Prévia do material em texto
OFICINAS PSICOPEDAGÓGICAS AULA 3 Profª Izabela de Gracia Yabe 2 CONVERSA INICIAL O brincar está presente nas discussões sobre educação, práticas pedagógicas e psicopedagógicas. Fala-se muito sobre a importância do brincar na educação infantil e de seu resgate nas práticas pedagógicas no ensino fundamental, além de sua utilização no trabalho psicopedagógico. Quando as questões lúdicas são abordadas, o brincar e o jogar estão presentes e, em geral, são tomados como sinônimos. Diferentes autores apresentam definições sobre o jogo, que se aproxima da brincadeira, mas também se diferencia de forma sutil. Vamos refletir sobre essas definições na busca pela compreensão sobre o tema. O jogo e o jogar são atividades importantes para o desenvolvimento infantil, tanto quanto o brinquedo e a brincadeira. Estão presentes no cotidiano das crianças, adolescentes e adultos, seja em casa, na escola ou em outros espaços, sendo fundamentais na intervenção com as oficinas psicopedagógicas, por possibilitarem a aprendizagem. TEMA 1 – O BRINCAR, OS BRINQUEDOS E AS BRINCADEIRAS O brincar é uma necessidade interior do ser humano e, portanto, intrínseco ao processo de desenvolvimento. A criança, desde cedo, demonstra um impulso para explorar, experimentar e descobrir. Esse impulso direciona suas ações para com os outros e para os objetos disponíveis em seu ambiente. As brincadeiras e os jogos possibilitam o exercício de pegar, explorar e interagir com todas as suas possibilidades. Nós, adultos, também usamos recursos naturais de exploração para conhecer os objetos ao nosso redor, ou seja, de certa forma, brincamos com os recursos apresentados nas nossas dinâmicas de vida, descobrindo suas inúmeras funções. Brincar, então, passa a ser considerado como uma ação fundamental para o ser humano, independentemente de sua faixa etária. A interação com os brinquedos aprimora nossas funções psicológicas superiores, a expressão de nossos sentimentos e nosso entendimento de mundo, relacionando-nos de maneira mais adequada com todos ao redor. Frente a um brinquedo, entendido como um objeto que dá suporte à brincadeira, as ações da criança são exploratórias. Ela vai, com seu corpo, seus sentidos e de acordo com suas possibilidades psicomotoras e faixa etária, 3 segurar, amassar, morder, cheirar, apertar, jogar, chutar etc.; enfim, interagir com o brinquedo até conhecê-lo. O brinquedo pode ser confeccionado com um objetivo pré-estabelecido, mas também pode ser um objeto qualquer ao redor da criança, que atraia sua atenção para estabelecer uma brincadeira. Dessa maneira, deve-se entender como brinquedo qualquer suporte para as brincadeiras, a ludicidade da criança, seja industrializado, pedagógico ou improvisado (caixa, colher, panela, tampa etc.). É importante que a criança explore cada um dos elementos em suas brincadeiras, para descobrir as potencialidades de utilização do próprio corpo. Ao adulto caberá o papel de mediador, orientando e selecionando os materiais que serão apresentados à criança para estimulá-la, cada vez mais, a brincar. Muito embora o impulso natural de interação com o objeto parta da criança, o responsável por prover essa exploração de maneira estimulante é o adulto. Sendo assim, é de extrema relevância propiciar à criança diferentes experiências, com diferentes suportes. Nessa ação exploratória, a criança vai descobrindo o que é aquele objeto, para que serve, quais são as suas características. Essa descoberta se dá por meio da experimentação das possibilidades de utilização; e mediante o domínio de determinado objeto, outras possibilidades são criadas, brincadeiras são inventadas, utilizando sempre o corpo, explorando e testando seus limites. À medida que a criança conhece o objeto apresentado, ela passa a dominar suas ações, os movimentos do próprio corpo e a potencializar as brincadeiras originadas com esse suporte. A ação de dominar o material, de conhecer as suas funções e possibilidades é o que vai estimular seu desenvolvimento, tornando suas atividades mais complexas. TEMA 2 – A SELEÇÃO DE BRINQUEDOS E BRINCADEIRAS: CRITÉRIOS PARA ESCOLHA A seleção de brinquedos ou objetos que servirão de suporte para a ação de brincar é uma tarefa que exige responsabilidade e sensibilidade. Os critérios para sua escolha, aquisição e utilização devem ser bem estabelecidos, como veremos a seguir. 