sintomática, com anticorpo antitrans- glutaminase tecidual maior que dez vezes, o limite supe- rior da normalidade, com teste HLA positivo e anticorpo antiendomísio positivo, pode-se prescindir da biópsia duodenal para se estabelecer o diagnóstico. Contudo, em criança assintomática ainda são necessários estudos multicêntricos, prospectivos, para se validar tal conduta. (Am J Gastroenterol. 2015; 110:1.485-9.) 8. O achado endoscópico de atrofia de vilosidades do duodeno determina o diagnóstico de doença celíaca? Não. Algumas outras causas de atrofia de vilosidades são: • supercrescimento bacteriano de delgado; • doença de Crohn; • doença de Wipple; • linfoma intestinal; • tuberculose intestinal; • giardíase e enterites infecciosas; • desnutrição; • enteropatia da aids. 9. A DC pode acometer indivíduos de qualquer faixa etária? A DC é mais comum na infância e na adolescência, mas pode se manifestar em qualquer idade. Cerca de 20% dos pacientes diagnosticados têm mais de 60 anos de idade. 10. Qual é o envolvimento hepático em pacientes com doença celíaca? As doenças hepáticas associadas a DC são, principal- mente: • hepatite celíaca; • cirrose biliar primária; • hepatite autoimune; • volangite esclerosante primária; • hemocromatose. A hipertransaminasemia pode ser vista em cerca de 40% dos adultos e 54% das crianças com doença ce- líaca clássica; por outro lado, a doença celíaca está presente em 9% dos pacientes com elevação das tran- saminases de causa inexplicada. Tanto a TGO como a TGP podem estar elevadas, ambas ou apenas uma delas. Havendo hipoalbuminemia, hiperbilirrubinemia e alteração na atividade de protrombina, deve-se pensar em cirrose hepática associada. As alterações à biópsia hepática são frequentes (66%), mas geralmente leves e inespecíficas. A dieta isenta de glúten leva à normaliza- ção das transaminases em 75% a 95% dos pacientes, assim como das alterações histológicas, em geral um 14 ano após a aderência à dieta. Esse quadro laboratorial e histológico reversível com a dieta isenta de glúten é chamado de “hepatite celíaca”. (Rubio-Tapia A. Hepatology 2007; 46:1.650-58.) 11. Quais cuidados devem ser adotados em relação à insulinoterapia em diabéticos do tipo 1 que apresentam diagnóstico concomitante de doença celíaca? O diabetes mellitus tipo 1 e a doença celíaca são doenças autoimunes que compartilham a mesma va- riante genética DQ2. A prevalência de doença celíaca é aumentada em cerca de 5% a 10% no diabético tipo 1. No diabético tipo 1 existe risco de hipoglicemia con- sequente à má absorção se a doença celíaca não for diagnosticada, e assim devem ser tomadas medidas para adequação das doses da insulina. Após instituir a dieta isenta de glúten, e com a recu- peração da mucosa intestinal, vai ocorrer melhora da absorção intestinal e pode ser necessário aumentar a dose de insulina. 12. O que é crise celíaca? Crise celíaca é o termo usado para descrever a forma aguda, fulminante de doença celíaca. Clinicamente é caracterizada por diarreia grave, desidratação e dis- túrbios metabólicos, de início agudo. A crise parece ser precipitada por estímulo imune geral, como pro- cedimento cirúrgico, infecção e gravidez. Os marca- dores sorológicos são positivos e a histologia revela atrofia de vilosidades no delgado. A retirada do glúten da dieta leva a melhora em 50% dos casos. Nos pa- cientes que não respondem, está indicada a predni- sona ou budesonida. 13. O celíaco pode tomar café sem riscos de piorar a doença? Não, não pode porque o risco de impurezas no café (cevada, por exemplo) é frequente. Deve-se verificar na embalagem se há certificado de pureza do produto, selo ABIC. 14. Celíaco pode trabalhar em padaria? Pode, mas deve evitar qualquer contato e manipulação dos produtos derivados do trigo. Portanto, se imprescindível, é aceitável trabalhar no caixa, enquanto procura outra atividade. 15. Quais bebidas alcoólicas são proibidas e quais são permitidas para o paciente celíaco? São proibidas: cerveja tradicional, uísque, gim e vodca. São permitidas: vinho, espumante, champanhe, aguar- dente e saquê. 16. Qual cuidado deve ter o celíaco antes de praticar esportes de contato? Deve ser avaliado previamente quanto à presença de osteopenia ou osteoporose, condições frequentes no celíaco e que aumentam o risco de fratura óssea. 17. Paciente com doença celíaca deve receber vacina contra a infecção pelo pneumococo? Sim, deve receber. O risco de hipoesplenismo associa- do à doença celíaca pode resultar em déficit de imuni- dade para bactérias encapsuladas, com risco de infec- ções graves. 18. Quais são as implicações da vacina contra a hepatite B no paciente celíaco? Em pacientes celíacos, a resposta imunológica à vaci- nação é similar à encontrada na população geral, ex- ceto a resposta para vacina contra hepatite B. O meca- nismo patogênico responsável por essa baixa resposta não é bem definido. Níveis de anti-HBS menores que 10 mIU/mL após as três séries de vacinação caracterizam os não respondedores. Alguns fatores em geral asso- ciados a não respondedores: armazenamento inade- quado da vacina, vacinação nas nádegas, obesidade, tabagismo, infecções e abuso de drogas, alcoolismo crônico, nefropatia crônica, HIV, diabetes mellitus tipo 1 e doença celíaca. 15 Dr. Celso Mirra de Paula e Silva saúde Essa má resposta do paciente celíaco à vacina contra a hepatite B parece estar ligada à presença do HLA (antígeno leucocitário humano). Em celíacos não tratados, o índice de não responde- dores à vacinação contra a hepatite B é de 74%. Con- tudo, no celíaco com dieta isenta de glúten, o índice de eficácia da vacina é igual ao da população geral. A ingestão de glúten no celíaco parece interferir dimi- nuindo a eficácia da vacina. 20. Há relação entre microbiota intestinal e doença celíaca? Segundo estudos recentes, pacientes com doença celíaca têm uma redução nas espécies benéficas e aumento naquelas potencialmente patogênicas quando comparados a indivíduos saudáveis. Após dieta isenta de glúten, há redução da disbiose, mas não seu desaparecimento. A microbiota intestinal parece exercer um papel significante na patogênese da doença celíaca. O uso de probióticos parece reduzir a resposta inflamatória e restaurar uma proporção normal de bactérias benéficas no trato gastrointestinal. Evidências adicionais são necessárias para um melhor entendimento do papel da microbiota intestinal na patogênese da doença celíaca. 19. A positividade para HLA DQ2 e/ou HLA DQ8 pode, isoladamente, estabelecer o diagnóstico de doença celíaca? Não. Estabelecer o diagnóstico baseado apenas na po- sitividadedo HLA DQ2 e/ou HLA DQ8 é um erro. Em- bora sejam um pré-requisito para o desenvolvimento da doença celíaca, eles podem ocorrer em 30% a 40% de pessoas saudáveis. Por outro lado, é extremamente baixa a probabilidade de uma pessoa com HLA DQ2 e/ ou HLA DQ8 negativos vir a desenvolver doença celíaca com o tempo (valor preditivo negativo cerca de 100%). 16 Dietas com restrições? Só para quem precisa! As queixas digestivas e gerais de pacientes com dis- túrbios relacionados aos alimentos podem ser seme- lhantes, embora de origens diversas. Cabe ao médico, após minuciosa avaliação, indicar dieta apropriada. Hipersensibilidade alimentar A hipersensibilidade a alimentos pode ser decorrente de vários mecanismos, daí as manifestações clínicas serem variadas. Os processos envolvidos podem ser classificados em não imunológicos (intoxicações, in- tolerâncias etc.) e imunológicos (alergias: tipos I a IV). A alergia de tipo I (liberação de IgE) é a de libe- ração imediata, com sintomas agudos e até choque anafilático. A de tipo III é a de reação tardia (doença crônica) com liberação de imunocomplexos (IgG). É a que se apresenta na clínica com diarreia, flatulên- cia, retenção de líquidos, dores osteoarticulares, di- ficuldade de concentração, aumento de peso e até obesidade. O diagnóstico é feito por suspeita clínica e alguns tes- tes laboratoriais (IgG) para determinar quais são os ali- mentos envolvidos (alérgenos). No Brasil, as porcentagens referidas são leite e deriva- dos (83%), cereais (71%), ovos (37%), carnes (20%), frutas secas (29%), vegetais (15%), café e chás (12%). Chama atenção a porcentagem de 16% para aditivos alimentares. Tratamento: Exclusão dos alérgenos e substituição pe- los toleráveis para compor dieta balanceada. Doenças relacionadas ao glúten Glúten (“cola”, em latim) é uma proteína encontrada em certos grãos, incluindo trigo, centeio, cevada e aveia. É a substância que dá elasticidade às massas, porém é de difícil digestão. As doenças relacionadas ao glúten podem ser classifi- cadas de acordo com o mecanismo patogênico predo- minante: alérgico (alergia ao trigo), autoimune (doença celíaca) ou não alérgico e não autoimune (sensibilidade ao glúten não celíaca ou SGNC). A pergunta é: “O glúten faz mal para todos os indiví- duos?” Como a moda atual é gluten-free, quem real- mente precisa excluí-lo da dieta? a) Alergia ao trigo – Os outros cereais podem ou não ser consumidos de acordo com os testes para detec- ção de alérgenos. b) Doença celíaca (DC) – Distúrbio autoimune em que se encontram anticorpos circulantes contra o glúten e alterações na mucosa intestinal, em indiví- duos geneticamente predispostos. Prevalência es- timada: 1% da população. Importante ressaltar que a doença ocorre em qualquer faixa etária, inclusive com aumento em pessoas com mais de 60 anos! Os sintomas clássicos de diarreia, distensão abdominal, borborigmos e perda de peso (forma clássica) não são tão comuns como no passado. Atualmente, a DC pode ser assintomática, apresentar sintomas gas- trointestinais ou manifestações extraintestinais (défi- cit de crescimento, alterações do esmalte dentário, menarca atrasada, abortos de repetição, infertilidade, menopausa precoce, osteoporose, predisposição a tumores – principalmente linfomas). O diagnóstico é feito pela determinação de anticorpos no sangue (antitransglutaminase e antiendomísio) e biópsia do intestino delgado proximal (por endoscopia). 