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Copyright © 2020 Brasil Paralelo 
Os direitos desta edição pertencem a Brasil Paralelo 
 
Editor Responsável: Equipe Brasil Paralelo 
Revisão ortográfica e gramatical: Equipe Brasil Paralelo 
Projeto de capa: Equipe Brasil Paralelo 
Produção editorial: Equipe Brasil Paralelo 
 
 
Morgenstern, Flávio 
 
 
Mito, linguagem e mídia: Aula1 
 
ISBN: 
 
1. Mito 2. Linguagem 3. Mídia 
 
CDD 400 
__________________________________________ 
 
Todos os direitos dessa obra são reservados a Brasil Paralelo. 
Proibida toda e qualquer reprodução integral desta edição por qualquer meio ou 
forma, seja eletrônica ou mecânica, fotocópia, gravação ou qualquer outro meio de 
reprodução sem permissão expressa do editor. 
 
Contato: 
www.brasilparalelo.com.br 
contato@brasilparalelo.com.br 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
http://www.brasilparalelo.com.br/
mailto:contato@brasilparalelo.com.br
 
 
SINOPSE: 
Neste e-book, primeiro dentre quatro do curso "Mito, Linguagem e Mídia", com 
Flávio Morgenstern, retornamos à Grécia Antiga e à Idade Média para explorarmos o 
nascimento e o desenvolvimento da filosofia. 
Nessa parte inicial de nossa jornada, somos instigados a refletir sobre um tema 
fundamental que não nos é familiar: a importância de definir conceitos para as 
palavras e as severas consequências a que o esfacelamento destes pode nos levar. 
 
OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM: 
 Ao final deste e-book, pretende-se que você saiba identificar: o que é o método 
socrático; o que é o mundo sofístico e como este nos impacta na modernidade; a 
importância da definição de conceitos para as palavras; os problemas ocasionados 
devido à perda dos conceitos. 
 
OS ANTECESSORES 
Durante muito tempo, as sociedades foram mitológicas. Elas se 
caracterizavam pelo fato de cada indivíduo possuir uma função laboral específica. A 
discussão intelectual, neste contexto, não estava disseminada entre a população. Em 
vez disso, estava reduzida ao núcleo daqueles que conseguiam estabelecer uma 
relação com o mito e que, por isso, tinham uma possibilidade de alcançar a verdade. 
Os demais estavam restritos à mera opinião, uma forma de pensamento muito baixa, 
em que não há rigor a orientar a produção de conclusões. 
Essa situação começou a se modificar nas Cidades-Estado gregas, 
principalmente em Atenas, à medida que uma rigidez na maneira de pensar ia 
tomando forma. O desenvolvimento desse modo de pensar mais elevado do que a 
opinião culminou, posteriormente, no surgimento da filosofia. 
 Os primeiros pensadores foram os pré-socráticos, responsáveis por suscitar 
uma série de indagações acerca do fundamento dos objetos. Eles queriam identificar, 
por exemplo, qual é o fundamento da vida. No entanto, apresentavam uma 
interpretação mais simbólica da realidade, pois ainda orbitavam em um reino mais 
poético, mitológico. 
 
 
 
 
 
