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Daniela Pimenta 2020/2023 1 Parasitas Um parasita estabelece uma interação com seres vivos (hospedeiro). Esta interação é duradoura e com um certo grau de dependência metabólica. Geralmente o hospedeiro proporciona ao parasita todos, ou quase todos, os nutrientes e as condições fisiológicas requeridas por este. Uns processos de adaptação recíproca, de compatibilidade ou de baixa virulência do parasitismo, asseguram a sobrevivência de ambas as espécies. O parasita só poderá seguir viável se não destruir toda a população dos hospedeiros e/ou não impedir a reprodução dos mesmos; caso contrário a espécie parasitária desapareceria. Existem cerca de 300 espécies de vermes parasitas (helmintas) e 70 espécies de protozoários (unicelulares). Dessas 300 espécies 90% parasitam com muita frequência o Homem. Os parasitas acompanham a evolução do Homem, estudado pela Paleoparasitologia. Coprólitos* - fezes mineralizadas. A coprologia é o estudo das fezes. A movimentação do Homem, povoamento de novos locais, surgimento de cidades, entre outros aspetos é determinante na disseminação das infeções. Os parasitas estão muito bem- adaptados ao nosso organismo. A parasitologia é a ciência que estuda os parasitas e o fenómeno do parasitismo. Schistosoma mansoni é o que mais mata, encontrado em coprólitos* (fezes mineralizadas) de múmias do Sudão, África com 6000 anos; Trichuris trichiura é um helminta, encontrado em coprólitos oriundos de sítios arqueológicos das Américas com pelo menos 7200 anos; Diphylobothrium pacificum é conhecido por ténia do peixe, encontrado na costa do Pacífico, com pelo menos 4000 anos; Trypanosoma cruzi é um protozoário flagelado, encontrado em múmias sul-americanas datatas em 4000 anos Daniela Pimenta 2020/2023 2 Associações entre os seres vivos Estas associações podem ser denominadas de simbioses, comensalismo, mutualismo e parasitismo. Neste último caso, ocorre uma associação entre seres vivos onde existe unilateralidade de benefícios para o parasita. O hospedeiro passa a constituir o meio ecológico onde vive o parasita, observando-se uma dependência metabólica de grau variável, que pode ser completa ou não. Graus e modalidade do parasitismo Segundo o grau de necessidade do hospedeiro, o parasitismo pode ser: Parasitismo obrigatório, na qual o parasita necessita obrigatoriamente do hospedeiro, esta necessidade pode ser para sobrevivência (parasita obrigatório permanente) ou para determinada fase do ciclo de vida (parasita obrigatório temporário). Parasitismo facultativo, na qual o parasita não necessita do hospedeiro, podendo viver na natureza (ex: solo, água...). Parasitismo acidental, na qual o parasita fortuitamente necessita do hospedeiro. Especificidade parasitária Segundo as necessidades particulares de cada parasita (sejam elas de ordem metabólica ou de outra natureza), ele exigirá apenas determinada espécie de hospedeiro, de um grupo de diferentes espécies ou, ainda, grande variedade e géneros distintos. Se o parasita infeta apenas uma espécie de hospedeiro (para completar seu ciclo biológico) é um parasita dioxeno -> representam o máximo de especificidade. Se o parasita infeta uma ou poucas espécies do mesmo género é um parasita estenoxeno. Se o parasita infeta várias espécies da mesma família é um parasita oligoxeno. Se o parasita infeta uma grande variedade de espécies e ordens diferentes é um parasita eurixeno -> representam o mínimo de especificidade. Exemplo: Taxoplasma gondii, que provoca exoplasmose, parasita o Homem, porco, galinha, entre outros seres com células nucleadas. Daniela Pimenta 2020/2023 3 Classificação dos parasitas tendo em conta a sua localização ➢ Se o parasita viver no interior de um hospedeiro é denominado de endoparasita, podendo ser intracelular (necessitam de entrar nas nossas células, como por exemplo a forma amastigota de Leishmania sp) ou extracelular (não necessita de entrar nas células para sobreviver, como por exemplo Giardia lamblia). ➢ Caso o parasita viva no exterior do hospedeiro é denominado de ectoparasita. Ciclo biológico, ou ciclo de vida, dos parasitas O parasita possui um ciclo monoxeno se necessitar apenas de uma determinada espécie de um hospedeiro para completar o seu ciclo biológico (o parasita só se desenvolve no hospedeiro). Um exemplo é a lombriga, Ascaris lumbricoides, neste caso parasita apenas o ser humano sendo este quer o hospedeiro quer o reservatório. Os ovos, depositados nas fezes, são mandados para o exterior, ocorrendo uma transmissão através do solo (local de amadurecimento dos ovos). O parasita possui ciclo heteroxeno se necessitar de mais do que um hospedeiro para completar o seu ciclo biológico. Um exemplo é a bicha solitária, Taenia solium, neste caso as larvas desenvolvem-se no músculo do porco, posteriormente o humano ingere a carne de porco com larvas, ficando contaminado. Daniela Pimenta 2020/2023 4 Transmissão das parasitoses A transmissão é a ação de transferir formas infetantes do parasita de um hospedeiro para o outro. Esta pode ser de forma direta (homem-homem ou animal-homem) ou de forma indireta (a maioria é por este método, ex: água, alimentos, solo, vetores, ar). Nota: não é comum ocorrer transmissão através do ar devido às elevadas dimensões dos parasitas. São conhecidos dois exemplos: 1. Oxiúros (helmintas), como o Enterobius ventricularis, a fêmea coloca os ovos à volta do ânus e como estes são de reduzidas dimensões facilmente disseminam por via aérea. 2. Cryptosporidium que provoca diarreia bastante líquida, ocorre a formação de aerossóis que podem ser facilmente transmitidos pelo ar. Um vetor é um artrópode, molusco ou outro veículo que transmite o parasita entre dois hospedeiros, e pode ser um: Vetor biológico: o parasita possui uma fase do seu ciclo de vida que só existe nesse vetor (demonstra uma evolução), por outras palavras, o parasita transforma-se dentro desse vetor. Vetor mecânico: não ocorre nenhuma transformação, apenas o transporte do parasita de um local para o outro (ex: moscas) Nota: a mosca transmite protozoários, uma vez que são os de menores dimensões e por isso conseguem permanecer na mosca durante voos. Vetor inanimado ou fômite: não é um ser vivo que transporta o parasita, pode ser uma caneta, lençóis, entre outros. Ecossistema parasitário Os parasitas não se distribuem ao acaso nas várias regiões do globo, existe o foco natural de uma parasitose que é a área onde a circulação do parasita se mantém no ciclo do hospedeiro- (vetor)-hospedeiro. Daniela Pimenta 2020/2023 5 Neste ecossistema é necessário: - A presença simultânea de hospedeiros e vetores; - Potencial biótico elevado (relacionado com as estruturas que vão dar origem às formas infetantes, como é o caso dos quistos e dos ovos); - Elevada incidência populacional; - Condições ambientais apropriadas. Parasitas de origem alimentar mais importantes A via oral (por alimentação) é uma das outras vias de infeção. Os moluscos têm capacidade de absorver o que se encontra na água. As saladas têm de ser devidamente lavadas e desinfetadas devido a estes possíveis parasitas. A alimentação é determinante na disseminação dos parasitas. O top 5 de agentes patogénicos. Em 4º lugar temos um patogénico que leva a hospitalização. Localização das parasitoses Intestino (GI); Aparelho genito-urinário; Sangue e linfa; Fígado e vias biliares; Coração; Sistema nervosocentral; Pulmão; Pele. Prevenção e controlo das parasitoses Δ Redução da fonte humana como transmissor da infeção: o Tratamento antiparasitária adequado; o Profilaxia pessoal de modo a evitar a transmissão. Δ Controlo do meio ambiente, água e alimentos; Δ Destruição ou controlo dos reservatórios animais e vetores; Δ Criação de barreiras biológicas de transmissão, por exemplo uma espécie de peixes que se alimentam de formas lavares do parasita. Daniela Pimenta 2020/2023 6 Parasitoses mais importantes Tanto a malária (possui uma virulência enorme) e esquistossomíase são infeções endémicas e tem uma mortalidade enorme. Parasitologia e a globalização Os parasitas não são exclusivos de locais tropicais, existem em todo o mundo. Há parasitoses endémicas (parasitoses específicas de determinado local) e parasitoses cosmopolitas parasitoses de todo o mundo). Os parasitas infetam milhões de pessoas em todo o mundo: 40% dos 7 biliões de pessoas estão infetadas com parasitas. Deste modo, é necessário ter em conta o conceito de “uma só saúde”, ou seja, juntar a saúde das pessoas, dos animais e do ambiente. Fatores de disseminação das parasitoses 1. Resistência a antiparasitários (parasita vai mantendo-se no hospedeiro o que permite manter a disseminação); 2. Resistência dos artrópodes vetores (como exemplo dos mosquitos da malária que são resistentes ao DDT); 3. Zoonoses emergentes (doenças nos animais que podem infetar o ser humano, parasitas adaptam-se do animal para o Homem); 4. Popularidade de comidas exóticas (exemplo marisco, moluscos, peixe cru, entre outros); 5. Popularidade de animais de estimação domésticos (animais domésticos possuem maior contacto íntimo com os donos); Infeção Mortalidade Malária 2,2 a 2,5 milhões de morte por ano Amebíase 40 000 a 110 000 morte por ano Leishmaníase 1,2 milhões de infetados Tripanossomíase africana 5 000 mortes por ano Tripanossomíase americana 60 000 mortes por ano Esquistossomíase 500 000 a 1 milhão de mortes por ano Daniela Pimenta 2020/2023 7 6. Parasitoses oportunistas em indivíduos imunodeprimidos (idosos, pessoas com cancros, HIV); 7. Contaminação da água de consumo municipal e rural (há parasitoses resistentes ao tratamento da água); 8. Infantários, creches, centros de dia (e outros locais partilhados por muitas pessoas); 9. Movimento de populações de zonas endémicas; 10. Pobreza e instabilidade política de muitos países; 11. Crescente deterioração do meio ambiente e do saneamento básico; 12. Realização de projetos de desflorestação (abate de árvores muitas vezes associado ao aumento de construções, leva ao aumento do contacto entre animais selvagens e animais domésticos e/ou seres humanos), irrigação e construção de barragens e represas (formam-se lençóis de água que são essenciais no ciclo de vida de alguns parasitas); 13. Uso de antibióticos (há antibióticos que atuam em parasitas, mas com baixa eficácia quando comparando com os antiparasitários); 14. Número elevado de viagens permite a globalização do parasita. Alguns fatores são inerentes ao parasita, tais como: - Potencial biótico –> eliminação de ovos pelas fezes e que depois podem dar continuidade ao ciclo de vida; Por exemplo: quem tem lombrigas elimina 200 000 ovos/dia. O fator biótico é uma estratégia de adaptação para garantir a infeção de um hospedeiro. Nota: a eliminação destas estruturas nas fezes não é de uma forma contínua, há períodos negativos de emissão, pode originar falsos negativos, ou seja a pessoa está com o parasita mas negativo na emissão dos ovos ou dos quistos. Para efetuar o diagnostico é necessário recolher as 3 amostras das fezes com intervalo de 10 dias. - Capacidade de evasão à resposta imunológica do hospedeiro; - Dificuldade na produção de vacinas e sua utilização. !!!! Não há nenhuma vacina comercializada para parasitas !!!! Daniela Pimenta 2020/2023 8 Comportamentos humanos que favorecem a infeção Na ásia: o Consumo de peixe pouco cozido: Clonorchis sinensis, Anisakis; o Utilização de estrume humano (perigo fecal -> no caso dos países em desenvolvimento, pois nos países desenvolvidos as fezes são tratadas antes de serem utilizadas). No sudoeste asiático: o Aplicação de músculo de rã sobre o olho pode provocar esparganose (parasita passa da rã para o olho) caso a rã esteja infetada com Spirometra mansoni. Na Europa: o Consumo de bifes em sangue: Taenia saginata; o Agriões crus: Fasciola hepática; o Peixe cru (Europa do Norte): Anisakis; o Aviões provenientes de zonas endémica aumentaram o paludismo dos aeroportos. No Egipto: o Barragem de Assoun; o Aumento das superfícies de água doce favoreceu o crescimento do hospedeiro intermediário. No Quénia: o Desenvolvimento da cultura do arroz aumentou o número de mosquitos infetados com Anopheles (helminta que mais mata mundialmente) –> provoca paludismo. República Democrática do Congo: o O desenvolvimento da piscicultura levou ao desenvolvimento de bilharzíase. Turquia: o Desenvolvimento de arrozais aumentou os casos de paludismo (sinónimo de malária). Daniela Pimenta 2020/2023 9 Protozoários Pertencem ao reino protista e sub-reino protozona. Apresentam vários filos: Sarcomastigophora, Apicomplexa e Microspora. Na tabela seguinte encontra-se um resumo dos protozoários. Filo Sub-filo Géneros Sarcomastigophora Mastigophora (flagelados) Trypanosoma, Leishmania, Chilomastix, Giardia, Trichomonas, Dientamoeba Ciliophora (ciliados) Balantidium Sarcodina (amebas) Entamoeba, Endolimax, Iodamoeba, Acantamoeba, Naegieria Apicomplexa Plasmodium, Isospora, Cyclospora, Cryptosporidium, Sarcocystis, Taxoplasma Microspora Encephalitozoon hellem, Enterocytozoon bieneusi A negrito estão os parasitas que iremos abordar. Os protozoários são seres unicelulares e eucariotas, que não possuem parede celular (as paredes são quisticas). A maioria são heterotróficos, aeróbios e não realiza a fotossíntese. Existem mais de 65 000 espécies das quais 10 000 são parasitas. Estes parasitas podem multiplicar-se por reprodução assexuada, através de divisão binária, divisão múltipla (esquizogonia -> característico de Apicomplexa) ou através de endodiogenia (Taxoplasma). Para além da reprodução assexuada e possível multiplicarem-se por reprodução sexuada, através de singamia (fusão de gametas), como acontece com a maior parte de protozoários, e através de conjugação (união de células e transferência de material genético) o que raramente acontece nos parasitas. Giardia Agente etiológico da Giardiose ou Giardíase. A Giardia duodenalis é sinónimo de Giardia intestinalis e de Giardia lamblia e é a única espécie de Giardia que infeta o Homem. Esta tem como hospedeiro os mamíferos, enquanto outras espécies parasitam anfíbios, aves e roedores. Daniela Pimenta 2020/2023 10 Os trofozoítos de G. lamblia parasitam o homem e uma grande variedade de mamíferos e embora apresentem similaridade morfológica a análise genética revelou uma surpreendente heterogeneidade. As sequências de genes mais utilizados para caracterizar a Giardia são: o Pequena subunidade do rRNA; o Triosefosfato isomerase (tpi); o Glutamato desidrogenase (gdh); o β-giardin. Caracterização genética de Giardia lamblia Esta espécie é considerada complexa e a apresenta vários agrupamentos genéticos. O Homem é parasitado por apenas dois agrupamentos genéticos, o A e B. Alguns destes grupos são específicos de determinadosanimais (exemplo do agrupamento C, D, F e G). Será que os agrupamentos genéticos específicos de animais infetam o Homem? É necessário ter atenção aos grupos frágeis e á proximidade com animais domésticos e selvagens isto porque o animal pode possuir o agrupamento que infeta o Homem. Após a caracterização de multi-lopus surgem os sub-assemblage. No caso de A há 3 sub-grupos genéticos, sendo o A-II apenas do homem. No caso de B existe 2 sub-grupos e ambos infetam o Homem e os animais. Assemblage (agrupamento) Mamíferos A Homem, primatas não humanos, ruminantes, alpaca, porco, cavalos, cão, gato, furões, roedores, marsupiais e outros mamíferos B Homem, primatas não humanos, gado, cão, cavalo, coelho, castor, rato almiscarado C Cão D Cão E Porco e ruminantes domésticos F Gato G Roedores Assemblage Sub- assemblage Hospedeiro A A-I Homem e animais A-II Homem A-III Animais B B-III Homem e animais B-IV Homem e animais Daniela Pimenta 2020/2023 11 O predomínio do genótipo AI homem e animais sugere que animais de companhia e selvagens podem desempenhar um papel importante em ciclo de transmissão zoonótica de G. lamblia. Giardia lamblia É um parasita intestinal, eucariota, unicelular e flagelado que pode infetar o homem e animais. Causa giardíase, doença diarreica e apresenta uma prevalências de 1-7% em países desenvolvidos e uma prevalências de 8-50% em países em vias de desenvolvimento. A qualidade da água é um fator importante na prevalência de giardíase. Um tratamento que envolva filtração é um fator importante na transmissão desta parasitose. São causadoras de 280 milhões de infeções anuais. Responsáveis por infeções emergentes, aumento de surtos em creches e infantários. Afeta principalmente crianças de 8 meses aos 12 anos (com predomínio na faixa de 6 anos). No seu ciclo de vida existem 2 formas morfologicamente distintas (trofozoíto e o quisto). O trofozoíto causa a patologia no homem e o quisto é a forma de resistência, ou seja, a forma que vem para o meio exterior e que contamina os solos, as águas, os alimento. É o quisto que infeta o homem. É pouco resistente ao meio exterior (principalmente quando em contato com oxigénio). Morre no meio exterior e por isso não é a fonte de infeção uma vez que caso ingerido acaba por morrer devido ao pH do estomago. Possui 2 núcleos equivalentes na quantidade de DNA e na atividade de transcrição, com grande cariossoma central sem cromatina periférica. Não contem mitocôndrias, peroxissomas e nucléolos. Possui proteínas de superfície – proteínas variáveis de superfície (VSPs) ricas em cisteína, devido à cisteína conseguem estabelecer pontes dissulfureto (S-S) que fazem com que o trofozoíto tenha alguma resistência nas primeiras porções do intestino. Estas proteínas são Trofozoíto Daniela Pimenta 2020/2023 12 variáveis, o que ao longo do tempo acaba por funcionar como um mecanismo de resistência, uma vez que o sistema imune do hospedeiro vai deixar de reconhecer aquele antigénio. Possui também glicoproteínas GP-49 (fator de virulência), lectinas (podem participar na aderência da Giardia, fator de virulência. Possui um tamanho de 8-12 µm de comprimento e 5 a 8 µm de largura. É uma forma de diagnostico e infetante do Homem. Apresenta uma forma ovóide ou arredondada. Distingue-se pelos flagelos intracitoplasmáticos em forma de S refringente, pelos 4 núcleos (normalmente nos extremos do quisto), pelos corpos parabasais em forma de vírgula e pela parede retrátil. Em termos biológicos possui galactosamina na forma N-acetilgalactosamina (GaINAc) que é o açúcar maioritário da parede quística. É este açúcar que mantem a viabilidade do quisto durante 3-4 meses em temperaturas baixas. Possui também uma atividade metabólica reduzida (10-20% em relação aos trofozoítos). Quando a temperatura aumenta o metabolismo é um pouco aumentado, se o quisto não for ingerido fica inviável. Ciclo de vida da Giardia – ciclo monoxeno Após a ingestão dos quistos por parte do hospedeiro ocorre o desenquistamento dos mesmos na parte superior do intestino delgado, de onde emerge o exizoíto que se diferencia rapidamente em dois. O processo de desenquistamento é iniciado no estômago, onde os quistos são expostos ao pH ácido. O baixo pH do estômago e as protéases pancreáticas encontradas no intestino delgado promovem o desenquistamento rápido dos trofozoítos que completam a divisão mitótica no duodeno e jejuno. O pH ácido é um indutor do desenquistamento. Assim, Quisto Daniela Pimenta 2020/2023 13 em casos de cloridria (aumento do pH do estômago) não ocorre desenquistamento podendo ser estes doentes considerados resistentes a Giardia lamblia. Os trofozoítos aderem à mucosa intestinal e dividem-se por divisão binária longitudinal (reprodução assexuada) no lúmen intestinal, e colonizam o intestino delgado ligando-se à superfície das microvilosidades intestinais por meio do disco suctorial ventral. Para ocorrer a multiplicação do trofozoíto é necessário ocorrer previa adesão aos enterócitos. Os trofozoítos não penetram no epitélio, nem invadem a corrente sanguínea, e sendo assim a infeção está geralmente restrita ao lúmen intestinal. Devido aos movimentos peristálticos o trofozoíto é arrastado entrado noutras porções do intestino onde o pH e a concentração de oxigénio se alteram, alguns trofozoítos saem pelas fezes e morrem, outros recebem depois sinais na parte inferior do intestino delgado e adaptam-se, sofrendo o processo de enquistamento sendo posteriormente excretados nas fezes (Homem e/ou animais) como quistos infeciosos, desta maneira é garantida a sobrevivência e continuidade do ciclo de vida. É um ciclo de vida simples, que ocorre por reprodução assexuada e monoxeno (só necessita de um a ser vivo para completar o seu ciclo de vida). Transmissão de Giardia A transmissão pode ocorrer pela água (água de consumo e sistemas de água privados, água de piscinas, jacúzis, parques aquáticos…), por alimentos (frutas, legumes, refeições, alimentos manufacturados e alimentos contaminados por vetores mecânicos), por pessoa-pessoa e por animal-pessoa ou vice-versa. Manifestações clínicas da Giardiose As infeções por este parasita podem ser assintomáticas ou sintomáticas. Nas infeções assintomáticas, os doentes encontram-se parasitados, mas sem sintomas. Nestes casos é possível detetar os quistos nas fezes mesmo não havendo sintomas. Ocorre essencialmente em áreas com prevalência constante pois o facto de contactarem desde cedo com a Giardia acabam por desenvolver uma certa tolerância. Foi verificado que em zonas endémicas (onde é mais comum o parasita circular) 60% dos infetados não apresentam Daniela Pimenta 2020/2023 14 sintomas. Este processo demonstra que houve uma adaptação quer por parte do hospedeiro, quer por parte do parasita. Estes portadores assintomáticos são os mais importantes numa cadeia de infeção, pois como não sabem que estão infetados não fazem tratamento e perpetuam a cadeia de infeção. Sendo assim é importante identificar estes focos de maneira a conseguir controlar a infeção. Nas infeções sintomáticas, como o próprio nome indica, o hospedeiro encontra-se parasitado e com sintomatologia. As manifestações clínicas podem ocorrer segundo duas fases: o Fase aguda que é autolimitada, normalmente os sintomas aparecem após 5-14,15 dias de contágio, e dentro dos sintomas temos diarreia, dores abdominais, náuseas e vómitos (normalmente aparece de repente). Ao fazer o diagnóstico temos de perguntar as refeições, água e contacto com animais não sóno dia anterior, mas pelo menos de 5 dias atrás. Normalmente, o sistema imunológico consegue controlar a infeção, no entanto as crianças normalmente não conseguem resolver por si só a infeção, podendo evoluir para a fase crónica. o Fase crónica ocorre diarreia intermitente, má absorção (de lípidos, vitamina B12, vitamina A, ácido fólico, lactose, D-xilose e proteína), perda de peso, resultando em atraso no crescimento e psicomotor. Normalmente as crianças nesta fase são mais pequenas, mais leves e com maior dificuldade na aprendizagem. Quais são os fatores de risco que determinam a variabilidade de sintomas? Os fatores de risco são multifatoriais pois depende não só suscetibilidade do hospedeiro mas também de características do agente patogénico. É a conjugação de vários fatores que permite que haja infeção. Estes fatores podem ser do hospedeiro, como: resposta imunológica; estado nutricional (hospedeiros bem nutridos, especialmente a nível proteico apresentam maior resistência à infeção); microbiota intestinal (independentemente da microbiota a Giardia pode causar Daniela Pimenta 2020/2023 15 infeção); hipogamaglobulinémia; défice IgA (grave uma vez que intervêm na proteção contra este parasita). Podem ser também do parasita, como: virulência, aderência; as VSPs; GP-49; protéases (“cortam” as imunoglobulinas, por exemplo), produtos secretórios-excretórios (ESPs – vesiculas extracelulares que podem provocar morte dos enterócitos), entre outros. As células do parasita comunicam entre si através destas vesiculas. Mas utilizam-nas para comunicar também com os enterócitos e com as células do sistema imunológico – estes produtos têm efeitos pró-inflamatórios. Todas as células produzem vesículas, que funcionam como marcadores biológicos e podem ser usadas na terapêutica baseada vesiculas extravasculares, por exemplo no desenvolvimento de vacinas. O que acontece no organismo do hospedeiro numa infeção com Giardia? Os potenciais mecanismos da doença são: ▪ Apoptose dos enterócitos; ▪ Perda da função da barreia epitelial; ▪ Hipersecreção de Cl-; ▪ Má absorção de glucose, água e Na+, o que está na origem da diarreia; ▪ Encurtamento das microvilosidades o que causa uma deficiência na absorção; ▪ Interferência com o metabolismo dos sais biliares – Giardia utiliza os sais biliares para captar lipídios; ▪ Inibição das enzimas da bordadura em escova (dissacaridases) e da tripsina; ▪ Resposta imunológica, envolvendo mastócitos, células T, IgA e NO. Mecanismos de defesa contra Giardia lamblia Daniela Pimenta 2020/2023 16 Camada de muco confere proteção/barreira que nos protege dos invasores. Assim, a Giardia tem de ter a capacidade de passar o muco. Péptidos antimicrobianos (AMP) possuem ação contra a Giardia, inativando a mesma. Fazem parte da defesa inata. Microbiota intestinal compete com Giardia pelos locais de adesão e podem produzir metabolitos que possuam ação anti-parasitária. Mastócitos provocam a desgranulação e aumentam os movimentos peristálticos provocando o aumento do transito acelerado como mecanismo de defesa, daqui surgem as diarreias que servem para eliminação dos parasitas. Produzem também a IL-6, necessária à maturação dos linfócitos e à produção de anticorpos IgA. Óxido nítrico tem efeito anti Giardia. Células