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- ÍNDICE - NEONATOLOGIA INTRODUÇÃO TERMOS E DEFINIÇÕES AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO INTRAUTERINO E DO PESO AO NASCER REANIMAÇÃO NEONATAL E CUIDADOS INICIAIS REANIMAÇÃO NEONATAL INTRODUÇÃO O PREPARO PARA A ASSISTÊNCIA O ATENDIMENTO CUIDADOS INICIAIS O BOLETIM DE APGAR CUIDADOS DE ROTINA TESTES DE TRIAGEM NEONATAL PRINCIPAIS DOENÇAS DO PERÍODO NEONATAL DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INTRODUÇÃO SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO (DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA) PNEUMONIA NEONATAL TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA DO RECÉM-NASCIDO SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO MECONIAL HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NEONATAL APNEIA DA PREMATURIDADE DISPLASIA BRONCOPULMONAR ICTERÍCIA NEONATAL INTRODUÇÃO METABOLISMO DA BILIRRUBINA ICTERÍCIA FISIOLÓGICA QUADROS NÃO FISIOLÓGICOS TRATAMENTO COMPLICAÇÕES DOENÇAS INFECCIOSAS INTRODUÇÃO SEPSE NEONATAL SÍFILIS CONGÊNITA RUBÉOLA CONGÊNITA TOXOPLASMOSE CONGÊNITA CITOMEGALOVIROSE CONGÊNITA VARICELA CONGÊNITA VÍRUS HERPES-SIMPLEX ZIKA CONGÊNITA MANEJO DO RN COM EXPOSIÇÃO AO HIV OUTROS ASPECTOS DOS CUIDADOS INICIAIS INTRODUÇÃO ADAPTAÇAO À VIDA EXTRAUTERINA ADAPTAÇÃO CARDIORRESPIRATÓRIA O EXAME FÍSICO NEONATAL O RECÉM-NASCIDO SAUDÁVEL OUTRAS DOENÇAS DO PERÍODO NEONATAL DISTÚRBIOS DO METABOLISMO GLICOSE CÁLCIO RN DE MÃE DIABÉTICA DOENÇA METABÓLICA ÓSSEA TOCOTRAUMATISMOS INTRODUÇÃO LESÕES SUPERFICIAIS LESÕES DOS NERVOS PERIFÉRICOS E NERVOS CRANIANOS LESÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL LESÕES ÓSSEAS LESÕES VISCERAIS DOENÇAS NEUROLÓGICAS ASFIXIA E ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA HEMORRAGIAS INTRACRANIANAS LEUCOMALÁCIA PERIVENTRICULAR DEFEITOS CONGÊNITOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL ENTEROCOLITE NECROSANTE DEFEITOS CONGÊNITOS DO TRATO GASTROINTESTINAL DOENÇAS SENSORIAIS RETINOPATIA DA PREMATURIDADE DOENÇAS HEMATOLÓGICAS POLICITEMIA INTRODUÇÃO À GENÉTICA MÉDICA INTRODUÇÃO ANOMALIAS CONGÊNITAS ASPECTOS GERAIS DESORDENS GENÉTICAS ASPECTOS GERAIS PADRÕES DE HERANÇA Intro_27833 NEONATOLOGIA ASPECTOS GERAIS INTRODUÇÃO A neonatologia é uma área de atuação da pediatria que visa à assistência ao recém-nascido – doravante apelidado de RN – desde a sala de parto até o final do período neonatal (1º ao 28º dia de vida). A mortalidade neste período é responsável por cerca de 70% dos óbitos no primeiro ano de vida e, deste modo, torna-se evidente que o cuidado adequado ao RN é fundamental para a redução nos índices de mortalidade infantil. Os óbitos neste período concentram-se na primeira semana de vida, com um grande percentual ocorrendo ainda no primeiro dia. Se não bastasse isso para dimensionarmos a importância do tema, aceita-se cada vez mais que uma série de condições crônico-degenerativas encontradas na vida adulta são influenciadas por fatores da vida intrauterina, pelas condições de saúde ao nascimento e, também, pelos eventos do período neonatal. Analisando uma série de informações do Ministério da Saúde, podemos destacar alguns dados relacionados ao atual panorama brasileiro: ● Número de nascidos vivos: na primeira década deste século, entre 2000 e 2010, foi identificada uma redução de 10,8% no número de nascimentos. Esta queda não foi homogênea em todo o país, sendo mais acentuada nas regiões Sul e Sudeste. Entre 2010 e 2015, um aumento no número de nascimentos foi observado, com 3.017.668 nascidos vivos em 2015, mas, em 2016, foi novamente observada uma queda, com o registro de 2.857.800 crianças. Os últimos dados, de 2019, indicam 2.849.146 nascimentos; ● Idade materna: a proporção de gestações durante a adolescência vem diminuindo, mas ainda é considerada significativa. A proporção de mães adolescentes é maior na região Norte (22% em 2019) e menor nas regiões Sul e Sudeste (cerca de 11%, no mesmo ano). Por outro lado, nota-se um aumento na proporção de mães com idade acima de 35 anos; ● Prematuridade: a prematuridade é um dos grandes determinantes da mortalidade infantil. No ano de 2019, cerca de 11% dos nascidos vivos foram pré-termo. Este número é maior do que o registrado em 2010, que foi de 7,2%; ● Baixo peso ao nascer (< 2.500 g): este é, isoladamente, o fator de risco mais importante para a mortalidade infantil. O percentual encontrado no país, em 2019, foi de 8,6%, sendo maior nas regiões Sudeste (9,3%) e Sul (8,8%) e menor na região Norte (7,7%). TERMOS E DEFINIÇÕES Como você percebeu nos parágrafos anteriores, diversos termos são rotineiramente usados no estudo da neonatologia. Ainda que alguns possam parecer um tanto quanto óbvios, é importante que você conheça as definições corretas de cada um deles. Veja-os na Além disso, uma avaliação de fundamental importância, como você também percebeu, é a classificação do RN em função de sua idade gestacional e peso de nascimento. Veja como isso é feito na Tabela 1. Tabela 2. TAB. 1 DEFINIÇÕES EM NEONATOLOGIA. Video_01_Ped1 Para as classificações citadas na necessitamos conhecer a idade gestacional e o peso de nascimento da criança. Para o cálculo da idade gestacional, podemos nos basear na data da última menstruação ou nas informações da ultrassonografia realizada no primeiro trimestre. Tudo isso será extensamente estudado nos módulos de Obstetrícia. Além disso, também é possível estimarmos a idade gestacional a partir da avaliação de uma série de características do exame físico do RN, como você poderá conferir mais a frente nesta apostila na descrição do exame físico no período neonatal. Para a avaliação da adequação do peso em função da idade gestacional, devemos nos basear em gráficos com curvas de crescimento. Várias curvas de crescimento têm sido desenvolvidas com dados antropométricos de populações de crianças nascidas com diferentes idades gestacionais e indicam as distribuições em percentis ou os valores de escore-Z para estes dados. Habitualmente, a faixa de normalidade é definida pelo achado de peso entre os percentis 10 e 90 de um determinado gráfico. Como indicado na os RN com peso entre os percentis 10 e 90 são considerados AIG; aqueles abaixo do percentil 10 são PIG; e, por fim, os acima do percentil 90 são GIG. Dentre as várias curvas de crescimento, podemos citar algumas mais antigas, como as de Lubchenco e Alexander. Atualmente, as curvas de Fenton têm sido bastante empregadas e apresentam dados referentes ao peso, estatura e perímetro cefálico para várias idades gestacionais, tanto para o sexo feminino, quanto para o masculino. Estas curvas estão representadas nas e . AVALIAÇÃO DO CRESCIMENTO INTRAUTERINO E DO PESO AO NASCER A classificação em função da adequação do peso para a idade gestacional nos permite determinar que um RN é PIG, o que pode estar associado com alguma desordem subjacente. Alguns destes RN podem ter sofrido um Crescimento Intrauterino Restrito (CIUR) e isso deve ser avaliado. Não é incomum que os termos PIG e CIUR sejam usados como sinônimos, mas perceba que isso é conceitualmente incorreto. As crianças PIG representam, tão somente, aquelas cujo peso está situado abaixo do percentil 10 da curva de crescimento populacional. Nem sempre estas crianças terão sofrido alguma limitação ao seu crescimento pré-natal e podem ser apenas "constitucionalmente" pequenas. Já o CIUR diz respeito a uma redução no crescimento esperado para a idade gestacional em questão: estas crianças poderão ou não ser PIG no momento do nascimento. Entenda um pouco melhor o que acontece nestas situações... O feto que apresenta CIUR o faz em função de um processo patológico intraútero. As condições que levam a isso incluem situações que interferem com a circulação placentária, com o crescimento e desenvolvimento do feto ou com a saúde e nutrição materna de forma geral. Incluem-se aí condições intrínsecas ao próprio feto, como anomalias cromossomiais. O feto com CIUR pode apresentar redução de seu crescimento de uma forma uniforme ou não, como mostrado a seguir. NASCIDO VIVO Caraterizado quando há a expulsão completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez, de um produto de concepçãoque, depois da separação, respira ou apresenta quaisquer outros sinais de vida, tais como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária, estando ou não cortado o cordão umbilical e estando ou não desprendida a placenta. Nestes casos, sempre deve ser preenchida a Declaração de Nascido Vivo, que deve ser fornecida pelo hospital. ÓBITO FETAL É a morte de um produto da concepção antes da expulsão ou da extração completa do corpo da mãe, independentemente da duração da gravidez; indica o óbito o fato do feto, depois da separação, não respirar nem apresentar nenhum sinal de vida, como batimentos do coração, pulsações do cordão umbilical ou movimentos efetivos dos músculos de contração voluntária. Deve ser fornecida uma Declaração de Óbito Fetal, a ser feita no mesmo impresso utilizado para o atestado de óbito, sempre que a idade gestacional for ≥ 20 semanas. TAB. 2 CLASSIFICAÇÕES DO RN. CLASSIFICAÇÃO QUANTO AO PESO DE NASCIMENTO RN com baixo peso ao nascer Menos de 2.500 g (1.500 a 2.499 g). RN com muito baixo peso ao nascer Menos de 1.500 g (1.000 a 1.499 g). RN com extremo baixo peso ao nascer Menos de 1.000 g. CLASSIFICAÇÃO QUANTO À IDADE GESTACIONAL RN pré-termo Menos de 37 semanas completas (até 36 semanas e 6 dias de gestação). Obs.: ● Pré-termo tardio: 34 a 36 semanas e 6 dias; ● Pré-termo moderado (ou moderadamente pré-termo): 32 semanas a 33 semanas e 6 dias; ● Muito pré-termo: 28 semanas a 31 semanas e 6 dias; ● Pré-termo extremo: menos de 28 semanas de idade gestacional. RN a termo De 37 a 41 semanas e 6 dias de gestação. RN pós-termo 42 semanas ou mais de gestação. CLASSIFICAÇÃO DO PESO EM RELAÇÃO À IDADE GESTACIONAL Adequado para a Idade Gestacional (AIG) Entre os percentis 10 e 90. Pequeno para a Idade Gestacional (PIG) Abaixo do percentil 10. Grande para a Idade Gestacional (GIG) Acima do percentil 90. Tabela 