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I N D I C E
Advertência ...................................................................... 9
In ic ia n d o ............................................................................ 11
Adestram ento e aprendizagem ................................... 17
A educação, num contexto cu ltu ra l ......................... 27
Linguagem e a r t e ............................................................ 37
O a rtis ta e o e sp e c tad o r................................................ 51
Fundam entos da arte-educação ................................. 63
A arte-educação entre nÓ 6 ........................................... 77
DUARTE JÚNIOR, João-Francisco. Por que arte-educação. Campinas: Papirus, 2019. pp: 63 – 78
Ler o capítulo: FUNDAMENTOS DA ARTE -EDUCAÇÃO
ADVERTÊNCIA
Quando publiquei Fundam entos Estéticos da Edu- 
caç io (Ed Cor tez — Autores Associados — Universida­
de Federal de Uberlândia j, acreditei estar oferecendo 
um texto escrito num a linguagem simples, a todos os 
que se interessam por educação e, mais particularmen­
te, pela arte-aducaçào. Naquele trabalho procurei situar 
a arte no contexto educacional, a partir de bases filo­
sóficas bastante amplas que, creio eu, devem nortear a 
ação de qualquer arte-educador.
Contudo, acabei percebendo que o texto apresen­
tava certas dificuldades para o aluno médio de nossas 
universidades, que — num fenóm eno sobejamente co­
nhecido em nossos tempos — ainda não se habituou á 
leitura mais sistemática.
Resolvi então tentar um a pequena síntese daque­
las páginas que, sendo destinada especialmente aos 
Ingressantes em um a universidade, pudesse oferecer 
determinada» linhas gerais norteadoras da arte-educa- 
ção. Assim nasceu este pequeno texto. Sua intenção não 
é, portanto, ser profundo e conclusivo; antes, quer 
apenas apresentar algumas idéias básicas e alguns 
pontos para a reflexão, num a linguagem extrem am ente 
simples, quase coloquial Sua finalidade é servir de 
ponto de partida para reflexões m ais profundas.
A quem se interessar pelo aprofundamento das 
idéias aqui expostas, sugiro então a leitura daquele 
m eu primeiro trabalho, bem como a leitura das obras 
citadas ao longo deste texto.
O Autor
9
INICIANDO
Todos nós que passamos por um a escola uvemos a 
oportunidade < ou a obrigação) de freqüentar auias de 
a rte". De um a ou de o u tra forma, aquelas au las esta­
vam lá: esprem idas en tre disciplinas que em geral eram 
consideradas "m ais sérias", ou “m ais im portantes", 
p ara a nossa vida fu tura. Era preciso saber os teoremas 
de cor, os modos dos verbos, a localização da Patagônia, 
a d a ta da Lei do Ventre Livre e o que significava sístole 
e diástole, se quiséssemos seguir adiante. Seguir ad ian­
te: cu rsar o 2.'- grau, um bom cursinho e en tra r num a 
universidade. Na universidade finalm ente aprendería­
mos a ser cidadão respeitável, um profissional, que ao 
receber o diplom a darla o últim o passo no aprendizado 
da seriedade. Devolvidos à sociedade seríamo6 então 
tra tados por "doutor" e seríam os felizes, trabalhando 
seriam ente a favor de nosso progresso e do desenvolvi­
mento da nação.
Nesse ponto é possível que nos recordássemos de 
ossos prim eiros anos de escola e — quem sabe? — 
aquelas "au las de a r te ” Com um sorriso nos lábios 
lem braríam os toda a “bagunça" que faziamos nm ta is 
nías. Já que o professor era sem pre m ais to lerante (ou 
mais "bobo", como pensávam os). Lem braríam os tam ­
bém que às vezes era um a “curtição" jogar tin ta sobre 
papel desordenadam ente, afirm ando que aquilo era 
"a r te m oderna"; ou a inda serrar, lixar, envernizar e 
m ontar nossos porta-copos e bandejas; e mesmo desa­
m ar proposi taim en te du ran te a execução dos hinos 
pátrios, n a au la de música.
11
De ludas essas lem branças é provável que chegás­
semos a um a conclusão: as aulas de a rte serviam 
mesmo é p ra se divertir, para aliviar a tensão provocada 
por todos aqueles outros professores sizudos e suas exi­
gências interm ináveis Hoje. como médicos, engenhei­
ros. psicólogos ou economistas, não veríam os nenhum a 
•'utilidade” naquelas atividades, alem da diversão. J a ­
m ais aquelas au las poderiam te r cum prido o u tra fina­
lidade, jam ais elas poderiam fazer de nós um ' dou to r” 
m ais eficiente.
Mas, será que não poderiam mesmo? Será que a 
urte. n a vida do homem, não é algo m ais do que simples 
la¡¿er (se bem que o lazer é Im portantíssim o) ? Será que, 
esprem ida e n tre as disciplinas * sérias", as au las de a rte 
não estariam jogadas a segundo ou terceiro planos pelo 
próprio sistem a educacional? Será que não haveria um a 
ío rm a de a arte contribu ir mais efetivam ente [mrn o 
nosso desenvolvimento?
P ara te n ta r responder a estas (e a a lgum as ou tras) 
questões este livro foi escrito. E as respostas a ta is ques­
tões devem, necessariam ente, passar por um conflito 
básico em nossa a tu a l civilização: aquele en tre o 
“ú til” e o “agradável”. Em geral as coisas úteis, ‘sé­
rias”, são aquelas que identificam os como m açantes, 
trabalhosas; em outros term os: são as obrigações que 
tem os de cum prir, m ais ou m enos a contragosto, e 
que nos perm item sobreviver nas selvas de concreto 
e aço de nossas cidades. Já as agradáveis, prazerosas, 
são aquelas reservadas às nossas férias e feriados. Isto 
é, as que guardam os p a ra usu fru ir após terem sido 
cum pridas as nossas m açantes obrigações. Neste segun­
do grupo, além de o u tra s atividades, estão: a nossa ida 
ao cinema, a um concerto, o disco que ouvimos, o quadro 
que ganham os e que passam os algum tem po a contem -
12
piai-. Km sum a, a a rte 6 um a tías atividades prazero­
sas deste m undo (pelo menos p ara o espectador).
Esta divisão en tre o útil e o agradável, contado, 
nào pára ai, nas atividades que excrcemos. Ela acaba 
se refletindo era nossa própria organização interior, 
m ental. Assim é que, por exigencias ce nossa civiliza­
ção, devemos separar nossos sentim entos e emoções de 
nosso raciocínio c intelecção. Há locais e atividades 
onde devemos ser "racionais'’ apenas, deixando de lado 
as emoções, Já em outros, podemos sentir e m anifestar 
dor, prazer, am or. alegrias, tristezas, etc. Estam os divi­
didos e com partim entados num m undo altam en te espe­
cializado, e, sc quiserm os alcançar o "sucesso *, devemos 
m an ter esta com partim entaçáo
Por isso nossas escolas iniciam -nos. desde cedo, na 
técnica do esquartejam ento m ental. Ali devemos ser 
apenas um homem pensante As emoções devem ficar 
fora das qua tru paredes das saias dc aula. a fim de não 
a trapalharem nosso desenvolvimento in telectual. Os 
‘recreios” e as "au las de a rte" sào os únicos mom entos 
onde a e s tru tu ra escolar perm ite algum a fluência de 
nossos sentim entos e emoções E há jeito de ser dife­
rente?
Talvez h a ja Talvez as emoções nào a trapalhem — 
como usuairaente se acredita — nosso desenvolvimento 
intelectual. Pode ser a té que ambos — razão e emoção
— sr. completem e se desenvolvam m utuam ente, diale- 
ticam ente,
Foi pensando e acreditando n isto que alguns estu­
diosos propuseram um a educação baseada, fundam en­
talm ente, naquilo que sentim os. Uma educação que 
partisse da expressão de sentim entos e emoções. Uma 
educação através da arte.
E sta expressão — educação através da a rte —, cria­
da por H erbcrt Read em 1943, se popularizou c chegou
13
até nós. Posteriorm ente foi abreviada e simplificada 
para, arte-educação, m as seu espirito original ainda 
continua vivo. É preciso dirim ir dúvidas desde Já: arte- 
cducação não significa o trelno para alguém se to rnar 
um a rtis ta , não significa a aprendizagem de urna té c ­
nica, num dado ram o das artes Antes, quer significar 
um a educação que tenha a a rte como urna das suas 
principais aliadas. Uma educação que perm ita urna 
m aior sensibilidade p a ra com o m undo em volta de cadaum de nós.
Aquí no Brasil este term o arte-educação vem sendo 
bastan te empregado — pelo menos verbaJmente — após 
o advento da conhecida Lei 5.692/71. Lei esta que, em 
1971, pretendeu ‘‘modernizar*’ nossa e s tru tu ra educa­
cional, fixando suas diretrizes e bases. All no texto da 
Lei se reservava (tim idam ente) algum as poucas horas 
do currículo (em geral duas, por sem ana) para a arte. 
E a partir de entào m ultipllcaram -se os cursos supe­
riores p ara a formação do arte-educador. Pretendeu- 
se, assim, que aquilo que já existia nos currículos, de 
fonna quase em pírica — as "aulas de a rte " —. se siste- 
raÀtizasse c tivesse um a fundam entação teórica e filo­
sófica. Se isto foi conseguido, se a a rte passou rea l­
m ente a ocupar um lugar m ais nobre na e s tru tu ra 
escolar, é um assunto p ara discutirm os m ais adiante, 
no final deste trabalho. Por ora. basta que se assinale 
este ponto de relevo oficial para a expressão arte-edu­
cação: sua inclusão n a legislação escolar.
Para que possamos analisar adequadam ente, a tin ­
gindo o cerne do pensam ento que fundam enta a arte- 
educação. será necessário decompor o term o em seus 
elementos constituintes. Vamos partl-lo em : a rte e 
educação, buscando clarificar o que é, isoladamente, a 
educação e a arte. Nessa busca, certam ente, encon tra­
remos a convergência de um a série de elementos da
>4
arte e da educação para um ponto comum; a criação 
de um sentido p ara as nossas vidas.
Como toda educação se fundam enta num processo 
básico do ser hum ano, será por ele que iniciaremos este 
nosso cam inho: o processo da aprendizagem. Como 
aprendem os? O que aprendem os? Para que aprende­
mos? Très questões que alicerçam todo o edificio edu­
cacional, ou melhor, todo o edificio da vida hum ana 
constru ída neste mundo.
Comecemos por ai.
15
ADESTRAMENTO E APRENDIZAGEM
Quase todos já ouviram (alar que alguns psicólogos 
se utilizam de ra to s em seus experim entos Os resu lta­
dos de ta is experimentos, em geral, sáo generalizados e 
extrapolados p ara o hom em : eles crêem que en tre ratos 
e hom ens a diferença seja m uito pequena; de grau. 
•►mente. Apesar de algum as pessoas que conhecemos 
realm ente se aproxim arem bastan te dos ratos, a inda as 
diferenças são enormes. Porém, um pequeno e modelar 
experim ento com esses roedores pode nos aux iliar e 
servir de ponto de partida.
Deixando um ra to sem beber du ran te 24 horas e 
colocando-o depois num a gaiola ap ropriada íconhecida 
romo "caixa de Sk inner’ ), ele certam ente virá a 
aprender" um novo com portam ento. N esta gaiola 
existe um a pequena alavanca que, quando pressionada, 
fornece um a go ta de água. Apoiando-se n a alavanca e 
recebendo a água, logo o anim al estabelece a ligação 
en tre um a coisa e ou tra e passa a acionar o mecanismo 
"propositalm ente p ara saciar a sua sede. Vamos dizer, 
então, que o ra to ‘ aprendeu” (en tre aspas) a pressio­
n a r a barra : ele adquiriu um novo com portam ento.
O fundam ental deste experim ento é que o anim al 
só "aprendeu" este novo com portam ento porque ele o 
auxilia a resolver um problem a crucial: a sua sobre­
vivência. Pressionando a b a rra ele im pede a própria 
m orte: sobrevive! O ra to não poderia ser “treinado” — 
o experim ento nào se realizarla — se ele não estivesse 
.n*?cessitando da água
17
Daí podermos deduzir que o com portam ento a n i­
mal procura sempre resolver este im perativo básico, 
que é m an ter a vida O anim al se adapta a seu meio 
am biente e ali pode vir a desenvolver algum as habili­
dades, se estas o auxiliarem na ta re ia de sobreviver. 
Ursos “aprondem ” a andar de bicicleta, elefantes a 
"p lan tar bananeira" e cães a jogar bola, pois dependem 
de tais atividades para receber comida de seu tre ina­
dor. E este o m otor da "aprendizagem'* no mundo ani 
m a l: g aran tir a vida, a sobrevivência.
Porém, este modelo de “aprendizagem '' nào pode 
ser integralm ente aplicado a seres hum anos Nós pos­
suímos um a dim ensão a mais em relação ao anim al, 
que transform a radicalm ente a vida m eram ente bioló­
gica em algo qualitativam ente diferente. E sta dim en­
são e a dimensão simbólica do m undo hum ano: a pa­
lavra.
Através da palavra o homem se "desprendeu" de 
(transcendeu) seu corpo físico. O m undo anim al é 
aquilo que seus sentidos lhe perm item : o que ele vê. 
ouve, cheira e toca. J á o m undo hum ano vai além, 
m uito além, daquilo que existe à nossa volta, acessível 
a nossos sentidos E vai além através dos símbolos, da 
palavra. Quando digo ' A ntártida’', por exemplo, a pa 
lavra me traz à consciência uma região do p laneta que 
não está agora ao alcance de m eus sentidos. Posso saber 
desta região gelada sem jam ais te r estado lá. Posso 
conhecê-la através de um símbolo, de um a palavra que 
a representa.
Um outro exemplo: posso pensar no que fiz ontem 
e p lanejar o que farei am anhã Tenho consciência do 
tem po: de um passado, um presente e um futuro. Isto é 
possível pela palavra, que me represen ta o ontem , o 
hoje e o am anhã. E nquanto o anim al só possui o seu 
presente: está aderido a um hoje eterno.
18
Podemos concluir então que o homem não estâ preso 
a seu corpo e a seu presente como está o anim al, mas 
tem con-sciêncta de ou tras dimensões c de outros tem ­
pos. A consciência hum ana é. desta forma, produto de 
sua capacidade simbólica, produto de sua palavra O 
que faz do homem um a vida qualitativam ente diferen­
te de todas as demais formas de vida O ser hum ano tem 
um a coTisciència reflexiva, isto é, pode pensar em si 
próprio, pode tom ar-se como objeto de seu pensamento. 
Pensam ento este que se dá graças à palavra.
L inhas a trá s dissemos que o anim al se adap ta a 
seu meio am biente. Incapaz de transform á-lo de m a­
neira ordenada, planejada, ele deve sempre se adaptar 
às circunstâncias, desenvolvendo atividades que o auxi­
liem a sobreviver aqui e agora. Mas o homem não. Não 
se adap ta simplesmente a urn meio, e sim procura tran s­
formá-lo, modificá-lo, construi-lo. Faz com que o meio 
se adapte a ele O homem constrói o mundo Imprime 
um sentido às auas ações. Visa o fu turo: planeja, pen­
sa. e então age. construindo o que imaginou. Este é o 
m undo hum ano: um m undo que su p lan ta a simples 
dimensão fisica, que existe tam bém enquanto possibi­
lidade; que existe como um vir-a-ser. Em sum a: um 
m undo tam bém simbólico.
Esta é então a radical diferença en tre homem e 
anim al: a consciência reflexiva, simbólica. A palavra 
é o primeiro elem ento transformador do m undo de que 
se vale o ser hum ano. Por ela o mundo é ordenado num 
tudo significativo. Com a palavra o homem organiza 
o real, atribuindo-lhe significados. Teda a m assa de 
sensações e percepções é filtrada pela linguagem hu ­
m ana e recebe um a significação. Vejo um a forma 
difusa em meio à neblina: não sei o que é. apenas algo 
vago, sem sentido. Alguém me diz "aquilo é um a á r ­
vore”. Im ediatam ente a form a #anha um sentido, um
19
significado. In teg ra-se no raeu m undo conhecido. 
Agora sei o que é aquilo, mesmo sem percebê-lo c la ra ­
m ente T em um nom e: ãrrore . Pelo nome adquiriu 
significação, p a u o u a fazer p arte de m inha e s tru tu ra 
conceituai
Ou en táo este objeto à m inha frente. Não sei o 
que é, não sei de sua utilidade, n u n ca o vi an tes Al­
guém me inform a: “isto é um gram peador — com ele 
podemos prender ju n ta s a lgum as folhas de papel”. Se 
de agora em d ian te me falarem de um gram peador, 
saberei do que se tra ta . Meu m undo se am pliou. Nele 
coube m ais um nom e , m ais um objeto significativo. O 
gram peador — o objeto e a palavra que o rep resen ta 
passou a fazer pa rte do meu m undo.
O m undo que construím os tem o cará te r de um 
todo unificado, ordenado Evitam os o caos, a desor­
dem. Vamos relacionando os eventos,os objetos e as 
nossas percepções n u m a e s tru tu ra organizada. R ela­
cionam os tudo num a e s tru tu ra significativa, que nos 
perm ite dizer como o m undo é. E ta l e s tru tu ra sign i­
ficativa nos é dada pela linguagem
M erleau-Ponty, um filósofo francês, fala do com ­
portam en to hum ano como um com portam ento sim bó­
lico O anim al reage nos estím ulos físicos de seu meio. 
