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FACULDADE DE EDUCAÇÃO DO PIAUI - FAEPI SOCIEDADE EDUCACIONAL DE TERESINA – SETE CNPJ: 17.773.534/0001-53 www.faepi.edu.br Telefone:(86)3218-6059 CURSO: Licenciatura em Pedagogia PROFESSORA: Lidiane Borges DATA: 07/04/2024 e 21/04/2024 FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PEDAGOGIA Vila São Paulo / Senador Alexandre Costa – MA Introdução Os fundamentos epistemológicos da pedagogia são pilares essenciais que sustentam a compreensão e prática da educação como ciência e arte. Nessa disciplina, mergulhamos nas raízes do conhecimento pedagógico, explorando suas bases teóricas, filosóficas e epistemológicas. Através de um olhar crítico e reflexivo, buscamos compreender como o conhecimento é construído, como os processos de aprendizagem ocorrem e como os diferentes paradigmas influenciam a prática educativa. Ao examinar os fundamentos epistemológicos da pedagogia, adentramos em debates sobre a natureza do conhecimento, a relação entre ensino e aprendizagem, a influência das teorias do desenvolvimento humano e a interação entre cultura, sociedade e educação. Essa disciplina nos convida a questionar nossas concepções prévias, a analisar criticamente as abordagens pedagógicas e a construir um entendimento sólido das bases teóricas que fundamentam a prática educativa. Ao longo deste curso, exploraremos as principais correntes de pensamento, desde os filósofos clássicos até as teorias contemporâneas, examinando suas contribuições para a compreensão da pedagogia como disciplina acadêmica e prática social. Por meio de leituras, discussões e reflexões, esperamos que os estudantes desenvolvam uma visão abrangente e crítica dos fundamentos epistemológicos que sustentam a pedagogia, capacitando-os a uma atuação mais consciente, ética e eficaz no campo da educação. ‘Caros alunos, é com grande entusiasmo que apresento a vocês uma reflexão sobre os Fundamentos Epistemológicos da Pedagogia. Nesta disciplina, exploraremos as bases teóricas e filosóficas que sustentam a prática educacional, examinando como concepções sobre conhecimento e aprendizagem influenciam a forma como ensinamos e aprendemos. 1. Conceitos Fundamentais: Vamos começar esclarecendo alguns conceitos essenciais. Epistemologia, o que é? Qual seu objeto de estudo? Nesta disciplina, exploraremos como diferentes teorias epistemológicas informam a prática pedagógica. 2. Principais Correntes Epistemológicas: Ao longo do curso, iremos analisar diversas correntes epistemológicas e sua relevância para a pedagogia. Discutiremos o empirismo, que enfatiza a experiência sensorial como base do conhecimento, o racionalismo, que destaca a razão e o pensamento lógico, e o construtivismo, que enfoca a construção ativa do conhecimento pelos alunos. 3. Aplicações na Prática Pedagógica: Um aspecto fundamental desta disciplina é a sua aplicabilidade prática. Vamos explorar como as diferentes concepções epistemológicas se traduzem em métodos de ensino, estratégias de aprendizagem e abordagens curriculares. Será uma oportunidade para refletirmos sobre como podemos melhorar nossas práticas pedagógicas com base em sólidos fundamentos epistemológicos. 4. Reflexão Crítica: Ao longo do curso, encorajarei vocês a desenvolverem uma postura reflexiva e crítica em relação aos fundamentos epistemológicos da pedagogia. Vamos questionar pressupostos, examinar crenças implícitas e explorar as implicações éticas e sociais de diferentes abordagens educacionais. 5. Projetos e Discussões: Para enriquecer nosso aprendizado, teremos trabalhos individuais e em grupo, bem como discussões em sala de aula. Essas atividades nos permitirão aplicar os conceitos discutidos em contextos educacionais concretos e promover uma troca de ideias estimulante entre os participantes. Conclusão: Em resumo, esta disciplina nos convida a mergulhar nas profundezas da teoria epistemológica e explorar suas implicações para a prática educacional. Espero que todos vocês aproveitem esta jornada intelectual e que ela enriqueça não apenas o seu entendimento da pedagogia, mas também a sua prática como educadores. Agradeço a atenção de todos e estou ansiosa para embarcar nesta jornada de descoberta e aprendizado com vocês. Obrigado. FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA PEDAGOGIA Os fundamentos epistemológicos da pedagogia se referem às bases teóricas e filosóficas que fundamentam o conhecimento e a prática da educação. Epistemologia é o ramo da filosofia que estuda a natureza do conhecimento, sua origem, natureza, métodos e limites. Portanto, os fundamentos epistemológicos da pedagogia dizem respeito às concepções sobre como o conhecimento é adquirido, organizado e transmitido, assim como as implicações dessas concepções para a prática educacional. A Epistemologia ou Teoria do Conhecimento é uma das áreas da filosofia que estuda o conhecimento. A epistemologia estuda a formação do conhecimento, a diferença entre ciência e senso comum, a validade do saber científico, dentre outras questões. MAS, O QUE É EPISTOMOLOGIA? Significado de Epistemologia Assim como a ética se ocupa das questões morais e a política trata do funcionamento da sociedade, a epistemologia se ocupa do saber. Epistem – vem do grego e significa conhecimento e Logia – estudo. Assim, a epistemologia é o estudo do conhecimento, suas fontes e como ocorre sua aquisição. De onde vem o conhecimento? Como sabemos que sabemos algo? A Epistemologia busca as respostas para essas perguntas. A filosofia sempre parte de questões. Desta maneira, podemos sistematizar as perguntas que a epistemologia busca responder: O que é a ciência? O que é o conhecimento científico? O conhecimento científico é verdadeiro? A filosofia determina que uma área do saber, para ser considerada ciência, deve ter um método definido. O conhecimento científico seria o conjunto de saberes que está justificado e provado através de testes que podem ser realizados em qualquer circunstância, tempo e lugar, que darão o mesmo resultado. No entanto, a verdade pode ser construída racionalmente dentro de cada período histórico. Muitas vezes, o que se acredita numa época será rejeitado ou invalidado posteriormente. Origem da Epistemologia A epistemologia surgiu com os filósofos pré-socráticos. No período clássico, as discussões sobre o tema começam a ganhar forma, especialmente através de Sócrates, Aristóteles e Platão. Cada um deles cria um método para explicar suas ideias, prescindindo dos mitos para chegar às suas conclusões de maneira racional. No entanto, a epistemologia ganha força na Idade Moderna quando as ideias do Humanismo, Renascimento, Iluminismo foram ganhando espaço na sociedade. Assim, um dos objetivos dos estudiosos foi diferenciar o senso comum da ciência. Exemplo: Uma pessoa pode afirmar que sabe que vai chover porque o joelho está doendo. Isto seria o senso comum, pois não há embasamento científico para alguém acreditar que isso possa ser verdade. Por outro lado, uma pessoa pode afirmar que vai chover porque observou as nuvens e o vento, e sabe que quando eles se comportam de determinada maneira, é possível que chova. EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO A relação entre epistemologia e educação é profunda e fundamental para compreendermos tanto o processo de aquisição do conhecimento quanto as práticas pedagógicas que o facilitam. Epistemologia, como o estudo da natureza, origem e limites do conhecimento, fornece as bases filosóficas que sustentam a educação em seus diversos aspectos. Teorias epistemológicas como o empirismo, o racionalismo e o construtivismo, por exemplo, oferecem perspectivas distintas sobre como os indivíduos aprendem. Essas diferentes concepções têm implicações significativas para as práticas educacionais, influenciando a seleção de métodos de ensino, estratégias de aprendizagem e abordagens curriculares. A epistemologia também lança luz sobre a natureza do conhecimento em si. Questões como "O que é conhecimento?" e "Como podemos saber que algo é verdadeiro?" são centrais tanto para a filosofia quantopara a educação. As teorias epistemológicas oferecem diferentes respostas a essas perguntas, informando não apenas o conteúdo do currículo educacional, mas também os objetivos educacionais subjacentes. Além disso, a epistemologia desafia os educadores a refletirem criticamente sobre as fontes e os limites do conhecimento. Isso inclui questionar pressupostos, examinar crenças implícitas e reconhecer a influência do contexto cultural e social na produção e disseminação do conhecimento. Ao integrar essas reflexões em suas práticas pedagógicas, os