4 2.1 Segurança É preciso verificar a resistência do material, pois a possibilidade de quebras traz insegurança, medo de brincar, culpa e frustração, reprimindo o impulso natural de exploração. O selo do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) é uma garantia de que o brinquedo foi testado e não apresenta riscos para a criança. Ainda na caixa, o adulto poderá encontrar uma etiqueta que indica a faixa etária mínima adequada para manusear e explorar o material. Figura 1 – Modelo de selo de conformidade (Inmetro) Fonte: Inmetro, 2003. Diante da quebra do material, é preciso deixar a criança tranquila. É importante que o adulto apresente um ambiente harmonioso, destacando que é natural um material se quebrar. Além disso, o adulto responsável deve checar a presença de pontas e arestas que podem machucar quem brinca e, ainda, a presença de peças destacáveis e pequenas, as quais podem ser ingeridas e causar engasgos. Se o brinquedo for confeccionado em madeira, por exemplo, verifique se está bem lixado, se é pintado, para evitar que a criança se machuque. Se são brinquedos de plástico, é preciso evidenciar se é muito duro, com pontas ou arestas. 5 Observe, também, se o material apresenta peças pequenas que podem ser destacadas pela criança e levadas à boca, ou mesmo colocadas nas narinas e ouvidos. A regra é que, quanto menor a criança, maior deve ser o brinquedo e menos detalhes deve ter. O material deve ser atóxico, antialérgico e lavável. A caixa do brinquedo deve apresentar informações quanto aos elementos químicos utilizados e às possibilidades de higienização. Todos os brinquedos devem permitir sua higienização com frequência, tendo em vista que a criança os usará em diversos ambientes. Deve-se ter atenção também às embalagens plásticas, como sacos e sacolas, bem como cartuchos de papel, barbantes e cordas que possam sufocar ou enforcar, os quais devem ser evitados. Outros critérios devem ser considerados ao escolher um brinquedo para uma criança: Nível de desenvolvimento indicado; Interesse dos sujeitos; Capacidades psicomotoras e perceptuais; Objetivos a atingir e possíveis dificuldades que vão exigir adaptações. TEMA 3 – O JOGO NAS OFICINAS PSICOPEDAGÓGICAS: UMA VISÃO CONSTRUTIVISTA Embora possibilite diversão, o jogo não deve ser visto como mero passatempo ou atividade puramente distrativa, visto que exercita as funções psicomotoras e cognitivas e a afetividade, configurando-se em atividade psicopedagógica de grande valor educacional, estimuladora do desenvolvimento e possibilitadora de aprendizagem. O jogo está presente no contexto das oficinas psicopedagógicas, sendo entendido e utilizado sob uma visão construtivista. O objetivo do jogo é pedagógico, ou seja, não se trata de uma atividade meramente distrativa. Ele pode, em alguns momentos na vida cotidiana, ser utilizado como passatempo, mas no contexto do trabalho psicopedagógico ou nas atividades pedagógicas em sala de aula, ele possui objetivos muito bem definidos. Entretanto, esses objetivos não devem se sobrepor ao prazer que o jogo desperta no sujeito; ou seja, a capacidade de explorar e se divertir deve ser mantida. 6 O jogo é uma atividade voluntária que se desenvolve num tempo e num espaço determinado, seguindo regras obrigatórias, mas não impostas, e sim previamente acordadas, com objetivos definidos,acompanhadas por sentimentos de tensão, prazer e desafio, sendo percebido como distinto da rotina e das obrigações cotidianas. Existem regras nos jogos, e elas são previamente acordadas, ou seja, devem ser compreendidas, e não impostas. Dessa maneira, liberdade e direito de escolha caminham juntos diante de um jogo numa oficina psicopedagógica. Além disso, o jogo deve ser desafiante, despertar prazer e desprazer, diante dos erros e acertos, ou das situações de perder. Pode ser jogado várias vezes, inclusive para melhorar a performance. Atualmente, existe uma variedade significativa de jogos à disposição para atender os objetivos didático-pedagógicos traçados pelos profissionais. Selecionar esse material, levando em consideração as possibilidades de experimentação, exploração e exercícios, é fundamental para o trabalho. Piaget classifica os jogos em: de exercício, simbólicos e de regras. Durante um jogo de regras, os participantes solucionam uma situação-problema, orientados por regras que direcionam as ações implementadas para atingir o objetivo. A classificação estabelecida por Piaget possibilita a compreensão de como os jogos devem ser utilizados. Figura 2 – Jean Piaget Fonte: Wikipedia, 2019. 