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147 Os cinemas contemporâneos e o audiovisual (1968 - atualidade) O fim dos anos 70 e início dos anos 80 é um processo de transformação no audiovisual em diversos aspectos. As salas de cinema não eram mais o único espaço de entretenimento popular. Desde a chegada da televisão, esta vem tomando cada vez mais espaço. O crescimento das cidades, da violência, das desigualdades, o fechamento das salas de cinema de bairro, a facilidade da fruição audiovisual privada que a televisão proporciona, e o aparecimento do vídeo, são características deste momento. Você hoje pode achar normal e natural termos acesso ao audiovisual. A abundância das telas em nossa vida e em nosso cotidiano é muito presente. Quando as videolocadoras e o VHS surgem neste período, há uma grande modificação na exibição audiovisual. Por exemplo, para ver um filme antigo, que não fosse lançamento, você não precisaria esperar, por exemplo, uma retrospectiva em uma sala de cinema. Você poderia alugar um vídeo, assistir em sua casa quantas vezes quisesse, e depois devolvê-lo. Temos, então, com o VHS e as videolocadoras, o princípio da consolidação da exibição audiovisual privada (e não mais coletiva da sala de cinema), 148 que depois se desenvolverá nos formatos do DVD, do Blue-Ray e, com a internet, do download, do streaming e dos serviços de vídeo-sob-demanda. Historicamente, é também um período que convencionamos chamar de “pós-modernismo”. Todas as linguagens artísticas: artes visuais, literatura, cinema e audiovisual, artes cênicas, passam, de uma forma ou de outra, por um certo esgotamento das inovações técnicas e conceituais que foram inumeramente propostas pelos vários artistas modernos, durante todo o século XX. No audiovisual, não é diferente. Vimos, ao fim da Unidude 02, como o cinema moderno foi reincorporado pela indústria hollywoodiana, tendo como consequência o filme “blockbuster”. As próprias questões políticas, tão fundamentais para todos os cinemas modernos, se debatiam, neste período, com a falta de perspectivas e visões totalizadoras da realidade. Por exemplo, se o capitalismo e sua essencial desigualdade não eram o caminho, também não eram as experiências socialistas que se transformaram em ditaduras de Estado. Por isto dizemos que este período denominado de “pós-moderno” é a crise das “metanarrativas”, pois não era possível enxergar em nenhum destes dois grandes sistemas econômicos as soluções para os problemas do mundo. Não à toa, é um período marcado pelo niilismo. Na música e nas periferias das grandes cidades do mundo, o punk é uma resposta crua dos jovens dos Estados do Ocidente que não possuíam perspectivas. O neoliberalismo de Margaret Tatcher no Reino Unido, e de Ronald Regan, nos Estados Unidos torna-se a ideologia hegemônica dos Estados. Lembre-se de que quando falamos da França, na unidade 03, após a Segunda Guerra Mundial? Uma das principais questões naquele momento é como o Estado pode salvaguardar os cidadãos com direitos sociais e trabalhistas. A ideologia neoliberal busca suprimir esta função como a do Estado também. É um aprofundamento do capitalismo, no sentido do Estado não intervir nas relações econômicas e, consequentemente, sociais. Os próprios mercados se autorregulariam e a partir da concorrência, haveria melhores serviços e condições de sobrevivência. Este sistema, ainda 149 vigente, mesmo que com transformações, é o pano de fundo de um tipo de arte que não busca necessariamente um embate político, como vimos no cinema moderno. Outras questões tornam-se importantes, como a própria relação com a linguagem e o retorno ao elo com o espectador, que antes confrontado pelo cinema moderno, agora se reidentifica com o audiovisual de exibição global. Este é baseado em uma junção das técnicas da gramática clássica com as inovações modernistas, mas colocadas em outra chave de interpretação. Os filmes passam a referenciar mais outros filmes. O acúmulo das imagens do século XX, o acesso que os vídeos proporcionaram, as novas câmeras de vídeo tornam o audiovisual mais intertextual. A originalidade deixa de ser um valor. O importante é como se organizam todos estes referenciais das imagens do mundo. Abrem-se conceitos como o simulacro, o pastiche, a paródia, a nostalgia. Por outro lado, o vídeo torna-se um meio de experimentação ousado, fora do formato de filme de longa-metragem da sala de cinema. As televisões abrem espaço para novas narrativas audiovisuais, com as séries e as minisséries. As diferenças nacionais diminuem. Os fluxos imigratórios aumentam. Cinemas e audiovisuais de todo o mundo ganham um pouco mais de destaque. Temos, nos anos 90, por exemplo, o crescimento do cinema do Oriente Médio, com o Irã apresentando vários 150 cineastas ganhando prêmios em diversos festivais do mundo. Ao mesmo tempo, temos o cinema de Hollywood com os “blockbusters” atingindo cada vez mais mercados de forma agressiva. Os Estados nacionais buscam, desta forma, proteger seus produtos culturais, criam políticas públicas e mecanismos de financiamento para salvaguardar suas identidades nacionais. O audiovisual passa a ser debatido como patrimônio cultural da humanidade. O debate sobre a preservação dos filmes antigos ganha mais importância, com as cinematecas e as pesquisas sobre como preservar desde as películas antigas até os formatos digitais de nossa era. Como cuidamos das imagens do mundo? Como se organiza o mundo do trabalho no audiovisual? Quais as diferenças entre produções de sistemas mais hierarquizadas e as produções independentes? Qual a relação entre trabalho, política pública e mercado? O audiovisual mudou profundamente desde o cinema moderno até a nossa era. Observaremos um pouco mais estes diversos aspectos, mas antes, comentaremos, brevemente, sobre a questão do documentário que ficou um pouco à margem até aqui. Com a facilidade tecnológica, a possibilidade de produzirmos imagens a todo momento, com nossos celulares e câmeras ágeis, o debate sobre como se orienta a relação entre imagem e realidade torna-se mais premente. E os documentários sempre tiveram neste embate, entre imagem e real, sua questão audiovisual primordial. Como se manipula e se apresenta o real? Qual nível de relação há entre a imagem que produzimos mecanicamente e a própria realidade?