educadores podem ajudar os alunos a desenvolverem não apenas conhecimentos específicos, mas também habilidades de pensamento crítico e consciência metacognitiva. Em resumo, a epistemologia e a educação estão intrinsecamente ligadas, com a primeira fornecendo as bases filosóficas e teóricas que sustentam a última. Ao compreendermos as diferentes perspectivas epistemológicas e suas implicações para a prática educacional, podemos criar ambientes de aprendizagem mais ricos, inclusivos e eficazes, capacitando os alunos a se tornarem pensadores críticos e aprendizes ao longo da vida. A BUSCA EPISTEMOLÓGICA AO LONGO DO TEMPO Ao longo da história, a busca epistemológica tem sido uma jornada constante em direção ao entendimento mais profundo da natureza do conhecimento e da sua aquisição. Desde as civilizações antigas até os debates filosóficos contemporâneos, a humanidade tem se empenhado em compreender como sabemos o que sabemos e qual é a natureza do conhecimento em si. Essa busca epistemológica tem sido influenciada por uma série de fatores, incluindo avanços na ciência, mudanças culturais, debates filosóficos e desenvolvimentos tecnológicos. Na Grécia Antiga, pensadores como Platão e Aristóteles ofereceram algumas das primeiras reflexões sistemáticas sobre a natureza do conhecimento. Para Platão, o conhecimento verdadeiro estava enraizado em formas ideais e transcendentais, enquanto para Aristóteles, o conhecimento derivava da observação e da experiência empírica. Essas perspectivas divergentes estabeleceram os fundamentos para séculos de debate filosófico sobre a epistemologia. Durante a Idade Média, a epistemologia foi profundamente influenciada pelo pensamento religioso e teológico, com questões sobre fé e razão ocupando um lugar central nas discussões intelectuais. No Renascimento, o humanismo emergiu como um movimento que enfatizava a importância do conhecimento humano e da investigação científica, desafiando as visões tradicionais baseadas na autoridade religiosa. No período moderno, o Iluminismo trouxe consigo uma ênfase na razão, na ciência e no empirismo como fontes primárias de conhecimento. Filósofos como Descartes, Locke e Kant exploraram questões epistemológicas fundamentais, incluindo a natureza da mente, a origem das ideias e os limites do conhecimento humano. O século XX testemunhou uma proliferação de abordagens epistemológicas, incluindo o pragmatismo, o positivismo lógico, o construtivismo e o pós-estruturalismo. Cada uma dessas perspectivas ofereceu novas maneiras de entender o conhecimento e a sua aquisição, influenciando tanto a filosofia quanto as ciências sociais e naturais. Hoje, a busca epistemológica continua em meio a debates sobre a natureza do conhecimento na era da informação e da globalização. Questões sobre a confiabilidade da evidência, a validade das fontes e os limites da objetividade estão na vanguarda das discussões contemporâneas. Além disso, os avanços na tecnologia da informação e na inteligência artificial estão levantando novas questões sobre a natureza da inteligência e da cognição. Em suma, a busca epistemológica ao longo do tempo reflete a busca humana incessante pelo entendimento do mundo e de nós mesmos. É um testemunho da nossa curiosidade intelectual e da nossa capacidade de questionar, investigar e aprender em busca da verdade e do conhecimento. A educação, informal ou formal, tem como matéria prima o conhecimento. Em outras palavras, aprender ou ensinar é lidar, necessariamente, com o conhecimento. Dentro desta perspectiva, promover um espaço de reflexão sobre a relação entre a teoria do conhecimento, a epistemologia e processos de ensino e aprendizagem torna-se relevante para qualquer projeto que vise à transformação do processo educativo. A epistemologia, por tratar da origem do conhecimento, é um campo vasto de estudo das várias áreas, inclusive na área pedagógica, na medida em que lança luzes para evidenciar o entendimento da prática docente e das intervenções a serem realizadas frente à complexidade do ensino/aprendizagem. Todo educador tem uma interpretação, nem sempre consciente e reflexiva, sobre o conhecimento: o que é, de onde vem e como chegar até ele. Fala-se aqui de uma teoria do conhecimento, depois filosofia da ciência e mais recentemente, epistemologia (episteme=ciência). Toda prática pedagógica tem subjacente uma concepção de conhecimento e supõe uma teoria de aprendizagem. O problema do conhecimento é a pedra angular da epistemologia. Ainda que não seja recente refletir epistemologicamente sobre a Educação, só nos últimos tempos é mais comum na pesquisa educacional usar o termo epistemologia para fazer referência às reflexões filosóficas sobre o conhecimento, à relação sujeito-objeto, às estratégias de pesquisa, à interface teoria-prática, à cientificidade dos conhecimentos educacionais etc. A questão do conhecimento tem um papel central em qualquer teoria da aprendizagem ou educacional. A questão fundamental é: como o ser humano constrói seu conhecimento? Ou ainda: o que é aprender? O que é conhecer? Como se relacionam aprender e conhecer? O que é necessário para aprender um assunto completamente novo? Como se passa de um conhecimento mais simples para um mais complexo? ATIVIDADE: Analisem e discutam os estudos de caso, identificando como as teorias epistemológicas influenciaram as práticas educacionais descritas e proponha soluções fundamentadas em diferentes perspectivas. Dilema Ético: Um professor de ciências está ensinando sobre evolução em uma escola onde há uma forte oposição por parte de alguns pais e membros da comunidade devido a suas crenças religiosas. O professor se vê diante do dilema ético de como abordar o tema de forma objetiva e científica, ao mesmo tempo em que respeita as crenças dos alunos e suas famílias. Conflito de Valores: Uma escola decide implementar um programa de educação sexual abrangente, que inclui informações sobre contracepção e prevenção de doenças sexualmente transmissíveis. No entanto, alguns pais e membros da comunidade acreditam que esse tipo de educação contradiz seus valores morais e religiosos. A escola enfrenta um conflito de valores entre a promoção da saúde e o respeito às crenças e valores individuais. Filósofos, psicólogos e pedagogos tentam entender estas questões, para que possam entender o próprio processo de ensino-aprendizagem. Desde a mais alta antiguidade os filósofos estiveram, de alguma forma, envoltos com a questão do conhecimento. Na modernidade, pensadores como René Descarte, John Locke, se ocuparam de algumas destas questões. Contemporaneamente a psicologia também procura responder tais questionamentos, como na Epistemologia Genética de Jean Piaget ou o Interacionismo Sócio-Histórico de Vygotski. Filósofos empiristas (a palavra empirismo tem sua origem no grego, empeiria, e significa experiência) como John Locke enfatizavam todas as nossas ideias (e, por consequência, todo nosso conhecimento) são provenientes de nossas percepções sensoriais. Já os filósofos racionalistas como Descartes atribuíam maior confiança ao poder da razão como fonte de conhecimento, uma vez que o conhecimento que recebemos através dos sentidos não são confiáveis e podem nos induzir ao erro. Procurando conciliar as ideias empiristas com as ideias racionalistas, o filósofo alemão Immanuel Kant afirmava que todo conhecimento começa com a experiência e que a razão é uma espécie de ordenadora dos dados sensoriais, ou seja, sem a razão, não háconhecimento, assim como não há conhecimento sem a experiência. Kant considerava que o conhecimento não podia fundamentar-se unicamente na razão, como pretendiam os racionalistas, mas também não podia reduzir-se unicamente aos dados da experiência. Na visão de Kant (Crítica da razão pura. São Paulo, Nova Cultural: 1999, p. 32), O nosso conhecimento procede de duas fontes fundamentais do espírito: a primeira é o poder de receber as representações (a receptividade das impressões), a segunda, o de conhecer o objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos conceitos). Pelo primeiro, um objeto é-nos dado; pelo segundo, ele é pensado em relação com esta representação (como simples determinação do espírito). (...) Se chamamos sensibilidade à receptividade do nosso espírito, a capacidade que tem de receber representações na medida em que é afetado de alguma maneira, deveremos, em contrapartida, chamar entendimento à capacidade de produzirmos nós mesmos representações ou à espontaneidade do conhecimento. (...) Nenhuma destas duas propriedades é preferível à outra. O verdadeiro conhecimento pressupõe a experiência como modo do