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C A P T U L O 111) A escolarização do letramento CfJ-Itú flVlIUV Stred os capítulos anteriores estabeleceram a natureza ideológica e cultural das práticas letradas. Neste capítulo, desenvolvo o tema com respeito a um estudo de caso de salas de aula e Inmunidades particulares nos Estados Unidos e o relaciono com debates mais amplos naquele país acerca do "letramento cultural" (Hirsch, 1987; Illoom, 1987). O capítulo foi escrito originalmente em colaboração com loanna Street e continuo a usar o pronome plural para indicar a natureza I'Olllpartilhada da pesquisa. A questão que nos incitou foi: se, como argu- rncntamos, existem múltiplos letramentos, como foi que uma variedade par- tkuiar veio a ser considerada como o único letramento? Em meio a todos IlS diferentes letramentos praticados na comunidade, em casa e no local de unbalho, como foi que a variedade associada à escolarização passou a ser li tipo definidor, não só para firmar o padrão para outras variedades, mas ínmbérn para marginalizá-Ias, descartá-Ias da agenda do debate sobre letra- IIIVl1l0?Letramentos não escolares passaram a ser vistos como tentativas 11leriores de alcançar a coisa verdadeira, tentativas a serem compensadas !'1·llIcscolarização intensificada. Nosso interesse é explorar os modos como, tanto em casa quanto 11/1 1"0( 'ola, iJS concepções dominantes de letramento são construídas e rcpro dlll',lclns dp lal maneira a marginalizar as alternativas e, sugcrlrtarnos, /I 1'111111'111111'os ilslWCIOScruclais d(' 11111\11I'11,1'111(' pensamento. Nossa IIlp611'SI' f' 11dI' 11111'li 111I'1'lIl1isIllOpOJ' IlI!'11I1111'111111!HII4IHllil'iCllclosI' liSOS dI' "11'11'/1 1111'11111"1I'@lllIi'IIII'!I'II' P"llI,1 f' II "l'l'djlHUI~I·'II.illl" dll 11'11'111111'11111.(:01111·,',11 /~ \ ~ ~ "~ "" ~ ~ ~ ~ CJ [ucrcrnos dlzer que () lelrllllWlIlO IkOIl 11','01111111111I1I IIIIIIH'II 1'111111111111111 de Ensino e Aprendizagem c àquilo que pl'o/i'I.IiIlII'" I' ,1111111111l,m'lIl 1111' escolas, em detrimento dos vários outros usos c slgllllh'lId()s dt'll'II'ilIlIl'1111I evidenciados na literatura etnográfica comparativa. Empregamos /)('c/U!/IJ gia não no sentido estrito de habilidades e estratégias do tipo usado [lI1I professores, mas no sentido mais amplo de processos institucionalízados di' ensino e aprendizagem, habitualmente associados à escola, mas cada V('~ mais identificados em práticas domésticas associadas à leitura e à escrtrn Seja observando interações adulto-criança, o desenvolvimento de brinque dos e softwares educativos em casa, ou os procedimentos associados [l( 1 ensino em sala de aula, pedagogia assumiu neste sentido o caráter de urna força ideológica que controla as relações sociais em geral e, em particular, as concepções de leitura e escrita. Este capítulo se organiza em torno de certos conceitos-chave, informa- dos por alguns dados ilustrativos provindos de trabalhos de campo empr endidos nos Estados Unidos durante o ano de 1988. Começamos com uma análise do que entendemos por "pedagogização" do letramento, sublinhan- do a especificidade cultural dessa forma com referência ao material com- parativo vindo de situações sociais em que o letramento não está associad à escolarização ou à pedagogia. Em seguida, descrevemos brevemente a escola e a comunidade de onde extraímos alguns dados ilustrativos; exa- minamos neste contexto alguns dos processos de pedagogização, como a objetificação da linguagem, os usos metalinguísticos, a etiquetagem do es- paço e procedimentos de sala de aula. Após sugerir algumas das maneiras de estudar como se efetiva a escolarização do letramento, concluímos com algumas sugestões sobre por que essa forma de letramento adquiriu tanta importância na sociedade contemporânea, focalizando a relação entre le- tramento, ideologia e nacionalismo. Por fim, tiramos algumas conclusões acerca de possíveis rumos para a pesquisa futura. Letramento sem escolarização Começamos definindo o que entendemos com a noção de diferentes "letramentos" e com a conceitualização do letramento fora da escola e da pedagogia. O letramento está de tal modo encaixado nessas instituições na sociedade contemporânea que, às vezes, é difícil nos desvencilharmos 1I1'111'jI' 11'11111111'11'1'1'11 Ilil 11111111111111'11'cllI ItISI()ria e em grandes setores da ',()('iI'(/II(/I' 1'111111'1111"11'fi IlI'tI, 1110pt'llticas letradas permanecem encaixadas em outras iI1Slllllh,'I)('1.l'IH'lills. Embora a definição de letramento de Ogbu como "sinônimo ele desempenho acadêmico", "a capacidade de ler e escrever e 'ti Icular na forma ensinada e esperada na educação formal" (Ogbu, 1990), provavelmente receba a concordância geral na sociedade contemporânea, Ia é posta em perspectiva por um relato recente de Reid (1988: 218) sobre o letramento no Sudeste asiático antes do século XVI: o antigo alfabeto indonésio ka-ga-nga [... ] não era ensinado em nenhuma escola e não tinha valor algum vocacionalmente ou na leitura de qualquer literatura estabelecida ou secular. A explicação para sua persistência era o costume local do manjan, um jogo de galanteio em que rapazes e moças se reuniam às tardes, e os jovens lançavam quartetos sugestivos escritos com o velho alfabeto às moças em quem estavam interessados. Diversas culturas da região adotaram sistemas de escrita originalmen- te importados da Índia, e "as mulheres adotavam a escrita de modo tão ati- vo quanto os homens para usá-Ia no intercâmbio de anotações, no registro de dívidas e outros assuntos femininos do âmbito doméstico" (Reid, 1988: 218). Com o advento do islamismo e do cristianismo no século XVI, po- rém, "um letramento mais restrito, masculino, expulsou a escrita antiga" e emergiu um padrão comum no mundo contemporâneo à medida que a influência ocidental se difunde: "O curioso paradoxo em que o crescimento da cultura escrita provavelmente reduziu o número de pessoas capazes de escrever por causa da associação da escrita como o sagrado e o solene" e com os usos masculinos do letramento. O extenso uso do letramento pelas mulheres, em contextos não escolares anteriores à introdução do letramento escolarizado ocidental, vem sendo atestado num amplo espectro de épocas e lugares: Yin-Yee Ko (1989), por exemplo, descreve como, na China do século XVII, as mulheres cultas da classe média escreviam poesia como um meio de construir uma cultura feminina privada contra o caráter mascu- lino homogeneizante da cultura imperial chinesa tardia. Mickulecky (1985: 2) registra os usos do letramento por mulheres da pequena nobreza ascen- dente da Inglaterra quatrocentista na escrita de cartas "relativas a questões financeiras da família, intrigas pessoais, deveres e morte". Os relatos de letramento na Lancaster (Inglaterra) contemporânea (Barton e Ivanic, 1991) 'l. &; ~ ~ ~'+;;s./ <,,: ~r \ ~;;( ~ R:s.- 'c 123 ,~, ~ ""i '" ~;:) ~~ ~ (J 1"'"1 mosuum US Illlllllt'I'('!) ttll/lluln 11'11'111111'11111"1'11",,",1111111'"111'IIII'illllI,'lIl1llilll instituições C0l110 o sorvlço soei,,!. HIIl'Idilll (I!)II'I) tI'''II'II'VI'1'111111111/'11I'luí do letramento por mulheres hispünic{ts IHII'Ulldll1ll1lsll'(lI'III'IlHIII'1I11"111I\jj geles eram invisíveis para uma COI11UI1 Idade que IdcnLlI'lCLlvtl() I,'i1'lIlIlt'lIllI com trabalho masculino e escolarização: essas mulheres "11(111'11(111I1"IIVi ram então de frequentar aulas para adquirir o letramento "adequudo", 111111 é, habilidades de leitura e escrita e convenções associadas à escolol'lY,III"lll que podem ser testadas por meio de mecanismos formais (Rockhill, I!)