17 saúde NÃO SE DEVE EXCLUIR O GLÚTEN DA ALIMENTAÇÃO SEM ANTES REALIZAR OS EXAMES INDICADOS! Tratamento: A exclusão do glúten deve ser total e per- manente, inclusive cuidando para não haver contami- nação cruzada. Consultar nutricionista para manter a dieta balanceada, quando da substituição das farinhas. Faz parte do tratamento a leitura minuciosa dos rótulos dos alimentos adquiridos. c) Sensibilidade ao glúten não celíaca (SGNC) – A prevalência estimada é de 6% da população. Pode ocorrer em qualquer idade, mas parece ser mais fre- quente em adultos do que em crianças, com média de início aos 40 anos (17-63 anos), mais em mulheres que em homens (1:2,5) com distúrbios funcionais (incluindo a síndrome do intestino irritável). Diagnóstico: Clínico. Enfatiza-se a necessidade de, antes de firmar o diagnóstico de SGNC, afastar DC e alergia ao trigo! Quadro clínico: A SGNC se caracteriza pelo apareci- mento de sintomas à ingestão de glúten, seu desapa- recimento com a DIG e retorno quando se reintroduz o glúten na alimentação. Sintomas gerais: sensação de mal-estar, emagrecimento. Sintomas gastrointestinais: borborigmos, dor abdomi- nal, diarreia, dor epigástrica, náuseas, aerofagia, reflu- xo gastroesofágico, estomatite aftosa, alterações de hábito intestinal, constipação. Articulações, ossos e músculos: fadiga, amortecimento nas pernas e braços, dores musculares e articulares. Esfera neurológica: cefaleias, peso na cabeça, tontu- ras, tinnitus. Cutâneas: rash cutâneo, eczema e aparecimento de pequenas manchas vermelhas. A mucosa da língua pode ser dolorosa. Distúrbios de comportamento: distúrbios de atenção, ansiedade, depressão, hiperatividade. ***O glúten engorda? Se eu retirar o glúten, eu emagreço? Como os cereais são utilizados na confecção de mas- sas, são calóricos, podendo se tornar engordativos. Quando se eliminam tais alimentos, geralmente em dieta hipocalórica, haverá emagrecimento. Além dis- so, a substituição por frutas, legumes e carnes com diminuição de açúcares e gorduras, aliada a exercícios físicos, leva à perda de peso. O glúten dos cereais não faz falta, pois não é essencial. As calorias podem ser remanejadas. Por que eu me sinto melhor sem glúten? A retirada pode melhorar a disposição geral, a distensão abdominal, a retenção de líquidos e outros sintomas. Precisa-se, então, verificar se não se trata de SGNC. Os carboidratos são divididos em simples (monossa- carídeos: glicose, frutose e galactose) e complexos (dissacarídeos: lactose, sacarose e maltose), e oligos- sacarídeos, da família da rafinose. Intolerância à lactose (IL) Deficiência de lactase é a baixa atividade dessa en- zima, que desdobra a lactose e se localiza na borda estriada do intestino delgado. Má absorção de lactose consiste na falha do intestino delgado em absorver a fração da lactose ingerida. Já a intolerância à lactose é a síndrome clínica na qual a ingestão de lactose causa sintomas em consequência de sua má absorção. Queixas digestivas: dor abdominal, distensão intestinal, borborigmo, flatulência, diarreia ou constipação, náu- seas e vômitos. Queixas sistêmicas: cefaleia, tontura, problemas de con- centração e memória, cansaço crônico, dores muscula- res ou articulares, fenômenos alérgicos associados. A prevalência da IL varia em relação à raça e grupo ét- nico. A causa mais comum da IL primária é a não per- sistência da enzima lactase. A má absorção de lacto- se pode ser secundária a doenças intestinais de base (doença celíaca, por exemplo). A lactose não absorvida passa rapidamente para o có- lon (cerca de 75%), onde é convertida em ácidos gra- xos de cadeia curta e hidrogênio pelas bactérias da flo- ra intestinal, produzindo acetato, butirato e propionato. Ocorrerá fermentação, responsável pelos sintomas. 18 Diagnóstico: Clínico, e pode ser feito pelo teste do hi- drogênio expirado (não disponível em todos os cen- tros). O mais utilizado é o teste de tolerância à lactose: Após a ingestão oral de 50 g de lactose em adultos, a glicemia é monitorada em jejum, após 30, 60 e 120 minutos, devendo demonstrar um aumento maior que 20 mg/dl. Falso-negativos: problemas de esvaziamen- to gástrico, diabetes e síndrome do supercrescimento bacteriano. Os intolerantes podem manifestar sintomas durante o teste. Outros testes: análise do polimorfismo C/T-13910 ou determinação da atividade enzimática em fragmentos de mucosa intestinal. Tratamento: Exclusão ou restrição de produtos lácteos de mamíferos; uso da enzimalactase em comprimidos ou sachês à ingestão do produto lácteo (as doses de- vem ser ajustadas pelo próprio paciente). Ressalta-se a importância da suplementação de cálcio. Preconiza-se a monitoração de vitamina D também. Intolerância à frutose (IF) A frutose é conhecida como o açúcar das frutas, mas pode ser encontrada em vegetais, cereais e mel. A IF pode ser hereditária ou alimentar. Na alimentar, ocorre fermentação bacteriana no intestino grosso quando a quantidade inge- rida ultrapassar a sua metabolização e absorção. Ocorre flatulência, distensão abdominal, mal-estar e náuseas. A prevalência estimada é de 50% em adultos saudáveis. Diagnóstico: Suspeita clínica e teste respiratório com hidrogênio expirado, usando frutose como substrato. Tratamento: Excluir ou restringir frutose da dieta (subs- tituição por frutas de baixo teor: lima, limão e abacate), complementação com vitamina C. Dra. Lorete Maria da Silva Kotze Intolerância a carboidratos complexos (rafinose) É a incapacidade do intestino de processar comple- tamente os carboidratos (açúcares e amido) pela falta ou redução da quantidade de uma ou mais enzimas necessárias à sua digestão. A intolerância aos carboidratos complexos vegetais traz aos indivíduos sensíveis uma sensação de mal-es- tar abdominal e geral, embora esses alimentos sejam de alto valor nutricional. O homem não possui a enzima alfa-galactosidase, que fragmenta os oligossacarídeos da família da rafinose, que passam incólumes pelo trato digestivo superior e alcançam os cólons, onde bacté- rias os fermentam, resultando em gases e toxinas. Isso explica a ocorrência de distensão abdominal, cólicas, formação de gases e diarreia. Exemplos de alimentos que os provocam são feijão, cereais e vegetais. Diagnóstico: Essencialmente clínico, após a constatação da relação entre sintomas e a ingestão de alimentos con- tendo polissacarídeos. É imprescindível que se verifique a comorbidade com a síndrome do intestino irritável. Tratamento: Exclusão dos alimentos que causam os sintomas e/ou administração da enzima alfa-galactosi- dase nas preparações que serão ingeridas. Conclusão Restrições alimentares somente devem ser prescritas após cuidadosa avaliação por profissional preparado, evitando carências e estados de sub ou desnutrição. Deixar os modismos de lado e se basear em conheci- mentos científicos! 19 saúde Um estudo recente realizado por um plano de saúde da Alemanha sugere uma relação entre o uso de inibidores de bomba protônica (IBPs) e desenvolvimento de de- mência na velhice. O American College of Gastroenterology (ACG) aprecia e respeita os dados do estudo, mas acredita que pes- quisas mais detalhadas devem ser realizadas acerca do uso de IBPs e possíveis impactos na função cog- nitiva, principalmente porque estudos desse tipo não levam em conta variáveis como dieta e estilo de vida, nem mesmo imputam qualquer possível causa, diz o presidente do ACG, Dr. Kenneth DeVault. Em decorrência desse estudo e de outros que suge- rem potenciais complicações com o uso prolongado de IBPs, o ACG recomenda que a indicação desses medicamentos para uso prolongado seja amplamente discutida entre médicos e pacientes. Todos os pacien- tes que usam essas medicações por uso prolongado não devem reduzir a dose, muito menos suspender a medicação, sem antes discutir com seu médico – prin- cipalmente aqueles com afecções esofágicas graves. Os autores do estudo alemão apenas analisaram dados administrativos de um plano de saúde que mostraram uma associação estatística entre IBPs e ocorrência de demência, mas não mencionam ou imputam nenhuma relação causal. Eles próprios reconhecem que, para avaliar uma possível relação causa-efeito, é necessário realizar estudos clínicos, prospectivos e randomizados. Pesquisadores verificaram uma série de fatores que poderiam interferir na análise dos dados do estudo, au- mentando o risco de demência, tais como depressão, acidente vascular cerebral, diabetes, uso de muitas me- dicações simultaneamente (polifármaco), nível de educa- ção, entre outros. Na análise, o uso de muitas medica- ções pode aumentar o risco de demência em até 16%. Desde que começaram a ser prescritos, há 25 anos, os IBPs foram associados pelo Food and Drug Administra- tion (FDA) ao aumento de risco de fraturas de quadril, punho e vértebras; à diminuição dos níveis de magnésio e cálcio; e a maior risco de infecção por Clostridium diffi- cile. Milhões de pessoas fazem uso dessas medicações para aliviar sintomas da doença do refluxo gastresofá- gico (DRGE), ou azia, ou ainda dispepsia. Muitos dos que as utilizam não necessitam delas de fato. Um es- tudo da Faculdade de Medicina do John’s Hopkins, por exemplo, mostrou que 60% dos pacientes internados que recebem IBPs não têm critérios de indicação para os quais esses medicamentos foram aprovados (FDA), nem mesmo condição clínica que necessite do seu uso. E mais: grande parte dessas prescrições era mantida na alta, quando o paciente ia para casa. Nós, da Comissão de Relações Internacionais, acre- ditamos que essas informações são importantes para termos uma noção do comportamento que norteia a Gastroenterologia norte-americana em relação ao as- sunto, que é um motivo enorme de questionamento dos nossos pacientes na atualidade. A nossa opinião é que, até que mais estudos possam elucidar com maior clareza a verdadeira relação, se existe alguma, entre o uso prolongado de IBPs e alterações da função cogni- tiva, devemos agir com absoluto bom senso. Isso sig- nifica usar a medicação, quando indicada e necessária, nas doses e tempo adequados para cada enfermidade. Evitar o uso abusivo e desnecessário, e além de moni- torar periodicamente o paciente, sempre discutir even- tuais riscos do uso crônico da medicação. Comissão de Relações Internacionais da Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) Declaração do American College of Gastroenterology (ACG) Possíveis impactos do uso de IBPs no desenvolvimento de demência Dr. Flavio Steinwurz 20 No início da década de 1950, a região de Ribeirão Pre- to vivia o ocaso do seu ciclo de polo cafeeiro, mas um novo valor se alevantava: graças às iniciativas do seu fundador, Zeferino Vaz, começava a funcionar a Facul- dade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP, com sua sede no campus de Monte Alegre, local que fora tradicional fazenda de café e, depois, Escola Prá- tica de Agricultura. Nessa mesma época, o mundo médico brasileiro, es- pecialmente o mais ligado às doenças digestivas, vivia um momento de efervescente entusiasmo em decor- rência da suspeição de que o megaesôfago e o me- gacólon endêmicos no interior do país poderiam ser manifestações tardias da infecção pelo T. cruzi. A for- ma cardíaca da doença (arritmias, distúrbios da condu- ção do estímulo nervoso, cardiomegalia, morte súbita) já era conhecida desde a descoberta da doença, mas Contribuições da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto aos conhecimentos da doença de Chagas e suas manifestações digestivas o mesmo não acontecia com a doença “megálica” do tubo digestivo. Por quase 40 anos, apesar de terem sido assinalados milhares de casos, ela ficara sem uma etiologia plenamente estabelecida e a própria doença de Chagas fora relegada praticamente ao descrédi- to. Desde o primeiro ano de funcionamento da FMRP (1952), os professores brasileiros e estrangeiros que nela vieram trabalhar em tempo integral sabiam que a dedicação à pesquisa era uma das vertentes mais for- temente ressaltadas por Zeferino Vaz a ser exercidas pelos docentes da nova faculdade. Esses professores também entendiam que era natural serem responsá- veis por esclarecer as particularidades dos problemas de saúde que lhes eram mais próximos; e que iriam trabalhar em área onde a doença de Chagas era en- dêmica; e mais: a presença do “barbeiro” ocorria no próprio campus, onde muitos moravam. Triatoma infestans T. cruzi Os professores de Ribeirão Preto criaramum espírito de profundo interesse e de pesquisa em seus jovens alunos Dr. Carlos Chagas Filho“ “ 21 saúde Iniciaram-se, então, investigações das mais variadas naturezas sobre a doença de Chagas. O reconhecimen- to da contribuição da FMRP ao estudo dessa doença foi dado em 1968 pelo próprio filho de quem a desco- brira (Carlos Chagas Filho), nestas palavras: “A criação da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto é, a meu ver, uma etapa na história da doença de Chagas; sem dúvida importantíssimos estudos foram empreendidos por Fritz Koeberle e seus assistentes, por Pedreira de Freitas e J. de Almeida e por muitos outros, mas o que quero acentuar é que os professores de Ribeirão Preto souberam, desde logo, indicar aos alunos a importân- cia que o problema da doença de Chagas assume na Nosologia brasileira e, assim, criaram um espírito de profundo interesse e de pesquisa em seus jovens alu- nos, que até mesmo se associaram num centro para estudos e propaganda do combate à doença de Cha- gas [Liga Brasileira de Combate à Doença de Chagas]. Por tudo isso, Ribeirão Preto tornar-se-ia uma agremia- ção de extraordinária importância para a irradiação do interesse pela doença de Chagas”. Nesta síntese, vamos mencionar principalmente as pesquisas de ordem epidemiológica, histopatológica e aquelas relacionadas à fisiopatologia de órgãos diges- tivos atingidos pela doença de Chagas que foram de- senvolvidas na FMRP. Não serão abordadas as pesqui- sas relacionadas à forma cardíaca da doença, também feitas na FMRP, e não lhes falta importância. Pesquisas epidemiológicas Foram desenvolvidas, inicialmente, pelo Departamento de Parasitologia (Prof. Mauro Pereira Barreto). A primeira delas investigou os reservatórios do parasito existentes no próprio campus e os insetos transmissores, alguns deles contaminados. No período compreendido entre 1955 e 1979, o grupo de pesquisadores do Departamento de Para- sitologia publicou nada menos do que 73 artigos com o título comum “Estudos sobre reservatórios e vetores silvestres do Trypanosoma cruzi”, que, por si, denota o conteúdo. Em 1953, o Prof. José Lima Pedreira de Freitas foi contratado por esse departamento; no ano seguinte, passou a chefiar o De- partamento de Higiene e Medicina Preventiva da mesma instituição. Destaca-se que antes (1947) ele fundara um posto avançado para o estudo da doença de Chagas na pequena Cássia dos Coqueiros (município de Cajuru), a cerca de 80 km de Ribeirão Preto. Posteriormente, o Posto de Cassia dos Coqueiros passou a servir como local de aprendizagem e familiarização com a medicina rural para estudantes da FMRP. Destacam-se outras importantes contribuições de Pedreira de Freitas ao estudo da doença de Chagas: o aperfeiçoamento da reação de Guerreiro e Machado para o diagnóstico da doença, tornando-a mais confiável e quantitativa, e, pela primeira vez, a constatação da transmissão da doença por transfusão de sangue, a presença de doadores de sangue contaminados pelo T. cruzi entre doadores de bancos de sangue e a verificação de que a adição de violeta de genciana no sangue colhido é capaz de elimi- nar o parasito. A aplicação da reação sorológica a doadores de sangue, certamente, evitou que muitas pessoas se tornassem novos chagásicos. Mas não só os docentes da FMRP se empenharam na luta contra a moléstia de Chagas. Os alunos das primeiras turmas criaram a Liga Brasileira de Combate à doença de Chagas, vinculada ao Centro Acadêmico Rocha Lima, com o objetivo de divulgar conhecimentos sobre a transmissão e a profilaxia da doença, principalmente a professores dos cursos primários de escolas urbanas e rurais da região, além de promover exposições instrutivas que chegaram a ser feitas até em Goiânia (GO) em 1961. Com a finalidade de verificar se, em consequência das medidas profiláticas, teria ocorrido uma queda na prevalência do megaesôfago e do megacólon chagásicos, foram feitos dois levantamentos dos pacientes que se internaram no Hospital das Clínicas da FMRP com essas “patias”, em dois períodos sucessivos no último quarto do século 20: um deles de 1979 a 1990 (publicado em 1991) e outro de 1991 a 2000 (publicado em 2001) (Tabela 1). 22 “ “ No primeiro deles, em um universo de 496 casos foram registrados 279 com megaesôfago (isolado ou em asso- ciação com megacólon e/ou com a cardiopatia chagá- sica), perfazendo 23,3 casos/ano, e 346 com megacó- lon (isolado ou em associação ao megaesôfago ou com a cardiopatia chagásica) ou, em média, 34,6 casos/ano. No segundo, o número de casos com megaesôfago foi reduzido para 114 (11,4 casos/ano) e o de megacólon para 113 (11,3 casos/ano). Portanto, entre um e outro estudo ocorreu uma apreciável redução do número de internações: de 48,9% para o grupo com megaesôfa- go e de 32,7% para o grupo com megacólon. É bem provável que outros fatores tenham participado dessa redução, mas o efetivo declínio da ocorrência da trans- missão da doença não pode ser ignorado. Nos antigos estudos, também mostrados na Tabela 1, foi verificado que o megaesôfago e o megacólon atin- giam, principalmente, a população de idade inferior a 30 anos. Nos dois levantamentos realizados em Ribei- rão Preto (1979 a 1990 e 1991 a 2000) deu-se o inver- so: a maioria dos pacientes com a doença “megálica” do tubo digestivo ocorreu em pacientes com idade aci- ma dos 60 anos, particularmente no último (59,7% em relação ao megaesôfago e 70,8% em relação ao mega- cólon), com baixa ocorrência em pacientes com idade inferior a 30 anos (2,5% e 5,3% para o megaesôfago e 1,7% e 2,6% para o megacólon, respectivamente, nos dois estudos realizados). Essa baixa ocorrência evidencia que, em épocas mais recentes, os mais jovens foram eficazmente protegidos contra a doença devido à redução da transmissão, e os mais velhos representavam um grupo remanescen- te de chagásicos contaminados em época em que a transmissão não era controlada. O ‘mega’ estabelecido é como uma cidade devastada pela guerra, onde já não se encontram os soldados que promoveram a devastação Fritz Koeberle Tabela 1 – Distribuição de casos de megaesôfago e megacólon chagásicos segundo dois grupos etários observados em diferentes autores em distintas épocas em zonas de ocorrência endêmica da doença de Chagas IDADE (%) Diagnóstico Ano N ≤ 30 anos ≥ 60 anos Autores Megaesôfago 1939 626 51,3 1,7 Etzel/São Paulo 1968 780 62,9 7,7 Rezende/Goiânia 1991 279 2,5 28 Meneghelli et al./RP 2001 114 5,3 59,7 Meneghelli e Rodrigues/RP Megacólon 1950 116 31 3,5 Freitas/Uberaba 1976 622 17,3 10,8 Rezende/Goiânia 1991 346 1,7 33,5 Meneghelli et al./RP 2001 113 2,6 70,8 Meneghelli e Rodrigues/RP Fonte: Meneghelli e Rodrigues, 2001. 23 saúde Confirmando a geriatrização da doença, verificou-se, também (dados não publicados), que o número de pacientes com megaesôfago chagásico atendidos no Ambulatório de Doenças Motoras do Tubo Digestivo do Hospital das Clínicas da FMRP de março de 2008 a novembro de 2011, segundo as respectivas datas de nascimento, foi: nascidos entre 1911 e 1950 – 21/30 (70%); nascidos depois de 1950 – 9/30 (30%). Pesquisas histopatológicas Primeiro professor do Departamento de Patologia da FMRP, Fritz Koeberle, perspicaz austríaco, desde sua chegada ficou impressionado com o elevado número de pacientes com megaesôfago e megacólon que eram trazidos à sala de necropsias. Após inteirar-se das evidências epidemiológicas, sorológicas, das observações em animais de experimentação e de pacientes seguidos desde a fase aguda até desenvolverem a doença “megálica”, convenceu-se de que os “megas” poderiam ser mesmo decor- rentes da infecção pelo T. cruzi. Na ocasião exigia-se, entretanto, como indispensável, a demonstração do parasito nas paredes do esôfago dilatado. Por meio de exaustivos estudos histopatológicos, Koeberle e Nador demonstraram em 1955 a forma tissular do parasito nas paredes de um megaesôfago. Além dessa demonstração do vínculo etiológico do megaesôfago(e, por extensão, de outras “megalias” endêmicas do tubo digestivo) com a doença de Chagas, Koeberle e seus colaboradores, também, confirmaram e deram realce ao fato de que na doença havia uma desnervação do sistema nervoso entérico, particularmente dos plexos de Auerbach, por ação do T. cruzi. Mostraram que a desnervação ocorria de forma muito variável e irregular em todo tubo digestivo e era presente mesmo em órgãos não dilatados de chagásicos, indicando que a des- nervação precedia a dilatação e permanecia na fase crônica da doença, mesmo sem a presença do parasito no local. Em conversa com Joffre M. de Rezende, Koeberle fez a seguinte comparação: “O ‘mega’ estabelecido é como uma cidade devastada pela guerra, onde já não se encontram os soldados que promoveram a devastação”. Seus estudos apareceram em uma série de artigos publicados de 1955 a 1961. A desner- vação intramural tornou-se, então, a base para a explicação das alterações fisiopatológicas dos órgãos do tubo digestivo atingidos pela doença de Chagas. Nota do Editor Na próxima edição da Revista FBG, o Prof. Ulysses Meneghelli fará uma sínte- se das diversas contribuições dos docentes da FMRP àquilo que se passou a denominar de “patias” chagásicas, órgão a órgão. Prof. Dr. Ulysses G. Meneghelli 24 As emoções na Gastroenterologia do século 21 Outro dia, assistindo a um noticiário que documentava o atendimento em um hospital público, me lembrei de um antigo filme italiano em que o ator principal fazia o papel de um médico que atendia na Mutua Italiana, espécie de SUS da época. Alberto Sordi, se não me engano, ficava sentado sem olhar para o paciente e, impaciente, perguntava o que estava acontecendo. Fosse qual fosse a resposta, o médico carimbava uma receita e gritava: “O próximo!”. Seria de morrer de rir se, guardadas as proporções, não estivesse acontecendo na nossa vida real em certos locais. Oito a dez minu- tos para cada consulta, aí se incluindo a anamnese, o exame físico e a prescrição. Eventualmente, algum exame pode ser solicitado. Lembra o filme italiano, não é mesmo? Existem alguns fatores para que o filme italiano acabe inspirando a realidade brasileira, com a consequente desumanização da Medicina. O número extremamen- te elevado de escolas médicas, por exemplo, algumas de baixíssima qualificação, formando profissionais mal preparados. Vamos só lembrar de passagem esse pon- to, porque não é nosso foco principal comentar sobre escolas deficientes, tampouco sobre os médicos cuba- nos que exercem nossa profissão sem nenhum tipo de validação do diploma médico. Voltando à consulta médica. Onde será que está indo parar no século 21 a magia da consulta médica? Para que lado está se escondendo a ação transcendente que deve gravitar entre o médico e seu paciente? Consideremos o tempo de atendimento, ou seja, o tempo disponível para a consulta médica. Em algumas situações e em certos convênios médicos, esse tempo é muito limitado porque o profissional deve atender no mínimo “xis” casos por dia, se quiser se manter no em- prego. Não há tempo para anamnese detalhada e cui- dadosa: quando muito, umas perguntas do tipo “Onde dói?”, “O que piora?”