2, Tabela 2, Figuras 1 2 FIG. 1 GRÁFICO DE CRESCIMENTO – MENINOS (FENTON, 2013). CIUR SIMÉTRICO É aquela situação na qual o processo de doença atua sobre o feto desde o início da gravidez. Geralmente, o fator patogênico está intrinsecamente relacionado ao concepto, interferindo sobre seu crescimento desde a embriogênese. A multiplicação celular (hiperplasia) fica comprometida, resultando em um feto que cresce proporcionalmente pouco desde o início da gestação, com peso, comprimento e perímetro cefálico abaixo do percentil 10. As principais causas são as síndromes genéticas, malformações, infecções congênitas, exposição à radiação e às drogas. CIUR ASSIMÉTRICO É aquele em que o processo de doença mais evidente atua a partir do 3º trimestre de gravidez, na fase de aumento de volume celular (hipertrofia). Resulta em fetos que apresentam uma restrição desproporcional do crescimento, com a cabeça e os membros relativamente poupados. As principais causas implicadas no desenvolvimento do CIUR assimétrico são as doenças maternas que cursam com insuficiência placentária, como cardiopatias, nefropatias, pneumopatias, hipertensão, colagenoses, diabetes, tabagismo, uso de cocaína, e, em menor grau, doenças intrínsecas fetais. É o tipo mais frequente de CIUR e possui um prognóstico melhor que o tipo anterior. De um modo geral, quando o RN apresenta um comprometimento só do peso, é mais provável que o agravo tenha ocorrido no final da gestação; já quando o comprimento também está afetado, é mais provável que o agravo esteja presente há mais tempo. Na você pode observar diversas condições que podem levar ao CIUR. Vale a pena mencionar que diversos destes fatores também podem aumentar o risco de prematuridade. FIG. 2 GRÁFICO DE CRESCIMENTO – MENINAS (FENTON, 2013). Tabela 3 TAB. 3 CAUSAS DE CIUR. CAUSAS FETAIS ● Cromossomopatias: » Trissomia do 21 (síndrome de Down); » Trissomia do 18 (síndrome de Edwards); » Trissomia do 13 (síndrome de Patau); » Monossomia do X (síndrome de Turner); » Mosaicismo. ● Anomalias genéticas: » Síndrome de Silver-Russel; » Síndrome de Bloom; » Osteogênese imperfecta; » Acondroplasia; » Condrodisplasias; » Defeitos de tubo neural. ● Malformações congênitas. CAUSAS MATERNAS ● Infecções virais, bacterianas ou por protozoários. ● Uso de drogas e substâncias tóxicas. ● Doenças clínicas. CAUSAS PLACENTÁRIAS ● Doenças placentárias: » Placenta prévia; » Placenta circunvalada; » Corioangioma; » Inserção velamentosa de cordão; » Artéria única umbilical. ● Transferência placentária deficiente: » Trombose e infartos placentários; » Gestação gemelar. REANIMAÇÃO NEONATAL E CUIDADOS INICIAIS REANIMAÇÃO NEONATAL INTRODUÇÃO Como já tínhamos conversado nos parágrafos iniciais, grande parte dos óbitos ocorridos no primeiro ano de vida acontecem no período neonatal e, mais especificamente, na primeira semana de vida. As principais causas de mortes neonatais em todo o mundo são as complicações da prematuridade, os eventos relacionados ao parto e as infecções. Alguns dados em nosso meio são alarmantes: as taxas de mortalidade neonatal precoce relacionadas com asfixia são elevadas e 5-6 RN com peso ≥ 2.500g e sem malformações congênitas morrem por dia no país na primeira semana de vida por causas associada à asfixia perinatal. Em 2019, no Brasil, 35.293 crianças foram a óbito no primeiro ano de vida, sendo que 52% destes (18.402) ocorreram na primeira semana de vida. Dentre estes óbitos, 20% foram associados à asfixia perinatal. Este cenário precisa ser melhorado. A reanimação imediata é uma das intervenções capazes de reduzir a morbidade e a mortalidade no período neonatal associadas com a asfixia. Outras intervenções capazes de modificar este desfecho incluem medidas de prevenção primária (melhora da saúde materna, reconhecimento de situações de risco no pré-natal, disponibilização de recursos humanos para atender ao parto e reconhecer complicações obstétricas) e o tratamento das complicações do processo asfíxico. Se, ainda assim, você não está convencido da importância do assunto, aí vão mais alguns números: ao nascimento, cerca de um em cada dez RN necessita de ajuda para iniciar a respiração efetiva; um em cada 100 precisa de intubação traqueal; e 1-2 em cada 1.000 requer intubação acompanhada de massagem cardíaca e/ou medicações, desde que a ventilação seja aplicada adequadamente. Lembre-se de que são cerca de três milhões de nascidos vivos a cada ano em nosso país, logo, todas essas medidas estão sendo adotadas a cada instante nas diversas maternidades. O PREPARO PARA A ASSISTÊNCIA O preparo para o atendimento ao RN deve incluir a realização de uma anamnese materna, a disponibilização de todo o material necessário para o atendimento, bem como a presença de uma equipe treinada e capacitada para este atendimento. Durante a realização da anamnese, diversas condições podem ser identificadas e antecipam a maior possibilidade de que o RN venha necessitar de auxílio para a transição respiratória e cardiocirculatória ao nascer. Você pode conferir estas condições na É importante frisar que, ainda que nenhuma das características de risco descritas seja identificada, todo material necessário para a reanimação deve ser preparado, testado e estar disponível em local de fácil acesso, antes do nascimento. Veremos, logo adiante, que as várias etapas do atendimento ao RN devem ser realizadas em poucos segundos e, deste modo, não é aceitável que a equipe perca tempo ou se disperse com a busca ou ajuste de materiais após o início da reanimação. Tabela 4. Em relação à equipe propriamente dita, recomenda-se que em todo parto esteja presente pelo menos um profissional capaz de iniciar de maneira adequada a reanimação neonatal, preferencialmente um pediatra. Caso a anamnese nos permita antecipar o nascimento de uma criança de maior risco, podem ser necessários dois ou três profissionais para o atendimento. Além disso, nocaso de nascimentos múltiplos, é necessária a presença de uma equipe para cada uma das crianças, bem como de material próprio para cada uma delas. Não será na sala de parto que os irmãos vão aprender a compartilhar seus pertences! TAB. 4 CONDIÇÕES ASSOCIADAS À NECESSIDADE DE REANIMAÇÃO AO NASCER. O ATENDIMENTO Vamos, agora, apresentar a sequência de atendimento ao RN com idade gestacional ≥ 34 semanas. O atendimento às crianças com idade inferior a esta possui algumas particularidades, que veremos a seguir. Antes de prosseguir com a leitura, olhe despretensiosamente o do Programa de Reanimação Neonatal da Sociedade Brasileira de Pediatria. Retorne a este fluxograma várias vezes ao longo da leitura dos próximos parágrafos e esta sequência se tornará medular, como deve ser. FATORES ANTENATAIS ● Idade < 16 anos ou > 35 anos. ● Diabetes. ● Síndromes hipertensivas. ● Doenças maternas. ● Infecção materna. ● Aloimunização ou anemia fetal. ● Uso de medicações. ● Uso de drogas ilícitas. ● Óbito fetal ou neonatal anterior. ● Ausência de cuidado pré-natal. ● Idade gestacional < 39 ou > 41 semanas. ● Gestação múltipla. ● Rotura prematura das membranas. ● Polidrâmnio ou oligoâmnio. ● Diminuição da atividade fetal. ● Sangramento no 2º ou no 3º trimestre. ● Discrepância de idade gestacional e peso. ● Hidropsia fetal. ● Malformação fetal. FATORES RELACIONADOS AO PARTO ● Parto cesáreo. ● Uso de fórcipe ou extração a vácuo. ● Apresentação não cefálica. ● Trabalho de parto prematuro. ● Parto taquitócico. ● Corioamnionite. ● Rotura de membranas > 18 horas. ● Trabalho de parto > 24 horas. ● Segundo estágio do parto > 2 horas. ● Padrão anormal de frequência cardíaca fetal. ● Anestesia geral. ● Hipertonia uterina. ● Líquido amniótico meconial. ● Prolapso ou rotura de cordão. ● Nó verdadeiro de cordão. ● Uso de opioides 4 horas anteriores ao parto. ● Descolamento prematuro da placenta. ● Placenta prévia. ● Sangramento intraparto significante. Fluxograma 1 O ATENDIMENTO AO RECÉM-NASCIDO ≥ 34 SEMANAS AVALIAÇÃO DA VITALIDADE A sequência de atendimento ao RN será determinada pela avaliação de três parâmetros: a idade gestacional, a respiração/choro e o tônus muscular. Quando, após a extração da cavidade uterina, verifica-se que o RN com idade gestacional ≥ 34 semanas começou a respirar ou chorar e tem tônus muscular em flexão, deve ser indicado o clampeamento tardio do cordão. Ainda que a definição exata de clampeamento tardio seja controversa, recomenda-se que, nestes casos, o clampeamento seja feito 1-3 minutos após a extração completa. A razão para isso baseia-se no fato de que esta medida tem benefícios nos índices hematológicos entre três e seis meses de idade, ainda que esteja associada com maior frequência de policitemia, o que implica na necessidade de cuidado quanto ao aparecimento e acompanhamento da icterícia nos primeiros dias de vida. Enquanto se aguarda para o clampeamento, o RN pode ser posicionado no abdome ou tórax maternos, mantendo-se a temperatura corporal. A ordenha de cordão não é recomendada nesse grupo de RN. Nos casos em que o RN é a termo, ou seja, tem idade gestacional entre 37 e 41 semanas e 6 dias, recomendamos que ele permaneça junto à mãe após o clampeamento do cordão. Para garantia da manutenção da temperatura corporal, devemos secar o corpo e o segmento cefálico com compressas aquecidas e mantê-lo em contato pele a pele com a mãe, coberto com tecido de algodão seco e aquecido. Além disso, as vias aéreas devem ser mantidas pérvias e a Frequência Cardíaca (FC), respiração/choro e tônus são avaliados. Já nos casos em que o RN ≥ 34 semanas não inicia a respiração ou não tem tônus em flexão, o clampeamento do cordão deve ser feito imediatamente. O clampeamento imediato também está indicado quando a circulação placentária não estiver intacta (descolamento prematuro de placenta, placenta prévia ou rotura ou prolapso ou nó verdadeiro de cordão). ESTABILIZAÇÃO/REANIMAÇÃO NO RN ≥ 34 SEMANAS PASSOS INICIAIS Quando é feita a avaliação dos parâmetros iniciais e identificamos que o RN não é a termo, não iniciou movimentos respiratórios regulares ou tem tônus muscular flácido, devemos conduzi-lo