O QUESTIONAMENTO 
 Sócrates foi o precursor da filosofia, conquanto o termo filósofo não tenha sido 
utilizado precipuamente por ele. A diferenciação entre as palavras sofista, sábio e 
filósofo viriam a ocorrer somente depois. Tanto é que, nos diálogos platônicos, nos 
quais a figura de Sócrates é proeminente, esses termos foram usados 
indiscriminadamente. 
 Hoje, o vocábulo sofista é associado a uma pessoa que emprega uma técnica 
de pensamento para ludibriar os outros. Essa significação, entretanto, não reflete 
quem eram os sofistas da Antiga Grécia. 
 Os sofistas eram homens ricos que compunham tanto a elite da 
intelectualidade quanto da sociedade grega e, em parte, estavam ligados aos 
pensadores pré-socráticos. Seus expoentes desempenhavam, principalmente, duas 
profissões: o reino do direito e o reino da poesia. 
A relação com o reino do direito se deve ao fato de muitos sofistas terem sido 
grandes oradores e pensadores, com um manejo da língua que os permitia convencer 
aos outros por meio de um discurso muito sofisticado 1. Na época, não havia um 
código escrito de leis e tais habilidades eram essenciais aos bons advogados, que 
garantiam a vitória de suas causas a partir do uso da poética. Esse cenário nos 
possibilita memorar um aspecto importante: no reino da sofística, não é possível 
diferenciar verdade de opinião. Ou seja, estava-se em um nível de desenvolvimento 
da língua e do pensamento em que a opinião e a verdade não estavam separadas. 
Quando Sócrates fez a primeira pergunta fundamental da filosofia - o que é 
isso? - desferiu um golpe nos sofistas2. Para vencê-los, reiteradamente impôs esse 
questionamento. 
Os sofistas tinham um discurso sofisticado, um domínio do código, da 
linguagem. Na época, estes predicados eram mais importantes do que lidar com o 
fato em si, pois eram usados para convencer os juízes em prol de seu pleito, não 
necessariamente compatível com o que era justo3. Com isso, somos capazes de 
entender, em alguma medida, qual era o trabalho do sofista e por que, apesar dessa 
 
1 Este termo, inclusive, deriva de sofista. 
2 A maioria dos títulos dos diálogos platônicos são em referência ao sofista com quem 
Sócrates está debatendo, na obra. 
3 Até hoje, uma parte considerável do trabalho dos advogados é sofístico: a culpabilidade do 
cliente tem importância menor, para persuadir o juiz da inocência do réu. 
 
 
 
palavra ser usada exclusivamente com conotação negativa, não é forçosamente uma 
atribuição pejorativa. 
Ao perguntar aos sofistas “o que é justiça?”, “o que é o bem?”, Sócrates os 
desestabilizou, porque estavam acostumados a confundir exemplos de bondade ou 
de justiça com a própria justiça e com a própria bondade. Assim, suas respostas eram 
similares a “este caso, em que acabei de livrar meu cliente da prisão”. Nessas 
circunstâncias, Sócrates contra-argumentava que, a partir de um caso, não era 
possível determinar o que é justiça de fato. Como não conseguiam responder à 
indagação, os sofistas elencavam novamente mais exemplos do que julgavam justo. 
Sócrates, no entanto, queria saber o que é justiça e não conhecer casos de justiça. 
Seus questionamentos, aparentemente banais, como “o que é movimento”, se 
mostraram, na verdade, bastante complexos. Afinal, todos nós sabemos o que é o 
movimento, o que é o tempo, mas expô-los em palavras é uma tarefa difícil4. 
A grande nata da intelectualidade, os sofistas, quando interpelados, se viram 
inaptos para explicar muitos fenômenos facilmente observáveis. 
 
CONCEITOS: UMA IMPORTÂNCIA VITAL 
Incrivelmente, esse contexto resume muito do problema que estamos 
enfrentando no século 21. A dificuldade em explicar o óbvio propicia que os indivíduos 
sejam manipulados pelo discurso sofista presente no reino jurídico, na mídia e no 
debate público. 
Apesar de o discurso sofístico ter existido em todas as sociedades, durante 
todos os tempos, é somente com o advento da ideologia, na modernidade, que se 
forma como um conjunto de valores. A ideologia pode ser resumida justamente no 
reino da palavra, do discurso sofisticado, que não apresenta conteúdo, que não 
determina o que é justiça, correto ou verdade. 
Retomemos o caso do sofista da modernidade, o advogado. Digamos que ele 
esteja defendendo uma causa nociva ou um cliente que é culpado. Para vencer, ele 
faz uso do discurso, sobretudo, ideológico. 
Isso evidencia como Sócrates fez algo fundamental para a história ao buscar 
definir conceitos. A filosofia latina, em especial a medieval-cristã, posteriormente 
atenuou obsessivamente o que são conceitos, o que são estruturas, o que são os 
 