O homem age, em função dos significados que ele 
im prim e à realidade. Age segundo a significação que 
sua linguagem perm ite.
A nteriorm ente afirm ou-se que o m otor da a tiv ida­
de an im al era a sua sobrevivência su a adap tação ao 
meio e o desenvolvim ento de novos com portam entos 
buscam o fim últim o de se m an ter vivo. Isto tam bém 
é verdade p a ra o homem , se bem que verdade apenas 
parcialm ente. Porque, se trabalham os sem pre para a 
nossa sobrevivência, essa sobrevivência não tem a ver 
som ente com a m anutenção da vida biológica. Tem a
¿0
ver, principalm ente, com a m anutenção do significa­
do. do sentido da vida Buscam os nao apenas m an te r a 
vida (biológica), m as fundam enta lm en te a su a coe­
rência - a coerência num m undo simbólico.
A vida tem que fazer sentido. Temos de possuir 
nossos valores, sonhos e ideais, em funçáo dos quais 
nos m anterem os vivos C om prar um a casa. escrever 
um livro, nào roubar, ser honesto, casar, são alguns 
desses valores que m antém a s pessoas existindo. Tais 
valores ta is significações — chegam a ser, no m un­
do dos hom ens, a té m ais im portan tes que a própria 
vida. Será esta um a afirm ação paradoxal? Não, se pen­
sarm os no caso extrem o do suicida M uitas vezes sua 
e s tru tu ra física, vital, se encon tra perfeita. Mas ele 
se m a ta K se m ata porque sua existência perdeu a 
significação, deixou de fazer sentido. (A lbert Camus, 
ou tro filósofo francês, dizia que a ún ica questão filo­
sófica realm ente Im portan te e ra o suicídio).
Ou en tão pensemos no guerrilhe iro : ele tam bém 
en trega a vida para que um ideal continue existindo, 
p ara que o m undo um dia se ja m elhor — mesmo que 
ele nào m ais esteja neste m undo. (No m om ento em que 
escrevo estas linhas é an unc iada a m orte do 10.° prisio­
neiro político do IRA, na Irlanda, devido à greve de fome 
por eles m an tid a ) .
Assim, a vida h u m an a nào é apenas vida (física), 
m as existência, ou seja. com porta um sentido. E este 
sentido são as pa lavras que nos dão. A linguagem — 
e a través dela os valores, os significados — fundam enta 
e e s tru tu ra nossa existência nesta te r r a
Portanto , tudo em nosso m undo possui um valor 
e um nome. Os significados advêm fundam entalm ente 
dos símbolos, das palavras, dos nomes. "No princípio 
era a Palavra", segundo o dizer bíblico. E stam os cons­
tan tem en te buscando significações p ara as nossas
21
experiências Estam os constantem ente nomeando-as. 
com parando-as, ten tando explicá-las. E isto através doe 
símbolos, d a palavra. "Você não im agina o que c andar 
na m on tanha-russa", distemos a um am igo que nunca 
foi ao parque de diversões. “É como estar n u m ciclone: 
vocé rodopia, scu estómago sobe, desee; sua noção de 
lugar, de espaço, fica perdida” — procuram os explicar- 
lhe. O que estam os fazendo? T entando dar um signifi­
cado, um sentido p ara aquela experiência, ao traduzi- 
la em palavras.
Nossas experiências vividas são sem pre seguidas de 
simbolizações. que perm item explicitá-las <à nós mes­
m os). G endlin, um psicólogo norte-am ericano, afirm a 
que toda significação tem dois com ponentes: as expe­
riências e os símbolos. Is to tudo o que experiencia- 
mos, procuramos nom ear, explicitar sim bolicam ente; e, 
inversam ente, todas os novos conceitos que adquirimos, 
nós o compreendemos por referência à nossas experiên­
cias anteriores. Expliquemos melhor esta afirmação.
O exemplo acim a, da mont& nha-russa, se refere à 
prim eira p arte de nossa afirm ação: vivemos um a expe­
riência, sentim os o que é an d ar naquele brinquedo e. 
depois, ten tam os dar um sentido a esta nova vivência. 
Procuram os to rná-la inteligível, explicitável, através 
dos símbolos verbais (pa lav ras). Dizemos en tão que 
nossa sensação foi a de "estai num ciclone", que “per­
demos a noção de espaço", que “nosso estômago pareceu 
subir e descer”, etc. Ou seja: procuram os nomear e 
com parar a experiência com ou tras (es ta r num ciclone, 
por exemplo).
Agora a segunda p arte da assertiva, todos os no­
vos conceitos que aprendem os, nós os compreendemos 
por referência às nossas experiências anteriores. Vejo 
um a m áquina que não conheço, e sou inform ado de que 
se tr a ta de um a “gu ilho tina”, u tilizada p ara cortar pa-
22
pêis. Este novo conceito, "gu ilho tina”, eu aó o com preen­
do por já saber o que é papel c o que é o ato de cortar. 
Isto c o novo conceito "sc prende” às experiências a n te ­
riores que Já tive. com papéis e com o a to de cortar. Um 
novo símbolo, um a nova palavra, um novo conceito, 
som ente é compreendido tom ando-se por base nossas 
vivências anteriores.
Este é en tão o m ecanism o do conhecim ento h u ­
m ano: um Jogo (dialético) en tre o que é sentido (vivi- 
■io) e o que c swibolizada (transform ado em palavras 
ou outros sím bolos),
De certa form a, este é o jogo en tre o sen tir e o pen­
sar, Já que o pensam ento sem pre se dá através de pala­
vras. Um jogo em que estam os m ergulhados desde que 
adquirim os a fala, em nossa infância.
Vamos re to rn a r en tão á questão da aprendizagem. 
O ra tinho do prim eiro exemplo, nos dissemos que ele 
‘aprendeu" (en tre aspas) a pressionar a barra para 
receber água. Na realidade, seria melhor dizer que ele 
foi adestrada, ou treinado, ou condicionado. Isso por­
que o rato não tem a capacidade de tran sfo rm ar aquela 
sua experiência num símbolo, isto é, de ex tra ir dela um 
significado Jam ais ele poderá "con ta r" (“en sin a r”) a 
um com panheiro seu a form a de se obter água quando 
colocado naquela gaiola. S ua experiência não recebe 
um a significação, não é transfo rm ada em símbolos que 
a representem .
Inclusive, se este mesmo ra to for colocado num a 
o u tra gaiola, em que a b a rra ten h a um modelo, um a 
localização e u m a cor diferentes, ele deverá novam ente 
ser treinado p a ra pressionar a nova barra . Não possuin­
do a capacidade abstra tiva que os símbolos perm item , 
ele não pode transferir sua experiência para um novo 
contexto.
23
O que é bastan te d iferente da aprendizagem h u 
m ana, no sentido forte do termo. Como nás tran sfo r­
mamos nossas experiências m símbolos, abstraindo de- 
las o seu significado, podemos agir em novas situações 
ro m base ein experiências passadas. Exemplifiquemos.
Suponha-se que treinem os um cáo a sentar-se 
cada vez que lhe mostram os um circulo recortado em 
um cartão. Cada vez que lhe apresentam os o cartão ele 
se sen ta (para receber um pedaço de carne — condição 
essencial de qualquer treinam ento) . Se, ao invés do c ír­
culo recortado, nós lhe apresentarm os um circulo de­
senhado num a folha de papel, ele não m ais se sen tará 
Ele foi treinado para responder apenas ao círculo 
recortado.
Agora com um a criança. Dizemos a ela que iremos 
jogar um Jogo: cada vez que lhe m ostrarm os um círculo 
(ela deve saber o que é um círculo, deve te r o conceito ), 
ela deverá bater palmas. Podemos ap resen tar os mais 
diversos círculos, recortados, pintados, grandes, peque­
nos, que fatalm ente ela aplaudirá
No caso do cachorro, ele foi trem ado a responder a 
um sinal, fixo e imutável. No caso da criança, ela apren­
deu a responder a um conceito, a um símbolo. A criança 
abstrai o significado do conceito e o aplica a d iferen­
tes situações. Ou se ja : ela aprende um significado.
Eis a i a diferença en tre aprendizagem e adestra­
mento. No adestram ento há um a respostafixa a um 
sitiai, tam bém fixo. Na aprendizagem há a abstração 
do significado que os símbolos perm item . E apenas o 
homem constrói símbolos
A nteriorm ente foi d ito aqui que o anim al som ente 
desenvolve novos com portam entos se estes o auxiliarem 
n a tarefa de se m an ter vivo. No caso hum ano, onde não 
é apenas a vida biológica que está envolvida, m as ta m ­
bém o seu sentido, a sua coerência, esta verdade se
24
am plia um pouco. Nossa m ente é seletiva: apenas 
aprendem os aquilo que percebemos como Im portante 
p a ra a nossa existência. Tudo o que foge aos nosso* va­
lores. tudo o que não percebemos como necessário ao 
nosso dia-a-dia, é esquecido. Não e retido. Um exemplo 
cJaro desta situação são as infindáveis “m atérias" que 
decoramos apenas para fazer um a prova, na escola. 
Após a prova, o que foi decorado vai g radualm ente de­
saparecendo de nossa m em ória, por não te r um uso no 
cotidiano
Por isso um a educação que apenas p retenda tra n s ­
m itir significados que estão d is tan tes da vida concreta 
dos educandos, não produz aprendizagem algum a. É 
necessário que os conceitos (tim bólos) estejam em co­
nexão com as experiências dos indivíduos. Voltamos 
assim à dialética en tre o sen tir (vivenciar) e o simbo­
lizar. Este é o ponto fundam ental no método de alfabe­
tização do educador brasileiro Paulo Freire: aprcnde-sc 
a escrever quando as palavras se referem às experien­
cias concretam ente vividas
Aprender não é decorar Aprender é um processo 
que mobiliza tan to os significados, os símbolos, quanto 
os sentim entos, as experiências a que eles se referem. 
Já , decorar, é algo assim como o que ocorre com o an i­
m al: um a resposta fixa. sem criatividade, a um estí­
mulo fixo. A cam painha toca, os alunos se sentam e 
passam a escrever um sem -núm ero de palavras, cuja 
significação não compreendem bem. C uja significação 
está d istan te de sua vida cotidiana As palavras deixam 
de ser símbolos, representando conceitos, p ara se to r­
narem quase que meros sinais.
Aliás, sem pre acreditei que a escola brasileira, nos 
dias que correm, está m ais p ara um a "caixa de Skin- 
n e r” do que p a ra um locai de real aprendizado. Está 
mais p ara o adestram ento do que para a aprendizagem .
25
Resum o das Idéias Principais:
• 0 an im ai é treinado. » adap ta ao meio e responde 
a u n a is
• O homem aprende, transform a o meio, e tem um 
com portam ento simbólico.
• A consciência hum ana, reflexiva, é função dos sím ­
bolos. da linguagem.
• Todo processo de conhecimento e aprendizagem h u ­
m anos sc dá sobre dois fatores as vivências (o que 
é sentido) e as simbolizações (o que é pensado).
• A tudo o que sentim os, vivemos, procuram os d a r um 
significado, através dos símbolos (palavras).
• Todo novo conceito nós o aprendem os a p a rtir de 
nossas vivências,
26
A EDUCAÇÃO, NUM CONTEXTO CULTURAL
Foi comentado. nas paginas anteriores, que o sig­
nificado dado pelo homem à sua existência provém de 
um Jogo entre o sentir (vivenciar) e o simbolizar 
«transform ar as vivências em símbolos). Ou seja: o 
m undo hum ano tem na linguagem o seu instrum ento 
básico de ordenação e significação. Porém, temos que 
no tar que a linguagem é um fenómeno essencialmente 
social, produto não de um Indivíduo isolado, m as de 
comunidades hum anas.
Desde o nosso nascim ento, a form a como devemos 
ver e en tender o mundo nos 6 ensinada pelos nossos 
sem elhantes a través da linguagem. P a ra a criança, 
"as coisas lhe vém vestidas em linguagem, não em sua 
nudez física; e esta vestim enta de comunicação a torna 
participante nas crenças daqueles que a rodeiam", 
ano ta Devrey, um educador norte-am ericano. Quer d i­
zer: somos educados prim ordialm ente através do código 
linguistico da comunidade em qu* estam os Somos le­
vados a compreenderm o-nos no mundo segundo os sig­
nificados dados por este código.
A p a rtir daí as significações que encontrarem os 
para nossa vida se desenvolvem em conformidade com 
a m aneira de ser de nosso grupo social. Notem ainda 
que, na realidade, nossa "postura hum ana" é apren­
dida Aprendemos a ser hum ani* : a perceber e a viven­
c iar o m undo como homens, através da comunidade. 
Fora dc ura contexto social não há seres hum anos.
27
Este lato é fácilmente evidenciável pelo relato de 
estudiosos a respeito de algumas "erlanças-selvagens" 
encontradas. Trata-sc de crianças que. sendo perdidas 
ou abandonadas lias selvas em ten ra idade, foram 'adu 
lados" e criadas por anim ais (T ar/an e Mowgli tém uní 
fundo de realidade). Ao serem encontradas, já beirando 
a adolescencia, bem pouco de hum ano havia nelas: 
andar qxiadrúpede, dentes mais desenvolvidos, grunhir 
e uivar eram suas características Trazidas ao convívio 
dos homens pouco conseguiram aprender c logo mor­
reram, sucumbindo á sociedade. Elas haviam aprendido 
a ser animais, e o mundo humano lhes era estranho 
Tomamo-nos humanos, portanto, em decorrência 
de um processo educativo cujo principal veiculo é a 
linguagem Por ela aprendemos a ordenar o mundo 
numa estru tura significativa e adquirimos as “verda­
des" da comunidade onde deveremos viver. Tal pro­
cesso educacional primário — aprender a ser humano 
é chamado de socialização, por alguns autores A 
criança é socializada: adquire um a linguagem e. com 
ela, uma determ inada forma de falar, pensar e agir. 
segundo a cultura onde está
O final do período anterior foi grifado porque p re­
cisamos notar agora um fenômeno fundamental. Dife­
rentes comunidades hum anas constituem culturas dis­
tintas, isto é, m aneiras diversas de falar, sentir, en ten­
der e agir no mundo. Uma cultura significa um grupo 
humano que apresenta características próprias em 
suas construções e formulações: possuí uin determ ina­
do sistema político, económico, crenças, língua, reli­
gião. arte, costumes, etc. Cada cultura apresenta uma 
fisionomia particular, um "Jeito de ser" básico que é 
compartilhado pelos seus membros.
Pode-se entào falar no “estilo de vida do chinés”, 
no “modo britânico de ser”, no “american way of llfe’'
28
e no "Jeitlnho que o brasileiro sempre dá". Quando fa­
zemos tais afirmações estamos notando que individuos 
de diferentes culturas apresentam determinados traços 
peculiares eni sua forma de viver, que os diferenciam 
um dos outros. Por esse motivo diz-se que todos nós 
apresentamos um a determ inada personalidade cultu­
ral. ou seja, um conjunto de traços que são comuns a 
todos os membros de nosso grupo cultural.
Assim, quando somos "socializados" — quando 
aprendemos a ser humanos — estamos também apren­
dendo o estilo de vida de nossa comunidade. Estamos 
adquirindo nossa personalidade cultural Alguns auto­
res chamam este mecanismo pelo qual somos iniciados 
110 estilo de vida de nossa cultura de tmdoculturaçáo. 
Endoculturaçào é, então, este processo pelo qual todos 
nós passuxnoe, "Interiorizando” um estilo cultural de 
viver.
Nas culturas chamadas "prim itivas” — nas tribos 
indígenas, por exemplo — devemos notar que existe 
uma certa unijom ndade na m aneira de ver o mundo. 
Todos os seus membros participam Inteiramente do 
universo cultural, simbólico, que constitui a comuni­
dade. Quer dizer: há um saber comum a todos, que e 
transmitido de geração a geração, indiscriminadamen­
te Todos aprendem a caçar, a pescar, a construir suas 
armas, utensílios, vestimentas; todos aprendem seus 
mitos, crenças, costumes, etc Todos são mestres de 
todos. O aaber è transm itido indistintamente, através 
da própria vida do dia-a-dia.
Já em nosso mundo dito • civilizado” essa unifor­
midade cultural não existe. Dentro de um a cultura 
encontramos grupos distintos, que apresentam formas 
diferentes (e. às vezes, conflitantes) de viver. São as 
chamadas sub-culturas. Podemos considerar, numa 
dada cultura, diversas m aneiras de se identificar suas
29
sub-culturas Por exemplo: era termos geográficos, e tá ­
rios, econômicos,etc.
Vejamos o Brasil. Em term os geográficos podemos 
considerar o gaúcho, o carioca c o nordestino como per­
tencentes a sub-culturas diferentes; isto é: todos sáo 
brasileiros (possuem traços com uns), mas apresentair. 
características próprias de viver. Em termos etários, po 
deríam os falar na "visão de m undo dos jovens", na “dos 
adultos", "dos velhos", etc E em term os económicos
— como m uito bem apontou Marx — dividiríamos 
nossa sociedade em classes a lta , média e proletariado. 
Esta divisão sócio-cconómica já gerou, inclusive, te r­
mos como: "cu ltu ra de elite" e “cu ltu ra popular” (ou 
"cu ltu ra de m assas").