. Que tal lembrar a consulta em condições de bom e pleno atendimento? O paciente entra e alguns minutos são gastos inicialmente para os primeiros contatos de aproximação e a obtenção de um mínimo de empatia recíproca médico-paciente. A seguir, mais alguns mi- nutos são gastos para começar a elaboração mental 25 de uma hipótese diagnóstica. Uns instantes de con- versa e vamos iniciar o interrogatório médico propria- mente dito. Vejamos agora a moderna consulta relâmpago: uns instantes para um brevíssimo interrogatório, pedido de exames e eis que já se acabou o tempo disponível. “O próximo”, diria o ator italiano. Nós sabemos que, particularmente em Gastroentero- logia, a anamnese é fundamental já que pelo menos a metade dos pacientes que procuram o clínico tem doenças funcionais e, muitas vezes, componentes fun- cionais assentados sobre doenças orgânicas (figura 1). Nesses casos, é importante ter bem caracterizado que a intensidade dos sintomas da doença orgânica pode ser agravada pelo distúrbio funcional. A grande quantidade de exames disponíveis, por outro lado, pode levar os menos avisados ou os mais apres- sados à tendência de conversar menos com o pacien- te, ou seja, abreviar a anamnese. Assim, outro fator que tem eventualmente contribuído para a desumanização da profissão não tem a ver com o escasso tempo de consulta, mas com uma certa postura laboratorial. A depender da disponibilidade local, podem ser reali- zados exames de ultrassom, tomografia, ressonância, endoscopias e exames de sangue para todas as even- tualidades possíveis, com novos marcadores sain- do diariamente. Com tudo isso, é possível abreviar a consulta: para que serve o exame físico se um vasto arsenal de exames pode chegar ao diagnóstico mais depressa? Com isso, os exames já não seriam mais subsidiários que vêm em apoio, reforço ou confirma- ção de uma hipótese diagnóstica: seriam efetivamen- te diagnósticos que dispensam maiores comentários. Com esse raciocínio esdrúxulo, não haveria mais por que perder tempo com a anamnese quando o diagnós- tico já vem praticamente pronto com o resultado do exame solicitado. A ideia faz sentido, principalmente em Medicina Vete- rinária, mas na Medicina Humana esbarra na relação transcendental entre o Médico e seu paciente durante a consulta, que necessariamente implica a conversa, a troca de sensações, a intimidade e o aspecto psicoe- mocional que envolve todas as queixas. É interessante nos darmos conta de como lentamente, quase de modo imperceptível, vem mudando a abor- dagem médica para uma versão piorada da consulta médica. Pouca conversa e pouca semiologia, e como é que fica a conhecida relação médico-paciente que depende da anamnese e do exame físico? Como é que fica a relação que inclui contato manual durante o exa- me físico entre o ser queixoso – que busca a melhoria da dor, a cura, ajuda de saúde – e o ser que deve miti- gar a dor, curar e melhorar a saúde? Será que não está na hora de repensar um pouco o assunto? Alterações motoras Es mulos secundários mediados pelo hipotálamo Sintomas e sinais: expressão de distúrbio orgânico e/ou funcional Resulta Dor ou equivalente Alteração funcional Indução de Alteração estrutural Figura 1 – As manifestações clínicas digestivas po- dem se apresentar como consequência de distúrbios funcionais isolados ou associadamente aos distúrbios orgânicos Dr. Joaquim Prado P. de Moraes Filho DISTúrBIOS OrGâNICOS/FuNCIONAIS 26 PerGuntas aO esPeCialista Dr. Sender, No tratamento da diverticulite aguda, a utilização de antibióticos é sempre obrigatória? A diverticulite cólica é a mais frequente anormalidade encontrada nas colonoscopias. Trata-se de uma defor- midade anatômica em que mucosa e submucosa her- niam através da camada muscular da parede do có- lon. Somente parte dos doentes evolui com sintomas, caracterizando a doença diverticular: dor e alteração do ritmo intestinal, até complicações como inflamação, sangramento ou perfuração. A diverticulite aguda (DA) reflete a inflamação de um ou mais divertículos, cujo mecanismo se inicia pela obs- trução do colo diverticular, em geral por fragmento de fezes, seguida de isquemia e inflamação. Manifesta- ções do quadro agudo compreendem dor abdominal, em geral restrita à área doente, constipação ou diarreia e febre. Ao exame clínico, além da hipersensibilidade à palpação do segmento cólico envolvido, é possível reconhecer a presença de peritonismo localizado e, eventualmente, de massa mal definida, que identifica o extravasamento da inflamação para as estruturas peridiverticulares, podendo culminar com a formação de abscessos. Na perfuração sem nenhum bloqueio, costumam estar presentes sinais de peritonite gene- ralizada e sepse. Complicações crônicas, depoisde repetidas crises agudas ou refratárias ao tratamento, incluem fístulas e estenoses. A tomografia computadorizada do abdome é conside- rada o método diagnóstico mais acurado para confir- mação e estadiamento da DA. As imagens, combina- das com os dados clínicos, permitem sua classificação em complicada e não complicada, identificando a ex- tensão e gravidade do processo inflamatório. Leucoci- tose e elevação da proteína C reativa também ajudam a separar os dois formatos da apresentação da doença. No manuseio terapêutico da DA, há uma tendência generalizada entre os gastroenterologistas da prescri- ção de antibióticos, mesmo nos casos considerados não complicados. Um novo conceito de que essa afec- ção possa ser mais inflamatória que infecciosa tem levado a algumas investigações sobre essa conduta, ainda rotineira. O advento de resistência aos antimicro- bianos e o risco e efeitos adversos com sua utilização, como o desenvolvimento da infecção pelo Clostridium difficile, têm suscitado, já há algum tempo, questio- namentos sobre a necessidade do seu emprego, seja de forma irrestrita ou mesmo seletiva. Algumas publi- cações de ensaios controlados e randomizados con- cluem que a terapia com antibióticos não interfere na evolução desses casos. Mesmo a inflamação pericóli- ca ou um pequeno abscesso na parede intestinal ainda caracterizam a DA não complicada (categoria 1a. ou 1b. na classificação modificada de Hinchey). Recentemente, a Associação Americana de Gastroente- rologia publicou nova revisão e um guia para abordagem de vários dos aspectos relacionados à diverticulite agu- da, particularmente sobre seu tratamento. Em relação à utilização ou não de antibióticos na DA não complicada, confirmada pela tomografia, os autores analisam alguns poucos trabalhos, que compararam um grupo de doen- tes tratados convencionalmente com outro que recebeu apenas fluidos intravenosos, ou simplesmente obser- vados, concluindo não ter havido diferenças quanto ao tempo para resolução dos sintomas, duração da hospi- talização, desenvolvimento de quadros graves, indica- ção de cirurgia ou risco de recorrência. Ressalte-se que os doentes participantes dos estudos encontravam-se hospitalizados, o que permitiu acompanhamento médi- co próximo e rigoroso controle de sua evolução. Entre- tanto, vícios na randomização colocam esses resultados como de baixa evidência. Ainda que esse novo posicionamento possa ser aceito por parte dos especialistas, não deverá ser aplicado em todos os doentes, como é o caso dos imunodeprimidos, grávidas e aqueles com comorbidades significantes. 27 PerGuntas aO esPeCialista Dr. Joffre, Como identificar e tratar gastroparesia na prática clínica? Define-se gastroparesia como uma síndrome asso- ciada a retardo do esvaziamento gástrico, sem obs- trução mecânica do tubo digestivo. Várias condições clínicas estão associadas à gastroparesia, destacan- do-se as etiologias mais frequentes: diabética, idiopá- tica e pós-cirúrgica. Na prática clínica, deve-se suspeitar da gastroparesia diante de sintomas dispépticos acentuados. Os sinto- mas que caracterizam a gastroparesia são náuseas, vômitos pós-prandiais, saciedade precoce, sensação de plenitude na região epigástrica e, mais raramente, dor epigástrica. A mesma orientação para tratamento antibiótico se es- tende para as infecções graves, considerando as carac- terísticas de sua apresentação clínica e laboratorial. Na prática, algumas sociedades europeias de Gas- troenterologia já adotam, em seus consensos, a pro- posta da não indicação indiscriminada de antibióticos em pacientes com diverticulite aguda não complicada e sem fatores de risco, recomendando, entretanto, que devem ser monitorados com frequência, o que poderá determinar mudanças na conduta terapêutica. Podemos concluir que mudanças de paradigma sobre a terapia antibiótica na diverticulite aguda não com- plicada requerem, ainda, maior número de trabalhos Bibliografia • Chabok A et al. Randomized clinical trial of antibiotics in acute uncomplicated diverticulitis. Br J Surg 2012; 99(4):532-9. • De Korte N et al. Mild colonic diverticulitis can be treated without antibiotics. A case-control study. Colorectal Dis 2012; 14(3):325-30. • Juang R et al. Changes in the approach to acute diverticulitis. ANZ J Surg 2015; 85:715-9. • Stollman N et al. American Gastroenterological Association Institute Technical Guideline on the management of acute diverticulitis. Gastroenterology 2015; 149:1944-49. • Strate LL et al. American Gastroenterological Association Institute Technical Review on the management of acute diverticulitis. Gastroenterology 2015; 149:1.050-76. Dr. Sender Miszputen com adequada qualidade científica. A questão encon- tra-se em aberto e, tendo em vista que decisões sobre o melhor tratamento serão sempre individualizadas, a observação e a medicação apenas sintomática talvez venham ser uma boa alternativa para a condução de parcela significativa dos doentes com essa manifesta- ção, desde que respaldada, por segurança, em acom- panhamento médico próximo. Controle clínico, labora- torial e de imagem serão reforços indispensáveis. 