epiteliais e células M produzem o óxido nítrico que tem uma ação citostática em relação à Giardia lamblia. Aumentam também o peristaltismo do intestino. Células dendríticas são uma ponte entre imunidade inata e adaptativa, determinantes para a maturação de linfócitos. A célula dendrítica capta o antigénio no intestino através da emissão de prolongamentos. Apresentação de antigénios. IL-6 importante na maturação dos linfócitos. Neutralização da Giardia. Células Thelper. Linfócitos intraepiteliais são principalmente linfócitos TCD8 (possuem ação tóxica, em elevada quantidade provocam lesão intestinal culminando num processo inflamatório e destruição. Fatores de virulência de Giardia spp o Disco ventral e lectinas de superfície que permitem a aderência e colonização do intestino; o Mobilidade flagelar (frenética) permite a relocalização a novas células epiteliais (permite aderir e desaderir às vilosidades).As VSPs protegem o parasita das proteases luminais, oxigénio e radicais livres; o Alteração das VSPs na superfície dos trofozoítos, evitando a eliminação por IgA; Daniela Pimenta 2020/2023 17 o Libertação de proteínas como a arginina deiminase (ADI), a ornitina carbamoiltransferase (OTC) e a enolase (três enzimas essenciais na formação de NO) e outros produtos. A Giardia necessita da arginina como substrato para o seu metabolismo e crescimento, deixando de estar disponível para a formação do NO; o Produtos desconhecidos possuem um papel anti-inflamatório. Será que os genótipos determinam a sintomatologia? A verdade é que os estudos de epidemiologia molecular não tê sido conclusivos. Existe uma associação positiva entre o assemblage A e a sintomatologia gastrointestinal (diarreia), foi verificada sobretudo em crianças com idade inferior aos 5 anos. Existe uma associação entre assemblage B e indivíduos com diarreia, foi verificada em mulheres adultas. Existe sintomatologia semelhante em infeções com assemblage A e assemblage B, isto porque o hospedeiro é também determinante na sintomatologia. Diagnósticos de Giardia Para o diagnostico parasitológico de giardíase podem ser utilizados quatro materiais biológicos: Fezes formadas (sólidas), onde é efetuada a pesquisa de quistos com salino ou lugol; Fezes diarreicas (transito intestinal rápido), onde é efetuada a pesquisa de trofozoítos ou quistos (se tiver havido tempo de enquistar); Fluido duodenal, onde é efetuada a pesquisa de trofozoítos; Biópsia de jejuno ou “Entero-test”, onde é efetuada a pesquisa de trofozoítos (apenas trofozoítos uma vez que a amostra é o ambiente). O diagnóstico de rotina é o parasitológico de fezes. O entero-test é invasivo e por isso é realizado a nível hospitalar, mas é muito raro. As amostras têm de ser 3 e alternadas numa janela de 10 dias, isto porque a emissão de quistos é intermitente, podendo haver períodos negativos. Assim, um só resultado negativo não tem valor de diagnóstico, mas uma só positiva já tem. No caso de um resultado negativo é necessário pedir novas amostras nas mesmas condições acima descritas. Daniela Pimenta 2020/2023 18 Para o diagnostico imunológico de giardíase podem ser utilizados dois materiais biológicos: Soro, onde é efetuada a pesquisa de anticorpos por ELISA ou IFI. Este é um método invasivo e método pouco específico na deteção da fase de infeção. Os anticorpos são específicos de Giardia lamblia, mas não específicos de fase, não sendo possível saber qual a fase de infeção. Fezes, onde é efetuada a pesquisa de antigénios por ELISA, imunocromatografia ou imunofluorescência. A imunocromatografia é específica para Giardia, não deteta outros parasitas. Ainda não temos determinado qual é o antigénio para qual anticorpo. Não sabemos qual a proteína para uma determinada resposta numa determinada fase de infeção. Logo, não têm valor de diagnóstico. Para o diagnostico molecular de giardíase é utilizado apenas um material biológico: Fezes, onde é efetuada a pesquisa de DNA parasitário por PCR. É o método mais especifico e sensível, mas também o mais caro, não sendo aplicável à rotina. Nas fezes existem inibidores da PCR o que pode originar falsos negativos, para assegurar que tal não acontece são incluídos nos kitsde PCR os inibidores dos sais biliares, que são os inibidores da PCR. O mais utilizado é o diagnóstico parasitológico de fezes. Nos métodos moleculares a origem do DNA deverá ser de culturas de trofozoítos, de quistos purificados e das fezes de análise. Os genes alvo são: o Gdh (glutamate dehydrogenase); o Tpi (triose phosphatase isomerase); o elongation factor-1-alpha; o beta-giardin; o rDN. Por fim, a deteção é realizada em eletroforese em gel de agarose ou em real-time. Prevenção e controlo de giardíase Como é uma transmissão fecal-oral é essencial haver boas práticas de higiene, evitar beber água e que pode estar contaminada, assim como os alimentos crus. Daniela Pimenta 2020/2023 19 Para controlo é essencial efetuar a identificação dos reservatórios animais e tratamento e o tratamento das pessoas infetadas. Tratamento da giardíase O tratamento de primeira linha é realizado com Nitroimidazois (80-100% de eficácia), nestes o grupo nitro precisa de ser reduzido para ter atividade, tal só acontece em seres anaeróbios, e por isso não têm ação em parasitas aeróbios. Pode ser também tratado com Nitazoxanida (>90% eficácia), mas não é vendida em Portugal. Para além desta existem mais fármacos tais como Benzimidazois (60-80% eficácia), Furazolidona (80-96% eficácia), Paromomicina (55-95% eficácia) e Quinacrina (95% de eficácia). O último apresenta toxicidade elevada sendo por isso o fármaco de ultima linha. A furazolidona e a paromomicina são antibióticos. Trichomonas Trichomonas vaginalis É um parasita cosmopolita, isto é, pode ser encontrado em qualquer zona do planeta. Em países desenvolvidos têm prevalências de 5-20% nas mulheres e 2-10% nos homens e a incidência anual é estimada em 180 milhões. Esta incidência é superior nas mulheres adultas (16-35 anos) e mais frequentemente na mulher com atividade sexual ativa. A via de transmissão mais frequente é através das relações sexuais, no entanto pode ser também transmitida através de: água (bidés, banheiras, jacúzis…) e fómites (objetos de toilete, roupa íntima e de cama). O trofozoíto é bastante mais resistente no ambiente, desde que tenha água. Neste caso existe apenas uma forma morfológica, o trofozoíto. Este possui um comprimento de 10-30 µm e uma Nitroimidazois Metronidazol; Tinidazol; Ornidazol; Secnidazol Benzimidazois Albendazol; Mebendazol Daniela Pimenta 2020/2023 20 largura de 7-15µm, um grande núcleo ovoide, 4 flagelos livres e 1 flagelo aderente ao corpo celular – membrana ondulante. Possui também estruturas fibrilares, nomeadamente o axóstilo, que percorre toda a extensão do corpo, uma costa rodeada de hidrogenossomas e o corpo basal que é um conjunto das fibras parabasais com o aparelho de Golgi. Ciclo de vida da Trichomonas vaginalis – ciclo monóxeno Trichomonas vaginalis reside no trato genital inferior feminino e na uretra e próstata masculina (1) onde se replica por divisão binária longitudinal (2). Trichomonas vaginalis é transmitido entre humanos, seu único hospedeiro conhecido, principalmente por meio de relações sexuais (3) (transmissão ocorre diretamente de pessoa para pessoa através das relações sexuais). É um parasita do trato gastrointestinal da mulher e do homem. Os trofozoítos são a forma infetante, de diagnostico e que provoca patologia. Manifestações clínicas da infeção com Trichomonas vaginalis No caso das mulheres, quando há infeção tem quase sempre sintomas. As infeções que pode originar são: Δ Vaginites; Δ Cervicites; Δ Uretrites. Daniela Pimenta 2020/2023 21 Os sinais e sintomas nas mulheres incluem: o Podem aparecer durante a menstruação ou exacerbarem-se durante esse período; o Dor ou irritação vulvovaginal; o Vulvite; o Prurido vulvar; o Disúria (dor a urinar); o 5% das mulheres infetadas apresentam dor abdominal importante, que pode sugerir a presença de doença pélvica inflamatória; o Corrimento vaginal (leucorreia) abundante, purulento, amarelo- esverdeado; o Mau odor; o Eritema vaginal, petequiado. No caso dos homens, a maioria são assintomáticos (o que é um grande problema uma vez que não são tratados podendo perpetuar a infeção) nestes casos as manifestações são: Δ Uretrite; Δ Epididimite; Δ Prostatite. Diagnósticos de Trichomonas vaginalis Para o diagnostico podem ser utilizados exsudatos como materiais biológicos. No diagnóstico parasitológico é realizada a observação microscópia dos trofozoítos. Na mulher é realizada a pesquisa no corrimento vaginal e uretral. No caso do homem a pesquisa no corrimento uretral e prostático ou na urina. Estes exsudatos são bastante pedidos a nível hospitalar como rotina, sendo assim este é o método mais utilizado a nível de rotina. É possível cultivar in vitro, tendo em conta que o parasita é anaeróbio mais aerotolerante que Giardia. No entanto a cultura in vitro não é utilizada a nível de rotina. O diagnostico também pode ser molecular através da reação em cadeia de polimerase (PCR), no entanto devido a ser de elevado custo e a este parasita ser facilmente visível não é realizado tão frequentemente. Daniela Pimenta 2020/2023 22 Prevenção e controlo de tricomoníase Como é uma transmissão sexual é essencial haver educação sanitária sobre a parasitose e mecanismos de transmissão e práticas sexuais seguras. Para além destes cuidados, é necessário também cuidados com os elementos do banho e evitar banhos públicos e não partilhar roupa interior ou toalhas com outras mulheres Para controlo é essencial efetuar a identificação dos indivíduos não sintomáticos, cuja parceira sexual esteja infetada, e efetuar o tratamento, assim como acontece com as pessoas infetadas. Efetuar o diagnóstico laboratorial em todos os indivíduos sintomáticos. Tratamento da tricomoníase O tratamento de primeira linha é realizado com Nitroimidazois uma vez que o parasita é anaeróbio. Leishmania Leishmaniasis Não é cosmopolita, mas sim endémica em 88 países. A prevalência global é de 12 milhões pessoas infetadas e incidência de 2 milhões de novos casos (1,5 milhões com Leishmaniose cutânea, e 0,5 milhões com Leishmaniose visceral). Em países desenvolvidos não é comum ocorrer morte nestes casos, a não ser em indivíduos imunodeprimidos. Leishmania pertence ao reino Protista, sub-reino Protozoa, filo Sarcomastigota, sub-filo Mastigota e classe Zoomastigota. Dentro do género Leishmania existem 2 subgéneros, que se distinguem morfologicamente, e que se desenvolvem de modo diferente no vetor biológico. No subgénero Leishmania ocorre na parte posterior do estômago/intestino do vetor enquanto no subgénero Viannia ocorre em toda a parte do estômago. Nitroimidazois Metronidazol; Tinidazol; Ornidazol; Nimorazol Daniela Pimenta 2020/2023 23 Em relação aos fenótipos existem vários complexos que depois incluem várias espécies, na tabela abaixo é possível verificar estes complexos e espécies. Relativamente à morfologia, existem duas formas morfológicas de Leishmania, a forma amastigota e a forma promastigota. A forma amastigota é arredondada ou oval, com cerca de 3-6 µm de tamanho, imóvel, intracelular no Homem e em animais vertebrados. É um estádio de diagnóstico. A forma promastigota é uma célula alongada, flagelada, móvel que possui um cinetoplasto anterior e núcleo. A célula possui um tamanho entre 8-24 µm. Desenvolve-se no hospedeiro invertebrado e em meio de cultura em laboratório. Em cultura é possívelobservar aglomeração, desta forma, em estrela, se tal acontecer significa que possuíram um bom crescimento. Vetores Existem dois géneros que é preciso saber. Ambos pertencem à classe Insecta, sub-família Phelbotomidae, ordem Diptera. Relativamente aos géneros, estes podem ser o género Lutzomyia (que são comuns na América central e do Sul) ou o género Phlebotomus (que são comuns na áfrica, europa e ásia). Género Leishmania Subgénero Leishmania Viannia Complexos L.donovani L.tropica L.major L.aethiopica L.mexicana L.braziliensis L.guyanensis Espécies L.archibaldi L.chagasi L.infantum L.donovani L.killicki L.tropica L.major L.aethiopica L.amazonensis L.garnhami L.mexicana L.pifanoi L.venezuelensis L.braziliensis L.peruviana L.guyanensis L.panamensis Daniela Pimenta 2020/2023 24 Quando nos referimos a estes parasitas com o nome de flebótomos estamos a incluir ambos os géneros. Estes são de reduzidas dimensões, conhecidos por mosquito palha, devido a possuírem aspeto piloso, e às vezes nem sequer se sente a picada, mantêm as asas eretas enquanto picam e possuem movimento saltatório. Durante o dia permanecem escondidos em tocas em locais perto de onde habitam animais. As transmissoras são as fêmeas pois só elas é que alimentam de sangue dos vertebrados (são hematófagas). Enquanto os machos se alimentam de sucos. Em Portugal, os vetores são o P. perniciosus, P. ariasi. Reservatórios animais Podem ser animais selvagens ou domésticos. Dentro dos animais selvagens temos a raposa, o chacal e roedores. Relativamente aos animais domésticos o único é o cão. Ciclo de vida de Leishmania – heteroxeno A leishmaniose é transmitida pela picada de flebotomíneos fêmeas infetadas. Os flebotomíneos injetam o estágio infecioso (ou seja, promastigotas) durante as refeições de sangue (1). Os promastigotas que atingem a ferida da punção são fagocitados por macrófagos (2) e outros tipos de células mononucleares fagocíticas. Nessas células, os promastigotas transformam-se no estágio tecidual do parasita (isto é, amastigotas) (3), que se multiplicam por divisão simples e passam a infetar outras células fagocíticas mononucleares (4). Parasita, hospedeiro e outros fatores afetam se a infeção se torna sintomática e se resulta em leishmaniose cutânea ou visceral. Os flebotomíneos são infetados pela ingestão de células infetadas durante o sugar de sangue (5,6). Nos flebotomíneos, os amastigotas transformam-se em promastigotas, desenvolvem-se no intestino (7) (no intestino posterior para organismos leishmânicos do Daniela Pimenta 2020/2023 25 subgênero Viannia; no intestino médio para organismos do subgênero Leishmania) e migram para a tromba (8). Vendo noutro esquema: No vetor (Phlebotomus) ocorrem alterações morfológicas e metabólicas. No lado direito temos os mamíferos. A fêmea de Phelbotomus vai alimentar-se de sangue mamífero e para que consiga arranjar espaço para sugar o sangue efetua o refluxo dos promastigotas metacíclicos (forma infetante). O promastigota vai invadir os macrófagos existentes no local onde ocorreu a picada, forma-se um vacúolo e há perda do flagelo transformando-se em amastigotas. Neste momento ocorre a multiplicação dos amastigotas por reprodução assexuada via divisão binária simples. Num certo momento, os macrófagos rebentam e libertam os amastigotas que poderão infetar mais células. Consoante a espécie, depois seguem para as mucosas ou para as vísceras. O vetor (a fêmea) precisa do sangue para se alimentar e ao picar o homem ocorre contaminação com a forma amastigota. Os amastigotas logo de seguida transformam-se em promastigotas pró-cíclicos. Por fim, estes dividem-se assexuadamente e posteriormente transformam-se em promastigotas metaciclícos que possuem capacidade de contaminar uma pessoa. Daniela Pimenta 2020/2023 26 Em resumo, este ciclo é heteroxeno e a forma infetante é a promastigota, sendo a amastigota a de diagnóstico uma vez que é a encontrada no hospedeiro vertebrado. Nota: o vetor tem os parasitas no seu interior e para conseguir alimentar-se tem de os deitar para fora -> regurgita. Leishmaniose É a doença causada por espécies do género Leishmania. Nesta ocorre a inoculação de promastigotas que acabam por infetar os macrófagos locais (a forma amastigotas). Estes sofrem multiplicação intracelular. Posteriormente ocorre lise celular que leva à resposta imunológica depende da espécie. Assim, existem diferentes fenótipos de infeção consoante a espécie: Leishmaniose cutânea: manifestação na pele; Leishmaniose cutânea difusa; Leishmaniose mucocutânea: atinge a pele e as mucosas; Leishmaniose visceral: atinge as vísceras (disseminação linfática e sanguínea). A infeção por Leishamnia vai depender também da própria resposta imunológica do indivíduo. A forma infetante é intracelular, assim uma resposta imunológica eficaz será a celular. Podemos ter situações de: - Resistência à infeção (imunidade e cura) que permite a resolução da infeção intracelular, é uma resposta imunológica predominante em TH1 e IFN-y e é a eficaz contra o parasita. As células TH1 são o hallmark da resposta imunológica intracelular. - Suscetibilidade e desenvolvimento das formas crónicas, não é eficaz contra a infeção, é uma resposta imunológica extracelular predominante em TH2 e IL-4. As células TH2 são o hallmark da resposta imunológica extracelular. Conseguimos resistir à infeção se montarmos uma resposta imunológica TH1 com produção do INF-gama. O parasita pode conseguir mudar a resposta TH1 para TH2 ficando a pessoa suscetível à doença. Daniela Pimenta 2020/2023 27 Em indivíduos assintomáticos com Leishmaniose ventral: Os macrófagos encontram-se infetados pelos amastigotas. Os macrófagos produzem TNF que vai ativar os próprios macrófagos a eliminarem a forma amastigota no seu interior por ação de óxido nítrico (NO). Células dendríticas com amastigotas levam a uma resposta TCD4 que se diferenciam em linfócitos TH1, por ação da IL-12. Para além desta interleucina libertam também outras, como a IL-23. O INF-y, produzido pelos linfócitos TH1, atua nos macrófagos para levar à morte dos amastigotas devido ao aumento das espécies reativas de oxigénio, como o NO. Há subpopulações de TH23 e TH17, mas não se sabe se contribuem para a morte das formas intracelulares por ativação de macrófagos. Ainda não se sabe se os anticorpos produzidos levam à morte dos amastigotas (quando se estão a mover entre macrófagos e não se encontram dentro da célula). No entanto este parasita possui alguns mecanismos anti-imunes: o Glicoproteína Gp53 confere resistência à lise medida pelo complemento, inibição da produção de iNOS, NO, TNF-α e IL-2 (considerado um fator de virulência da Leishamnia); o Lipofosfoglicano (LPG) que inibe a fusão fagossoma-lisossoma e atua como scavenger; o Anti-oxidases que contrariam a ação dos produtos do macrófago (burst oxidativo); o Proteína 11 associada ao LPG onde nos amastigotas inibe a atividade da sintetase do NO; o Ativação anormal da proteína cinase C que tem ação auto-imune; o Diminuição da expressão de proteína MHC classe II dos macrófagos –> diminuição da resposta TH1; o Supressão da transcrição do gene IL-12, bloqueando a resposta TH1. Daniela Pimenta 2020/2023 28 Patologia Espécies Sintomas Visceral L. donovani, L. infantum, L. chagasi Febre irregular, perda de peso, aumento do baço e figados, hiperglobulinemia, morte Cutânea L. tropica,L. major, L. aethiopica, L.mexicana, L. peruviana, L. panamensis, L. guyanensis, L. amazonesis Lesões na pele Cutânea difusa L. aethiopica, L. pifanoi, L. amazoneis Tratamento é difícil, raro Mucocutânea L. brasiliensis Lesões ulcerativas no nariz, boca e faringe Leishmaniose visceral ou “Kala-azar” - conhecida como febre negra. Leishmania infantum e Leishmania chagasi são muito semelhantes a nível de fenótipo e características, mas são de locais diferentes e o vetor é diferente. Estas duas espécies são mais benignas que a primeira. Os parasitas invadem as vísceras, localizando-se de preferência no sistema macrofágico do baço, fígado, medula óssea e órgãos linfoides. Patologia – ocorre estimulação das células do sistema mononuclear fagocitário (macrófagos), posteriormente ocorre proliferação de linfócitos B histiócitos e monócitos levando a linfoadenopatias, esplenomegalia, hepatomegalia, alterações da medula óssea, vasculite, poliartrite e glomerulonefrites. O período de incubação é de vários meses (2 a 8 meses). Na fase inicial de doença pode ocorrer a presença de nódulos endurecidos no local da picada, perda de apetite, palidez, um ligeiro aumento do baço e febre. Com o decorrer da doença podem surgir mais sintomas, como febre irregular e de longa duração (mais de 2 semanas), esplenomegalia (aumento do baço), hepatomegalia (aumento do fígado), linfoadenopatia, anemia, hipergamaglobulinemia (aumento da produção de anticorpos), emagrecimento acentuado e glomerulonefrites (mais comum no reservatório Agente etiológico Localização geográfica Leishmania donovan Subcontinente indiano, África Oriente e central Leishmania infantum Bacia mediterrânica, China e Ásia central Leishmania chagasi América do Sul e Central Daniela Pimenta 2020/2023 29 animal). A evolução pode ser rápida, levando o doente à caquexia e morte (semanas a alguns meses) ou assumir um curso crónico (anos). Leishmania donovan Não há reservatórios animais e afeta principalmente adultos e só 5% a 6% crianças ou adolescente. Para já não há reservatórios animais conhecidos, o parasita circula entre o vetor e o Homem, que é o reservatório e o hospedeiro. Leishmania infantum O reservatório pode ser o cão e raposa (Europa Meridional), cão, raposa, chacal e rato preto (Mediterrâneo oriental), cão/Nyceterutes procyonoides (China). Afeta principalmente as crianças, tem uma incidência 2 vezes superior no sexo masculino. Neste caso, o Homem é o hospedeiro, mas o reservatório mais importante é o animal, o cão. O vetor fica infetado por se alimentar do sangue do animal e não do humano. Para o ser o Homem a infetar o vetor, este tinha de picar o Homem mesmo na altura em que a forma amastigota está livre no sangue, o que é difícil uma vez que esta espécie é visceral. Leishmania chagasi O reservatório pode ser o cão e raposa e roedores (gambiás). Afeta principalmente as crianças, tem uma incidência 2 vezes superior no sexo masculino. Leishmaniose dérmica Pós-Kala-azar (PKDL) Acontece apenas após uma infeção por Leishmania donovani. Acontece apenas na África e na Índia. É caracterizada pelo aparecimento das lesões cutâneas após a cura aparente do quadro sistémico. É comum ocorrer descoloração da pele e aparecimento de nódulos cheios de parasitas por todo o corpo. É também difusa do tipo “lepra”. Co-infeção com HIV Os indivíduos imunodeprimidos são os mais preocupantes, uma co-infeção com HIV é um problema emergente de saúde pública, muito grave e em ascensão em várias zonas do globo. Até 2001 foram notificados à OMS 1440 casos de co-infeção referentes a Portugal, Espanha, Daniela Pimenta 2020/2023 30 França e Itália. Na europa 70% dos adultos com LV estão associados a HIV. A OMS estima que no Sudoeste da Europa, 2% a 9% de doentes de HIV desenvolvam LV. Apresenta um curso crónico com frequentes reativações da infeção e elevada taxa de reincidência ao fim de 12 meses em 90% dos doentes apresentam uma nova infeção. Manifestações primárias de órgãos ou sistemas podem ser febre (80%), esplenomegalia (65%), hepatomegalia (63%); pancitopenia (73%). Pode progredir rapidamente lembrando a sepsis bacteriana. Existem sintomas atípicos em casos de imunodepressão severa como comprometimento do aparelho gastrointestinal, pulmões, cavidade pleural e peritoneal e epiderme. 