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BIOQUÍMICA DA FERMENTAÇÃO DE LEGUMINOSAS Profa. Dra Maria Ivone M J Barbosa (DTA/IT/UFRRJ) Dra. Amanda Fulgoni da Cunha Estanech UFRRJ 2024-1 INSTITUTO DE TECNOLOGIA DEPARTAMENTO DE TECNOLOGIA DE ALIMENTOS Introdução 🠶 Aumento acentuado no consumo de produtos de origem animal, representa hoje mais da metade da oferta de proteína per capita/dia (58%). o Carnes e derivados (33,14%) o Cereais (17,38%) o Leite e derivados (17,17%) o Peixes e frutos do mar (10,63%) o Ovos (4,68%) o Leguminosas (3,32%) (Bonnet et al., 2020). Leguminosas ➢ Segunda cultura mundial de alimentos, depois dos cereais (Fasolin et al., 2019). ➢ Fonte altamente valiosa de proteínas e minerais (P, Mg, Fe, K, Co e Mn) (Fasolin et al., 2019). ➢ As leguminosas têm potencial para se tornarem ingredientes fundamentais, como substitutos ou combinados com cereais, em diferentes produtos (Monnet et al., 2019). Aspectos nutricionais das leguminosas ✓ Ricas em carboidratos de absorção lenta, fibra, proteínas, vitaminas do complexo B e ácidos graxos poliinsaturados (LALEG, et al., 2016) ✓ O teor de proteínas pode variar entre 20% e 40%. As proteínas das leguminosas são de alta qualidade, caracterizando-as como uma alternativa alimentar altamente nutritiva. Leguminosas Proteína (%) Amido (%) Fibra (%) Gordura (%) Feijão caupi 24,5 51,4 19,4 2,2 Feijão fava 26,1 37,0 13,1 2,5 Soja 35,1 1,5 20,0 17,7 Ervilha 18,3 45 12,0 0,6 Grão-de-bico 28,2 44,4 9,0 3,1 Fonte: FROTA, et al., (2008); KUMAR; PANDEY(2020) Aspectos nutricionais das leguminosas 🠶 Apesar dos bons aspectos nutricionais, a presença de fatores antinutricionais, comum em leguminosas, limitam significativamente seu valor nutricional e seu consumo. 🠶 Presença de diversas substâncias antinutricionais, entre eles podemos destacar o fitato (ácido fítico), inibidores de proteases, oligossacarídeos e compostos fenólicos (taninos e saponinas) ((MUDRYJ et al., 2014) 🠶 Uso das leguminosas de forma mais ampla é de alguma forma limitado pelos efeitos adversos para a nutrição humana (MARTÍN-CABREJAS, 2004). Fatores antinutricionais 🠶 São produzidos como metabólitos secundários para exercer um efeito protetor contra "ataques" de microrganismos ou insetos (Belitz et al., 2009). 🠶 Fatores proteicos (lectinas, inibidores protease como inibidores de tripsina e quimiotripsina) e fatores não proteicos (ácido fítico, compostos fenólicos - taninos e saponinas) 🠶 Altas concentrações, podem reduzir drasticamente a bioacessibilidade de muitos nutrientes e, assim, interferir na sua absorção (Belitz et al., 2009). Fatores antinutricionais 🠶 Inibidores de proteases – Redução da disgestibilidade proteica. o Tripsina e quimiotripsina – Hidrolases (proteína dietética) frequentemente encontrados em leguminosas como soja (20 g/kg) feijão branco (3,6 g/kg) e grão-de-bico (1,5 g/kg) (Belitz et al., 2009). 🠶 Ácido fítico - Complexos com minerais como cálcio, zinco, ferro e magnésio. ✓ Proteínas e enzimas digestivas (proteases e amilases) resultando em menor solubilidade proteica e inibição da proteólise (Rosa-Sibakov et al., 2018). Fatores antinutricionais 🠶 Compostos fenólicos ✓ Taninos – Precipitação de proteínas, diminuindo a digestibilidade proteica aminoácidos (Robinson et al., 2019). e a disponibilidade de ✓ Saponinas - Micelas (interação com ácido biliar e colesterol), resultando em má absorção de colesterol e ácido graxos livres. o Responsáveis pela rejeição sensorial devido ao seu gosto amargo e capacidade de formação de espuma (Bessada et al., 2019). Fatores antinutricionais 🠶 Oligossacarídeos da Família Rafinose (rafinose, estaquiose e verbascose). ✓ Ligações α-galactosídicas (enzimas humanas e animais não são capazes de hidrolisar) possibilitando a metabolização desses açúcares por bactérias do trato intestinal, com consequente produção de dióxido de carbono, hidrogênio e metano, levando a incidência da flatulência ( Antunes et al., 1995; Yamaguishi, 2008) 🠶 Apesar dos efeitos negativos sua presença pode ser reduzida, e posteriormente a biodisponibilidade de nutrientes pode ser aumentada. Fermentação 🠶 Os microrganismos têm sido amplamente úteis e representam uma tecnologia promissora. 