7 3.1 Jogo de exercício Os jogos de exercício normalmente estão presentes na vida da criança na fase de zero a dois anos. Nunca deixam de existir, mas são modificados conforme seu crescimento e desenvolvimento, e ela vai escolhendo outras formas de jogar. Esses jogos geralmente são de exploração, os quais exercitam suas funções psicomotoras. Assim, com base em ações de tocar, pegar, amassar, jogar, colocar na boca etc., a criança vai conhecendo o meio que a cerca e os respectivos objetos que fazem parte do ambiente. É muito comum que a exploração desses jogos esteja associada a repetições de ações e verbalizações. Por exemplo, uma criança com cerca de seis meses, sentada no cadeirão, pega um objeto e o lança no chão. A mãe o pega do chão e devolve à criança, que repete a ação; e assim acontece inúmeras vezes. A criança está testando limites, possibilidades do seu corpo e experimentando o objeto. A repetição só irá acabar quando ela esgotar todas as suas possibilidades. E assim é feito com todos os materiais. Quando está no chão, ela engatinha, vai em direção ao brinquedo, toca, explora, utiliza o corpo na exploração, domina o objeto e vai, então, para outro objeto. 3.2 Jogo simbólico Conhecido por nós, brasileiros, como “jogo do faz de conta”, é o momento em que uma criança de dois a sete anos usa brinquedos e jogos numa perspectiva mais simbólica. Dessa maneira, serão trazidas à tona brincadeiras de faz de conta, nas quais, por exemplo, uma caixa de papelão torna-se um carrinho; a criança usa fantasias de super-herói ou gosta de se imaginar como princesa, entre outras possibilidades. Histórias lúdicas e imagináveis são muito apreciadas, e imitar as atividades do dia a dia de suas figuras de referência (pai, mãe, avós, tios, professores, amigos) também é saudável. Trata-se de um momento muito rico no que tange ao desenvolvimento e à aprendizagem do sujeito. 3.3 Jogo de regras O jogo de regras apresenta um desenvolvimento muito significativo para a criança a partir dos sete anos, tendo em vista que exige um pensamento mais 8 elaborado. Com o nível de discernimento, reflexão e organização do pensamento, a criança usará esses jogos, principalmente os de desafio. Durante um jogo de regras, os participantes solucionam uma situação-problema, orientados por regras que direcionam as ações implementadas para atingir o objetivo traçado. TEMA 4 – BRINQUEDOS E JOGOS COMO RECURSOS PSICOPEDAGÓGICOS Brinquedos e jogos são importantes recursos psicopedagógicos nas práticas educacionais da escola e nas práticas psicopedagógicas desenvolvidas na intervenção. A ação de jogar ou brincar desafia o sujeito, coloca em movimento suas funções cognitivas, psicomotoras, afetivas, promovendo aprendizagem e desenvolvimento. Nas oficinas psicopedagógicas, o brincar e o jogar estão presentes o tempo todo, permitindo o exercício das funções cognitivas, psicomotoras, psicológicas superiores, da afetividade e exploração do sujeito, permitindo que ele aprenda e se desenvolva. Dessa maneira, é fundamental que o profissional contemple a ideia de que essa linguagem está presente, o tempo todo, no contexto do trabalho pedagógico e psicopedagógico. As funções necessárias para a ação de brincar ou jogar são estimuladas pelo brinquedo. Enquanto brinca ou joga, a criança aprende e se desenvolve, despertando processos internos, relações novas e mais complexas entre significantes e significados, entre objetos e ações que se estabelecem. Os brinquedos e os jogos, no trabalho psicopedagógico, têm uma função primordial, pois permitem investigação, diagnóstico e intervenção. A intervenção consiste em provocar análise, reflexão, tomada de consciência dos erros, problematização, compreensão e superação das dificuldades. Ao brincar, a criança constrói conhecimentos com a mediação dos responsáveis. Avaliar, observar, analisar as situações, as brincadeiras e a maneira como utilizou os materiais disponíveis possibilita a reflexão, junto com a criança, sobre a conduta adotada, os pensamentos e sentimentos colocados em movimento, as funções psicomotoras aplicadas etc. Assim, é possível que o profissional pense acerca das intervenções, do planejamento, dos objetivos e dos materiais que serão utilizados nos próximos encontros. Dessa maneira, é preciso salientar que o trabalho de intervenção consiste, primordialmente, em definir os objetivos a atingir e escolher os materiais que irão promover a aprendizagem e o desenvolvimento do sujeito. Esses materiais, seja 9 jogos de exercícios, simbólicos ou de regras, têm como objetivo central promover o desenvolvimento e a aprendizagem. A cada novo encontro, atividades mais complexas serão propostas, as quais incentivarão a consciência de ascensão do pensamento e do conhecimento adquirido pela criança. TEMA 5 – A PROPOSTA DE LINO DE MACEDO COM JOGOS DE REGRAS Macedo, Petty e Passos (1997) apresentam uma prática construtivista de intervenção desenvolvida em quatro etapas, com jogos de regras em oficinas psicopedagógicas. Veremos cada uma a seguir. 