Estam os fazendo esta comparação entre as cu ltu ­
ras "prim itivas" e as '•civilizadas” para que compreen­
damos melhor o processo educacional, que evolui desde 
a transm issão direta do saber, entre os primitivos, até 
a criação das escolas, en tre os civilizados
Como foi assinalado, nas cu ltu ras prim itivas to­
dos participam de seu universo de saber: o acesso ao 
conhecimento é franqueado a todos; cada um tem con­
sigo a herança cu ltu ral da tribo e a transm ite às novas 
gerações. Essa transm issão se dá. na grande maioria 
das vezes, de m aneira “inform al", Isto é, no contato 
diário e vivencial en tre adultos e crianças. Aprende-se 
com a experiência Se recordarmos o que foi d ito no 
capitulo anterior — que som ente ocorre a aprendiza­
gem quando os conceitos e símbolos ensinados se refe­
rem à experiências vividas — notam os que entre os 
primitivos o proccsso dc aprendizagem é fluente e n a ­
tural “Vivendo e aprendendo", a fam osa máxima, apli­
ca-se perfeitam ente ao caso.
Contudo, no decorrer do processo civilizatório ope­
raram -se profundas e radicais transformações. O co-
30
nhecunento foi se am pliando e na sociedade ocorreram 
divisões en tre grupos de indivíduos. Tais divisões — 
fundam entalm ente econômicas, baseadas na proprie­
dade privada — im plicaram tam bém num a divisão so­
cial do saber. Havia que se criar especialistas, pessoas 
que dominassem um determ inado ram o do conheci­
mento (médicos, artistas, marceneiros, ferreiros, etc.), 
a través do qual ganhassem a vida. A sociedade foi se 
diridindo em castas e classes, e o saber sendo repartido 
entre elas — de form a desigual, é claro.
Neste processo surgiu então a figura da escola, como 
um local onde são transm itidas às novas gerações um 
determ inado conhecimento básico — o domínio dos 
símbolos gráficos, prim ordialm ente — que as hab ilitas­
sem a m elhorar seu desempenho no mercado de trab a­
lho. De início o acesso às instituições escolares foi bas­
tan te restrito às classes a ltas, às classes dom inantes, já 
que o trabalho exercido pelas classes subalternas neces­
sitavam apenas um “conhecim ento prático'* do ofício. 
Lavradores, ferreiros, marceneiros, pedreiros, etc., 
transm itiam d iretam ente a seus filhos ou aprendizes o 
seu saber. Ler e escrever, e o conseqüente domínio “teó­
rico" sobre o mundo, era privilégio das classes domi­
nantes. Observa-se Já neste ponto a separação entre o 
pensar e o fazer, en tre aqueles que têm idéias e aqueles 
que as executam.
Todavia, com a Revolução Industria l, foi necessário 
que a escola fosse franqueada cada vez m ais tam bém às 
classes subalternas. Isso porque a criação de técnicas 
m ais sofisticadas de produção industrial exigia um 
maior conhecimento por p arte dos trabalhadores, a fim 
de que seu desempenho se otimizasse nas indústrias. 
Ler e escrever torna-se en tão um fator determ inante 
para o manuseio de m áquinas m ais sofisticadas e para 
melhor enquadram ento nas m odernas organizações.
31
Principalm ente p ara a elasse m édia que começava 
a se constitu ir, ocupando as posições in term ediárias no 
comércio e nas atividades burocráticas, a escola é um 
fator bastan te im portan te em sua formação.
É claro que este quadro traçado nos parágrafos a n ­
teriores è bastan te esquem ático e simplificado, pois não 
se pode pretender levantar aqui a h istória da educação r 
do surgim ento das instituições escolares Interessa-nos 
apenas verificar agora algum as características p rinc i­
pais da escola em nossos tempus, especialm ente da ¿aco­
la brasileira.
Em prim eiro lugar é preciso no ta r que hoje. m ais 
do que nunca, o volume do conhecim ento hum ano é 
enorme e a ltam en te setorializado e especialuwdo. Com 
o advento d a ciência. que é bastan te recente (cerca de 
350 anos}. houve que se dividir o m undo e a vida em 
áreas d is tin tas, p a ia um maior domínio e um conheci­
mento m ais acurado. Assim é que su rg iram (e a cada 
dia surgem ou tras novas) especializações, como: a bio­
logia, a física, a quím ica, a economia, a socioloRia, a 
psicologia, etc. A natureza, o homem e a sociedade fo­
ram repartidos em fatias, e cada especialista se ocupa 
de um a delas.
A ciência tornou-se a pedra fundam ental no edifí­
cio do saber e do agir hum anos e sobre este conheci­
mento cientifico repousam os nossos critérios dc "verda­
de". A verdade científica ocupa hoje o lugar ocupado 
pela verdade teológica na Idade Média; cm geral se 
acredita apenas nos fatos cientificam ente comprovados, 
relegando-se ou tras form as do conhecim ento (arte . filo­
sofia; a um plano inferior. A racionalidade, o "saber 
objetivo", tornou-se o valor básico da moderna socie­
dade.
N ada mais na tu ra l, portanto, que as escolas 3e 
orientassem no sentido do conhecim ento objetivo, ra-
32
cionaJ. da vida. De certa form a, a escola se dirige a tu a l­
m ente à transm issão de conhecim entos tidos como 
"universais”, istu é, válidos p ara qualquer indivíduo em 
qualquer parte do m undo A escola tem como função a 
com unicação de fórm ulas cientificas que, espera-se, h a ­
bilitem o sujeito a conhecer racionalm ente o m undo e 
a nele operar produtivam ente
Em certo sentido estam os vivendo u m a civilização 
racionalista, onde se p retende separar a razão dos sen­
tim entos e emoções, encontrando-se n a prim eira o valor 
máxim o da vida. Ocorre que es ta separação é ilusória 
Como assinalam os no capítu lo anterior, é som ente a 
p a rtir das vivências, do sen tim en to das situações, que o 
pensam ento racional pode se dar. O pensam ento busca 
sem pre tran sfo rm ar as experiências em palavras, em 
símbolos que a s signifiquem e representem . A razão é 
um a operação posterior à vivência (aos sen tim entos). 
Vivenciar (sen tir) e pensar estão indissoluvelm ente li­
gados. Com enta Hollo May, um psicólogo norte-am en- 
cano:
"M as surgiu um a nova m udança no século XIX. 
Psicologicamente a razão’ foi separada da emoção' e 
da 'vontade'. P a ra o hom em de fins do século XIX e 
princípios do XX a razão respondia a qualquer proble­
ma. a força de vontade o resolvia e as em oções.. . bem. 
estas em geral a trapalhavam e o m elhor era recalcá-las. 
Vemos en tão a ra z io (tran sfo rm ada em racionalização 
in te lectualista) ao serviço da com partim entallzação da 
personalidade. . Quando ãpinoza, no século XVII, em ­
pregou a palav ra ra2 ão referia-se a um a a titude em 
relação ã vida, na qual a m ente un ia as emoções as 
finalidades éticas e outros aspectos do ‘hom em to tal'. 
Ao u sar hoje esse term o, quase sempre se deixa im plí­
cita um a cisão da personalidade.'1 (O Homem, à Procura 
de S t Mesmo. Petrópolis, Vozes, 1973, p 42.)
33
Assim, em nosso am bien te escolar, essa separação 
razão-cmoção é não só m an tid a como estim ulada. 
D entro dc seus m uros o a luno deve pen e tra r desplndo- 
»e de toda e qualquer em otividade. S ua vida. suas expe­
riências pessoais, não contam . Ele ali está apenas para 
adqu irir conhecim entos", sendo que “adqu irir conheci­
m entos" neste caso, significa tão-som ente "decorar' 
fórm ulas e m ais fórm ulas, teorias c m ais teorias, que ' 
estão d is tan tes de sua vida co tid iana Por isso, pouca 
aprendizagem realm ente ocorre em nossas escolas:so­
m ente se aprende quando sc parte das experiências viv i­
das e sobre elas se desenvolve a aplicaçao de símbolos c 
conceitos que as clarifiquem .
A escola, por conseguinte, in icia-nos desde cedo nas 
técnicas do esquarteja m ento m ental, separando razão 
e sentim entos. Isto é compreensível segundo a lógica 
que rege a m oderna sociedade Industria l: os Individuos 
devem produzir t n u m esquem a racionalista, sem deixar 
as emoções e valores pessoais in te r ferirem no processo
E p a ra esta sociedade tam bém não in teressa a 
existência de pessoas com um a visão geral, do todo da 
vida Pelo contrário : in teressam indivíduos com um a 
visão cada vez m ais setorializada. especializada, do 
m undo. O médico só en tende de m edicina, o economista 
de economia, o psicólogo de psicologia e assim por d ian ­
te. E m ais: den tro da m edicina, por exemplo, crlam -se 
a inda m ais especialização, fracionando o organism o 
hum ano - - o cardiologista ve apenas o coração, separa­
do do res to do organism o, o oftalm ologista os olhos, o 
derm atologista a pele. etc.
O que acontece naa cu ltu ras prim itivas — um a 
visão to ta l e ab rangen te do conhecim ento ali produ 
zido pelos individuos — perde-se irrem ediavelm ente em 
nossa civilização F a lta às pessoas um a visão cu ltu ra l 
do todo em que vivem. Cada u ra possui conhecim entos
34
parciais, desconexas, sem um a visão de m undo que us 
integrem num todo significativo. Hoje ura hom em pode 
trab a lh a r nu m a fábrica de arm as, ser m em bro de um a 
sociedade de defesa da ecologia, lr a teatros e ser um 
defensor in transigen te da censura, como se ta is a tiv i­
dades não fossem con trad itó rias en tre si Há u m a esqui­
zofrenia (em grego lite ra lm en te = m ente dividida) la ­
ten te n a organização de nosso mundo.
Nestes term os, a escola surge para produzir mão- 
de-obra p a ra o m undo moderno. Se este m undo está 
íracionado, que se eduque os individuos fracionada- 
m ente. Que se encam inhe desde cedo o cidadão para 
um a visão parcial da realidade. Que se separe a razão 
da emoção.
Convém tam bém observar-se que a visão tran sm i­
tida pela escola é sem pre a visão determ inada pelas 
classes dom inantes. Não in teressa que as pessoas elabo­
rem a sua visão de m undo, a p a r t ir da realidade con­
cre ta onde vivem Im porta, sim , a padrnniz&çáo do 
pensar, segundo os d itam es da lógica de produção in ­
dustria l. Todos devem ver o m undo da m aneira como 
querem os dom inantes, p ara que a a tu a l situação se 
m an tenha ina lterada . Se cada um começasse a form u­
lar o seu pensam ento de acordo com a su a situação 
existencial pode ser que descobrisse determ inadas ver­
dades que o fizessem lu ta r pela alteração desta situação
Dai o desinteresse da escola pela situação de cada 
um e a imposição de conceitos desvinculados de s itu a ­
ções vividas. Aprende-se que "a fam ília é a unidade 
harm ónica da sociedade”, mesm o que a nossa esteja 
vivendo em to ta l desarm onia. Aprende-se que “o indio 
« o negro são raças im portan tes e de term inan tes na 
form ação do brasileiro", mesm o que a tua lm en te eles 
estejam sendo dizim ados e discrim inados. Ou ainda, 
aprende-se que “nos tornam os independentes como Na-
35
çào em 1822", mesmo que a tua lm en te nossa economia 
esteja to ta lm en te a tre lada e dependente das grandes 
potências. A lista de "m en tiras objetivas" fornecidas 
pela escola é in f in d áv e l.. .
A educação, que deveria significar o auxílio aos in­
divíduos p ara que pensem sobre a vida que levam, que 
deveria perm itir um a visão do todo cu ltu ra l onde estão, 
se desv irtua nas escolas Impõe-se um a visão de m undo 
e transm ite-se conhecim entos desvinculados das expe­
riências de vida. Em sum a: prcporam -se pessoas para 
executar um trabalho parcializado e mecânico, no con­
texto social, pessoas que se preocupem apenas com o 
seu traba lho (com o seu lu c ro ), sem percebcr como ele 
se liga a todos os ou tros no in terio r da sociedade. No 
fundo isto se constitu i m ais num adestram ento do que 
num a educação. Ê bom que se recorde aqui a famosa 
frase do escritor irlandês Georges B ernard Shaw 
"M inha educação só foi in terrom pida nos anos em que 
freqüentei a escola"
Resum o das Idéias Principais.
• Nossa postura h u m an a é aprendida a tra ses da socia­
lização. que se dá baslcam entr pela linguagem .
• Adquirimos desde cedo um a personalidade cu ltu ra l, 
que é a m aneira como a c u ltu ra onde estam os vê. 
sente e in te rp re ta o mundo.
• Nas cu ltu ras p rim itivas a educação se dá com a expe 
riência.
• No m undo civilizado e industria l separam -se as em o­
ções e as experiências d a n u a o e do pensam ento.
• A escola m antém e estim ula esta separação, pois sua 
finalidade é p reparar m ão-de-obra para a sociedade 
industria l.
• A escola tran sm ite conceitos desvinculados d a vida 
concreta dos educandos, impondo a visão de m undo 
das classes dom inantes
36
LINGUAGEM E ARTE
Retom em os o que foi d ito com relação à cu ltu ra O 
hom em sem pre se agrupou, como form a de sobreviver. 
Em con jun to c ra m ais íáctl resistir à s forças da n a tu ­
reza. e as ações poderiam se d a r de m aneira cooperativa. 
A linguagem , dando-lhe a consciência reflexiva, possi­
bilitou tam bém a conjugação das atividades. no esforço 
de tran sfo rm ar o mundo. Desenvolveram-se en tão cu l­
tu ras diversas a p a rtir de como cada agrupam ento 
hum ano in terpretava a realidade e a transform ava se­
gundo suas necessidades. Cada cu ltu ra ap resen ta , pois, 
um a m aneira sua. peculiar, de sen tir o m ur.do e de 
nele a tu a r. Cada cu ltu ra tem suas construções próprias: 
sua alim entação, seus costum es, sua religião, a rqu ite ­
tu ra , política, valores, etc.
Um fenóm eno comum a todas as c u ltu ra s — desde 
us m ais ‘p rim itivas” ãs m ais "civilizadas", desde as 
tnals an tigas às m ais a tu a is — é a arte. A a r te do ho­
mem pré-histórico, inclusive, é tudo o que restou, in te ­
gralm ente, desses nossos antepassados. Q ualquer cu ltu ­
ra sem pre produziu arte, seja em suas form as mais 
simples, como enfe itar o corpo com tin tu ra s seja nas 
form as m ais sofisticadas, como o cinem a em terceira 
dim ensão, n a nossa civilização. A a rte nos acom panha 
desde as cavernas
Já que notam os esta perm anência da a rte n a vida 
lium ana. convém que a analisem os em suas linhas 
gerais. Ou s e ja : vamos procurar entendê-la sob o ponto
37
de vista de sua estrutura e de sua Junção, p a ra o homem 
Ê provável que nos seus primordios a a rte esteve ligada 
às m anifestações religiosas das tribos prim itivas. Am­
bas — a rte e religião — constitu íam um todo indivisí­
vel. que só posteriorm ente foi partido em dois fenóm e­
nos distintos. O esforço hum ano para ordenar e dar um 
sentido ao universo encontrou nesta "arte-m ag ia" 
prim itiva um poderoso meio de ação. A través dela a 
im aginação hum ana podia se to rn a r concreta; isto é: 
a capacidade original do cerebro de produzir im agens 
se aperfeiçoava, por tran sfo rm ar ta is im agens em ações 
e produtos gravados no mundo.
S usanne Langer, urna estudiosa norte-am ericana, 
a firm a a índa que esta im aginação p rim itiva esta 
produção de im agens m en tais foi o prim eiro passo 
n a criação não só da arte , m as tam bém da linguagem. 
Isto é compreensível n a medida cm que se percebe que, 
ao evocar im agens m entais daquilo que havia visto, o 
hom em das cavernas estava, de certa forma, represen­
tando-as. Im aginem os: o homem vé o bisão na selva, 
e depois, n a caverna, a im agem deste bisão lhe vem à 
mente. Com isto ele representa, p ara si próprio, o a n i­
mal ausen te de seu cam po de visão, no m om ento Ao 
inscrever ta l im agem na rocha e ao associar-lhe um 
determ inado som fonético, ele passaa constru ir sím ­
bolos, ou seja, determ inados sinais que lhe perm item 
significar o objeto ausente. E claro que as coisas não 
devem te r se passado com esta simplicidade, mesmo 
porque ou tros fa tores eram in tervenientes n a situação. 
Mas aceitem os ta l descrição como um modelo sim plifi­
cado d as origens do com portam ento simbólico hum ano
A nteriorm ente já havíam os assinalado que o com ­
portam ento hum ano é simbólico; que através (p rinc i­
palm ente) da palavra o homem cria os seus valores e 
significações, em prestando um sentido à vida Convém
¿8
agora que nos detenham os um pouco n a linguagem 
h um ana , p ara que possamos en tender m ais precisa­
m ente o significado da a rte no m undo a tual.
Nossa linguagem é um código simbólico. Isto quer 
dizer que a s palavras (símbolos) são convencionadas 
p a ra tran sm itir um determ inado significado. A lingua­
gem é produto de um a conirenção en tre os homens, a 
fim de que seus símbolos guardem um mesm o sentido 
para todos que a em pregam . P or exemplo: na lingua 
portuguesa existe um acordo p ara que as seguintes le­
tras. nesta ordem, CASA, signifiquem um determ inado 
tipo de m oradia; em inglés, p ara o mesmo objeto, se 
convencionou a palavra HOUSE, e asslm por diante.