28 Esses sintomas ocorrem preferencialmente no perío- do pós-prandial, mas podem estar presentes de modo contínuo, com frequência e intensidade variáveis. Por vezes, os episódios repetidos e incessantes de vômitos levam à necessidade de internação hospitalar. O qua- dro clínico nas formas graves pode ser incapacitante, com queda expressiva da qualidade de vida, com difi- culdade de manter as atividades diárias. A avaliação diagnóstica de um caso suspeito de gas- troparesia deve se iniciar pela avaliação clínica e labo- ratorial visando ao diagnóstico e à remoção de causas removíveis, como a hiperglicemia, a uremia e distúrbios eletrolíticos. A seguir, deve-se procurar afastar causas obstrutivas de estase gástrica. Assim, os primeiros exames complementares devem ser o estudo radio- lógico e a avaliação endoscópica. A quantificação do esvaziamento gástrico por meio de estudo cintilográfi- co ou outro método quantitativo é necessária para se estabelecer o diagnóstico da gastroparesia. Pode-se incluir apenas a medida da retenção da radioatividade inicial e em 1h, 2h e 4h após a ingestão de uma refei- ção padrão. Considera-se o diagnóstico de gastropa- resia quando há 10% de retenção dessa refeição ao final de 4h, e que uma retenção de 60% ao final de 2h reforça esse diagnóstico. O tratamento da gastroparesia visa corrigir a anorma- lidade do esvaziamento gástrico, aliviar os sintomas, melhorar o estado nutricional e prevenir complicações. As medidas terapêuticas a ser empregadas incluem: tratamento etiológico específico dirigido à causa da gastroparesia; orientação dietética; uso de medica- mentos gastrocinéticos e antieméticos; instalação de suporte nutricional por jejunostomia; injeção de toxi- na botulínica no piloro; estimulação elétrica gástrica. A piloroplastia laparoscópica e a pilorotomia endoscó- pica peroral vêm sendo propostas mais recentemente. A recomendação dietética deve incluir a ingestão de refeições de pequenos volumes, a intervalos menores, de consistência líquido-pastosa, com baixo teor de lipídios e fibras, sem vegetais indigeríveis. Podem-se acrescentar suplementos nutricionais líquidos por via oral. Em alguns casos de gastroparesia refratária, com intolerância à ingestão oral, a instalação de uma jeju- nostomia é uma opção para suporte nutricional, propi- ciando uma via adequada para infusão de nutrientes e de medicamentos antieméticos; além de haver bene- fício clínico da descompressão gástrica.O tratamento medicamentoso da gastroparesia baseia-se no empre- go de medicamentos pró-cinéticos, sendo atualmente empregados: metoclopramida, bromopida, domperi- done e eritromicina. A estimulação elétrica gástrica tem sido proposta para os pacientes que não respondem satisfatoriamente ao tratamento farmacológico anteriormente descrito.Tal procedimento consiste na implantação de um estimu- lador elétrico na parede gástrica, cujos eletrodos são implantados na parede antral, através de videolapa- roscopia, e conectados a um estimulador elétrico, que é fixado na região subcutânea da parede abdominal. Esse sistema ainda não se encontra disponível em nos- so meio. A gastroparesia constitui condição clínica crônica e, por vezes, debilitante, para a qual os recursos farmaco- lógicos, cirúrgicos ou por estimulação elétrica disponí- veis atualmente não são muitas vezes eficazes. Assim, a gastroparesia continua representando um desafio ao gastroenterologista. Dr. Joffre Rezende Filho 29 Dr. Laercio, Quais são as evidências de transmissão do H. pylori pela saliva? O Helicobacter pylori (H. pylori) tem sido encontrado, fora do estômago, no esôfago distal, no cólon, no duo- deno proximal, na cavidade oral (incluindo as amígda- las palatinas) e no tecido adenoide. Que importância tem cada um desses nichos, ainda não foi determina- do. Nas últimas duas décadas, no entanto, têm surgi- do várias publicações que avaliam a presença do H. pylori na cavidade oral e seu papel na epidemiologia desse micro-organismo. A produção de evidências científicas comprovando a cavidade oral como nicho do H. pylori poderia mudar alguns conceitos relativos ao seu diagnóstico e tratamento. Atualmente, no en- tanto, o assunto é controverso, não havendo conclu- são definitiva. Yee(1), em artigo de revisão publicado em janeiro de 2016, apresenta evidências que, na sua interpretação, sugerem ser a cavidade oral um segun- do nicho da infecção pelo H. pylori, que poderia ter papel significativo no seu diagnóstico, transmissão e tratamento, enfatizando a importância do tratamento da infecção oral pelo H. pylori na redução da taxa de recorrência. Quem primeiro tentou avaliar a influência do H. pylori na cavidade oral na taxa de recorrência após tratamento foi Miyabayashi et al.(2), que encontra- ram taxas significativamente menores de erradicação do H. pylori gástrico nos portadores de infecção oral por esse micro-organismo, além de determinarem que as drogas recomendadas para erradicação do H. pylori no estômago pareciam não ter efeito no H. pylori da cavidade oral. Por outro lado, no entanto, há autores que afirmam que a cavidade oral não é um reservatório do H. pylori(3,4). Recentemente, Ren et al.(5) publicaram metanálise de estudos randomizados e controlados (RCTs), com o objetivo de comparar os efeitos do tratamen- to convencional do H. pylori gástrico com e sem o tratamento periodôntico do micro-organismo e a PerGuntas aO esPeCialista H. pylori 30 Dr. Laercio Tenório taxa de recorrência da infecção nos dois grupos. O estudo incluiu sete pequenos RCTs6-12, envolven- do 691 pacientes com idades entre 17 e 78 anos. Seis deles avaliaram os efeitos do tratamento pe- riodôntico associado ao tratamento de erradicação do H. pylori gástrico e três avaliaram o papel do tratamento periodôntico na taxa de recorrência da infecção. Os tratamentos periodônticos sugeridos são: orientação quanto à higiene oral, escovação dos dentes, bochechos com ou sem agentes espe- ciais e controle da placa dentária (debridamento ul- trassônico ou curetagem subgengival). Nessa meta- nálise, a taxa de erradicação no grupo submetido a tratamento de erradicação associado a tratamento periodôntico foi de 75,5%, enquanto foi de 60,0% no grupo submetido unicamente ao tratamento de erradicação (p < 0,0001). Os três trabalhos que avaliaram a taxa de recorrência após erradicação confirmada da infecção gástrica pelo H. pylori, in- cluíram 299 participantes. Destes, a erradicação foi confirmada em 272 (90,9%) através de testes respi- ratórios com C13 ou C14, um mês após o tratamen- to. A taxa de não recorrência após seis e 12 meses foi significativamente maior nos participantes que foram submetidos a tratamento adjuvante perio- dôntico quando comparados com aqueles que ape- nas utilizaram o tratamento de erradicação conven- cional (P < 0,00001). Ren et al. consideraram o nível de evidência baixo devido a possíveis imprecisões e riscos de viés. Outra característica avaliada foi a influência do tempo de tratamento periodôntico na taxa de recorrência do H. pylori. Em dois estudos, nos quais o tratamento periodôntico foi aplicado durante o mesmo período do tratamento de erradi- cação, a taxa de erradicação, quando comparada com o grupo controle, foi significativa (P < 0,02). Em outros quatro estudos, o tratamento periodôntico foi mantido além do período de tratamento de erra- dicação, até o momento da confirmação da mesma (um mês), o que aumentou a significância estatísti- ca entre os dois grupos (P < 001). referências 1. Yee JKC. Helicobacter pylori colonization of the oral cavity: a milestone discovery. World J Gastroenterol. 2016; 22(2):641-8. 2. Miyabayashi H, Furihata K, Shimizu T, Ueno I, Akamatsu T. Influence of oral Helicobacter pylori on the success of eradication therapy against gastric Helicobacter pylori. Helicobacter 2000; 5(1):30-7. 3. Olivier BJ, Bond RP, Van Zyl WB, Delport M, Slavik T, Ziady C, et al. Absence of Helicobacter pylori within the oral cavities of members of a healthy South African community. Journal of Clinical Microbiology 2006;44(2):635-6. 4. Silva Rossi-Aguiar VP, Navarro-Rodriguez T, Mattar R, Siqueira de Melo Peres MP, Correa Barbuti R, Silva FM, et al. Oral cavity is not a reservoir for Helicobacter pylori in infected patients with functional dyspepsia. Oral Microbiology and Immunology 2009; 24(3):255-9. 5. Ren Q, Yan X, Zhou YN, Li WX. Periodontal therapy as adjunctive treatment for gastric Helicobacter pylori infection. Cochrane Database of Systematic Reviews 2016. Issue 2. Art. n.: CD009477. DOI: 10.1002/14651858.CD009477.pub2. Os resultados dessa metanálise levaram os autores a sugerir que o tratamento periodôntico é benéfico para o tratamento do H. pylori gástrico, assim como na redução da taxa de recorrência. Enfatizam, no entanto, que a qualidade metodológica dos RCTs utilizados deixa dúvidas sobre essas conclusões, havendo necessidade de estudos de melhor qualidade, de forma a se obterem evidências claras e con- fiáveis que permitam recomendar o uso do tratamento periodôntico para os pacientes com infecção gástrica pelo H. pylori. 31 nOtíCias FBG Papel dos testes de detecção de IgG no diagnóstico de alergias alimentares Posicionamento da Federação Brasileira de Gastroenterologia, do Grupo de Alergia Alimentar da ASBAI e do Departamento de Gastroenterologia Pediátrica da Sociedade Brasileira de Pediatria. As alergias alimentares compreendem uma ampla gama de sinais e sintomas consequentes a uma resposta anômala do sistema imuno- lógico frente a proteínas alimentares. O escopo clínico é individual e variável e está diretamente relacionado ao mecanismo imunológico envolvido, em que a presença de imunoglobulinas específicas (IgE) e linfócitos T responde por praticamente a totalidade das reações. De acordo com os recentes consensos para diagnóstico e trata- mento das alergias alimentares, as demais imunoglobulinas (IgG, IgA e IgM) não devem ser responsabilizadas pelo desencadeamen- to de reações de hipersensibilidade a alimentos, de acordo com o estatuto copiado na íntegra: “Summary Statement 9: Manage non- -IgE-mediated reactions to foods with appropriate avoidance and pharmacotherapy as indicated with the understanding that the spe- cific role of immunity (eg, IgA, IgM, IgG, and IgG subclasses) in these forms of food allergy has not been demonstrated. [Strength of re- commendation: Strong; B Evidence]” (página 1.022 – Sampson HA, Aceves S, Bock SA, James J, Jones S, Lang D et al. Food allergy: a practice parameter update-2014. J Allergy Clin Immunol. 2014; Nov;134(5):1016-25.e43). Dessa forma, a utilização de métodos diagnósticos que utilizem a mensuração de IgG contra proteínas alimentares não apresenta respaldo científico, como especificadono estatuto 34 do mesmo artigo: “Summary Statement 34: Unproved tests, including allergen specific IgG measurement, cytotoxicity assays, applied kinesiology, provocation neutralization, and hair analysis, should not be used for the evaluation of food allergy. [Strength of recommendation: Strong; C Evidence]”. Os resultados positivos não devem ser interpretados como indício de alergia e, consequentemente, não se podem estabelecer dietas restritivas de qualquer alimento com base nesse tipo de teste. Profª Renata Rodrigues Cocco Coordenadora do Grupo de Assessoria em Alergia Alimentar da ASBAI Dr. José Carlos Perini Presidente da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia Dra. Cristina Targa Ferreira Presidente do Departamento Brasileiro de Gastroenterologia Pediátrica da SBP Dra. Maria do Carmo Friche Passos Presidente da Federação Brasileira Gastroenterologia 32 Max J. Schmulson Professor da Faculdade de Medicina da Universidade Nacional Autonoma do Mé- xico (UNAM) e no Consenso de Roma IV é coordenador do Grupo Multinational Committee e membro do International Liaison Committee. Fermin Mearin Diretor do Instituto de Transtornos Fun- cionais e Motores Digestivos, Centro Médico Teknon, em Barcelona. No Con- senso de Roma IV é membro do Rome Severity Committee Report. Não podemos deixar de destacar os nossos convida- dos nacionais, que da mesma forma abrilhantarão o evento com importantes palestras e conferências. São professores de todos os cantos do país e que repre- sentam a excelência da Gastroenterologia nacional. Congresso de Doenças Funcionais Professores internacionais confirmados Douglas Drossman Presidente da Fundação Roma e coor- denador do Consenso Roma IV, funda- dor do centro Drossman Care em Cha- ppel Hill, Carolina do Norte, e professor adjunto na Universidade de Medicina da Carolina do Norte. No Consenso de Roma IV é também o coorde- nador do Grupo Rome Severity Commitee Report. Carolina Olano Professora assistente em Gastroentero- logia, médica da equipe do Prof. Henry Cohen, formada pela Universidad de la República, em Montevideu, no Uruguai. Participa do International Liaison Committee no Con- senso de Roma IV. William D. Chey Professor da Universidade de Michigan, diretor do Laboratório de Gastroentero- logia, em Dallas. No Consenso Roma IV é coordenador do Grupo Food and Diet Committee e membro do Outcomes/Endpoints in IBS. Importantes palestrantes estrangeiros já estão confirmados para o II Congresso de Doenças Funcionais do Aparelho Digestivo e I Simpósio Brasileiro de Microbiota, em Gramado, de 28 a 31 de julho. Todos eles são membros efetivos do Consenso de roma IV. Acesse o site do Congresso e tenha acesso à programação completa e a todos os detalhes do even- to e da cidade de Gramado: http://www.doencasfuncionais2016.com.br/ Caso você ainda não tenha se inscrito no congresso, não perca a oportunidade de fazê-lo até o dia 11 de julho com desconto! Todas as informações, instruções e ficha de inscrição podem ser aces- sadas no site do congresso. Esperamos por você!!! Ainda não se inscreveu? Inscreva-se agora mesmo! 