/I"I A invisíbílídade do letramento das mulheres (junto com boa pane di' 111"1 atividade social) é um produto não só da sociedade patriarcal, mas Landll'III das definições e conceitos dominantes de letramento. Conforme vimos na seção 1, os letramentos de povos não europeus PoI' ralmente foram desprezados pelos agentes de desenvolvimento que levuuuu as instituições e a escolarização ocidentais para diferentes partes do 111\111 do. Só recentementese reconheceu que diversos sistemas de escrita f01'11111 desenvolvidos fora do contexto ocidental, os mais conhecidos sendo os (111 vais (Scribner e Cole, 1981) e dos mendes (Bledsoe e Robey, 1986) na Á I'rI ca Ocidental, e dos apaches e cherokees entre os nativos norte-america 110 (Harbsmeier, 1989). Mais significativa para nossa discussão tem sido a VII riedade de "letramentos" documentados por etnógrafos, nos quais um sísu: ma de escrita trazido por forasteiros como missionários ou professores r( 1i "apropriado" por povos locais (Kulick e Stroud, 1993) e adaptado aos sig nificados e usos autóctones. Na aldeia da Nova Guiné que Kulick e Stroud estudaram, o letramento missionário foi incorporado às convenções loca i. de uso da língua, em vez de ser usado para os objetivos pretendidos pelo, professores. Habilidades desenvolvidas na produção da fala, como evitar Il auto afirmação ou a diminuição dos outros, também eram proeminentes nos modos como as cartas passaram a ser escritas. À medida que o letramento é acrescentado ao rico repertório comunicativo já existente nas sociedades receptoras, elas o adaptam e corrigem segundo os significados, conceitos d identidade e epistemologias locais: como dizem Kulick e Stroud, a questão não é qual o "impacto" que o letramento tem sobre as pessoas, mas como as pessoas afetam o letramento. O relato de Besnier (1989) sobre como o povo do atol de Nukulaelae, no Pacífico, se apoderou do letramento missio- nário mostra que - enquanto na Nova Guiné o letramento foi absorvido em convenções comunicativas preexistentes - em Nukulaelae ele foi usado 1""11111'1I'IH'I'11I11I' 11111gC'III'I'1I111111'111'1'1111'10romunk'utlv«. Nu ruiu. 1'1'(1 ('011 "III'lllIlIdllll'llll' Inadequado l'XPI'l'SSIH'afeto, mas o novo letnuncnto :11)1'111 Pl/plH,'1)plll'IJsua plena expressão, particularmente em cartas. Isso sugere 1111111t'olllcstoção a mais dos pressupostos dominantes sobre letramcnto CI11 '1"1' n I'tI1[1é normalmente associada à autoexpressão, ao sentimento e à sub- 11'ilvldacle,enquanto a escrita é convencionalmente associada ao desapego, objetividade e ao discurso "científico" (Tannen, 1985), um argumento discutido acima na Introdução e elaborado mais detalhadamente no capí- 111107. O material de Nukulaelae, junto com o de várias outras partes do mundo, nos permite compreender o quanto as associações comumente fei- IIISacerca do letramento são, na verdade, convenções culturais mais do que produtos do meio escrito em si mesmo. Os usos do letramento por mulhe- rcs: sua associação a práticas informais, não religiosas e não burocráticas; suas funções afetivas e expressivas; e a incorporação de convenções orais no uso escrito - são todos aspectos de prática letrada que tenderam a ser marginalizados ou destruídos pelo letramento moderno, ocidental, com sua ênfase nos aspectos formais, masculinos e escolarizados da comunicação. Muito, então, do que vem junto com o letramento escolar se revela como o produto de pressupostos ocidentais sobre escolarização, poder e conheci- mento, mais do que algo necessariamente intrínseco ao próprio letramento. O papel exercido por perspectivas desenvolvimentistas na escolarização, por exemplo, faz com que a aquisição do letramento se torne isomórfica a partir do desenvolvimento pela criança de identidades e posições sociai específicas: seu poder na sociedade fica associado ao tipo e nível de letra- mento que elas adquiriram. Esses exemplos do relacionamento de variações em letramento com po- der e conhecimento relativos não se limitam ao "Terceiro Mundo" ou a so- ciedades tecnologicamente mais simples: recentes etnografias do letramenrn nos Estados Unidos oferecem comprovações semelhantes das ricas varieda des de letramento fora da escola e dos processos de aprendizagem formal t· de sua importância para a identidade das pessoas e suas posições na soclo dade. Weinstein-Shr (1993), por exemplo, compara os refugiados hmong: na Filadélfia em termos de suas práticas letradas e descobre dois conjunu I bem diferentes de significados e usos. Um homem, Chou Chang, aprendeu o letramento escolar padronizado num curso noturno e o usou para se torutu "porta-voz" de sua comunidade, servindo de mediador junto a ínsntuíçõ« '~, ~ " ~ .< ~ ~ <; ~ ~ C) '01110LIprevklênclu Sot'lld, PilO VOllII, IHU't'III, IIIIIIIIIIIIIIIIII!I11111111111'PIIII'I I'il "fracassar" em termos dominantes. No ('1I1/1I11(),WI'IIIIIII'III HIII' 101'IlII 1'11111 ele algum tempo depois numa posição de constdcrévol UIII()l'Idlld~•• lt'II,IIIIIIII da principalmente graças a seus usos do letramento: ele marui nhu (~I!)III1' com recortes e imagens de jornais, revistas e cartas que mencionavmu li' hmongs e que representavam uma "história" autorizada de seu povo em I'il cunstâncias recentes. Membros da comunidade iam consultá-Ia como LI""1 homem sábio, e ele recorria ao corpus de material escrito que coletara plllll discutir e decidir sobre importantes questões de identidade comunitária, ( , letramento com que ele lidava nada tinha a ver com escolarização forma I 011 pedagogia e, de fato, é provável que ele não conseguisse de codificar plcu.t mente os signos fonêmicos de todos os materiais que o circundavam; ITIII/, seu letramento desempenhava um papel importante na política e na íden tidade locais e no estabelecimento de sua autoridade na comunidade (VI'I também Camitta, 1993; Shuman, 1983). De modo semelhante, o relato de Fishman (1991) sobre o letramentu amish demonstra a íntima associação de práticas letradas com identidade, autoridade e conceitos de conhecimento que não são necessariamente os do letramento escolar. Quando chegou à comunidade, ela pediu às meninas dll família que a hospedava que mantivessem "diários de diálogos" como uma forma de observar suas práticas letradas e de estabelecer comunicação COI1l elas. Mas elas se recusaram, e ficou óbvio mais tarde que suas concepções de letramento não condiziam com as que subjazem ao uso de diários. A. convenções comunicativas dos amish exigem um "foco no outro" que impl i ca apagar o próprio eu e se concentrar na comunidade. Tal como no caso da Nova Guiné, a autoafirmação era considerada imprópria e isso ficava refle- tido em convenções escritas à medida que eram acrescentadas ao repertório comunicativo: para as meninas amish, escrever sobre sua própria experiên- cia e sentimentos seria errado - uma contestação das concepções amish dt' identidade e conhecimento. As convenções associadas às práticas escritas (' à pedagogia correntes na escolarização estadunidense não são simplesmente questões de técnica e de habilidades neutras de aprendizagem, mas podem estar associadas a níveis profundos de significado e crença cultural: existem outros letramentos ao lado das versões dominantes, escolarizadas. Também nos Estados Unidos, Arlene Fingeret mostrou como os tipo de letramentos comunitários descritos acima podem significar que o letra- 1111'11111I' 111111111iIljlldliii'iili'" fi!' ílillldllll'llIlf'lj 11'1'1111111111til' 111111"111r~':jl [11 1111111'1,111111"\11'111111111'111111'1111t11lilJltil' 11111"1IIIIIvhlilll dl'III'IIVIIIVI'I I 11ti11Ilil 1lllIdlldl' 1111111111\1'1"li \ !III" 1111101111",/00"lit'lIlllldlllldlldl"l 11'11,,1111'111111111111111 dl",I'IIVlllvldllfo p()dl' 111111111/'1111IIHIII11os líll't,rOs It'll'lId"h I',IHII"!', tll'lil 1111lilU 111'11111urbunldadr 1I1111t'liIlH't'iCiJlliJ Iransl'crill(/O ns 1iI1't'I(lhdi' pl 1'1'1111111111'\1 !tI 11('lurmulários, cscrlta de canas e afins a outro 111('Illl)l'odll 1'lIlIlllIlld.1I11 1'111Il'oeu, por exemplo, de habilidades em consertar IIlOIOI'('Sdi' I '111111[!lI HI'I'II'logística de transportes. Dentro dessas redes cornunitúrh», IInll ",111111 11'1'I' escrever não é mais estigmatizado do que não saber /1Wcfll 111'/1di' I1II 1III1I6veis (Fingeret, 1983). Achados semelhantes aparecem t-m II.dllllllll Il'lios no México (King, 1994), no Reino Unido (Street, J 98B), llil SI 11111ti 111 (1,I'wis, 1986) e em várias outras partes do mundo. O letramento, portanto, não precisa serassociado com e5('01111'1"III,111I 1111com pedagogia: a definição de Ogbu com a qual iniciamos é il1i1I1I'lIlIdllll ,I' quisermos entender os ricos e plenos significados das práucas 1I'IIdeld' 1111sociedade contemporânea. A pesquisa precisa, ao contrário, comoç.n 111' uma concepção mais comparativa, mais etnograficamente fundamonuuln ti!' letramento como as práticas sociais de leitura e escrita e evitnr .11111',11' til' valor acerca da suposta superioridade do letramento escolartzado 1'11111 u-Ioção a outros letramentos. Letramento na comunidade e na escola Embora interessados principalmente em explorar essas questões 1111111 nível teórico, sugerimos de que modo elas podem se desenvolver cmplr I'jlmente com referência a um pequeno projeto-piloto de pesquisa que t'OII rluzimos sobre práticas letradas familiares e escolares numa comunidtulo tios Estados Unidos (um programa de pesquisa pleno está planejado plll'll II futuro). Tal como desejamos evitar juízos culturalmente envíesados SII hrc diferentes letramentos em diferentes comunidades, também deseja 11li I' rvitar fazer juízos sobre o letramento escolar. Não nos interessa avaliar 11', práticas que descrevemos a seguir, mas analisá-Ias etnograficamente COI1li I ícnômenos sociais. As práticas peculiares associadas ao letramento nas es rolas e, cada vez mais, no lar e na comunidade em boa parte da socicd.uk: estadunídense do final do século XX representam um acréscimo fascinanu: I' importante ao complexo e variado repertório de práticas letradas no tempo I~ ',). ~ \~ '"~~ ~ ~ ~ ~ CJ 'no t'spUt;O que os l'lIIOgl'III'o/l (I lilHIIII'llIdol'I'III'IIIIII'I.IIIiIIlH"1I1 il11'V1'111I "111 que e como essa versão paulculur de j)1'lÍliclls 1t'(I'IIIIII'I'lI' 111111'1111111',1':'1' ';\1 tenta na sociedade contemporânea é LIma questão 1(,(lI'kll (' 1'1I10Wlll' I1'11 crucialmente emaranhada com questões de poder na sociedade muis IlIlIplll - e não um problema de avaliação educacional. Embora CoOk-GUII1(H'1 (1986), Soltow e Stevens (1981) e Howard (1991) tenham dOCUIllt'III,lIhl amplamente os processos históricos pelos quais o letramento "escolar" 111' tornou o modo dominante ao longo do último século, as questões cornprun tivas que seu trabalho levanta têm sido aplicadas com menor frequêncln " própria situação corrente e à reprodução dessa dominação. Foi dentro d('~M' quadro que desenvolvemos um pequeno projeto-piloto para tentar descolu h corno urna pesquisa assim poderia ser equacionada e conduzida. O mate r]11I apresentado aqui não é farto e detalhado o bastante para merecer o tenl~ etnografia; nós o vemos, antes, corno urna contribuição para a pesquisa 1'11 tura de tipo etnográfico nessa área. A escola em que nos concentramos se situava num bairro de class« média alta de urna metrópole dos Estados Unidos que sofria de aguda pu breza, desigualdade social e decadência do centro urbano. Muitos dos qlll' moravam naquele bairro tinham se refugiado ali para escapar desses pro blemas. A escola era urna das poucas escolas públicas que gozavam de bOI! reputação nos círculos profissionais e de classe média, e muitas famíl ia faziam um considerável esforço financeiro para se manterem naquela áreu, Os preços das casas era alto e, em muitas famílias, o casal era obrigad trabalhar para dar conta dos financiamentos e tudo o mais. Era comum Stll rem cedo de casa para trabalhar na cidade, deixando os filhos na creche d.1 escola e voltando à tarde para apanhá-los na creche, que permanecia abertn bem depois do horário de encerramento das aulas. A escola tinha turmas dll primeiro até o quinto ano com cerca de vinte alunos por classe e duas ou três turmas para cada ano. Observamos e gravamos práticas de sala de aula, no primeiro e no quinto anos, cada um de nós passando três manhãs 011 tardes em cada turma. Também gravamos sessões de discussão com cada um dos professores, nas quais lhes perguntávamos sobre suas concepções de letramento. Fora da escola, conduzimos entrevistas com meia dúzia dI' pais de crianças que frequentavam a escola e as turmas que estávamos ob servando, pedimos a eles que mantivessem um "diário de letramento" para registrar eventos letrados em suas casas, e pedimos a algumas famílias que 1\I,I\'jl~jll'nl fi 1'1l11iI',jj lill !\ll !hH:~j"i1'\11'11111'11',,,,", 111111111111I1 !lltll!\! 11,11di' 1'111';'11'11I1\dlol1IIIItllI,'\ j' 1111111"1'1'1'111di' 11'11'111111'111111111I í!ii1!1ii111 qlll' IInllll'lil 1'1'1'1.11111111111111111111'111.'1111dll (l1'1I1\1I1'1II.I j 11\"\11\\'fI,I'l~IdO, \ (1'11\:\) di' Slill'llly 111111'111'/1111.(1111'('XI'III(1II1, 1/11.11,11'1fll11'11111i':·,i. !"Ii l'IIII1I'I'I'IHk' n('II111111111IH'fHllIlslI dl'wllwdll 11l'I'H(lI'IIII, 111111'1;1'11111111(1111 IIlIhlh 1I(ISj6 sabemos C0l110 são a vida e () 11'(1'111111'11111dli I 1.1',11" 1111,111.1 Iniciamos o projeto assumindo UI11" dlsllll~'(11I 1'11111'1'1'11111ti·, lt"i!I!l1 11011'llIllunidade e na escola. Queríamos cxplnrur Of>11\tldo'; 1111111111V[IIliltl 111'particular de letramento que rotulamos clt' "\('(1'111111'111111";1111111,11Viii 1I11111illuroutras formas de letrarncnto na soci(l(lnd(' l'OI1II'III(lIII'(lIII'(\, i~! 1'\IH'l'iência nos obrigou a refinar essas ideius, sobretudo IHI1\111'dl'lllIm ! 1I!'llo aos letramentos em casa e na escola, e a rcconlH'I'I'I' qlll' 11I'Xlliij di' semelhança entre práticas letradas na comunidade, ('111 1'1\.'111I' 1111I\IHHi turnou inútil nossa dicotomia inicial. Subjaceruc ao kll'lllll('1I111 I~III Ill(1i I",H('Scontextos existe um traço comum, derivado de processos rllll Ili/i! Idl'ológicos mais amplos. Aqui nos concentramos num íJSIW('lo IHI!'lk!l1 dl'sse traço, os processos de pedagogização. rocessosde pedagogização Descobrimos que um modo de responder a nossas perguntas llllllIlIlí (lt'dagogização do letramento era subdividi-Ias em alguns PI'Ol't'hl,tI'l I (ll'cíficos e, em seguida, examinar esses processos em casa c \li! 1"0111111 NI'ste capítulo, estamos particularmente interessados nos proccss: Hl IIII! '''lIdam a construir um modelo "autônomo" de letramento - no qU1I111111Í los indivíduos, frequentemente contra sua própria experiência, paS~11\1I iI ronceituar o letramento corno um conjunto separado, reificado dt' I'11111 1\('lências "neutras", desvinculado do contexto social - e nos pl'OI 'I'd I mentes e papéis sociais por meio dos quais esse modelo de letrarncnru I disseminado e interiorizado. A construção e interiorização do modelo autônomo de letrarncnto 'li I'onsegue por diversos meios, alguns dos quais tentaremos ilustrar bu-vr- mente com nossos dados: o distanciamento entre língua e sujeitos - 11 maneiras corno a língua é tratada corno se fosse urna coisa, distanclrulu ínnto do professor quanto do aluno e impondo sobre eles regras e exigl'll rias externas, corno se não passassem de receptores passivos; usos "n1('l;I ,~ ,~ ~ ~~ ~ ~~ '" ~ CJ lingulsttcos" as Jllillll'II'IIS ('01110DI, PI'OC'I",/;I)',/11111111/4di' li'IIIII'III' 1'111 IlIil são referenciados e lexicalizudos dCIlII'() d(' (111111VIII', /l1I1I1I/\IIHII'1I('011111:,1 fossem