4 Futuramente, essa discussão originou a física. 
 
 
conteúdos das palavras, entre outros aspectos. Mas a gênese desse movimento está 
no desejo que Sócrates teve de definir, pela primeira vez, o que é justiça de fato, a 
partir da criação de conceitos mais abstratos. 
Vamos detalhar a situação, paraque se torne compreensível. Em nossa mente, 
nós apresentamos uma série de conceitos que não estão bem trabalhados. Sabemos, 
por exemplo, o que é uma mesa e estamos cientes das variedades estéticas que este 
objeto pode apresentar - mesa de centro, de jantar, de ping-pong, de negócios, etc.. 
Todas estas formas serem identificadas como mesa significa que há algo que une 
todas as diversas mesas possíveis. Por isso, ao dizer “pense em uma mesa”, as 
pessoas visualizam objetos que, embora diferentes, estão englobados nesse 
conceito. 
Pensar no conceito de mesa é extremamente fácil. Mas é precisamente isso 
que Sócrates está instigando tendo por alvo fenômenos mais complexos como a 
beleza, a justiça, a ética. Esses termos estão em um nível muito mais abstrato, não 
apresentam contornos claros, não são definidos com uma precisão absoluta. Até hoje, 
é um empreendimento desafiador definir as bases conceituais do que é o belo, do 
que é o justo, do que é ético. Por isso, o trabalho socrático é inesgotável e precisa ser 
continuamente replicado, sempre, o tempo todo. 
 Com esse método, Sócrates promove pequenos exercícios espirituais, pois, ao 
ter diante de si, a ideia do que é justiça, o ser humano tenta se adequar. Apesar da 
relação com o conceito não ser direta, uma vez que os homens apresentam paixões, 
instintos, perdas, etc., as definições servem de inspiração. É mais ou menos como 
entendemos o mundo das ideias platônicas: o belo, o justo, o verdadeiro, são 
elevados. Não conseguimos viver seguindo estritamente a perfeição desses ideais, 
mas a própria ideia de ter em face de si algo que seja verdadeiro, belo, justo, tal como 
um ímã, inspira os seres a trilharem esse caminho. 
Uma pessoa não se tornará santa simplesmente lendo um diálogo platônico, 
mas seu contato com a filosofia necessariamente modificará seu comportamento e 
guiará seu espírito em concordância com aquelas ideias. 
A filosofia, ao contrário das demais profissões, não é somente um ofício 
temporário, do qual se possa abdicar em alguns momentos. Por isso, sendo o filósofo 
aquele que está diante e é amante do elevado, todo o seu ser, todo o seu 
comportamento, toda a sua vida, inclusive a mais íntima, devem estar ligados, pelo 
menos de alguma forma, a esses conceitos. 
 
 
Essa peculiaridade torna espantoso o fato de que, na modernidade, a maioria 
dos filósofos apresenta um comportamento absurdo. Isso significa que, cada vez 
mais, está-se chamando de filosofia o reino daquilo que não tem nada de mais 
elevado, não tem nada de verdadeiro, justo ou belo. Estamos denominando por reino 
filosófico o reino da ideologia. 
 
O DESENVOLVIMENTO DA FILOSOFIA 
Sócrates foi pioneiro no trabalho com conceitos, ao buscar definir o que é 
justiça moral, verdade, beleza. Vale ressaltar que essas palavras sempre foram 
usadas, não foram inventadas por ele. Aliás, os sofistas apresentavam um uso mais 
refinado do vocabulário do que ele. Por possuírem o domínio da linguagem, 
conseguiam embasbacar sua plateia, com emprego de um discurso labiríntico, que 
as pessoas sequer entendiam. Grosseiramente, esse é o resumo do princípio da 
filosofia. 
Conceitos abstratos, que não podem ser visualizados, como beleza, justiça, 
acabaram constituindo a discussão filosófica. Enquanto, paulatinamente, os conceitos 
do mundo físico, como o movimento, tornaram-se as ciências modernas. 
A filosofia sempre lida com a linguagem, com a ideia do que é um conceito em 
relação ao que é o mundo e, também, o mundo das ideias. Portanto, na filosofia, há 
uma relação obrigatória entre o que é a palavra e o que é o objeto/ser. A filosofia da 
linguagem, desenvolvida modernamente, é a área de estudo responsável por 
analisar, socraticamente, o que é a linguagem, o que é a palavra, o que é a retórica. 
Na Idade Média, utilizando-se do método socrático, Santo Agostinho 
desenvolveu as artes liberais - a lógica, a retórica, a gramática. Também chamadas 
de Trivium, estas possibilitaram o pensar de forma mais correta e melhor que, por sua 
vez, permitiu a obtenção de um desenvolvimento intelectual mais elevado do que a 
mera opinião. 
As artes liberais provavelmente são a filosofia mais rigorosa já inventada pelo 
homem. Mais severa, inclusive, do que o método socrático, por debater as premissas 
do próprio falante. A compreensão de tais disciplinas apresenta um grave problema: 
os termos lógica, retórica e gramática foram utilizados de forma completamente 
caótica na história da filosofia. O que era denominado lógica em um momento, em 
outro, era retórica. Devido ao tempo exíguo, não nos embrenharemos no 
 