homem contatar com a realidade, e do fato de existirem conceitos e categorias que são a priori (anterior à experiência) e, como tal, possuem as características de universalidade e de necessidade. As Bases Epistemológicas de Toda Teoria Educacional No que diz respeito aos pressupostos epistemológicos de toda teoria educacional é possível constatar basicamente três diferentes formas de representar a relação ensino-aprendizagem: o empirismo, o inatismo e o construtivismo, que correspondem, respectivamente, a três modelos pedagógicos, a saber, a pedagogia diretiva, a não-diretiva e a relacional. Antes de nos determos em cada um destes modelos pedagógicos, vejamos os seus pressupostos epistemológicos. A tradição empirista concebe o sujeito, ao nascer, como uma tabua rasa ou um papel em branco; o conhecimento (conteúdo e estrutura) é algo adquirido do meio físico e social, podendo ser transmitido. Dentro desta perspectiva o professor é visto como aquele que ensina e o aluno como aquele que aprende. O professor deverá depositar o conhecimento na mente do aluno que deixará, então, de ser um papel em branco. A crítica a esta visão se deve ao fato de que este modelo pedagógico acaba por reproduzir sujeitos passivos, em que o lugar para questionamentos e o próprio ato de pensar é relegado a um segundo plano, já que o conteúdo e sua transmissão são vistos como aspectos centrais do processo. Numa concepção exclusivamente empirista, o conhecimento é exterior ao sujeito e é apreendido por este através dos sentidos. Na relação professor-aluno esta concepção se reflete na forma de uma educação bancária, onde o professor detém o saber e o deposita na mente do aluno. O aluno é passivo, mero receptor de informações, próprio da pedagogia tradicional. O conhecimento aparece, aqui, como tributário de uma fonte externa ao sujeito. A teoria vem de fora trazida pelo professor; não se questiona sobre a sua origem; ela deve ser transformada em objeto sensível para ser aprendida. A prática é um recurso sensorial que permite a retenção da teoria pelo sujeito da aprendizagem; não se interroga a respeito de suas condições prévias. Os questionamentos, se existem, terminam por aí. Trata-se de uma concepção estática, empirista do conhecimento. Na concepção epistemológica inatista (oriunda do racionalismo), o professor é um auxiliar do aluno, um facilitador, pois o aluno já traz em si um saber que ele precisa, apenas, trazer à consciência, organizar, ou, ainda, rechear de conteúdo. O professor deve interferir o mínimo possível. Essa epistemologia acredita que o ser humano nasce com o conhecimento já programado na sua herança genética (daí a palavra inatismo). A grande questão a ser posta em relação a este modelo epistemológico é sobre o papel da educação em relação as determinações inatas, desconsiderando e diminuindo o papel dos fatores e interações sócio-culturais. Finalmente uma concepção epistemológica construtivista ou interacionista vê o professor, necessariamente, como um mediador na relação aluno-conhecimento. A respeito destas duas visões, faremos uma análise mais detalhada, pouco mais a diante. A partir destes pressupostos epistemológicos podemos falar de modelos pedagógicos a partir da ênfase dada no papel do professor, do aluno ou da relação entre ambos. A Pedagogia diretiva e o seu pressuposto epistemológico. Neste modelo, o conhecimento e a capacidade de conhecer dos estudantes viriam do meio físico e social, o que se enquadra epistemologicamente no empirismo e também está em conformidade as ideias comportamentalistas (behavioristas) do americano Skinner. O professor segue a crença do mito da transferência do conhecimento: o que ele sabe pode ser transferido para o estudante, ficando este submetido à fala do professor. Podemos falar aqui de uma pedagogia centrada no professor. A Pedagogia não-diretiva e o seu pressuposto epistemológico. A epistemologia que fundamenta essa postura pedagógica é chamada de inatismo ou apriorismo. Está baseada na ideia de que o conhecimento ocorre através de estruturas prévias a qualquer experiência (como no caso da teoria do filósofo Kant). Um dos estudiosos mais conhecidos defensores do inatismo é Noam Chomsky. Ele evidencia que, no sujeito, a competência implica atividade criadora, de forma que, nenhuma teoria, empirista e comportamentalista, explica a competência linguística de uma criança, por exemplo. Podemos falar aqui de uma pedagogia centrada no aluno. Outro exemplo dessa visão podemos encontrar na psicologia de Carl Rogers. A Pedagogia relacional e o seu pressuposto epistemológico. Parte da premissa de que não se transmite o conhecimento, este se constrói por força do sujeito sobre o objeto e pelo retorno desta ação sobre o sujeito. Uma pedagogia centrada na relação professor-aluno tende a descentralizar os polos da relação pedagógica (razão e experiência, por exemplo), dialetizando-os. Nenhum dos polos dispõe de hegemonia prévia. O professor traz sua bagagem, o aluno também. São bagagens diferenciadas que entram em relação. Nada, a rigor, pode ser definido previamente devido à infinidade de níveis possíveis dessas diferentes bagagens. O processo pedagógico não está centrado nem no professor, nem no aluno, mas na relação entre ambos, e esta era a visão de Jean Piaget e Lev Vygotsky (sobre as ideias de Vygotsky, veja o texto: O sócio interacionismo de Lev Vygotsky). O Construtivismo é uma das correntes teóricas empenhadas em explicar como a inteligência humana se desenvolve partindo do princípio de que o desenvolvimento da inteligência é determinado pelas ações mútuas entre o indivíduo e o meio. Esta concepção do conhecimento e da aprendizagem que derivam, principalmente, das teorias da epistemologia genética de Piaget e da pesquisa sócio-histórica de Vygotsky parte da ideia de que o homem não nasce inteligente, mas também não é passivo sob a influência do meio, isto é, ele responde aos estímulos externos agindo sobre eles para construir e organizar o seu próprio conhecimento, de forma cada vez mais elaborada. Nesta concepção o conhecimento não se traduz em atingir a verdade absoluta, em representar o real tal como ele é, mas numa questão de adaptação (noção trazida da biologia) do organismo a seu meio ambiente. Assim, o sujeito do conhecimento está o tempo todo modelando suas ações e operações conceituais com base nas suas experiências. O próprio mundo sensorial com que se depara é um resultado das relações que se mantém com este meio, de atividade perceptiva para com ele, e não um meio que existe independentemente. O ensino baseado em pressupostos construtivistas introduz um novo ambiente de ensino e de aprendizagem, que apresenta dificuldades novas e insuspeitadas ao professor, que precisa sentir e tomar consciência desse novo contexto e do novo papel que deverá exercer em classe, exigindo novas práticas docentes e discentes na nossa cultura escolar.• ANÁLISE REFLEXIVA PEDAGOGIA DO OPRIMIDO A "Pedagogia do Oprimido" é uma obra seminal escrita pelo educador brasileiro Paulo Freire, publicada originalmente em 1968. Este livro propõe uma abordagem revolucionária para a prática educativa, focando na libertação dos oprimidos através da educação. Freire desenvolve sua teoria pedagógica a partir de uma análise crítica das relações de poder na sociedade, especialmente aquelas que perpetuam a opressão e a marginalização de grupos sociais. O cerne da Pedagogia do Oprimido reside na concepção de educação como um ato político e libertador. Freire argumenta que a educação tradicional, baseada na transmissão passiva de conhecimento pelo educador para o educando, perpetua a dominação e a subjugação dos oprimidos. Em contrapartida, propõe um modelo de educação dialógica, onde educadores e educandos participam ativamente de um processo de construção mútua do conhecimento. Nesse processo, os educadores devem desempenhar o papel de facilitadores, incentivando a reflexão crítica e a conscientização dos educandos sobre sua condição de opressão. Através do diálogo e da problematização das estruturas sociais injustas, os educandos são capacitados a se tornarem agentes de mudança em suas próprias vidas e comunidades. A Pedagogia do Oprimido também enfatiza a importância da alfabetização como um instrumento de libertação. Freire desenvolveu o método "Paulo Freire", baseado na alfabetização conscientizadora, que parte da realidade dos educandos e os capacita a ler criticamente o mundo à sua volta. Em resumo, a Pedagogia do Oprimido é uma abordagem transformadora que busca superar as relações de opressão e promover a emancipação dos indivíduos através da educação. Seu