competências independentes e neutras, c nãn Cill'I'I')',lIdiISdi' ~d",1I1I cação para as relações de poder e para a ideologia; "privilcglamcnrn'' I maneiras como se confere status à leitura e à escrita em compa raç[io ('01111I discurso oral, como se o meio escrito fosse intrinsecamente superior c. 11111 tanto, como se aqueles que o adquirissem também se tornassem suPCI'lOl'I", e a "filosofia da linguagem" - o estabelecimento de unidades e froruoh,» para os elementos do uso da língua, como se fossem neutros, disfarçando >,1' desse modo a fonte ideológica daquilo que de fato são construções socí.u-, frequentemente associadas a ideias sobre lógica, ordem, mentalidade clvu tífica e assim por diante. Entre os processos institucionais que contribuem para a construçãu I' a interiorização da voz pedagógica na escola, focalizamos a "rotulação III1 espaço" e os "procedimentos". A institucionalização de um modelo pa 1'11 cular de letramento opera não só por meiode formas particulares de faltl e de textos, mas no espaço físico e institucional, que é separado do espaço "cotidiano" para fins de ensino e aprendizagem e que deriva de construçõr- sociais e ideológicas mais amplas do mundo social e construído. Os "pI'O cedimentos" representam o modo como regras para o engajamento dos p:1I ticipantes como professores e como alunos são continuamente afirmadas I' reforçadas dentro de práticas que supostamente têm a ver apenas com usar o letramento e falar dele: enquanto professores e pais parecem simplesmenn- dar instruções sobre como lidar com um texto, por exemplo, eles também estão confirmando relações de hierarquia, autoridade e controle. Uma "mescla" de meios orais e letrados, às vezes mencionada como um continuum "oralidade-letramento", deve ser observada em todos esse' processos: os participantes empregam estratégias discursivas tanto ora I. quanto letradas enquanto interagem, seja em casa, seja na escola. Mas ess« aspecto interativo do letramento e oralidade tende, dentro da prática real, a ficar disfarçado por trás de prescrições e convenções linguísticas que re' presentam as modalidades linguísticas como totalmente separadas, comi I se existisse uma "grande divisão" entre ora lida de e letramento. Essa COI1 cepção de letramento parece ser um dos principais meios pelos quais 1II11 modelo autônomo de letramento é interiorizado e disseminado na sociedade contemporânea. É uma concepção endêmica ao letramento pedagogizado, 'JutlfkOlldn 11 111 Mllllo dll dl~'IIII>,1I di' sula de aula gira explicitamente em torno da IllIgua c do 11"1' ('ltI slgulflca para as crianças. A literatura contemporânea l/obre aprcndlzagcrn da leitura dá muita ênfase à conquista da consciên- da metalinguística e frequentemente supõe que o desenvolvimento dessa habilidade altamente valorizada está associado à aquisição do letramen- 10 (Bruner, 1985; Teale e Sulzby, 1987; Wells, 1985; Wertsch, 1981). A nutoconsciência sobre a língua e a elaboração de termos específicos para descrevê-Ia são vistas como parte do desenvolvimento cognitivo, levando [10pensamento crítico, ao desprendimento e à objetividade, e se considera óbvio que pôr a língua por escrito facilita esses processos (Olson, Hildyard .Torrance, 1985). Dada a poderosa pressão em prol desse modelo de língua clentro das instituições de formação docente no Reino Unido e nos Estados Unidos, não surpreende encontrá-lo subjacente a boa parte da prática de sala le aula. No entanto, embora reconhecendo a importância da consciência metalinguística, nós rejeitamos a alegação de que ela esteja peculiarmente associada ao letramento e também questionamos a tendência a se concen- trar em certas características sintáticas e formais da língua em detrimento de outros aspectos, como se a consciência linguística fosse uma questão de terminologia gramatical específica. Objetificando a língua na escola Nas salas de aula que observamos, as professoras pareciam tratar a língua como se ela fosse algo externo aos alunos e a si mesmas, como se tivesse qualidades autônomas, não sociais, que se impusessem a seus usuá- rios. A linguagem do ensino pressupunha e ajudava a construir distancia- mento entre as crianças e sua língua. Escrever é um modo de criar essa dis- tância - colocar a língua na lousa serve como uma técnica que permite às crianças ver e objetificar esse processo de aprendizagem. Uma vez na lousa, na folha de exercícios, no livro ete., a língua se torna um problema à parte sobre o qual professora e alunos trabalham em conjunto. Nas aulas que ob- servamos, a professora se esforçava para levar as crianças a se identificar com a língua à medida que resolvia um problema de gramática ou de texto, como se estivessem lutando em conjunto contra uma autoridade externa à ),. ~ ~s-&. ""~' '"" , ~~ '" I ~\ 1 Highlight lli ~ -,~ '" ~ ~<;~-s-s () qual estavam todos suJl'llos. () ()h.lI'llv() 1'liI 1i'\11111'if 111011.'",10111111'11111111[1 -la em seus processos de trabalho pU!'i! lllllt(l ,I()h. 1IIIVliI 1'11I1l'tIdbl'lIljtinll sobre os sentidos da linguagem, sobre interpretações 1IIt('I'lIllllvas dos II'XIII ou sobre como a professora chegava à sua própria conclusão acerca do 11111' eles significavam. Era assim até mesmo depois da leitura na bibl iotccu: IIpl niões podiam vir à tona antes da leitura, mas não se debatiam as reações til' pois. De igual modo, relatórios de leitura, em que os alunos eram sol lc itntl", a ler um livro para depois apresentar oralmente um relatório estruturtuln sobre ele para toda a turma, assumiam um caráter ritualizado e não scnum tico, cujo propósito parecia ser desenvolver a linguagem escolar e não, di' fato, discutir os livros. Em contextos como esses, ao que parece, o objctlvo final é obter controle e autoridade sobre o texto, cujos significados não ~ negociáveis. Os relatórios de leitura orais são moldados pela língua escrit.i, tal como concebida dentro dessa subcultura; planejamento, uso de tópirn frasais, paragrafação e explicitude são transportados para a língua faludu segundo o modo como a escrita foi aprendida. A apresentação escola r (111 texto, portanto, não problematiza seus sentidos e conteúdo, pois o foco é .1 forma. Definem-se problemas técnicos, atinentes à gramática e à sintaxe, I' as soluções, uma vez dadas, são incorporadas a uma lista geral de regras I' prescrições sobre a própria natureza da língua. Havia diversas maneiras pelas quais esse processo ocorria coletiva mente, de modo que a turma toda construía uma voz coletiva segundo mo dos que excluíam a exploração dos sentidos daquilo que era enunciado; II pledge of oileqiance' em que professora e alunos entoam juntos frases fOi mulaicas, certas sessões de perguntas e respostas, alguns jogos coletivo", De igual modo, testes de diagnóstico e avaliação eram usados como forma de criar distância entre as crianças e sua própria percepção de seu conhe cimento. A professora se identificava com elas e as ajudava no decorrer di I processo. Essa identificação exacerba a noção do status objetivo, neutro do texto e reduz o papel do falante/leitor a receptor passivo em vez de ativo negociador de significados. Embora os objetivos da aprendizagem da língua fossem anunciados nos documentos da escola como baseados na "comunl 1. Pledge of Allegiance ("Juramento de fidelidade"): texto redigido em 1892; é pronunciado todo os dias pelos alunos das escolas de ensino fundamental dos Estados Unidos que, diante da bandelrn nacional, mão no peito, proclamam sua fidelidade ao país e às suas instituições (nota do trad.). blotlflcando ()hSNV.IIHOS pl'Ol'CSSOS IÍI I'II'S nnO derivassem ncccssarfumnuc dI' IIIl 111I1dllll( 1111I11\111ÓValTlosde início. Os pais <1(1('lnssl' IIII,tll.l, 11',lIillllll!! I' proocupar em estrutura r a apl'cndi~.