 
esclarecimento histórico de tais disciplinas, mas é oportuno sublinhar que a gramática 
desse período nada tem a ver com o que hoje entendemos por gramática. 
 O desenvolvimento da própria ideia de filosofia desembocou, obrigatoriamente, 
nesta relação entre palavra e objeto, anteriormente mencionada: palavra e justiça. 
Palavra e Deus. Para pensar filosoficamente, a priori, era preciso um bom uso das 
palavras. Isso significa que era preciso partilhar uma mesma imagem mental, tal qual 
no caso da mesa. 
 
O PROBLEMA DA UNICIDADE DAS PALAVRAS 
Na Idade Média, todo o exercício filosófico foi realizado em latim. Apesar de 
parecer uma simples curiosidade, esse fato é extremamente sério para o estudo que 
estamos perfazendo. Na Alemanha, escrevia-se em latim. Santo Agostinho, que era 
de Cartago, escrevia em latim. São Jerônimo, que traduziu a bíblia do hebraico para 
o latim, e que vivia no que hoje conhecemos por República Tcheca, também escrevia 
em latim. Em diversos lugares, com diferentes línguas que não apresentavam muita 
proximidade entre si, os sujeitos estavam pensando em latim. Há uma razão 
específica para isso: quando todos estão pensando em latim, você facilita que todos 
pensem na mesma imagem mental. As línguas não apresentam traduções perfeitas, 
principalmente para termos abstratos. Pense como seria complicado se cada um 
pensasse em sua língua. Imagine a perda na tradução quando se está pensando 
filosoficamente. 
Um exemplo disso está presente no livro “A República” de Platão. O título 
original, “Politeia”, foi traduzido como res publica para o latim. Entretanto, politeia e 
res publica não são a mesma coisa. Isso gera uma grande complicação, pois já não 
estamos mais pensando simplesmente na palavra, estamos pensando em línguas. 
Estamos refletindo sobre a palavra dentro de um código linguístico. Uma palavra, 
dentro de um determinado código linguístico, pode apresentar certa interseção com o 
significado de outra palavra, dentro de outro código linguístico, mas elas não têm uma 
igualdade. É quase impossível você achar um sinônimo perfeito dentro de uma 
mesma língua, que dirá entre duas línguas diferentes. 
 A gramática, para eles - exposta anteriormente -, era justamente pensar as 
palavras corretas entre dois falantes. No entanto, a filosofia medieval não lidou com 
esse problema, não refletiu sobre a questão das línguas, porque todos estavam o 
tempo todo pensando em latim. 
 
 
Há uma razão para dizer que o grego, o latim e o alemão são as línguas da 
filosofia. Tentar pensar nos conceitos de Hegel em português é extremamente 
trabalhoso. Devido a peculiaridades próprias de sua língua, os filósofos alemães 
rotineiramente inventaram formas novas para dizer uma determinada palavra, a fim 
de chegar a um conceito perfeito, que não estivesse contaminado pelo uso cotidiano 
das palavras. Historicamente, como foram três os grandes momentos da filosofia, 
você vai ter esse problema linguístico. 
 