🠶 A fermentação de alimentos remonta a muitos séculos atrás e é considerada uma técnica preservação de alimentos. de 🠶 A fermentação pode ser definida como um processo biológico no qual microrganismos convertem substratos em novos produtos, como enzimas, biomassa e metabólitos primários e secundários. 🠶 Forma de obter alimentos tradicionais e nutritivos, e também, uma ferramenta para a obtenção de novos sabores, aromas e texturas e promover o prazer gastronômico. Fermentação Fermentação 🠶 Oportunidade biotecnológica para melhorar as propriedades nutricionais e funcionais. 🠶 A fermentação pode ser feita usando cultura inicial (starters) ou naturalmente. 🠶 Devido à falta de especificidade, a fermentação natural é menos eficaz e não previsível, mas é a forma mais comum de fermentação nos países em desenvolvimento. Fermentação 🠶 Ao selecionar: - Características especificas da cultura e ao processo de fermentação. - Combinação de microrganismo da cultura starter (produto com características e qualidades desejadas) a combinação deve ser apropriada - Os critérios de seleção levar em consideração: a matéria-prima, as propriedades da (s) cepa (s) e os requisitos de segurança alimentar. Fermentação 🠶 Fermentação em alimentos. o Fungos (por exemplo, Aspergillus spp., Mucor spp., e Rhizopus spp.) o Bactérias (por exemplo, Lactobacillus spp., Bifidobacterium spp. e Streptococcus spp.) o Leveduras (por exemplo, Saccharomyces spp.) (Borresen et al., 2012). Fermentação 🠶 Estado sólido e método submerso. 🠶 A fermentação em estado sólido, ou fermentação semi-sólida, ou fermentação em meio semi-sólido: Crescimento de microrganismos sobre substratos sólidos sem a presença de água livre. o estado sólido permite o crescimento de microrganismos em substratos sólidos cercados por uma fase gasosa contínua, o que promove o crescimento de microrganismos. 🠶 A fermentação em método submerso envolve o crescimento de microrganismos em uma cultura líquida contendo nutrientes, alto teor de água livre e concentração de oxigênio onde substratos são rapidamente consumidos. Fermentação – Estado sólido e método submerso Fermentação – Estado sólido e método submerso 🠶 Inóculo utilizado em cada técnica: ✓ O estado sólido é o ideal para o desenvolvimento de fungos, pois as condições de processo são semelhantes ao ambiente natural onde esses microrganismos geralmente são adaptados para crescer. ✓ No método submerso o meio de crescimento é liquido, mais adequado para o cultivo de bactérias, devido à alta exigência de atividade de água . Fermentação – Estado sólido e método submerso 🠶 A fermentação de leguminosas com fungo é mais frequentemente realizada em condições de estado sólido, enquanto a maioria dos estudos de fermentação pelo método submerso de leguminosas são realizados com bactérias. 🠶 Um dos principais efeitos da fermentação de leguminosas é encontrado em termos de mudanças proteicas. (Espinosa-Páez et al., 2017) Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Carboidratos ✓ O maior carboidrato em cereais e leguminosas é o amido que fornece mais calorias nos países em desenvolvimento. A fermentação ativa enzimas de amido (α-amilase e maltase) que degradam o amido em maltodextrinas e açúcares simples respectivamente. ✓ Em leguminosas, a fermentação tem sido observada para levar tanto à diminuição quanto ao aumento do teor de carboidratos ou amido. (Osman, 2011 ; Chaves-Lopez et al., 2014). Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Estudos têm mostrado: 🠶 A glicose liberada durante a fermentação é um substrato preferido para microrganismos fermentando os alimentos e poderia explicar parcialmente a diminuição do carboidrato total após 24 horas de fermentação (milheto depérola) (Osman, 2011). 🠶 Aumento significativo no teor de carboidratos na farinha de milheto de pérola fermentada (3%) (Adebiyi, et al., 2017), farinha de aveia fermentada (1%) (Espinosa-Páez, et al., 2017), farinha de sorgo fermentada (0,9%) (Mohammed, N.A., et al., 2011) Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Estudos têm mostrado: 🠶 Redução de 3% no teor de carboidratos relatado durante a fermentação do feijão vermelho (Phaseolus angularis) foi atribuída ao uso de carboidratos como fonte de energia para o crescimento fúngico (Xiao, et al., 2018) 🠶 Aumento dos níveis de carboidratos de feijão preto fermentado (146%), feijão lima fermentado (3%), e ervilha fermentada (até 8%), foram relatados com tais tendências ligadas a atividades de enzimas