ílg('111 di' 1,1'11"1111111'.':i'I\H!iil dli" lc'giLimados pela escola (ver Brooks, 1D1I!1),A, ••.III1, 1I1I'II,(lij01 IlIlISll'aram que o cuidado com as tardas ('S('OIOI'I'ftdll'l I tI,III~[i 1I1t11Vt1um papel importante na vida diário: I'(llnt()dO'. di' 11'11111 «ulur, podiam ocupar o fim de semana, com os pul,'. 1111ItllI11I111 ' lurnlizarem "tópicos frasais", a desenvolverem ('Ios di' 111\111,,111"1I11,tI.-.- 1\'11Iconclusões para sua apresentação na turma t\illllllltllO di' ',I'II!i11l1 I'l'Ojetos de pesquisa podiam levar toda a f'arnllln II hlhllllll" :1 " Ilrnvam repletas de equipes familiares de pcsqulsmlorou 1111I',ltllClI I lopédias e a seção de não ficção sobre conchas, CIt'lrldtllllll', I"" .iquisição do letramento adequado era percebida C0n10 lIlll "Pllllllfiill u-sclvído, uma tarefa a ser cumprida: as regras eram I'Ixlltlll'. I' ~Ili! li I' 11criança e o pai eram colaboradores na resposta a 1'11'••1 111'Wl!iltI II'Sles faziam parte das práticas em casa tanto quanto 110(",I 11111 A partir dessas práticas, pareceu a princípio que () 11I1'1'1'11t,lilIpl 11'dominado pela escola e que isso explicaria a pedagoglznçlu: tllI li" I\) ali. Mas a extensão da interiorização da vozpedagóg l('(I plll li ,.1lI! II I' disseminação do letramento sugere que isso é pane dt' 1'11111'111( I' culturais mais amplas. A coisa é produzida e reforçada (11·111"fI\l1[ Ilobre letramento nos jornais, pelos rótulos dos brinquedos l'dllUH pelos debates políticos e pelo discurso dos pais. Em nossas l'lllll,vi.l! pais das crianças cujas turmas observamos, encontramos 1111111IIllIhl eia a respeito da escola como instituição, mas uma pronta .ltll"ulll pcdagogizada do letramento que identificamos ali. Esses pul'l 111'111 viam a escola como a fonte de valor e legitimidade nessa (11'(111,1.11111 nvolviam sua voz pedagógica a partir de outras fontes 1U11I1I1'"1 Alguns pais tinham formado um Comitê de Infornuu.n« di (CIP) para pressionar a escola nos pontos em que julgavrnu '1"1 Highlight Highlight (~ <j. ~ ~ ~ '" ~::!:!, ~~ ~ CJ lhava 110 dcscnvolvhno.uo do 1111)(11'1111IIIIIIIIIIIIdll dI' 11'11111111'11111NI"lllit reuniões, parecia que os pais, c não OS PI'()I'I'Hllol'I'II,1'1111110/1 1\IIIII'dlnl'll tllI letramento adequado. Um exemplo dessa atividade rol 11pl'cssiio dO/. pll para que a escola adotasse as abordagens "Processos da Escril(l": 1I (:11' apoiava e fazia campanha por desenvolvimentos que já aconteciam 1111111' risdição escolar e envolviam dias de treinamento nesses moclos de CI1SIII/II leitura e escrita. Nossas observações sugerem que a mudança não crI! Inll radical quanto eles acreditavam porque a mesma pedagogia sustentava 11 foco na escrita como processo mais do que como produto. Conforme' di' monstrou Rudy (1989) por meio de pesquisa sobre Aprendizagem Colahn rativa da Escrita em salas de aula de ensino médio numa cidade pró x i1111I, as novas abordagens frequentemente são assimiladas aos pressuposto tradicionais e aos modos convencionais de relacionamento com os alul1l~, Não estamos interessados aqui em avaliar essas diferentes abordagen colaborativa, ensino da escrita orientada pelo processo e ensino tradicin nal da escrita orientada pelo produto -, mas em demonstrar como toda- podem desaparecer sob o princípio geral da pedagogização do Ietramentn A razão por que a mudança de uma para outra nem sempre é tão significa tiva quanto os expoentes das diferentes abordagens esperariam pode esuu em que ambas persistem em reduzir a leitura e a escrita a práticas social- particulares associadas à "aprendizagem", negligenciando assim a gamo de práticas letradas associadas a propósitos e conceitos não escolares. Na turmas que observamos, os métodos de ensino e aprendizagem associa dos ao ensino orientado para o produto não se alteraram muito quando a abordagens processuais foram introduzidas: o letramento ainda perma necia "lá fora", um conteúdo objetivo a ser ensinado por meio de estrutu ras de autoridade nas quais os alunos aprendiam os papéis e identidades adequados que tinham de levar para o mundo mais amplo. Letramentos não pedagógicos não figuravam - de fato, não podiam figurar - nesse processo: os pais no CIP não estavam tentando introduzir letramentos ai ternativos na escola, mas simplesmente em manter as professoras à altura de suas atividades pedagógicas. De igual modo, em suas próprias casas, os pais reivindicavam aut ridade para dirigir a aprendizagem dos filhos e, com isso, contestavam iI dominação exclusiva da escola enquanto, ao mesmo tempo, marginaliza. vam os letramentos alternativos que as crianças podiam ter encontrado no 1111111'\111tlll llil, dll jlllll"I di 11111ij\1I'i I' dil 111111111111111111l'i]! li' 11'i1'111111'1110"1'1111111111IltllI 1\'1 I il'1I11I1'1'11111"'plt'llI~ til' 11I111I\lII:íl! Itll'II', 1'\plll'lIdllll'lIll' "l1lll1dl!', pdl'0I11/11111",',111'11IIII"IIII/!I 111;1.lI! ti 1I1'1I111<,'!IO(\I'SSI\ !i1I1'I'h~HISI' tornnu 1111101I'I'IIPIII'"IIII' 11111111dil ! 111tllI professor, Os rótulos com que ('SSl'S 111'1111111(11111'11'1IIIIIIilj liI 1'101111embalados, assim como os folhetos illl('Xm" W••IVIIIII III,!W!I tll'lIliva, rrequentemente derivada da lireruuuu PSIt'OIIlI'.IId. Pillli I I' u-f'orçar seu valor educativo, e algo dessa lingllllgt'lIl ',1' illllil!ll tlls('llssões dos pais sobre letrarnento. Era dentro (\('SS(' tll.,I-lll'Iiií !I li' ompenhavarn em manter as professoras à altura. () pt'Ojl'lll l\tl P IIIIS finais de semana tampouco eram simplesmente sul>hl'l" 1I'1Ii[ mandas da escola, mas usavam a escola para criar e rOI'I\IIt'II'1 !l11[\ dOISdomésticas: as crianças estavam aprendendo a participnr 1111L"illI u-alização que seus pais viam como essencial se quísesscm 1I'llItlll I'stilo de vida dos pais e evitar os horrores da pobreza de qlll' 11fI!!1 rldade dava provas tão cabais. Uma percepção do letramento como a principal fonte' doI ',111' ocidental, do progresso científico etc. está por trás da clihl'lI',1o r-ngajar em tarefas letradas específicas. Um modelo "autôiuuu« monto foi crucial, portanto, para o compromisso que os ptl h I. que também esperavam dos filhos. O interesse no uso de tesu«. I!ljl preocupação com os aspectos formais do letramento e da Jí "!',IIiI, I mento da língua como uma força externa com regras e exigêncln: II ,li aprendidas e o entrelaçamento de convenções associadas ao 11'111111Il , à gestão de textos com afirmações de autoridade e controle, !til Itlil LIorganização do tempo e do espaço das outras pessoas - lOtlll~ t. .aracteristícas da prática letrada familiar de fato complernenta tiI 11'1lI'Ii 10 letramento visíveis na escola das crianças. A fonte, porém, Plllll' 11, ser a própria escola, mas derivar de correntes culturais e ideológh'n« 111111 amplas que influenciam tanto o lar quanto a escola. Tal como no I'I\I:I! plo dos amish (Fishman, 1991), pode ser mais frutífero se conccnt 1'111li,' continuidades entre cultura doméstica e cultura escolar do que I1WIIli continuidades com que muitas pesquisas têm se preocupado. Para ItllIllI argumentamos, precisamos teorizar as práticas letradas de modo dif('I'I'111I _ desenvolver não só etnografias da família e da escola, mas Iu 111\ 11'111 etnografias do letramento, do tipo defendido neste livro. ,~ ~ \~ ~ Rotulação do espaço No discurso popular, a escola se refere 01'<1tIS pl'111101lSqllt' 1I /Iti 11I nistram ou frequentam, ora ao prédio em que ela se situa C slrnbollz« ',llil presença. Mas a escola como instituição encontra sua forma principal !lI' I' pressão num tipo particular de linguagem, evidente não só no discurso tllt professores e do texto dos materiais escritos, mas também na sala de 11I1111, nas paredes e no fluxo de papelada burocrática por meio do qual ela constun temente se significa e se reproduz. A linguagem do professor e do texto pC!'