5.1 Primeira etapa: exploração dos materiais e aprendizagem das regras A primeira etapa é caracterizada pela exploração integral do jogo. O mediador o apresenta, verificando se o grupo o conhece, depois conversa sobre o material que o compõe e suas regras. Trata-se do momento de falar sobre o jogo: de que material as peças são feitas, o tamanho e a quantidade das peças, outros jogos semelhantes, se já haviam jogado aquele jogo etc. É preciso refletir acerca do material, considerando suas características e detalhamentos. 5.2 Segunda etapa: prática do jogo e construção de estratégias Na segunda etapa, os participantes vão, de fato, jogar o jogo. O sujeito é colocado frente à situação do jogo, e o mediador realizará as intervenções necessárias. O profissional vai propor, então, que todos joguem e participem de acordo com as características, conhecendo as regras de determinado jogo. Se o grupo já o conhece, não é preciso retomar as regras, apenas iniciá-lo. É possível jogar quantas vezes forem necessárias, podendo chegar ao cansaço e desinteresse do grupo. 5.3 Terceira etapa: construção de situações-problema A terceira etapa é a construção de situações-problema com base nas situações de jogo, permitindo ao mediador analisar a estrutura de pensamento do jogador, fazendo intervenções, sugerindo mudanças, construindo conhecimentos e superando dificuldades. Trata-se do momento de compreender como foi para cada um dos sujeitos participar do jogo. Algumas perguntas podem nortear a mediação do profissional: 10 Como foijogar esse jogo? Quais foram as experiências desencadeadas? Em que momentos cada sujeito cometeu erro? Quais foram os erros cometidos? É a ocasião, também, em que o mediador constata como os pensamentos dos sujeitos estão estruturados, refletindo acerca das dificuldades apresentadas. 5.4 Quarta etapa: análise das implicações do jogar A quarta etapa consiste na análise da experiência vivenciada na prática do jogo. É o momento de avaliá-lo por parte do sujeito que o realizou. Nessa ocasião, o participante, para registrar sua opinião sobre o que foi feito, pode criar um gráfico, dar seu relato, fazer um registro escrito, estabelecendo conexões com sua rotina, episódios da vida, situações de sala de aula etc. Trata-se, então, de uma oportunidade fundamental de reflexão, análise e fechamento das atividades realizadas. NA PRÁTICA O jogo de dominó foi apresentado a um grupo de 10 crianças na faixa etária de 8 anos. Elas foram convidadas a manusear as peças do jogo e conversar sobre ele, mesmo que todas já o conhecessem. Exploraram as peças, conversando com o mediador sobre o material, tamanho, forma, número de peças, outras variações: dominó de figuras, sílabas, palavras, sinônimos, antônimos etc. Falaram sobre as regras e, em seguida, jogaram diversas partidas, exercitando essas regras. Depois problematizaram as situações de jogo e, com a mediação do profissional, construíram gráficos das partidas jogadas e das estratégias utilizadas pelos ganhadores. Finalizaram analisando as implicações do jogar, estabelecendo relações com as situações escolares e do cotidiano, experiências pessoais, sempre com a mediação do profissional. As crianças foram, então, estimuladas a trazer material para confeccionar o próprio jogo de dominó na próxima oficina. FINALIZANDO 11 O brincar e o jogar são atividades essenciais para os processos humanos de desenvolvimento e aprendizagem. Também são recursos de valor significativo para práticas pedagógicas e psicopedagógicas desenvolvidas em diferentes contextos. Durante o desenvolvimento da criança, formas diferentes de brincar e jogar vão se organizando de acordo com os estágios de sua vida. Segundo a concepção construtivista, seriam os jogos de exercício, simbólicos e de regras, e os três tipos estão presentes por toda a vida. Logo, tanto adultos quanto crianças brincam e jogam, mas de maneira diferente. Ao escolher jogos e brincadeiras, alguns critérios precisam ser considerados, como: segurança; faixa etária; nível de desenvolvimento; possibilidades psicomotoras; objetivos e interesses. Para brincar, é preciso ter suportes para a brincadeira, espaço físico e psicológico, além de tempo e mediação. 12 REFERÊNCIAS INMETRO – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia. Informação ao consumidor. 2003. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/consumidor/produtos/brinquedos2.asp>. Acesso em: 14 nov. 2019. MACEDO, L. Aprender com jogos e situações-problema. Porto Alegre: Artmed, 2000. MACEDO, L.; PETTY, A. L. S.; PASSOS, N. C. Quatro cores, senha e dominó: oficinas de jogos em uma perspectiva construtivista e psicopedagógica. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1997. WIKIPEDIA. Jean Piaget. 20 set. 2019. Disponível em: <https://en.wikipedia.org/wiki/Jean_Piaget>. Acesso em: 14 nov. 2019.