O RISCO DO ESFACELAMENTO CONCEITUAL 
Voltemos ao caso da politeia e da res publica platônica, que causa um 
problema seríssimo para o discurso político da modernidade, o qual é preciso 
desnudar. Platão dividiu o sistema político em três tipos: se um manda; se poucos 
mandam; se muitos mandam. Além disso, dividiu essessistemas entre aqueles em 
que se está pensando no bem geral e aqueles em que se está pensando em si próprio 
- entre o sistema bom e o sistema corrompido, portanto. Se um manda e pensa no 
bem geral, há uma monarquia. Se esse sistema se corrompe, torna-se uma tirania. 
Se poucos mandam e pensam no bem geral, trata-se de uma aristocracia. Se esse 
sistema se corrompe e os governantes só pensam em beneficiar a si próprios, o 
sistema se converte em uma oligarquia. Até esse momento da explicação, a tradução 
não implicou muitas perdas. Contudo, Platão chamou de politeia o sistema em que 
muitos mandam e pensam no bem geral. E de democracia o sistema em que muitos 
mandam e só pensam em si próprios. Por isso, para Platão, a democracia é 
necessariamente negativa. A existência da democracia exige que haja a corrupção 
de um sistema. Isso significa que Platão é antidemocrático. 
Em muitas traduções, que gozam de um extremo respeito, consta a 
observação de que a politeia é, atualmente, denominada de democracia. O sistema 
corrompido, por sua vez, é chamado de demagogia. Ocorre que demagogia sequer é 
uma forma de governo; é uma forma de se obter o poder. Percebe-se que a busca do 
tradutor por promover uma correção engendrou problemas mais amplos e graves que 
o original. 
Pior: há, ainda, outro problema linguístico. 
O iluminismo escocês resgatou o termo “democracia” de forma distorcida, 
como se correspondesse a algo bom. Como consequência, quando se configura um 
cenário em que muitos mandam, mas em que o sistema está corrompido, 
 
 
especialistas afirmam que é a própria democracia que está em crise. Isso revela que 
sequer há o conceito de que, com muitos mandando, o sistema pode ser corrompido. 
Tente lembrar quantas vezes você leu ou ouviu que “a democracia está em crise”, 
desde que Donald Trump foi eleito. 
Geralmente atribuída a Norberto Bobbio, existe uma frase que diz: “Todos os 
problemas da democracia se resolvem com mais democracia”. Percebe-se, portanto, 
o quanto o entendimento da modernidade está distante do entendimento de Platão, 
que perdurou por vinte e três séculos. Devido à unidade do latim, qualquer autor, 
quando discutia formas de governo, sobretudo na vigência do sistema monárquico da 
época, utilizava a mesma acepção que Platão. Uma espécie de erro de tradução, 
cometido de maneira motivada, causou toda essa confusão que temos na 
modernidade. Esse é o impacto de apenas uma palavra. 
Hoje, é difícil responder se democracia é um conceito, tendo em vista que cada 
pessoa apresenta seu próprio conceito de democracia. Cada político que perde a 
disputa eleitoral acusa a crise da democracia. Ou seja, não há um conceito claro e 
unânime do que ela é. 
A divisão de poderes, por exemplo, foi proposta por Montesquieu quando a 
monarquia ainda existia e constrangia a esse compartilhamento. Em uma democracia, 
ao contrário do que seria suposto, não há quaisquer obrigações em relação à divisão 
de poderes. Tanto é que as pessoas votam nos candidatos de um mesmo partido 
para ser Chefe do Executivo e para as vagas do Poder Legislativo. Além disso, o 
executivo ainda indica alguém, que também pertence ao mesmo partido, para ocupar 
o judiciário. Pode ser, inclusive, um advogado desse partido que nunca conseguiu 
passar no concurso para a magistratura. Ou seja, em pouquíssimo tempo, a 
democracia solapou a divisão de poderes. Por isso, da perspectiva filosófica, não 
podemos afirmar que a democracia corresponde à divisão de poderes. Contudo, o 
uso corrente do termo é justamente este. Normalmente, também é atribuída à 
democracia a liberdade de expressão. Entretanto, esta foi criada pelas monarquias. 
O próprio Voltaire, considerado um gênio da liberdade de expressão, tinha como 
maior amigo político um suposto déspota, um monarca da Prússia. 
Os conceitos que foram formados se perderam historicamente. Perderam-se 
no desenvolvimento da humanidade. No entanto, as palavras ficaram, sem manter a 
correlação que observamos na Idade Média. Elas nos foram legadas sem estarem 
embebidas no método socrático, sem ter a gramática, ou seja, a palavra mais correta. 
 