Contudo, a linguagem não é um a simples lista dos 
objetos do m undo, um simples agrupam ento de símbo­
los que represen tem as coisas existentes. Se asslm 
losse. a quais objetos corresponderiam palavras como: 
isto. aquilo, porém, antes, todavia, agora, vida, sem e­
lhante? A linguagem é m ais que um inventário das 
coisas: é u m instrum en to de ordenação da vida hum ana, 
num contexto espácio-tem poral. P or ela o hom em orga­
niza as su as percepções, classificando e relacionando 
eventos Por ela o homem coloca ordem num am ontoa­
do de estím ulos (sonoros, luminosos, táteis , e tc .), de 
form a a constru ir um todo significativo.
A través da linguagem o homem relaciona seu ev. 
com os eventos do m undo Com ela. ta is eventos sáo 
classificados em "classes gerais'’ (conceitos), e adqui­
rem um a significação (um valor) p ara a existência
Feito um carretel, nossa vida sc desenrola, do nas­
cim ento à m orte, num fio contínuo. Há um fluxo vital 
in in terrup to , um experienclar constante, que perpassa 
nossa existencia Sobre este contínuo de nossas expe­
riências é que advém as palavras, recortando-o em "fa­
tias", cristalizando-o em m om entos, significando-o,
39
enllm . Recordem a experiência da m on tanha-ru ssa , no 
cap itu lo sobre Aprendizagem pensar nela. o in d i­
víduo divide aquilo que foi um vivenciar con tínuo , em 
m om entos d is tin tos: aquele em que o estôm ago lhe 
pareceu subir c descer, aquele em que a cabeça rodo­
piou, aquele em que a expriéneia parecia não m ais 
acabar, etc.
As palavras são um "resum o fragm en tado" do 
nosso sen tir constan te E las procuram sem pre tom ar 
este sen tir e simbolizá-lo. Buscam significá-lo e expri­
mi-lo.
Já que falam os em exprim ir, convém então tr a ç a r ­
mos um a pequena d istinção en tre dois conceitos b a s tan ­
te usados o de com unicação e o de expressão. C om uni­
car significa prim ordialm ente tran sm itir conceitos o 
m ais explic itam ente possível, com um m ínim o de am bi­
guidades e conotações. O receptor da m ensagem deve 
com preender o significado explicito que o emissor deseja 
com unicar Se digo, por exemplo, “a m anga está e s tra ­
gada", posso gera r um a dúvida, um a am bigüidade, no 
ouvinte: será um a fru ta ou a pa rte de u m a vestim enta 
que se estragou? Devo dizer “ a m anga da cam isa está 
estrag ad a”, p a ra que a com unicação se dê num nível 
ótimo. C om unicar se refere basicam ente à transm issão 
de significados explícitos, reduzindo a um m ínim o as 
conotações.
Q uanto à expressão, esta diz respeito à m anifesta ­
ção de sen tim en tos (a través de d iferen tes sinais ou 
signos). Na expressão n ão se tran sm ite um significado 
explícito, m as se indicam sensações e sentim entos. A 
expressão é am bígua e depende de um a m aior in te r­
pretação daquele que a percebe Por exem plo: o choro 
exprim e tristeza ; ele exprim e, m as não significa tr is te ­
za, pois pode-se cho rar tam bém de alegria. Se vejo 
alguém chorando, o sentido expresso por este choro
40
(alegría, tristeza, dor. etc.) vai depender d a in terp re­
tação que faço daquela situação Na expressão h á sem ­
pre um m aior grau d e am biguidade
Ê claro que com unicação e expressão não são dois 
íenóm enos estanques, separados. T oda com unicação 
carrega em si um a expressão, e vice-vcrsa Q uando se co­
m unica algo. tam bém se expressam certos sentim entos 
Usar determ inadas palavras e não outras, constru ir as 
frases desta ou daquela form a, fa la r com u m a ou o u tra 
entonação de voz, tudo isto m odula nossa com unicação 
com determ inados sentim entos. O ator, por exemplo, 
não deve apenas “d izer'’ a s suas falas, m as deve colocar 
nelas um a ca rg a de expressão referen te aos sentim entos 
do personagem que in te rp re ta .
Inversam ente, na expressão tam bém são-nos co­
m unicados determ inados fatos ou eventos. Um bebé 
chora, por exemplo, exprim indo seu estado de despra- 
¿er. No q u a rto ao lado sua m ãe o escuta, e é inform ada 
que ele necessita de seus cu idados Aqui houve tam bém 
am a com unicação A mãe, todavia, te rá que in te rp re ­
ta r o choro p ara saber-lhe as causas, e este é o lado 
expressivo d a m ensagem enviada. Assim, com unicação 
e expressão são os dois extrem os num contínuo, onde 
se dá o in ter-rc lac ionam en to hum ano.
Retom emos o período onde foi d ito que as palavras 
buscam sem pre sign ificar e exprim ir o nosso sentir. Ê 
necessário que se clarifique m ais este “sentir* .
Como assinalado an terio rm ente, o processo do co­
nhecim ento hum ano com preende um jogo en tre o 
v ¡vendar e o sim bolizar (a s v ivências> E n tre o que 
é senítdo e o que é pensado. C ham o de sen tir, ai a 
nossa uproensão prim eira da situação em que estam os. 
A nossa “prim eira im pressão” das coisas. Porque a 
colocação h u m a n a no m undo é. prim eiram ente, emo­
cional, sensitiva; a razão (o pensam ento) é u m a ope­
41
ração m en ta l posterior. O m undo (e a nossa situação 
nele) n u n c a è percebido de form a “n e u tr a ', "objetiva ', 
‘ lógica", m as sim. emocional. In ic ia lm en te sentim os, 
depois elaboram os racionalm ente os nossos sen ti­
mentos.
Segundo Jo h n Dewey, 'em p iric am en te as coisas 
são comoventes, trág icas, belas, cômicas, estabelecidas, 
p e rtu rbadas, confortáveis, desagradáveis, cruas, rudes, 
consoladoras, espléndidas, a te rro rizan tes ". (C itado por 
Rubem Alves. "Notas In tro d u tó ria s Sobre a L ingua­
gem ", R eflexão. 4. (13 .31) ) Porque u hom em nu n ca a t 
vè como acontecim entos objetivos, e sim como prom es­
sas ou am eaças à sua. existência
O sen tim en to é. por conseguinte, a form a prim ei­
ra , d ireta , não elaborada, de apreensão do m undo. 
Usaremos, pois. este term o em sua accpçào m ais 
am pla, que com preende: 1) A sensação m ais geral de 
nossa condição, física ou m en ta l (po r exemplo: quando 
dizemos que estam os nos sentindo bem ou m a l) ; 2) 
Sensações físicas específicas (po r exem plo: sen tir um 
braço d o rm en te ) ; 3) Sensibilidade (po r exemplo: ferir 
os sen tim en tos de a lg u ém ); 4) Em oção (po r exemplo, 
sen tir-se t r is te ) ; 5) A titu tes em ocionais em relação a 
algo (po r exem plo: sen tir medo de v ia ja r de avião).
A linguagem p rocu ra sem pre c a p ta r os nossos sen 
tím enlos, significando-os e classificando-os em con ­
ceitos. Porém , feito a p a n h a r um p u nhado de axeia, 
sem pre lhe escapa algo por en tre os dedos. A lin g u a ­
gem, que é conceituai e elassifleatóría. apenas apon ta e 
classifica este sen tir,sem , contudo, poder descrevê-lo. 
E la ap o n ta o seu isso”, sendo im poten te p a ra nos mos­
tr a r o seu ' com o'. Posso nom ear o que sin to : alegria 
Mas, como m ostra r em quê e coma e s ta m inha alegria 
é d iferen te da que sen ti ontem ? Como com parar a m i­
n h a a leg ria a sua? Como riescrevè-la?
42
Freqüen tem en te nos valemos de m etáforas, de 
figu ras de linguagem , p a ra d a r um a idéia don sen ti­
m entos Q uando se vai ao médico, por exemplo, é algo 
difícil responder-lhe como é a dor que estam os sen tin ­
do. E nos u tilizam os en tão das "imagens*: "à um a dor 
que começa fina, como unia agu lhada , e depois vai se 
espalhando feito o n d as '
P ortan to , a linguagem nom eia, c lassiiica os sen ti­
m entos em categorias gerais (a legria , tristeza, raiva, 
te rn u ra , com paixão e tc .) , m as não os descreve. Não 
os m ostra em seu desenvolvim ento, em seu desenrolar.
Chegam os, finalm ente, n a po rta de e n tra d a para 
o m undo d a a r te
Se os símbolos lingüísticos são incapazes de nos 
ap resen ta r in teg ra lm en te os sentim entos, a a r te surge 
como um a ten ta tiv a de fazé-lo. A a rte é algo assim 
como a ten ta tiv a de se t i ra r um in s tan táneo (lo sentir. 
M ais do que u m in s tan tán eo : um filme, que procura 
captá-lo em seus m ovim entos e variações Dt? acordo 
com S usanne L anger, ‘a a rte è a criação de form as per­
ceptivas expressivas do sen tim en to hum ano '. <Ensaios 
Filosóficos. São Paulo. C ultrlx . 1971. p. 82.) Vamos ac la­
r a r esta definição
A a rte é sem pre a criação de u m a form a. T oda a rte 
se dá atrav¿3 de form as, sejam elas está ticas ou d in â ­
m icas Como exemplo de form as está ticas tem os: o 
desenho, a p in tu ra , a escu ltu ra , etc. E como exemplo 
de d inám icas: a dança (o corpo descreve form as no 
espaço), a m úsica (a s n o tas compõem form as sono­
ra s ) , o cinem a, etc. Nas a r te s "d inâm icas" as form as 
se desenvolvem «o tem po, ao con trário das “e s tá tic a s ', 
cu jos form as não variam tem poralm ente.
T ais form as, em que sc ap resen ta a a rte , consti­
tuem m aneiras de se exprim ir os sentim entos. Lembre 
mo-nos da d is tinção feita an te rio rm en te , en tre comu-
43
nicaç&o e expressão. Pois bem : a a rte não procura 
tran sm itir significados conceituais, raas d a r expressão 
ao sentir. E d a r expressão de m aneira diversa da de 
um grito, de um gesto, de uin choro Porque a expressáo 
nela está form alm ente estabelecida, isto é. está con* 
cretizada, lavrada, nu m a form a harm ônica Assim, a 
a r te concretiza os sen tim entos num a form a, de m a­
neira que possamos percebé-los As form as da a rle como 
que 're p re s e n ta m ' os sentim entos hum anos
Contudo, pode-se ser ten tado a considerar a arte 
como ura símbolo idéntico aos símbolos lingüísticos 
Sc as palavras significam coisas c eventos, por que nõo 
se pensar que a a rte signifique os sentim entos? Por que 
não se pensar n a a rte como u m a form a de linguagem , 
que transm ita significados (o que é. a liás, um a crença 
u su a l)? E sta é um a m aneira errônea de se pensar na 
a rte , pois e la não é uuia linguagem : não transm ite 
significados conceituais. A rte não é linguagem , pelo 
seguinte motivo principal:
Porque suas form as não podem ser consideradas 
sim bolos, como são a s pa lavras A palav ra é um símbo­
lo convencionado p a ra significar um conceito, um a 
idéia, um a coisa, ou um a relação. A palavra portugue­
sa CAO, por exemplo, significa um a determ inada 
espécie de anim ai. Este conceito pode. inclusive, ser 
com unicado através de símbolos diversos, em línguas 
d iferentes 'cachorro", ‘dog*, "perro", * ch ien \ etc. O 
significado dos símbolos lingüísticos reside fora deles; 
a s palavras sao um meio. p a ra a eom unicaçáo de 
conceitos Escr«*vendo CAO (em m aiúsculas) ou cao 
(em m inúscu las), m uda a form a do símbolo, mas ta l 
a lteração não in terfere no significado, no conceito que 
ele tran sm ite : em ambos as rasos o significado é o 
mesmo
44
N a arte , por ou tro lado, náo há convenções explí­
c itam ente form uladas As form as d a a rte náo são pro­
priam ente símbolos convencionais. O sentido expresso 
por urna obra de a r te reside nela m esma, e náo lora, 
como se ela fasse apenas um suporte p ara tran sp o rta r 
um significado determ inado. Não se pode, por exemplo, 
traduzir um a obra de a rte em ou tra , encontrando-lhe 
' sinónim os’, como se faz com a linguagem . Náo se pode 
‘ trad u z ir’ um a sinfonia em um quadro; nem mesmo 
“traduzir" um a sinfonia em ou tra , como se buscásse­
mos um 's in ó n im o ' p ara a prim eira. Isto porque o 
sentido da a r te reside em suas form as, que, se forem 
alteradas, im plicam, conseqüentem ente, nu m a altera 
çáo do seu sentido.
Rubem Alvea conta (em Conversas Com Q uem 
Gosta de E nsinar - S. Paulo. Cortez - Autores Associa­
dos, 1981, p. 56.) um caso ocorrido com Beethoven, que 
ilu stra este fato. Após execu tar um a peça sua. num a 
reunião social, o com positor foi abordado por um a se­
nhora, que lhe in q u iriu : “o que o sr. quis dizer com esta 
m úsica"? Ao que ele respondeu: 'isto", e sentou-se uu 
piano, executando a obra novam ente O u seja. o sen ­
tido de um a obra de a rte reside nela mesm a, não 
pudendo ser ‘dito" de o u tra forma. A pergun ta mais 
inconveniente que se pode fazer a um a rtis ta é: *o que 
você quer dl2or com o seu trabalho ? Ora, se o sentido 
que ele busca expressar pudesse ser dito, ele o faria 
através d a linguagem , que e o meio por excelência p ara 
a com untcação conceituai.
O a r tis ta íiáo dxz (um significado conceitua i); o 
a r t is ta m ostra (os sentim entos, a través de form as h a r­
m ónicas). O a r t is ta procura concretizar, nas formas, 
aquilo que é inefável, inexprim ível pela linguagem 
conceituai.
45
Portanto , a a rte não é um símbolo verdadeiro, 
como o são 0 8 lingüísticos. Ela é quase um símbolo, já 
que Stm&olUM apenas e iã o so m en te os se n tim rn to s que 
existem nela própria :Por isso. ao referirm o-nos à 
a rte como um Símbolo, grafarem os a inicial em m aiús 
cuia, p ara diferenciá-la de um símbolo verdadeiro )
Quando se pensa no que dissemos, com relação ¿ 
obras 'ab stra ta s" (n a p in tu ra ) , ou mesmo com rela­
ção à m úsica, isto torna-se m ais facilm ente com preen­
sível. Porém , a afirm ação é verdadeira mesmo para 
aquelas obras com um tem a, com um assun to determ i­
nado. Por exemplo: pense-se nas m u la tas p in tadas por 
Di Cavalcanti. O p in tor náo eBtã querendo comunicar 
um concelta, um fato: existem m ulatas. Ele está. sim, 
exprim indo senhm entos em relação às m ulatas. Ele as 
está oferecendo, num a determ inada form a, para que 
as percebamos ao nível dos sentim entos. e não ao nível 
da compreensão lógica, racional. linguística. Ele quer 
que as ahitarnos, e não que pensemos nelas «.como um 
conceito).
A arte . então, não está regida por regras e conven­
ções rígidas, explícitam ente form uladas, como a lingua­
gem. Se a arte. de certa forma. Simboliza sentim entos, 
ela o faz de m aneira diversa da simbolização lingu is­
tica: cia Simboliza apenas r tão-som ente os sen tim en­
tos que existem nela própria, engastados em suas 
formas. Ela náo nos rem ete a significados conceituais 
mas a sentidos do m undo dos sentim entos
Seus próprios 'e lem entos constitu in tes ' não são 
elementos discretos, que guardem em si qualquer 
significação. As no tas musicais Isoladas, por exemplo, 
não tém sentido algum Somente quando arran jadas 
num a determ inada e s tru tu ra , num a form a, é que se 
tornam expressivas O mesmo se aplica às Unhas, pon-
46
tos. traços e cores, n a p in tu ra , c a quaisquer elementos 
componentes das diversas modalidades a rtís ticas — 
como «> movimentos, na dança, os volumes,na es­
cu ltu ra
Não há, assim , ’ regras g ram atica is ' d itando as 
leis de com binação dos elem entos estéticos. Se cada 
época pcssui urna certa m aneira de se expressar (um 
certo estilo"), isto, todavia, náo se transform a em 
norma, em leí. O a rtis ta náo se escraviza a códigos e, 
freqüentem ente, os artis tas inovadores são justam ente 
aqueles que transgridem o estilo preponderante de seu 
tempo
Quando dizemos que a a r te náo é um a linguagem 
estam os, então, querendo dtíerenciá-la de nossa lingua­
gem conceituai, discursiva. Estam os querendo demons­
tra r que sua form a de exprim ir sentidos é d iferente da 
m anelra de transm itir significados d a linguagem. Pode, 
contudo, restar um a dúvida, com relação às artes que 
empregam a palavra como m aterial expressivo. A poe­
sia e a lite ra tu ra , por exemplo.