30% dos doentes LV/HIV intercorrentes morrem durante ou até 1 mês após o tratamento anti-leishmania. O tempo médio de vida é de 12 meses e apenas 16% sobrevivem mais de 3 anos. Normalmente existe um mau prognostico se não forem submetidos à terapia HAART (High Active AntiRetroviral Therapy), isto porque foi comprovado que o vírus do HIV infeta as mesmas células que a Leishmania e possuem uma ação sinergista, potenciando-se. O vírus multiplica-se em maior quantidade na presença do parasita e vice-versa. Este tratamento tenta diminuir o parasita para que não ocorra a potenciação do vírus. Leishmaniose cutânea *a MON 24 é a variante da L.infantum que provoca Leishmaniose cutânea. A infeção inicia-se com a picada, é através desta que ocorre a introdução dos parasitas, posteriormente o parasita provoca a proliferação anormal de macrófagos (hiperplasia Agente etiológico Localização geográfica Leishamania tropica Médio Oriente e índia Leishmania infantum (MON 24)* Sul da Europa Leishmania major África do Norte, Ocidental e Oriental e no Médio Orientes Leishamania aethiopica África Oriental (Etiópica, Quénia) Leishamnia panamensis L. guyanensi L. peruviana L. mexicana L. amazonensis América Daniela Pimenta 2020/2023 31 histiocitária) e inflamação. É neste momento que ocorre a necrose da epiderme. Como resposta do sistema imunitário ocorre a infiltração de linfócitos e plasmócitos, levando à formação da úlcera (aberta e com pus). Seguidamente ocorre a diminuição da proliferação dos macrófagos e consequentemente na diminuição de parasitas. Os parasitas desaparecem e a reação inflamatória regride, inicia-se a cura devido à cicatrização. Leishmanioses cutâneas do “velho mundo” – conhecidas como botão do oriente Δ Forma seca (urbana) – L. tropica no Médio Oriente e índica e L. infantum no Sul da Europa. O reservatório animal é o cão. Apresenta um período de incubação de 2 a 8 meses (até 24 meses). Dão origem a uma lesão seca, só forma úlcera passados vários meses. É uma lesão única, situada na face, com aspeto de catarata (bordas salientes), que tem cura espontânea em 1 a 2 anos. A forma crónica, Leishmaniose recivivante, é de difícil tratamento. Δ Forma húmida (rural) – L. major na África do Norte, Ocidental e Oriental e Médio Oriente. O reservatório animal são os roedores. Apresentam um período de incubação de 2 a 6 semanas (< 4 meses). As lesões são com frequência múltipla, por vezes confluentes, com marcada inflamação, localizando-se nos membros inferior. Estas lesões formam úlceras rapidamente e podem atingir tamanhos que dificultam a mobilidade. As cicatrizes são inestéticas ou mesmo incapacitantes. Leishmanioses cutâneas do “novo mundo” No primeiro caso ocorre uma lesão única na orelha, que pode progredir para o pavilhão auricular e causar surdez. No segundo caso a lesão é semelhante à botão do oriente, mas com aspeto central granuloso. Agente etiológico Localização geográfica Leishmaniose cutânea (LC) Leishamania mexicana México, Guatemala e outros países da América Central “úlcera dos chicleros” Leishmania peruviana Peru e Equador “uta” Leishmania guaynensis Região Amazónica (Guianas e Brasil) “buba”, “pain-bois” Leishamania panamensis Panamá, Honduras, Nicarágua, Costa Rica, Colômbia e Venezuela “úlcera de bejuco” Daniela Pimenta 2020/202332 A terceira e a quarta são fenotipicamente semelhantes. Ocorrem várias lesões no corpo relacionadas com o sistema linfático, originando nódulos. Em casos menos comuns podem atingir as mucosas. Leishmaniose mucocutânea O agente etiológico é a Leishmania braziliensis transmitida pelo vetor Lutzomya, característico da América do Sul (Brasil, Venezuela, Colômbia e Guianas). Este ser parasita a pele e as mucosas, não invadindo as vísceras. Causa lesões cutâneas – úlceras – múltiplas e de grandes dimensões. Apresenta uma evolução crónica e é também designada de espúndia ou ferida brava. Existem uma disseminação sanguínea ou linfática do parasita com invasão de mucosa oral e nasal e destruição da cartilagem (nariz, palato, maciço facial), podendo atingir também a faringe e laringe. A cura espontânea é raríssima, normalmente quando não tratados acabam por morrer devido a outras infeções. Mesmo com tratamento ocorrem recidivas frequentes. Leishmaniose cutânea difusa (LCD) O agente etiológico é a Leishmania aethiopica (“Velho mundo”) e a L. pifanoi, e L. amazonensis (“Novo mundo”). É uma forma anérgica com evolução mortal, isto é, o hospedeiro não responde imunologicamente a estas espécies não são reconhecidas como estranhas). Causam infeção na derme e não invadem as vísceras. Infeção que começa com uma lesão cutânea inicial (úlcera primária) a partir da qual se observam lesões satélites por todo o corpo com a formação nódulos e eventuais histiocitomas – tumores. Diagnósticos de Leishmaniose O diagnostico clínico é algo que compete aos médicos: - dados epidemiológicos; - febre recorrente; - características das lesões cutâneas; - envolvimento linfohepático; - esplenomegalia; - caquexia. Daniela Pimenta 2020/2023 33 No diagnóstico laboratorial é realizado o exame parasitológico recorrendo a esfregaços corados com Giemsa ou Leishman. Nestes existem dois possíveis materiais biológicos: o Material de raspados, aspirado ou biópsia – Leishmaniose cutânea. o Punção ou biópsia de gânglios, medula óssea, fígado ou baço (biópsia menos eficaz: ~ 50%) – Leishmaniose visceral. Nestes casos observamos a forma amastigota (se possível dentro dos macrófagos). É possível cultivar in vitro, através de um aspirado ou punção/biópsia, em meio NNN (Novy- MacNeal-Nicoll) ou meio Schneider. O exame microscópio é realizado duas vezes por semana durante quatro semanas. Neste iremos observar a forma promastigota (não há macrófagos não pode haver a forma intracelular) – esta forma resultou da diferenciação do amastigota. Também é possível fazer cultivo in vivo, inoculando em animais. O diagnostico também pode ser molecular através da reação em cadeia de polimerase (PCR), no entanto este não é um método de rotina. No diagnóstico laboratorial é realizado também o exame imunológico, recorrendo ao teste de Montenegro – é um teste intradérmico com resposta celular, onde no terceiro dia verificamos se ocorreu a formação de uma zona eritematosa, se ocorrer o teste é positivo. Tem uma eficácia superior a 95%, mas não é praticável, não sendo aplicado a laboratório. O exame imunológico aplicado em laboratório é o teste serológico, neste caso a combinação de 2 testes é suficiente num imunocompetente: - DAT (teste de aglutinação directa); - IFI (Imunofluorescência indirecta); - Western-blot; - ELISA (Enzyme Linked Immuno-Sorbent Assay). Prevenção e controlo Proteção individual inclui evitar sair desde o anoitecer ao amanhecer uso de repelentes, assim como o uso de telas de proteção. Ainda não há vacinação. O controlo engloba a eliminação do vetor, a identificação dos reservatórios animais e o tratamento das pessoas infetadas. Daniela Pimenta 2020/2023 34 Após viagens a países endémicos LV há a preocupação de não dar sangue durante 2 anos após o regresso Tratamento O tratamento pode ocorrer sob a forma de quimioterapia parental ou oral. A imunoterapia ainda se encontra em fase experimental. Na primeira são usados Antimónios pentavalentes, Diaminas aromáticas, Antifúngicos e Antibióticos: Na quimioterapia oral são usados Alquilfosfolípidos, Antifúngicos (Azóis): Na imunoterapia poderão ser usados Leishvacin e Interferon-γ. A quimioterapia apresenta algumas limitações, nomeadamente: X Toxicidade; X Efeitos secundários severos; X Elevado custo; X Vias de administração invasivas; X Baixa eficácia; X Desenvolvimento de resistência. Antimónios pentavalentes Antimoniato de N-metil-glucamina (Glucantime) Estibogluconato de sódio (Pentostan) Diaminas aromáticas Pentamidina Antifúngicos Anfotericina B (Fungizona) Anfotericina B liposomal (AmBisome) Antibióticos (Aminoglicosídeo) Paramomicina (Aminosidine) Alquilfosfolípidos Miltefosina Azóis Ketoconazole; Itraconazole; Fluconazole Daniela Pimenta 2020/2023 35 Perguntas de autoavaliação 11- Género Leishmania a) Parasita polimórfico com amastigotas e tripomastigotas no ciclo evolutivo b) Parasita monoxeno, eurixeno c) Protozoário flagelado da Família Diplomonadida d) No hospedeiro vertebrado são intracelulares obrigatórios 12- Leishamioses a) As formas tripomastigotas metacíclicas são a forma infetante para o homem b) As formas infetantes para o homem estão nas glândulas salivares do inseto vetor c) O vetor biológico são insetos dípteros da Sub-Família Phlebotomidae d) A infeção transmite-se ao homem através do contacto direto com animais reservatórios (ex. cão) 13- Resposta imune do hospedeiro vertebrado na leishmaniose a) Resposta anticorpo correlaciona-se com a eliminação da infeção b) Resposta celular tipo Th2 está envolvida no desenvolvimento da doença crónica c) Resposta celular tipo Th1, com produção de IFN, está relacionada com a suscetibilidade do hospedeiro d) Resposta Linfócitos B com produção de anticorpo relaciona-se com o desenvolvimento da imunidade à infeção 14- Mecanismos de evasão parasitária na leishmaniose a) LPG de amastigotas impedem a ativação do macrófago b) Glicoproteína Gp63 inibe a ação das enzimas lisossomais c) a inserção do complexo C5b-C9 do complemento no parasita inibe a lise mediada pelo complemento d) Supressão da transcripção do gene IL-12 bloqueando a resposta Th2 15- O agente etiológico do Kala-azar infantil a) Leishmania chagasi b) Leishmania aethiopica c) Leismania pifanoi Daniela Pimenta 2020/2023 36 d) Leishamnia amazonensis 16- Leishmaniose visceral a) É uma doença estritamente africana b) A infeção no nordeste brasileiro é devido à espécie L. infantum c) A infeção na Índia é devida á espécie L. donovani d) A infeção em Portugal é devida à espécie L. chagasi 17- Leishmania chagasi a) o insecto transmissor é Lutzomyia longipalpis b) não existem reservatórios animais c) afecta principalmente adultos d) encontra-se na Índia e Sudão 18- PKLD a) é uma leishmaniose visceral que ocorre no continente americano b) o agente etiológico é Leishmania infantum c) é uma leishmaniose cutânea pós-Kala-azar d) caracteriza-se por lesões cutâneas localizadas e em baixo número 19- Leishmaniose Tegumentar Americana a) “Úlcera de Bejuco” é uma infecção por Leishmania braziliensis b) “Uta” é uma infecção por Leishmania panamensis c) “Úlcera dos Chicleros” é um infecção por Leishmania mexicana d) “Buba” ou “Pian-Bois” é uma infecção por Leishmania peruviana 20- No tratamento de leishmanioses, os primeiros fármacos a utilizarem-se são a) Nitroimidazois b) Antimónios pentavalentes c) Aminoglicosídeos d) Diaminas aromáticas Daniela Pimenta 2020/202337 Trypanosoma cruzi Descoberto em 1909 por Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas, denominando-o Schizotrypanum cruzi. Nos anos seguintes descreveu o quadro clínico da doença e aspetos patológicos. Identificou o inseto transmissor, os triatomíneos. Provoca antropozoonose, que é uma parasitose do animal para o homem. É responsável por provocar a Doença de Chagas, esta é uma doença endémica, com uma distribuição do Sul dos EUA ao sul da Argentina e Chile. Segundo a OMS existem cerca de 16-18 milhões de infetados. A população em risco conta com 100 milhões e o número de mortes por ano ronda os 14 mil. No brasil existem 5/6 milhões de pessoas doentes. Esta parasitose está bastante associada a condições precárias de habitação, o parasita encontra-se nas frescas das habitações. Normalmente não os encontramos em zonas urbanas. No ciclo de vida deste parasita existem três formas possíveis, a amastigota (intracelular), a tripomastigota (no hospedeiro) e a epimastigota (no vetor). Quer a amastigota quer a tripomastigota podem ser usadas no diagnóstico uma vez que se desenvolvem no homem. Os reservatórios animais possíveis incluem: Tatus (Dasypus sp), Gambás (Didelphis marsupialis), Rato (Rattus sp), macacos, morcegos, raposas, coelhos e cães e gatos. Os vetores (triatomíneos) podem ser de 3 géneros diferentes: Panstrongilus sp, Rondnius sp. e Triatoma infestans – é a espécie mais comum. Todos os estadios de desenvolvimento das ninfas são hematófagos e transmissores (todas se alimentam do sangue e todas podem transmitir a doença). Ciclo de vida de T.cruzi – heteroxeno e eurixeno Daniela Pimenta 2020/2023 38 Um inseto vetor triatomíneo infetado (inseto “beijador”) alimenta-se de sangue e liberta tripomastigotas metacíclicos nas suas fezes, próximo ao local da picada. Os tripomastigotas entram no hospedeiro através da ferida, originada pela picada, ou pelas membranas mucosas intatas, como a conjuntiva (1). Dentro do hospedeiro, os tripomastigotas invadem as células próximas ao local de inoculação, onde se diferenciam em amastigotas intracelulares – originam os “ninhos” de amastigotas (2). Os amastigotas multiplicam-se por de divisão binária (3)e diferenciam-se em tripomastigotas, sendo então liberados na circulação como a forma tripomastigotas (4). Esta forma infeta as células de uma variedade de tecidos e transformam- se em amastigotas intracelulares em novos locais de infeção. As manifestações clínicas podem resultar desse ciclo infecioso. Os tripomastigotas da corrente sanguínea não se replicam (diferente dos tripanossomas africanos). A replicação recomeça apenas quando os parasitas entram em outra célula ou são ingeridos por outro vetor. O inseto do “beijo” infeta-se ao alimentar-se de sangue humano ou animal que contém os parasitas circulantes (5). Os tripomastigotas ingeridos transformam-se em epimastigotas no intestino médio do vetor (6). Os parasitas multiplicam-se e diferenciam-se no intestino médio (7), em tripomastigotas metacíclicos infeciosos no intestino posterior (8). A transmissão ocorre sobretudo pelo vetor (é o que tem maior importância epidemiológica), no entanto pode ocorrer também através de transfusões de sangue (importante em áreas urbanas), acidentalmente (inoculação por agulha), transplante de órgãos, transmissão transplacentária (congénita) e transmissão alimentar (por meio de alimentos/bebidas contaminadas com o vetor e/ou suas fezes). Estes últimos, excluindo o vetor, são responsáveis por infeção emergente na Europa, USA, Canadá, Japão e Austrália, devido principalmente às viagens. Patologia Inicia-se pela penetração, através da mucosa e pele com lesão, posteriormente ocorre a multiplicação no tecido subjacente, macrófagos e gânglio satélite. Ocorre a rutura das células e a forma passa para a circulação. A partir desta fase ocorre a invasão para macrófagos do baço, do fígado, da medula óssea, do musculo cardíaco, músculos esqueléticos e células da neuróglia. Esta invasão é responsável pela fase aguda caracterizada pela reação inflamatória, Daniela Pimenta 2020/2023 39 parasitémia e dura cerca de 4-12 semanas. Esta pode evoluir para a fase crónica, onde se verifica cardiomiopatia e mega órgãos durante 10 a 20 anos ou mais. Na fase crónica existe remissão de sintomas. Na fase aguda a parasitémia é máxima, sendo uma fase com sintomatologia. No caso da fase crónica pode voltar a haver um aumento da sintomatologia. A idade média em que se adquire a doença é de 4 anos. 85% dos casos agudos ocorrem em crianças com menos de 10 anos. O período de incubação pode ir de 5 a 14 dias após a picada. Apenas 10 a 30% desenvolvem a doença de Chagas sintomática, a maior parte com cardiopatia e só 15 a 20% com mega órgãos. Apresenta uma mortalidade de 12% na forma aguda e menos de 1% nas forma crónicas. Fase aguda Caracterizada por uma inflamação local devida a chagomas de inoculação, designada de sinal de Romaña (10% dos casos) – edema unilateral bipalpebral e conjuntivite. Comum haver: Adenopatias; Febre; Astenia, cefaleia, mialgia; Hepatomegalia (volumosa, dolorosa); Esplenomegalia (moderada); Miocardite aguda (crianças com menos de 5 anos/ fatal); Meningoencefalite (geralmente fatal). Apresenta parasitémica e é uma fase com boa resposta ao tratamento. Fase crónica Formas assintomáticas ou indeterminadas Corresponde a mais de 50% dos casos e caracteriza-se pela presença de anticorpo anti-T.cruzi; pela ausência de tripanossomas circulantes (normalmente); pela ausência de sintomas da doença e por eletrocardiograma e exames radiológicos normais. Formas crónicas sintomáticas Caracterizada por cardiopatia. Existe um longo período de incubação, seropositividade e baixas/nulas parasitémias. Ocorrem também alterações no eletrocardiograma (ECG). Há um aumento do coração, dilatação dos ventrículos e uma extensa fibrose (diminui a funcionalidade do coração com o aumento do tamanho do órgão para tentar compensar a Daniela Pimenta 2020/2023 40 falta de contractilidade). Na clínica existem os seguintes sinais e sintomas: insuficiência cardíaca congestiva; arritmias e distúrbios de condução e tromboembolias. Fisiopatogenia da cardiopatia chagásica crónica Existe a substituição do tecido muscular por fibrose levando à diminuição da força contrátil do miocárdio. Ocorre a formação de trombos intracavitários devido à estase sanguínea nas áreas de flacidez muscular – aneurismas – fenómenos tromboembólicos. Por último, existe o comprometimento do sistema nervoso autónomo havendo bloqueios de condução, bloqueios de ramo, arritmias e morte súbita. Na doença de chagas, as formas crónicas sintomáticas são sobretudo formas digestivas: megacólon e megaesófago. Nestes casos ocorre disfagia, refluxo gastroesofágico, obstipação intestinal e morte (mais raro). O que é responsável pela patologia desta infeção? Os responsáveis pela patologia podem ser efeitos diretos do parasita e/ou da resposta imunológica do hospedeiro - Efeitos diretos do parasita nos tecidos: o Persistência de parasitémia (embora baixas); o Inflamação relacionada com os parasitas; o Reativação da doença por imunodepressão. - Resposta imunológica: o Desproporção entre o nº de parasitas e as lesões observadas; o Respostas anti-self (humoral e celular); o Desenvolvimento lento; o Especificidade para o órgão. Associada à resposta imunológica está a imunopatologia, esta baseia-se na própria resposta do hospedeiro. Existem respostas anti-self devido a autoantígenos (ex. ProtA) serem libertados por lise da célula infetada e promoverem a expansão de células T efetoras contra outras células não infetadas, mas comProt.A. Antígenos de T.cruzi são responsáveis pela Daniela Pimenta 2020/2023 41 formação de anticorpos com reação cruzada contra proteínas do hospedeiro – mimetismo molecular. Por exemplo, anticorpos contra proteínas ribossomais de T.cruzi reconhecem o recetor beta-adrenérgico. Resumindo, os anticorpos podem levar à destruição do parasita, mas também às células do organismo do hospedeiro. Por outro lado, existem também células T citotóxicas (TCD8) predominantes no tecido cardíaco em indivíduos com miocardite chagásica crónica. Para além disso, os TCD4 também estão envolvido uma vez que a proteína de T.cruzi e a miosina cardíaca são semelhantes, sendo assim a miosina é reconhecida como antigénio, levando à sua destruição – hipersensibilidade retardada devido a INF-y e TNF-α. Diagnósticos de T.cruzi O diagnostico clínico é algo que compete aos médicos: - Região de precedência do indivíduo; - Vivido ou pernoitado em habitação com triatomíneos; - Transfusão sanguínea; - Chagoma, sinal de Romaña; - Crianças com febre, adenopatias, hepatoesplenomegalia e sintomas cardíacos; - Jovens com arritmias e insuficiência circulatória. No diagnóstico laboratorial é diferente consoante a fase da doença. Numa fase aguda o parasita está presente no sangue e na medula óssea, início de formação de anticorpos, nestes casos é útil o recurso ao exame parasitológico direto. No entanto poderá também ser útil recorrer a serologia (IgM e IgG), por imunofluorescência, hemaglutinação ou ELISA. Já na fase cronica existe uma baixa parasitémia e a presença de anticorpos. Assim nestes casos será útil recorrer a serologia (IgG). No entanto poderá ser usado também o exame parasitológico, recorrendo a cultura, xenodiagnóstico ou PCR. No exame parasitológico existem dois possíveis materiais biológicos: o Sangue; o Punção ou biópsia de gânglios, medula óssea ou músculo (como o miocárdio). Daniela Pimenta 2020/2023 42 É possível também efetuar o exame direto, quer a fresco, quer após coloração (esfregaços e gota espessa). É possível efetuar cultura, inoculação em animal, xenodiagnóstico e PCR. No xenodiagnóstico é preciso ter a cultura dos triatomíneos isentos de infeção. Posteriormente procuramos os tripomastigotas metacíclicos nas fezes. Um teste positivo significa que o hospedeiro está infetado. Prevenção e controlo Melhoria das condições de vida no campo, dos anexos peridomiciliares. Selecionar os dadores de sangue. Efetuar o tratamento das pessoas infetadas e utilizar inseticidas (deltametrina – 12 meses). Tratamento O tratamento pode ocorrer sob a forma terapêutica sintomático ou especifica (antiparasitária). Na primeira são usados cardiotónicos, antiarrítmicos ou eventuais cirurgias corretivas do esófago e do cólon. Na segunda são usados: Trypanosoma brucei Responsável por provocar a doença do sono. Existem cerca de 300 000 casos por ano, chegando às 50 mil mortes por ano. Cerca de 60 milhões encontram-se em risco. Na África Central Ocidental o Trypanosoma brucei gambiense é responsável por provocar a doença crónica. Já na África Sul Oriental o Trypanosoma brucei rhodesiense é responsável pela doença aguda. O Trypanosomoa brucei desenvolve-se no tubo digestivo da mosca Tsé-Tsé, no sangue, nódulos linfáticos e SNC de mamíferos. Os reservatórios animais mudam conforme a subespécie. No caso de Trypanosoma brucei gambiense ainda não se conhece nenhum reservatório animal, mas pensa-se que o porco Benznidazol (composto imidazólico) Nifurtimox (composto nitrofurânico) Daniela Pimenta 2020/2023 43 poderá sê-lo. Já no caso de Trypanosoma brucei rhodesiense são conhecidos quer animais de caça (antílopes, búfalos) quer animais domésticos (boi, carneiros). Os vetores também diferem entre as subespécies, embora pertençam ao mesmo género, Glossina. Os vetores que transmitem Trypanosoma brucei gambiense são o Glossina palpalis e o Glossina tachinoides e multiplicam-se nas margens dos rios. Já os vetores que transmitem Trypanosoma brucei rhodesiense são o Glossina morsitans e o Glossina pallidipes e os multiplicam-se nas savanas. Ciclo de vida de T. brucei – heteroxeno Durante uma refeição de sangue no hospedeiro mamífero, uma mosca tsé-tsé infetada (gênero Glossina) injeta tripomastigotas metacíclicos no tecido da pele. Os parasitas entram no sistema linfático e passam para a da corrente sanguínea (1). Dentro do hospedeiro, eles transformam-se em tripomastigotas da corrente sanguínea (2), são transportados para outros locais do corpo, atingem outros fluidos corporais (por exemplo, linfa, líquido espinhal) e continuam a replicação por de divisão binária (3). Todo o ciclo de vida dos tripanossomas africanos é representado por estágios extracelulares. A mosca tsé-tsé é infetada por tripomastigotas da corrente sanguínea ao alimentar-se de sangue de um hospedeiro mamífero infetado (4),(5). No intestino médio da mosca, os parasitas transformam-se em tripomastigotas procíclicos, multiplicam-se por de divisão binária (6), deixam o intestino médio e transformam-se em imagem epimastigotas (7). Os epimastigotas alcançam as Daniela Pimenta 2020/2023 44 glândulas salivares da mosca e continuam a multiplicação por divisão binária (8). O ciclo na mosca leva aproximadamente 3 semanas. Raramente, T. b. gambiense pode ser adquirido de forma congênita se a mãe for infetada durante a gravidez. A patologia inicia-se com a picada da tsé-tsé. Posteriormente ocorre o período de incubação assintomático (semanas a meses), o parasita atinge o sangue e pode atingir também os nódulos linfáticos. Durante o período em que o parasita circula entre estes dois fluidos surgem surtos febris (duração de 1-8 dias), mal-estar, cefaleias, erupção cutânea, náuseas, vómitos, alternando com ausência de sintomas. Se o parasita permanecer nestes dois fluidos é possível efetuar a cura. Caso não haja tratamento e o parasita atinga o sistema nervoso central e periférico origina meningoencefalite progressiva levando a alterações motoras, convulsões, hemiplegia e paraplegia, coma e podendo acabar em morte. O sinal de Winterbottom (adenopatias cervicais) é característico da doença do sono. Resumindo, esta doença tem duas fases, a primeira denominada de hemo-linfática, onde os tripanossomas são encontrados no sangue. Esta fase desenvolve-se 1-3 semanas após a mordida. O “Trypanome” forma-se na mordida após um período inicial de replicação no sangue. Os sintomas incluem: febre, inchaço dos gânglios linfáticos, dores de cabeça e esplenomegalia. A segunda fase é denominada de meningo-encefálica, onde os tripanossomas são encontrados no cérebro/LCR. O início varia dependendo das subespécies, mas primeiro os tripanossomas precisam de atravessar a BHE. Os sintomas são as mudanças comportamentais, confusão e distúrbios do sono. Trypanosoma brucei gambiense Existe uma evolução lenta, pois é responsável pela doença crónica (meses a anos). Possui baixas parasitémias e os sintomas incluem: febre irregular; dores musculares; anorexia; cefaleias; sonolência diurna; distúrbios do sono; desequilíbrios psiquiátricos e neurológicos e coma. Já os sinais incluem o aumento dos nódulos linfáticos frequentemente adenopatias cervicais sinal de Winterbottom e a hepatoesplenomegalia. Daniela Pimenta 2020/2023 45 Trypanosoma brucei rhodesiense Existe uma evolução rápida, pois é responsável pela doença aguda (semanas a meses). Possui uma elevada quantidade de parasitas no sangue e raras linfoadenopatias.Os sintomas incluem: febre e calafrios, cefaleias, confusão, alterações do estado de consciência e alterações de personalidade. Na ausência de tratamento ocorre a morte – 9 meses a 1 ano após o início da infeção. Diagnósticos de T.brucei No diagnóstico laboratorial é realizado com recurso a exame parasitológico, nestes casos as amostras biológicas podem ser: sangue; LCR, medula óssea e gânglios linfáticos. É possível também efetuar o exame direto a fresco ou após coloração por Giemsa. Após concentração: tripla centrifugação ou leucoconcentração. Não se consegue diferenciar as espécies pela morfologia. O diagnostico imunológico baseia-se na pesquisa de anticorpos no LCR ou no sangue. E é realizado por Imunofluorescência ou ELISA. As glicoproteínas variáveis de superfície são uma estratégia do parasita para fugir à nossa resposta imunológica. No entanto hipergamaglobulinémia e elevadas IgM no sangue e no LCR são sinais mais comuns deste parasita. Prevenção e controlo A proteção individual, através do uso de roupa adequada, tela e mosquiteiros para as camas, repelentes pode ser essencial, visto que ainda não há vacinação não há. Para controlo é essencial a eliminação do vetor através da remoção de arbustos ao longo dos cursos de água e pelo uso de inseticidas, mas também pelo tratamento das pessoas infetadas. Tratamento Numa 1ª fase (fase no sangue) é usada Suramina, que é ativo nas 2 espécies, e Pentamidina que apenas é ativo no T. brucei gambiense. Na 2º fase temos o Melarsoprol que é ativo nas 2 espécies, mas é muito tóxico para o Homem, e a Eflornitina, muito menos tóxico, mas apenas é ativo no T. brucei gambiense. Daniela Pimenta 2020/2023 46 Perguntas de autoavaliação 1- A forma infetante de Trypanosoma cruzi para o mamífero a) epimastigotas presentes na saliva do vetor biológico b) epimastigotas presentes no sangue do hospedeiro invertebrado c) amastigotas presentes nas fezes do vetor biológico d) tripomastigotas presentes nas fezes do triatomídeo 2- Transmissão ao Homem de Trypanosoma cruzi a) picada do barbeiro infetado com T. cruzi per se b) Transfusão sanguínea através da forma de amastigota c) Transplante de fígado através da forma amastigota