 
Durante todos os mil anos de Idade Média, no campo filosófico, buscou-se 
definir o que é a palavra mais correta. Tanto que a escolástica tardia, existente no 
final do período, intensamente criticada para que venha o renascimento, apresentava 
o que se chama de discussão bizantina: debatia-se sobre a brancura do branco. E há 
textos sobre isso. Na tentativa de analisar algumas parábolas bíblicas, chegaram a 
discutir se o renascimento do corpo místico de Jesus incluía a roupa. Eles desciam a 
minudências. Usava-se algo extremamente poderoso como a filosofia para uma 
discussão completamente infrutífera. 
Entretanto, nós perdemos a gramática, não no sentido das normativas de um 
código linguístico específico, mas no sentido do estabelecimento da boa palavra. Isso 
está intimamente relacionado à atividade desempenhada por Sócrates, o qual 
salientou que aquilo que os outros chamavam de justo não perfazia a justiça. Ele 
ressaltou a imprescindibilidade de definir conceitos e de não os confundir com meros 
exemplos. Apenas para ilustrar o meio em que estava envolto: em um dos debates 
platônicos, Sócrates perguntou “o que é justiça?”. Um de seus interlocutores, com 
toda sinceridade, respondeu que “justiça é favorecer os amigos e prejudicar os 
inimigos”. Ou seja, empregava-se uma palavra extremamente elevada para designar 
atos reles. 
 
ONDE ESTAMOS? 
Atualmente, precisamos lidar com o problema de ter um pensamento filosófico 
em um mundo em que as palavras já não são conceitos perfeitos. Um conceito do 
mundo físico, como o caso da mesa, possibilita que facilmente façamos uma analogia. 
No entanto, quando estamos falando em conceitos abstratos, como democracia, é 
muito difícil atingir uma unanimidade. 
Há muito tempo eu estudo o que é democracia. Entretanto, ainda não localizei 
dois autores que pensem a mesma coisa quando empregam o termo, pois cada um 
fabrica seu próprio conceito. 
Como podemos utilizar uma palavra de forma deliberada e particular, isso nos 
conduz novamente ao reino da sofística, ao reino do convencimento que não está 
atrelado à verdade. Por isso, em um debate político entre duas pessoas, uma sempre 
 
 
tenta acusar a outra de ser antidemocrática5. Justamente por esses problemas 
polissêmicos, o latim se tornou a língua da ciência e da filosofia, uma vez que seu uso 
corrente estava morto. 
Além dos já mencionados, a linguística moderna nos impõe um novo problema 
seríssimo, que é o fato de as palavras variarem de língua para língua e, também, 
historicamente. Sobretudo a partir da Revolução Industrial, a linguística moderna 
começou a perceber alguns problemas urgentes, ainda mais em um mundo que 
estava se globalizando rapidamente. Dentre estes, está o fato de não termos uma 
gramática filosófica, pela própria constituição do tempo, que nos permita falar 
exatamente a mesma coisa. Quer dizer, há o Deus para Sócrates, o Deus para os 
Judeus. Há o Deus filosófico de Descartes e do idealismo alemão. Está-se usando a 
mesma palavra “Deus”, que pode apresentar grandes intersecções entre si, para fazer 
menção a objetos distintos. Não há, portanto, a formação de conceitos claros a 
respeito do que se discute. 
Essa situação se torna ainda mais perigosa quando identificamos que a 
filosofia medieval discutia assuntos, atos ou objetos considerados heréticos, 
pecaminosos, tabus, de forma muito mais séria do que se discute hoje nas 
universidades. Hoje, é difícil encontrar um livro que defenda a monarquia sendo 
debatido na Academia. Não há a possibilidade de debater um livro que prega que o 
feminismo não funciona. E o feminismo é o que chamamos de ideologia. É uma 
palavra que dificilmente pode ser definida. Mesmo entre as feministas, não é possível 
encontrar duas que atribuema mesma definição para o termo. Feminismo não é um 
conceito. Ele não é algo que pode ser determinado. 
A linguística ficará com o restolho que fica disso. Não sabemos o que é 
democracia nem feminismo, mas essas palavras causam uma extrema impressão. 
Esse será o tema do próximo e-book. 
 