33 nOtíCias FBG Aprovados na prova de Título de Especialista – Categoria Especial A Comissão de Título de Especialista da FBG divulga a lista dos apro- vados na prova Categoria Especial realizada no dia 9 de abril em São Paulo. Os candidatos aprovados foram avisados oficialmente pela FBG através de uma carta registrada e receberam uma declaração da federação informando sobre a condição de sócio titular e as norma- tivas da AMB para aquisição do certificado do título de especialista. Dr. Joffre Rezende Filho, presidente da comissão, parabeniza todos os aprovados. “Em nome da CTEG e da diretoria da FBG, gostaria de felicitar a todos pelo excelente nível de qualificação na especialidade. Parabéns por essa importante conquista”, diz. Até o fechamento desta edição, já estavam confirmados mais de 40 pessoas para a segunda prova, realizada durante o congresso Norte- Nordeste de Gastroenterologia, no dia 18 de junho. PróxIMA PrOVA: Já está disponível no site da FBG (www.fbg.org.br) o edital para a próxima prova para obtenção de Título de Especialista em Gastroen- terologia. O exame acontecerá durante a xV SBAD – Semana Brasi- leira do Aparelho Digestivo, no dia 2 de novembro. As inscrições vão até o dia 2 de outubro. Confira o edital completo no site da federação. Aprovados: • Alexandre Campos Costa • Antonio Levi Afonso Hirt • Claudio Ferreira de Mendonça • Delcio de Campos Garcia Junior • Eviwalton Placido Costa • Fabio Mauricio rodrigues Lessa • Francisco Antonio Araujo Oliveira • Francisco Carlos Silva Santana • Gil da Costa Gomes • Gilberto Carlos Lopes • Joaquim Pozzobon Souza • José Carlos Bianchini • Kátia Cristina de Oliveira Santos • Liliana Andrade Chebli • Luciano Falcão Carneiro • Luiz Eduardo Cheida • Mara de Andrade • regina Fatima Freire Quintaes • Valtemir Bernardes da Costa • Walter Luiz de Oliveira A FBG, seguindo o calendário mundial de ações educativas da World Gastroenteroloy Organisation (WGO), mobilizou-se para o Dia Mundial da Saúde Digestiva, celebrado em 29 de maio, com o tema “A dieta e a Gastroenterologia: o papel da dieta em doenças gastrointestinais, intolerância alimentar em adultos e crianças e como promover a saúde digestiva”. FBG lança cartilha de orientação para celebrar o Dia Mundial da Saúde Digestiva Material foi enviado a todos os associados e está disponível no site da FBG Dessa forma, a FBG lançou uma cartilha para a população que está disponi- bilizada no site www.fbg.org.br com importantes informações sobre as dietas, sintomas e tratamentos de doenças como: síndrome do intestino irritável (SII), doença celíaca, constipação intestinal, dispepsia funcional, flatulência, intole- rância à lactose e à frutose e doenças do esôfago. Segundo a Dra. Maria do Carmo Friche Passos, presidente da FBG, o objetivo é sensibilizar e orientar a população sobre a importância da implementação de uma correta alimenta- ção, além da adoção de um estilo de vida saudável. “A alimentação correta, saudável e equilibrada e com suficiente aporte de calorias e nutrientes é es- sencial para o bem-estar e a qualidade de vida. Principalmente quando certas condições exigem uma dieta mais específica”, diz ela. A Dra. Maria do Carmo também acredita que é preciso unir esforços para promover estilos de vida saudáveis, com respeito, inclusive, às dimensões culturais e regionais. “Parcerias entre o setor público e privado são necessá- rias. Campanhas de educação alimentar devem corresponder a uma atitude de responsabilidade social. Por isso, através dessa importante ação, preten- demos orientar sobre os principais cuidados com a alimentação”, finaliza. O importante papel das dietas para a saúde digestiva 34 Nos dias 6 e 7 de maio, a Gastroliga da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) organizou sua primeira jornada de Gastroentero- logia. O evento contou com a participação de 200 inscritos entre alunos do curso de Medicina, Nutrição, médicos residentes e gas- troenterologistas. O tema central abordado foi o “Diagnóstico pre- coce e prevenção das doenças em Gastroenterologia”. Inscreva-se com desconto na XV SBAD Faça a sua inscrição até o dia 15 de agosto e aproveite o desconto Não perca a oportunidade de se inscrever com desconto na xV Semana Brasileira do Aparelho Diges- tivo (SBAD), que acontecerá de 29 de outubro a 2 de novembro. As inscrições podem ser feitas no site: www.sbad2016.com.br. Os associados da FBG, SOBED e CBCD que fizerem suas inscrições até o dia 18 de agosto pagarão r$ 780. No local, o valor das inscrições será de r$ 1.000. Não perca a oportunidade! Faça agora mesmo a sua inscrição e garanta presença nesse evento que trará diversas novidades para o gastroenterologista brasileiro. Programe-se e participe da xV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo. I Jornada de Gastroenterologia daUniversidade Federal de Uberlândia 35 nOtíCias FBG Inovação auxilia no tratamento da hepatite C Aplicativo orienta e facilita o tratamento da Hepatite C A Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG), em parceria com a Sociedade Brasileira de Hepatologia e Sociedade Brasileira de Infectologia, acabou de lançar o aplicativo Trat-C, com o objetivo de orientar os médicos na escolha do melhor trata- mento disponível no Brasil para a hepatite C. Segundo o Dr. Sérgio Pessoa, gastroenterologista, hepatologista e um dos desen- volvedores do aplicativo, a hepatite C é uma doença de impacto global e, no Brasil, cerca de 1,5% a 2,0% da população está infectada. “Se não adotarmos estratégias que visem otimizar o número de pacientes tratados, em 2030 poderemos ter, poten- cialmente, 3 mil indivíduos listados para o transplante hepático, 50 mil com cirrose descompensada e 60 mil com carcinoma hepatocelular”, explica. Desde 2013, novas drogas foram lançadas provocando uma revolução no tratamento da doença, com erradicação definitiva em mais de 90% dos casos com apenas 90 dias de tratamento. Em 2015, o Sistema Único de Saúde (SUS) passou a oferecer três des- sas drogas (Sofusbovir, Simeprevir e Daclatasvir), permitindo o acesso de brasileiros à moderna terapia. “Com esse aplicativo, o nosso objetivo é orientar os gastroenterolo- gistas, infectologistas e clínicos sobre a escolha quanto ao melhor tratamento disponí- vel no Brasil para portadores de hepatite C”, acrescenta Sérgio. A sugestão do tratamento adequado é baseada no Protocolo Clínico e Diretrizes Tera- Dr. Sérgio Pessoa apresenta o aplicativo, Trat-C pêuticas para Hepatite C e Coinfecções, do Ministério da Saúde, de 2015. O Trat-C analisa as várias características do paciente portador de hepatite C escolhidas pelo médico, através de cliques únicos e em telas sequenciais. Ele faz o cruzamento das informações e aponta, de imediato, o melhor esquema terapêutico para cada caso. Para a Dra. Maria do Carmo Friche Passos, presidente da FBG, a atuação e o envolvimento do médico gastroen- terologista Sérgio Pessoa, que é também membro do FAPEGE e da Sociedade Brasileira de Hepatologia (SBH), foram fundamentais na criação dessa importante ferramenta para os gastroenterologistas. “Só temos a agrade- cer pelo seu envolvimento e dedicação”, diz ela. O Dr. Sérgio Pessoa finaliza orientando que o aplicativo está disponível gratuitamente nas versões IOS e Android, e acrescenta que “ele certamente será uma ferramenta que muito auxiliará os médicos que pretendem tratar a hepatite C”. Iniciada no mês de março, a campanha itinerante Brasil sem Parasitose já visitou as cidades de Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador, Aracaju, Maceió, Recife e Natal até o fechamento desta edição. Foram realizados atendimen- tos médicos gratuitos e levadas informações às pessoas sobre a necessida- de de prevenir e tratar doenças provocadas por vermes e outros parasitas. O Dr. James Marinho, vice-presidente da FBG e coordenador da campa- nha, explica que mais de um terço da população brasileira sofre com al- guma parasitose. Entre as crianças, a prevalência é de 55% no país. “Por isso, é fundamental orientar sobre ter uma boa higiene pessoal, tomar banho, andar calçado e lavar as mãos frequentemente. Quando a pes- soa não tem água de boa qualidade, precisa ferver, adicionar hipoclorito naquela água (três gotas por litro) e esperar uma hora para poder beber. Além disso, ter cuidado com os alimentos”, disse ele. A campanha ainda passará pelas cidades de Fortaleza, São Luís, Brasília e Belo Horizonte. Movimento Brasil sem Parasitose já atendeu sete cidades brasileiras 36 Encante-se por Gramado Localizada nas Serras Gaúchas, a cidade é um dos destinos favoritos dos brasileiros durante o inverno TURISMO Aproveite o II Congresso Brasileiro de Doenças Fun- cionais, que será realizado entre 28 e 31 de julho na cidade de Gramado, para desfrutar os encantos dessa cidade cenográfica com estilo europeu. Todos os anos, a região atrai milhares de turistas, principalmente no inverno, devido a sua arquitetura charmosa, à culinária e paisagens de tirar o fôlego. Com uma boa estrutura de hotéis, além de variadas opções de passeios que atendem de casais apaixo- nados até famílias inteiras, Gramado oferece a maior infraestrutura turística do Rio Grande do Sul. Com 35 mil habitantes, a cidade teve colonização europeia ini- ciada por imigrantes lusos, seguida pelos alemães e italianos. Além das tradições culturais dos descenden- tes europeus, também possui aspectos do gauchismo. Essas tradições podem ser percebidas na culinária, com os famosos cafés coloniais, vinhos e chocolates, e na arquitetura. Para ajudar os congressistas a conhecer as delícias de Gramado, a Revista FBG selecionou alguns pontos turísticos indicados pela Secretaria de Turismo local. Confira: Fonte do Amor Eterno Localizada ao lado da Igreja Matriz São Pedro, a fonte encanta visitantes. A ideia é que você pendure um cadeado declaran- do todo o seu amor – por alguém, a Gra- mado ou qualquer coisa: a escolha é sua. Endereço: Av. Borges de Medeiros, 2.659. Rota do Chocolate A cidade de Gramado é famosa por seu chocolate. A região abriga diversas fábricas e