legado continua a inspirar educadores em todo o mundo a adotarem uma prática pedagógica mais democrática, participativa e comprometida com a justiça social. A REPÚBLICA DE PLATÃO "A República" é uma das obras mais importantes do filósofo grego Platão, escrita por volta de 380 a.C. Este diálogo filosófico apresenta uma investigação profunda sobre a justiça, a política, a educação e a natureza da alma humana. O texto é uma narrativa de uma série de diálogos entre Sócrates, o personagem principal, e outros interlocutores, como Glauco e Adimanto. Através dessas conversas, Platão explora e desenvolve sua visão ideal de uma cidade-estado (polis) e da alma humana. No centro de "A República" está a busca pelo conceito de justiça. Platão argumenta que a justiça é uma virtude fundamental que deve governar tanto as sociedades quanto as almas individuais. Ele apresenta uma teoria da justiça baseada na harmonia e na ordem, onde cada indivíduo cumpre sua função adequada na sociedade, de acordo com suas habilidades e natureza. Platão propõe a criação de uma cidade ideal (Kallipolis), governada por uma elite de filósofos-reis, que são os únicos capazes de compreender o verdadeiro bem e agir em benefício de toda a comunidade. Nesta cidade, a educação desempenha um papel central, sendo projetada para moldar os cidadãos desde a infância, visando cultivar virtudes como coragem, moderação e sabedoria. Além disso, "A República" aborda temas como a teoria das formas ou ideias (teoria das ideias), onde Platão argumenta que o mundo sensível é uma mera imitação das formas eternas e perfeitas. Esta teoria tem implicações profundas na compreensão da realidade e do conhecimento. Em resumo, "A República" de Platão é uma obra filosófica que continua a ser estudada e debatida até hoje. Sua investigação sobre justiça, política, educação e metafísica continua a influenciar o pensamento ocidental e oferece insights profundos sobre questões fundamentais da existência humana. Epistemologia Genética Piagetiana Jean Piaget foi um professor de psicologia na Universidade de Genebra de 1929 a 1954, tendo estudado inicialmente biologia, e, posteriormente, se dedicado, sobretudo, à área da Psicologia e Epistemologia. Piaget revolucionou as concepções de inteligência e de desenvolvimento cognitivo interessando-se fundamentalmente pelas relações que se estabelecem entre o sujeito que conhece e o mundo que tenta conhecer. Considerou-se um epistemólogo genético porque investigou a natureza e a gênese do conhecimento nos seus processos e estágios de desenvolvimento. A Epistemologia Genética é a teoria desenvolvida por Jean Piaget, e consiste numa síntese das teorias então existentes: o apriorismo, o racionalismo e o empirismo. Piaget não acredita que o conhecimento seja inerente ao próprio sujeito, como postula o apriorismo, nem que o conhecimento provenha totalmente das observações do meio que o cerca, como postula o empirismo. Para Piaget, o conhecimento é gerado através de uma interação do sujeito com seu meio, a partir de estruturas existentes no sujeito. Assim sendo, a aquisição de conhecimentos depende tanto das estruturas cognitivas do sujeito como de sua relação com os objetos. O método psicogenético de Piaget tem como objetivo compreender como o sujeito se constitui enquanto sujeito cognitivo, elaborador de conhecimentos válidos. Na visão de Piaget, o homem é possuidor de uma estrutura biológica que o possibilita desenvolver o mental, no entanto, esse fato por se não assegura o desencadeamento de fatores que propiciarão o seu desenvolvimento, haja vista que este só acontecerá a partir da interação do sujeito com o objeto a conhecer. Por sua vez, a relação com o objeto, embora essencial, da mesma forma também não é uma condição suficiente ao desenvolvimento cognitivo humano, uma vez que para tanto é preciso, ainda, o exercício do raciocínio. Por assim dizer, a elaboração do pensamento lógico demanda um processo interno de reflexão. Tais aspectos deixam à mostra que, ao tentar descrever a origem da constituição do pensamento lógico, Piaget focaliza o processo interno dessa construção. Piaget afirma que o conhecimento não procede nem da experiência única dos objetos nem de uma programação inata pré-formada no sujeito, mas de construções sucessivas com elaborações constantes de estruturas novas. Quer isto dizer que o processo evolutivo da filogenia humana tem uma origem biológica que é ativada pela ação e interação do organismo com o meio ambiente - físico e social - que o rodeia. As formas primitivas da mente, biologicamente constituídas, são reorganizadas pela psique socializada, ou seja, existe uma relação de interdependência entre o sujeito conhecedor e o objeto a conhecer. Na base desta epistemologia genética encontramos as seguintes questões: Como os homens constroem o conhecimento? Como é que a lógica passa do nível elementar para o nível superior? Como se dá o processo de elaboração das ideias? Como a elaboração do conhecimento influencia a adaptação à realidade? Para responder a estas perguntas Piaget formulou a ideia de que o ser humano passa por diferentes estágios de desenvolvimento e cada estágio possui características específicas como veremos a seguir. Estágios de desenvolvimento Para Piaget, o desenvolvimento humano obedece certos estágios hierárquicos, que ocorrem do nascimento até se consolidarem por volta dos 16 anos. A ordem destes estádios (ou estágios) seria invariável a todos os indivíduos, embora a faixa etária possa variar de pessoa para pessoa, em função das características da estrutura biológica de cada indivíduo e da riqueza (ou não) dos estímulos proporcionados pelo meio ambiente em que ele estiver inserido. Estádio sensório-motor (do nascimento aos 2 ou 3 anos): o universo que circunda a criança neste período é conquistado mediante a percepção e os movimentos (como a sucção, o movimento dos olhos, por exemplo). A criança desenvolve um conjunto de esquemas de ação sobre os objetos, que lhe permitem construir um conhecimento físico da realidade. Nesta etapa desenvolve o conceito de permanência do objeto, constrói esquemas sensório-motores e é capaz de fazer imitações, iniciando as representações mentais. A criança busca adquirir controle motor e aprender sobre os objetos físicos que a rodeiam. Esseestágio é chamado sensório-motor, pois o bebê adquire o conhecimento por meio de suas próprias ações que são controladas por informações sensoriais imediatas. Por exemplo: se um bebê de cinco meses estiver brincando com um objeto e se este for coberto por um pano, imediatamente ele volta sua atenção para outra coisa, agindo como se o primeiro objeto, por ter sido coberto, deixasse de existir. Só mais tarde, aos oito meses, o bebê se apercebe que o objeto está ali, debaixo do pano. Experimenta grande satisfação com este fato, escondendo o objeto com o pano e descobrindo-o, várias vezes. As principais características observáveis durante essa fase que vai até os dois anos de idade da criança são: a exploração manual e visual do ambiente; a experiência obtida com ações, a imitação; a inteligência prática (através de ações); ações como agarrar, sugar, atirar, bater e chutar; as ações ocorrem antes do pensamento; a centralização no próprio corpo; e, finalmente, a noção de permanência do objeto. Estádio pré-operatório (ou intuitivo) (dos 2/3 aos 6/7 anos): o que marca a passagem do período sensório-motor para o pré-operatório é o aparecimento da função simbólica ou semiótica, ou seja, é a emergência da linguagem. A criança inicia a construção da relação causa e efeito. É a chamada idade dos porquês e do faz-de-conta. Nesse período, as características observáveis mais importantes são: inteligência simbólica; o pensamento egocêntrico, intuitivo e mágico. Sobre o pensamento egocêntrico temos o exemplo: Adulto: - quantos irmãos você tem? Criança: - eu tenho só um irmão. Adulto: - E seu irmão, quantos irmãos tem? Criança – Meu irmão?! Ora, nenhum... (a lógica do seu pensamento não lhe permite se colocar do ponto de vista do outro sendo, portanto, egocêntrica). Outras características são: a confusão entre aparência e realidade; a noção de irreversibilidade; o raciocínio transdutivo (aplicação de uma mesma explicação a situações parecidas); a característica do animismo (seres inanimados). Estádio operatório-concreto (dos 6/7 aos 10/11 anos): a criança começa a construir conceitos, através de estruturas lógicas, consolida a conservação de quantidade e constrói o conceito de número. Seu pensamento, apesar de lógico, ainda está preso aos conceitos concretos, não fazendo ainda operações com proposições