.1 ciona os sujeitos (seja estudante, seja pesquisador), prende-os a seus ass('1I111 e os localiza num espaço construído social e autoritariamente. O modo COI11I I se constrói esse espaço é fundamental para nosso entendimento dos procr-. sos linguísticos e letrados particulares a que este capítulo se dedica. O prédio principal da escola que investigamos é grande e quadrado I' emana importância pública. Pertence a todo um gênero de arquitetura púhl ca que representa o Estado. Acima da entrada, em grandes letras, encaixado! na parede, como parte de sua estrutura permanente, estão as palavras Escola Fulano de Tal. Dentro da escola, o espaço é designado pela autoridade, I' a autoridade se expressa em letreiros: as salas são numeradas e rotulada '. têm funções designadas igualmente rotuladas. O primeiro aviso que se vi quando se entra no prédio é: "Todos os visitantes devem se dirigir à Secn- taria". Quando uma pessoa entra no prédio, ela se vê fisicamente situada dentro de um universo particular de signos. Dentro de uma sala de aula, li imagens e os avisos nas paredes continuam o processo de situar o indivíduo dentro de um sistema de signos. Isso é particularmente evidente na sala (11I primeiro ano. As crianças se sentam no centro de um sistema de códigos pO/ meio do qual sua experiência é transformada. É como se as próprias parede fossem um filtro através do qual o mundo externo à escola é transformadoe traduzido em vários conjuntos discretos de conceitos analíticos: listas dI' números, as letras do alfabeto, formas e cores, listas de medidas - todos cI dispositivos pelos quais a experiência dos sentidos pode ser filtrada e logo transformada em conceitos sociais e analíticos discretos, tabulados e medi dos. Os próprios cinco sentidos balançam em pequenos rótulos separado que pendem de um móbile. O tempo é filtrado através de uma grade de duu da semana, estações do ano, lista de aniversários e mostradores de relógio", A lista de aniversários situa a própria criança dentro desse catálogo do tem ~~ ~ ~ ~ ~ C) 1'11,111111111111I' "illlold I til:11i I1111111",pll<;O,/\11 qll/lII'(1 PII('I'III'/Oti" hltlll 11'11/,('111 1IIII'!IIIdOll"sul", "11' 11'", "1111111'''I' "oeste", li dll'cllill' lIl'Hqlll'l'dil 1)(lllclllllItI/I 1'111'11111'li Hldll (I 1'llIltltllll'lIt1ucomo um espaço signif'icantc com LI('1'1/1111,'/1 1111centro, (IPI'III'IU!t'lIdoo sentido das coisas. Essas categorias cspartnl-. :.(1 1.1/,el11sentidos quando orientadas para a criança no centro da sala cll' mil" 11Indicam de maneira poderosa o contrato entre o indivíduo C <1 illlllllldl,.11I que escora a ideologia linguística dentro da escola. Esse processo di' 1'111 1"11 I'SCl"itoe rotular as experiências incorpora-as em um sistema VISIIIIII'\II'1 1111 11criança. A organização do ambiente visual em si mesmo ajudo 1i11111'11I((i! Iornecendo-lhe um modelo, a relação da criança com a língua e 1'(111111IIIIII! do escrito. As paredes da sala de aula se tornam as paredes do ((11111ti " (i mapas dos Estados Unidos e do mundo na parede frontal da sala til' 11((1.1j" dicam o sistema de signos por meio do qual esse mundo pode S(II'1i111111',,,li Procedimentos Procedimentos para organizar o tempo de sala de aula, trahnll« i': iii (I! cos e materiais letrados dominam a classe e constituem parte implll 11111t!1il voz pedagógica. Uma professora disse explicitamente aos aluno. '1((111'1 deveriam falar de modo diferente em classe: "Agora vocês estão 11.1,tlií 111 usem sua voz escolar interior". Com isso, a escola é separada de 1IiI1III~ !I pos e lugares, e os processos familiares cotidianos de falar, ler I' 1"'[ Ii recebem um caráter distintivo e uma autoridade especial. Uma 11111"I~íI dida em fases por meio de marcadores linguísticos que têm forçn 11111111 nária ao construir efetivamente os tempos e espaços separados «((111"I '!!lI! rar com Collins, 1993). A professora continuamente interrompe () Il,dl/iil dos alunos com afirmações sobre o ponto em que a turma se t'IIIIIIIII squema de tempo dela e o que fazer a seguir: "Agora, diários: l't.1II .omo foi o trabalho de grupo"; "parem de escrever agora, todas fI'l P;11111 para dentro. Coloquem elas todas para dentro"; "a primeira coisa qlil \ I i vão fazer quando todo mundo voltar é pegar o trabalho de casa, 1I'•..lli! ser uma oportunidade maravilhosa de terminá-Ia"; "peguem agOlIl II ,11 le leitura da noite passada"; "pausa agora, comam alguma coisa", ti está passando da hora. Rápido, grupos de leitura. Peguem seus 11'1111111/11 matemática". "Vamos acabar agora. Livro novo na segunda-Ielm" I interjeições não são meros aspectos práticos da atividade de snl.: ti" 11ti I ,§. ~ ~ "< 'Ss ~ ~ ~ \J embora lCn i1u 11I I'lIl1~'lks HIIP(II'lklldH 1'/11'1'11111'lIflllllI!1I~111I1111,'dl!tlll tllll. 1'111 que uma única professora se cnCi:lrrt'gn tio Ili i'I1111I111'11'1"111Itll1 1':1111111\111111'111 ajudam, contudo, a definir o que é o lctramcnto: tldlll('lll 1\ol'llIlItll',lII,'1111til' textos, papéis e materiais de leitura e escrita C0l110a orga n iI',açuo do 11'11111" e espaço culturais. Ainda que pareçam ser estratégias de ensi no, ('Ios 11" fato traçam as fronteiras do próprio letramento e afirmam seu lugar (1('1111'11 de uma estrutura de autoridade culturalmente definida. A professora lt'11I li autoridade para definir o tempo e o espaço dos estudantes, e essa autoridndo fortalece o controle dela sobre a definição e delimitação das práticas 1111 guísticas: o letramento se relaciona tanto com o discurso oral quanto COIII práticas materiais específicas com as quais ele se entrelaça e se define. Na mesma voz com que marca fases de tempo durante o dia, a pI'O fessora enuncia procedimentos para essa prática material do letrarnento: I., "Quando terminarem, ponham todos os papéis na pasta que dei a vocês, Vocês vão ser responsáveis por achar todas as coisas quando forem procu rar. Por isso receberam a pasta"; "Se quiserem escrever as frases em papel pautado, então peguem uma folha de seu caderno"; "Usem o verso do pu pel". O final de uma aula é definido por uma combinação de mercadores linguísticos e práticas letradas: "Ponham seus escritos numa pasta. Podem dobrar a folha para guardá-Ia". Procedimentos orais para o aluno saber como lidar com um texto es crito também combinam autoridade docente sobre os textos com uma "me ...• ela" de convenções orais e escritas não explicitamente enunciada. É como se as palavras não estivessem sendo faladas, mas assimiladas à forma escrita: PROFESSORA: Alto da página 62. O que a mãe de C. faz a esse respeito? .. , Vamos ver a página 66 agora. Desculpe, página 64. Leia para mim a terceiro frase. É a terceira frase, não a terceira linha. Como você consegue encontrar um parágrafo? Ele começa com ... ALUNO: Começa com uma letra maiúscula. PROFESSORA: Sim, mas também começa com ... Você pode me dizer a última palavra da frase? Que palavra era? Página 59 agora. Então D. estava indo para casa ... qual era o nome do amigo? ... as duas últimas linhas dizem isso a você. Página 60 agora. Leiam o que Steve diz ... Bob diz isso. Muito desse discurso depende de pressupostos compartilhados sobre a percepção visual de um texto, sua formatação e organização - um pa- IIljl,11I11I"1111111'111111111 ill-IIIII'III" til' ptll\11I111111111111111111",Ilmlll 1111111'1'11111"1111111,'11iI,l'll' 111111pII'WIII.II~ vhllllh 111111"pilln\'fw '-'1_' 1'1 I' 1'111'1'1'1'/11111'"1111111111'111"1'1 1111111111'1111'111('1111111'01111'1(/1111111111111111lÍi 11111'111111111)tlISI'III'f(I) 111'liI),1\ l'I'I"'('S(IIIIIII,'111101'/1111/11I11111'I'llIlllIllIhd/i '11'111I'11Illi111Ilwl() d(1(lI'gll1111',1lI' as rclacõvs s()('lills PI'I'HI'IIli'fll'lll :1(lln ti Outra professora, levando os alunos a ler as I'nllls dllH PI'II,IIIIiIIW!1 11111'11'0de televisão, também combina cstratégtas orals (I 1'/0111111',lHO 111111'sua autoridade na determinação de quem LCITIo (\11'1'1111di' I,i! dlf(lrcntes pontos definidos e onde eles estão no texto: PI10FESSORA: Página 5, primeira coluna, logo perto do fi 11liI .. , VII 11" leitor quando chegarmos nesse lugar. Narrador para 1, 21' :I, l'tll.lli rah. M para todas essas seções, David. Isso deve dar contu dl\ IIIIliiIH ele 6. Se vocês empacarem numa palavra, não se preocuuout "I!i11 mundo pode ver a palavra e a conhece. Tentem prouuurin 1.1 lembrem-se de ler a coisa em negrito primeiro, onde esL(1111111111'I rll·1 o negrito diz isso a você. Vamos terminar no final de 7. 