Pudemos considerar que. n a poesia, a linguagem 
procura, precisam ente, a lte ra r sua própria m aneira de 
significar. P rocura explorar ao máximo o seu pólo ex­
pressivo, d istan clan do-se da simples transm issão de 
conceitos Dissemos, linhas a trás, que face ao m undo 
dos sentim entos procuram os nos exprim ir por m etáfo­
ras, por im agens (como quando contam os nossos sin ­
tom as ao m édico). E ó isto que faz o poeta: cria im a­
gens que, ao nivel lógico, não possuem significado — 
elas se dirigem aos sentim entos. O poeta Ledo Ivo diz: 
“ . o día 6 um cão / que se deita para m o r re r .. ." 
Logicamente isto não iaz sentido o dia não é um cão. 
m uito menos que se deita p a ra m orrer. Porém, o verso 
(a m etáfora) gan h a sentido ao aproxim arm os nossos
47
sen tim entos em relação a um d ia e em relação a um 
cão à m orte. O sentido da poesia provém dos sen tim en­
tos Simbolizados em suas im agens, e não das relações 
lógicas en tre as palavras.
Tam bém na lite ra tu ra em prosa a linguagem pro 
cu ra o seu lado expressivo. Ali tam bém o escritor quer 
c riar um a expressão de vida. conseguida segundo a 
form a coino em prega as palavras. Não se necessita, no 
in terio r de um a obra lite rária , um a plausibilidade, um a 
lógica, um a ‘realidade" sem elhante à nossa, cotidiano 
O sentido do tex to é m uito m ais vivejiciado', *expe 
rienciado*, d u ran te a le itu ra , do que decodificado ra ­
cionalm ente.
Assim, segundo S usanne Langer. é Incorreto " . . . se 
detxar induzir ao engano de supor que o au to r p re ten ­
de, por seu uso de palavras, exatam en te aquilo que 
pretendem os com o nosso in form ar, com entar, in ­
qu irir. confessar, em sum a: fa lar às pessoas. Um ro ­
m ancista, contudo, p retende c ria r um a experiência 
virtual, com pletam ente form ada e in te iram en te ex­
pressiva de algo m ais fundam enta l do que qualquer 
problem a ‘moderno’: o sen tim ento hum ano, a n a tu re ­
za da vida h u m an a em s i’ iS en ttm en to e Por ma. São 
Paulo, Perspectiva, 1980, p 300.)
A arte , cm todas as suas m anifestações, é, por 
conseguinte, um a ten ta tiv a de nos colocar fren te a 
form as que concretizem aspectos do sen tir hum ano. 
Uma ten ta tiv a de nos m ostrar aquilo que é inefável, 
ou seja. aquilo que perm anece Inacessível às redes con­
ceituais de nossa linguagem . As m alhas desta rede são 
por dem ais largas p ara cap tu ra r a vida que h ab ita os 
profundos oceanos de nossos sentim entos. AU, quem se 
põem a pescar, são os artistas.
48
Resumo das Idéias Pr.ncipaw
• A a rte é um fenóm eno presente em Iodos as culturas.
• A linguagem fragm enta o nosso sen tir e lhe a tribu i 
significados.
• Os conceitos lingüísticos, no en tan to , são incapazes 
de exprim ir e de descrever os sentim entos
• A a r te é um a ten ta tiv a de concretizar, em form as, o 
m undo dinâm ico do "sen tir’ hum ano.
• Arte não é linguagem : ela náo com unica significa­
dos. m as exprim e sentidos
• O sentido expresso n a obra de a rte é ‘in traduzível",
49
O ARTISTA E O ESPECTADOR
Utilizamo-nos, no capítu lo anterior, da definição de 
a rte proposta por S usanne Langer, que diz ser ela a 
"criação de form as perceptíveis expressivas do sen ti­
m ento hum ano". All fol d ito que a a rte é a concretiza­
ção, em form as (harm ôn icas), daquela dim ensão h u ­
m ana inalcansável pela linguagem conceituai: o sen ti­
m ento A través da a rte os diversos aspectos do nosso 
sen tir são-nos m ostrados num a determ inada conform a­
ção, quo se oferece ¿ nossa percepção de m aneira mais 
ab rangente que ou tras espécies de símbolos — como os 
lingüísticos, por exemplo. Ê preciso en tão que nos dete­
nham os um pouco nestas duas vias de acesso à arte 
através do a rtis ta e através do espectador. O u se ja : na 
criação e n a fruição das obras de arte.
Iniciemos pelo a rtis ta . Porém, an tes de se aden tra r 
propriam ente n a criação a rtís tica , vamos tra ça r a lgu­
m as considerações a respeito do ato de criação, de m a­
neira geral.
C riar supõe a produção de coisas (sejam objetos ou 
idéias) a té en tão inexistentes no m undo hum ano. Supõe 
um a to onde. basicam ente, opera a im aginação, esta 
capacidade fundam enta l do homem. Pela im aginação o 
homem ordena o m undo n u m a « t r u tu r a significativa, 
já que linguagem e im aginação se desenvolvem conjun­
tam ente. Por ela o homem projeta aquilo que a inda não 
existe, aquilo que poderia ter, como fru to de seu trab a ­
lho. Mesmo nos a to s m ais sim ples do cotidiano nossa 
im aginação tem o seu papel. Ao p lanejar o que farei
SI
daqui há in s tan tes — por exemplo: dirigir-m e a um 
restau ran te , 3entar-m e e alm oçar — estou im aginando 
m inha ação num tem po futuro, num tem po que virá 
a ser.
Diz Rubem Alves: "O que im porta é sim plesm ente 
consta tar que através da im aginação o homem t.rans- 
cente a íacticidade b ru ta da realidade que c im ediata­
m ente dada e afirm a auc o que é não deveria ser, e o 
que ainda náo c deverá sor ” (O Enigm a da Religião. 
Petrópolis. Vozes. 1975. t>. 20.) D istinto do anim al, que 
está preso ao aqui e agora, o homem, pela im aginação, 
situa a sua ação num m undo que estende os seus lim i­
tes p a ra além da im ediatidade do presente e da m ate­
rialidade das coisas O homem cria um universo sign i­
ficativo, cm sou encontro com o m undo c a través da 
im aginação.
A própria ciência, que pretende ser um conhecim en­
to rigoroso das “coisas como são”, é filha d ire ta da im a­
ginação A criação de norm as de objetividade, para que 
a razão se discipline e não sofra in terferências dos va 
lores e emoções, c um produto da im aginação. Aliás, a 
ciencia surge, nos prim órdios do século XVII. quando 
a im aginação de G alileu leva-o a afirm ar: “vamos supor 
que um corpo caia sem sofrer in terferências do a tr ito 
com o ar" . Isto é . im aginem os um a coisa inexistente em 
r.osso m undo: a queda livre, sem in terferencias da 
atm osfera, o movimento continuo. A im aginação é, por 
tanto, o dado fundam ental do universo hum ano e o 
m otor de todo ato de criação.
Precisam os no ta r tam bém que em qualquer ato 
criativo não há apenas um a mobilização da razão, da 
esfera lógica {que s r dá através dos sím bolos). Como já 
se ooservou. nossa razáo. nossos símbolos (lingüísticos 
m atem áticos, e tc .) , estão sompre apoiados nas nossas 
vivências, nos nossos sentim entos. Não há "pensainent<
52
puro", estritam en te lógieo: ao pensarmos, mobilizamos 
tanto os símbolos como cs sentim entos a eles su b ja ­
centes. D esta lorm a. mesmo nos atos de criação filosófi­
ca e cientírica estão envolvidos os sentim entos num anos
os valores e a s emoções
O ato criativo, inclusive, dá-se m uito mais a nível 
do "sen tir' <lo que tio "sim bolizar”. Melhor dizendo: ao 
se criar ocorre um a movimentação de nossos sentim en­
tos, que vão sendo confrontados, aproximados, fundidos, 
para posteriorm ente serem simbolizados, transform adas 
em form as que se ofereçam à razão, ao pensamento.(Notem que 6 freqüente o fa to de nossas palavras não 
conseguirem acom panhar o ritm o de nossas idéias. Isto 
é vai-se articu lando idéias que estão a nível do “sen­
tir", para depois elas serem re la tadas pelas palavras).
Diversas autores, que se dedicaram ao estudo do 
processo criativo hum ano, chegaram a esta m esm a con­
clusão: o a to da criação é m uito m ais produto de sen­
tim entos, de intulções, do que de operações puram ente 
lógicas. K arl R. Popper, um filósofo austríaco, comen­
ta “A m inha visão do problem a pode ser expressa a tra ­
vés da afirm ação de que cada descoberta contém um 
elem ento emocional ou um a 'intuição criadora’, no 
sentido de Bergson Einstein fala de um a form a seme­
lhan te acerca da 'busca daquelas leis a ltam en te univer­
sa is. . a p a rtir das quais unia visão do m undo pode ser 
obtida por pu ra dedução. Não existe um cam inho lógi­
co’, ele diz, ‘que conduza a ta is leis. Elas só podem ser 
ating idas por meio da intuição, in tu ição esta que se 
baseia em algo sem elhante a um am er intelectual pelos 
objetos da experiência’." ( The Logic o f Scientific Dis- 
covery New York, H arper 61 Row, 1968, p. 32.)
Ainda com respeito ã a titu d e criadora, pode-se afir­
m ar que ela se constitu i tam bém num a to de rebeldia.
53
C onstitu i-se n u m aio de rebeldia na m edida em que o 
criador deve negar o estabelecido, o existente, p a ra p ro ­
por um ou tro cam inho, u m a o u tra form a, enfim, p a ra 
propor o novo. O novo surge a p a r tir de um desconten­
tam en to com relação ao estabelecido. Nesses term os 
qualquer a to criativo é sem pre subversivo, pois visa a 
alteração, a m odificação do existente.
Por :sso. assinala R ubem Alves au e " . . . a rebeldia 
é a pressuposição básica de qualquer a to criativo. Ao 
ordenar e p la n ta r um jard im , nos rebelam os co n tra a 
aridez da natureza. Ao lu ta r con tra a enferm idade nos 
rebelam os co n tra o sofrim ento. Dizemos um a palavra 
de alen to porque nos rebelam os co n tra a solidão. Acei­
tam os a perseguição por causa de um a razão ju s ta por­
que nos rebelam os co n tra a opressão e a In justiça. Os 
anim ai» não podem rebelar-se. P recisam ente por isso. 
tam pouco podem ser criadores. Som ente o que diz o seu 
‘n áo ’ às coisas como são, m ostra o desejo de sofrer pela 
criação do novo. O m undo da cu ltu ra se rta literalm ente 
im pensável se nào fosse ¡5elos atos de rebeld ía de todos 
aqueles que fizeram algo p a ra constru i-la ." {H ijos Del 
M añana. Salam anca. Síguem e. 1975, p p 149-150.)
C entrem os agora a nossa atenção sobre o a to de 
criação n a a rte , sobre o traba lho do a rtis ta . Segundo 
exposto, a ob ra de a r te é a ten ta tiv a de se concretizar, 
em form as harm ônicas, os elem entos do "sen tir" h u m a ­
no. E a ten ta tiv a de oferecer ta is elem entos à nossa p e r­
cepção, a través das form as m an ipu ladas pelo a r t is ta 
Contudo, é preciso ev ita r u m a confusão. Q uando se diz 
que a a rte é a concretização de sentim entos. Isto não 
significa e stritam en te que o a rtis ta , ao constru ir um 
objeto estético, este ja apenan e lão-som enle exprim indo 
seus próprios sen tim en tos. Não signifca que a obra de 
a rte seja um sim ples " re tra to " do "m undo in te rio r" do 
a rtis ta .
54
Pelo contrário . Sua capacidade expressiva reside 
ju s tam en te em sua sensibilidade p ara c a p ta r os m ean­
dros dos sen tim en tos da com unidade hum ana e exp ri­
m i-los em form as Sim bólicas. Ao constru ir um objeto 
estético (um a obra de a r te ) , o a r t is ta p rojeta nele tudo 
aquilo que percebe como próprio dos hom ens de sua 
época e lugar. T udo aquilo que constitu i o “sentir*' dos 
hom ens (ou dos grupos de h om ens), que ele c ap ta e ex­
prim e em formas.
fc Ciaro que esta cap tação se d á a p a rtir dos seus 
próprios sen tim entos e de sua “ visão-de-m undo”. Sua 
percepção dos sen tim en tos hum anos está sem pre, em 
ú ltim a análise, baseada nos seus próprios sentim entos. 
M as afirm ar que em sua obra o a rtis ta expnm e apenas 
os seus sentim entos, é em pobrecer r» sentido de sua p ra ­
xis (de seu trab a lh o ) . Assim, p a ra S usanne Langer, 
" . . ele é um a r t is ta não ta n to em v irtude de seus 
próprios sentim entos, q u an to de seu reconhecim ento 
in tu itivo de ío rm as simbólicas do sentim ento, e sua te n ­
dência a p ro je ta r conhecim ento emotivo em ta is form as 
objetivas. Ao m an ipu lar sua própria criação, ao com por 
um símbolo de emoção h u m an a , apreende, da realidade 
perceptiva k su a fren te , possibilidades da experiência 
subjetiva que ele não conhece em sua vida pessoal." 
(S en tim en to e Forma. São Paulo, Perspectiva. 1980, 
p. 405.)
O a rtis ta apreende, en tão , certos estados do “sen­
tir" que perpassam a vida das com unidades hum anas. 
M uitas vezes esses elem entos não estão c laram en te co­
locados, não sendo mesmo percebidos pelos hom ens em 
su a vida cotid iana. E a í su rge o a r t is ta como um des­
bravador. como um pioneiro n a elucidação e expressão 
desses sen tim en tos a té en tão despercebidos. O a rtis ta 
apreende-os e as devolve, em form as a rtís ticas , p ara que 
os dem ais se reconheçam naqueles Símbolos Neste sen-
55
tido é que se pode afirm ar, com o poeta Ezra Pound, 
que os a rtis ta s sào as an ten as da raça A ntenas que 
captam aqueles sentim entos em que todos estão im er­
sos. sem conseguirem, no en tan to , torná-los evidentes.
Este é, de m aneira esquem ática, o sentido do t r a ­
balho artístico to rn a r objetivas (no sentido de concre­
tas) as m anifestações subjetivas dos seres hum anos, 
num a dada época e cu ltu ra Mudemos agora a nossa 
perspectiva, a fim de observar o processo ocorrente no 
espectador da obra de a rte . Vamos considerar, entáo. a 
experiência estética: aquela experiência que temos 
frente a um quadro, um a m úsica, no cinem a, no tea­
tro, etc.
Em prim eiro lugar, a experiência estética é a 
experiência da beleza. C otidianam ente utilizam os as 
palavras belo e beleza sem no en tan to a ten tarm os para 
as questões que residem por d e trá s desses termos. Afi­
nal, o que é a beleza que se experimenta, n a experiência 
estética? De onde surge ela?
Somos tentados a c rer que o belo se encontre nos 
objetos mesmo; isto é : que a beleza é u m a qualidade 
que eles possuem (ou não ). Sc isto fosse verídico, um 
cientista que estudasse •'objetivam ente" um a obra de 
arte, deveria poder isolar e quan tificar (m edir) nela 
esta qualidade Por exemplo: um físico, especialista em 
soní, pode decompor um a peça musical e estudar as 
propriedades de suas no tas (a ltu ra , frequência, in te n ­
sidade), bem como as relações que elas m antêm en tre 
si. Pode tra ça r gráficos, fórm ulas c equações que repre­
sentem objetivam ente a melodia. A beleza, todavia, en ­
quan to propriedade física da peça. não será encontrada. 
3e o belo fosse um a propriedade que determ inados obje­
tos possuem, isso im plicaria em que qualquer pessoa 
que os contem plasse devesse considerá-los belos Mas
56
isto não ocorre: o que para mim é belo. para outro pode 
não ter beleza algum a.
Desta m aneira, pode-se pensar que a beleza resida 
exclusivam ente em nossa mente. Que ela é gerada em 
nossa consciência. independentem ente dos objetos do 
m undo. Se ta l afirm ação fosse verdadeira, o am an te da 
m úsica náo m ais necessitaria ir a concertos, nem pre­
cisaria ouvir discos: p ara experienciar a beleza bastaria 
relem brar suas experiências estáticas passadas. B asta­
ria “produzir" a beleza em sua consciência. O que ê 
um absurdo.
Portanto , o belo não reside nem nos objetos nem 
na consciência dos sujeitos, m as nasce do encontro dos 
dois. A beleza se coloca entre o homem e o mundo, entre 
a consciência e o objeto A beleza liubitaa relação. "A 
beleza é o nome de qualquer coisa que não existe/Q ue 
dou às coisas em troca do agrado que me dão”, já disse 
0 poeta Fcrnado Pessoa, a través de seu heterônim o 
Alberto Caeiro. Nasce en tão a beleza, da relação que o 
hom em m antém com o m undo. Porém, su rg irá ela de 
qualquer tipo de relação?
Não. O relacionam ento que faz b ro tar a experiên­
cia estética é distin to , por exemplo, do relacionam ento 
prático que nossa consciência m antém com as coisas do 
m undo. Na experiência estética a consciência se coloca 
de m aneira d iferente da ío rm a com oue se coloca na 
vida cotid iana O rdinariam ente tendemos a perceber 
as coisas a partir dos conceitos forjados pela nossa lin ­
guagem . Já dissemos que a linguagem condiciona a 
m aneira como vemos o mundo. I>e certa form a, perce­
bemos as coisas a través de seus nomes, de seus signifi­
cados (p a ra o hom em ).