puramente verbais. Por volta dos 7 anos, o equilíbrio entre a assimilação e a acomodação torna-se mais estável. Surge a capacidade de se fazer análises lógicas. A criança ultrapassa o egocentrismo, ou seja, dá-se um aumento da empatia com os sentimentos e as atitudes dos outros. Além disso, se no período pré-operatório a criança ainda não havia adquirido a capacidade de reversibilidade e a capacidade de pensar simultaneamente o estado inicial e o estado final de alguma transformação efetuada sobre os objetos (por exemplo, a ausência de conservação da quantidade quando se transvaza o conteúdo de um copo A para outro B, de diâmetro menor), tal reversibilidade será construída ao longo dos estágios operatório concreto e formal. Estádio operatório-formal (dos 10/11 em diante): fase em que o adolescente constrói o pensamento abstrato, conceitual, conseguindo levar em conta as hipóteses possíveis, os diferentes pontos de vista e sendo capaz de pensar cientificamente. Esse estágio é definido pela habilidade de engajar-se no raciocínio abstrato. As deduções lógicas podem ser feitas sem o apoio de objetos concretos. Estrutura e aprendizagem O trabalho de Piaget leva em conta ainda a atuação de dois elementos básicos ao desenvolvimento humano: os fatores invariantes e os fatores variantes: (a) Os fatores invariantes: Piaget postula que, ao nascer, o indivíduo recebe como herança uma série de estruturas biológicas - sensoriais e neurológicas - que permanecem constantes ao longo da sua vida. São essas estruturas biológicas que irão predispor o surgimento de certas estruturas mentais. Em vista disso, considera-se que o indivíduo carrega consigo duas marcas inatas que são a tendência natural à organização e à adaptação, significando entender, portanto, que, em última instância, o motor do comportamento do homem é inerente ao ser. (b) Os fatores variantes: são representados pelo conceito de esquema que constitui a unidade básica de pensamento e ação estrutural do modelo piagetiano, sendo um elemento que se transforma no processo de interação com o meio, visando à adaptação do indivíduo ao real que o circunda. Com isso, a teoria psicogenética deixa à mostra que a inteligência não é herdada, mas sim que ela é construída no processo interativo entre o homem e o meio ambiente (físico e social) em que ele estiver inserido. PAULO FREIRE: FUNDAMENTOS EPISTEMOLÓGICOS DA AÇÃO PEDAGÓGICA1 Volmir José Brutscher2 (PPGE/UFPB) Agora, abordaremos a fundamentação epistemológica da educação em Paulo Freire, extraindo conceitos fundamentais para a ação pedagógica. Buscaremos compreender, a partir de Hegel, Marx e Husserl, a concepção de conhecimento de Freire e perceber a relação que tem com a sua concepção de educação, mostrando que Freire sugere a superação do paradigma da consciência, centrado na subjetividade, próprio da filosofia moderna, que discute a problemática epistemológica na relação dicotômica sujeito-objeto, pelo paradigma da linguagem, focado na intersubjetividade, característico da filosofia contemporânea que localiza a problemática do conhecimento na relação interativa entre sujeitos. A investigação parte das obras do próprio Freire, especialmente “Extensão ou Comunicação?” e “Pedagogia do Oprimido” que, na nossa compreensão, melhor apresentam os fundamentos para o tema proposto neste estudo. Busca, ainda, influências epistemológicas de Freire na tradição dialética, centralmente na obra “Fenomenologia do Espírito” de Hegel e no livro “A Ideologia Alemã” de Marx, escrito juntamente com Engels, e no pensamento fenomenológico, principalmente na obra “Meditações Cartesianas” de Husserl. Estas obras expressam a tradição dialética, principalmente os conceitos de consciência e de trabalho, e a 1 Texto elaborado com base na pesquisa realizada no Mestrado em Educação, pela Universidade de Passo Fundo (UPF) e estimulado pela disciplina “Teoria da Educação” do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal da Paraíba (PPGÉ/UFPB). 2 Diretor do Centro Formador de Recursos Humanos da Paraíba (CEFOR/PB), Educador popular no Centro Nordestino de Medicina Popular (CNMP), mestre pela FAED/UPF e doutorando na linha de Educação Popular do PPGE/UFPB. matriz fenomenológica, centralmente a concepção de intencionalidade e de intersubjetividade, que influenciaram, de forma singular, o pensamento freireano. Para melhor compreender o objetivo e a estrutura deste trabalho, precisamos localizar melhor a problemática que envolve a questão do conhecimento. Ao se tratar do conhecimento, historicamente se impõe a questão da relação entre consciência e realidade: a origem do conhecimento e do mundo é constituída pela ideia (pensamento) ou pela matéria (experiência)? Ou seja, coloca o problema da relação entre sujeito e objeto. Como já foi dito, entre as principais influências de Freire temos a matriz dialética, em que Hegel trata do conhecimento a partir de uma concepção idealista e Marx concebe um pensamento epistemológico vinculado ao materialismo histórico e dialético, e a matriz fenomenológica, em que se encontra Husserl, cujo pensamento também se caracteriza como idealista. O idealismo é a posição epistemológica que afirma a predominância do ideal sobre o material. Segundo esta posição, a ideia apreende a realidade e, portanto, defende o pensamento como sendo o responsável pela possibilidade do conhecimento. Para Hegel, a realidade é a manifestação do mesmo espírito em determinações diversas. Ele concebe a relação dialética entre multiplicidade e unidade. É a multiplicidade, que se expressa em determinações diversas e contraditórias, que forma a unidadeorgânica do todo. A verdade da coisa consiste no que ela foi, no que ela é e, também, no que ela vem a ser. Hegel, em coerência com a posição idealista, compreende que o conhecimento é a consciência da totalidade, isto é, a consciência que se sabe ser a totalidade das coisas, consciente de que tudo que existe não é outra coisa senão ela mesma. Porém, para alcançar esta compreensão, este saber absoluto, a consciência precisa se confrontar com as suas múltiplas determinações objetivas em direção à superação da multiplicidade até atingir a unidade da totalidade. Com esse raciocínio, Hegel buscava enfrentar a questão do conhecimento moderno, localizada na relação cindida entre sujeito e objeto, procurando superar a cisão entre os dois. 3 Além da influência dialética e da fenomenológica, a epistemologia de Freire tem outras raízes, como o existencialismo, que aprofunda a matriz fenomenológica, o personalismo, que representa a incidência cristã no pensamento freireano, e a psicanálise, principalmente Erich Fromm. Estas outras raízes são fundamentais para Freire, tanto para realizar a síntese entre dialética e fenomenologia, quanto para superar aspectos do pensamento de Hegel, de Marx e de Husserl, mas não teremos condições de abordá-las, em detalhes, neste texto. Considerando a presença cristã na vida de Freire e já que não podemos abordar o pensamento de nenhum expoente desta matriz, devido à delimitação, cabe, ao menos, reconhecer a influência que a JUC – Juventude Universitária Católica - exerceu sobre a concepção freireana, principalmente através do método ver-julgar-agir. Freire, além da síntese entre dialética e fenomenologia e de conjugar idealismo e materialismo, também se empenha em conciliar aspectos do cristianismo e do marxismo. Por último, lembramos que as influências que Paulo Freire recebe de Hegel, Marx e Husserl não necessariamente chegam diretamente deles, mas através de seus seguidores. Contudo, na tentativa de superar a cisão entre sujeito e objeto, com um nível de consciência em que esta se reconhece enquanto totalidade das coisas, Hegel chega ao extremo de absolutizar o sujeito. Assim, mesmo com um pensamento dialético, Hegel afirma a primazia da subjetividade sobre a objetividade, consolidando o paradigma da consciência como sendo central na constituição do conhecimento. Mesmo influenciado em vários aspectos pelo pensamento hegeliano, Freire adverte para o risco solipsista (o eu fechado em si mesmo como consciência da totalidade) desta forma de pensar. Husserl, por meio da redução fenomenológica transcendental, concebe o conhecimento como reflexão subjetiva, o eu reflexivo, o eu transcendental. O interesse do autor é com a fundamentação do conhecimento universal. Persegue uma evidência primeira, apodítica, que não necessita de outra anterior para existir, servindo de base para a edificação da ciência, ou seja, do conhecimento com validade sistemática e universal. Nesta busca, apela para a redução fenomenológica, a qual consiste em suspender