1':11\1111! sei que eu disse que íamos terminar em 6, mas vamos fazer 11I1'11í 11 Os marcadores visuais e linguísticos para a movímentuçô« ,'Iil 1 do texto dominam o discurso e estabelecem a autoridade da Plllll",',i" \)I'Ca direção que os leitores vão tomar. O texto se torna um ('()IIIIIIIIII I neto de placas numa estrada, e os estudantes ficam ocupados (11111'11111111 pistas para seu próprio envolvimento e para chegar ao fim. É 1111I'1I"',dl que aqui existe muita margem para que a professora aborde nspl'l 111I,111i [;11inguísticos da interação orallletrada (Fairelough, 1989) e dCt'lIdlll'llll significado das diferentes formas de impressão e assim por díanro, 1\111'1IlfI" são esses os tipos de questões metalinguísticas com que está PI'(lllI'lIll1l1\" 11 voz pedagógica. Ela desenvolve, bem mais, habilidades proccdlnu-utt! para a movimentação em torno dos textos, afirma quem tem aucorkuulr 1,11 hre o texto e reforça a pressão sobre os alunos para que vejam {I 111lltlld escrita como algo separadoe solto. Homogeneização ou variação? Uma pergunta-chave para a pesquisa futura é como a afírmacün di' auroridade e a alocação dos participantes em papéis e relacionamenloH I~!, (~ ~ \~ ~ '".l -tl " ~ ~ CJ pcclf'icos se inscrevem ti11I l"V('lIlos l" pi'lIllt'ns d(' i('II'(IIII("IIIO1'111I11'1iI II!'i A principio, isso pode nos levar a concluir que a concepção d(' 11'1111111I'1111 associada à escolarização e à pedagogia, em particular a ênf'/lSt' IUI 1':,1',11111 -Aprendizagem, está transformando a rica variedade de Pl'úll('IIH 11'11'111111 evidentes nos letramentos comunitários em uma prática única, 110111111\1'11['1 zada. Mães e filhos em casa adotam os papéis de professoras e :111111(1'.,lIili brinquedo é tratado não como uma fonte de "diversão", a ser usado S('lJ.ll1ldll as convenções culturais associadas a lazer, descontração, infância ('1('" 11111 sim, posicionado dentro de um quadro de ensino e aprendizagem, $('1vlruln de andaime para o futuro progresso acadêmico da criança; a leitura d(' IIl1ill história em voz alta é retirada pela voz pedagógica de um contexto de 111111,1 ção, caráter e moralidade e transformada numa atribuição de papel à CI'IIIIII.fI ouvinte para que desenvolva sua "prontidão" escolar. No entanto, à medida que proliferam as etnografias do letramentn ('111 comunidade, um quadro mais complexo pode emergir, e esperamos en« 111 trar formas de resistência e letramentos alternativos ao lado do letramrum "escolarizado". Além disso, já está claro que o processo de pedagogíznm., do letramento não deriva unicamente das escolas, embora obviamente ti 1I~''-' encontrem suas raízes institucionais e históricas, conforme demonstra 1'11111 Cook-Gumperz (1986) e Soltow e Stevens (1981). Não é simplesmente lllllll questão de como a escola impõe sua versão do Ietramento sobre o muudu externo - como imaginávamos de início e como o supõe uma rica lHC'tll tura educacional. Ao contrário, a questão a ser explorada é como e por C/llc' essa versão de letramento é construída, assimilada e interiorizada em tann», contextos diferentes, incluindo a própria escola. Tentamos sugerir mod: h possíveis de responder a pergunta de como esse processo se efetua. Conc lu I mos com algumas sugestões sobre por que o processo é tão importante 1111 sociedade estadunidense contemporânea. Considerações teóricas: letramento, ideologia e nacionalismo As novas etnografias do letramento nos contam que as pessoas podem levar vidas plenas sem os tipos de letramento pressupostos nos círculos edu cacionais e outros. A reconceitualização do letramento sugerida ali implica afastar-se da visão dominante de letramento como possuidor de caracterí ticas "autônomas" distintivas associadas intrinsecamente à escolarização i' "I'PIlIlI\III\III '11111111111111'1"11 111111IIIIIIIdllllll "11 C'III'III'II'I'II'.llt:OOtio IH'HSOO 11'111111/11111111111111111'11'1""111111'Ilvlll/,.uln, cI('Sillwgadu, lógícu ctc., em con- I111',11'e'OIJlII~,"lIe'l I"dll'l" !I1111I.<11ft'se cornu 11icam principalmente por canais 111/1IH, Sl' as ljlllllltlllcl( 'S cI(' lógica, desapego, abstração convencionalmente 11""IH'ladas à aquisição do letramento se revelam disponíveis no discurso 111,ti, ('on forme Finnegan (1988) e outros têm demonstrado amplamente, ou, IIlf1lhol', em alguma mescla de canais que não exige as convenções e regras uunualmente associadas ao letramento-em-si, como vimos sugerindo aqui, 1'111110o letramento perde parte do status e da mistificação que atualrncnt NlIslcntam o investimento de vastos recursos tanto em seu cnsi no qU0l110 ('111 11111rnensuração. Como se pode explicar, então, a atenção quase obsesstvn ao 1('11'111111'1110 1111sociedade estadunidense, e por que o letramento é ('ollslcle'l'il(lo 1.11""1111 "funcionalmente necessário"? Unia resposta possível, Stll'o('I'lclnflllI' 1I0lilul nnálise neste capítulo da pedagogízação do letramento, (t <1111'111I11f'.1I0111,1'111 dll "função" mascara e efetivamente naturaliza o papel id('ClIIIH'111tllI !t'1101 monto na sociedade contemporânea. O letramento pedagol',ll',ildll (fllI' 11'11111' díscutido se torna, então, um conceito organizador em LOrtHI(111111111/.,,1'II1'11 nem ideias de identidade e valor social; os tipos de identlcludo 11111'1""" ti"l' iderimos e o tipo de nação a que queremos pertencer fic:llll1 I'II! 111"111/,,"" em discursos aparentemente desinteressados sobre a função, I11'"11'".1111t I1 necessidade educacional desse tipo de letramento. O letranu-ntu, 111' ,I} 1;1111 lido, se torna uma chave simbólica para vários dos problcnm- 111011',1\111\11 da sociedade: questões de identidade étnica, conflito, SUCt'SSII(111I IIII! 11"1!li,) podem ser desviadas na forma de explicações sobre como" 11I1"i"II.t1liilli letramento pode ser aperfeiçoada e como a distribuição cio 1<'11111111"'Ii fimlt ser ampliada; problemas de pobreza e desemprego podem !i1'1I"III~JIII !1I11 cios em questões sobre por que os indivíduos fracassam 1111"1I1I'lIdi'"l\i'lil do letramento na escola ou continuam, quando adultos, LI11'1iI'••11 'tiPil~i\li reparadora, desviando assim a culpa das instituições para os 1111111'1111111'41[111 estruturas de poder para a moral pessoal; problemas atineutr», 11t.lltI1, ill ao sucesso da sociedade estadunidense como um todo, em (,()llIflllIlI!,lI" outras como a japonesa, vistas como "tomando a dianH'II'II", 1I'"íll! onde os Estados Unidos fracassam, são colocados dentro di' 11111tillllll! debate educacional sobre leitura e escrita, novamente dcsvuuulu ,1.1111( das explicações institucionais sobre os déficits orçamentárk 1'1,11',lI/li /l1:'li I jll I ..