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A presente aula objetiva adentrar em situações emblemáticas que traduzem, na prática, a expressão do direito civil constitucional. Após analisar as principais características desta corrente, bem como tecer reflexões críticas sobre possíveis consequências acerca da ordem individual ou privatista, cumpre-nos, agora, aprofundar diversas temáticas que podem ser referência nesse debate. Assim, de início, pretende-se conceituar os chamados hard cases ou casos difíceis, uma das consequências dessa corrente. Após isso, serão apresentados elementos do ativismo judicial em função do protagonismo das cortes e tribunais, assim como situações-problema que foram objeto de análise no Judiciário. Apresentar o conceito de hard cases Expor elementos do ativismo judicial e protagonismo de cortes constitucionais a partir da visão do Direito Civil Constitucional. Introduzir os estudos exemplificativos das modalidades de casos relacionados ao Direito Civil Constitucional. Até aqui verificamos as principais características e elementos críticos relacionados ao comportamento e consequências no campo do direito, referentes ao movimento do Direito Civil Constitucional. Podemos enfatizar novamente alguns desses elementos: (i) ao processo de absorção, pelas Constituições, de temas tipicamente regulados, (ii) à necessidade de orientação dos processos de criação estatal do direito e de obrigações entre particulares nos valores constitucionais, (iii) à valorização da pessoa humana como centro da ordem jurídica e parâmetro central para a aferição da legitimidade de ações estatais e de agentes privados e da qualidade do trabalho dogmático desenvolvido no âmbito do direito civil, (iv) à necessidade de os processos de interpretação do direito e, em sentido mais amplo, de definição de obrigações jurídicas concretas pelo Poder Judiciário se orientarem na realização máxima de valores constitucionais fundamentais de caráter não-patrimonial e (v) à possibilidade de aplicação direta de dispositivos constitucionais para a solução de problemas de direito privado. (LEAL, 2020, p. 130-131). Logo, podemos conceber o Direito Civil Constitucional como uma linha doutrinária e um movimento que, à luz da Constituição, serve para explicar e “[...] definir (i) como regras e institutos de direito civil são e devem ser produzidos, compreendidos e aplicados e (ii) como problemas de direito privado são e devem ser solucionados” (LEAL, 2020, p. 131). Adentrando agora na questão dos casos difíceis E tendo em vista essa interpretação de elementos do Direito Privado à luz de princípios constitucionais, pode-se chegar a casos em que há conflitos na aplicação desses mesmos princípios. É importante mencionar que tais situações, a partir do Direito Civil Constitucional, foram intensificadas (e não necessariamente teriam surgido deste movimento). Logo, como autores de referência para esse debate temos Robert Alexy, Dworkin, Atienza e MacCormick. Os hard cases caracterizam-se pela argumentação jurídica: o julgador lança mão de premissas e deve articular seus argumentos conforme o contexto de justificação. [...] entende-se que casos difíceis são aqueles em que o intérprete ou julgador se depara com incerteza a respeito das premissas normativas e/ou empíricas. Sob o ângulo normativo, nesses casos, será necessário desenvolver um esforço argumentativo maior na justificação das premissas que implicará, muitas vezes, Elementos do direito civil constitucional Aula 6 - Hard cases – casos difíceis e o Direito Civil Constitucional APRESENTAÇÃO DA AULA Objetivos CONTEÚDO ONLINE lançar mão da ponderação de princípios, de argumentos empíricos e de argumentos do discurso prático geral, dada a frequente insuficiência do discurso jurídico. (RODRIGUES, 2019, p. 19). Como forma de contrapor essa definição, o que seriam casos fáceis, então? Seriam situações apresentadas ao julgador em que esses esforços não se revelariam. Tratar-se-iam de situações de aplicação do direito positivo vigente – “legislação nos países do civil law; precedentes, naqueles que adotam o common law” (RODRIGUES, 2019, p. 19) sem que houvesse dúvidas na aplicação de premissas. Dando continuidade aos elementos da definição proposta a esta aula, também se