a crença espontânea e imediata na existência de tudo que se apresenta à nossa consciência. Conclui que o mundo natural não constitui uma evidência primeira da existência, uma vez que não se auto-percebe e, por outro lado, chega à conclusão de que a evidência deve ser procurada no próprio eu, na consciência do eu reflexivo, que se auto-experimenta, impossibilitado de duvidar da sua própria existência. Ainda, o eu reflexivo, a partir da experiência que tem de si mesmo, também percebe, por associação, a existência do outro, isto é, percebe a existência de outros “eus” que experimentam a existência de forma semelhante à dele, mas que se apresentam estranhos a ele, no entanto, constituem uma comunidade de “eus”. Com esta forma de pensamento, Husserl pretende garantir ao eu transcendental, ao eu reflexivo, o certificado de evidência primeira e fundamentação última da ciência universal e/ou da filosofia radical, isto é, do verdadeiro conhecimento, mas evitando cair no solipsismo. Considerando a problemática da relação cindida entre sujeito e objeto, percebemos que o pensamento de Husserl, ainda que fenomenológico e não dialético, é muito próximo ao pensamento idealista de Hegel e, portanto, vai sofrer do mesmo problema deste que consta em dar prioridade à consciência na constituição do conhecimento. No entanto, Husserl atenta para a existência do “outro eu”, passando, assim, a pautar a problemática da relação intersubjetiva, o que será fundamental para o pensamento de Freire. O materialismo representa a concepção epistemológica que, em oposição ao idealismo, sustenta a primazia do material sobre o ideal. Segundo esta concepção, a razão não possui condições a priori de conhecimentos. A razão é vazia e necessita da experiência para alcançar conhecimentos, espécie de folha em branca na qual a experiência imprime conteúdos. Assim, os materialistas defendem a experiência objetiva como sendo a principal fonte de conhecimento. Conforme Marx, a origem de tudo não é a ideia, mas as relações sociais de produção material da existência humana. Para ele, não é o pensamento, a consciência, que condiciona a existência, mas é a vida que forma e condiciona a consciência. O modo como as pessoas produzem suas condições materiais de vida condiciona a sua maneira de conceber o mundo. A consciência é, praticamente, o reflexo da realidade concreta que consiste, centralmente, nas relações de produção da existência. Em oposição ao idealismo alemão, a concepção de Marx se fundamenta no material e não no ideal. Em reação à Hegel, ele propõe partir da terra e não do céu, ou seja, da história que é feita pelo indivíduo humano concreto, em carne e osso, e não do homem ideal, do “espírito do mundo”, que acaba em uma abstração. Marx também diferencia a sua concepção materialista da concepção de Feuerbach. Ele não comunga com a concepção de Feuerbach que, em oposição ao idealismo alemão, apreende a realidade como mero objeto. Para Marx, a realidade, o mundo sensível, não é ideia pura e nem é simples objeto, mas é atividade humana concreta, enquanto práxis, isto é, ação objetiva pensada. O conhecimento é compreendido, por Marx, como atividade ou práxis humana, sobretudo, enquanto produção das condições materiais de existência. Admite que podemos distinguir os humanos dos outros animais pela consciência ou por outras características, mas, para Marx, o principal elemento de distinção consiste na iniciativa dos humanos em produzir seus meios de existência. Em suma, para o jovem Marx, o conhecimento é constituído, em última instância, pelo trabalho humano. É com trabalho que o ser humano transforma e humaniza a natureza e esta, por sua vez, incide sobre o ser humano, deixando nele as suas marcas. Segundo Marx, é assim que se forma a cultura, a consciência, enfim, o conhecimento. Considerando a problemática do conhecimento moderno, ou seja, a relação dicotômica entre sujeito e objeto, Marx procura avançar na superação desta cisão através do conceito de “atividade humana sensível enquanto práxis” (MARX; ENGELS, 2002, p. 99), enquanto ação pensada. Contudo, o problema epistemológico, próprio da filosofia moderna, enfrentado por Marx ainda se localiza na fronteira do paradigma da consciência, consistindo, sobretudo, no problema da relação sujeito-objeto. Assim, mesmo extremamente influenciado por Marx e assumindo aspectos do seu pensamento, Freire, instigado pela filosofia epistemológica contemporânea e pela fenomenologia da intersubjetividade transcendental de Husserl, constata que o desafio, além de superar a relação dicotômica entre sujeito e objeto, é a superação do paradigma da consciência, que localiza o problema do conhecimento na relação sujeito-objeto, avançando para um outro paradigma capaz de conceber a problemática epistemológica na relação interativa sujeito-sujeito, ou seja, na relação intersubjetiva. Esta nova compreensão epistemológica é denominada,pela filosofia contemporânea, de paradigma da linguagem. Embora Freire não se ocupe diretamente com a explicitação do novo paradigma, suas reflexões epistemológicas giram em torno da problemática da interação entre sujeitos cognoscentes, mediados por uma realidade objetiva a ser conhecida, e, neste contexto, estas reflexões partem da pressuposição humanista de que os seres humanos se realizam comunicando-se uns com os outros e é exatamente na linguagem compreendida como diálogo (ZITKOSKI, 2000, p. 175 – 259) que Freire procura efetivar a sua perspectiva interativa. Enquanto o pensamento epistemológico de Hegel e de Husserl4 se localiza na tradição idealista e o de Marx na tradição materialista, tendências acentuadas no pensamento moderno, o pensamento de Freire volta-se para uma concepção epistemológica interativa entre os sujeitos e deles com a realidade objetiva, pensamento característico da epistemologia contemporânea, que focaliza mais as condições de desenvolvimento do conhecimento e menos a problemática da sua origem, concebendo o conhecimento como práxis humana constituída lingüística, histórica e socialmente. Freire compreende o conhecimento como processo de interação comunicativa entre sujeitos cognoscentes inseridos num mundo que, por sua vez, também precisa ser significado. A característica fundamental do mundo cultural, histórico, enfim, humano, é a comunicação, a qual repousa numa base intersubjetiva. Para Freire, o conhecimento não pode se reduzir à relação sujeito-objeto, porque não encontra a sua finalidade só no objeto conhecido, mas na comunicação estabelecida entre os sujeitos a respeito deste objeto que pode ser, por um lado, a própria relação intersubjetiva (regras e sentimentos) como pode ser, por outro, o mundo externo. Neste sentido, o ato gnosiológico requer, no mínimo, a co-participação de sujeitos na apreensão do significado do objeto conhecido. Ninguém conhece simplesmente por conhecer, mas deseja o reconhecimento daquilo que conhece. Para ser reconhecido por outros, a coisa precisa ter um significado para estes. Logo, o significado ou o sentido das coisas jamais pode ser uma elaboração unilateral, pois ficaria sujeito a ser conhecido somente por um e não reconhecido por outros. Trata-se de uma elaboração conjunta, acordada a partir de determinada realidade e dentro de uma linguagem comum. A linguagem, por sua vez, também é uma constituição coletiva de sinais significativos que permitem a compreensão e, portanto, a comunicação entre os sujeitos humanos. Neste sentido, o conhecimento requer inteligibilidade e comunicação. Em outras palavras, o conhecimento precisa, além da dimensão cognoscitiva, que é a capacidade do sujeito de apreender o objeto, a comunicação entre os sujeitos em torno do significado e da finalidade das apreensões, implicando questões éticas. Para Freire, o conhecimento, enquanto processo de interação comunicativa entre sujeitos mediados pelo mundo, que não é simples suporte, mas mundo existencial, constituído a partir do conjunto de relações objetivas, subjetivas e intersubjetivas, possui uma dupla condição: uma, cognoscitiva, a apreensão da realidade; outra, comunicativa, o diálogo em torno do significado e sentido da realidade apreendida e constantemente ressignificada pelos sujeitos envolvidos no processo de conhecimento. A partir desta compreensão, podemos a firmar que, para Freire, o conhecimento não se reduz à consciência de totalidade do sujeito, como entendia Hegel, e nem à reflexão do eu transcendental, pensamento defendido por Husserl, e também é mais do que atividade do sujeito na transformação dos objetos, ou seja, a ação humana sobre a natureza, conforme entendimento de Marx, mas é, acima de