d) Congénita através de promastigotas na placenta 3- A forma infetante de Trypanosoma brucei a) possui cinetoplasto b) vários flagelos exteriores livres c) invade os macrófagos locais d) é excretado nas fezes da mosca tsé-tsé 4- Qual o animal que poderá funcionar como reservatório de T. brucei rodhesiense? a) aves b) repteis c) animais de casco d) cães 5-A doença de Chagas pode trata-se com a) piremitamina b) benznidazol c) mebendazol d) betalactámicos Daniela Pimenta 2020/2023 47 6- O diagnóstico de T. cruzi a) pesquisa de amastigotas no sangue b) detecção de anticorpos no soro c) pesquisa de promastigotas na medula óssea d) pesquisa de epimastigotas no sangue 7- O parasita T. brucei gambiense a) é responsável por uma protozoose intestinal b) é um dos agentes etiológicos da doença de Chagas c) provoca uma doença aguda d) e um dos agentes etiológicos da tripanossomíase africana 8- Manifestações clínicas da fase hemolinfática da doença do sono a) tosse e dispneia b) febre regular c) convulsões e coma d) cefaleias, anorexia e linfoadenopatias 9- As VSG de T. brucei a) são responsáveis pela hipergamaglobulinémia caracteristica da tripanosomose africana b) são glicoproteínas responsáveis pelos baixos níveis de IgM no sangue e LCR c) imunodominantes para a resposta imune mediada por células d) não estão envolvidas na evasão imune do parasita 10- Doença de Chagas a) na fase crónica apresenta elevadas parasitémias b) a resposta imune não está envolvida na patogénese c) na fase crónica sintomática pode desenvolver-se cardiomegalia, megaesófago e megacólon d) na fase crónica pode aparecer um edema unilateral bipalpebral, adenopatias e febre Daniela Pimenta 2020/2023 48 Amebas Provocam amebíases que podem ser negleríases ou acantamebíases. Pertencem ao filo sarcomastigophora e ao sub-filo sarcodina. Relativamente a este sub-filo existem algumas características comuns, nomeadamente: o Protozoários que se movem por pseudópodes; o Possuem uma forma vegetativa (o trofozoíto) que provoca a patologia e que se multiplica por divisão binária e uma forma de resistência (o quisto). Amebas Parasitas e patogénicas Parasitas não patogénicas não parasitas, mas patogénicas Entamoeba histolytica Causa amebíases intestinais (disenteria amibiana) e amebíases extra-intestinais E. dispar/E. moshkovskii Entamoeba coli Iodamoeba butschlii Amebas que têm vida livre, vivem na água e terra húmida Entamoeba histolytica/ E. dispar/E. moshkovskii O trofozoíto é a forma que se multiplica e provoca a patologia. No caso da E. histolytica é a forma magna, histolítica ou forma grande hematófaga. No caso da E. dispar/E. moshkovskii é a forma minuta ou forma pequena comensal. O quisto é a forma infetante e é esférico com 4 núcleos. Ciclo de vida de Entamoeba histolytica – monóxeno O homem é o hospedeiro e o reservatório. Quistos e trofozoítos saem nas fezes (1). Os quistos são normalmente encontrados em fezes formadas, enquanto os trofozoítos são normalmente encontrados em fezes diarreicas. A infeção por Entamoeba histolytica (e E.dispar) ocorre através da ingestão de quistos maduros (2) presentes em alimentos, água ou mãos contaminados com fezes. A exposição a quistos e trofozoítos infeciosos na Daniela Pimenta 2020/2023 49 matéria fecal durante o contato sexual também pode ocorrer. A desenquistação (3) ocorre no intestino delgado e os trofozoítos (4) são libertados, e migram para o intestino grosso. Os trofozoítos podem permanecer confinados ao lúmen intestinal (A: infeção não invasiva) com os indivíduos continuando a eliminar os quistos nas fezes (portadores assintomáticos). Os trofozoítos podem invadir a mucosa intestinal (B: doença intestinal), ou vasos sanguíneos, atingindo locais extraintestinais como fígado, cérebro e pulmões (C: doença extraintestinal). Os trofozoítos multiplicam-se por divisão binária e produzem quistos (5), e ambos os estágios podem ser encontrados nas fezes (1). Os quistos podem sobreviver dias a semanas no meio externo e permanecer infeciosos no meio ambiente devido à proteção conferida pelas suas paredes. Os trofozoítos eliminados nas fezes são rapidamente destruídos uma vez fora do corpo e, se ingeridos, não sobreviveriam à exposição ao ambiente gástrico. A transmissão ocorre pela ingestão de quistos (fase infetante) através da via mão – boca; de água ou alimentos contaminados; da contaminação através de sexo não protegido e através de vetores mecânicos como moscas e baratas, que transportam os quistos Relativamente à epidemiologia, estas infeções ocorrem em cerca de 10% da população mundial. Existem cerca de 48 milhões de casos de amebíase por ano e 40 a 110 mil mortes (OMS). É a causa de morte parasitária a seguir à malária e à esquistosomose. Existe nas áreas tropicais e subtropicais e também em climas frios e em locais onde as fezes humanas são usadas como fertilizantes, áreas sem saneamento, hospitais psiquiátricos, prisões e lares – são cosmopolitas. Têm uma maior prevalência nas comunidades homossexuais e as principais fontes de infeção amebiana são os pacientes assintomáticos e crónicos – eliminam quistos e não são tratados devido à ausência de sintomas. A nível da clínica: A sintomatologia depende quer da localização do parasita no hospedeiro, quer da extensão da invasãodos tecidos. Amebíase intestinal não-invasiva – Existe ausência de sintomatologia (portadores assintomáticos); o parasita possui baixa virulência. Está associada a baixos inóculos no hospedeiro e a um sistema imunológico competente Daniela Pimenta 2020/2023 50 Amebíase intestinal sintomática – designada de colite amebiana ou disenteria amebiana. Causa dores abdominais, febre, diarreia, flatulência, obstipação alternada ou não com diarreia. As fezes aparecem com sangue e/ou pus e muco (necrose dos enterócitos). Podem existir infeções bacterianas secundárias devido à lesão na mucosa intestinal. Ocorre perda de peso, anorexia, fadiga crónica e nervosismo. Amebíase extraintestinal (>50% fora do intestino) o Amebíase hepática Caracterizada por: abcesso hepático com ou sem pneumonia amebiana (abcesso em “botão de camisa”); dor abdominal direita (pode sugerir cólica biliar); febre irregular e intermitente, com calafrios, suores, náuseas e vómitos. Ocorre também fígado aumentado e doloroso, fraqueza e perda de peso, pode ocorrer icterícia. o Amebíase pulmonar Em 50% dos casos há também amebíase hepática. É caracterizada por dispneia, febre, dores torácicas, tosse. No estádio de abcesso a expetoração aumenta, pode tornar-se hemorrágica e possui a cor de tomate, ou chocolate onde raramente se encontram amebas. o Amebíase encefálica; o Amebíase cutânea; o Amebíase vaginal. Diagnósticos de E. histolytica No diagnóstico laboratorial é realizado com recurso a exame parasitológico, nestes casos as amostras biológicas podem ser: fezes, material da sigmoidoscopia, punções e biopsias de abcessos. É realizada a observação microscópica de preparações a fresco com e sem lugol e de preparações definitivas (coloração com hematoxilina-férrica – é extemporânea, isto é, dura apenas dias e por isso não é comum ser efetuado a não ser que seja feito o pedido. Devido a isto pode não ser possível ver a ameba). Daniela Pimenta 2020/2023 51 É realizada a identificação de quistos/trofozoítos (nas fezes) e/ou de trofozoítos nas biópsias e punções. A identificação é feita com base: o Tamanho; o Características nucleares (nº de núcleos, posicionamento das estruturas nucleares); o Presença de outras estruturas e características: inclusões citoplasmáticas, mobilidade. É importante ter em conta que E. histolytica/E. dispar/E. moshkovskii não se distinguem morfologicamente. Para além do diagnostico parasitológico, é possível recorrer também a culturas (só em laboratórios de referência e não de rotina), a deteção de antigénio nas fezes (ELISA, EIA, imunocromatográficos) e recorrendo a PCR. O diagnóstico Imunológico tem como amostra biológica o soro, e nesta é realizada a pesquisa de anticorpos, por ELISA, imunofluorescência indireta (IFI) ou hemaglutinação indiretas. Este diagnostico tem maior importância nas amebíases invasivas uma vez que nestas há elevada quantidade de períodos negativos na libertação de quistos, o que faz com que os quistos possam nunca ser observados nas fezes. É importante ter em conta que uma IgM é positiva apenas na fase aguda, enquanto a IgG se mantém para toda a vida. Neste caso quando IgM dá positiva 98,9% é devido à infeção por este parasita. Prevenção e controlo Como a transmissão é fecal-oral, é importante efetuar a descontaminação da água (fervura e cristais de iodo), a lavagem adequada dos alimentos. Evitar o uso de fezes como fertilizante. Possuir uma boa higiene pessoal e saneamento. Proteger a comida das moscas e baratas e evitar o sexo não protegido Tratamento Na amebíase sintomática são utilizados Nitroimidazois como o metronidazol, o tinidazol e o ornidazol. Daniela Pimenta 2020/2023 52 Enquanto na amebíase assintomática são usadas dicloroacetamidas (possuem açã local, não são absorvidas no intestino acabando por se concentrarem no mesmo, onde matam as amebas em processo de enquistação – importante nos assintomáticos) como a furamida, a etofamida e a cefamida. É usada também paromomicina. Filo Apicomplexa Possuem um complexo apical – característica única. O núcleo é de um só tipo, existe a ausência de cílios e flagelos. São parasitas intracelulares obrigatórios e podem formar quistos. Os esporozoítos e merozoitos invadem as células do hospedeiro (mobilidade por deslizamento). Possuem ciclos de vida complexos, possuem reprodução sexuada (singamia) alternada com assexuada (esquizogonia ou endodiogenia). Estes parasitas possuem uma forma ovalada, zona anterior mais delgada e núcleo posterior. Além disso possui pelicula (1), microtúbulos subpeliculares (2) e complexo apical com conoíde (cone composto por espiral de filamento – A), com roptrias (2 ou mais – B) e micronemas (C). Invasão O parasita consegue aderir à célula do hospedeiro ocorrendo posteriormente reorientação do complexo apical, o que permite orientar o complexo apical para a membrana da célula do hospedeiro. Há produção da proteína AMA1 e RONs o que permite formar o complexo AMA1- RON que são essenciais para que o parasita invade a célula do hospedeiro (a AMA1 reveste todo o parasita e forma tight junctions com os filamentos de actina, levando à sua relocalização). Daniela Pimenta 2020/2023 53 No Phylum Apicomplexa, classe Sporozoea e na subclasse Coccidida temos duas ordens: Subordem eimeriina (não hemáticos) Família Crytosporidiidae o Género Crytosporidium: Cryptosporidium parvum Família Eimeriidae o Género Isospora: Isospore belli o Género Cyclospora: Cyclospora cayetanensis Família Sarcocystidae o Género Sarcocystis o Género Toxoplasma: Toxoplasma gondii Ooquisto maduro Ooquisto imaturo Ooquisto imaturo Subordem Haemosporina (hemático) Família Plasmodiidae o Género Plasmodium: Plasmodium sp Ooquisto desenvolve-se no vetor biológico (reprodução sexuada no vetor) Plasmodium spp A malária é um problema de saúde publica. É um problema global que afeta mais de 100 países. Cerca de 2 bilhões de pessoas vivem em áreas endémicas de malária: América Central e América do Sul, África, índia, China, Sudoeste Asiático, Oceânica. Ocorrem entre 200-300 milhões de casos clínicos/ano e 1-2 milhões de mortes/ ano, das quais 75% são crianças (idade inferior a 5 anos) e 90% em África. Quando controlada as mortes rondam os 750 mil por ano. A existência de resistência à cloroquina é responsável pelo aumento da mortalidade (4 a 8 vezes). Este género inclui os agentes etiológicos da malária e existem no total cerca de 155 espécies. Os hospedeiros vertebrados são répteis, aves, roedores, macacos e homem. Possuem especificidade para o hospedeiro e vetor (diferentes vetores para diferentes hospedeiros). O vetor biológico é um inseto, mosquito Anopheles. Apresenta especificidade para o hospedeiro e vetor. Daniela Pimenta 2020/2023 54 Espécies responsáveis pelo paludismo ou malária humana: Plasmodium falciparum – febre terçã maligna; Plasmodium vivax – febre terçã; Plasmodium ovale – febre terçã; Plasmodium knowlesi – febre terçã; Plasmodium malariae – febre quartã. Distribuição geográfica - Plasmodium Plasmodium Localização Plasmodium falciparum Zonas tropicais e subtropicais, é o dominante dos trópicos Plasmodium vivax Distribuição ampla, é encontrado na maioria das regiões endémicas Plasmodium ovale É raro e é encontrado principalmente em África (sul e ocidente) Plasmodium malária Zonas tropicais e subtropicais, = à do P. falciparum, mas menos comum Plasmodium knowlesi Tailândia,Malásia e Filipinas O P. knowlesi é originário de símios. O Primeiro caso humano foi descrito em 1965. Possui como vetores Anopheles hackeri e A. Latens. Existem casos graves e óbitos descritos. Morfologicamente confunde-se com P. falciparum e P. malariae. Malária importada – ocorre devido a viagens para áreas endémicas (turismo, trabalho e ações militares) e devido a imigrantes de áreas endémicas, o que deu origem à malária na Europa e nos EUA. Nos USA são reportados 1000 casos/ano de malária importante dos quais 40% são P. falciparum (maioria fatais). Paludismo dos aeroportos – Os mosquitos (géneros Anopheles) embarcam a bordo dos aviões durante escalas em zonas endémicas. A primeira descrição foi feita em 1977 e foram reportados dezenas de casos descritos na Europa. A maior parte dos bagageiros começaram a ter sintomas e percebeu-se que vinham os mosquitos nas malas pois estas pessoas não tinham viajado para zonas endémicas nem feito transfusões de sangue. Por este motivo, atualmente, são feitas pulverizações quando há viagens para estes locais. Daniela Pimenta 2020/2023 55 Vias de transmissão - por picada de insetos fêmeas da família Culicidae, género Anopheles (vetor biológico) – é o que apresenta maior expressão epidemiológica; - transfusão sanguínea; - transmissão congénita (rara); - transplante hepático; - acidental (agulhas, seringas entre toxicodependentes). Ciclo de vida de Plasmodium – heteroxeno O ciclo de vida do parasita da malária envolve dois hospedeiros. Durante uma refeição de sangue, um mosquito Anopheles fêmea infetado com malária inocula os esporozoítos no hospedeiro humano (1). Os esporozoítos infetam as células hepáticas (2) e amadurecem em esquizontes (3), que rompem e libertam os merozoítos (4). (De notar, em P. vivax e P. ovale uma fase dormente [hipnozoitos] pode persistir no fígado e causar recaídas ao invadir a corrente sanguínea semanas, ou mesmo anos mais tarde). Após esta replicação inicial no Daniela Pimenta 2020/2023 56 fígado (esquizogonia exo-eritrocítica (letra A)), os parasitas sofrem uma multiplicação assexuada nos eritrócitos (esquizogonia eritrocítica (letra B)). Os merozoítos infetam os glóbulos vermelhos (5). Os trofozoítos em fase anelar amadurecem em esquizontes, que se rompem libertando os merozoítos (6). Alguns parasitas diferenciam-se em fases eritróciticas sexuais (gametócitos) (7). Os parasitas em estádio sanguíneo são responsáveis pelas manifestações clínicas da doença. Os gametócitos, macho (microgametócitos) e fêmea (macrogametócitos), são ingeridos por um mosquito Anopheles durante uma refeição de sangue (8). A multiplicação dos parasitas no mosquito é por reprodução sexuada e conhecida como o ciclo esporogónico (letra C). Enquanto no estômago do mosquito, os microgâmetas penetram nos macrogâmetas gerando zigotos (9). Os zigotos, por sua vez, tornam-se móveis e alongados (oocinetos) (10) que invadem (possuem capacidade de invasão para formar o ooquisto) a parede central do mosquito onde originam ooquistos (11). Os oocistos crescem, rompem e libertam esporozoítos (12), que se dirigem para as glândulas salivares do mosquito (que é deitada no sangue durante a picada para evitar a coagulação do sangue). A inoculação dos esporozoítos num novo hospedeiro humano perpetua o ciclo de vida da malária. Os precursores dos gametas circulam no sangue do hospedeiro e é no vetor que originam os gametas, devido à diminuição da temperatura de 37oC para 20oC. Proteínas de superfície nos organelos apicais dos merozoítos – as proteínas de superfície nos organelos apicais dos merozoítas são capazes de mediar o reconhecimento e a invasão. Existem três exemplos para a entrada do parasita no glóbulo vermelho. o Proteínas dos micronemas: - EBA-175 é um antigénio de superfície – liga-se à glicoforina A dos GV; - EBA 140 – liga-se à glicoforina C dos glóbulos vermelhos. o Proteínas de superfície: - MSP-1 – Reconhece do eritrócito de forma depende do ácido siálico. Como é que os parasitas se nutrem dentro do glóbulo vermelho? Através da degradação da hemoglobina. Daniela Pimenta 2020/2023 57 O parasita depende da hemoglobina e vai viver à sua custa. O vacúolo digestivo possui um pH igual a 5,2, necessário para a ação das enzimas que vão degradar a hemoglobina: I. Entrada da hemoglobina; II. Ação da falcipaína; III. Falcilisina degrada a hemoglobina a peptídeos; IV. Degradação a dipeptidos pela ação da catepsina C; V. Gasto de energia; VI. Degradação dos aminoácidos simples. Os pequenos peptídeos são bombeados para o citoplasma por ação de ATP, posteriormente são convertidos em aminoácidos simples que entram na obtenção de energia do parasita. Da digestão da hemoglobina sobra o grupo heme, que é tóxico para o parasita, por biocristalização forma a hemozoína que não é tóxica para o parasita. Aspetos históricos da malária Referências bibliográficas: Chineses (2700 a.C); Hindus (1600 a.C); Europa com Hipócrates (séc V a.C); Sec XIX – designação de “mal’aria” (mau ar): com base na crença que era causada por vapores emanados dos pântanos; Plaudismo tem origem no latim “palus” – sol pantanoso; Em 1898 Ronanld Ross demonstrou a existência de Plasmodium no estômago do mosquito Proteases aspárticas: plasmepsinas I, II e III. Proteases da cisteína: falcipaínas. Metaloproteases: falcilisina Endopeptidase: catepsina C Daniela Pimenta 2020/2023 58 Anopheles, que o mosquito era vetor do parasita e descreveu o ciclo vital do parasita no interior do mosquito. Sinónimos de malária: paludismo, impaludismo, febre intermitente, febre terça benigna, febra terça maligna, febre quartã. No Brasil é conhecida por maleita, sezão, tremedeira, batedeira ou febre palustre. Caracterização geral É uma doença infeciosa febril aguda, causada por um protozoário unicelular, do género Plasmodium, caracterizada por ser acompanhada de calafrios, suores e cefaleias que ocorrem de forma cíclica dependendo das espécies do parasita infetante. O período de incubação depende da espécie, Plasmodium falciparum entre 7-15 dias, Plasmodium vivax/ovale entre 10-20 dias e Plasmodium malariae entre 20-40 dias. Evolução da doença Início de doença ocorre 2-3 dias antes do 1º acesso febril. Os sintomas associados são dores de cabeça, fadiga, dores musculares e ósseas, náuseas e anorexia (sintomas de gripe). O acesso febril (acesso palustre ou malárico) é caracterizado por episódios periódicos febris alternados com períodos sem sintomatologia. Inicialmente a febre pode ser irregular (assíncrona da esquizogonia – ainda não se encontram todos na mesma fase de crescimento). No decorrer da infeção ocorre esplenomegalia, hepatomegalia e anemia, trombocitopenia e nefrite. Também podem aparecer problemas neurológicos. A anemia malárica mata, tanto esta como a malária cerebral são as que mais preocupam. Malária- Gravidade da doença P. vivax P. ovale P. malariae P. falciparum Parasitas/mm3 (média) 20 000 9 000 6 000 50 000 – 500 000 Parasitas/mm3 (máximo) 50 000 30 000 20 000 2 500 000 Gravidade do acesso febril moderada a severa suave suave a moderada grave Duração da doença 3 - 8 semanas 2 - 3 semanas 3 - 24 semanas 2 -3 semanas Duração da infeção 5 a 8 anos 12 a 20 meses mais de 20 anos 6 a 17 meses Anemia ++ + ++ ++++ Complicações renais cerebrais Daniela Pimenta 2020/2023 59 Do quadro concluímos que, 40 – 50% dos glóbulos vermelhos podem estar parasitados com P. falciparum.A duração da doença em P. malariae pode rondar os 3-4 meses, o que é grave uma vez que ocorre a contínua formação de anticorpos contra o parasita, e a formação de complexos pode originar doenças renais. Doença Acesso malárico ou palustre simples – 1º sintoma do ciclo eritrocitário: o Arrepios e tremores; o Febre – a temperatura sobe durante 3 a 8 horas (máximo de 40 a 42oC); o Suores profusos, diminuição da febre e estado de grande fadiga. Esquizogonia eritrocitária e registo da temperatura No primeiro dia ocorre o rebentamento do esquizonte, responsável pelo acesso febril. No segundo e no terceiro dia não existe febre, estamos no período afebril. No quarto dia volta a haver febre devido ao rebentamento do esquizonte – febre quartã. No primeiro dia ocorre o rebentamento do esquizonte, responsável pelo acesso febril. No segundo dia pode haver uma redução subtil da temperatura (P. falciparum) ou não existir febre e estarmos no período afebril (P. vivax e P. ovale). No terceiro dia voltamos a ter febre intensa – febre terçã (maligna em P. falciparum). Daniela Pimenta 2020/2023 60 Doença – P. falciparum O acesso pernicioso é acompanhado de febre 40-41˚C, anemia, icterícia, hemoglobinúria (“black water fever”), insuficiência renal aguda, insuficiência pulmonar aguda e problemas neurológicos – malária cerebral. Quando ocorre o rebentamento do esquizonte o individuo passa a apresentar febres muito altas que diminuem bruscamente no final do segundo dia, antes de subirem novamente. As temperaturas mantêm-se altas até à descida brusca. Relativamente à evolução do acesso pernicioso, as crianças e adultos não imunes morrem no espaço de 3 dias. No entanto, sob tratamento rápido os problemas desaparecem normalmente sem sequelas nos adultos, mas as crianças podem ficar com problemas neurológicos residuais. Este parasita pode originar também malária grave em grávidas, responsável por: o pré-eclâmpsia (hipertensão acompanhada de edema e proteinúria após a segunda semana) e eclâmpsia (mortal); o hipoglicémia; o toxemias nefríticas; o morte; o prematuridade, sofrimento fetal, aborto, morte fetal – pela diminuição de aporte sanguíneo e não por ser contaminado pelo parasita uma vez que as hemoglobinas fetais não são utilizadas pelo parasita, logo a malária não é transmissível de mãe para filho). Para além desta situação, pode originar também malária grave em lactentes e crianças: o primeiros meses de vida – imunidade passiva recebida da mãe (apenas em zonas endémicas); o 1 ano – 80 a 90% com incidência parasitária; o nos primeiros 5 anos de vida – grave e fatal taxa de mortalidade máxima nos primeiros 2 anos de vida; o > 5 anos – elevado nível de imunidade (75% parasitémias assintomáticas). Daniela Pimenta 2020/2023 61 Malária cerebral É responsável por 80% das mortes devido a malária. Os sintomas podem variar consideravelmente, normalmente sugere uma encefalite ou de meningite, outras vezes alcoolismo, tétano, epilepsia. Na encefalopatia difusa com perda de consciência o acesso pode ser rápido ou gradual, existe confusão mental e não há resposta a estímulos de dor, visuais ou verbais, podem surgir convulsões que levam ao coma e morte. Citoaderência, alterações circulatórias e disfunções metabólicas O recetor das células endoteliais, ICAM-1, permite a ligação dos glóbulos vermelhos parasitados às células endoteliais, fazendo com que aqueles fiquem aprisionados culminando na diminuição do fluxo sanguíneo, provocando a falta de oxigenação nos órgãos. A PfEMP-1 é a proteína do parasita exportada para a membrana do eritrócito e a que se liga ao recetor ICAM-1. Esta ligação leva à produção de NO e consequentemente leva à apoptose das células endoteliais. A densidade de plaquetas também aumenta no cérebro durante a malária grave e aumenta o dano endotelial, a deposição de fibrina e o comprometimento da microperfusão. A libertação do fator de crescimento tumoral (TGF)-β1 pelas plaquetas induz a apoptose das células endoteliais. Os monócitos ativados aumentam a produção de INF-γ e TNF, levando à alteração da adesão entre as células endoteliais. Os linfócitos T CD8 também foram implicados no desenvolvimento da patogénese da malária cerebral, alterando a barreira das células endoteliais por causarem citotoxicidade. Daniela Pimenta 2020/2023 62 Imunopatologia da malária a. Rebentamento do glóbulo vermelho leva à diminuição da quantidade destas células que só por si não justifica anemia devido à nova produção de eritrócitos. b. Glóbulos vermelhos revestidos por antigénios parasitários leva à eliminação daqueles por fagocitose por parte dos macrófagos. c. Há autoanticorpos produzidos contra os glóbulos vermelhos normais, o que faz com que os mesmos sejam fagocitados. d. A fagocitose leva à produção de TNF que diminui diretamente a produção de eritrócitos na medula. Esplenomegalia – células B esplénicas, IgM no soro e Ac(s) específicos; Complicações renais – complexos Ag-Ac depositam-se no glomérulo. Diagnóstico clínico o Sintomas incluem arrepios, febre, suores, dores de cabeça (acesso palustre); o Febre com carácter intermitente (periodicidade de 48h ou 72h); o Residência ou procedência de zona endémica de malária; o História clínica anterior semelhante; o Esplenomegalia; o Anemia; o Resposta favorável e rápida a fármacos antimaláricos. O diagnóstico laboratorial passa pela: observação microscópica do parasita no sangue periférico; ´ deteção de antigénios parasitários; deteção de DNA parasitário; pela deteção de anticorpos (Falciparum –spot IF; malária