à mesa de reanimação. Atente apenas para um detalhe: se o RN não for a termo, mas apresentar-se com boas condições de vitalidade, ainda que tenha que ser conduzido para a mesa de reanimação, não é necessário que o clampeamento do cordão seja imediato. Os passos iniciais da estabilização devem ser realizados em, no máximo, 30 segundos e consistem em: prover calor, posicionar a cabeça em leve extensão, aspirar boca e narinas (se necessário) e secar. FLUXOGRAMA 1 REANIMAÇÃO DO RECÉM-NASCIDO EM SALA DE PARTO. Versão 2016 com atualizações em maio de 2021. Observe alguns cuidados em relação a estes passos: ● Para prevenção da perda de calor, a sala de atendimento deve ter uma temperatura entre 23-26ºC. O RN deve ser levado à mesa de reanimação envolto em campos previamente aquecidos e deve ser posicionado sob fonte de calor radiante. Outra estratégia para esta prevenção é secar o corpo e a região da fontanela, desprezando- se os campos úmidos, mas isso só é feito após as medidas para manutenção das vias aéreas pérvias; ● Para manutenção da perviedade da via aérea, a cabeça deve ser posicionada em leve extensão. A colocação de um coxim sob os ombros pode facilitar o posicionamento correto; ● A aspiração das vias aéreas não é rotineiramente indicada, devendo ser reservada para os casos em que há obstrução de vias aéreas por excesso de secreções. Nesses casos, aspirar a boca e, depois, as narinas. Após a realização destes passos, deve ser feita a avaliação da respiração e da FC. A respiração deve ser avaliada pela observação da expansão torácica ou pela presença de choro. A FC, neste momento inicial, deve ser feita pela ausculta do precórdio. De forma padronizada, recomenda-se auscultar por 6 segundos e multiplicar o valor por dez, resultando no número de batimentos por minuto. Caso a ventilação seja iniciada, a maneira de avaliar a FC será outra. Quando a avaliação mostra que a criança tem respiração espontânea regular e FC > 100 bpm, devem ser avaliadas as condições clínicas gerais e, sempre que possível, o RN deve ser deixado em contato pele a pele com a mãe, coberto com tecido de algodão seco e aquecido. Segue-se a avaliação contínua da atividade, o tônus muscular e a respiração/choro. Perceba que a avaliação da presença de cianose não é feita com o intuito de determinar as manobras de reanimação, como já foi outrora recomendado. E se o cenário for outro? Vejamos a seguir. APÓS OS PASSOS INICIAIS VENTILAÇÃO COM PRESSÃO POSITIVA Quando os passos iniciais da estabilização são realizados e a avaliação mostra respiração ausente ou irregular ou FC < 100 bpm, a Ventilação com Pressão Positiva (VPP) deve ser iniciada ainda nos primeiros 60s após o nascimento ("minuto de ouro"). Nas palavras do próprio Programa de Reanimação Neonatal, a "ventilação pulmonar é o procedimento mais simples, importante e efetivo na reanimação do RN em sala de parto". Alguns aspectos práticos em relação a este procedimento são os seguintes: ● Nos RN com ≥ 34 semanas, a VPP deve ser iniciada com ar ambiente (oxigênio a 21%) e com uma frequência de 40-60 movimentos/minuto (aperta/solta/solta, aperta/solta/solta...); ● Após o início da VPP, devemos usar a oximetria de pulso para regular a oferta de oxigênio (esta monitorização é sempre feita com o oxímetro posicionado no membro superior direito, na região do pulso radial, para determinação da saturação pré-ductal). Os valores ideais variam conforme o tempo de vida, como mostrado na ● Não é comum haver a necessidade de oxigênio suplementar no RN ≥ 34 semanas quando a VPP é feita com a técnica adequada. Quando, raramente,houver a necessidade de oxigênio suplementar durante a ventilação, a concentração deve ser aumentada para 40%, com nova verificação da SatO2. Se não houver melhora, aumentar a concentração de O2 para 60% e assim sucessivamente. Aumentar a oferta de O2, mas ventilar com a técnica incorreta não leva à melhora do RN; ● Quando a VPP é iniciada, recomenda-se a monitorização cardíaca para a avaliação acurada, rápida e contínua da FC. Logo, enquanto um profissional inicia a ventilação, outro fixa os três eletrodos do monitor cardíaco e o sensor do oxímetro. O objetivo desta monitorização não é a detecção de ritmos anômalos, mas sim o acompanhamento da FC. É colocado um eletrodo em cada braço próximo ao ombro e o terceiro eletrodo na face anterior da coxa. A FC é o principal determinante da decisão de indicar as diversas manobras de reanimação; ● Há mais de um equipamento que pode ser usado para a VPP. O balão autoinflável é de baixo custo e costuma estar disponível em nosso meio. Outros equipamentos, como o ventilador mecânico manual em T, podem ser empregados; veremos como são utilizados ao falarmos sobre o atendimento ao RN < 34 semanas. A interface usada para a ventilação inclui a máscara facial, a cânula traqueal e a máscara laríngea, sendo esta última pouco encontrada em nossas maternidades. A VPP costuma ser iniciada por intermédio da máscara facial, salvo em situações excepcionais, que serão descritas adiante. TAB. 5 VALORES DE SatO2 PRÉ-DUCTAIS DESEJÁVEIS, SEGUNDO A IDADE PÓS-NATAL. O principal indicador de efetividade da VPP é o aumento da FC. Quando, após 30 segundos de VPP, o RN mantém FC < 100 bpm ou não retoma a respiração espontânea rítmica e regular, consideramos que houve falha e a primeira medida nestes casos é realizar uma checagem na técnica. Tal medida consiste em: verificar o ajuste entre face e máscara, a permeabilidade das vias aéreas (posicionando a cabeça, aspirando secreções e mantendo a boca aberta) e a pressão inspiratória, corrigindo o que for necessário. Além disso, deve-se verificar se o balão ou o ventilador mecânico manual em T estão funcionando adequadamente. A verificação da técnica sempre deve ser feita antes da oferta de oxigênio suplementar. Isso mesmo! A criança deve continuar sendo ventilada em ar ambiente enquanto os pontos acima são checados. Sabemos que a necessidade de oxigênio suplementar é excepcional em RN ≥ 34 semanas quando a VPP está sendo realizada com a técnica adequada. Eventualmente, a intubação traqueal será necessária. As principais indicações para a VPP por cânula traqueal são as seguintes: ● Ventilação com máscara facial não efetiva (quando após a correção de possíveis problemas técnicos, a FC permanece < 100 bpm); ● Ventilação com máscara facial prolongada (quando o RN não retoma a respiração espontânea); ● Aplicação de massagem cardíaca. Cada tentativa de intubação deve durar no máximo 30 segundos e a confirmação do posicionamento da cânula é obrigatória. Após a intubação, a ventilação segue com a mesma frequência (40-60 movimentos/minuto). Esta ventilação será feita com a mesma concentração de oxigênio que vinha sendo usada na ventilação por máscara e os incrementos serão indicados de acordo com a saturação observada. Nos casos em que a intubação traqueal é difícil, a máscara laríngea é uma alternativa para manter as vias aéreas pérvias e assegurar a ventilação pulmonar do RN ≥ 34 semanas. Tabela 5; MINUTOS DE VIDA SaTO2 PRÉ-DUCTAL Até 5 70-80% 5-10 80-90% > 10 85-95% Quando não ocorre melhora após 30 segundos de ventilação pela cânula, observa-se FC < 100 bpm, o RN não retoma a respiração espontânea ou a SatO2 permanece abaixo dos valores desejáveis/não detectável, dizemos que houve falha. Mais uma vez, devemos sempre verificar toda a técnica que está sendo adotada. Caso a FC esteja menor que 60 bpm após tudo isso, está finalmente indicado o início da massagem cardíaca. APÓS A VENTILAÇÃO MASSAGEM CARDÍACA A bradicardia costuma ser revertida com ventilação adequada. Porém, em determinadas situações, a massagem cardíaca será necessária. Acompanhando mais uma vez o observe que o início da massagem cardíaca é uma etapa mais avançada. Na prática clínica, a massagem cardíaca é iniciada se a FC estiver < 60 bpm após 30 segundos de VPP com técnica adequada por meio da cânula traqueal e uso de concentração de oxigênio de 60-100%. Os principais aspectos práticos em relação a este procedimento são os seguintes: ● As compressões devem ser realizadas no terço inferior do esterno. A técnica preferencial é a dos dois polegares, que devem ser posicionados sobrepostos abaixo da linha intermamilar, poupando-se o apêndice xifoide. Quem realiza a massagem cardíaca deve se posicionar atrás da cabeça do RN, enquanto aquele que ventila se desloca para um dos lados. Isso permite a abordagem do cordão umbilical, caso o cateterismo venoso seja necessário ( ); ● As compressões e a ventilação são realizadas de maneira sincrônica, com uma relação de três compressões para uma ventilação (3:1). Note que, mesmo a criança já estando intubada, esta relação se mantém, diferentemente do que é feito na reanimação fora do período neonatal e na população adulta. São realizados 120 movimentos por minutos (90 movimentos de compressão e 30 ventilações); ● Aceita-se que, durante a compressão, a concentração de oxigênio ofertado seja de 100%. As compressões e ventilação devem ser feitas por 60 segundos antes de uma nova reavaliação. Enquanto a FC permanecer abaixo de 60 bpm, as compressões devem ser continuadas. Considera-se que houve falha do procedimento quando, após 60 segundos de VPP com cânula traqueal e oxigênio a 100% acompanhada de massagem cardíaca, o RN permanece com FC < 60 bpm. Mais uma vez, devemos verificar a técnica de tudo o que está sendo oferecido: a posição da cânula, a permeabilidade das vias aéreas e a técnica da ventilação e da massagem, corrigindo o que for necessário. Caso a melhora não sobrevenha, o cateterismo de urgência e a administração de adrenalina são as etapas seguintes. APÓS A MASSAGEM CARDÍACA ADRENALINA As medicações estarão indicadas nos casos em que a FC permanece abaixo de 60 bpm apesar da ventilação por cânula traqueal com oxigênio a 100% e acompanhada de massagem cardíaca adequada. Mais uma vez, confira os principais aspectos práticos: Fluxograma 1, Figura 3 FIG. 3 O responsável pela massagem cardíaca deve se posicionar atrás da cabeça, facilitando o acesso ao cordão umbilical. ● A principal