tudo, interação comunicativa entre sujeitos mediados pela realidade e, portanto, elaboração dialógica a realizar-se histórica e socialmente. Podemos dizer que, segundo Freire, o conhecimento é práxis, enquanto ação e reflexão intersubjetiva que leva à constante transformação do mundo. O mundo não mais compreendido como simples suporte natural, mas como mundo cultural, que inclui o conjunto das relações humanas que neste se realiza e que transforma o meio natural em mundo existencial. Em coerência com a sua concepção de conhecimento, educar, para Freire, é contribuir na realização do processo gnosiológico, ou melhor, é a produção e recriação intersubjetiva e dialógica de conhecimentos e de valores, significando e dando sentido ao mundo. Com esta concepção, Freire se contrapõe à compreensão que reduz a educação à transmissão, pelo professor, de conhecimentos prontos e acabados aos alunos. O conhecimento acumulado é de extrema importância para Freire, não para ser transmitido, mas para ser recriado e ressignificado dialógica e intersubjetivamente. Assim, propõe o desafio de superar a concepção e a prática de transmissão de conhecimentos, ao que ele denomina de educação bancária, porque lida com o educando como se fosse um objeto de depósitos, para, por outro viés, afirmar a concepção e o exercício da produção e recriação de conhecimentos, ao que Freire chama de educação problematizadora e emancipadora, porque requer dos envolvidos a co-participação, considerando-os sujeitos de conhecimentos e de história. Da concepção de conhecimento e de educação de Freire, podemos retirar alguns conceitos fundamentais à ação pedagógica: a) O sujeito é uma categoria central na concepção de educação freireana. Ser sujeito é uma característica própria do ser humano. É basicamente o que diferencia o ser humano dos outros animais. É condição do ser humano que lhe vem da capacidade de consciência e se caracteriza pela possibilidade de tridimensionar o tempo (passado, presente, futuro), de optar e decidir, de criar, de se organizar de forma planejada, de ser livre e de fazer história. É a especificidade humana de pensar e de agir, ou melhor, de agir de forma pensada e posicionada. Mesmo que fundamental, Freire não torna o sujeito um ser absoluto. Compreende que este só se constitui, enquanto tal, em relação com outros sujeitos, na intersubjetividade. A educação libertadora deve despertar e exercer, nos educandos, o espírito de serem sujeitos em interrelação com outros sujeitos. b) A intersubjetividade é outro conceito fundamental para a educação em Freire. Consiste no relacionamento interativo entre sujeitos. É na relação intersubjetiva que, de um lado, é de oposição e, do outro, de comunhão, as consciências se opõem como consciência de si e consciência do outro e se põem, se colocam, como consciência do mundo. É na comunicação entre sujeitos, em torno da realidade, que se constitui a existência humana. A intersubjetividade, para Freire, é condição de possibilidade para haver conhecimento, educação, sujeito, enfim, existência ou mundo. É na comunicação intersubjetiva que as “coisas” adquirem sentido e o suporte natural é transformado em mundo. A educação, para ser emancipadora, não pode ignorar esta implicada relação entre sujeitos. c) O diálogo é central para a educação freireana. É através do diálogo que se dá a relação intersubjetiva, ou seja, a interação entre os sujeitos. A ausência do diálogo compromete a intersubjetividade, favorecendo a relação dicotômica sujeito-objeto, própria da educação bancária, assim denominada por Freire, porque apenas transmite conhecimentos acabados, não se voltando para a recriação e nem para a produção de novos conhecimentos que, por sua vez, precisam ser concebidos sempre como provisórios. A educação que pretende formar sujeitos livres e em emancipação não pode descuidar do diálogo. Também precisa se atentar às exigências do diálogo, que consistem na práxis, no amor, na humildade, na fé, na confiança, na esperança. Não vamos poder desenvolver detalhadamente cada uma das exigências, mas abordaremos brevemente a práxis. d) A práxis é uma expressão do verdadeiro diálogo, que sempre requer a palavra verdadeira. Esta, a palavra verdadeira,precisa conjugar reflexão e ação, discurso e prática. A práxis expressa a dimensão transformadora do diálogo. Segundo Freire, dizer a palavra verdadeira significa transformar o mundo (2003, p. 77). Uma educação emancipadora precisa constituir sujeitos transformadores das relações e das estruturas sociais injustas. Por isso, a práxis é uma dimensão indispensável da educação concebida por Freire. e) O posicionamento político é outra dimensão da educação freireana. A política, enquanto organização da vida em sociedade, é a expressão social das relações que se estabelecem entre os sujeitos. Revela o nível de existência, ou não, de diálogo (democracia), de práxis e de transformação em determinada sociedade. É a expressão da atitude dos sujeitos em sociedade. Se, como vimos, a tarefa da educação é formar sujeitos, em âmbito social, sua função é formar agentes políticos. Agentes que tratam a educação, no específico, e a sociedade, de forma ampla, com responsabilidade ética. Com este entendimento, Freire combate o mito da neutralidade política inerente à educação bancária. Segundo ele, toda educação é diretiva, mesmo a que se diz neutra, pois favorece a continuidade da situação vigente. Tratando-se de educação, não pode ser diferente, pois ter posição é uma característica própria do ser humano, enquanto sujeito de decisão, e é esta dimensão que a educação deve procurar promover. f) A educação popular, na América Latina, é que melhor expressa a concepção freireana de educação. Em suma, é a educação que se realiza junto à organização política dos oprimidos na luta pela emancipação. É a educação comprometida em resgatar e desenvolver a condição de sujeito daqueles que historicamente se encontram silenciados pela opressão e que, a partir destes, busca transformar o mundo tomado pela injustiça social. A educação popular traz forte potencial emancipador pelo seu compromisso, teórico e prático, com a efetivação de um projeto sociopolítico libertador, que busque, constantemente, vencer as amarras das relações e estruturas de opressão. g) A história é outro ponto a ser considerado na educação freireana. A história é uma condição humana. São as suas características de sujeito que possibilitam fazer história: tridimensionar o tempo (agir no presente, a partir do passado e em função do futuro), decidir, criar, planejar, se organizar... A história, para Freire, representa exatamente a atuação dos homens e mulheres no sentido de transformar o suporte natural em mundo, em existência humana. Existência que é significada precisamente na relação intersubjetiva. Como já foi dito, a tarefa da educação é contribuir para formar sujeitos, em relação com outros sujeitos, capazes de, juntos, fazerem a história. h) A liberdade é outro aspecto de destaque na educação concebida por Freire. Para ele, a liberdade é permanente conquista. “Ninguém tem liberdade para ser livre: pelo contrário, luta por ela precisamente porque não a tem.” (FREIRE, 2003, p. 34). Para Dalbosco e Eidam, “Freire deixa claro que seu conceito de liberdade está associado à emancipação do ser humano em relação à sua alienação histórica” (mimeo, p. 10). A liberdade é construída na medida em que se assume a responsabilidade de ser sujeito da história. A coragem de assumir limites, que o sujeito se propõe a si mesmo por convencimento ético, é condição para a liberdade. A educação deve ajudar os envolvidos a perceberem a necessidade de se colocarem limites, evitando, com isso, posturas extremas, como o autoritarismo ou a licenciosidade. A liberdade é inerente à relação e cada sujeito só pode exercê-la na intersubjetividade. i) A compreensão antropológica é a base de toda a educação freireana. É na consciência que o ser humano possui da sua inconclusão e da sua possibilidade, isto é, da sua vocação de ser mais, que a educação encontra sentido. A educação tem a função de contribuir para que homens e mulheres sejam, cada vez mais, humanos. O ser humano não nasce plenamente humano, porém, nasce com o desafio de se fazer constantemente mais humano; humanidade entendida como liberdade que é construída na relação com outros sujeitos também livres. É nisto que consiste a dimensão ética da educação: no compromisso com o ser mais humano. Feita a identificação e breve abordagem de conceitos centrais para a educação freireana, apontaremos aspectos que se revelam frágeis e outros que merecem aprofundamento