M inha tendência, por exemplo, é sem pre ver a g ra­
m a à m inha fren te como verde, mesmo se. sob determ i­
nadas condições de ilum inação, ela ganhe um tom azu­
57
lado. Ou a in d a um pire» sobre a mesa eu o vejo como 
circular, mesmo se na realidade, de m inha posição, ele 
apareça como um a elipse. Isto è : os conceitos an te r io r­
m ente aprendidos (g ram a — verde, pires - c ircu lar) 
gu iam a m an eira de se d a r m inha percepção. “Os olhos 
de repen te são palavras”, diz o poeta Pablo Neruda.
O que ocorre na experiência estética, contudo, é 
que a consciência procura apreender o objeto desvenci­
lhando-se dos laços condicionantes d a linguagem con­
ceituai Nela o homem apreende o m undo de m aneira 
total, sem a m ediação parcializan te dos conceitos lin ­
guísticos. Na experiência estética suspendem os nossa 
"percepção ana lítica ’, “ racional’’, p a ra sen tir m ais ple­
nam en te o objeto, Deixamos flu ir nossa corren te de 
sentim entos, sem procurar tran sfo rm á-la em conceitos, 
em palavras Sen tim os o objeto, c não, pensam os nele. 
No m om ento desta experiência ocorre como que um a 
■suspensão" da vida co tid iana, um a "queb ra” nas re ­
gras da “realidade".
E n tram os no cinem a e nos sentam os. As luzes se 
apagam e inicia-se a projeção. De repente estam os 
envolvidos com um a “o u tra realidade", que nos faz. 
m om entaneam ente, esquecer a nossa. Deixa-se de lado 
o aluguel a trasado . a con ta da luz. a p o rta que se deve 
consertar, a certidão que precisa ser providenciaria, 
p a ra se vtvenciar o filme. Agora estam os sen tindo a ra i­
va do herói fren te aos invasores, sen tindo o medo face 
à em boscada, a te rn u ra do am or e n tre m ãe e filho. 
Agora estam os vivendo u m a experiência esté tica — 
deixam os o cotidiano "em suspenso”, e a ele apenas 
re to rnarem os ao final da sessão É claro que, no fundo, 
não nos abandona a consciência de que som os apenas 
ura espectador sen tado no cinem a; não perdem os a 
consciência de nossa individualidade e realidade. P er­
der esta certeza e confundir-se in teg ra lm en te com o
58
que esta sendo projetado equivaleria a loucura, a esqui­
zofrenia. O cotid iano nao e s tá "perdido”, m as íoi “co­
locado en tre parên teses” - deixou de ser o m ais im por­
tan te . naquele mom ento.
A experiência da beleza é, en tão , um a experiência 
na qual a nossa m aneira " rac io n a r ' de perceber o m u n ­
do perde o seu privilégio. E o perde em favor de um a 
percepção que fala d ire tam en te aos sentim entos. Na 
vida d iá ria in terroga-se o aparecer dos objetos segundo 
propósitos práticos A intelecção (a través da lin g u a­
gem ) o rien ta nossa percepção em to m o das funções 
dos objetos e de suas relações: a caneta serve p ara 
escrever em um papel; no C im eiro colocamos as cinzas 
do cigarro. J á n a percepção estética não é m ais a inte- 
lecção o nosso guia. A “verdade” do objeto estético (da 
obra de a r te ) reside nele m esm o: não se buscam suas 
relações com outros objetos nem se perg u n ta acerca da 
sua utilidade.
Na percepção u tili tá r ia o ' s e r” do objeto reside em 
suas relações com outros e com atos hum anos (caneta- 
escrever-papel: cinzelro -einzas-cigarro ). E nquan to que. 
n a percepção estética, o "se r” do objeto é o seu próprio 
aparecer. O u se ja : é a harm onia ex isten te em suas 
form as f. no próprio sensível, no próprio a to de perce­
ber, que reside o prazer estético: n a percepção d ire ta 
de harm onias e ritm os que guardam , em si, a sua ver­
dade Por isso alguns au to res cham am a percepção 
estética de "des in teressada” : não existem interesses 
p ráticos a o rien tá-la ; a verdade do objeto reside em 
suas formas.
A experiência que a a rte nos proporciona é, sem 
dúvida, prazerosa. E este p razer provém d a vivência da 
harm onia descoberta en tre as form as d inâm icas de 
nossos sen tim en tos e a s form as do objeto estético. Na 
experiência esté tica os m eus sen tim en tos descobrem-se
59
nas form as que lhes são dadas, como eu m e descubro 
no espelho. Meus sentim entos vestem-se com as roupa­
gens harm ónicas das form as estéticas. A través dos sen­
tim entos identificam o-nos com o objeto estético, e com 
ele nos tornam os um
A obra de arte . assim , nào é p ara ser pensada, t r a ­
duzida em palavras, e sim sentida, vivenciada. Porque, 
como já foi d ito an terio rm ente, sua função náo é a de 
com unicar significados (conceituais), m as a de expri­
m ir sentidos. Resta-nos considerar, então , a questão dos 
sentidoyèxpressos pela arte , na experiência estética.
Tais sentidos nào são, evidentem ente, conceituali- 
záveis, redutíveis a palavras — não se pode "dizer" 
qualquer obra de arte . Já o notamos. A a rte abre-m e 
sem pre um cam po de sentidos por onde vagueiam os 
m eus sentim entos, encontrando ali novas e m últip las 
m aneiras de ser. Dissemos que na com unicação a lin ­
guagem deve "fechar" o m ais possível o cam po de signi­
ficados. a firo de aue um a idéia seja com preendida 
como o deseja seu emissor. Deve-se dizer "a m anga da 
cam isa está estragada", e não "a m anga está e straga­
da". para que seja eficaz a comunicação. E nquan to que. 
na expressão artística, sucede o Inverso a s am bigüi­
dades e as m últip las possibilidades de sentido sáo dese­
jadas. Q uanto m ais sentidos possibilite u m a obra, m ais 
p lena ela será.
F ren te à obra de a rte o espectador deixa os seus 
sentim entos vibrarem , em consonância com as harm o­
nias e ritm os nela expostos. O espectador encontra, 
ju n to às form as artísticas, elem entos que concretizam
— que to rnam objetivos, perceptíveis — os seus sen ti­
m entos. Notem aue dissemos os seus sentim entos, e náo 
os do a rtis ta , que produziu a obra Isto porque, sendo 
a a r te u m a form a de expressão, ela depende da in te r­
pretação. do sentido que o espectador lhe atribui. Como
60
sua função não é tran sm itir um significado conceituai 
determ inado, seu sentido b ro ta dos sentim entos de seu 
público; ele nasce da m aneira como as pessoas a viven- 
ci&m.
Por este motivo Umberto Eco, um filósofo italiano, 
cham a a obra de a rte de "aberta". Ela é aberta para 
que o espectador com plete o seu sentido; p ara que ele a 
vivende segundo suas próprias peculiaridades, sua pró­
pria condição existencial,
Uma obra de a rte pode indicar um a determ inada 
direção aos m eus sentim entos — por exemplo: alegria, 
tristeza, angústia , etc. Porém , a maneira de viver este 
sentim ento (o seu “como ") é dada por mim. F ren te a 
um dram a, no teatro , todos podem "en tristecer se"; 
todavia, a qualidade dessa tr isteza é única íe incom u­
nicável) p ara cada espectador. Cada um a viverá se­
gundo sua situação particu lar, com os m eandros e m i­
núcias dos sentim entos que lhe são próprios
O sentido de um a obra de a rte é. po rtan to , aberto. 
Não se pode tom ar o assun to (o tem a) da obra comosendo o seu significado. A m aneira como esse tem a c 
expresso, a form a como ele é percebido, sentido pelo 
espectador, é que constitu i o cam po de sentidos da arte. 
Na a rte se apresen tam form as que visam m ostrar aqu i­
lo que é impossível de ser conceltualizado. impossível 
de ser significado através das palavras.
A a rte é u m a chave com a qual abrim os a porta de 
nossos sentim entos; porta que perm anece fechada à 
nossa linguagem conceituai
R esum o das Idéias Principais.
• O ato de criação é um a to de rebeldia, que nega o 
existente p ara propor o novo.
61
• Q ualquer criação envolve náo só conceitoe lógicos, 
m as principalm ente elementos dos sentim entos e 
emoções.
• O a r t is ta expressa, em sua obra. os sentim entos que 
ele cap ta jun to ás com unidades hum anas.
• A beleza não é um a qualidade dos objetos nem um 
produto da consciência, m as um a íorm a de relação 
que o homem m antém com o mundo.
• Na experiência estética experimenta-se o objeto a 
nível dos sentim entos, sem a mediaçáo conceituai da 
linguagem.
• O sentido da obra de a rte é dado fundam entalm ente 
pele espectador
62
FUNDAMENTOS DA ARTE-EDUCAÇAO
Dissemos que nossas modernas sociedades indus­
triáis estão fundadas sobre um a cisão básica da perso­
nalidade hum ana: aquela entre o sentir e o pensar, 
en tre a razão e as emoções. A civilização ocidental 
assentou-se desde logo sobre três postulados, quais 
sejam : 1) A primazia da razão — a razão tem o poder 
de solucionar qualquer problema, e os únicos problemas 
rcaL: año aqueles propostos pela ciencia 2) A primazia 
do trabalho deve-sc trab a lh a r incessantem ente para 
a produção de bens deve-se o rien tar nossa ação sem­
pre na direção de ftns utilitários. 3) A natureza infinita
— desenvolvimento significa a produção cada vez maior 
de produtos m anufaturados, acredítando-se que a na­
tureza. de onde sáo retiradas as m atérias-prim as, seja 
¡nesgotável. (Tais postulados são o tad o s pelo filósofo 
francés Roger G araudy. em sua obra: O Ocidente é um 
Acídente: Por um Diálogo das Civilizações, Rio de J a ­
neiro. Salam andra, 1978.)
Ocorre, porém, que o primeiro desses postulados 
nos conduz à um a civilização racionalista, isto é, que 
h ipertrofia a razão em detrim ento das dimensões bási­
cas da vida: os valores c as emoções. O segundo nos 
leva a relegar o lúdico (o Jogo, o brinquedo) e o estético 
a posições inferiores; a relegá-los a se tom arem meras 
atividades dc lazer, quando se tem tem po para tal. E n­
quanto o terceiro, gera um sistem a dc produção que 
deve se m an ter em perpétuo crescimento; não se pro­
duz p ara suprir as necessidades hum anas, mas, pelo
63
contrário , deve-se c ria r novas necessidades nos homens, 
p ara então vender-lhes os novos produtos
Muitos são os pensadores que apontam para um a 
necessidade de reestru tu ração radical desta civilização, 
por verem nela o cam inho certo p ara a destruição da 
vida no planeta. H ipertrofiando a razão gcra-sc. díalc- 
ticam ente. um profundo irracíonatismo. n a medida em 
que valores e emoções não possuem canais p ara serem 
expressos e se desenvolverem. Assim, a dança, a festa, a 
arte , o ritua l, são afastados de nosso cotidiano, que vai 
sendo preenchido apenas com o trabalho utilitário , não 
criativo, alienan te A form a de expressão dos emoções 
tom a-se a violência, o ódio. a ira som ente a violência 
pode fazer vibrar nossos nervos, enrigeeidos pelo trab a ­
lho sem sentido. O indivíduo isolado to rna-se o valor 
supremo, e cada qual deve lu ta r con tra os outros, em 
favor de seu progresso e de suas propriedades.
D entro deste quadro surgem en tão inúm eras p ro­
postas. buscando rea ta r o homem aos seus valores bási­
cos. espezinhados pelo industrialism o. Propostas que 
procuram , de um a ou o u tra forma, ilum inar a vida 
criativa, a im aginação, a beleza Surge o movimento 
hippie", o "m aio de 68” (n a F ran ça ) , a busca de cul­
tu ras e religiões o rientais e — por que náo? — a busca 
de algum a transcendência na utilização das drogas.
Mas a revalorização da beleza e da im aginação e n ­
controu, na a rte c no brinquedo, dois aliados poderosos. 
Por que não se educar as novas gerações evitando-se 
os erros que viemos cometendo? Por que não se en ten ­
der a educação, ela mesma, como algo lúdico e está­
tico? Por que, ao invés de fundá-la n a transm issão de 
conhecim entos apenas racionais, não fundá-la na cria­
ção de sentidos a p a rtir da situação existencial concre­
ta dos educandos-' Por que não um a arte-educação"?
64
Como é, en tão , que a a rte pode se to m a r um ins­
trum en to p ara a form ação de um homem m ais pleno? 
Como a arte educa? Eis a questão básica, cu ja resposta 
deve ac la rar os propósitos daquilo que cham am os arte- 
educação.
Sendo a a rte a concretização doa sentim entos em 
form as expressivas ela se constitu í num meio de acesso 
a dimensões h um anas não passíveis de simbolizaçáo 
conceituai A linguagem tom a o nosso encontro com o 
m undo e o fragm enta cm conceitos e relações, que se 
oferecem à razão, ao pensam ento. E nquanto a arte, 
procura reviver em nós este encontro, este "prim eiro 
o lhar” sobre as coisas, im prim indo-o em form as harm ó­
nicas. A través da a rte somos levados a conhccer melhor 
nossas experiências e sentim entos, naquilo que esca­
pam à linearidade da linguagem . Quando, n a experiên­
cia estética, meus sentim entos en trara em consonância 
(ou são despertados) por aqueles concretizados na obra, 
m inha atenção se focaliza naquilo que «nfo . A lógica 
da linguagem é suspensa e eu vivo m eus sentim entos, 
sem ten ta r "traduzi-los" em palavras
A arte é, por conseguinte, um a m aneira dc desper­
ta r o individuo para que este dê maior atenção ao 
seu próprio processo de sen tir (» intelectualism o dc 
nossa civilização — reforçado no am biente escolar — 
torna relevante apenas aquilo que é concebido rac ional­
mente, logicamente. Deve-se aprender aqueles concei­
tos já p rontos ’, “objetiros", que a escola veicula a 
todos, indistin tam ente, sem levar em con ta as carac­
terísticas existenciais de cada um. Neste processo os 
educandos náo tém oportunidade de elaborar sua “ visão 
de m undo", a p a rtir de suas próprias percepções e sen­
tim entos. A través da a rte pode-se, então, despertar a 
atenção de cada um para sua m aneira particu lar de
65
sentir, sobre a qual se elaboran: todos o* outro* proces­
sos racionais.
Encontrando nas form as artísticas, Sirabolizaçõcs 
para os seus sentim entos, os individuos am pliam o seu 
conhecimento de si próprios através da descoberta dos 
padrões e da natureza de seu sentir.
Por outro lado, a arte não possibilita apenas um 
meio de acesso ao m undo dos sentim entos, mas também 
o scu desenvolvimento, a sua educacáo. Como, entáo, 
podem ser educados e desenvolvidos os sentim entos? Da 
mesma forma qu«* o pensam ento logico, racional, se 
aprim ora com a utilização constante de símbolos lóyl- 
coÁ (lingüísticos, matemáticos, e tc .), os sentim entos se 
refinam pela convivência cuín os Símbolos da arte . O 
contato com obras de a rte conduz u fam iliaridade com 
os Símbolos do sentim ento, propiciando o seu aprim o­
ram ento. Como diz Susanne Langer:
"O treinam ento artístico é, portanto, a educação 
do sen tím ente, da mesma m aneira como nossa educa­
ção escolar norm al em m aterias fatuais e habilidades 
lógicas, tais como o ‘cálculo' m atem ático ou a simples 
argum en tação . . . . é a educação do pensamento. Pou­
cas pessoas percebem que a verdadeira educação da 
emoção não 6 o ‘condicionamento* efetuado pela apro­
vação e desaprovação social, m as o contato tácito, 
pessoal, iluminador, com símbolos de sentim ento.” (E n ­
saios Filosóficos São Paulo, Cultrix. 1971. pág. 90.)
Educar os sentimento®, as emoções, náo significa 
reprimi-los para que se mostrem apenas naqueles (pou­cos) momentos em que nosso "m undo de negócios*' 
lhes perm ite. Antes, significa estim ulá-los a se expres­
sarem, a vibrarem frente a Símbolos que lhes sejam 
significativos. Conhecer as próprias emoções e ver nelas 
os fundam entos de nusso próprio "eu" é a ta re ia bási­
ca que toda escola deveria propor, se elas não estivessem
66
voltadas somente p ara a preparaçao de mão-de-obra 
para a sociedade industrial.
A a ite é ainda um fator de agilização de nossa 
imaginação, pois na experiência estética a imaginação 
am plia os lim ites que lhe impõe cotidianam ente a inte- 
lecção. Já observamos que na "vida prática" nosso In te­
lecto guia a percepção em tom o das relações práticas 
e funcionais já estabelecidas: pouco espaço nos resta 
para o "sonho”, a "fan tasia" E isto é tam bém reforçado 
pelo am biente escolar, na medida em que as respostas 
ali já estão prontas, restando ao educando apenas a sua 
assimilação. Na escola não se cria, mas se reproduz 
aquilo que Já existe
Ora, a arte se constitui num estim ulo perm anente 
para que nossa im aginação flu tue e crie m undos pos­
síveis. novas possibilidades de ser e sentir-se. Pela arte 
a im aginação é convidada a a tu a r, rompendo o estreito 
espaço que o cotidiano lhe reserva A imaginação é algo 
proibido em nossa civilização racionalista, que preten­
deu bani-la do próprio campo das ciências. por ver nela 
um a fonte de erros no processo de conhecimento da 
"realidade”. Deveiuos nos adap ta r às "coisas como são’’, 
à ‘‘realidade’' da vida. .sem perdermos o nosso tempo 
com sonhos e visoes utópicas.