durante a fermentação que devem ter levado à conversão de amidos resistentes a amidos disponíveis; posteriormente, aumentando o teor de carboidratos (Espinosa-Páez, 2017) Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Proteínas ✓ A fermentação aumenta a digestibilidade das proteínas vegetais. A proteína vegetal tem baixa digestibilidade em relação à proteína animal. ✓ A fermentação bacteriana produz quebra e aumento da concentração de aminoácidos. Esse aumento pode ser em parte devido à degradação da proteína complexa (proteólise) por microrganismo, liberando peptídeos e aminoácidos, devido a ação de proteases com perfil de hidrolases. (Osman, 2011 ; Chaves-Lopez et al., 2014). Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Proteínas ✓ Produção de aminoácidos adicionais durante a fermentação. ✓ A fermentação aumenta a quantidade de conteúdo de aminoácidos em produtos à base de leguminosas, dependendo das espécies de leguminosas e cultivares, e tal aumento poderia ser vantajoso na suplementação dos nutrientes obtidos de outras culturas alimentares. Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Estudos têm mostrado: 🠶 Aumento de 6% (milheto de pérola) e 78% (farinha fermentada de milheto de pérola) de proteína, respectivamente, com os autores atribuindo isso ao aumento das atividades de enzimas, a degradação de proteínas complexas aos aminoácidos por meio da proteólise, bem como a produção de aminoácidos adicionais durante a fermentação (Adebiyi et al., 2013). 🠶 A fermentação de amendoins (creme fermentado) aumentou o teor de proteína em aproximadamente 18%, e isso foi atribuído à liberação de proteínas inicialmente ligadas aos fatores antinutricionais. Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Minerais ✓ Minerais de fontes vegetais têm biodisponibilidade muito baixa porque são encontrados complexados com materiais antinutricionais, como ácido fítico. ✓ A fermentação é um dos métodos de processamento que são aplicados para liberar esses minerais complexos e torná-los prontamente biodisponiveis. ✓ A fermentação também aumenta a biodisponibilidade de cálcio, fósforo e ferro devido à degradação de oxalatos e ácido fitico que se complexam com minerais, reduzindo assim sua biodisponibilidade. Fermentação: Alterações Bioquímicas ▪ Redução dos fatores antinutricionais (destoxificação) ✓ Consequência do efeito microbiano no aumento da atividade de protease durante a fermentação (Phengnuam & Suntornsuk, 2013). ✓ A fermentação fornece condições ideais de pH para degradação enzimática do ácido fitico. ✓ Bactérias lácticas como Lactobacillus (L. plantarum, L. fermentum, L. brevis, L. buchneri e L. reuteri) são capazes de hidrolisar os α-galactooligossacarídeos em fermentações de vegetais devido a atividade da α-galactosidase (Bonnet et al., 2020). ✓ Os oligossacarídeos disponíveis podem ser utilizados por microrganismos (Kasprowicz - Potocka et. Al., 2018). Fermentação: Alterações Bioquímicas 🠶 Redução do índice glicêmico (IG) ✓ Ácidos orgânicos de cadeia curta produzidos durante a fermentação, como ácido láctico, ácido acético e ácido propiônico. ✓ Este efeito pode ser atribuído à acidificação biológica, que é um dos principais fatores que diminui a taxa de hidrólise de amido (De Angelis et al., 2009). ✓ Aumento do teor de fibras. ✓ Auxiliar no controle glicêmico (Bonnet et al., 2020). Fermentação em leguminosas Fermentação em leguminosas Redução de fatores antinutricionais (destoxificação) Redução da taxa de hidrolise do amido e índice glicêmico Fonte de peptídeos inibitórios da enzima convertora da angiotensina I (ECA) Aumento do teor de proteínas e melhor digestibilidade proteica Xiao, et al., 2015 Fasolin et al., 2019 Bonnet et al., 2020 Melhor biodisponibilidade de minerais Fermentação em leguminosas 🠶 Fermentação – Tecnologia promissora para melhorar as propriedades funcionais e valores nutracêuticos de produtos obtidos a partir de vegetais; 🠶 Reduiz os fatores antinutricionais de leguminosas (amplia a utilização em produtos plant based); 🠶 Altera as tecnofuncionalidades de produtos origem vegetais https://www.scielo.br/j/cr/a/vCXLZx3T5xbNjdBpRgmLf3b/abstract/?lang=pt https://www.mdpi.com/2311-5637/8/2/63 Referências 🠶 Bessada, S. M. F., Barreira, J. C. M., Oliveira, M., & Beatriz, P. P. 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