via para administração de medicações na sala de parto é a endovenosa, sendo que a veia umbilical é de acesso rápido e fácil. Nos casos em que o cateterismo umbilical não é possível ou quando os profissionais que estão reanimando o RN não estão habilitados a cateterizar a veia umbilical, uma alternativa para a administração de medicações é a via intraóssea; ● A adrenalina está indicada quando a ventilação adequada e a massagem cardíaca efetiva não produzirem elevação da FC > 60 bpm. Ainda que a principal via de administração seja a endovenosa, é possível a administração pela cânula traqueal de uma única dose enquanto o cateterismo está sendo providenciado. As doses por via endovenosa podem ser repetidas a cada 3-5 minutos, quando não houver reversão da bradicardia; ● O expansor de volume pode ser necessário na reanimação dos RN com hipovolemia. Está indicado quando não há aumento da FC em resposta às outras medidas de reanimação e/ou se há perda de sangue ou sinais de choque hipovolêmico, como palidez, má perfusão e pulsos débeis. Na , você pode conferir as doses das medicações, bem como os tamanhos das cânulas traqueais usadas. TAB. 6 ESCOLHA DAS CÂNULAS TRAQUEAIS E DOSES DE MEDICAÇÕES. A INTERRUPÇÃO DAS MANOBRAS A decisão de continuar ou interromper as manobras sempre deve ser individualizada, porém, considera-se razoável a interrupção das mesmas quando o RN ≥ 34 semanas segue com assistolia após 20 minutos de reanimação.Deve ser avaliado se os procedimentos de reanimação foram aplicados de forma adequada e quais são os cuidados neonatais disponíveis. É importante frisar que não há uma certeza clara em relação ao tempo que a reanimação deve se prolongar após o nascimento. Video_03_Ped1 O ATENDIMENTO AO RECÉM-NASCIDO < 34 SEMANAS Fique tranquilo, pois há apenas algumas observações que diferenciam este atendimento em relação a tudo que foi visto até agora. Antes de iniciar a leitura, não confunda os conceitos. O que será mostrado a seguir não se destina a todos os RN pré-termo, apenas para aqueles com idade gestacional inferior a 34 semanas. As principais particularidades aqui são as seguintes: ● Quando, após o nascimento, o RN < 34 semanas começou a respirar e a chorar e está ativo, também não é necessário o clampeamento imediato do cordão, porém, vamos aguardar mais de 30 segundos antes de fazê-lo (diferente dos 1-3 minutos que tínhamos visto antes; a recomendação anterior era de aguardássemos entre 30 e 60 segundos, mas as diretrizes atuais indicam apenas "mais de 30 segundos" para os nascidos com menos de 34 semanas). Esta medida se associa com maior estabilidade cardiovascular nas primeiras 24 horas e melhora dos parâmetros hematológicos na primeira semana de vida. As metanálises atuais não mostram diferenças em relação aos risco de hemorragia peri-intraventricular, displasia broncopulmonar, enterocolite necrosante e neurodesenvolvimento. Uma alternativa ao clampeamento tardio nos nascidos entre 28 e 33 semanas é a ordenha do cordão, sendo isso feito apenas naqueles que não necessitam do atendimento imediato. Nos menores de 28 semanas tal procedimento é contraindicado; Tabela 6 ● Em relação aos passos iniciais, há alguns cuidados importantes. Ao ser recepcionada na fonte de calor radiante, esta criança deve ter seu corpo envolvido em saco plástico transparente e deve ser usada touca dupla para prevenção da perda de calor pela região da fontanela. Este saco só será retirado após a estabilização térmica na UTI neonatal. Nos RN com peso inferior a 1.000 g, pode ser usado colchão térmico químico como medida adicional para prevenção da perda de calor; ● Enquanto os passos iniciais estão sendo adotados deve-se, simultaneamente, posicionar o sensor do oxímetro de pulso no membro superior direito. Exatamente isso! Anteriormente, esta medida só estava indicada após o início da VPP, mas, nestas crianças, é feito desde os passos iniciais (a monitorização cardíaca, por sua vez, continua sendo indicada apenas após o início da ventilação); ● Ao iniciarmos a VPP, recomenda-se que a concentração inicial de oxigênio seja de 30% e a fração inspirada do gás será titulada de acordo com a monitoração da SatO2 pré-ductal; ● O ventilador mecânico manual em T parece ter algumas vantagens em relação ao balão autoinflável, pois permite pressão inspiratória, volume corrente e tempo inspiratório de modo mais consistente que o balão. Os seguintes ajustes são recomendados: o fluxo gasoso em 5-15 L/min; pressão máxima do circuito em 30-40 cmH2O; pressão inspiratória a ser aplicada em cada ventilação ao redor de 20-25 cmH2O, e ajustar a PEEP em 4-6 cmH2O. A frequência é a mesma de 40-60 movimentos por minuto, que pode ser obtida com a regra prática "ocluuui/solta/solta", "ocluuui/solta/solta"... O "ocluuui" corresponde à oclusão do orifício da peça T do ventilador mecânico manual; ● A máscara laríngea não é uma opção neste grupo de RN, pela falta de estudos que demonstrem sua eficácia e segurança; ● A aplicação da pressão de distensão de vias aéreas (CPAP) é uma estratégia que ajuda a evitar o colapso dos alvéolos dos pulmões imaturos e deficientes em surfactante. Deste modo, os RN < 34 semanas que apresentam respiração espontânea e FC > 100 bpm, mas que mostram sinais de desconforto respiratório e/ou SatO2 abaixo da esperada, devem ser colocados em CPAP logo após o nascimento. Video_04_Ped1 ALGUMAS SITUAÇÕES ESPECIAIS LÍQUIDO AMNIÓTICO MECONIAL O atendimento ao RN banhado em mecônio passou por significativas mudanças nos últimos anos. Até poucos anos, o simples fato de a criança estar banhada em mecônio tornava obrigatória a sua condução para a mesa de reanimação. Isto não é mais assim! Como já vimos, caso o RN seja a termo e tenha boa vitalidade, deverá permanecer junto à mãe, independentemente do aspecto do líquido amniótico. Havia mais uma importante diferença no atendimento: os RN banhados em mecônio e que se apresentavam sem boas condições de vitalidade, logo após serem colocados na fonte de calor radiante, eram submetidos à aspiração da hipofaringe e da traqueia pela cânula traqueal. Esta aspiração era feita antes da VPP. Apenas após esta aspiração, caso fosse identificada a respiração irregular/apneia ou FC < 100 bpm, a ventilação poderia ser feita. Acompanhe as atuais recomendações: ● Independentemente da viscosidade do mecônio, não há recomendação para aspiração das vias aéreas logo após o desprendimento do polo cefálico pelo próprio obstetra; ● Quando o RN a termo está banhado em mecônio e tem boas condições de vitalidade, permanece junto à mãe; ● Quando o RN está banhado em mecônio e não é a termo, ou não tem respiração regular, ou não tem tônus adequado, deve ser conduzido à mesa de reanimação, como qualquer outro RN. Durante os passos iniciais, quando há mecônio, é prudente incluir a aspiração das vias aéreas superiores (boca e narinas). Os passos devem ser, da mesma forma, realizados em 30 segundos. Se, após a avaliação da frequência cardíaca e da respiração, houver indicação de VPP, a mesma deve ser iniciada. Atente, agora, para um detalhe: se após 30 segundos de ventilação efetiva, o RN não melhora e há suspeita de obstrução de vias aéreas, a retirada do mecônio residual da hipofaringe e da traqueia poderá ser feita. Para a aspiração traqueal, usamos a própria cânula traqueal conectada a um dispositivo para aspiração de mecônio e ao aspirador a vácuo. Após a aspiração, a cânula deve ser retirada e, se necessário, a ventilação com máscara segue. Percebeu a mudança? Atualmente, a aspiração da hipofaringe e da traqueia só será considerada após a ventilação. HÉRNIA DIAFRAGMÁTICA CONGÊNITA A hérnia diafragmática é definida por uma comunicação patológica entre o tórax e o abdome por um defeito de formação do diafragma, podendo ou não haver passagem de alças intestinais para dentro do tórax. O defeito pode ter diferentes localizações: posterolateral (Bochdalek), hiato esofagiano (hiatal) ou retroesternal (Morgagni). Em geral, o termo, hérnia diafragmática congênita é usado para a hérnia de Bochdalek, que ocorre mais comumente à esquerda. As hérnias diafragmáticas podem vir associadas a outras anomalias congênitas, bem como trazer grande desconforto respiratório no período neonatal devido à hipoplasia pulmonar do lado acometido do tórax. A suspeita de hérnia diafragmática congênita é feita pela presença de sinais como dificuldade respiratória e abdome escavado. A alteração pode ser identificada antes do nascimento pela ultrassonografia pré-natal. Nestes casos, a ventilação não pode ser feita pela máscara facial, sendo obrigatória a intubação traqueal para início da VPP. A ventilação com balão autoinflável e máscara não é recomendada nestes casos porque seu emprego levaria a uma distensão das alças intestinais localizadas no tórax e maior compressão do parênquima pulmonar, agravando ainda mais o quadro de insuficiência ventilatória. CUIDADOS INICIAIS O BOLETIM DE APGAR INTRODUÇÃO O boletim de Apgar é um escore de avaliação da vitalidade neonatal precoce criado pela anestesista Virgínia Apgar, em 1952, e é determinado pela pontuação de uma série de parâmetros. Sua simplicidade e confiabilidade asseguraram sua ampla difusão na prática clínica neonatal, garantindo uma utilizaçãoirrestrita até os dias de hoje. Um dos objetivos do boletim de Apgar é identificar o RN deprimido que, possivelmente, necessitou de manobras de reanimação, e avaliar a resposta do RN e a eficácia das manobras realizadas. Perceba que ele NÃO pode ser o fator que determinará o início das manobras de reanimação, até porque sua primeira determinação acontece apenas no primeiro minuto de vida e uma série de decisões já foram tomadas antes deste momento. O Apgar é uma medida de vitalidade, que deve e pode ser calculada depois que as medidas de cuidados iniciais já foram tomadas. Teoricamente, um escore baixo indica a presença de asfixia neonatal; e um escore alto (normal), sua ausência. Contudo, sabe-se que o valor do escore não traz a "verdade absoluta", havendo uma proporção considerável de falso-positivos (Apgar baixo com