•. \ ~ ~'"~~ ~ ~ ~,,-..,-s CJ 10 progrtuuu l'spl1l'lnl(1 111. \)111XIII,dl' \l1'IHIIIIIVldlldl' 1IIII'I"II"I'id" tilllll.lI)I",1 cam concentradas num signo únk'o (' sn\)I'I'd('I!'l'Illllllldll 11111111'11'/11111'11111 O significado do letramento, portanto, tem de ser tll'l'odlllClld() 11(1011\11'1111 em termos de um discurso em torno da educação - qualidade d(l ('~lI'lIllI, desempenho docente, testagem e avaliação, abordagens do ensi no dil CSI'III /I e assim por diante -, mas em termos de discursos de nacionalismo: (, ('111 torno do conceito de nação e de identidade nacional que se conceruram d', questões sociais atualmente desviadas para dentro do debate sobre 1(1(1'11 mento. Para entender os usos e significados do letramento, então, prcclsn mos analisar sua relação com o nacionalismo contemporâneo. De fato, muito do debate sobre "padrões" de letramento, atualmente enfatizado no trabalho de Hirsch (1987, 1988) e Bloome, Puro e Theodoron (1989) nos Estados Unidos, faz referência explícita tanto quanto implicltn ao nacionalismo. Hirsch, por exemplo, baseia seu conceito de "letrarncn to cultural" na ideia de "um padrão nacional compartilhado". Ele vínculn a uniformidade, obtida a duras penas, nas leis econômicas e no comércio interestadual à "uniformidade de letramento" crucial para a formação e /I sustentação de um país: "Os dois tipos de uniformidade estão intimamenro relacionados" (Hirsch, 1988). De igual modo, a explicação de Ernest Gellner (1983) para o crescímenu 1 do estado-nação no mundo moderno repousa no privilegiamento de um Ierra mento particular, aquele fornecido em instituições educacionais específicas: A indústria moderna exige uma população móvel, letrada, tecnologicamentr equipada, e o Estado moderno é a única agência capaz de oferecer semelha 11 te mão de obra por meio de seu suporte a um sistema educacional de massu, público, compulsório e padronizado. Sociedades modernas exigem homogo- neidade cultural para funcionar (apud Smith, 1986: 10). Não se diz qual é a cultura que deve fornecer o modelo para essa ho- mogeneidade nem quais culturas devem ser marginalizadas dentro dessa hegemonia: tudo se apresenta como uma simples questão de funcionamento e não de lutas pelo poder entre culturas concorrentes. A questão de qua I letramento vai fornecer o padrão e quais letramentos serão marginalizado. também fica escondida sob o discurso da necessidade tecnológica e da d - manda institucional.E, no entanto, por trás de seu apelo a forças aparent - mente neutras, Gellner e Hirsch deixam bem claro que têm em mente uma udllll'ill'iIIllIl Ilií 1\ í' I\lil li ii"lIli[1l1l11I 1]11'1111111 1\ til' ~""1 11I1I1"I,II,\lIl! 11 1\11'/1/\ 1111]111'111111111111111'\11.111'11111111111111\'1"1' I 1111'.111111li \1'1111111111111",I'i \IJ I'ill'll 1I/l11111111/,111'11111111111111111111.111.1111Idl'lllllf',11 d' 1'\/1 1111111'1III1I'f'f'111111111111 ill'p,IIIIII'\11011IIIVIII til' '.1'11JllIIPI'I() Ilpo pl'I'\('I'ldll di' \1'11.11111'11111" IltlllI!!1 111111,I 'OIllO LIm rillU I 'IIW,lllllildo tia v idn 11l0dl'rtlll, 11111"111'I 'I1I,',ldlltl" 1" \.11\11111 '.IIIIIOSIOdos conduzidos. Questionar suas ulegll<,'()('S SI'rI" hllIIlJl,1\ 1I '.111I >," I' "s realizações da nação, contestar sua própria itll'llIltlotll', IlI'llllll til discurso, um apelo à pluralidade cultural e à varicdnd« di' 11'11'111\11'11111 Iil,Sl'l11clha a uma receita para o caos. Por que é assim e como essas noções particulares de 1('11'(11111'11111.!li! 11111111e reproduzem sua hegemonia são as questões centrais <1111'1"'111'11111\11' 11'1'levantado, senão resolvido, neste capítulo. Gostaríamos di' 1",1111111111 p(lsquisas sobre letramento e sua relação com o nacionalismo I' 1'11111I1'-\11 Ilira que não partissem das premissas assumidas por Hirsch, (:1'11111'1I! 1!!iII parte da literatura educacional, mas de uma perspectiva mais cldllllidlll!'IlIi ,,('Ilsível e politicamente consciente. É, portanto, dentro de um modelo ideológico de letriJlill'lllIl '1"1 pesquisa precisa ser elaborada. Esse modelo de letramento :,1' '0I11!t1111111 Ideologia linguística mais ampla, na qual distinções entre ('VI'IIIII' llt crita, leitura e oralidade são apenas subcategorias, ~las mCSIlIIi', "'1II\I!111 t' definidas dentro da ideologia. Não entendemos "ideologia" Iltlf',ldid i! i! 11 sentido fraco de referência a "ideias sobre" língua, embora clah '.t'I·II11 ••! viamente importantes, mas num sentido mais forte que abrangi' I1 111!!~rHI ntre o indivíduo e a instituição social e a mediação da relação 111lilVI~1llI! sistemas de signos. Quando participamos da linguagem de uma iIlhlllllll rlii seja como falantes, ouvintes, escreventes ou leitores, ficamos posl!'1! 1IIIItlII por essa linguagem; ao se dar esse assentimento, uma miríade ele 1'1'1111,111. de poder, autoridade, status se desdobram e se reafirmam. No CCI'IH'dl".'ul linguagem na sociedade contemporânea, existe um compromisso 11111111'1 rupto com a instrução. É ele que emoldura e constrói o que desígnanu» 111\\11 por "pedagogização" do letramento. Conclusão Sugerimos que a pesquisa nesta área não deveria se concentrar 11(1I". cola isoladamente, mas na conceitualização do letramento na "comunidtuk'" 144 ~~. ~ ~ ~~ ~ ~ a ~ Ao repensar conceitos de letramento associados à pedagogização, particu- larmente focados em torno da linguagem do letramento, dos procedimentos para sua disseminação e da construção de um modelo autônomo, viemos a reconhecer como eles derivam não tanto da escola em si quanto de padrões culturais e ideológicos mais amplos. Dentro da escola, a associação da aqui- sição do letramento com o desenvolvimento pela criança de identidades e posições sociais específicas; o privilegiamento da língua escrita sobre a oral; a interpretação da consciência "metalinguística" em termos de práticas letra- das específicas e terminologia gramatical; e a neutralização e objetificação da língua que disfarçam seu caráter social e ideológico - tudo isso tem de ser entendido como processos essencialmente sociais: e~contribuem para a construção de um tipo particular de cidadão, um tipo particular de iden- tidade e um conceito particular de nação. A comunidade num sentido mais amplo, incluindo a própria "nação", participa dessas construções ideológi- cas através de processos também representados como politicamente neutros, meras questões educacionais. Os pais, seja ajudando os filhos nas tarefas escolares ou contestando o controle escolar do letramento por meio de lob- bies locais, reforçam a associação de letramento com ensino e pedagogia; a construção e o preenchimento do espaço doméstico com materiais letrados se associam a teorias específicas de aprendizagem; os tipos de letramento que as crianças poderiam adquirir com grupos de amigos e na comunidade são marginalizados contra o padrão do letramento escolarizado. Esse forta- lecimento do letramento escolarizado na comunidade contribui, junto com o da própria escola, para a construção da identidade e da personalidade no mo- derno estado-nação. As práticas domésticas e comunitárias retroalimentam, por seu turno, a prática escolar, ajudando a afirmar e remodelar também ali a pedagogização do letramento. Esses, portanto, são os processos e valores sociais característicos por meio dos quais o letramento é construído e disse- minado hoje na corrente social dominante dos Estados Unidos, processos e valores muito diferentes daqueles evidenciados nas etnografias do letramen- to que emergem atualmente da pesquisa no Terceiro Mundo, da história dos Estados Unidos e em setores da própria sociedade estadunidense contempo- rânea. Se quisermos entender a natureza e os significados do letramento em nossas vidas, precisamos então de mais pesquisas focadas no letrarncnto 1111 comunidade - neste sentido mais amplo - e nas implicações ideológicos I' IIno 1111110 ('(h I('II!'iOIlIl is d/ls 1)I'ÍIIj('/IS('Ollllllllcllliv/lS ('111 1111(' (011' 111' iIlSI'!'!',