IgG Celisa). Daniela Pimenta 2020/2023 63 Existem algumas informações importantes a recolher do doente: o Onde esteve? o Já teve malária? Sabe que espécie de Plasmodium? o Que profilaxia utilizou – a quimioprofilaxia pode alterar o tempo de incubação? o Fez alguma transfusão de sangue? o Houve risco de transmissão por picada de agulha? o Na altura da colheita estava com febre? o Qual a periodicidade da febre? Demonstração microscópica do parasita no sangue - Coloração por Giemsa; - Objetiva de imersão (ampliação de 1000x) – tem de ver 200-3000 campos e em 15 minutos não pode dar um resultado negativo. Esta técnica necessita de um observador experimentado. Gota espessa – só dá positivo ou negativo, não conseguindo haver distinção da espécie (não se observam os glóbulos vermelhos intactos pois eles são destruídos. É mais sensível e observam-se glóbulos brancos, plaquetas e parasitas. Esfregaço sanguíneo – permite distinguir as espécies, grau de parasitémia e as várias formas do parasita. As formas parasitárias no sangue englobam o trofozoíto jovem em forma de anel, o trofozoíto maduro, o esquizonte e os gametócitos. O diagnostico pode ser difícil uma vez que até se atingir o esquizonte podemos ter 30, ou mais, formas sanguíneas diferentes. No caso de Plasmodium falciparum são 26. Deteção de antigénios parasitários Podem ser efetuados testes de diagnostico rápido (TDRs), isto é, testes imunocromatográficos. O ParaSight-F deteta a proteína 2 Rica em Histidina, HRP-2. de Plasmodium falciparum, e por isso dá apenas positivo ou negativo para P. falciparum. Este teste é estável a temperaturas tropicais e subtropicais, para além de não necessitar de ida ao laboratório. Daniela Pimenta 2020/2023 64 Os aspetos negativos incluem o facto de não ser possível diferenciar todas as espécies e não ser quantitativo – não dá a parasitémianão sendo útil no controlo. O OptiMAL deteta a lactado desidrogenase e permite distinguir P.f de P.v. Deteção de DNA parasitário – PCR O gametócito de P. vivax não difere do P. ovale, do P. malariae nem do P. knowlesi, assim sendo não é possível distinguir através da morfologia, pelo que é necessário efetuar métodos bioquímicos como PCR. O PCR deteta todos os parasitas, deteta mistura de parasitas e consegue semi-quantificar os mesmos. O PCR real time consegue quantificar a parasitémia. Prevenção e controlo É importante ter em conta que não existem vacinas comerciais. Sendo assim é necessário efetuar a proteção contra as picadas do mosquito e recorrer a medicação preventiva. O controlo passa por reduzir o contacto homem-mosquito. Esta ação pode ocorrer através da: o redução o vetor – por modificação ambiental e/ou utilização de larvicidas/ inseticidas. o redução do reservatório do parasita – efetuando o diagnóstico e tratamento e recorrendo à profilaxia terapêutica. Tratamento Os mais ativos são os derivados da artemisina. As recidivas ocorrem com P. vivax e P. ovale. A utilização da Hb é o alvo no caso dos esquizonticidas hemáticos. Daniela Pimenta 2020/2023 65 Os gametocitocidas evitam a transmissão para o vetor. Os esporozoítos permanecem apenas 20 minutos no sangue, sendo assim, os fármacos que atuam nestes têm menor eficácia sendo útil conjugar com os esquizonticidas tecidulares. A primaquina inibe a transferência de eletrões na cadeia de eletrões. Os anti-folatos inibem a síntese de DNA. O tratamento de malaria por P. falciprum é diferente do tratamento de malaria por outros parasitas. Tratamento de malaria não complicada por P. falciparum o Terapêutica combinada não baseada na artemisina – sulfadoxina-pirimetamina mais cloroquina (SP+CQ); sulfadoxina-pirimetamina mais amodiaquina (SP+AQ); o Terapêutica combinada baseada na artemisina: - Em locais sem multirresistência – artesunato mais amodiaquina (AS+AQ); artesunato mais sulfadoxina-pirimetamina (AS+SP); - Em locais com multirresistência – artesunato mais mefloquina (AS+MQ); artemeter mais lumefantrina (AL). Alcalóides da cinchona Quinina, Quinidina 4-aminoquinolinas Cloroquina, Amodiaquina 8-amnoquinolinas Primaquina 4-quinolinometanóis Mefloquina 9-fenantrenometanóis Halofantrina Derivados da acridina Quinacrina Derivados da artemisina Artesunato, Artemeter Anti-folatos Pirimetamina, Proguanilo (inibidores da DHFR) Sulfadoxina (inibidores da DHPS) Antibióticos Tetraciclina, Clindamicina Combinações Sulfadoxina + Pirimetamina (SP) Proguanilo + Atavaquone (PA) Artemeter + Lumefantrina (AL) Daniela Pimenta 2020/2023 66 Tratamento de malaria não complicada por P. falciparum na gravidez o Primeiro trimestre – quinina, cloroquina, clindamicina e lumefantrina. Pode haver associação de quinina com clindamicina. o Segundo e terceiro trimestres – derivados da artemisina, derivados da mefloquina em monoterapia, sulfadoxina-pirimetamina, clindamicina-quinina e artesunato- clindamicina. Tratamento de malaria severa por P. falciparum – artesunato, artemeter ou quinina (todos por via parenteral). Tratamento de malaria não complicada por P. vivax, P. ovale ou P. malariae – cloroquina, cloroquina mais primaquina (P. vivax e P. ovale), amodiaquina, mefloquina e quinina (P. vivax cloroquina resistente). Em casos de malaria severa de P. vivax o tratamento pode ser o mesmo que na malaria severa por P. falciparum. Quimioprofilaxia da malária Cloroquina-sensível Cloroquina-resistente Mefloquina-resistente Cloroquina Intolerância ou contraindicação Mefloquina Mefloquina Malarone® Doxiciclina Malarone® Doxiciclina Atualmente existe uma vacina, a RTS.S/ASO1 ou Mosquirix, utilizada em crianças em zonas endémicas de risco moderado a elevado. Perguntas de autoavaliação 1. Protozoários do Filo Apicomplexa a) Possuem flagelos b) Possuem cílios c) São parasitas extracelulares Daniela Pimenta 2020/2023 67 d) Possuem roptrias, micronemas e conóide 2. Filo Apicomplexa a) Ciclos de vida simples com reprodução assexuada por divisão binária b) Ocorre a reprodução sexuada por bipartição c) Ocorre a multiplicação assexuada por divisão múltipla d) No processo de esporogonia formam-se merozoítos 3. Plasmodium spp. a) o ciclo esquizogónico eritrocitário inicia-se com a invasão dos glóbulos vermelhos pelos esporozoítos b) a gametocitogénese ocorre nos glóbulos vermelhos com a formação dos gametócitos c) o ciclo assexuado inicia-se quando o mosquito fêmea Anopheles ingere gametócitos d) ciclo esquizogónico exo-eritrocitário inicia-se com a aderência de merozoítos aos hepatócitos 4. A transmissão da malária ao homem pode ocorrer através de a) gametócitos de Plasmodium sp. presentes na saliva do vector biológico b) merozoítos sanguíneos aquando de uma transfusão c) esporozoítos aquando de partilha de seringas d) gâmetas presentes no sangue 5. Malária a) por P. vivax pode durar mais de 20 anos b) por P. malariae provoca elevadas parasitémias (50 000 a 500 000 parasitas/mm3) c) Por P. falciparum pode levar a quadros severos de anemia e a complicações cerebrais d) Por P. ovale pode levar a complicações renais 6. Acesso palustre simples a) Sintomatologia associada á esquizogonia exo-eritrocitária Daniela Pimenta 2020/2023 68 b) Em termos cronológicos caracteriza-se por suores, febre e calafrios c) A repetição do acesso é independente da espécie de Plasmodium d) Está associado à ruptura dos glóbulos vermelhos com libertação do parasita 7. Malária cerebral a) Complicação grave por P. malariae b) Associada á deposição de complexos antigénio-anticorpo nos capilares sanguíneos c) Não está associada à resposta imune do hospedeiro d) Associada a problemas neurológicos como convulsões e coma 8. Tratamento da malária a) Mefloquina em infeções por P. falciparum resistentes e multirresistentes b) Utiliza-se primaquina como fármaco de 1ª escolha c) A associação pirimetamina/sulfadoxina em zonas endémicas de P. falciparum sensíveis à cloroquina d) A quinina é utilizada com muita frequência 9. Diagnóstico de P. falciparum a) No esfregaço sanguíneo observa-se com frequência os esquizontes b) Os trofozoítos aparem em banda equatorial c) No sangue periférico pode aparecer gametócitos em forma de banana d) É raro observar-se pluriparasitismo nos G.V. 10. Prevenção da malária a) Utilização de vacinas b) Evitar a permanência ao ar livre durante as horas quentes do dia c) Evitar beber água de pouca confiança d) Profilaxia terapêutica adequada Daniela Pimenta 2020/2023 69 Resistência aos antimaláricos O vetor injeta 10 esporozoítos injetados pelo mosquito. O esquizonte hepático possui cerca de 30 mil merozoítos, quando aqueles rebentam há libertação de cerca de 100 000 a 300 000 merozoítos na corrente sanguínea. Estes invadem os glóbulos vermelhos e iniciam a reprodução assexuada, por cada ciclo aumentamos cerca de 10x o parasita. Demora cerca de 3 ciclos (6 dias) até termos entre 108-109 e aparecerem os sintomas (na população imune, locais de transmissão baixa, onde as pessoas são infetadas até 3 vezes no ano). Na população imune, em locais de transmissão elevada (Africa), existem sempre parasitas no sangue, ao longo da vida, e por isso o número de parasitas necessário para haver sintomatologia é de 1010-1011. Os antimaláricos eliminam 10-1 – 10-4 parasitas por ciclo, isto significa queem dois ciclos assexuados eliminamos a maior parte dos parasitas (usando o antimalárico mais eficaz). Controlo da malária Eliminação do vetor: o Remoção dos locais de reprodução; o Uso de inseticidas – resistência do mosquito aos inseticidas; o Prevenção do contacto com humanos. A exposição de várias gerações de mosquitos aos inseticidas e a sua elevada taxa de reprodução pode levar à resistência permitindo a sua sobrevivência mesmo na presença dos inseticidas. A classe de inseticidas mais utilizada no controlo da malária são os piretroides porque, apesar dos elevados níveis de resistência, apresentam elevada segurança, elevada eficácia, longa duração de ação e baixo custo Tratamento: o Antimaláricos – resistência do parasita aos antimaláricos; A terapêutica combinada desacelera a emergência da resistência. A primeira escolha são os ACT (Artemisinin-based combination therapies). Verifica-se que nas zonas endémicas de malária já há basicamente resistência a todos os antimaláricos. Daniela Pimenta 2020/2023 70 Administração de vacina efetiva: o RTS,S/AS01 (Plasmodium falciparum) é recomendada em crianças em risco (WHO, 6 outubro 2021). Atualmente P. falciparum é resistente à cloroquina, a anti-folatos (sulfadoxina-pirimetamina), a atovaquona, a mefloquina a piperaquina, a artemisinina e ACT. P. vivax é resistente à cloroquina, a anti-folatos (sulfadoxina-pirimetamina) e ATC. Resistências em P. malariae e P. ovale é rara de ocorrer. Qual a razão do fracasso do tratamento? O fracasso do tratamento ocorre quando não conseguimos eliminar o parasita ou quando não conseguimos prevenir o reaparecimento do parasita após a administração dos antimaláricos. A primeira razão é a resistência aos antimaláricos e a segunda é da concentração reduzida do fármaco no local da ação, esta última pode ocorrer devido a vários fatores, tais como: o Dose incorreta; o Fraca adesão à terapêutica (compliance); o Baixa qualidade do fármaco; o Interações com outros fármacos; o Variações individuais. Existem vários fatores que determinam a propensão para o desenvolvimento da resistência: - Frequência intrínseca de alterações genéticas associadas à resistência – o aumento desta frequência aumenta a probabilidade de vir a desenvolver resistência (pode ou não ser eliminada, dependendo do seu grau); - Grau de resistência; - Custo biológico do mecanismo de resistência; - Número de parasitas; - Pressão seletiva decorrente do uso indevido de antimaláricos promove a morte de parasitas suscetíveis e favorece a sobrevivência dos resistentes; Daniela Pimenta 2020/2023 71 - Perfil de imunidade adquirida da população – o aumento da probabilidade de eliminação de resistência é em locais onde há imunidade uma vez que os parasitas são eliminados pelo sistema imunológico independentemente da sua resistência. Em locais com baixa imunidade aumenta a probabilidade de resistência; - Presença concomitante de outros fármacos antimaláricos para os quais os parasitas são suscetíveis: terapêutica combinada. Emergência de resistência aos antimaláricos Existem duas fases. Primeiro há sempre um evento genético inicial que pode causar resistência. É designado de emergência de novo, normalmente é raro e espontâneo, corre independentemente da presença do fármaco, pode ocorrer em eventos simples ou múltiplos e elementos genéticos móveis não estão envolvidos. Em segundo ocorre a seleção desses parasitas resistentes. Para que ocorra seleção é importante falar de imunidade, fármacos com fases de eliminação longas e resistência cruzada. Posteriormente, e devido aos gametócitos, ocorre disseminação da resistência. A seleção em locais de transmissão baixa é mais provável pois os parasitas não são eliminados pelo sistema imunitário. É mais fácil selecionar o parasita com fármacos longos, uma vez que pode existir a presença da dose em quantidades subterapêuticas após a paragem da toma. Resistência aos antimaláricos – base molecular Existem alterações genéticas relacionadas com mutações e amplificações, que podem afetar alvos terapêuticos ou bombas de influxo/efluxo. ▪ Alvos terapêuticos: o Pirimetamina, cicloguanil e clorcicloguanul: mutações no gene dhfr; o Sulfonamidas e sulfonas: mutações no gene dhps. ▪ Bombas de influxo/efluxo: o Cloroquina: mutações no gene crt; o Mefloquina: amplificações do gene mdr. Daniela Pimenta 2020/2023 72 Resistência à cloroquina O primeiro caso de resistência ocorreu 10 anos após a sua introdução no mercado, na fronteira entre a Tailândia e o cambodja, posteriormente disseminou-se para o sudeste asiático (transmissão baixa), chegando a Africa. A disseminação evoluiu e atualmente existe resistência em todas as áreas endémicas em P. falciparum e uma resistência crescente em P. vivax. A cloroquina atua na via de desintoxicação do heme, impedindo a formação da hemozoína. O parasita, nos vacúolos digestivos, tem a capacidade de degradar a hemoglobina de modo a obter aminoácidos essenciais. Em consequência desta degradação, há uma grande libertação de grupos heme que são tóxicos para o parasita. No entanto, este tem a capacidade despolimerizar estes monómeros em cristais de hemozoína. Principal via de ação: A cloroquina, sendo uma base fraca, circula no sangue com uma carga neutra que lhe permite fluir através das membranas. Devido ao gradiente de pH, a cloroquina tem a capacidade de permear o vacúolo digestivo do parasita (por difusão passiva) onde o pH ácido leva à sua rápida protonação, o facto de passar a apresentar carga positiva impede que a mesma saia do vacúolo. Dentro do vacúolo, a cloroquina inibe a desintoxicação do heme ligando-se e impedindo a sua polimerização e formação de hemozoína. Deste modo, o grupo heme fica livre e, dada a sua toxicidade, acaba por matar o parasita e lisar glóbulo vermelho. Este fármaco pode atuar também inibindo o uptake e a degradação de hemoglobina, impedindo a utilização de aminoácidos essenciais como fonte de energia. Devido ao seu mecanismo é considerado um esquizonticida hemático e gametocitocida, no entanto não atua em gametócitos de P. falciparum. Mecanismos de resistência – Plasmodium falciparum A resistência à cloroquina é multigénica: 1. Gene pfcrt ou pvcrt (P. vivax) Codifica um transportador da membrana do vacúolo digestivo. O que mais sofre alteração é o gene (no cromossoma 7) que codifica a proteína CRT (possui 424 aa). Daniela Pimenta 2020/2023 73 Mutação inicial comum: Lys76Thr (substituição da lisina (+) pela trionina (0)) faz com que o transportador passe a apresentar carga nula, o que permite o efluxo da cloroquina para fora do vacúolo digestivo, uma vez que a cloroquina, com carga positiva no interior do vacúolo, pode ligar à trionina ao contrário do que acontecia com a lisina. 2. Gene pfmdr1 ou pvmdr1 (P. vivax) Codifica um transportador da membrana do vacúolo digestivo, o MDR1. O que mais sofre alteração é o gene (no cromossoma 5) que codifica a proteína PfMDR1 ou Pgh-1 (possui 1419 aa). Mutação: Asn86Tyr, a mutação leva à substituição da asparagina por um aminoácido mais polar, a tirosina, que interfere na capacidade de ligação e transporte da cloroquina, levando à redução do transporte ativo da cloroquina para dentro do vacúolo digestivo. 3. Gene pfmrp Codifica um transportador da membrana plasmática. O que mais sofre alteração é o gene (no cromossoma 1) que codifica a proteína PfMRP (possui 1822 aa). Mutação: Tyr191His, Ala437Ser provoca o efluxo da cloroquina para fora do parasita. Resistência à Sulfadoxina-pirimetamina (SP) O primeirocaso de resistência ocorreu na fronteira entre a Tailândia e o cambodja, posteriormente disseminou-se para o sudeste asiático (transmissão baixa), chegando a Africa. A disseminação evoluiu e atualmente pensa-se que existe resistência na Bolívia e no Brasil. Mecanismo de ação: atua na síntese do ácido fólico e provoca o bloqueio sinérgico da divisão celular. Devido a este mecanismo é esquizonticida tecidular e hemático. Mecanismos de resistência Envolve a aquisição sequencial de mutações. Daniela Pimenta 2020/2023 74 Relativamente à pirimetamina surge resistência devido a alterações no gene e dhfr (codifica a dihidrofolato redutase) presente no cromossoma 4. No Plasmodium falciparum o gene é o pfdhfr. Segunda e terceira mutações podem ser Cys50Arg/Asn51Ile ou Asn51Ile/Cys59Arg que levam à presença de resistência a pirimetamina, já a quarta mutação é Ile164Leu que leva a elevada resistência a SP. A mutação inicial ocorre em Ser108Asn ou Ser108Thr e são a chave para a resistência à pirimetamina. No P. vivax o gene é o pvdhfr. A primeira mutação ocorre posições 58 (Ser58Arg) e 117 (Ser117Asn ou Ser117Thr). A segunda nas posições 57 (Phe57Leu ou Phe57Ile) e 61 (Thr61Met) e a terceira na posição 13 (Ile13Leu). Relativamente à sulfadoxina surge resistência devido a alterações no gene e dhps (codifica a dihidropteroato sintetase) presente no cromossoma 8. No Plasmodium falciparum o gene é o pfdhps. Mutação inicial ocorre em Ala437Gly. Segunda mutação ocorre em Ser436Ala ou Ala581Gly e a terceira mutação em Lys540Glu ou Ala613Ser. No P. vivax o gene é o pvdhps e a alteração ocorre nos aminoácidos 382, 383 (Ala383Gly), 512, 553 (Ala553Gly), 585. Resistência à Mefloquina (MQ) A mefloquina é uma base fraca que atua na via da desintoxicação do heme no vacúolo digestivo e inibe o influxo de solutos para dentro do vacúolo digestivo. Possui também um alvo fora do vacúolo digestivo – leva à inibição da síntese proteica por atuar na subunidade 80S do ribossoma. É um esquizonticida hemático. Mecanismo de resistência 1. Gene pfmdr1 ou pvmdr1 (P.vivax) Amplificação que leva à superexpressão do transportador promovendo o aumento do transporte ativo da mefloquina para dentro do vacúolo digestivo culminando no desvio da mefloquina do seu principal alvo no citoplasma. Daniela Pimenta 2020/2023 75 Resistência cruzada com lumefantrina, halofantrina e quinina. Resistência aos derivados da artemisinina (ART) Neste caso não há disseminação da resistência. A resistência traduz-se no atraso na clearance do parasita, o parasita demora mais tempo a ser eliminado da corrente sanguínea. É responsável pela alquilação de biomoléculas, levando à morte do parasita, e são esquizonticida hemático e tem mais ação no trofozoíto maduro. A artemisina tem de ser ativada dentro do doente o que acontece pelo ferro reduzido proveniente da hemoglobina. Assim, torna-se mais ativo no trofozoíto maduro pois é nesta fase que há mais ferro disponível. Mecanismo de resistência – P. falciparum 1. Gene kelch13 (K13) Gene localizado no cromossoma 13 que codifica uma proteína com 726 aminoácidos. Mais de 200 mutações são sinónimas e ocorrem múltiplas mutações de novo. O gene K13 é regulador do controlo de qualidade proteico. Quando há mutação no K13 há alteração na sua função e impedimento da ligação do substrato ao domínio Kelch o que origina: o Níveis de ubiquitinação diminuídos; o Bloqueio da divisão celular: estádio de anel prolongado e ciclo celular mais longo Ambos culminam no atraso no crescimento e num estado de dormência. 2. Outros genes a. pfmdr1. Alteração genética por amplificação e mutações (Ile876Val; Ser1034Cys; Asn1042Asp); b. pfatp6. Alteração por mutações (Ser769AsnCys; Ser616Phe); c. pfubp1. Alteração por mutações (Val739Phe; Val770Phe). Ambos não estão fortemente correlacionados com resistência a ART. Daniela Pimenta 2020/2023 76 Como a artemisina tem um tempo de semivida curta foi combinado com outro fármaco (com mecanismo de ação semelhante e com maior tempo de semivida). Deste modo há uma redução da emergência de resistência. Problema: Muito mais dispendiosos; Já começa a aparecer alguma resistência. Δ Dihidroartemisinina + piperaquina (DHA-PQ) Semivida curta e semivida longa (5 semanas). A piperaquina é um fármaco sintético. O seu uso extensivo levou ao aparecimento da piperaquina em monoterapaia. Nos anos 90 começou a ser feito a combinação com os derivados da ACTs. Atualmente já começa a surgir alguma resistência a esta combinação. Do ponto de vida estrutural é semelhante à cloroquina (tem 2 grupos quinolina ao contrário da cloroquina). Mecanismo de ação: acumula-se no vacúolo digestivo onde vai atuar na via de degradação da hemoglobina inibindo a polimerização do heme e em concentrações elevadas provoca também a proteólise da hemoglobina. Na maioria dos casos a piperaquina é eficaz contra estripes de Plasmodium spp. resistentes à cloroquina por levarem à inibição do efluxo de PQ do vacúolo digestivo (não há resistência cruzada). Mecanismo de resistência 1. Genes plasmopsin 2-3 Localizado no cromossoma 14 sofre amplificação e codifica protéases que têm a sua forma ativa dentro do vacúolo digestivo e vão degradar a hemoglobina levando ao aumento do número de aminoácidos disponíveis para a síntese proteica e formação de hemozoína. Daniela Pimenta 2020/2023 77 2. Outros genes a. Pfmdr1. É uma copia única que leva à redução do transporte ativo da PQ para dentro do vacúolo digestivo. Possui um padrão genético oposto à resistência à MQ. b. Pfcrt. Alteração por mutação Cys101Phe. É suscetível à CQ. O mecanismo de resistência à combinação surge devido ao aparecimento de resistência individual a cada um dos fármacos. Primeiro acontece resistência à ACT e depois à piperaquina. Abordagens no combate à resistência aos antimaláricos I. Prevenir o desenvolvimento de resistências II. Reagir à resistência III. Reagir à resistência clínica total Prevenir o desenvolvimento de resistências Para isso é necessário efetuar um uso racional dos antimaláricos, uma restrição da monoterapia, uma regulamentação da qualidade dos antimaláricos e uma redução da transmissão. Reagir à resistência Para isso é necessário realizar um diagnóstico e tratamento precoces efetivos, uma alternância de terapêuticas combinadas e uma eliminação agressiva da população de Plasmodium. Reagir à resistência clínica total Para isso é necessário efetuar uma proteção à exposição ao vetor, bloquear a transmissão, recorrer a novas combinações terapêuticas e novos antimaláricos. Daniela Pimenta 2020/2023 78 Toxoplasma gondii Foi descrito pela primeira vez em 1908 no Brasil e no Norte de Africa. Foi descrito como originando quistos oculares e doença congénita. É o agente etiológico da toxoplasmose (causa problemas neuro-oculares) e é um parasita intracelular obrigatório que consegue invadir todas as células nucleadas. É uma antropozoonose cosmopolita, isto é, uma infeção dos animais que é transmitida ao Homem. A prevalência da infeção na população aumenta com a idade e existe uma seroprevalência de 50 a 60% de acordo com a população mundial (OMS). O reservatório são os mamíferos e aves e o hospedeiro definitivo é o gato doméstico – é neste que o parasita se reproduz sexuadamente. É um parasita oportunista em indivíduos imunodeprimidos. Existem três formas morfológicas, o taquizoíto, o quisto e o ooquisto. Taquizoíto É a forma invasiva resultanteda reprodução assexuada que se observa durante a fase aguda da infeção. Apresenta uma multiplicação rápida nas células do hospedeiro. Possui uma forma de meia-lua com a extremidade anterior mais afilada que a posterior com 4 a 6 µm de comprimento e 2 a 3 µm de largura. Quisto Contem bradizoítos no seu interior (formas assexuadas de metabolismo lento). Encontram-se normalmente no cérebro, retina, músculos esqueléticos e cardíacos e observam-se durante a fase crónica ou latente. Podem existir na carne de animais, mas são destruídos pela dissecação, congelação (< -20 ˚C) e pelo calor do cozimento (>60˚C). Ooquisto Resulta da reprodução sexuada do parasita que ocorre no intestino delgado do gato. A forma imatura é excretada nas fezes dos felinos e não é infetante (não é esporulado). Necessita de 2-5 dias de maturação no meio ambiente, permitindo uma janela de menos de 48 horas para tratar a areia do gato. O ooquisto esporulado contém 2 esporoquistos e cada esporoquisto contem 4 esporozoítos. Daniela Pimenta 2020/2023 79 Ciclo de vida de Taxoplasma gondii – heteroxeno Os únicos hospedeiros definitivos conhecidos para Toxoplasma gondii são membros da família Felidae (gatos domésticos e os seus parentes). Ooquistos não esporulados são eliminados nas fezes do gato (1). Embora os ooquistos geralmente só sejam eliminados por 1 a 3 semanas, grandes números podem ser eliminados. Os ooquistos levam de 1 a 5 dias para esporular no ambiente e tornarem-se