Contudo, são os nossos sonhos e projetos que m o­
vem o mundo. í aquilo que ainda náo tenho, que ainda 
não consegui, que me faz ir à luta: que tne faz trab a­
lhar para a lte ra r a "realidade". Preso às coisas “como 
são" o homem seria idéntico aos anim ais, que se adap­
tam ao melo. sem utopias e projetos transform adores 
De onde se conclui que a utopia, an tes de ser a m era 
fantasia de loucos e poetas, é um fator fundam ental na 
construção do m undo hum ano Através de visões utópi­
cas o homem desperta para ou tras realidades possíveis, 
diversas daquela em que ele esta inserido.
67
Ao propor novas "realidades possíveis", a arte per­
m ite que, além de se despertar para sentidos diferentes, 
se perceba a inda o quão d is tan te se encontra nossa so­
ciedade dc um estado m ais equilibrado, lúdico e estético. 
A utopia é tam bém um a form a de tom arm os consciên­
cia do que existe atualm ente, de tom arm os consciência 
do a tua l estado do m undo hum ano. Afinal, as visões 
de pessoas como Jesus (ao propor sua “ordo am o n s”) 
ou de M arx {ao propor sua "sociedade sem classes"), 
são utopias que devem conduzir a um a transform ação 
do presente, para um fu tu ro melhor. Pois, segundo o 
poeta francés Lam artine, “as u topias são verdades pre­
m a tu ras”. Pela sua vertente utópica, a a rte se consti­
tui, então, num elem ento pedagógico fundam ental ao 
homem.
Através d a a rte somos a inda levados a conhecer 
aquilo que não temos oportunidade de experienciar em 
nossa vida cotidiana. E isto é básico p a ra que se possa 
compreender a s experiencias vividas por outros homens 
Quando, no cinema, stnzo as emoções do alpinista, 
quando, no teatro , sinto o dram a do preso político, 
quando, frente às telas de Portinari, sm to a tragédia 
dos re tiran tes, descubro m eus sentim entos frente* a 
situações (ainda) não vividas por mim, que náo me sào 
acessíveis em meu d la-a-dia Assim, a a rte pode possi­
b ilitar o acesso dos sentim entos a situações d is tan tes do 
nosso cotidiano, forjando em nós as bases p ara que se 
possa compreendé-las.
Nas palavras do filósofo alem ão E m st Placher: -O 
desejo do homem de se desenvolver e com pletar indica 
que ele é m ais que um indivíduo. Sente que só pode 
a tin g ir a plenitude se se apoderar das experiências 
alheias que potencialm ente lhe concernem, que pode­
riam ser dele. E o que o homem sente como potencial­
m ente seu inclui tudo aquilo de que a hum anidade.
6»
como um todo, é capaz. A a rte é o meio indispensável 
para esta união do individuo com o todo; reflete a in ­
fin ita capacidade hum ana p ara a associação, para a 
circulação de experiências e idéias.” {A Necessidade da 
Arte. Rio de Janeiro, Z ahar, 1976, pág 13.)
O processo do conhecimento, já o notam os, arti- 
cula-se en tre aquilo que ó vivido (sentido) e o que ó 
simbolizado (pensado). Ao possibilitar-nos o acesso a 
o u tras situações e experiências, pela via do sentim ento, 
a a r te constrói em nós as bases para uina compreensão 
m aior de tais situações. Porque a simples transm issão 
dc conceitos verbais, que não se ligam dc forma algum a 
aos sentim entos dos individuos, não é g aran tia de que 
um processo de rea l aprendizagem ocorra. Ao ditado 
popular "o que os olhos não vêem o coração não sen te”, 
poder-se-ia en tão acrescentar: "e a cabeça náo apreen­
de”. Perm itir (através da arte> um a maior vivência 
dos sentim entos é. desta forma, abranger o processo da 
aprendizagem como um todo. e não apenas em sua d i­
m ensão simbólica, verbosa, palavresca, como insiste em 
fazer a escola tradicional.
Hà que se considerar tam bém os aspectos sócio- 
cu ltu ra is da educação proporcionada pela arte. pois ela 
está sem pre situada num contexto histórico e cultural. 
Por cia as cu ltu ras exprim em o seu “sentim ento da épo­
ca”. isto é. a form a como sentem a sua realidade, num 
dado momento. Aquilo que cham am os de ‘personalida­
de cu ltu ra l”, encontra na a rte um meio poderoso para 
se expressar e se to m a r objetivo. O cham ado “estilo” de 
um dado período histórico (por rxrm plo: o barroco, o 
neo-clássico, o impressionismo) nada m ais é do que a 
utilização de determ inadas form as do expressão, ou de 
determ inados códigos, pautados neste “sentim ento da 
época”.
69
As diversas modalidades do significado, ou os diver­
sos cam pos do conhecim ento científico, filosófico, re­
ligioso estético — raesdam -te na constitu ição do estilo 
-que é vivido pelos indivíduos E este estilo encontra na 
a rte a sua expressáo plena
A&sim. m antendo-se em contato com a produção 
a rtís tica de sru tempo e sua cu ltu ra , o individuo viven 
cia o “sentim ento da época" ou seja, partic ipa daquela 
form a de sen tir que é comum a seus contem poráneos. 
Como em nosso civilização existe urna alavancha de sig­
nificados, de conhecimentos, é dificílimo conseguir-se 
um a visão do todo cu ltu ra l em que estam os A arte pode, 
então, vir a fornecer as bases (a nivel do sentim ento) 
para que esta visáo seja conseguida
Conhecendo a a rte de m eu tempo e cultu ra , adquiro 
fundam entos que me perm item um a concom itante 
com preensão do sentido da vida que é vivida aquí € ago­
ra E m ais: conhecendo a a rte p re té rita da cu ltu ra onde 
vivo. p06S0 vir a com preender as transform ações opera­
das no seu modo de sen tir e entender a vida ao longo 
da história, a té os m eus dias.
Em term os In tercu ltu ra is a a rte tam bém apresenta 
um im portan te dem en to pedagógico. Ha medida em 
que nos seja dado experienciar a produção a rtís tica de 
ou tras cu ltu ras, tom a-se m ais fácil a com preensão dos 
sentidos dados à vida por essas cu ltu ras estrangeiros 
Através da a rte se partic ipa dos elem entos do sentim en­
to que fundam a cu ltu ra alienígena em questão, o que ¿ 
o prim eiro pasao para que se in terp re te as su as m ensa­
gens e significações Há urna certa universalidade nos 
Símbolos artísticos, que perm item que as barreiras im­
postas pelas línguas d iferentes sejam derrabadas.
Dissemos que h á um a certa universalidade em tais 
Símbolos porque, náo se pode esquecer, tam bém eles 
são forjadas a partir de vivências cu ltu ra is próprias, e
70
nena sempre são acessíveis a ou tras culturas. Por exem­
plo: para o ouvido ocidental é algo difícilapreender e 
sen tir o» padrões musicais do oriente (estabelecidos so­
bre escalas e harm onias d iferen tes), já que os nossos 
sentim entos, em termos m usicais, foram educados sob 
e s tru tu ras radicalm ente distinta* E difícil para os 
nossos sentimento® encontrarem , n a m úsica tipicam en­
te oriental, Símbolos que lhes sejam expressivos. Con­
tudo, como existe um a certa correspondência en tre os 
Símbolos estéticos das diversas cu ltu ras, eles se tom am 
um excelente meio de acesso à "visão de m undo” de 
outros povos
Porém, este fato funciona como um a faca de dois 
gumes. Pois através da arte a m oderna civilização 
Industrial (especialm ente com relação aos países hege­
mônicos) tem penetrado em diferentes cu ltu ras com o 
in tu ito de am oldar-lhes os sentim entos E isto com a 
finalidade de condicionar e form ar novos mercados para 
os seus produtos, para a sua dominação econômica. 
Q uando um povo abandona os seus padrões estéticos era 
favor de padrões estrangeiros — brotados de condições 
diversas de vida —. deixa de sen tir com clareza Perde- 
se em Símbolos que náo lhe sáo to talm ente expressivos, 
acabando por produzir um a a rte am orfa, Inexpressiva e 
sem vida.
E necessário cuidado quando se m anipula, em te r­
mos educacionais, as artes produzidas por outros povos. 
Porque m ais do que agentes educacionais, podemos estar 
nos tornando agentes invasores: instrum entos de do­
m inação a serviço de prioridades econômicas estrangei­
ras. Fundam ental, então, se to rn a a estim ulação em 
torno de nossos próprios padrões estéticos. Especial­
m ente o folclore, que é a expressão brotada das mais 
p rofundas raízes cu ltu ra is de um povo, deve ser conhe­
cido. Conhecer o nosso folclore é lr buscar, lá onde o
71
povo en fren ta a lu ta pela sua vida, os sentim entos de 
nossa cultu ra . Relegá-lo a planos inferiores, classiíicá- 
lo de “a rte m enor” ou “coisa de incultos ", 6 fazer o jogo 
da dom inação e destruição cultural.
Apontamos assim alguna dos elem entos educativos 
contidos no bojo da expressão artística . Estes sao ob 
fundam entos filosóficos que embasom a utilização da 
a rte como veiculo educacional. É preciso que se en ten­
da. então, o que afirm am os nas prim eiras páginas: que 
arte-educaçào náo significa o trem o p ara alguém se 
to m ar um a rtis ta . Ela pretende ser um a m aneira mais 
am pia de se abordar o fenómeno educacional, conside- 
rando-o não apenas como transm issão simbólica de 
conhecimentos, m as como um processo formativo do 
hum ano. Um processo que envolve a criação de um 
sentido p ara a vida, e que emerge desde os nossos sen­
tim entos peculiares.
A escola hoje se caracteriza pela imposição de 
verdades Já prontas, às quais os educandos devem se 
subm eter. Náo h á ali um espaço para que cada um 
elabore a sua visáo de mundo, a p a rtir de sua situação 
existencial A escola ensina respostas. Respostas que. 
n a m aioria dos casos, não correspondem ás perguntas 
e inquietações de cada um. As verdadeiras dúvidas dos 
alunos não chegam sequer a ser colocadas, pois o 
professor já sabe o que todos devem ou nào saber, an te ­
cipadam ente. Reproduz-se a cisão da personalidade, 
presente cm noasa civilização cria-se um "m undo teó­
rico, abstrato", que serve apenas para fazer provas e 
"passar de ano”, e que nào se a rticu la à vida vivida dos 
estudantes. H á um fosso profundo en tre o que se fala 
e o que se faz E ntre a teoria e a prática.
Através da arte . no en tan to , o indivíduo pode ex­
pressar aquilo que o inquieta e o preocupa Por ela este 
pode elaborar seus sentim entos, p ara que h a ja um a
72
evolução raaLs in teg rada entre o conhecim ento simbó­
lico e seu próprlo “eu". A a rte coloca-o frente a frente 
rom a questão da criação: a criação de um sentido pes­
soal que oriente sua ação no mundo.
Por isso. n a arte-educação. o que im porta não é o 
produto final obttdo; náo é a produção de boas obras 
de a rte Antes, a atenção deve recair sobre o processo de 
criação. O processo pelo qual o educando de ve elaborar 
seus próprios sentidos em relação ao m undo á 3ua volta. 
A finalidade da arte-educação deve ser, sempre, o de­
senvolvimento de urna cotuaéncia estética.
E consciência estética, ai, significa m uito m ais do 
que a simples apreciação da a rte Ela compreende jus­
tam ente um a a titude m ais harm oniosa e equilibrada 
peran te o mundo, em que os sentim entos, a im aginação 
e a razão se in tegram ; em que os sentidos e valores dados 
à vida são assumidos no agir cotidiano. Compreende 
um a a titude onde náo existe "d istância en tre intenção 
e gesto", segundo o verso de Chico Buarque e Ruy 
G uerra Em nossa a tu al civilização (a n tie s té tic a por 
excelência), consciência estética significa urna capací 
dade de escolha um a capacidade critica para não ape­
nas se subm eter à imposição de valores e sentidos, mas 
para selecioná-los e recriá-los segundo nossa situação 
existencial.
Segundo Loweníeld e B n tta in , dois arte-educado­
res norte-am ericanos, " . . . o que é necessário ao desen­
volvimento da consciência estética náo é a apreciação 
de determ inado quadro ou objeto, nem. necessariam en­
te, o ensino de certos valores adultos ou de um vocabu­
lário p a ra descrever obras de a rte A consciência esté­
tica será mais bem ensinada a través do aum ento da 
conscientização pela criança do seu próprio eu e de 
m aior sensibilidade ao próprio melo.” < Desenvolmmen-
73
to da Capacidade Criadora. 8élo Paulo. Meatre Jou. 1077. 
p. 397.)
A rte-educação não dcvc significar, finalm ente, a 
m era Inclusão da "educação a rtís tica" noa currículos 
escolares Porque, em se m antendo a a tu a l e s tru tu ra 
{com partim entada e rac ionalista) de nossas escolas, a 
a r te ali se to m a apenas um a disciplina a m ais entre 
ta n ta s ou tras O que está em jogo é a p ró p n a estru tu ra 
escolar. onde a educação — entendida como um a a t i ­
vidade lúdica, fundada na relaçáo e no diálogo — foi 
transfo rm ada em ensino: um despejar de respostas pré- 
fabrteadas a questões percebidas como absolutam ente 
irrelevantes pelos educandos.
A educação é, por certo, um a atividade p ro funda­
m ente estética e criadora cm si própria. Ela tem o 
sentido do Jogo, do brinquedo, em que nos envolvemos 
prazerosam ente em busca de um a harm onia. Na educa­
ção Joga-sc com a construção do sentido — do sentido 
que deve fundam en tar nossa com preensão do m undo e 
d a vida que nele vivemos No espaço educacional com­
prom etem o-nos cum nossa "visão de m undo", com nossa 
palavra Estam os ali em pessoa — um a pessoa que tem 
os seus pontos de vista, suas opiniões, desejos e paixões 
Não somos apenas veículos p ara a transm issão de idéias 
de terceiros: repetidores de opiniões alheias, neu tros e 
objetivos. A relação educacional é, sobretudo, um a rela­
ção de pessoa a pessoa, h u m an a e envolvente.
Ocorre porém que esta relação educacional teve de 
ser racionalizada por exigência da m oderna organiza­
ção industria l. O educador se transform ou em profes­
sor: um funcionário que deve to rn a r o seu trabalhe 
objetivo e racional. C riaram -se os meios de controle 
e gerenciam ento da atividade educativa: disciplinas, 
currículos, cargas-horárias. controle de presenças, etc. 
J á não devemos dizer a naaaa palavra; somos apena
74
peças na m aquinaria escolar. Devemos nos adapta i' a 
institu ição , mesmo quo, p a ra tan to , deixemos de ser 
educadoras e nos tornem os reprodutores de fórm ulas 
prontas
K.sTr, o conflito em que estam os metidos a té a alm a. 
Como realizar um a educação de m aneira lúdica e esté- 
ticu em instituições fundadas sobre o u tilitarism o? Como 
ser uno educador quando o que se exige é um professor 
burocrata? Como realizar um a verdadeira artc-educa- 
çào? Confesso não te r receitas p a ra solucionar a ques­
tão. Apenas acredito na lu ta Na lu taIncessante que se 
trava no interlo: da escola, fren te aos alunos, para que 
«c rom pa o modelo impositivo e au to ritá rio criado. Creio 
na lu ta que derrube o to talitarism o im plantado nas 
instituições educacionais: tudo já está pré-decidido, 
desde oa m onstruosos currículos a tó a forma de ae mi» 
n is tra r as aulas. Creio na liberdade de expressão, g a ran ­
tida a todos: m estres e discípulos. Porque arte-educa- 
çáo, no fundo, n ad a m ais é do que o estim ulo para que 
cada um exprim a aquilo que sen te e percebe. A p a rtir 
desta expressão pessofd, própria, é que sr pode vir a 
aprender qualquer tipo de conhecim ento construido por 
outros.
Seria in teressan te term inarm os com um a citação 
de H erbert Read. o pensador inglés que deu as primei 
ras diretrizes à arte-educaçáo. Disse ole, em 1943, quan 
do propôs a sua educação através da arte:
'Deve com preender-se desde o começo que o que 
tenho presente nào é sim plesm ente a ‘educação a r t ís t i­
ca como tal, que deveria denom inar-se m ais apropria 
dam ente educação visual ou p lástica , a teoria que enun 
ciarei abarca todas os modos de expressão individual, 
li te rá ria e poética «verbal) nao m enos que m usical ou 
auditiva, e form a um enfoque Integral ria realidade que 
deveria denom inar-se educação estética, a educação
7S
desses sentidos aobre os quais se fundam a consciência 
e, em últim a instância, a inteligência e o juízo do in­
divíduo hum ano. Somente na medida em que esses sen­
tidos estabelecem um a relação harm oniosa e habitual 
com o mundo exterior, se constrói um a personalidade 
integrada." (Educación Por El Arte. Buenos AiTes. 
Paidós. 1977 p. 33 )
Nossa personalidade ioi desintegrada; na explosão 
da scctedade industrial foi reduzida a cacos desconexos. 