relaciona o debate à indeterminação de sentido ou conceitos abertos de normas constitucionais. De acordo com Rodrigues (2019, p. 22), “Tais normas muitas vezes são produtos de consensos políticos delicados, em que se faz necessário atribuir um grau maior de generalidade ou abstração com o intuito de obter sua aprovação”. Os mesmos casos difíceis se originam, conforme a doutrina aponta, quando as leis e precedentes “não são capazes de determinar a resposta a uma questão jurídica” (RODRIGUES, 2019, p. 15), sendo necessário um esforço argumentativo diante desses casos. Desse modo, [...] construir a melhor solução para casos específicos não passa a depender, como já anunciado, apenas da subsunção de fatos aos predicados fáticos de regras, por exemplo, do Código Civil. Ao contrário, questões concretas de direito civil são vistas, na verdade, como oportunidades para o empreendimento de esforços de concretização da Constituição, considerados custosos, na medida em que exigem do juiz a superação de ônus como os (i) de identificação dos elementos constitucionais incidentes no caso, (ii) de determinação de sentido dos valores ou princípios constitucionais envolvidos e, na hipótese de divergência entre a resposta legislativa e a resposta constitucional fornecidas para o caso, (iii) de harmonização das tensões estruturais e institucionais envolvidas quando há percebido descompasso entre uma regra e um princípio. (LEAL, 2020, p. 104). Dessa forma, há toda uma construção argumentativa envolvendo o caso de direito privado, aplicando-se normas constitucionais e princípios que por vezes podem se chocar. Desse conflito, mune-se da técnica de ponderação dos princípios para que a situação se resolva com o esforço argumentativo do julgador. Esse fato pode também se relacionar com o chamado “ativismo judicial”, ao protagonismo de cortes constitucionais responsáveis por essas interpretações da Constituição. O que seria esse ativismo? Esse ativismo está ligado a uma “participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes” (BARROSO, 2010, p. 9). Esse comportamento se vincula à aplicação da Constituição em situações que não estão expressamente contempladas em seu texto, atos normativos considerados inconstitucionais pelo legislador, condutas ou abstenções relacionadas a temas de políticas públicas (BARROSO, 2010, p. 6). No caso do movimento do Direito Civil Constitucional, isso se torna evidente com atuação do Judiciário, que passou a ganhar um protagonismo ainda maior. Mas quais tipos de casos seriam casos difíceis na ótica do Direito Civil Constitucional? Nesse momento, serão brevemente expostos alguns casos e, na próxima aula, aprofundaremos especificamente a aplicabilidade deste movimento. Desse modo, alguns temas envolvem, por exemplo: Neste debate, por meio do mandado de segurança n. 7407-DF, no STJ, o tema girou em torno do dever educacional da família e dos pais, junto com a liberdade de escolha do oferecimento de estudos (ensino em casa). Envolveram-se o direito à educação, o dever do Estado, a liberdade de aprender e educar e os direitos da família. Decidiu-se que o ensino fundamental não poderia ser ministrado em casa, exigindo-se o espaço público para formação da cidadania (RANIERI, 2011). Diz respeito à necessidade e dever jurídico de o proprietário cultivar sua terra e torná-la produtiva, utilizando-a racionalmente. Outra situação é garantir a propriedade do bem ao dono, diante de ocupações no imóvel (ADI 2.213, 2004, STF). São apenas dois casos exemplificados aqui, mas que retratam e representam justamente esse conflito entre o Direito Privado, direito do indivíduo e princípios que remetem à coletividade. Assim, na questão da educação,envolveria a liberdade de formação e a privacidade familiar, em debate com o dever estatal da educação e a convivência em sociedade. O outro caso envolve o direito de propriedade e a questão de cumprir uma função social. Em cada um deles há a argumentação que sustenta as respectivas decisões, em que a tendência é prezar pelo coletivo. Educação: primado da família vs. Estado Bens: direito à propriedade vs. função social Figura 6.1 – Direito Civil Constitucional Fonte: wirestock/freepik.com Esta aula buscou aprofundar um pouco mais em uma das consequências advindas da