ausência de asfixia neonatal) e falso-negativos (Apgar alto com asfixia neonatal). A nota do primeiro minuto se correlaciona com o pH do cordão umbilical e é um índice de depressão intraparto, não estando relacionada com resultados em longo prazo. Por exemplo, um Apgar ≤ 4 no primeiro minuto está associado à acidose e PaCO2 alta. Por outro lado, a permanência de pontuação baixa além do 1º minuto está vinculada a consequências deletérias em longo prazo. Um Apgar baixo no 20º minuto é altamente compatível com um mau prognóstico neonatal (mortalidade e disfunção neurológica permanente). FORMA DE CÁLCULO A confecção do boletim de Apgar é derivada da avaliação de cinco parâmetros clínicos: respiração, frequência cardíaca, cor, resposta a estímulos e tônus; cada um destes parâmetros recebe uma pontuação variando entre 0, 1 e 2. Sendo assim, a pontuação mínima é 0 e a máxima é 10. Veja como a pontuação é atribuída na Rotineiramente, calculamos o Apgar nos 1º e 5ºmin. Sempre que a pontuação for ≤ 6, o escore continua a ser calculado com intervalos de 5° até o 20ºmin de vida (10º, 15º, 20ºmin). TAB. 7 BOLETIM DE APGAR. Video_24_Ped1 CUIDADOS DE ROTINA CUIDADOS APÓS A ESTABILIZAÇÃO Ainda na sala de parto, ou logo após, são adotadas uma série de procedimentos com o RN. Veja as principais medidas: ● Laqueadura do cordão umbilical: é feita com clamp a cerca de 2-3 cm do anel umbilical. O coto deve ser envolvido com gaze embebida em álcool etílico 70% ou clorexidine alcoólica. O soro fisiológico deve ser usado nos RN de muito baixo peso; ● Prevenção da oftalmia gonocócica: o método tradicionalmente empregado era o método de Credé, que preconiza o uso da solução de nitrato de prata, instilado no fundo do saco lacrimal inferior de cada olho. Encontramos, nos manuais do Ministério da Saúde, mais de uma orientação possível. Há manuais que citam a pomada de eritromicina a 0,5% e, como alternativa, tetraciclina a 1% para a realização da profilaxia, reservando-se a utilização de nitrato de prata a 1% para o caso de não se dispor de eritromicina ou tetraciclina. Estes manuais indicam que o tempo de administração da profilaxia pode ser ampliado em até 4 horas após o nascimento. Todavia, também é possível encontrarmos a recomendação para o uso de PVPI, ou iodopovidona, 2,5% (aquoso), com a recomendação de que a profilaxia seja feita ainda na primeira hora de vida; ● Prevenção da doença hemorrágica do RN: pela administração de vitamina K 1 mg (por via IM ou SC); ● Identificação do RN e de sua mãe. Além disso são feitas medidas antropométricas e recomendações de vacinas logo após o nascimento, como iremos estudar em alguns meses. Salvo na presença de contraindicações, iremos recomendar o aleitamento materno exclusivo em regime de livre demanda. Você deve conferir mais aspectos relacionados ao exame físico do RN mais a frente. Os RN estáveis deverão permanecer junto a suas mães para transporte para o alojamento conjunto. Podem ir para o alojamento conjunto as mães com boas condições clínicas e os RN clinicamente estáveis, com boa vitalidade, capacidade de sucção e controle térmico; peso ≥ 1.800 g e idade gestacional ≥ 34 semanas. Também podem ir RN com acometimentos sem gravidade. Ainda na maternidade, deve ser feita a identificação das crianças que possuem maior risco de adoecer e morrer, com o intuito de recomendar a priorização do seu acompanhamento na atenção básica, inclusive com busca ativa. As seguintes situações são consideradas fatores de risco ao nascer: ● Residência em área de risco; ● Baixo peso ao nascer (< 2.500 g); ● Prematuridade (< 37 semanas de idade gestacional); ● Asfixia grave (Apgar < 5 no 5º minuto); ● Necessidade de internação ou intercorrências na maternidade ou em unidade de assistência ao RN; ● Necessidade de orientações especiais no momento da alta da maternidade/unidade de cuidados do RN; ● Mãe adolescente; ● Mãe com baixa instrução (< 8 anos de estudo); ● História de morte de crianças com menos de cinco anos na família. TESTES DE TRIAGEM NEONATAL INTRODUÇÃO O Programa Nacional de Triagem Neonatal (PNTN) consiste em um programa de rastreamento populacional. O objetivo geral deste programa é identificar distúrbios e doenças no RN em um momento oportuno, possibilitando o tratamento e acompanhamento contínuo de diversas condições. Esta estratégia é capaz de reduzir a morbimortalidade e melhorar a qualidade de vida das pessoas. Diversas avaliações devem ser realizadas e falaremos sobre cada uma delas a seguir. Tabela 7. TESTE DO PEZINHO A triagem neonatal biológica é popularmente conhecida como teste do pezinho e permite a identificação precoce de indivíduos com doenças metabólicas, genéticas, enzimáticas e endocrinológicas. A coleta do teste de triagem neonatal biológica acontece nos pontos de coleta da Atenção Básica em Saúde, também podendo ocorrer, em alguns estados, nas maternidades, casas de parto ou comunidades indígenas. O momento ideal para a coleta do teste do pezinho é entre o 3º e o 5º dia de vida. Uma pequena punção do calcanhar do bebê é feita utilizando agulhas e luvas descartáveis. O sangue é adsorvido em papel-filtro, que deverá permanecer em temperatura ambiente até a completa secagem, e depois deve ser encaminhado ao laboratório Atualmente, as seguintes condições são avaliadas no teste do pezinho do PNTN: fenilcetonúria, hipotireoidismo congênito, doença falciforme e outras hemoglobinopatias, fibrose cística, hiperplasia adrenal congênita, deficiência de biotinidase e toxoplasmose congênita (esta última passou a integrar a triagem do MS apenas em 2020). Nas clínicas privadas, outras avaliações podem ser feitas. Veja algumas particularidades sobre cada uma das avaliações que integram as condições rastreadas, mas fiquem tranquilos, pois iremos estudar as mais importantes com mais detalhes ao longo do ano. HIPOTIREOIDISMO CONGÊNITO Trata-se de uma verdadeira emergência pediátrica, pois as crianças não diagnosticadas e não tratadas precocemente apresentam grave comprometimento do seu crescimento e desenvolvimento. A partir da segunda semana de vida, a falta de tratamento pode levar ao estabelecimento de alguma lesão neurológica. As principais manifestações clínicas quando o tratamento não é instituído incluem: hipotonia muscular, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, anemia, sonolência excessiva, choro rouco, hérnia umbilical, alargamento de fontanelas, deficiência intelectual, dentre outros. A avaliação é habitualmente feita pela dosagem do TSH no papel-filtro. As principais formas de hipotireoidismo congênito são primárias (a falha ocorre na glândula tireoide, principalmente por disgenesia tireoidiana) e, deste modo, o TSH mostra-se elevado. FENILCETONÚRIA Consiste em um erro inato do metabolismo que leva ao acúmulo sérico do aminoácido Fenilalanina (FAL) pela presença de uma deficiência enzimática (o percentual de atividade enzimática pode variar, levando a apresentações distintas). O quadro clínico clássico consiste em atraso global do desenvolvimentoneuropsicomotor, deficiência mental, comportamento agitado ou padrão autista, convulsões, alterações eletroencefalográficas e odor característico na urina. O tratamento é dietético, com uma alimentação com baixo teor de FAL. O diagnóstico da fenilcetonúria, nas formas clássica ou leve, é estabelecido pelo aumento nas dosagens séricas de FAL (valores superiores a 10 mg/dl, em pelo menos duas amostras laboratoriais distintas). É importante que a coleta seja feita somente após 48 horas do nascimento, pois, para que o aumento da FAL possa ser detectado, é fundamental que a criança tenha ingerido uma quantidade suficiente de proteína. DOENÇA FALCIFORME E OUTRAS HEMOGLOBINOPATIAS Estas condições serão extensamente estudadas em alguns meses. Saiba que, em todo RN, encontraremos a Hemoglobina Fetal (Hb F) em proporção majoritária em relação à hemoglobina A. A triagem permite a identificação de hemoglobinas variantes. Através do teste do pezinho podemos identificar as crianças com a presença do traço falcêmico, bem como aquelas com doença falciforme. FIBROSE CÍSTICA Consiste em uma doença de herança autossômica recessiva com repercussões multissistêmicas, mas que afeta principalmente os pulmões e o pâncreas. O rastreamento é feito pela dosagem de tripsina imunorreativa (IRT) em sangue do papel-filtro, que se mostra elevada nas crianças com esta condição. O exame confirmatório dos casos suspeitos é a dosagem de cloretos no suor (teste do suor). HIPERPLASIA ADRENAL CONGÊNITA Temos aqui uma série de condições nas quais deficiências enzimáticas diversas comprometem a síntese dos esteroides adrenais. A principal deficiência enzimática descrita é da enzima 21-hidroxilase e este rastreamento pode ser feito pela quantificação da 17-hidroxiprogesterona, que se encontra aumentada na deficiência desta enzima. DEFICIÊNCIA DE BIOTINIDASE Consiste em um defeito no metabolismo da biotina e pode manifestar-se por distúrbios neurológicos e cutâneos, tais como, crises epilépticas, hipotonia, microcefalia, atraso do desenvolvimento neuropsicomotor, alopecia e dermatite eczematoide. (Figura 4). FIG. 4 TESTE DO PEZINHO. Após a punção no calcanhar, o sangue é coletado em papel-filtro (fonte: Ministério da Saúde). TOXOPLASMOSE CONGÊNITA As crianças podem ser assintomáticas ao nascer e o rastreamento neonatal é complementar à avaliação feita durante o acompanhamento pré-natal. Falaremos sobre esta condição mais à frente. TESTE DO CORAÇÃOZINHO O teste da oximetria, apelidado de teste do coraçãozinho, objetiva a detecção precoce de cardiopatias congênitas críticas, isto é, aquelas cujo fluxo pulmonar ou sistêmico é dependente de canal arterial. Veja alguns exemplos de cardiopatias desta natureza: ● Cardiopatias críticas com fluxo pulmonar dependente de canal: atresia da artéria pulmonar; ● Cardiopatias críticas com fluxo sistêmico dependente de canal: hipoplasia de coração esquerdo e coarctação grave de aorta; ● Cardiopatias com circulação em paralelo: transposição de grandes vasos. Sabe-se que o canal arterial tem seu fluxo reduzido