empresas espe- cializadas em chocolates artesanais. Destaque para a Chocolates Prawer, Florybal – loja temática, Cho- colates Lugano, Chocolataria Gramado, Chocolate Caseiro Canto Doce e Chocolate Caseiro Planalto. variedades Fo to : S ec re ta ri a d e Tu ri sm o d e G ra m ad o 37 Conheça mais sobre a cidade e confira outras imperdíveis dicas de passeios no site: www.gramado.rs.gov.br/turismo. Passeio Padroeiro São Pedro Igreja do Relógio (Templo Apóstolo Paulo). A igreja foi inaugurada em 5 de fevereiro de 1961 e é dedica- da ao apóstolo Paulo, seguidor de Cristo. Seu relógio faz parte do dia a dia da cidade e sua localização, sobre um buquê de hortênsias, é um dos cartões-postais de Gramado. Praça do Moinho A Praça do Moinho reúne lojas e gastro- nomia. Sem falar nas duas araucárias que ficam na calçada fornecendo uma sombra gostosa sob a qual sentar e descansar. Mesinhas com cadeiras e bancos estão espalhados pela praça, à disposição para quem quiser fazer uma pausa no passeio. Belvedere – Vale do Quilombo Nesse mirante, uma bela paisagem se descortina diante dos olhos do espectador, mostrando quanto Gramado é privilegiada e dotada pela natureza. Diante desse espetáculo de diversos tons de verde, os 850 m de altitude parecem uma oração de amor e suavidade, onde o ser humano se integra à Criação. Rua Coberta Cenário de eventos e apresentações, a Rua Coberta, que liga a Av. Borges de Me- deiros à Rua Garibaldi, é uma ótima alter- nativa de compras e gastronomia para o turista, principalmente em dias de chuva. Feira de Produtos Coloniais Uma feira da Cooperativa dos Trabalhadores Rurais acontece todo sábado pela manhã, onde podem-se adquirir produtos coloniais diretamente dos produtores. Endereço: Rua Senador Salgado Filho. Horário: sábados, das 7h às 10h. variedades Fo to : S ec re ta ri a d e Tu ri sm o d e G ra m ad o Fo to : r ic ar d o r eg in at o 38 MINAS GERAIS Os versos acima são da música “Para Lennon e Mc- Cartney”, composta pelos mineiros Fernando Brant, Márcio Borges e Lô Borges, e maravilhosamente in- terpretada pelo também mineiro Milton Nascimento. E essa é apenas uma das joias raras desse estado que, além das inúmeras preciosidades, é considera- do também o mais hospitaleiro do Brasil. Em homenagem a Minas Gerais, onde neste ano será realizada a SBAD, em sua capital, Belo Horizon- te, todas as edições de nossa revista trarão matéria na seção Variedades sobre esse estado tão pródigo em belezas – tanto as naturais como as criadas, de- senvolvidas e produzidas por seu povo. Na primeira edição do ano, publicamos matéria so- bre o Instituto Inhotim, localizado no município de Brumadinho, sede de um dos maisimportantes acer- vos de arte contemporânea do Brasil e considerado o maior centro de arte ao ar livre da América Latina. Outros destaques de Minas Gerais continuam por aqui na Revista FBG. Não percam! Mineiro de Itabira, Carlos Drummond de Andrade dispensa apresentações! José E agora, José? A festa acabou, a luz apagou, o povo sumiu, a noite esfriou, e agora, José? e agora, você? você que é sem nome, que zomba dos outros, você que faz versos, que ama, protesta? e agora, José? Está sem mulher, está sem discurso, está sem carinho, já não pode beber, já não pode fumar, cuspir já não pode, a noite esfriou, o dia não veio, o bonde não veio, o riso não veio, não veio a utopia e tudo acabou e tudo fugiu e tudo mofou, e agora, José? E agora, José? Sua doce palavra, seu instante de febre, sua gula e jejum, sua biblioteca, sua lavra de ouro, seu terno de vidro, sua incoerência, seu ódio – e agora? Com a chave na mão quer abrir a porta, não existe porta; quer morrer no mar, mas o mar secou; quer ir para Minas, Minas não há mais. José, e agora? Se você gritasse, se você gemesse, se você tocasse a valsa vienense, se você dormisse, se você cansasse, se você morresse... Mas você não morre, você é duro, José! Sozinho no escuro qual bicho-do-mato, sem teogonia, sem parede nua para se encostar, sem cavalo preto que fuja a galope, você marcha, José! José, para onde? 39 variedades O Movimento CLUBE DA ESqUINA Jovens músicos mineiros + influências do rock, bossa nova e do jazz. Essa foi a receita para que o Clube da Esquina se formasse. Um movimento musical iniciado na década de 1960 em Belo Horizonte, Minas Gerais. Formado por Milton Nascimento, Lô Borges, Beto Guedes, Toninho Horta, Márcio Borges, Ronaldo Bastos, Fernando Brant, Wagner Tiso, entre outros, o grupo tor- nou-se referência na música popular brasileira. Tudo começou em 1963, quando Milton Nascimento tinha aca- bado de chegar de Três Pontas para morar em uma pensão na Avenida Amazonas, no centro de Belo Horizonte. Lá, ele conhe- ceu os irmãos Borges, que viviam em um outro apartamento no mesmo prédio. A amizade com os irmãos começou com o mais velho deles (Marilton), mas logo já fazia amizade com o peque- no Lô (de apenas 10 anos) e Márcio. Das reuniões despretensiosas entre amigos, foi sendo criado o Clube da Esquina. A cada encontro surgia mais um amigo para tocar, e a mistura de elementos da bossa nova, jazz, rock e das músicas que eram cantadas pelos negros que trabalhavam nas minas de ouro, foi ganhando forma e força para despontar o talento de seus integrantes. O nome veio naturalmente e por ideia de Márcio Borges, que estava acostumado a ouvir a sua mãe, quando questionada sobre o paradeiro dos filhos, responder: “Estão lá na esquina tocando violão e cantando”. Com todos de comum acordo, nascia oficialmente o Clube da Esquina. A consolidação e o reconhecimento Foi em 1967, na final do II Festival Internacional da Canção Po- pular, no Rio de Janeiro, que Milton teve a sua carreira impul- sionada. Ele foi premiado como melhor intérprete e ganhou o segundo lugar com “Travessia” (sua primeira parceria com Fer- nando Brant). Desde então, ele e seus companheiros do Clube da Esquina foram criando identidade para trilhar um caminho sonoro totalmente próprio, autêntico e independente do passa- do da música brasileira. Em 1972, Milton e Lô Borges (então com 17 anos de idade) en- traram nos estúdios EMI para gravar o primeiro Clube da Esqui- na. O álbum tinha na capa apenas a foto de dois meninos (um preto e um branco), na beira de uma estrada em Nova Friburgo, e apresentou ao país a alquimia sonora gestada por aquele gru- po de mineiros. Agregaram-se ainda o letrista Ronaldo Bastos e o grupo Som Imaginário (de Wagner Tiso). Bossa nova, Beatles, toadas, congadas, choro, jazz, folias de reis e rock progressivo: tudo reunido numa música original, de apelo universal e grande força poética. Capa do primeiro álbum do Clube da Esquina, 1972 Integrantes do Clube da Esquina acompanhados por um de seus grandes admiradores, o Ex-Presi- dente do Brasil, Juscelino Kubtischek (ao centro, de terno). 1971- Diamantina, MG 40 Canções como “O trem azul” (de Lô e Ronaldo, regrava- da por Tom Jobim em seu último disco, Antônio Brasileiro), “Tudo o que você podia ser” (Lô e Márcio), “Nada será como antes” e “Cais” (ambas de Milton e Ronaldo) representam o marco zero para aquele que foi o primeiro movimento mu- sical brasileiro de importância depois da Tropicália. Com o tempo, cada um dos integrantes seguiu o seu caminho, lançando os próprios discos. Beto Guedes rachou um LP com Novelli, Danilo Caymmi e Toninho Horta e, em seguida, fez A página do relâmpago elétri- co e Amor de índio. Lô Borges gravou os elogiados Lô Borges e Via Láctea. Flávio Venturini foi para O Terço, banda que lançou discos mais voltados para o rock progressivo. Wagner Tiso, por sua vez, partiu para car- reira solo instrumental e Tavito lançou-se como can- tor e compositor. Em 1978, Milton Nascimento gravou o disco duplo Clube da Esquina 2, reunindo a velha turma e alguns novos integrantes. Nesse trabalho, en- traram músicas como “Nascente” (Flávio Venturini e Murilo Antunes), “Maria, Maria” (Milton Nascimento e Fernando Brant), “Tanto” (Beto Guedes e Ronaldo Bas- tos), “Pão e água” (Lô Borges, Márcio Borges e Roger Motta), “Olho d’água” (Paulo Jobim e Ronaldo Bastos) e “Mistérios” (Joyce e Maurício Maestro). TRAVESSIA Milton Nascimento e Fernando Brant Quando você foi embora fez-se noite em meu viver Forte eu sou, mas não tem jeito Hoje eu tenho que chorar Minha casa não é minha e nem é meu este lugar Estou só e não resisto, muito tenho pra falar Solto a voz nas estradas, já não quero parar Meu caminho é de pedra, como posso sonhar Sonho feito de brisa, vento vem terminar Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver Solto a voz nas estradas, já não quero parar Meu caminho é de pedra, como posso sonhar Sonho feito de brisa, vento vem terminar Vou fechar o meu pranto, vou querer me matar Vou seguindo pela vida me esquecendo de você Eu não quero mais a morte, tenho muito o que viver Vou querer amar de novo e se não der não vou sofrer Já não sonho, hoje faço com meu braço o meu viver O Clube da Esquina em livro Em 1996, Márcio Borges lançou o livro Os sonhos não envelhecem – histórias do Clube da Esquina. Em suas páginas, é possível acompanhar a história do país naqueles anos, a partir das lembranças dos meninos que um dia se encantaram com a música. 41 variedades CRÔNICA O seminarista Nasci em uma pequena cidade do interior de Alagoas, Palmeira dos Índios, encravada no agreste do estado. Minha casa situava-se em frente a uma grande praça, a Praça das Casuarinas, aonde ia, com frequência, brin- car com amigos das vizinhanças. A casa era enorme, cercada por varandas, com seis quartos e um grande quintal. Fui o nono filho dos 11 paridos naquela casa, todos nascidos de parto normal, acompanhados pela parteira da cidade. Três morreram ainda muito peque- nos, de forma que restaram oito vivos, sete mulheres e eu. Desde o Jardim de Infância estudei em colégios re- ligiosos, o que pode ter sido o motivo para que aos 11 anos de idade resolvesse ir estudar em um Seminário, pensando em seguir a carreira religiosa. Aproximada- mente no mês de fevereiro de 1965, me despedi da fa- mília e me encaminhei, sozinho, para o ônibus que me levaria a Paudalho, município do interior de Pernam- buco, onde se localizava o Seminário. A despedida foi extremamente alegre, com meus pais, minhas irmãs e nossa empregada doméstica, considerada como parte da família, na grade que separava os jardins da frente de casa da calçada, acenando para mim. A única que pareceu sentir minha partida foi a nossa empregada, que choravaenquanto me via partir. Fui recebido no Seminário por padres responsáveis pela instituição, criada no início do século XX para a formação do clero. A maioria dos padres era de nacio- nalidade holandesa. O Seminário tinha uma estrutura enorme, com uma grande construção que incluía dois grandes quartos, com 50 camas cada, vários banheiros anexos, uma grande capela, pequenas capelas secun- dárias, salas de aula, salas de leitura, enfermaria, refei- tório para 100 pessoas, salões para jogos, área para jogos de campo e uma área reservada para as freiras, que eram responsáveis por preparar a alimentação para todos e lavar nossas roupas. Situava-se dentro de uma grande fazenda, parte da sua estrutura, onde havia plantações de cana, jaca, manga e laranja, além de um grande açude, dois galpões para criação de