infeciosos. Os hospedeiros intermédios na natureza (incluindo aves e roedores) são infetados após a ingestão de solo, água ou material vegetal contaminado com ooquistos (2). Os ooquistos transformam-se em taquizoítos logo após a ingestão. Estes localizam-se no tecido neural e muscular e desenvolvem-se em bradizoítos no quisto tecidular (3). Os gatos são infetados depois de consumir hospedeiros intermediários que possuem quistos tecidulares (4), mas os gatos também podem ser infetados diretamente pela ingestão de ooquistos esporulados. Os animais criados para consumo humano e a caça selvagem podem também ficar infetados com quistos teciduais após a ingestão de ooquistos esporulados no ambiente (5). Daniela Pimenta 2020/2023 80 Os seres humanos podem ser infetados por qualquer uma das várias vias: o Comer carne mal cozinhada de animais que abrigam quistos de tecido (6). o Consumir alimentos ou água contaminados com fezes de gato ou por amostras ambientais contaminadas (como solo contaminado por fezes ou troca da caixa de areia de um gato de estimação) (7). o Transfusão de sangue ou transplante de órgãos (8). o Transplacentária da mãe para o feto (9). No hospedeiro humano, os parasitas formam quistos tecidulares, mais comumente no músculo esquelético, miocárdio, cérebro e olhos. Estes quistos podem permanecer durante toda a vida do hospedeiro. O diagnóstico geralmente é feito por sorologia, embora os quistos teciduais possam ser observados em biópsia (10). O diagnóstico de infeções congênitas pode ser obtido através da deteção de DNA de T. gondii no líquido amniótico usando métodos moleculares como PCR (11). Relativamente à reprodução assexuada – os ooquistos esporulados dão origem aos esporozoítos e os quistos dão origem a bradizoítos. Ambas as formas originam taquizoítos que entram na circulação tingindo primeiramente macrófagos, linfócitos e granulócitos. Posteriormente invadem tecidos e órgãos, podendo invadir novas células, invadir a placenta e infetar o feto e formar quistos nos tecidos (preferencialmente músculos e SNC). O atravessamento da placenta não é imediato, havendo uma janela possível para evitar a infeção do feto. Relativamente à reprodução sexuada (gato) – os bradozoítos, os taquizoítos e os esporozoítos penetram as células epiteliais e dividem-se assexuadamnete e entre 10-12 dias originam microgametócitos e macrogametócitos. Da fecundação destes gâmetas ocorre a formação do ooquisto imaturo. A maturação do ooquisto ocorre no ambiente. O homem pode contaminar-se com ooquistos, quistos e taquizoítos no caso do feto, caso seja uma infeção primária. Depois de ocorrer uma toxoplasmose, a próxima vez que a mulher engravidar já está imunizada e não passa a doença para o feto (fase crónica onde a mulher tem quistos nos tecidos e órgãos). Daniela Pimenta 2020/2023 81 Como ocorre a patogenia? Depois de ingerir quistos e/ou ooquistos esporulados ocorre a formação do trofozoíto que invade as células intestinais atingindo as células contiguas. Posteriormente pode invadir a circulação sanguínea e linfática provocando infeção aguda no organismo. Esta infeção ativa a resposta imunológica que destrói as formas circulantes, no entanto se já tiver ocorrido a formação de quistos nos órgãos e tecidos passamos a ter uma infeção latente ou crónica. Clínica – existem várias formas clínicas de toxoplasmose: o Forma ganglionar caracterizada por: cefaleia, dor abdominal, tosse, náuseas, vómitos, mialgias, artralgias, erupção cutânea, adenopatias, compromisso do estado geral com astenia e anemia. Pode apresentar-se com um quadro febril, subfebril ou afebril. o Forma generalizada caracterizada por: compromisso meningoencefálico, miocárdico, pulmonar, digestivo, hepático, esplénico, renal. É a pior forma clínica. o Forma cerebroespinhal caracterizada por: convulsões, linfoadenopatias, sinais meníngeos, sinais encefálicos. o Forma ocular caracterizada por: Uveite, coroidite, retinite, iridociclite. É a mais importante. o Forma exantemática caracterizada por: erupção cutânea maculopapular, febre, mal- estar geral, pneumonia, alterações digestivas. É a mais rara. o Transtornos na gravidez caracterizada por: aborto, parto prematuro e natimorto. Após o nascimento também existe forma clínica, a toxoplasmose pós-natal, principalmente a ganglionar (forma benigna), mas também a ocular e a generalizada (mais rara). A forma ganglionar é provavelmente a mais frequente na criança em idade pré-escolar e escolar. Os grupos de risco são sobretudo os imunodeprimidos e as grávidas (risco de infeção congénita), no entanto imunocompetentes podem também ser infetados. Relativamente aos imunocompetentes, 10 a 20% dos casos são sintomáticos e possuem linfoadenopatias (cervicais e inguinais) com sinais de febre, suor noturno, mialgias, hepatoesplenomegalia. Raramente ocorrem infeções graves com erupção maculopapular, hepatite, encefalite ou miocardite. Existem poucos casos com retinocoroidite que pode Daniela Pimenta 2020/2023 82 progredir até à cegueira. O percurso clínico da doença é normalmente benigno e autolimitado, não sendo, normalmente, necessário tratamento. Nos imunodeprimidos há um risco de reativação da infeção ou infeção primária, bem como de toxoplasmose disseminada (encefalia, linfoadenopatia, miocardite, pneumonite, corioretinite). - Em doentes com SIDA a toxoplasmose resulta normalmente da reativação de uma infeção latente, anteriormente adquirida (quistos libertam os bradizoítos que originam taquizoítos). A toxoplasmose cerebral é a primeira causa de problemas neurológicos no doente HIV+ (há uma contagem de células CD4+ < 100 células/ mm3, como são estas células que mantêm o parasita na forma de quisto, a sua diminuição leva ao reaparecimento da infeção – passa a bradizoíto e posteriormente a taquizoíto). A multiplicação rápida do parasita produz necrose e edema à volta da lesão sendo responsáveis pela sintomatologia cerebral em 80% dos casos. A encefalite toxoplásmica ocorre em 10-50% dos indivíduos com SIDA e é caracterizada por: ansiedade,agitação, confusão, anomalias sensoriais, desordens no movimento, alucinações, psicose paranoica, demência, convulsões, perda de memória/conhecimento, coma e morte. - Em doentes transplantados o facto de à ausência de imunidade especifica (nunca estiveram infetados com o parasita) ser adicionada a terapêutica imunossupressora faz com que ocorra a reativação de quistos transplantados. Só ocorre caso a pessoa em questão tenha recebido um órgão com quistos (não acontece em Portugal). É caracterizada por abcessos cerebrais, toxoplasmose aguada disseminada e pode simular a rejeição do coração transplantado. - Em doentes com linfomas e leucemias os sintomas neurológicos associados são a encefalopatia difusa e a meningoencefalite. Daniela Pimenta 2020/2023 83 Toxoplasmose na mulher grávida: infeção primária aguda e toxoplasmose congénita 40% das mulheres grávidas com primo-infeção transmitem a infeção ao feto, ou seja, nem toda a toxoplasmose na grávida infeta o feto. O tratamento materno precoce diminui o risco de transmissão ao feto e reduz a gravidade das lesões fetais. A maioria das vezes a primo-infeção é assintomática sendo por isso recomendável realizar exames periódicos. O risco de infeção fetal não está relacionado com a mãe ser sintomática ou assintomática uma vez que a incidência da toxoplasmose congénita é variável, ocorrendo em 1:1000 a 1:12000 dos nascimentos. A incidência aumenta com a idade e aumenta com o aumento do trimestre de gravidez, ou seja, há uma maior incidência no terceiro trimestre da gestação. Esta incidência está relacionada com o envelhecimento da placenta pois é por aí que o parasita na forma de taquizoíto infeta o feto. Contudo, a gravidade da doença aumenta no sentido inverso do aumento do trimestre, ou seja, é maior no primeiro trimestre. ✓ 1º/2º Trimestre Durante os dois primeiros trimestres de gestação a infeção com Toxoplasma gondii resulta na maioria dos casos na morte fetal, aborto. Num quadro agudo os parasitas invadem todos os órgãos fetais, levando a: hepatoesplenomegalia, icterícia, linfoadenopatia, pneumonite, hepatite, derrames, meningoencefalite que podem levar à morte do feto, aborto. Caso o feto sobreviva possui anomalias e atraso físico e mental. O quadro agudo passa a subagudo ou crónico havendo regressão das formas viscerais, no entanto permanecem as alterações neuro-oculares. Correspondem a 20-30% das infeções neonatais. As alterações oculares incluem corioretinite, estrabismo e cegueira. Já as alterações neurológicas incluem atraso mental e psicomotor, calcificação intracraniana, hidrocéfalo e convulsões. ✓ 3º Trimestre Infeções normalmente assintomáticas à nascença. Surge dificuldade de aprendizagem e sequelas neurológicas crónicas e risco de desenvolver sinais ou sintomas da toxoplasmose Daniela Pimenta 2020/2023 84 posteriormente na adolescência e em adulto, como coriorretinite que na ausência de tratamento origina cegueira. ✓ Doença neoatal – os sinais e sintomas estão presentes ao nascimento, o prognóstico é reservado. Normalmente severa, e com elevada incidência de casos fatais. Os sinais e sintomas de doença generalizada podem predominar, já os sinais neurológicos estão sempre presentes. Relativamente à forma subclínica, normalmente o diagnóstico é realizado com base na primo- infeção materna ou persistência de títulos no recém-nascido (RN). Recém-nascido é assintomáticos ou oligossintomáticos. A prematuridade (50%) ou atraso do crescimento intrauterino são considerados sinais clínicos. O diagnostico laboratorial engloba o diagnostico parasitológico, o diagnostico serológico, o diagnostico pré-natal e o diagnostico pós-natal. O diagnostico parasitológico tem como amostras biológicas o sangue, LCR e a biopsia de tecidos/órgão. O Toxoplasma infeta todas as células com núcleo. Nota: no sangue é possível ver muitos glóbulos brancos infetados, mas o parasita está pouco tempo no sangue e por isso pode haver muitos falsos negativos logo é melhor optar por outra amostra biológica. Para esta análise são realizados: o Preparações coradas; o Cultura in vivo com inoculação em animais (baixo rendimento); o Cultura in vitro recorrendo ao isolamento em cultura de células (Vero, MRC5); o Reação em cadeia da polimerase (PCR). O diagnostico serológico tem como teste de referência clássico a reação de Sabin e Feldman ou teste do corante “Dye-Test”. No entanto pode recorrer também a ELISA (mais utilizado), ADS (Aglutinação Direta Sensibilizada), ISAGA (ImmunoSorbent Agglutination Assay), IFI (Imunofluorescência Indireta) e HAI (HemAglutinação Indireta). Daniela Pimenta 2020/2023 85 Cinética de anticorpos na infeção primária Durante a infeção vão ser produzidos vários anticorpos. A primeira a positivar é a IgM, seguindo-se a IgA e por fim as IgG. Assim, em laboratório procuramos logo a IgM e depois a IgG pois a IgA é negativa ao fim de 6 a 8 meses (inferior ao tempo de gestação). A IgM tem um máximo igual à IgA mas só é negativa ao fim de 8 meses a 2 anos. A nível da IgG os seus valores são mais elevados e mantem-se durante toda a vida. Deste modo, percebe-se que a IgG é um marcador (pois dura a vida toda). A avidez relaciona-se com a ligação do antigénio ao anticorpo e o teste de avidez mede a força de ligação. Quanto mais forte for essa ligação mais antiga é a infeção. Define-se os valores de 4 meses após a infeção quando a ligação é forte. É um teste de exclusão (não conseguimos saber o tempo quando a avidez é baixa). Num imunocompetente a fase aguda é IgM positiva e as IgG podem estar negativas, positiva em ascensão e em títulos altos. Já a fase crónica é IgM negativa e IgG positiva. Num imunodeprimido só se sabe que na fase crónica a IgM é negativa. Devido a estas dúvidas é útil fazer a análise do LCR e por PCR. Terá IgM ou IgA no LCR e o PRC é de grande utilidade. Na grávida é necessário saber se a infeção é primária aguda e a data de contaminação. A infeção inicia-se pela contaminação devido à ingestão de quistos e/ou ooquistos. A parasitémia dura entre 5-10 dias e existe uma resposta humoral/celular, a lesão da placenta ocorre entre 4/6 semanas – 4 meses após o início de infeção e é devido a esta lesão que ocorre a infeção fetal. A vigilância da gravida para a prevenção da infeção congénita é essencial. Se a IgG e a IgM são negativas significa ausência de infeção e de imunidade, neste caso há necessidade de vigilância serológica mensal de maneira a haver prevenção primária. Daniela Pimenta 2020/2023 86 Se a IgG é negativa e a IgM é positiva significa que há um início de infeção ou então a presença de IgM não específica. É feita uma segunda colheita passadas 2 ou 3 semanas pois se estiver efetivamente contaminada terá de dar IgG positivo. Caso não esteja contaminada a IgG é negativa e se a IgM for positiva significa que é uma IgM não específica. Se der IgG e IgM positivas significa que a grávida está a fazer um primo-infeção e terá de fazer uma consulta de alto risco de modo a começar o tratamento e o diagnóstico pré-natal (DPN). Se IgG é positiva e IgM é negativa significa que a infeção é relativamente antiga (imunidade) ou primo-infeção sem IgM. Neste caso é feito na mesma uma 2º colheita para perceber se a IgG está estável ou não. Se IgG estáveis e IgM é negativa significa que há imunidade e é uma infeção relativamente antiga. Se IgG aumentada e IgM negativa significa que é uma primo-infeção sem IgM. Neste segundo caso deve realizar-se logo um teste de avidez (IgG) para saber há quanto tempo a pessoa está infetada. O teste de avidez é feitocom o mesmo soro. Se a avidez for forte significa que a infeção ocorreu num período superior a 4 meses. Enquanto se a avidez for fraca ou intermédia não se pode excluir a hipótese de infeção recente e por isso é seguida para uma consulta de alto risco para realizar o tratamento e o diagnóstico pré-natal (DPN). Se IgG e IgM são positivas significa que a infeção é relativamente recente. É feito de imediato o teste de avidez (IgG). Se a avidez for forte significa que infeção ocorreu faz mais de 4 meses. Enquanto se a avidez for fraca ou intermédia não se pode excluir a hipótese de infeção recente e por isso é seguida para uma consulta de alto risco para realizar o tratamento e o diagnóstico pré-natal (DPN). No diagnostico pré-natal (DPN) pode ser efetuada a amniocentese (20-30 semanas) onde é efetuado isolamento do parasita do sangue fetal ou líquido amniótico em animal ou em cultura de células e a pesquisa de antigénio. Pode ser efetuada também uma ecografia para observação da dilatação dos ventrículos cerebrais. Para além destes podemos recorrer também à clínica, a exames radiológicos para observação de quistos e lesões cerebrais, como abcessos e calcificações cerebrais (TAC, RMN), ao isolamento do parasita (sangue do recém-nascido ou da placenta), à pesquisa de antigénio Daniela Pimenta 2020/2023 87 (sangue do recém-nascido), ao estudo serológico (IgG, IgM – comparação de perfis imunológicos: sangue do recém-nascido e sangue da mãe por imunoblot) e ao controlo serológico durante 8-12 meses (se todos os resultados negativos). Tratamento Na mulher grávida o tratamento de 1ª linha consiste é feito com Espiramicina o que reduz em 50% o risco de transmissão fetal. Se o diagnostico pré-natal (DPN) for positivo recorremos a Sulfadiazina ou outra sulfonamida. Na toxoplasmose congénita o tratamento de 1ª linha nos primeiros 12 meses de vida é Pirimetamina + Sulfadiazina + Aácido folínico + Espiramicina. No imunodeprimido depende do estado da doença, se for na infeção aguda (6 semanas no minimo) o tratamento é feito recorrendo a Pirimetamina + Sulfadiazina + Ácido folínico. Se for na encefalite toxoplasmática recorremos a Clindamicina intravenosa. No caso da profilaxia primária (células CD4+ < a 100/mm3) é utilizado Trimetropim/ Sulfametoxazol (cotrimoxazol). Em Portugal mais de 50% das mulheres em idade fértil são seronegativas para Toxoplasma gondii, em risco de contraírem uma infeção primária. Relativamente à toxoplasmose congénita existem cerca de 11 casos/ 10 000 criança que nasceu com vida e 124 crianças infetadas/ano. Segundo o estudo de prevalência de anticorpos anti-toxoplasma de 2000-2006, 20 a 29% das mulheres em idade fértil estão imunizadas, ou seja, a maioria não se encontra imunizada. Assim há um elevado risco de infeção por Toxoplasma gondii e por isso é necessário realizar uma prevenção primária. Quais os conselhos a dar à gravida? ❖ Cuidados com a alimentação – quistos com bradizoítos podem aparecer na carne e contaminar utensílios de cozinha usados no corte de carne crua (têm de ser limpos). Ooquistos com esporozoítos podem contaminar frutas e vegetais. ❖ Cuidados no jardim – solo pode ter ooquistos sendo necessário usar luvas de jardinagem e lavar muito bem as mãos. Daniela Pimenta 2020/2023 88 ❖ Cuidados com o seu gato – a presença de um felino faz com que haja uma necessidade de cuidado acrescida, é necessário dar a comida adequada (não dar sobras de carnes mal cozinhadas) e fazer uma limpeza diária do local onde o animal realiza as suas necessidades (se possível a grávida não deve fazer esta tarefa). Perguntas de autoavaliação 1. Toxoplasma gondii a) É um protozoário do filo Sarcomastigophora b) O quisto resulta da reprodução sexuada no hospedeiro definitivo c) O ooquisto esporulado é a forma infetante d) É um coccídeo intestinal 2. Ciclo de vida de Toxoplasma gondii a) A fase gamegónica ou esporogónica ocorre no intestino do homem b) A reprodução sexuada ocorre nos hospedeiros definitivos com formação de taquizoítos c) A reprodução sexuada ocorre no intestino do gato com formação de ooquistos d) É monóxeno 3. Transmissão de T. gondii a) Através de água e alimentos contaminados com quistos esporulados b) Ingestão de leite infetado com bradizoítos c) Através de carne mal cozinhada contaminada com quistos d) Transplante de órgãos infetados com ooquistos 4. Toxoplasmose a) Em indivíduos imunocompetentes, 80-90% das infeções são sintomáticas b) Na doença Pós-Natal, a forma clínica é normalmente a exantemática c) Em indivíduos imunocompetentes, é necessário instituir o tratamento adequado Daniela Pimenta 2020/2023 89 d) A encefalite toxoplásmica observa-se num elevado número de doentes com SIDA 5. Toxoplasmose congénita a) A gravidade da doença é maior quando a infeção materna é adquirida no último trimestre de gravidez b) Normalmente as crianças apresentam quadros clínicos graves quando a infeção materna ocorreu no 1º e 2º trimestre de gravidez c) A incidência da doença é maior quando a infeção materna é adquirida no 1º trimestre de gravidez d) A gravidade da doença está correlacionada com a sintomatologia da mãe 6. Diagnóstico serológico de T. gondii numa grávida a) IgG – / IgM+ indica ausência de infeção b) IgG – / IgM- indica ausência de imunidade c) IgG +/ IgM+ indica uma infeção relativamente antiga d) IgG + / IgM- indica início da infeção 7. Tratamento da toxoplasmose na mulher grávida a) Metronidazol b) Prazinquantel c) Espiramicina d) albendazol Nematelmintas São vermes multicelulares que contêm sistemas de órgãos internos. Nematodas – são seres com 3 morfologias no ciclo de vida: ovo, larva e verme adulto. Os seres adultos são vermes de corpo cilíndrico, alongados e de extremidade afiladas e não segmentados. Possuem simetria bilateral e cutícula externa. Sem membros articulados e com sexos separados com dimorfismo sexual (normalmente fêmeas maiores que os machos); Daniela Pimenta 2020/2023 90 copulação e reprodução sexuada na maioria dos casos, partenogénese e hermafroditismo (raro). Possuem um tubo digestivo completo e não possuem aparelho circulatório nem respiratório. O ovo possui vitelo. Patogénese e sintomas clínicos A gravidade da infeção depende do número de vermes presentes, do tempo de persistência da infeção e do estado de saúde do hospedeiro. Sintomatologia intestinal inclui dor abdominal, diarreia, náuseas, vómitos, febre e eosinofilia (mais frequentes). Podem também provocar irritação cutânea, nódulos cutâneos e envolvimento muscular. Ascaris limbricoides São conhecidas por bichas ou lombrigas e apresentam uma grande prevalência pelo mundo. Provocam a helmintíase humana cosmopolita mais comum e apresentam maior incidência nos climas tropicais e temperados. São mais frequentes em zonas onde o saneamento é pobre e onde se usa fezes humanas como fertilizante e a população de maior risco são as crianças. As Não completam o ciclo de vida no nosso organismo, acabando por originar larva migrans cutânea (as larvas ficam a migrar na pele humana). Daniela Pimenta 2020/2023 91 morfologias possíveis são os vermes (seres adultos) e os ovos. As fêmeas são maiores que os machos e ambos possuem extremidade a anterior afilada. Já os ovos possuem a uma célula germinativa e podem ser férteis (corticado ou descorticado) ou inférteis. Uma pessoa parasitada pode libertar até 200 000 ovos por dia. A larva sofre duas mudase fica em estádio 3 (L3) – só este ovo com esta larva é que é infetante para o Homem. Através da ingestão do ovo com a larva L3 (presente em algo contaminado com terra) a larva sofre duas mudas no Homem originando o ser adulto. Um ciclo completo dura cerca de 3 meses – desde que os ovos saem para o ambiente até ao novo hospedeiro eliminar ovos nas fezes. Ciclo de vida de Ascaris lumbricoides – monóxeno geo-helminta Os vermes adultos (1) vivem no lúmen do intestino delgado. Uma fêmea pode produzir aproximadamente 200.000 ovos por dia, que são eliminados com as fezes (2). Os ovos não fertilizados podem ser ingeridos, mas não são infeciosos. As larvas desenvolvem-se até à infecciosidade dentro dos ovos férteis após 18 dias a várias semanas (3), dependendo das condições ambientais (ótimo: solo húmido, quente e à sombra). Depois de os ovos infeciosos serem ingeridos (4), as larvas eclodem (5). Estas larvas são aeróbias e por não conseguirem sobreviver no intestino, invadem a mucosa intestinal e são Daniela Pimenta 2020/2023 92 transportadas através da veia porta-hepática e depois atingem a circulação sistémica até aos pulmões (6). As larvas amadurecem ainda mais nos pulmões (10 a 14 dias), penetram nas paredes alveolares, sobem pela árvore brônquica até à garganta e são deglutidas (7). Ao chegarem ao intestino delgado, transformam-se em vermes adultos. São necessários entre 2 e 3 meses desde a ingestão dos ovos infeciosos até à oviposição da fêmea adulta. Os vermes adultos podem viver 1 a 2 anos. Estes parasitas necessitam de uma fase obrigatória no solo, são geo-helmintas, e possuem um ciclo migratório pelos pulmões. Ascaríase – clínica Os doentes podem encontrar-se assintomáticos, normalmente relacionada com cargas parasitárias baixas. Nos doentes sintomáticos, os sintomas podem variar de acordo com a fase do ciclo de vida. A larva causa alergia, hipereosinofilia, inflamação e necrose, eosinofilia pulmonar aguda ou síndrome de Loeffler (pneumonite). Já o ser adulto pode causar obstrução, perfuração e oclusão do intestino delgado, obstrução dos canais biliares e traqueia, apendicites e pancreatites. Uma carga muito elevada de seres adultos pode originar o rolhão, que causa obstrução no local onde for formado. São responsáveis por gastroenterites caracterizadas por dor abdominal, febre, distensão abdominal e vómitos. No diagnostico laboratorial as amostras utilizadas são fezes e nestas é efetuada a pesquisa dos ovos. Os vermes adultos podem estar presentes nas fezes, vómito e serem expelidos pelas narinas. Observação do verme adulto no intestino, fígado (infeção severa). Tratamento – realizado com Mebendazol Prevenção e controlo Melhoria das condições sanitárias, evitar o uso de fezes humanas como fertilizante. Efetuar uma boa higiene pessoal. Lavar adequada dos alimentos e efetuar o tratamento em massa de determinadas populações. Daniela Pimenta 2020/2023 93 Trichuris trichiura É cosmopolita, com maior predominância nos climas húmidos, e temperados. É o terceiro helminta mais comum. Está associado a zonas de más condições sanitárias e uso de fezes humanas como fertilizante. Associado a infeção por Ascaris lumbricoides. Ciclo de vida de Trichuris trichiura – monóxeno geo-helminta Os ovos não embrionados são eliminados com as fezes (1). No solo, os ovos desenvolvem-se numa fase de 2 células (2), numa fase de clivagem avançada (3), e depois embrionam (4); os ovos tornam-se infeciosos em 15 a 30 dias. Após a ingestão (mãos ou alimentos contaminados pelo solo), os ovos eclodem no intestino delgado e libertam larvas (5) que amadurecem e se estabelecem como adultos no cólon (6). Os vermes adultos (com cerca de 4 cm de comprimento) vivem no ceco e no cólon ascendente. Os vermes adultos fixam-se nesse local, com as porções anteriores enfiadas na mucosa. As fêmeas começam a ovipositar 60 a 70 dias após a infeção. Os vermes fêmeas no ceco libertam entre 3.000 e 20.000 ovos por dia. O tempo de vida dos adultos é de cerca de 1 ano. Tricuríase – clínica Os doentes podem encontrar-se assintomáticos, normalmente relacionada com cargas parasitárias baixas, ligeira infeção Nos doentes sintomáticos, os sintomas podem variar de acordo com o hospedeiro. No adulto é necessária uma infeção com 500 a 5000 vermes para gerar dor e distensão abdominal, diarreia sanguinolenta, fraqueza e emagrecimento. Já na criança, com uma infeção de 200 vermes pode provocar disenteria crónica, anemia severa e atraso no crescimento. É comum o aparecimento nas crianças de prolapso retal (saída do reto) e aumento do peristaltismo. Daniela Pimenta 2020/2023 