PERGUNTAS 
1) Durante a aula, falamos sobre a corrosão dos conceitos e como esse processo 
dificulta o acesso à verdade. Há algum movimento hoje que está buscando retomar 
os significados originários das palavras, que foram completamente distorcidos? 
 
5 Tal situação nos permite concluir que praticamente ninguém leu corretamente Platão, no 
Brasil. 
 
 
Resposta: eu, infelizmente, não vejo. Além disso, eu vejo certo agravamento do 
problema de ambos os lados. 
Por exemplo: após a eleição do Trump, foi necessário que grandes intelectuais 
parassem e se confrontassem com uma nova situação que ainda não havia ocorrido 
e que estava completamente fora do horizonte de possibilidades, pois todos, em 
uníssono, haviam afirmado que não havia chance de Trump ser eleito e isso 
aconteceu. Menos de um mês depois da eleição do Trump, apareceu uma série de 
explicações, utilizando novos termos ou retomando antigos termos horrendos do 
passado, como nacionalismo e populismo. Ninguém falava em fake news antes. A 
análise do google mostra que, três semanas após Trump ser eleito, o Washington 
Post produziu uma reportagem em que atribuía a vitória de Trump a um conluio de 
fake news. Postada em dezembro, essa publicação levou a um aumento exponencial 
de pesquisas envolvendo o termo. O Oxford Dictionary, em 2016, afirmou que fake 
news era o termo do ano. Como poderia ser o termo de 2016 se, ao longo de todo o 
ano, esteve ausente do debate público? Depois disso, de fato, o termo passou a ser 
amplamente empregado. 
2) Os sexos apresentam uma relação com a realidade. São palavras que fazem 
referência a algo real. Por outro lado, as dezenas de gêneros, que surgiram 
recentemente e se disseminaram rapidamente, não apresentam substrato na 
realidade. 
Resposta: essa discussão acerca da ideologia de gênero é bastante interessante. 
Para explicar linguística, eu sempre uso o exemplo do feminismo, de que não há uma 
feminista que consiga definir o que é feminismo. Ele é um termo fabricado para não 
ser definido. A respeito da ideologia de gênero, acontece algo análogo. As pessoas 
criaram uma série de novos gêneros, mas, eles são usados? Quer dizer, o que é um 
ser humano não binário? Todo esse movimento da ideologia de gênero é um grande 
fator do que está acontecendo no mundo hoje. Por isso essa discussão é tão 
importante. Lembrem-se do que eu estava falando no início, sobre o mundo pré-
socrático, quando não havia conceitos; quem determina o que é certo e errado, quem 
determina o que o tribunal vai definir, é quem tem o discurso mais sofisticado, da 
doxa, o império da opinião. Se você tem esse monte de gênero, na verdade, é toda 
uma maquiagem para definir o que é verdade: são seus olhos ou o Estado que 
definem o que é verdade? 
 
 
Por exemplo: se hoje você postar que o Pablo Vitar é homem, você corre risco de 
sofrer uma sanção penal bem mais grave do que se você roubar alguém. Ideologia 
de gênero é uma maquiagem para falar: vale mais o discurso ou a realidade? Valendo 
mais o discurso, você tem que lembrar que isso é jurídico também. Você perde o 
mundo da autoridade para entrar no mundo do controle. Quer dizer, quem controla o 
que pode ser dito ou não dito, tem o controle completo sobre você. Por isso, essa é 
uma das discussões atuais mais sérias.

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