frangos de corte e um apiário com 110 colmeias de abelhas-ita- lianas. Logo fui orientado sobre as regras que deveria seguir, todas com horários rigidamente definidos: hora para acordar, rezar, comer, brincar, estudar, trabalhar e dormir. Fui encaminhado para o quarto onde ficavam os menores de 12 anos, acomodando meus parcos pertences em um pequeno armário individual. No dia seguinte à minha chegada, fomos convocados para uma reunião na qual foi detalhado o funcionamento da instituição e fomos, imediatamente, designados para uma das atividades laborais: distribuição de roupas, limpeza das áreas comuns, como sacristão, lavador de pratos, agricultor, avicultor e apicultor, entre outras. To- dos, sem exceção, trabalhamos em cada uma dessas atividades, em sistema de rodízio, sem nenhum ques- tionamento. Posso dizer que entre todos os trabalhos, o que mais me agradou foi o de apicultor, função que exerci durante dois anos. Acordávamos às 5 horas para que houvesse tempo para todos estarem prontos para assistir à missa das 6 horas. Após a missa, tomávamos o café da manhã e, em seguida, nos dirigíamos para a área de lazer, onde dispúnhamos de um grande número de opções de jo- gos: dama, xadrez, pingue-pongue, sinuca e bilhar, en- tre outros. Podíamos, também, participar de esportes Seminário Paudalho – PE 42 de campo como futebol, voleibol ou espiribol. Tínha- mos aulas durante todo o período da manhã, até as 12 horas, após o que seguíamos para o refeitório, para o almoço. Após este, tínhamos direito a mais um perío- do de lazer, que se estendia até as 14 horas, quando então íamos para as salas de aula, onde ficávamos es- tudando durante uma hora. Os menores de 12 anos eram “vigiados” por um padre, para garantir sua con- centração nos livros, enquanto os “maiores” eram obri- gados apenas a permanecer na sala, sem fiscalização. Às 15 horas nos dirigíamos para os locais de trabalho, cada um exercendo a função para a qual havia sido designado. Às 18 horas, todos já devidamente assea- dos, íamos jantar, após o que podíamos nos divertir até as 20 horas, quando seguíamos para o dormitório. Passei vexame nos primeiros dias no Seminário, uma vez que ainda fazia xixi na cama. Na primeira vez, vi meu colchão ser colocado no corredor de acesso ao dormitório, em pé, encostado na parede, para todos verem. O fato aconteceu mais uma vez e, novamente, meu colchão foi exposto. Foi o melhor remédio para minha enurese noturna. Nunca mais isso aconteceu. Quando as atividades escolares começaram, eu, que cursava o 2º ano ginasial, descobri que além das ma- térias habituais, fazia parte do currículo o aprendiza- do de línguas: Francês, Inglês e Latim. As aulas eram ministradas pelos próprios padres. Um deles, que era também o capataz da fazenda e andava com um re- vólver na cintura, não permitia distrações durante a aula, jogando o apagador contra aquele que estava, na sua interpretação, desatento aos seus ensinamentos. O período letivo compreendia os meses de fevereiro a junho e de agosto a novembro. Nos intervalos, todos retornavam para suas casas, onde passavam as férias. Durante nosso tempo no Seminário, éramos, com fre- quência, solicitados a ir para os povoados e fazendas das vizinhanças ensinar o catecismo para as crianças. Entre os padres holandeses, havia um que era res- ponsável pela enfermaria, cuidando dos doentes que às vezes precisavam ficar internados, como fiquei por uma semana, com um quadro infeccioso, que foi tra- tado com uma injeção de Benzetacil por dia. O padre também era responsável por dar uma aula de “sexo- logia” a cada seminarista, ensinando a anatomia dos órgãos sexuais masculino e feminino, e como ocorriam a relação sexual e a gravidez. Outra curiosidade do Seminário era que ninguém dis- punha de dinheiro. Quando nos interessávamos por algum objeto de um colega, sua aquisição era feita na base do escambo, quase sempre por troca de parte das refeições durante um determinado período de tem- po. Por falar em refeições, nossos alimentos eram for- necidos pelo programa norte-americano “Aliança para o Progresso” e, geralmente, estavam velhos, prova- velmente, pelas regras de hoje, vencidos. Quando nos serviam munguzá, notávamos inúmeras larvas boiando no alimento, o que não nos preocupava. Tudo era con- siderado proteína. Mas, finalmente, foi um tempo fantástico. Excelente formação escolar, moral, cívica e religiosa. No final, de 100 seminaristas, apenas um se ordenou padre. O res- tante voltou para a vida civil, levando consigo uma ba- gagem que lhes deu vantagens sobre outros que não haviam tido a mesma oportunidade. Dr. Laercio Tenório 43 Dr. Heitor Rosa GastrOarte Além do atendimento clínico, das cirurgias e proce- dimentos médicos, muitos dos nossos gastroente- rologistas mostram suas aptidões também na arte. Muitas vezes através da literatura, da pintura e da música. São atividades desenvolvidas para o lazer, mas que se destacam por sua beleza e criatividade. É o caso do Prof. Dr. Heitor Rosa, gastroentero- logista goiano com mais de 41 trabalhos originais publicados em revistas nacionais e internacionais, 78 temas livres apresentados em congressos e cer- ca de 40 capítulos em livros de Gastroenterologia e Hepatologia. Apesar de seu incansável trabalho em prol da especialidade, Heitor Rosa também se dedica à literatura. Segundo ele, sua atividade como escritor iniciou- se como colunista do JAMB (o Jornal da Associa- ção Médica Brasileira), com a publicação mensal de crônicas na década de 1970. “Daí seguiram-se os livros de contos e crônicas, além de publicações em revistas médicas e jornais. Do tempo em que estive na Europa, busquei na França e Itália os ce- nários para os romances, o que resultou em anos de estudo sobre a Idade Média. A busca in loco da medicina dessa época deu origem a dois romances: Memórias de um cirurgião-barbeiro e Julgamento em Notre Dame, conta ele. O talento e a arte dos nossos gastroenterologistas Desde então, o Prof. Dr. Heitor Rosa já tem oito li- vros publicados (confira lista na página seguinte) e três prêmios literários: o Diploma Destaque Cultural pela U.B.E., em 1999, o prêmio Eli Brasiliense – ca- tegoria romance, em 2006, pela Academia Goiânia de Letras, e o Diploma Destaque Cultural 2013, pelo Conselho Estadual de Cultura do Estado de Goiás. Também já foi indicado para concorrer ao Prêmio Jabuti com o romance Memórias de um cirurgião- -barbeiro. Heitor teve seu trabalho reconhecido até mesmo por Rubem Alves, renomado escritor brasileiro. Em carta, ele conta como a obra Memórias de um cirur- gião-barbeiro deixou-o maravilhado: “Eu queria di- zer que o romance é fantástico! Ele [Heitor Rosa] me pediu para fazer comentários críticos sobre o livro... você acha pertinente, depois de um banquete, fazer comentários críticos sobre a comida que foi servi- da? Eu não sou crítico literário. E as minhas cate- gorias de análise crítica são apenas duas: livros que devoro antropofagicamente, e livros que, depois de ler algumas páginas, paro de ler. Pois o Memórias de um cirurgião-barbeiro é livro do primeiro tipo: de- licioso. Fiquei muito impressionadocom o conhe- cimento do Heitor sobre detalhes daquele período da Idade Média. O que eu sabia de história como cadáver ficou vivo e fascinante. Eu gostaria que o ensino da história fosse assim, através do romance. Estou aprendendo e me deleitando”. Memórias de um cirurgião-barbeiro rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. 44 LIVrOS PuBLICADOS: 1. Histórias Agudas e Crônicas: do apêndice ao avião. 1996. (Crônicas) 2. Os ossos do Coronel Azambuja. Ribeirão Preto: Fábrica do Livro, 1998. Prefácio de Moacyr Scliar. (Contos) 3. O enigma da Quinta Sinfonia. São Paulo: Escrituras, 2000. (Contos) 4. Memórias de um cirurgião-barbeiro. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. Prefácio de Moacyr Scliar. (Romance) 4a. Mémoires d’un chirurgien-barbier. Ed. Bubok/Livronovo (Europa/USA), 2012. (Romance) 4b. Memories of a barber-surgeon. Ed. Bubok/Livronovo (Europa/USA), 2012. (Romance) 5. Julgamento em Notre Dame. São Paulo: Livronovo, 2010. 5a. Judgment in Notre Dame. Ed. Bubok/Livronovo (Europa/USA), 2012. (Romance) 6. Histórias de Creusa. Goiânia: Kelps/UCG, 2009. (Crônicas) 7. Coletânea. Goiânia: Clonne, 2010. (Originais inéditos) 8. A história não contada de André da Conceição – O pintor de S. Francisco de Paula. 2016. No prelo. (Romance) errata Lamentamos a foto invertida da Catedral Sagrada Fa- mília – Barcelona, na matéria do Dr. Joaquim Prado Pinto Moraes Filho, pág. 20, na última edição da Revis- ta FBG. Reproduzimos a foto no sentido correto. Catedral Sagrada Família - Barcelona 45 107_15_ANS_CV.indd 1 4/23/15 10:37 AM 107_15_ANS_CV.indd 1 4/23/15 10:37 AM julho 2º Congresso Brasileiro de Doenças Funcio- nais – Critérios Roma IV De 28 a 30 de julho Serrano Resort Convenções & Spa – Gramado (RS) agosto I Simpósio Paraibano Jovem Gastro Dia 6 de agosto Auditório da Associação Médica de Campina Grande (PB) IV GastroParaiba Data: 18 a 20 de agosto Auditório do Hotel Nord Luxxor Cabo Branco (Hotel Sapucaia)João Pessoa (PB) USP Barcelona 2016 De 24 a 26 de agosto Centro de Convenções Rebouças – São Paulo (SP) VI Jornada de Gastroenterologia do Cariri II Workshop Manejo Doença Inflamatória Intesti- nal e I Jornada de Endoscopia Digestiva do Cariri DE 26 a 27 de agosto Juazeiro do Norte (CE) AGENDA FBG 2016 A FBG divulga uma agenda preliminar dos principais eventos de 2016. Aproveite, anote e participe! III Jornada de Doenças do Aparelho Digestivo De 26 a 28 de agosto Auditório da FEPECS – Brasília (DF) Gastro Natal De 25 e 27 de agosto Natal (RN) setembro XXVI GASTREN RJ De 15 a 17 de setembro Centro de Convenções CBC – Rio de Janeiro (RJ) 11º GASTRORECIFE 2016 De 29 de setembro a 1 de outubro Mercure Mar Hotel – Recife (PE) Outubro 65º Congresso Brasileiro de Coloproctologia De 8 a 11 de outubro Sheraton WTC – São Paulo (SP) XV Semana Brasileira do Aparelho Digestivo – SBAD De 28 de outubro a 2 de novembro ExpoMinas – Belo Horizonte (MG) CONGRESSOS NACIONAIS CONGRESSOS INTERNACIONAIS setembro Semana Panamericana de las Enfermedades Digestivas De 10 a 13 setembro Centro de Convenções Cartagena – Cartagena (Colômbia) ALEH – Congresso 2016 De 28 a 30 de setembro Centro de Convenciones, Hotel Sheraton – Santiago (Chile) Congresso Argentino de Gastroenterología y Endoscopía Digestiva De 29 de setembro a 1o de outubro Hilton Hotel Buenos Aires – Buenos Aires (Argentina) Outubro 3rd World Congress on Hepatitis and Liver Diseases De 10 a 12 de outubro Dubai (Emirados Árabes Unidos) UEG Week Vienna 2016 De 15 a 19 de outubro Viena (Áustria) novembro AASLD – The Liver Meeting 2016 De 11 a 15 de novembro Boston – Massachusetts (EUA) GASTRO 2016 EGHS-WGO International Congress De 17 a 19 de novembro National Exhibition Centre Abu Dhabi – Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) 46 107_15_ANS_CV.indd 1 4/23/15 10:37 AM 107_15_ANS_CV.indd 1 4/23/15 10:37 AM Dia Mundial da Saúde Digestiva A FBG alerta sobre a importância de uma dieta saudável e equilibrada para a manutenção da saúde digestiva. “Que a comida seja o teu alimento e o alimento o teu remédio” Hipócrates 29 de maio anuncio fbg.indd 1 17/06/2016 12:57:41