94 No diagnostico laboratorial o tipo de amostra inclui fezes, onde é feita a pesquisa dos ovos, ou observação da mucosa intestinal, onde é feita a pesquisa de seres adultos. Tratamento – realizado com Mebendazol Prevenção e controlo Boa higiene pessoal, condições sanitárias adequadas e evitar o uso de fezes humanas como fertilizante. Enterobius vermiculares Possui uma distribuição mundial, particularmente zonas temperadas. É um parasita habitual de crianças em idade escolar e comum em epidemia familiar. A contaminação é fecal-oral e existe uma grande probabilidade de autoinfeção e reinfeção. Ciclo de vida de Enterobius vermiculares – monóxeno Fêmeas adultas grávidas de Enterobius vermicularis depositam ovos nas pregas perianais (1). A infeção ocorre por autoinoculação (transferência de ovos para a boca com as mãos que coçaram a zona perianal) ou por exposição a ovos no ambiente (por exemplo, superfícies contaminadas, roupa, roupa de cama, etc.) (2). Após a ingestão dos ovos infetados, as larvas eclodem no intestino delgado (3) e os adultos estabelecem-se no cólon, normalmente no ceco (4). O intervalo de tempo entre a ingestão dos ovos infeciosos e a oviposição das fêmeas adultas é de cerca de um mês. Na maturidade completa, as fêmeas adultas medem 8 a 13 mm e os machos adultos 2 a 5 mm; a duração da vida adulta é de cerca de dois meses. As fêmeas grávidas migram noturnamente para fora do ânus e ovipositam enquanto rastejam sobre a pele da zona perianal (5). As larvas contidas no Daniela Pimenta 2020/2023 95 interior dos ovos desenvolvem-se (os ovos tornam-se infeciosos) em 4 a 6 horas em condições ótimas (1). Raramente, os ovos podem ser transportados pelo ar e ser inalados e engolidos. Pode ocorrer uma retro-infecção, ou seja, a migração de larvas recém-eclodidas da pele anal para o recto, mas desconhece-se a frequência com que tal acontece. Oxiuríase – clínica Os doentes podem encontrar-se assintomáticos, normalmente relacionada com cargas parasitárias baixas. Nos doentes sintomáticos, os sintomas podem variar. Sintomas mais comuns inclui prurido intenso e inflamação da região anal e/ou vaginal. Pode ser acompanhado por irritação intestinal, ligeira náusea ou vómito, irritabilidade, insónias e fadiga. Com menos frequência podem surgir pequenas úlceras, ligeira inflamação intestinal e dor abdominal. No diagnostico laboratorial o tipo de amostra inclui colheita na região perianal, onde é feita a pesquisa dos ovos – Fita adesiva (Método de Graham). Colheita é realizada de manhã, antes do banho ou defecação, para colher os ovos depositados durante a noite. São necessárias várias amostras, não só quando há suspeita de infeção, como para confirmar ausência de infeção num indivíduo. Raramente os ovos e vermes podem ser encontrados nas fezes. Tratamento – realizado com Mebendazol. Tratamento é alargado a toda a família. Prevenção e controloBoa higiene pessoal – lavagem das mãos. Aplicar na zona perianal um óleo de modo a impedir a dispersão dos ovos no meio ambiente. Evitar coçar na área infetada e efetuar limpeza diária de todo o meio envolvente: roupas de cama, toalhas de mãos, do quarto, da casa de banho. Ancylostoma duodenale e Necator americanus O Necator americanus é praticamente exclusivo do homem (infecta alguns primatas). Daniela Pimenta 2020/2023 96 Já o Ancylostoma duodenale é um parasita habitual do homem. Estes parasitas são responsáveis pela maioria das infeções humanas por ancilostomídeos. infetam 1,3 biliões de pessoas e apresentam elevada especificidade parasitária. Ocorrem em climas quentes e temperados. Vivem no intestino delgado e alimentam-se da mucosa e sangue sendo também responsáveis por anemia. Os seres adultos são cilíndricos e esbranquiçados, possuem 1 cm de comprimento, sendo que as fêmeas são maiores que os machos. A extremidade posterior é em ponta fina nas fêmeas e expandida nos machos para forma a bolsa copuladora. Possuem uma cápsula bucal fortemente quitinizada que permite distinguir as espécies: dois pares de dentes quitinosos no Ancylostoma duodenale e placas de bordos cortantes no Necator americanus. Apresentam uma longevidade em média de 5 anos (18 anos). O Ancylostoma duodenale possui um corpo encurvado, lembrando o desenho da letra C, e é superior ao Necator americanus, que apresenta outra curvatura na região esofágica, voltada dorsoventralmente, pelo que imita um S alongado. É difícil diferenciar o ovo das duas espécies, a diferença entre eles é o facto do ovo de Ancylostoma duodenale possuir 4 blastómeros e o de Necator americanus possuir 8 blastómeros. Através das larvas não conseguimos distinguir as espécies. Ciclo de vida de Ancylostoma duodenale /Necator americanus – monoxeno Daniela Pimenta 2020/2023 97 Os ovos são eliminados nas fezes (1) e, em condições favoráveis (humidade, calor, sombra), as larvas eclodem em 1 a 2 dias e tornam-se de vida livre no solo contaminado. Estas larvas rabditiformes libertadas crescem nas fezes e/ou no solo (2), e após 5 a 10 dias (e duas mudas) transformam-se em larvas filariformes (terceiro estádio) que são infeciosas (3). Estas larvas infeciosas podem sobreviver 3 a 4 semanas em condições ambientais favoráveis. Em contacto com o hospedeiro humano, normalmente com os pés descalços, as larvas penetram na pele e são transportadas através dos vasos sanguíneos para o coração e depois para os pulmões. Penetram nos alvéolos pulmonares, ascendem pela árvore brônquica até à faringe e são engolidas (4). As larvas atingem o jejuno do intestino delgado, onde residem e se transformam em adultos. Os vermes adultos vivem no lúmen do intestino delgado, normalmente no jejuno distal, onde se fixam à parede intestinal, resultando na perda de sangue pelo hospedeiro (5). A maioria dos vermes adultos é eliminada em 1 a 2 anos, mas a longevidade pode atingir vários anos. Em A. duodenale a maturação da larva L3 –L4 –L5 ocorre a nível intestinal (com ou sem ciclo migratório pulmonar). L3 pode ficar num estado de “dormência” (hipobiose larvar) no intestino ou músculos (~ 8 meses). A transmissão de A. duodenale pode ocorrer por via trans-cutânea (principalmente), via oral (alimentos e águas), e ainda não há certeza sobre transmissão trans-placentária nem a transmissão trans-mamária. Já a transmissão de Necator americanus ocorre apenas por via trans-cutânea. Clínica – inclui sintomatologia diversa o Prurido, reação alérgica e erupção cutânea no local de entrada da larva filariódie; o Sintomas respiratórios devido à migração da larva pelos pulmões: tosse seca, febre, dificuldade respiratória, broncopneumonia (síndrome de Loffer, inflamação pulmonar associada ao aumento de eosinófilos); o Sintomas gastrointestinais produzidos pelos seres adultos: náuseas, vómitos, diarreia, anorexia, cólica; o Atraso físico e mental em infeções crónicas severas; o Hipoproteinémia: edemas, atrofia das vilosidades e diminuição da absorção; Daniela Pimenta 2020/2023 98 o Hipereosinofilia (30-60%) e leucocitose; o Anemia microcítica hipocrómica com diminuição de ferro sérico. Os parasitas adultos aderem à mucosa intestina do duodeno sendo que o Necator americanus consome 30 µL de sangue e o Ancylostoma duodenale consome 300µL. No diagnostico laboratorial é efetuada o exame parasitológico de fezes através da pesquisa de ovos (não diferencia as espécies) ou através da cultura de larvas. Na pesquisa dos ovos ocorre a fixação das fezes em formalina 10% seguida da concentração por sedimentação com formalina-etilacetato (em infeções severas e moderadas não é necessário) e por último a observação microscópia do sedimento (preparação a fresco). Já na cultura de larvas é utilizado o método Harada-Mori ou Baermam (clinicamente não é necessária). Prevenção e controlo Uso de calçado. Efetuar o destino sanitário das fezes e o combate às larvas no solo (ex: plantação de Cymbopogon citratos - capim) e recorrer à terapêutica com anti-helmínticos. Strongyloides stercolaris Apenas as fêmeas parasitam o ser humano, são patogénicas e possuem um comprimento de 2 mm e largura de 0,4 mm. Nos seres de vida livre as fêmeas possuem maior tamanho que os machos. Os ovos são semelhantes aos de ancilostomídeos, mas mais pequenos. As larvas possuem uma cavidade bucal curta e um esboço genital longo, mas a filarióide possui a extremidade posterior bifurcada. Ciclo de vida de Strongyloides stercoralis O ciclo de vida do Strongyloides stercoralis é complexo, alternando entre ciclos de vida livre e parasitário e envolvendo autoinfeção. No ciclo de vida livre: As larvas rabditóides passam nas fezes de um hospedeiro definitivo infetado (1), desenvolvem-se em larvas filarifórmes infeciosas (desenvolvimento direto) (6) ou em machos e fêmeas adultos de vida livre (2) que acasalam e produzem ovos (3), a partir dos quais as larvas rabditóides eclodem (4) e acabam por se tornar larvas filarióides (L3) infeciosas Daniela Pimenta 2020/2023 99 (5). As larvas filarióides penetram na pele do hospedeiro humano para iniciar o ciclo parasitário (ver abaixo) (6). Esta segunda geração de larvas filarióides não consegue transformar-se em adultos de vida livre e tem de encontrar um novo hospedeiro para continuar o ciclo de vida. Ciclo parasitário: As larvas filarióides presentes no solo contaminado penetram na pele humana quando esta entra em contacto com o solo (6), e migram para o intestino delgado (7). Pensa-se que as larvas L3 migram através da corrente sanguínea e dos vasos linfáticos para os pulmões, onde acabam por ser expelidas e engolidas. No entanto, as larvas L3 parecem ser capazes de migrar para o intestino por vias alternativas (por exemplo, através das vísceras abdominais ou do tecido conjuntivo). No intestino delgado, as larvas sofrem duas mudas e transformam-se em vermes adultos fêmeas (8). As fêmeas vivem incrustadas na submucosa do intestino delgado e produzem ovos por partenogénese (não existem machos parasitas) (9), que dão origem a larvas rabditóides. As larvas rabditóides podem ser eliminadas nas fezes (1) (ver "Ciclo de vida livre" acima), ou podem causar autoinfeção (10). Ciclo de vida livre Ciclo parasitário Daniela Pimenta 2020/2023 100 Como foi mencionado acima, a transmissão pode ocorrer por heteroinfeção ou autoinfeção. A heteroinfeção ocorre através das larvas filarióides no solo. Já a autoinfeção podeser externa (através de larvas filarióides na região perianal, invasão venosa e ciclo pulmonar) ou interna (através da formação de larvas filarióides na luz do intestino, penetração da muco, ciclo pulmonar). Normalmente a transmissão ocorre por via transcutânea, por via oral é mais raro, mas pode ocorrer através da ingestão de água com larvas filarióides, neste caso não ocorre o ciclo pulmonar. Estrongiloidíase – clínica A penetração cutânea das larvas filarióides provoca lesões cutâneas. Estas podem ser discretas ou originar placas eritematosa e localizam-se na planta do pé, no tornozelo e/ou em torno do ânus. A migração durante o ciclo pulmonar pode levar a hemorragias, pneumonite difusa (que se manifesta através de tosse, expetoração, febre baixa, broncopneumonia, pneumonia e asma) e/ou síndrome de Löffer. O parasitismo intestinal origina hemorragias, úlceras, congestão e edema, atrofia da mucosa e lesões necróticas com sub-oclusão intestinal. Neste caso surge diarreia alternada com obstipação, cólicas, dores epigástricas, simulação de uma úlcera péptica, perda de apetite, náuseas, vómitos, anemia, astenia, desidratação e irritabilidade. Em casos de imunodepressão existem quadros de hiperinfeções muito graves com disseminação do parasita. A administração de corticosteroides permite a transformação de larvas rabditóides em filarióides, o que origina uma autoinfeção intensa levando à disseminação dos parasitas por órgãos e tecidos (fígado, coração, pâncreas, rins, SNC, suprarrenais) culminando na morte. No diagnostico é realizado o exame parasitológico para a pesquisa ou de larvas nas fezes ou de larvas em lavados bronco-pulmonares ou líquido duodenal. Daniela Pimenta 2020/2023 101 A pesquisa de larvas nas fezes pode ocorrer por extração da massa fecal (hidro e termotropismo) ou por cultura de larvas (método Harada-Mori ou Baermann). Podem ser realizados também exames complementares, nomeadamente ao sangue: inicialmente verifica-se uma leucocitose elevada, posteriormente hipereosinofilia e IgE elevada. Tratamento – realizado com Ivermectina, Albendazole e Tiabendazol. Prevenção e controlo Engloba a utilização de calçado e destino sanitário das fezes. Ancylostoma brasiliense/ Ancylostoma ceylanicum/ Ancylostoma caninum São parasitas de cães e/ou gatos, responsáveis pela larva migrans cutânea: no ser humano estes nemátodos não completam a sua evolução e as larvas ficam aprisionadas na pele do hospedeiro (inadequado). É uma infeção comum em crianças (solo, areia de praia) e em regiões tropicais e sub-tropicais. Os sinais e sintomas desta infeção incluem: o Pontos eritematosos ou pápulas; o Prurido (bastante intenso à noite, o que provoca insónias); o Túneis “serpentinoso” com 2-5 cm/dia; o Inflamação; o Infeções bacterianas secundárias; o 50% dos indivíduos sofrem de infiltração pulmonar com eosinofilia periférica (síndrome de Löffler). Tratamento – realizado com Ivermectina, Albendazole, Tiabendazol e (anti-histamínicos). Prevenção e controlo Engloba o tratamento dos animais (cães e gatos), recolha das fezes (jardins, praias e caixas de areia) e utilização de calçado. Daniela Pimenta 2020/2023 102 Toxocara canis e Toxocara cati São parasitas intestinais do cão e do gato, responsáveis pela larva migrans visceral ou toxocaríase humana. Neste caso ocorre a invasão do organismo humano por parasitas incapazes de completar o seu ciclo, o homem é o hospedeiro inadequado. A toxocaríase humana é caracterizada pela presença de larvas no fígado, no coração, nos pulmões, no cérebro e nos olhos. Ciclo de vida de Toxocara canis As Toxocara spp. podem seguir um ciclo de vida direto (um hospedeiro) ou indireto (vários hospedeiros). Os ovos não embrionados são libertados nas fezes do hospedeiro definitivo (canídeos: T. canis; felídeos: T. cati) (1). Os ovos embrionam durante um período de 1 a 4 semanas no ambiente e tornam-se infeciosos, contendo larvas de terceiro estádio (L3) (2). Após a ingestão por um hospedeiro definitivo (3), os ovos infeciosos eclodem e as larvas penetram na parede intestinal. Nos cães mais jovens (T. canis) e nos gatos (T. cati), as larvas migram através dos pulmões, da árvore brônquica e do esófago, onde são tossidas e engolidas para o trato gastrointestinal; os vermes adultos desenvolvem-se e ovipositam no intestino Daniela Pimenta 2020/2023 103 delgado (4). Em cães mais velhos, podem também ocorrer infeções patentes (produtoras de ovos), mas as larvas ficam mais frequentemente presas nos tecidos. As larvas presas são reativadas nas cadelas durante o final da gestação e podem infetar os cachorros pelas vias transplacentária (principal) e transmamária (secundária) (5) em cujo intestino delgado os vermes adultos se estabelecem (6). Nos gatos, as larvas de T. cati podem ser transmitidas aos gatinhos através da via transmamária (5) se a mãe estiver infetada durante a gestação, mas a paragem e reativação somática das larvas não parece ser importante como no caso de T. canis. As Toxocara spp. também podem ser transmitidas indiretamente através da ingestão de hospedeiros paraténicos. Os ovos ingeridos por hospedeiros paraténicos adequados eclodem e as larvas penetram na parede intestinal e migram para vários tecidos onde encistam (7). O ciclo de vida completa-se quando os hospedeiros definitivos consomem as larvas nos tecidos dos hospedeiros paraténicos (8), e as larvas desenvolvem-se em vermes adultos no intestino delgado. Os seres humanos são hospedeiros acidentais que se infetam ao ingerir ovos infeciosos (9) ou carne mal cozinhada/vísceras de hospedeiros paraténicos infetados (10). Após a ingestão, os ovos eclodem e as larvas penetram na parede intestinal e são transportadas pela circulação para uma variedade de tecidos (fígado, coração, pulmões, cérebro, músculo, olhos) (11). Embora as larvas não sofram qualquer desenvolvimento posterior nestes locais, podem causar reações locais e danos mecânicos que provocam toxocaríase clínica. Toxocaríase humana – clínica É caracterizada por: o manifestações alérgicas; o tosse, febre, dores abdominais e penumonite o hipereosinofilia, hepatomegalia e retinocoroidite; o Epilepsia; o Miocardite O diagnóstico clínico é baseado no diagnóstico laboratorial, onde é feita a pesquisa de larvas em biopsias. Pode ser efetuada também a pesquisa de anticorpos (serologia). Daniela Pimenta 2020/2023 104 Tratamento – realizado com Mebendazol, Albendazole, Tiabendazol. Prevenção e controlo Engloba a desparasitação dos animais (cães e gatos), a prevenção e a boa higiene pessoal. Trichinella sp Existem várias espécies que são características de diferentes regiões: Trichinella spiralis é mais comum em zonas temperadas; a Trichinella nelsoni é mais comum nos trópicos e a Trichinella nativa, mais comum no Ártico. Os hospedeiros incluem todos os mamíferos carnívoros: porcos, ratos, ursos, canídeos, cavalos, felinos, mamíferos marinos e o Homem. Um único hospedeiro alberga sucessivamente os vermes adultos no intestino e as larvas nos músculos. As fêmeas são superiores aos machos e possuem vulva na região esofágica e a parte posterior está ocupada com o útero: na extremidade posterior existem ovos imaturos (8) e ovos maduros (9), já na zona mediana existem embriões livres (L1) que saem pela vulva (10). As fêmeas vivíparas originam 1500 larvas durante um período de 1-4 meses. O macho possui apêndices copuladores. Ciclo de vida de Trichinella spiralis Dependendo da classificação utilizada, existem várias espéciesde Trichinella: T. spiralis, T. pseudospiralis, T. nativa, T. murelli, T. nelsoni, T. britovi, T. papuae e T. zimbabwensis, todas elas, exceto a última, foram implicadas em doenças humanas. Os vermes adultos e as larvas encistadas desenvolvem-se num único hospedeiro vertebrado, e um animal infetado serve como hospedeiro definitivo e potencial Daniela Pimenta 2020/2023 105 hospedeiro intermediário. É necessário um segundo hospedeiro para perpetuar o ciclo de vida das triquinas. O ciclo doméstico envolveu mais frequentemente porcos e roedores antropofílicos, mas outros animais domésticos, como cavalos, podem estar envolvidos. No ciclo silvático, a gama de animais infetados é grande, mas os animais mais frequentemente associados como fontes de infeção humana são o urso, o alce e o javali. A triquinelose é causada pela ingestão de carne mal cozinhada contendo larvas encistadas (exceto T. pseudospiralis e T. papuae, que não encistam) da espécie Trichinella (1). Após exposição ao ácido gástrico e à pepsina, as larvas são libertadas dos quistos (2) e invadem a mucosa do intestino delgado, onde se desenvolvem em vermes adultos (3). O tempo de vida no intestino delgado é de cerca de quatro semanas. Após 1 semana, as fêmeas libertam larvas (4) que migram para os músculos estriados onde enquistam (5). Triquinelose – clínica Em infeções leves, com baixa carga parasitária os sintomas são do tipo da gripe. Já em infeções intensas depende da fase do ciclo de vida do parasita: o Período de invasão (1-2 dias após a ingestão da larva enquistada) ocorre gastroenterite aguda, diarreia, náuseas, febre elevada e contínua (40-41ºC), eosinofilia (20-40%), hipergamaglobulinémia. o Migração da lava; o Período de enquistamento; o Calcificação. Pode ocorrer também: mialgias profundas (podem produzir dificuldades na respiração, mastigação e deglutição); miocardite; alterações no SNC com sintomas sugestivos de psicose, meningoencefalite, acidente vascular cerebral (AVC), tumor cerebral; hemorragias sob as unhas e edema facial, sobretudo a nível palpebral – edema periorbital. O diagnóstico clínico é baseado no diagnóstico parasitológico, onde é feita a observação de larvas enquistadas em biopsias musculares: as larvas aparecem enroladas no interior da cápsula (quisto) em forma de limão e os quistos larvares medem entre 250 e 400 µm. Daniela Pimenta 2020/2023 106 Pode ser efetuada também o disgnóstico serológico, que se baseia na pesquisa de anticorpos apositivos entre a 3ª semana e o 2º mês. Pode ocorre também hipereosinofilia e o aumento de enzimas musculares, como a creatinina fosfocinase (CPK), desidrogenase do lactato (LDH) e aldolase. Prevenção e controlo Engloba cozinhar bem a carne de porco, urso, javali (a uma temperatura interna de 77 ºC), efetuar o congelamento da carne de porco (-15 ºC / 15 dias; rápido a -37ºC – é importante ter em atenção que o congelamento não é muito eficaz nos animais do Ártico (urso e morsa). A prevenção é realizada também através de efetuar a cozedura de toda a comida dada aos porcos e outros animais, e não permitir que que os porcos comam carcaças de ratos. Não se deve confiar em salmoura, na secagem, no curado ou micro-ondas para matar as formas enquistadas. Platelmintas São metazoários, com simetria bilateral e não quitinosos. Possuem corpo achatado dorsoventralmente, sem cavidade corporal. São desprovidos de sistema esquelético, circulatório ou respiratório e a maioria são hermafroditas. A superfície do corpo é constituída por tegumento cuja função é de absorção e de trocas metabólicas. O sistema muscular encontra-se por baixo do tegumento e reveste todo o corpo na sua extensão. Apresentam ciclos de vida complexos e estádios larvares morfologicamente muito diferentes dos vermes adultos. As duas classes com maior importância médica são a classe Cestoidea e a classe Trematoda. Cestoidea – são endoparasitas com ciclo heteroxeno No hospedeiro definitivo desenvolve-se o verme adulto e no hospedeiro intermediário desenvolve-se a larva. Possuem extremidade anterior, cabeça ou escólex, equipada com estruturas de fixação: ventosas, bótrias, botrídas, acúleos ou ganchos. Apresentam um corpo em forma de fita, segmentado em anéis (proglótis) achatados dorsoventralmente. O conjunto Daniela Pimenta 2020/2023 107 de anéis constitui o estróbilo. Cada anel possui um sistema reprodutor hermafrodita. Estes seres não possuem aparelho digestivo (alimentação trans-tegumentar) e o habitat dos vermes adultos é geralmente o intestino do hospedeiro definitivo. Os vermes adultos variam bastante de tamanho. As larvas caracterizam-se por produzirem um ou mais escólex, que serão as “cabeças” dos futuros parasitas adultos e o nome varia consoante as espécies. Nesta classe vamos falar acerca de parasitas da ordem Cyclophyllida, possuem ovos embrionados no momento da postura, ovos não operculados e escólex com 4 ventosas. Desta ordem é de destacar a família Teniidae que possui o género Taenia e o género Echonococcus. Nesta classe existe também a ordem Pseudophyllida, onde os ovos são operculados e não embrionados no momento da postura e o escólex possui duas largas botrias. Nesta ordem existe a família Diphyllobothriidae que inclui o género Diphyllobothrium e o Spirometra. Taenia solium/ Taenia saginata São parasitas cosmopolitas. As teníases são prevalentes em regiões onde se ingere carne bovina ou ovina crua ou mal cozinhada. A Taenia saginata tem uma prevalência superior a 10% em África, região Mediterrânica, Cáucaso e Ásia Central, cerca de 0,1% -10% América do Sul, Europa, Sul e Sudeste Asiático e no Japão e uma baixa prevalência no Canadá, Austrália e países do Pacífico Ocidental. Já a Taenia solium possui uma maior endemicidade na América Latina, África, Sudeste Asiático (países não muçulmanos) e alguns focos na Europa. Os vermes adultos possuem uma cor geralmente branca e uma superfície geralmente lisa e brilhante. A Taenia solium vive cerca de 3 anos, mas pode alcançar 20/25 anos. Já a Taenia saginata vive cerca de 10 anos, podendo chegar até 30 anos. Ambas as espécies possuem um escólex entre 1-2 mm de diâmetro e 4 ventosas, no entanto a T. solium apresenta dupla coroa de ganchos e a T. saginata não. O corpo ou estróbilo no caso da T. solium possui um comprimento de 2-3 m (podendo ir até 9m) e possui 700 a 900 proglótis. Já o da T. saginata possui um comprimento de 4-12 metros Daniela Pimenta 2020/2023 108 (podendo ir até 25m) e possui 1000 a 2000 proglótis. No caso do proglótis grávido, é possível distinguir as espécies: a T. solium possui ramificações uterinas pouco numerosas (< 12 de cada lado) e o proglótis é do tipo dendrítico com 30 000 a 50 000 ovos. Já a T. saginata possui ramificações uterinas numerosas (15-20 de cada lado), é do tipo dicotómico e possui 80 000 ovos. Os ovos não permitem distinguir entre as espécies, possuem uma membrana interna ou embrióforo e contêm um embrião hexacanto ou oncosfera (contém 6 acúleos). São muito resistentes e podem sobreviver durante meses a nãos no solo ou vegetação. O cisticerco sofre desenvolvimento durante 60-75 dias,pPode sobreviver vários anos no hospedeiro e permite distinguir entre as espécies. É uma vesícula pequena, ovoide ou esférica, cheia de líquido, branca ou semi-transparente contendo um só escólex invaginado. No caso da T. solium este escólex apresenta acúleos e no caso da T. saginata não apresenta os acúleos. Estas larvas podem desenvolver-se no músculo estriado (membros inferiores, língua e diafragma) no caso da T. saginata e no músculoestriado (pescoço, língua e tórax), cérebro, fígado e rins no caso da T. solium. Ciclo de vida de Taenia sp A teníase é a infeção dos seres humanos com a ténia adulta da Taenia saginata, T. solium ou T. asiatica. Os seres