A arte-educação é apenas um a (pequena i m aneira de 
te n ta r colar os pedaços das novos gerações. Uma utopia? 
Talvez. Mas há que se m anter aceso o sonho, para que 
se saiba aonde se quer chegar.
Resumo das Idéias Principais:
• A civilização industrial se funda na prim azia da razão 
e do trabalho e no mito da natureza infinita
• A a rte perm ite dirigir nossa atenção aos sentim entos 
e ainda contribui para o seu refinam ento.
• A a rte m antém acesa a im aginação e a utopia — um 
projeto de futuro.
• A arte perm ite um contato d ireto com os sentim entos 
de nossa e dc outras culturas.
• Arte-educaçáo náo significa apenas a inclusão da 
a rte nos currículos escolares.
• Arte-educaçáo tem a ver com um modelo educacional 
fundado na construção de um sentido pessoal para a 
vidn que seja próprio de cada educando.
76
A ARTE-EDUCAÇAO ENTRE NOS
Resta-nos agora ten ta r levantar algum as questões 
conccrncntcp ao emprcgo da arte no ensino brasileiro 
Aj>esar de algum as experiências pioneiras neste setor
— como a ‘Eacollnha de Arte” fundada cm 1948, no Rio 
de Janeiro, por Augusto Rodrigues —, no ensino oficial 
a arte continua relegada a segundo ou terceiro plano
Historicam ente sempre tivemos aqui a educação do 
colonizador. Isto é, aquela que despreza as condições 
específicas da te rra e procura Impor a visão de m un­
do que interessa às minorias dominantes. Nosso projeto 
educacional esteve, desde o início, voltado à inculcação 
de valores pragm áticos; de valores que tinham a ver 
apenas com a produção de bens de consumo. Copiáva­
mos (e copiamos) modelos de “desenvolvimento" ba­
seados em experiências de outras cu ltu ras e que. ao 
serem transplantados para cá, sofrem sérias distorções, 
gerando verdadeiros descalabros, especialmente edu­
cacionais
Neste sentido a a rte sempre foi vista como "artigo 
de luxo”, como um ''acessório" cu ltu ral; coisa de deso­
cupados O verdadeiro ensino da a rte foi reservado às 
horas de ócio das classes superiores, dando-se apenas 
nos "conservatórios'' e "academ ias” particulares. Na 
escola oficial a arte sempre en trou pela porta dos fun ­
dos e. ainda assim , de m aneira disfarçada. Teve ela de 
se disfarçar tanto que se tom ou descaracterizaria e 
deixou dc ser arte. Virou tudo desenho geométrico.
77
a rte s m anuais, a rte s industria is , arU>a dom ésticas, fan- 
la rras . etc. Tudo, menos arte.
Tsto porque o íim últim o de nosso ensino sem pre 
íoi a produção de mão-de-obra; o adestram en to du indi­
viduo p a ra o exercício de um a profissão (técn ica) lá 
tora, no m ercado de trabalho. N unca tivemos, por aquí, 
um a educação hum anista , pois ela não in teressa ao mo­
delo industria lista de desenvolvim ento adotado por 
nós. A escola sem pre foi vista como um a linha de p ro ­
dução onde se fabricam individuos m ecánicam ente 
adap tados ¿s exigências do industrialism o
Em 1971 prom ulgou-se a (tris tem en te ) fam osa Leí 
5.692/71, onde, verticalm ente, pretendla-su •m oderni­
zar" o nosso ensino. O seu objetivo ú ltim o sem pre foi — 
náo se pode negar a elim inação de qualquer critici- 
dade e criativ idade no se¡o da escola, com a concom i­
ta n te produção de pessoal técnico p ara as grandes 
empresas. As grandes em presas que, com as benesses 
oficiais, vinham de todo can to do m undo paru aqui se 
instalar em (um paraíso p ara elas, já que náo haviam 
greves, sindicatos, reivindicações, e tc .). H avia que se 
preparar, desde os níveis m als elem entares, um pessoal 
que. não tendo um a visão to ta lizan te e critica da cu ltu ­
ra onde estavam , trabalhassem sem causar grandes 
problemas. Foi criado então, sem qualquer in fra -e s tru ­
tu ra , o ensino profissionalizante.
Porém , p ara ocu ltar um pouco o seu ca rá te r doines- 
Ucador, a Lei 5.692/71 trouxe no seu bojo algum as novi­
dades, coino a ins titu ição da educação artística . Antes 
dela tínham os n a escola a lgum as disciplinas que 
possuiam o term o "a r te " cm seu norue. E o caso das 
•'artes industria is", onde se ap rend ia a fabricar obje­
tos "úteis", ou das "a rtes dom ésticas", onde se ap ren ­
dia a cozinhar, a bordar, etc. O u a inda as au las dc 
m úsica (às vezes denom inadas "can to orfeónico"), em
7*
que o aluno can tava , com o acom panham ento do 
m estre, os hinoa do País. Mas. com a Leí. a a r te -educa­
ção foi "oficializada" nas escolas — ao lado da profis­
sionalização pragm ática
No en tan to , se mesmo a p arte técnica dos novoa 
currículos náo pôde ser satisfa to riam en te Im plantada 
(devido á absoluta ausência dc um a In fra -estru tu ra 
económica e h u m an a ), menos a in d a puderam ser os 
parcos horários destinados á arte . Funcionado m uitas 
vezes em precárias instalações, a escola brasileira não 
dispõe, em prim eiro lugar, de condições p ara ab rigar um 
espaço apropriado ao traba lho com a arte . (Conheço 
escolas onde os alunos sentam -se em cadeiras com uns 
e são alfabetizados com um a tábua sobre o colo. onde 
apoiam os cadernos.) O rganizada a in d a de m aneira 
form al e burocrática , onde o que im porta são os "disci 
p linas sérias", a e s tru tu ra escolar relegou a educação 
artís tica a se to rn a r urna disciplina a muís den tro dos 
currículos tecm clstas, com urna pequena carga-horária 
sem anal (em geral duas h o ra s /au la ).
A a rte continua a ser encarada, no in terio r da 
própria escola, como um m ero lazer, u m a distração 
en tre as atividades "ú te is * das dem ais disciplinas O 
próprio professor de a r te é visto como “pau p ra toda 
obra", como um "quebra-galhos". F reqüentem ente ele 
é obrigado a ccdcr suas au las p ara "au las de reposição' 
de ou tras disciplinas, quando náo lhe é delegada a in ­
cum bência de "decorar'' a escola e os "carros-alegóri* 
eos" p ara as festividades cívicas N este sentido faz-se 
to ta lm en te Inócua a d isciplina “educação a rtís tica" , já 
que toda a e s tru tu ra física, bu rocrática e ideológica da 
escola está organizada n a direção da im posição c do 
cerceam ento da criatividade.
Com a im plantação da Leí 5.692/71 m ultip licaram -se os curso3 de form acáo p ara o arte-educador. Mas,
79
apesar de já existirem .pessoas diplom adas na área, 
a inda m uitos leigos vêm ocupando o cargo de profes­
sor de arte. Quer dizer: o próprio Estado dá um jeito 
de b u rla r a legislação em vigor, criada por ele mesmo 
(o que diz m uito, a favor de m inha tese de que a “edu­
cação a rtís tica”, nos currículos, é “só p ra d isfarçar").
O utro grave problem a é que. pela legislação em 
vigor, a “educação a rtís tic a '' com preende as áreas de 
m úsica, tea tro e a rte s p lásticas Ocorre, porém, que é 
impossível form ar-se um professor que dom ine in teg ra l­
m ente a5 três áreas, e isto gera deficiências no trabalho 
efetivam ente desenvolvido. O ideal seria, certam ente, a 
constitu ição de um a equipe de professores onde cada 
um se responsabilizasse por un ia área especifica. Ideal 
talvez im praticável, a con tinuar o to ta l abandono da 
educação em que estamos, em term os de verbas oficiais.
Todo este quadro de desvirtuam ento da arte-edu- 
cação que pincelam os nas linhas anterio res acaba por 
g era r situações sum am ente perniciosas. Como, por 
exemplo, a en trega de desenhos e contornos já prontos 
p a ra o a luno colorir ou recortar. N esta atividade escon­
de-se um a su til im posição de valores e sentidos. A m en­
sagem sublim inar que ela encerra, e que é tran sm itida 
ao aluno é: “você é Incapar de desenhar por si próprio, 
de c ria r qualquer coisa; você deve se re s tring ir aos lim i­
tes im postos pelos m ais capazes”. A este respeito, co­
m entam Lowenfeld e B ritta in :
"Expor um a aprendizagem artís tica que inc lua tais 
tipos de atividades é pior do que não dar aprendizagem 
algum a. São atividades pré-solucionadas que obrigam 
as crianças a um com portam ento im itativo e inibem 
su a própria expressáo criadora; esses trabalhos não 
estim ulam o desenvolvim ento emocional, visto que 
qualquer variação produzida pela en an ça só pode ser 
um equívoco; não incentivam as aptidões, porquanto
80
estas se desenvolvera a p a rtir da expressão pessoal. Pelo 
contrário, apenas servem para condicionar a criança, 
levando-a a aceitar, corao arte , os conceitos adultos, 
um a a rte que é incapaz de produzir sozinha e que, por­
tan to , fru s tra seus próprios im pulsos criadores.” (D e­
senvolvim ento da Capacidade Criadora, p. 71).
E a inda e comum encontrar-se, nas au las de arte, 
a proposta de confecção de presentes p ara o “dia dos 
pais", ‘das m ães", “das crianças”, etc. Além de. em 
geral, serem “presentes" pré-fabricados, que o aluno 
deve reco rtar, colar e colorir, reforça-se a a titu d e con- 
sum ista presente en tre nós. T ransm ite-se, sem questio­
nam entos. um a ideologia de consum o que in s titu iu se­
m elhan tes da tas com fins estritam en te lucrativos E 
o que é pior: impõe-se ta is valores mesmo às crianças 
o riundas de classes sociais extrem am ente carentes, le­
vando-as a assim ilar modelos que ocultam suas reais 
condições de vida. Lembremo-nos: arte-educação signi­
fica expressar os sentim entos e sentidos oriundos da 
vida concretam ente vivida, e não a im itação dos valores 
alheios.
U m a o u tra a titu d e perniciosa, tam bém encontrada 
freqüentem ente, é a avaliação do estudan te (por notas 
ou conceitos) em relação à sua “produçáo” artística . 
E sta a titu d e é m uito sem elhante àquela de se promover 
concursos de a rte infan til. Nesses concursos a escolha 
do “m elhor” traba lho é fe ita sem pre a p a rtir dos valores 
e padrões adultos que nad a significam (em term os esté­
ticos) p ara a criança. As crianças "não p rem iadas” 
quase sem pre se sentem rejeitadas e passam a ten ta r 
im itar e copiar as obras prem iadas, com o in tu ito de 
ag radar os adultos. Isto é: deixam de lado a sua expres­
são pessoal em favor de padrões exteriores a elas.
Como já afirm am os, na arte-educação náo im por­
tam tan to os produtos finais qu an to o processo de
81
criação e expressão Mas parece que os professores ainda 
insistem n a sua visão u tilita ris ta do m undo: valori­
zando o objeto produzido. E o que é p io r: valorizando-o 
em term os dos seus padrões de beleza, que não têm a 
m ínim a significação para a criança
É interessante notar-se tam bém que ta is “padrões 
de be leza", hoje, têm m uito a ver com a massificação 
produzida pela televisão en tre nós. Porque, dc repente, 
o País viu-se invadido pelos padrões estéticos veiculados 
através da televisão, que partem quase que exclusiva­
m ente dos centros economicamente m ais desenvolvidos. 
Se o acesso de grande parte da população à atividades 
cu ltu rais (cinem a, teatros, concertos, exposições, etc.) 
já e ra escasso, com a televisão (um meio m ais barato 
de lazer» ele se tornou ínfimo. Assim é que a televisão, 
penetrando nos mais recônditos cantos da Nação, a fas­
tou as pessoas das m anifestações artísticas populares e 
regionais. Impòs-lhes conceitos de beleia que se choca­
vam com aqueles nascidos de suas vivências concretas. 
Abriu-se mão, então, das tradições cu ltu ra is em favor do 
'm oderno” que é veiculado n a pequena tela. (“ Bye bye 
Brasil", filme dc Carlos Diegues, é um excelente re tra to 
deste processo).
Ora, isto fez com que ce próprios professores de arte 
tam bém aspirassem àquele fantástico m undo de plum as 
e brilhos, de acrílico e luzes. Aquilo sim é que é beleza! 
Todos, então, devem produzir a r te em conformidade 
com os padrões televisados, que passaram a ser os cri­
térios norteadores da avaliação artística . É bastan te 
comum, no in terio r de nossas escolas, o trabalho com a 
a rte ser pau tado nos program as de TV. Vai-se m ontar 
um a pequena peça? Por que não decalcá-la n a “novela 
das oito”? Vai-se dançar? Por que náo como as baila­
rinas que abrem aquele outro program a? E assim por 
d ia n tr ..
82
O resum ido díalo é o abandono de padrões pesabais 
c regionais de expressão. É o nivelam ento cu ltu ra l por 
baixo. E u Imposição de urna form a de expressão "im ­
portada , que pouco tem a ver com as paixões e desejos 
de cada um. É como vestir um a roupa de gala dois 
núm eros além do nosso; na ilueáo de estarm os bem- 
vestidos não percebemos o ridículo de nossa figura. 
¡Pode parecer Incrive), mas já vi urna íesta jun lna, 
iiurna « c o la infantil, aer anim ada pelo "som disco* 
teque").
£ necessário «? recuperar, no interior das escolas, a 
expressão pessoal — tan to por p arte dos alunos quanto 
dos professores. Tornam o-nos um País com medo: medo 
da divergência dos padrões oficiais impostos. Assim, é 
mais "seguro '’ repetir fórm ulas e conceitos •obje­
tivos"; é mais seguro" ser estritam en te "cientifico" e 
"neu tro”, pois evitamos o com prom etim ento com nossa 
própria palavra, com nossos próprios valores Tomos 
cada vez m ais corrido a trá s de novidades pedagógicas 
em term os de técnicas: d inám ica de grupo, àudio-vi- 
suals, avaliações objetivas, etc., sem, no entanto , preo­
cuparm os-nos com os f im da educação. Sem d iscu tir­
mos o que, como e porquê ensinar. Substituím os a 
opinião pessoal por um palavrório oco e inautêntico, que 
tom am os dos livros-textos e o repetim os infinitam ente, 
m agantem ente
Se nas disciplinas técnicas esta postura de nào 
com prom etim ento, de "neu tra lidade". Já é um a distor­
ção da relação educacional, o que dizer da educação 
artística , cujo fim deveria sei justam ente a expressão 
dos sentidos pessuais? A im itação e o adestram ento 
atingem aí, as ra ias do delíno, pois o que im porta, para 
m uitos professores, é o aluno seguir o modelo dado por 
eles Ê copiar a •arte '' proposta pelo m estre: fazer ura 
desenho igual ao que está na lousa, p in ta r a figura mi-
83
m eografada recortar os contorno» já traçados, escrever 
um poema baseado em outro dado. etc.
Não quero p in ta r aqui um quadro extrem am ente 
sombrio da arte-educação en tre nós, potscreio que 
m uitos vém lu tando para a lte ra r esta < cies)ordem de 
coisas. Vém lu tando para transfo rm ar não só a educação 
artística , mas o próprio modelo de ensino a que estamos 
submetidos. Mas é preciso, sem pre e sempre, denunciar­
se esta educação voltada à submissão, à docilidade. Lem­
bremo-nos: o a to criador é rebelde e subversivo — é. 
sobretudo, um ato de coragem Coragem de não se acei­
ta i o estabelecido, propondo um a nova visão, um a nova 
ordem, um a nova correlação de forças.
Precisamos destru ir esta visão de educação como 
um a guerra en tre professores e alunos Uma guerra que 
levou um a certa diretora de um a escola de 1." g rau a 
propor ao professor de educação artística do estabeleci­
m ento: ' como esta classe ê m uito difícil de se dominar, 
sugiro-lhe que coloque várias receitas de bolus e pastéis 
no cuadro-neRro, e os obrigue a copiar em silêncio",
Não precisamos mais de fórm ulas e receitas educa­
cionais — precisam os sim é de um comprometim ento 
hum ano, pessoal, valorativo, com a educação e a Nação. 
Precisamos de um a real arte-educação, e náo dc um a 
"arte cu linária ’. U m a arte cu linária cuja receita princi­
pal é cozinhar-se em fogo brando os corações e mentes 
d a s novas geraçõet, para eervl-los d o grande banquete 
do desenvolvimento industria lista
Resum o da» Idéias Principais."
* Nosso modelo educacional sempre assentou-se sobre 
bases u tilita ris tas e pragm áticas.
* A Lei S 692/71 teve como finalidade principal a pro-
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duçâo de mão-de-obra acritica. p ara o modelo dc 
desenvolvimento que adotamos
• Apesar de existir n a le tra da Lei, a atte-edueação no 
Brasil está relegada a ser m era disciplina "decorati­
va" nos currículo*.
• Neste contexto a arte-educaçáo acaba sendo usada 
como mais um a imposição de valores e modelos 
alheios ao educando.
• O papel homogeneizante da televisão se reflete tam ­
bém no in terior da artr-cducaçào
• A educação, especialm ente no campo artístico, não é 
um a atividade “n eu tra" , m as implica na expressão 
pessoal de valores, sentim entos e significações.

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