na pesquisa em Paulo Freire. Um conceito que se apresenta insuficientemente justificado e que provoca questionamentos é a compreensão freireana de humanização, vinculada à ideia da vocação ontológica para o ser mais. Para Freire, homens e mulheres são seres com vocação ontológica e histórica para ser mais, para serem mais humanos. São seres ontologicamente vocacionados à humanização. Segundo Freire, a desumanização é uma possibilidade e, ao mesmo tempo, uma realidade histórica, mas não constitui a vocação ontológica e histórica do ser humano, mas a sua distorção. A violência, realidade histórica que desumaniza as pessoas e o mundo, na compreensão freireana, não inaugura outra vocação, mas significa puro desvirtuamento da vocação humana. Por outro lado, sabemos que, para Freire, assim como o ser mais, a humanização não é um estágio ou um momento a ser alcançado, mas um modo de ser e de busca, porém, ainda assim, impõe-se a pergunta: o que fundamenta a humanização como vocação ontológica e não como uma possibilidade histórica? Esta questão se coloca porque Freire não se dedica suficientemente para justificar este seu princípio. Ele o aceita, praticamente, como uma auto evidência. Parecido da ideia apodítica de Husserl, como se não precisasse de outro para existir. No início da Pedagogia do Oprimido, Freire alega que se admitíssemos a desumanização como vocação nada mais nos restaria a não ser o cinismo e/ou o desespero (2003, p. 30), mas não fundamenta de forma sistemática esta ideia. Em seguida, desenvolve todo um raciocínio lógico a partir deste princípio: a vocação para o ser mais. Diante deste pensamento, se impõe a pergunta: Freire não estaria defendendo um princípio ontológico, portanto metafísico – talvez a criação divina – que poderia entrar em contradição com a sua concepção de homem enquanto ser histórico? Sugere à história um princípio ontológico que se põe para ela como uma espécie de endereço a ser perseguido (vocação), no entanto, não estaria por traz desta idéia a moral cristã? Neste caso, mesmo concebendo a história como existência humana que se constitui na interação comunicativa entre sujeitos mediados pela realidade objetiva, Freire não propõe, conforme Apel e Habermas, a superação da metafísica pela linguagem comunicativa. Então, pergunta-se: é possível, filosoficamente, conjugar história, enquanto processo completamente aberto, e ontologia? Seria isto que Freire propõe com a ideia de vocação ontológica e histórica para o ser mais humano? Entretanto, para Freire, a história não se caracteriza, justamente, pela possibilidade? Em relação às questões a aprofundar, ainda que possam ser várias, queremos nos concentrar especialmente em duas: primeira, a dimensão da linguagem em Freire e as condições de possibilidade de ela fundamentar, ou não, um paradigma histórico capaz de superar toda espécie de princípio metafísico da história; segunda, a possibilidade, ou não, de reconstruir uma teoria de sociedade a partir do pensamento de Freire. Quanto à linguagem, Freire enfatiza a relação intersubjetiva, condicionando o conhecimento, a educação, enfim, a existência humana, à comunicação entre sujeitos, mediados pela realidade, todavia não se ocupa muito com o debate feito pela filosofia da linguagem, a partir de Wittgenstein e, depois, por Apel e Habermas, que pretendem fundamentar o discurso filosófico, bem como a ação humana, na dimensão pragmática (comunicativa) da linguagem. Cabe investigar se Freire se coloca este propósito, de forma implícita ou explicita,e se sua concepção possibilita a auto-fundamentação da racionalidade comunicativa através da ação dialógica. Pondo o problema de outro modo, cabe a pergunta sobre a relação existente entre a pedagogia dialógica, de Freire, e a teoria da ação comunicativa, de Habermas, procurando especificidades, lacunas e complementação.5 No que diz respeito à teoria de sociedade, Freire é criticado por não apresentar, de forma ampla e convincente, uma teoria social. É verdade que Freire não se preocupa em elaborar uma filosofia social, mas se ocupa em refletir a partir das relações e estruturas sociais de opressão e de injustiça dos países colonizados. No entanto, ao alertar para a opressão e convocar os oprimidos para a organização e luta em vista da emancipação, indicando, para um segundo momento, a transição da pedagogia do oprimido à pedagogia do homem, processo de organização social em que todos os seres humanos vivam de forma emancipada, cultivando e exercendo a sua liberdade, Freire aponta para uma determinada compreensão de sociedade capaz de equilibrar as relações de poder, possibilitando um processo de permanente libertação (2003, p. 41). Cabe pesquisar a estrutura, as relações, enfim, o conteúdo desta sociedade sugerida, mas não explicitada em sua organização. Este tema pode se cruzar com o aprofundamento da sua proposta de educação popular que sugere realizar a educação a partir da organização política dos oprimidos, em vista da emancipação dos sujeitos. Derradeiramente, pode se dizer que o esforço explícito, de Freire, não foi o de propor filosoficamente um novo paradigma, o da intersubjetividade, que superasse o paradigma da subjetividade, da consciência, mas de elaborar uma proposta pedagógica capaz de constituir sujeitos emancipados, livres e em condições de realizar a sua humanidade, partindo da teoria, bem como da realidade histórica, de opressão. Compreende-se que esta proposta mantém-se atual na sociedade de mercado globalizado, que segue extremamente desigual, injusta e com todas as espécies de opressão. Todavia, o propósito pedagógico de Freire está alicerçado numa base filosófica. Deste modo, nosso esforço foi de perceber e demonstrar que a concepção de conhecimento e de educação freireana, enquanto processo gnosiológico que somente se realiza na interação comunicativa entre sujeitos, recomenda a superação do paradigma da consciência, sugerindo o paradigma da intersubjetividade como fundamento e origem do conhecimento e do mundo. Esta se mantém uma questão contemporânea relevante e não esgotada e que merece permanente aprofundamento. Concluindo, podemos reafirmar que o processo de equilibração pode ser definido como um mecanismo de organização de estruturas cognitivas em um sistema coerente que visa a levar o indivíduo a construção de uma forma de adaptação à realidade. A concepção do desenvolvimento humano, na linha piagetiana, deixa ver que é no contato com o mundo que a matéria bruta do conhecimento é construída, pois que é no processo de construções sucessivas resultantes da relação sujeito-objeto que o indivíduo vai formar o pensamento lógico. Essa construção depende das condições do sujeito – indivíduo sadio, bem-alimentado, sem deficiências neurológicas etc. – e das condições do meio em que o sujeito vive. A Epistemologia Pedagógica consiste em ensinar aos alunos a pensarem criticamente, ir além das interpretações literárias e dos modos fragmentados de raciocínio. Aprender não apenas a compreender, mas ter acima de tudo a capacidade e competência de problematizar dialeticamente a teoria e a práxis educacional. Os alunos deverão aprender uma Epistemologia que lhes permita a busca de elementos de diferentes áreas do conhecimento, e de engajar-se em novos tipos de questionamentos, de formulação de problemas apropriados para a transformação da realidade educacional. A Educação deverá ser integradora, numa criação e recriação do conhecimento, comumente partilhado. Pedagogicamente a educação é um processo aberto, permanente, que abarca a existencialidade do homem. A ação é questionar e problematizar é a essência do processo pedagógico. Educar para que? Educar para quem? Como educar? Para que serve o espaço da sala de aula? Quais são os problemas que o professor e aluno enfrentam em sala de aula? Que paradigma norteiam a Ação Pedagógica hoje? REFERÊNCIAS BUNGE, Mario. Epistemologia São Paulo: Queiroz Editor, 1980. BOMBASSARO, Luiz Carlos. As Fronteiras da Epistemologia Petrópolis: Vozes, 1992. BOCHNIAK, Regina. Questionar o Conhecimento São Paulo: Loyola, 1992. DANCY, Jonatham. Epistemologia Contemporânea Rio de Janeiro: Ed. 70, 1990. HABERMAS, Jurgem. Ciência e Técnica como Ideologia Lisboa: Ed. 70, [s.d. ______. Conhecimento e Interesse Rio de Janeiro: Zahar, 1982. JAPIASSU, Hilton. Introdução ao Pensamento Epistemológico 5. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alvez, 1988. PIAGET, Jean. A Epistemologia Genética Petrópolis: Vozes, 1992. RABUSKE, Edvino. Epistemologia das Ciências Humanas Caxias do Sul: EDUSC, 1987. BECKER, F. 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