humanos são os únicos hospedeiros definitivos destas três espécies. Os ovos ou proglótis grávidos são eliminados com as fezes (1); os ovos podem sobreviver durante dias a meses no ambiente. Os bovinos (T. saginata) e os suínos (T. solium e T. asiatica) são infetados pela Daniela Pimenta 2020/2023 109 ingestão de vegetação contaminada com ovos ou proglótides grávidas (2). No intestino do animal, as oncosferas eclodem, invadem a parede intestinal e migram para os músculos estriados, onde se desenvolvem em cisticercos. Um cisticerco pode sobreviver durante vários anos no animal. Os seres humanos são infetados pela ingestão de carne infetada crua ou mal cozinhada (4). No intestino humano, o cisticerco desenvolve-se ao longo de 2 meses numa ténia adulta, que pode sobreviver durante anos. As ténias adultas fixam-se ao intestino delgado pelo seu escólex (5) e residem no intestino delgado (6). Os adultos produzem proglótis que amadurecem, tornam-se grávidos, destacam-se da ténia e migram para o ânus ou são eliminadas nas fezes (aproximadamente 6 por dia). Os ovos contidos nos proglótis grávidos são libertados depois dos proglótis serem eliminadas com as fezes. No Homem, a ingestão do cisticerco de T. solium e T. saginata provoca teníase (infeção intestinal) e a ingestão de ovos de T. solium origina cisticercose (tecidos). Teníase, infeção Intestinal – clínica Normalmente é assintomática, mas os sintomas são resultantes da presença do verme adulto no intestino, e entre aqueles encontram-se: Irritação do intestino no local de fixação; Dores abdominais; Diarreia; Náuseas e vómitos; Indigestão crónica; Perda de peso; Obstrução intestinal; Apendicite. A cisticercose humana é caracterizada pelo desenvolvimento da fase larvar no homem. As vias de transmissão incluem ou a ingestão de ovo de T. solium (Heteroinfeção através de água e alimentos ou Autoinfeção externa) ou o refluxo de anéis grávidos (autoinfeção interna). Nesta infeção formam-se cisticercos nos tecidos subcutâneos, músculo esquelético, base da língua, músculo cardíaco, globo ocular e SNC. Olhos (46%), SNC (41%), tecido subcutâneo (6%), músculos (3,5%) e outros (3,5%). Daniela Pimenta 2020/2023 110 A patogenia resulta na resposta inflamatória local induzida pela presença da larva e em lesões resultantes da ação mecânica da larva sobre os tecidos (obstrução, compressão). O quadro clínico depende de diversos fatores: localização do cisticerco, tamanho e número, presença de formas ativas (vivas) ou inativas (mortas, calcificadas) e resposta imune. ❖ Cisticercose ocular – o cisticerco desenvolve-se na retina ou no humor vítreo. Ocorre perda parcial ou total da visão. Há edema da retina, hemorragia ou vasculite e descolamento. ❖ Cisticercose muscular – maioria assintomáticos, ocorre miosite com febre e eosinofilia. Pseudo-hipertrofia muscular – tumefação muscular inicial levando à atrofia e fibrose (raro). Com frequência ocorre a calcificação dos quistos após a morte dos cisticerco sem induzirem qualquer sintomatologia. NOTA: A observação por raio-X das formas musculares (músculo da coxa) tem importância no estudo de indivíduos com convulsões não explicadas (neurocisticercose?). ❖ Cisticercose nos tecidos subcutâneos – palpáveis e podem assemelhar-se a pequenos lipomas. Requerem remoção cirúrgica – geralmente para diagnóstico. ❖ Cisticercose SNC – neurocisticercose. A localização aleatória dos cisticercos no SNC, provocando compressão, obstrução e reações inflamatórias, explica a variedade dos quadros clínicos observados. Muitos casos são assintomáticos – taxa elevada de neurocisticercose encontrada em autópsias sem corresponder a doença em vida. Os sinais são resultantes do aumento da pressão intracraniana. Manifestações neurológicas que constituem o quadro mais comum incluem: crises convulsivas epiléticas (50%), cefaleia intensa, vómitos, vertigens e edema da pupila, perturbações mentais (psicoses análogas à esquizofrenia e mania, melancolia e delírio), paralisias e diminuição da visão e atrofia do nervo ótico. O diagnostico da infeção intestinal engloba a pesquisa de ovos nas fezes (diagnóstico do género), a pesquisa de ovos pela fita adesiva, técnica de Graham (diagnóstico de género) e a pesquisa de anéis grávidos (diagnóstico da espécie – é o mais indicado). Daniela Pimenta 2020/2023 111 O diagnóstico de género significa que apenas a identificação do género e não a distinção das duas espécies. O diagnostico da cisticercose é baseado no diagnostico laboratorial através de: o Exame parasitológico de fezes – de maneira a descartar uma possível autoinfeção; o Exame parasitológico do LCR – o que fornece maior número de elementos no diagnostico da neurocisticercose; o Testes imunológicos (anticorpos no soro e no LCR) – através de imunofluorescência indireta, ELISA ou imunoblot; o Exames radiológicos – incluem raio-X, tomografia axial computorizada e ressonância magnética nuclear. Na cisticercose muscular pode ocorrer calcificação do cisticerco, dando a imagem de “grãos de arroz” no raio-X feito ao músculo. Prevenção e controlo da teníase Engloba a construção de fossas e redes de esgotos, a inspeção de carnes, fiscalização da higiene na produção de suínos e bovinos. Engloba também medidas de controle de carne, nomeadamente: salmoura por 21 dias; refrigeração a - 15 ºC/6 dias ou - 24 ºC/24 horas; carne bem cozinhada (50 - 55 ºC). A educação sanitária é também importante para orientar a população para não comer carne de porco ou de vaca mal cozinhada e consciencializar a população rural para não defecar no solo aberto. Por fim, o diagnostico e tratamento de portadores é também uma medida a implementar. Prevenção e controlo da cisticercose Engloba a prevenção, tratamento e controlo das teníases e a prevenção da autoinfeção e heteroinfeção com ovos de T. solium. Tratamento de teníase – realizado com Niclosamida, Praziquantel e Mebendazol. Tratamento de cisticercose Pode ocorrer através de cirurgia, quando o número de cisticercos é baixo e a localização é favorável. A quimioterapia cestocida é efetuada através do uso de Prazinquantel ou Daniela Pimenta 2020/2023 112 Albendazole. Já o tratamento sintomático é efetuado com Antiepiléticos ou Glucocorticóides. A monotorização do tratamento é realizada com TAC e RMN. Echinoccocus granulosus e Echinoccocus multilocularis São conhecidas énias anãs do cão e possuem um escólex com 4 ventosas e acúleos. O estróbilo possui 3 proglótis, com poros genitais unilaterais. As larvas desenvolvem-se numa variedade de animais incluindo o Homem. Os ovos suportam 11 dias à dissecação, 4 meses de congelamento a -1˚C, 1 hora a desinfetantes. A hidátide ou quisto hidático apresenta numerosas vesículas originadas por brotamento interno e que por sua vez formam os escoléx no interior. A hidátide cresce 1 cm por ano (durante muitos anos) – podem alcançar 20 cm de diâmetro. Os quistos tendem a expandir-se com um balão, acumulando litros de líquido. Ciclo de vida de Echinococcus granulosus - heteroxeno O hospedeiro definitivo é o cão (raposa, lobo, coiote e chacal) e o hospedeiro intermediário são as ovelhas (bovinos, cavalas, porcos e Homem). Daniela Pimenta 2020/2023113 A ser adulto de Echinococcus granulosus (1) reside no intestino delgado do hospedeiro definitivo. Os proglótis grávidos libertam ovos (2) que são eliminados nas fezes e são imediatamente infeciosos. Após a ingestão por um hospedeiro intermediário adequado, os ovos eclodem no intestino delgado e libertam oncosferas (3) com seis ganchos que penetram na parede intestinal e migram através do sistema circulatório para vários órgãos, especialmente o fígado e os pulmões. Nestes órgãos, a oncosfera desenvolve-se num quisto hidático (4) de paredes espessas que aumenta gradualmente, produzindo protoescólex e quistos filhos que preenchem o interior do quisto. O hospedeiro definitivo é infetado ao ingerir os órgãos contendo quistos do hospedeiro intermediário infetado. Após a ingestão, os protoescólex evaginam, fixam-se à mucosa intestinal e desenvolvem-se em estádios adultos (1) em 32 a 80 dias. Os seres humanos são hospedeiros intermediários aberrantes, e são infetados pela ingestão de ovos (2). As oncosferas são libertadas no intestino (3), e os quistos hidáticos vão desenvolver-se numa variedade de órgãos (4). Se os quistos se romperem, os protoescólex libertados podem criar quistos secundários noutros locais do corpo (equinococose secundária). Hidatidose – Clínica No hospedeiros definitivo (cão) não há patologia associada. No hospedeiro intermediária ocorre o desenvolvimento do quisto hidático. A patogenia resulta em ações mecânicas (obstrução, compressão) ou ações químico-tóxicas (risco de choque anafilática). ❖ Hidatidose hepática – ocorre compressão do parênquima, vasos e vias biliares. Congestão, necroses ou fibroses hepáticas. Estase biliar e colangites caracterizadas por dor na região do órgão (à direita junto às costelas), hepatomegalia, icterícia (pele e branco do olho amarelos). Ocorre também compressão do diafragma, rompendo-se na pleura, no pulmão ou nos brônquicos; ❖ Hidatidose pulmonar – pode ser primitiva ou secundaria à rutura de quistos hidáticos do fígado. Normalmente assintomáticos até atingirem um tamanho significativo. Daniela Pimenta 2020/2023 114 Caracterizada pela presença de tosse, dispneia, dor torácica. O doente pode expulsar na expetoração o escólex e fragmentos de membrana do quisto. O diagnóstico é efetuado através do diagnóstico laboratorial através de: o Pesquisa de parasitas – no aspirado do quisto, o Testes serológicos – através de imunoeletroforese, de hemaglutinação indireta ou ELISA; o Exames radiológicos – através do recurso a raio-X, tomografia axial computorizada (TAC) e cintilografia. Tratamento da hidatidose Neste podemos recorrer à remoção cirúrgica do quisto – feita aspiração percutânea dos quistos – APIR: 1. Aspiração percutânea, 2. Injeção com solução salina hipertónica ou outro líquido escolicida; 3. Reaspiração. Também é possível efetuar quimioterapia cestocida, recorrendo a Prazinquantel, Albendazole ou Mebendazole. Prevenção e controlo O objetivo é impedir que os cães se alimentem de vísceras cruas de animais de produção (principalmente de ovinos e bovinos), para que esgote a fonte de ovos do parasita. É importante recorrer ao desenvolvimento de programa adequado de esclarecimento e educação sanitária. Necessário um controle do abate clandestino. Efetuar a melhoria dos matadouros (impedir acesso de cães aos locais de abate e destruição das vísceras). Realizar um controle sanitário dos animais abatidos, acompanhamento de seu estado epidemiológico, para identificação das áreas-problema e para apoio ao planejamento e avaliação das medidas de controlo. E por fim, efetuar o diagnóstico e tratamento com anti-helmíntico de cães em áreas endêmicas. Daniela Pimenta 2020/2023 115 Trematodas – possuem ciclos de vida heteroxenos Nestes parasitas iremos falar acerca da família Schistomatidae, género Schistosoma e da família Fasciolidae, género Fasciola. São seres não segmentados, hermafroditas (exceto Schistosoma), possuem um tamanho muito variável (de micras a centímetros), um aparelho digestivo rudimentar e com aparelho nervoso excretor. Estes parasitas caracterizam-se por possuírem ventosas anteriores: ventosa oral, situada na zona apical do corpo, rodeando a boca; ventosa ventral, situada na parte ventral do corpo. Os ovos são operculados (exceto Schistosoma). Nos seus ciclos de vida existem pelo menos dois hospedeiros dos quais o definitivo é vertebrado e o intermediário é um molusco/artrópode. Estes parasitas distinguem-se pelas várias fases larvares: Miracídio, Rédia, Cercaria e Metacercária. São responsáveis por provocar distomatoses que podem ser intestinais, pulmunares ou hepáticas. As distomatoses intestinais incluem: o Fasciola buscki: China, Vietname, Tailândia, Indonésia, Malásia e subcontinente indiano; o Heterophyes heterophyes: Taiwan, Filipinas, Coreia, Japão, Israel e Egipto; o Metagonimus yokogawai: Japão, Sibéria, China, Filipinas, Espanha, Grécia e Balcâs. Distomatoses hepáticas podem ser provocadas por diversas espécies, entre as quais: Fasciola hepática, Fascíola gigântica, Dicrocoelium dendriticum, Clonorchis sinensis, Opistorchis felineus e Oisthorchis viverrini. Daniela Pimenta 2020/2023 116 Fasciola hepática É um parasita cosmopolita que possui como hospedeiro definitivo ovinos, bovinos e homem. Já o hospedeiro intermediário é um molusco da família Lymnaeidae (géneros Lymnaea, Succinea, Fossaria, Stagnicola, Bulinus). O seu habitat inclui os canais biliares e a vesícula biliar. Ciclo de vida de Fasciola hepática – heteroxeno Os ovos imaturos são expelidos pelos ductos biliares e passam para as fezes (1). Os ovos embrionam em água doce durante aproximadamente 2 semanas (2). Os ovos embrionados libertam miracídios (3), que invadem um caracol hospedeiro intermediário adequado (4). No caracol, os parasitas passam por vários estágios de desenvolvimento (esporoquistos (4a), redias (4b) e cercárias (4c)). As cercárias são libertadas do caracol (5) e encistam como metacercárias na vegetação aquática ou noutros substratos. Os seres humanos e outros mamíferos são infetados pela ingestão de vegetação contaminada com metacercárias (por exemplo, agrião) (6). Após a ingestão, as metacercárias exquistam no duodeno (7) e penetram na cavidade peritoneal através da parede intestinal. Os vermes imaturos migram então através do parênquima hepático para os ductos biliares, onde amadurecem em vermes adultos e produzem ovos (8). Nos seres humanos, a maturação das metacercárias em vermes adultos demora normalmente cerca de 3-4 meses. Fasciolíase – Clínica Os sintomas variam de acordo com o período da infeção e com o período de parasitismo biliar. No período de infeção ocorre sobretudo: febre moderada, emagrecimento, urticária, Daniela Pimenta 2020/2023 117 hepatite, hepatomegalia. Relativamente aos parâmetros hematológicos pode ocorrer hiperosinofilia (pode chegar até 60%), leucocitose e anemia moderada vs aumentada. Já relativamente aos parâmetros imunológicos ocorrem valores de IgG, IgM e IgE aumentadas. Por fim, os parâmetros bioquímicos incluem bilirrubinas e transaminases (marcadores hepáticos) normais (raramente aumentadas). No período de parasitismo biliar ocorre sobretudo: hepatomegalia persistente e dolorosa, cólicas hepáticas, icterícia e cirrose. Relativamente aos parâmetros hematológicos há uma descida brusca da eosinofilia (até 5-6%). Nos parâmetros imunológicos as IgE, IgG, IgM estão aumentadas. Já nos parâmetros bioquímicos as bilirrubinas, transaminases e a fosfatase alcalina estão aumentadas.O diagnóstico também varia de acordo com o período. Durante o período de invasão (2-3 meses) o diagnóstico efetuado é o serológico – anticorpos anti-fasciola (3 semanas após a infeção). Durante o período de parasitismo biliar o diagnostico parasitológico (2 meses após a infeção) pode ser feito através da pesquisa de ovos nas fezes ou na bílis – recolhidas 3 amostras em períodos alternados ou numa janela máxima de 10 dias. Nota: uma dieta do animal isenta de fígado ou derivados como pasta de fígado – evitar dar um falso positivo. Tratamento – é realizado com Bitionol, Praziquantel e Albendazol Prevenção e controlo Efetuar a vigilância e o tratamento dos animais, evitar o consumo de vegetais selvagens crus (agrião) ou provenientes de culturas irrigadas com águas contaminadas e recorrer à destruição dos moluscos. Schistosoma spp. Cerca de 2000 milhões de pessoas são infetadas. Estes parasitas originam elevada morbilidade, cerca de 1 milhão de pessoas morre por ano. Estas infeções correm principalmente na África, América do Sul, Ásia e algumas ilhas das caraíbas. A transmissão ocorre devido ao contacto com água doce contaminada – a cercaria penetra a pele. Daniela Pimenta 2020/2023 118 As espécies capazes de provocar infeção são: Schistosoma mansoni, Schistosoma haematobium, Schistosoma japonicum, Schistosoma intercalatum e Schistosoma mekongi. Os Schistosoma são os tremátodas do sangue pertencentes à subclasse Digenea. São muito diferentes da maioria dos outros tremátodas da mesma subclasse uma vez que possuem sexos separados, adultos são delgados e longos, os ovos são não operculados e a cercária possui cauda bifurcada (furococercária). As características dos Digenea incluem as duas ventosas, tegumento, aparelho digestivo incompleto, o hospedeiro intermediário é o caracol e apresentam os mesmos estádios no ciclo de vida, mas sem rédia ou metacercária. Os vermes adultos possuem dimorfismo sexual acentuado, a fêmea tem o corpo cilíndrico, mais fino e mais longo que o macho, que mede cerca de 1cm de comprimento e possui na extremidade anterior uma ventosa oral afilada e, a pequena distância, uma segunda ventosa pedunculada. No macho a face ventral é achatada e está transformada num canal designado canal ginecóforo, onde se aloja a fêmea. Possuem uma vida média de 5 a 10 anos. Alimentam-se de sangue podendo causar anemia. Os ovos são incolores ou amarelo-pálidos, embrionados, ovóides com uma espícula e não têm opérculo. Ciclo de vida de Schistosoma sp – heteroxeno Os ovos de Schistosoma são eliminados através das fezes ou da urina, consoante a espécie (1). Daniela Pimenta 2020/2023 119 Em condições adequadas, os ovos eclodem e libertam miracídios (2), que nadam e penetram em caracóis hospedeiros intermediários específicos (3). As fases no caracol incluem duas gerações de esporoquistos (4) e a produção de cercárias (5). Após a libertação do caracol, as cercárias infeciosas nadam, penetram na pele do hospedeiro humano e libertam as suas caudas bifurcadas, transformando-se em esquistossómulos (7). Os esquistossómulos migram através da circulação venosa para os pulmões, depois para o coração, e desenvolvem-se no fígado, saindo do fígado através do sistema da veia porta quando maduros, (8,9) . Os vermes adultos machos e fêmeas copulam e residem nas vénulas mesentéricas, cuja localização varia consoante a espécie (com algumas exceções) (10). Por exemplo, o S. japonicum é mais frequentemente encontrado nas veias mesentéricas superiores que drenam o intestino delgado (A), e o S. mansoni ocorre mais frequentemente nas veias mesentéricas inferiores que drenam o intestino grosso (B). No entanto, ambas as espécies podem ocupar qualquer uma das localizações e são capazes de se deslocar entre elas. O S. haematobium habita mais frequentemente nos plexos venosos vesiculares e pélvicos da imagem da bexiga (C), mas também pode ser encontrado nas vénulas rectais. As fêmeas depositam os ovos nas pequenas vénulas dos sistemas portais e perivesicais. Os ovos deslocam-se progressivamente para o lúmen do intestino (S. mansoni e S. japonicum) e da bexiga e ureteres (S. haematobium), sendo eliminados com as fezes ou urina, respetivamente (1). Resumindo, o Shistosoma haematobium provoca bilharzíase urogenital ou vesical, o Shistosoma mansoni e o S. intercalatum provocam bilharzíase intestinal e hepatoesplénica, enquanto o Shistosoma japonicum e o S. mekongi provocam bilharzíase intestinal, hepatoesplénica e arteriovenosa. A patologia ocorre devido à penetração das cercárias na pele, devido à migração dos vermes imaturos no coração, devido aos vermes adultos e/ou aos ovos. o A penetração das cercárias na pele causam: petéquias, edema, prurido e dor. Estas reações manifestam-se 2-3 dias e posteriormente ocorre a regressão. o A migração dos vermes imaturos no coração, pulmão e fígado, no caso da forma toxémica (provoca reações tóxicas e alérgicas transitórias) origina febre, eosinofilia (50%), linfoadenopatia, esplenomegalia, urticária, tosse, hemoptise e hepatite. Daniela Pimenta 2020/2023 120 o Vermes adultos podem causar obstrução (por ação mecânica) e irritação. Para haver ação espoliadora deve ser realizado o consumo de 2,5 mg de ferro por dia. Os vermes mortos causam lesões no fígado. o Ovos – na fase aguda, caracterizada pela postura e disseminação de ovos, a forma toxémica causa febre, calafrios, fenómeros alérgicos, cólicas, hepatoesplenomegalia discreta, alterações das transaminases, emagrecimento, diarreia ou disenteria (S. mansoni, S. intercalatum, S. japonicum) e Hematúria ou disúria (S. haematobium). Os ovos são responsáveis por provocar traumatismos locais devido à passagem pelos tecidos. Pode ocorrer também formação de um granuloma inflamatório fibro-escleroso e calcificação. Podem ser transportados pela circulação e originar granulomas perivasculares. A resposta imune celular deve-se à presença de ovos, e são estes os responsáveis pela fase crónica da doença. Schistosoma mansoni – Esquistossomíase aguda A esquistossomíase mansónica é popularmente conhecida no Brasil como barriga d’água, xistossomose, xistosa, doença dos caramujos. Apresenta uma fase pré-postural que aparece entre 10 a 15 dias após a infeção que pode ser assintomática ou inaparente, ou então causar um mal estar, febre, tosse e hepatite aguda. Apresenta também uma fase aguda que se manifesta entre 50 a 120 após a infeção. Nesta ocorre disseminação de ovos, caracterizando a forma toxémica: febre, calafrios, emagrecimento, fenómenos alérgicos, cólicas, hepatoesplenomegalia discreta, alterações das transminases, diarreia, disenteria. Schistosoma mansoni – Esquistossomíase crónica A forma intestinal é normalmente benigna. Em casos graves ocorre: o Fibrose da ança reto-sigmoide; o Obstipação alternada com períodos de diarreia; o Cólicas intestinais e tenesmo retal; Daniela Pimenta 2020/2023 121 o Astenia e emagrecimento; o Formação de numerosos granulomas (presença de grande número de ovos num determinado ponto). Na forma hepática o fígado encontra-se aumentado e doloroso à palpação. Ocorre cirrose hepática. Os ovos prendem-se nos capilares porta-hepáticos com a formação de numerosos granulomas o que provoca fibrose com lobulações – fibrose periportal que leva à obstrução dos ramos intra-hepáticos da veia porta causando hipertensão portal. Esta consequência de eventos pode provocar hemorragias, febre, anemia, edemas e ascites. A forma esplénica ocorre devido a congestão do ramo esplénico levando a esplenomegalia. O desenvolvimentoda circulação colateral anormal intra-hepática e de anastomoses do plexo hemorroidal, umbigo, esófago, região inguinal leva à formação de varizes. Schistosoma japonicum Responsável por originar esquistossomíase intestinal (febre de Katayama). Esta ocorre maioritariamente devido à inflamação que se instala contra os ovos. Os ovos são produzidos em grande número, não têm um espícula proeminente e são mais facilmente disseminados pelo sangue. Clínica Os sintomas vão depender da fase da infeção. A fase migratória é normalmente assintomática. Na fase aguda existe uma elevada taxa de mortalidade. Já na fase crónica podem ocorrer diversos sintomas, como: ascites, aumento do baço e fígado, cirrose hepática e pulmonar e os ovos podem alojar-se no cérebro causando alterações neurológicas. Esta espécie é mais patogénica que as outras. Schistosoma haematobium Clínica As infeções leves são normalmente assintomáticas. Os sintomas surgem ao fim de 3 a 6 meses. Pode ocorrer disúria e hematúria (hematúria terminal é o primeiro sinal da infeção). A eosinofilúria é característica da infeção. Pode causar também bacteriúria crónica e ocorrer a Daniela Pimenta 2020/2023 122 formação de pólipos na parede vesical e obstrução urinária. No caso do homem afeta: uretra, próstata, glândulas seminais, cordão espermático, pénis (elefantíase). Pode originar nefropatia devido a imunocomplexos, neoplasias da bexiga e fibrose pulmonar: o envolvimento pulmonar é muito comum com dispneia, tosse e hemoptise. Relacionado com o SNC surgem: convulsões, defeitos na fala e na visão. O diagnóstico das esquistossomíases pode ser laboratorial, que inclui a pesquisa de ovos nas fezes ou pesquisa em biopsia retal (S. mansoni e S. japonicum), pesquisa de ovos na urina ou pesquisa em biopsia vesical (S. haematobium). Para além deste pode recorrer-se também a testes serológicos – intradermorreação, ELISA, fixação de complemento e IFI. Nota: cristais de Charcot-Leyden e eosinófilos na expetoração (esquistossomíase pulmonar) e no hemograma pode ser verificada anemia e elevada eosinofilia. Tratamento das esquistossomíases – pode ser realizado com dois fármacos. - Praziquantel – é eficaz em todas as esquistossomíases. Na febre de Katayama grave, pode ser necessário usar esteroides inicialmente e só depois de terminar a fase aguda fazer o tratamento definitivo. - Oxamniquina – é muito mais barato que o praziquantel, mas é ineficaz em infeções por S. haematobium e S. japonicum. Prevenção e controlo Deve ser efetuado o saneamento básico, a educação sanitária, o tratamento dos doentes e o combate ao molusco nos focos peridomiciliares. Dermatite esquistossómica No caso da dermatite esquistossómica, trata-se um Schistosoma spp de aves e mamíferos semiaquáticos. Esta dermatite encontra-se em lagos de água doce e algumas praias (mar). as cercárias de Schistosoma penetram ocasionalmente a pele do homem. A cercária não invade a circulação (impasse parasitário). É também designada de “prurido dos nadadores” uma vez que causa: reação alérgica à cercaria, eritema e urticária local ou generalizada. Daniela Pimenta 2020/2023 123 Tratamento – é realizado com Hidrocortisona ou anti-histamínicos. Prevenção Os lagos no fim do verão com elevada população de caracóis devem ser elevados. O corpo deve ser passado sempre por água fresca e deve ser também esfregado com uma toalha.