aproximação entre Direito Civil e Direito Constitucional nos chamados casos difíceis. Além disso, retratou-se a sua aplicabilidade apenas de modo inicial; nas próximas aulas, será mais aprofundada. Espera-se que o/a discente reconheça esses elementos, assim como o método de aplicabilidade. Atenção! Aqui existe uma videoaula, acesso pelo conteúdo online Exercícios de fixação 1 – Acerca dos casos difíceis: a) Deve-se fazer um esforço argumentativo maior na justificação das premissas, o que implicará, muitas vezes, lançar mão da ponderação de princípios. b) São raros atualmente. c) Não possuem relação com o Direito Civil. d) Dworking, Atienza e Alexy não produziram Constitucional reflexões a respeito deles. e) Nenhuma das anteriores. 2 – O ativismo judicial compreende: a) Redução da demanda judicial. b) Ajustes realizados na interpretação da lei pelo legislador. c) Protagonismo dos poderes. d) Participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais. https://stecine.azureedge.net/webaula/pos.estacio/MLC059/aula6/img/06-1.jpg Nesta aula: Identificaram-se elementos críticos da perspectiva que aproxima Direito Civil e Direito Constitucional. Apresentaram-se elementos conceituais dos chamados casos difíceis. Relacionaram-se esses elementos com características do protagonismo do Judiciário. Iniciaram-se estudos da aplicabilidade do Direito Civil Constitucional. Na próxima aula, você estudará os seguintes assuntos: Aprofundamento em situações e casos práticos de Direito Civil Constitucional. Continuidade na aplicação dos conceitos e elementos apreendidos nas aulas anteriores. ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. São Paulo: Malheiros, 2008. BARROSO, Luís Roberto. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Suffragium. Revista do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará, Fortaleza, v. 5, n. 8, p. 11-22, jan./dez. 2009. e) Aumento de execuções penais apenas. 3 – Um exemplo de caso difícil envolvendo a educação se traduz: a) na simples aplicação da norma ao fato. b) na rápida solução da controvérsia. c) na solução do litígio sem argumentação. d) na argumentação simples. e) no debate envolvendo princípios de liberdade de educação, direitos de família e o dever do Estado em prover esse direito. 4 – Outro exemplo de caso difícil envolvendo o direito de propriedade: a) Trata-se do conflito entre o direito a ter propriedade e o direito coletivo de que a propriedade deve ter sua função social exercida. b) Não diz respeito à coletividade. c) Deve sempre prevalecer o indivíduo sobre o coletivo. d) Não compreende debates argumentativos existentes na Constituição. e) Em nada diz respeito à função social da propriedade. 5 – Assinale a afirmativa correta: a) O comportamento se vincula à aplicação da Constituição em situações que não estão expressamente contempladas em seu texto. b) No caso do movimento do Direito Civil Constitucional, não é evidente que a atuação do Judiciário ganhou um protagonismo ainda maior. c) O ativismo não está ligado à maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes. d) Os casos difíceis se originam, conforme a doutrina aponta, quando as leis e precedentes determinam a resposta a uma questão jurídica. e) Não é comum a existência de hard cases. Síntese Próxima aula Referências BODIN DE MORAES TEPEDINO, Maria Celina. A caminho de um direito civil constitucional. Revista de Direito Civil, Imobiliário, Agrário e Empresarial, v. 17, n. 65, p. 21-32, jul./set., 1993. HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris, 1991. SCHREIBER, Anderson; KONDER, Carlos Nelson. Uma agenda para o direito civil-constitucional. Revista Brasileira de Direito Civil, v. 10, n. 4, 2016, p. 9-27. LEAL, Fernando. Seis objeções ao direito civil constitucional. EMERJ, v. 22, n. 2., p. 91-150, maio-ago. 2020. Disponível em: https://www.emerj.tjrj.jus.br/revistaemerj_online/edicoes/revista_v22_n2/revista_v22_n2_91.pdf LOBO, Paulo. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2018. MAGALHÃES, Fernando Lúcio Esteves de. A função socioambiental da propriedade privada urbana sob a ótica do direito civil constitucional. Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, 2017. PEREIRA, Caio Mário da Silva. 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