nas primeiras 10 horas de vida, e fecha-se completamente entre o 3º e o 10º dia de vida. Muitas cardiopatias congênitas não se manifestam clinicamente antes do fechamento do canal arterial: não causam cianose tão precoce, não evoluem com sopro e não cursam com baixo débito. Estes sinais somente se tornarão evidentes após o fechamento do canal. Por isso, é necessário um teste de triagem capaz de detectar a possibilidade de cardiopatia antes dos sinais clínicos serem evidentes. COMO REALIZAR O TESTE? O teste consiste na aferição da oximetria de pulso e está indicado para todo RN > 34 semanas antes da alta, da seguinte forma ( SAIBA MAIS Em maio de 2021, foi sancionada a lei que prevê a ampliação do teste do pezinho, que permitirá o rastreamento de dezenas de novas doenças, passando a vigorar 365 dias após a sua publicação. Tal rastreamento será implementado de forma escalonada, da seguinte maneira: ● Etapa 1: » Fenilcetonúria e outras hiperfenilalaninemias; » Hipotireoidismo congênito; » Doença falciforme e outras hemoglobinopatias; » Fibrose cística; » Hiperplasia adrenal congênita; » Deficiência de biotinidase; » Toxoplasmose congênita. ● Etapa 2: » Galactosemias; » Aminoacidopatias; » Distúrbios do ciclo da ureia; » Distúrbios da betaoxidação dos ácidos graxos. ● Etapa 3: » Doenças lisossômicas. ● Etapa 4: » Imunodeficiências primárias. ● Etapa 5: » Atrofia muscular espinhal. Fluxograma 2): ● Momento de aferição: entre 24 e 48 horas de vida; ● Local de aferição da oximetria: extremidade do membro superior direito (que representa a saturação pré-ductal) e extremidade de um dos membros inferiores (que representam a saturação pós-ductal). É necessário que as extremidades estejam aquecidas no momento da avaliação; ● Resultado normal: saturação ≥ 95% em ambos os locais, e diferença menor que 3% entre as medidas do membro superior e inferior; ● Resultado anormal: saturação < 95% em qualquer medida ou se a diferença entre elas for ≥ 3%. Diante de um resultado anormal, nova aferição deverá ser feita após 1 hora. Se o resultado anormal se mantiver, a criança deverá realizar um ecocardiograma dentro das próximas 24 horas. Este teste tem uma sensibilidade de 75% e especificidade de 99%, e pode não detectar algumas cardiopatias críticas, especialmente a coarctação de aorta. Video_06_Ped1 TESTE DO OLHINHO O teste do olhinho consiste na pesquisa do reflexo vermelho (teste de Bruckner). Consiste em uma forma de rastreamento para anormalidades oculares, desde a córnea até o segmento posterior e permite a detecção das opacidades dos meios transparentes do globo ocular. Dentre as condições que podem ser rastreadas, incluem-se: catarata congênita; retinopatia da prematuridade; retinoblastoma; glaucoma congênito; descolamento de retina; e hemorragia vítrea. É feito com o uso de um oftalmoscópio que deve ser segurado pelo examinador a um braço de distância dos olhos do bebê (alguns indicam a uma distância de 40 a 50 cm ou de 45 cm). A resposta normal ao teste é o achado de um reflexo vermelho brilhante quando a luz incide sobre a pupila. A presença de pontos pretos, assimetria ou a presença de reflexo branco (leucocoria) indicam a necessidade de avaliação pelo oftalmologista. Veja a . É importante indicar que, mesmo após o período neonatal, este teste deve ser incorporado à avaliação da criança nos primeiros anos de vida, possibilitando o diagnóstico de condições como o retinoblastoma. FLUXOGRAMA 2 FLUXOGRAMA PARA A REALIZAÇÃO DO TESTE DA OXIMETRIA. Figura 5 TESTE DA ORELHINHA O deficit auditivo apresenta-se como um problema de grande impacto na saúde infantil, principalmente no que concerne à elevada incidência desta afecção. Dados brasileiros indicam uma incidência de surdez em RN de 1-3:1.000. O deficit auditivo, quando não corrigido, acarreta grande prejuízo na aquisição da linguagem, comunicação e desenvolvimento cognitivo das crianças, pois a detecção e o início de tratamento para a perda auditiva, quando tardios, ultrapassam o momento ideal para intervenção. Existem dois métodos de triagem: ● Emissões Otoacústicas (EOA): trata-se de uma avaliação simples, realizada habitualmente durante o sono da criança. O exame tem o objetivo de captar a energia acústica produzida na orelha interna pelas células ciliadas externas. Esta energia pode ser emitida de forma espontânea (na ausência de estímulo sonoro) ou evocada (provocada por um estímulo sonoro). Esta última é possível pela emissão de um estímulo sonoro e na captação do seu retorno (eco) por um microfone colocado no conduto auditivo externo, sendo registrado no computador e confeccionado um gráfico ( ). Avalia apenas o sistema auditivo pré-neural, ou seja, sistema de condução e cóclea (na presença de alterações retrococleares ou neuropatias auditivas, a criança poderá passar no teste, mesmo tendoperda auditiva significativa). É um teste rápido, fácil e que não necessita de sedação. Resultados falso-positivos podem ser produzidos pela presença de vérnix caseoso ou secreções no conduto auditivo. Se o resultado vier alterado, recomenda-se a sua repetição até os três meses de vida; ● Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE): é um exame mais complexo, requer pessoal treinado e sedação. Fones de emissão sonora são colocados nos ouvidos do bebê; os eletrodos são posicionados na cabeça e têm por função captar as ondas eletrofisiológicas geradas pelos estímulos sonoros deflagrados pela fonte. Portanto, é um método capaz de detectar alterações na via neural até o tronco encefálico. Pode ocorrer grande número de falso-positivos pela imaturidade do sistema nervoso central. Comparando-se as vantagens e as desvantagens de um e outro teste, chega-se à conclusão de que o melhor método de triagem são as EOA, por ser rápido, barato, fácil e por avaliar as frequências de perda mais comuns. Cabe lembrar que os RN com risco maior para deficiência auditiva, como aqueles que permanecem internados em UTI, devem ser submetidos a protocolos diferenciados. FIG. 5 TESTE DO REFLEXO VERMELHO. (A) Reflexo normal. (B) Reflexo duvidoso (assimétrico). (C) Leucocoria (reflexo pupilar branco). Figura 6 TESTE DA LINGUINHA O teste da linguinha é capaz de detectar alterações no frênulo lingual que causam a anquiloglossia ("língua presa"). A avaliação é feita pelo exame físico. É recomendado pelo Ministério da Saúde, porém, a Sociedade Brasileira de Pediatria já emitiu parecer posicionando-se contrariamente a realização da avaliação desta maneira. FIG. 6 PESQUISA DE EMISSÃO OTOACÚSTICA EVOCADA. PRINCIPAIS DOENÇAS DO PERÍODO NEONATAL DOENÇAS RESPIRATÓRIAS INTRODUÇÃO As doenças respiratórias representam, nada mais nada menos, do que a causa mais comum de internação no período neonatal. Existem diversas condições que podem levar ao estabelecimento de insuficiência respiratória no RN e é importante frisar que não apenas as doenças pulmonares propriamente ditas irão levar ao surgimento de manifestações respiratórias. Dentre essas várias condições, podemos encontrar causas de origem cardiovascular, metabólica, neurológica e infecciosa. Veja de que maneira isso pode ser organizado no Fluxograma 3. A maioria das doenças respiratórias apresenta manifestações clínicas desde as primeiras horas de vida e há uma grande sobreposição de sinais e sintomas em doenças diferentes. Na avaliação dessas crianças podemos identificar uma série de manifestações, tais como: ● Taquipneia: a Frequência Respiratória (FR) normal de um RN varia de 40 a 60 irpm. A taquipneia é um dos sinais mais precoces da maioria das doenças do período neonatal e é definida pela presença de FR ≥ 60 irpm; ● Sinais de desconforto respiratório: diversas alterações podem ser identificadas e é interessante que você conheça qual o significado de cada uma delas: » Batimento de asas nasais: a respiração do RN é praticamente nasal, e postula-se que a abertura das narinas reduza a resistência à passagem do ar pelas vias aéreas superiores e, assim, diminua o trabalho respiratório; » Gemido expiratório: resulta do fechamento parcial da glote durante a expiração (manobra de Valsalva incompleta) a fim de manter um volume residual de ar e, assim, evitar o colabamento alveolar ao final da expiração; » Head bobbing: representa a movimentação da cabeça para cima e para baixo a cada ciclo respiratório, em função da utilização dos músculos acessórios do pescoço; » Retrações torácicas: as retrações torácicas (intercostais, subcostais, supraesternais e esternais) surgem em doenças que levam a uma diminuição da complacência pulmonar ou a uma obstrução de vias aéreas superiores. Nestas condições patológicas das vias aéreas superiores ou inferiores, a pressão negativa criada no espaço pleural para cada inspiração necessita ser maior para permitir a entrada de ar. Com isso, surgem, inicialmente, as retrações intercostais e subcostais. Com a progressão da doença, o RN aumenta a força contrátil do diafragma e músculos acessórios, levando à protrusão do abdome e retração do esterno e tórax – padrão conhecido como respiração paradoxal. ● Apneia: pausa respiratória superior a 20 segundos ou superior a 10-15 segundos acompanhada de bradicardia, cianose ou queda da saturação de oxigênio. A apneia deve ser diferenciada do ritmo respiratório periódico do neonato, que é fisiológico, e tem como característica incursões respiratórias intercaladas com pausas de 5-10 segundos; ● Cianose: a acrocianose ou cianose periférica é um sinal muito comum e de caráter benigno no RN, decorrente da exposição ao frio, geralmente. A cianose central, observada em nariz, língua, lábios, é decorrente de hipoxemia grave e uma concentração de hemoglobina reduzida superior a 5 g/dl. Na avaliação do RN com desconforto respiratório, a gravidade do quadro pode ser estimada pelo boletim de Silverman-Andersen ( ). A presença de notas acima de 4 indicam dificuldade respiratória de moderada a grave. FLUXOGRAMA 3 ROTEIRO PARA A AVALIAÇÃO DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO NO PERÍODO NEONATAL. Figura 7 SÍNDROME DO DESCONFORTO RESPIRATÓRIO (DOENÇA DA MEMBRANA HIALINA) ASPECTOS GERAIS A Síndrome do Desconforto Respiratório (SDR), ou Doença da Membrana Hialina (DMH), é causada pela deficiência qualitativa e/ou quantitativa de surfactante pulmonar e representa uma das principais causas de desconforto respiratório no RN pré-termo. Acomete cerca de 60-80% dos RN com menos de 28 semanas e em 15-30% dos nascidos entre 32 e 36 semanas. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO A SDR relaciona-se principalmente com uma deficiência de surfactante. Entenda um pouco mais a importância desta substância para a fisiologia respiratória e você compreenderá as consequências de sua carência. O surfactante pulmonar é uma substância formada por lipídios e proteínas, produzida e secretada pelo pneumócito tipo II; sua função é diminuir a tensão superficial da interface ar/líquido no alvéolo evitando o seu colapso ao final da expiração. O principal lipídio é a fosfatidilcolina ou lecitina (compõe 65% do surfactante) e as principais proteínas são as apoproteínas (SP-A, SP-B, SP-C e SP-D). Entre a 20ª e a 24ª semana de gestação, o desenvolvimento pulmonar é caracterizado pela formação dos sacos alveolares. Neste período também ocorre o início da diferenciação das células em pneumócitos tipo I (células de revestimento) e pneumócitos tipo II. Estas últimas são as responsáveis pela produção do surfactante. Esta substância é detectada em homogeneizados do pulmão fetal a partir da 20ª semana, entretanto só encontramos níveis de surfactante que indicam maturação pulmonar após a 35ª semana. O cortisol endógeno tem papel fundamental na síntese do surfactante. O glicocorticoide estimula os fibroblastos pulmonares a produzir uma substância denominada Fator Fibroblasto do Pneumócito (FFP). O FFP faz com que o pneumócito tipo II aumente seu ritmo e taxa de produção de surfactante. Quando o surfactante está ausente ou inativo, ocorrerá um aumento da tensão da interface ar/líquido alveolar, acarretando colabamento alveolar progressivo. Há atelectasia pulmonar difusa, congestão e edema. A maior parte do pulmão é perfundida e não ventilada, gerando alteração da relação ventilação/perfusão (V/Q), com hipoxemia. A mecânica ventilatória sofre uma sobrecarga de trabalho pelas alterações do metabolismo e da troca gasosa. Das muitas alterações descritas no pulmão do RN com SDR, a complacência pulmonar diminuída é um fator fundamental que contribui para a instalação da insuficiência respiratória precoce. A complacência pulmonar reduzida, volumes correntes pequenos, aumento do espaço morto fisiológico e aumento do trabalho para respirar resultam em hipercapnia. A redução do surfactante, atelectasias,alteração da V/Q, vasoconstrição pulmonar, hipoperfusão tissular e metabolismo celular prejudicado formam um círculo vicioso que age perpetuando a hipóxia e a insuficiência respiratória aguda. Em muitos pacientes, a evolução pode ser mais branda e autolimitada. Nestes, após um a dois dias de vida, a resposta ao estímulo gerado pelos glicocorticoides para produção do surfactante pulmonar reduz a deficiência inicial da substância. Os principais fatores de risco associados à doença da membrana hialina são: FIG. 7 BOLETIM DE SILVERMAN-ANDERSEN. O boletim de Silverman-Andersen pode ser usado para avaliação da gravidade da dificuldade respiratória encontrada no período neonatal. ● Prematuridade – principal fator; ● Asfixia; ● Mãe diabética; ● Sexo masculino e etnia branca; ● Partos múltiplos e parto cesáreo; ● Gestações múltiplas. Por outro lado, algumas condições clínicas, que podem surgir de forma isolada ou conjunta, reduzem a probabilidade do aparecimento da SDR. Poderíamos citar as seguintes: pacientes pequenos para a idade gestacional por CIUR (devido à hipertensão crônica ou gestacional), rotura prolongada de membranas ou uso materno de heroína. A profilaxia antenatal com corticoide, que iremos discutir adiante, também reduz o risco do evento. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Como já descrevemos, a doença evolui com colabamento alveolar progressivo que se caracteriza, inicialmente, pela taquipneia e sinais de desconforto respiratório. Tais manifestações surgem logo após o nascimento e vão apresentando piora ao longo do primeiro dia de vida, atingindo um pico com 48 horas. A melhora gradativa começa a ocorrer após 72 horas de vida, sendo que nos casos de má evolução há crises de apneia e intensa deterioração. A morte pode sobrevir pelo grave comprometimento das trocas gasosas, quadros de escape de ar (pneumotórax), hemorragias pulmonares ou hemorragias intracranianas. Tal história natural será modificada pela assistência ventilatória e uso de surfactante. EXAMES DE IMAGEM O aspecto radiológico característico, embora não patognomônico, é o infiltrado reticulogranular fino, chamado de "vidro moído" ou "esmerilhado" por alguns autores, associado aos broncogramas aéreos ( ). Eventualmente, a radiografia inicial é normal, com o padrão típico desenvolvendo-se após algumas horas. Nos casos graves há piora radiológica evolutiva, em geral acompanhada por deterioração clínica. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS A gasometria arterial mostra hipoxemia inicial, que progressivamente será associada ao aumento da pCO2, com acidose respiratória e/ou mista, conforme a gravidade do caso. TRATAMENTO Figura 8 FIG. 8 Aparências reticulogranulares em ambos hemitóraces em uma criança com SDR em fases iniciais. ● Cuidados gerais: estabilização inicial, controle térmico (considera-se normotermia a faixa entre 36,5-37,5ºC; valores fora desta referência associam-se com riscos para o RN), hidratação venosa e suporte nutricional. ● Suporte respiratório: diversas estratégias podem ser adotadas. A utilização do CPAP nasal (Continuous Positive Airway Pressure) vem sendo recomendada cada vez de forma mais precoce, desde a sala de parto, para prevenção do colapso alveolar e redução na necessidade de ventilação mecânica invasiva na evolução da doença. Os sistemas podem ser montados de diferentes formas: utilizando-se apenas ar comprimido ou mistura de gases de uma fonte simples e um selo d'água (recipiente contendo água onde será "mergulhada" a extremidade distal do circuito) ou utilizando-se os respiradores. Os benefícios são diversos, tais como: » Estabilização da caixa torácica e melhora da função do diafragma; » Prevenção do colapso alveolar com melhora da complacência pulmonar; » Aumento da capacidade residual funcional, levando a uma diminuição do shunt intrapulmonar e melhorando a oxigenação arterial; » Redução da resistência inspiratória das vias aéreas, por aumento de seu diâmetro. O objetivo é manter uma PaO2 entre 50-70 mmHg, podendo ser necessário o incremento gradual da FiO2 ofertada. Em determinadas situações, a ventilação mecânica terá que ser recomendada. Mesmo sem consenso, os seguintes critérios podem ser empregados para esta indicação: (1) pH < 7,2; (2) PaCO2 60 mmHg; (3) SatO2 < 90% com FiO2 0,4-0,7 e CPAP nasal 5-10 cmH2O; e (4) apneia persistente ou grave. A ventilação mecânica possibilita a sobrevivência de RN pré-termo com doenças mais graves. A ventilação mecânica convencional é bastante empregada, mas estratégias como a ventilação de alta frequência podem ser consideradas. ● Surfactante pulmonar exógeno: o desenvolvimento da terapêutica com surfactante representou um grande avanço na melhora prognóstica do RN pré-termo. O surfactante pulmonar exógeno pode ser classificado em três tipos conforme sua origem: o tipo natural, proveniente da extração desta substância do pulmão de animais, os tipos naturais modificados e os artificiais, que possuem teoricamente como vantagem um menor risco de antigenicidade e contaminação. Por outro lado, os surfactantes naturais parecem mais eficazes por apresentar maior analogia com as proteínas, obtendo-se assim início de ação mais rápido e menor risco de pneumotórax. O Exosurf® é um surfactante sintético; os naturais incluem o Survanta® (bovino), Infasurf® (caprino) e o Curosurf® (porcino). A administração da substância é capaz de melhorar a capacidade residual funcional, pois promove a estabilização dos alvéolos que ainda estão abertos e o recrutamento daqueles que se encontram atelectasiados. Ainda que novas estratégias para administração da droga sejam discutidas, tradicionalmente a instilação é feita pela cânula traqueal. Podem ser usadas cânulas com duplo lúmen ou, na ausência destas, por intermédio de sonda traqueal pelo interior da cânula. As indicações exatas para seu uso não são consensuais, mas, em linhas gerais, deve ser considerado nos casos em que o RN com SDR não responde ao uso de CPAP. A cada 6 horas deve ser feita a avaliação da necessidade de doses adicionais, podendo-se totalizar até duas ou quatro doses. PREVENÇÃO A melhor forma de evitar a SDR é a prevenção do parto prematuro. Mesmo quando todos os esforços forem empreendidos, e ainda assim houver a ameaça do trabalho de parto prematuro, o uso do corticoide antenatal é uma medida capaz de reduzir bastante a incidência e a gravidade da doença. Falaremos sobre isso com mais propriedade em nossos materiais de Obstetrícia. Além disso, deve-se evitar a asfixia, pois neonatos que sofrem hipóxia apresentam um aumento de incidência e gravidade da SDR. No passado, advogava-se o uso profilático do surfactante logo após o nascimento para reduzir a mortalidade e a gravidade da SDR em algumas populações de maior risco. Atualmente, recomenda-se que o CPAP seja a medida adotada ainda na sala de parto para todos os RN pré-termo de maior risco. O CPAP iniciado precocemente mostrou-se tão eficaz quanto o uso do surfactante precoce. PNEUMONIA NEONATAL ASPECTOS GERAIS O termo pneumonia é utilizado para designar uma condição de inflamação do parênquima pulmonar por algum agente infeccioso (bactéria, vírus ou fungos) ou por um processo de origem química. Pode representar o início de uma infecção sistêmica, podendo associar-se à sepse e à meningite. Atente para o fato de que os pulmões representam o sítio de estabelecimento mais comum da sepse neonatal. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO As pneumonias neonatais podem ser classificadas de acordo com o momento de início em: ● Precoces (iniciadas até 48 horas de vida): podem ser adquiridas antes do nascimento (congênitas) ou durante o nascimento; ● Tardias (iniciadas após 48 horas de vida). Tome bastante cuidado, pois o tempo de vida usado para a caracterização dos quadros precoces e tardios não é consensual na literatura. Os quadros adquiridos antes do nascimentopodem se estabelecer pela transmissão transplacentária de um agente infecioso ou pela aspiração intraútero do líquido amniótico infectado (quando há corioamnionite). Nas formas adquiridas durante o parto, a contaminação do RN se dá pelos micro-organismos que colonizam o canal de parto. Dentre os fatores de risco encontrados, podemos ter a rotura prolongada das membranas amnióticas (tempo superior a 18 horas). O estreptococo do grupo B (GBS ou Streptococcus agalactiae) é o patógeno mais importante na pneumonia neonatal precoce. A pneumonia precoce provocada pode apresentar-se de forma clínica e radiológica muito semelhante à SDR. Outras bactérias envolvidas na gênese da pneumonia bacteriana neonatal incluem Escherichia coli, Klebsiella, Listeria monocytogenes e Ureaplasma. Nas infecções tardias, deve-se considerar pneumonia por Staphylococcus. Os principais fatores de risco que podem ser identificados na história e que podem sugerir este quadro são: ● Corioamnionite clínica; ● Rotura de membranas amnióticas > 18 horas; ● Trabalho de parto prematuro sem causa aparente; ● Colonização materna por estreptococo do grupo B. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A identificação destes quadros não é simples, pois tanto as manifestações clínicas quanto as radiológicas são inespecíficas. Deste modo, deveremos fazer a análise conjunta dos fatores de risco, quadro clínico e achados nos exames complementares. A criança com pneumonia poderá ter, além das manifestações respiratórias, sinais clínicos de sepse, tais como: intolerância alimentar, letargia, hipotonia, hipo ou hipertermia e distensão abdominal. EXAMES DE IMAGEM Os achados no exame radiológico são bastante diversificados, mostrando desde áreas de opacificação uni ou bilateral, até um padrão reticulogranular difuso com broncogramas aéreos, muito semelhante ao encontrado no quadro de SDR. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS Há diversas alterações que podem ser identificadas e vamos discutir cada uma delas mais adiante, durante o estudo dos quadros de sepse neonatal. TRATAMENTO O Ministério da Saúde recomenda que o tratamento da pneumonia neonatal precoce seja feito com ampicilina (em dose elevada para cobertura de S. agalactiae) associada com gentamicina (que tem ação sinérgica com a ampicilina contra S. agalactiae, é efetiva contra Gram-negativos entéricos). A L. monocytogenes é suscetível a esta associação. Em algumas unidades prefere-se a substituição da gentamicina por amicacina em função da resistência antimicrobiana. Iremos ver mais detalhes sobre este tratamento e sobre as estratégias de prevenção durante o estudo da sepse neonatal. TAQUIPNEIA TRANSITÓRIA DO RECÉM-NASCIDO ASPECTOS GERAIS Esta é uma condição benigna e relativamente comum na prática, sendo identificada em até 1 a 2% de todos os nascimentos. De forma resumida, a Taquipneia Transitória do Recém-Nascido (TTRN) é resultado de uma dificuldade de reabsorção do líquido pulmonar após o nascimento. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO O pulmão fetal contém líquido em seu interior, o que contribui para seu desenvolvimento no período intrauterino. Antes do nascimento, a maior parte do líquido pulmonar (70%) é reabsorvida. Uma parte do líquido pulmonar é eliminada através das vias aéreas superiores pela compressão torácica durante a passagem pelo canal do parto (5- 10%) e todo o restante é reabsorvido ainda nas primeiras horas de vida pelos vasos linfáticos e pelos capilares pulmonares. A TTRN se estabelece quando há um retardo na absorção deste líquido. O quadro tipicamente acomete os RN pré-termo tardios e os RN a termo, e os principais fatores de risco associados com o desenvolvimento desta condição incluem: ● Cesariana eletiva sem trabalho de parto; ● Asfixia perinatal; ● Diabetes e asma brônquica materna; ● Policitemia. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O desconforto respiratório ocorre precocemente, geralmente em bebês a termo ou próximo do termo, nas primeiras horas de vida e evolui quase que exclusivamente com taquipneia (FR variando de 60 a 100 irpm) e, muito raramente, gemência e retrações. Em geral, as manifestações clínicas são resolvidas com a oferta de oxigênio em baixas concentrações (FiO2 < 40%), observando-se melhora do quadro em 12-24 horas, podendo raramente prolongar-se até 72 horas. EXAMES DE IMAGEM As seguintes alterações são descritas ( ):Figura 9 ● Diminuição da transparência pulmonar; ● Estrias radiopacas em direção ao hilo (trama vascular pulmonar proeminente); ● Cissuras espessadas (derrame cisural); ● Hiperaeração, com diafragma achatado; ● Eventualmente, discreta cardiomegalia e/ou derrame pleural. Estas alterações são simétricas com leve predominância do pulmão direito. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS Os achados laboratoriais reduzem-se à gasometria alterada, com discreta queda do oxigênio e pouca repercussão sobre o pH. Quando as alterações forem mais graves, outros diagnósticos devem ser analisados. TRATAMENTO O tratamento é de suporte. Alguns RN melhoram com a oferta de oxigênio (FiO2 < 40%) por cateter nasal ou CPAP. Se a frequência respiratória for maior que 60 irpm, recomenda-se alimentação através de sonda orogástrica, pois a taquipneia pode levar à incoordenação da respiração e deglutição, favorecendo a broncoaspiração de leite. Não está indicado o uso de antibióticos ou diuréticos (furosemida) para resolução deste quadro. Alguns estudos recentes demonstram benefícios associados com o uso de beta-agonistas inalatórios, mas ainda não há consenso quanto a esta prática. SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO MECONIAL ASPECTOS GERAIS A Síndrome de Aspiração Meconial (SAM) é um distúrbio respiratório decorrente da aspiração de líquido amniótico meconial, levando a alterações inflamatórias e obstrutivas. A mortalidade relacionada com este quadro ainda permanece elevada, apesar dos avanços no suporte ventilatório no período neonatal. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Ainda que o mecônio esteja presente no líquido amniótico em 10 a 20% dos nascimentos, apenas 1-2% dos RN deste grupo desenvolvem SAM. O mecônio é um material estéril, espesso, verde-escuro e sem odor, que resulta do acúmulo de debris do intestino fetal durante o terceiro trimestre. É composto por água, células intestinais descamadas, muco, lanugem, bile, líquido amniótico e vérnix caseoso. O sofrimento fetal agudo ou crônico e a infecção intraútero associam-se a uma diminuição do fluxo placentário e consequente hipoxemia, determinando um aumento do peristaltismo intestinal, seguido de relaxamento esfincteriano e liberação de mecônio. Assim, qualquer fator que predispõe o RN à asfixia pode estar associado com o desenvolvimento da SAM. Além de facilitar a eliminação do mecônio, a asfixia aumenta os movimentos respiratórios do feto, aumentando o risco de aspiração do mecônio para as vias aéreas. A presença desta substância estranha dentro dos pulmões pode ter repercussões graves, produzindo uma pneumonite química, além de obstruir as vias aéreas (pequenas), provocando aprisionamento do ar por mecanismo valvular, atelectasias e áreas de shunt intrapulmonar, com consequente hipoxemia. Pode haver deslocamento e inativação do surfactante com instabilidade e colapso alveolar. Um percentual dos RN com SAM apresentará algum grau de hipertensão arterial pulmonar, pois o processo induz ao vasoespasmo e hipertrofia da musculatura lisa arteriolar. Assim, aumenta-se o shunt direita-esquerda extrapulmonar através do forame oval e ducto arterial, diminuindo consequentemente o fluxo pelo leito pulmonar e levando a um grave distúrbio de ventilação-perfusão. O ar aprisionado produz hiperinsuflação. Este mecanismo favorece a ocorrência de enfisema intersticial, muitas vezes produzindo pneumotórax e/ou pneumomediastino. Os principais grupos de risco para o quadro de SAM são os RNcom idade gestacional maior que 40 semanas e os RN que sofreram asfixia perinatal. FIG. 9 ASPECTO RADIOGRÁFICO DE UM CASO DE TTRN. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O RN que desenvolve SAM geralmente é a termo ou pós-termo, com impregnação meconial em cordão umbilical, pele seca, enrugada e sem vérnix. A ausculta respiratória, pouco específica, pode revelar estertores em ambos os campos pulmonares, além de expiração prolongada, o que evidencia comprometimento de pequenas vias aéreas. O RN apresenta sinais de insuficiência respiratória nas primeiras horas de vida. A hiperdistensão do tórax pode ser proeminente. EXAMES DE IMAGEM O aspecto clássico é de infiltrado grosseiro e difuso ( ), alternando com áreas de hipotransparência e hiperinsuflação (aumento do diâmetro anteroposterior do tórax e achatamento do diafragma). Devemos tentar localizar precocemente áreas de extravasamento de ar, enfisema intersticial e pneumotórax. TRATAMENTO O melhor tratamento é sempre a prevenção, o que inclui uma boa assistência ao parto, evitando que o feto entre em sofrimento. Como já havíamos visto anteriormente, não há mais a recomendação da aspiração traqueal antes da ventilação com pressão positiva na sala de parto em todos os RN banhados em mecônio sem boas condições de vitalidade, como outrora recomendado. O tratamento pós-natal envolve: ● Cuidados gerais: incluem cuidados como a manutenção da temperatura na zona termoneutra e correção de anemia, alterações da glicemia e suporte hídrico; ● Suporte ventilatório: alguns RN podem ter boa resposta ao uso do capacete, desde que necessitem de menores FiO2. Em alguns casos, o uso de CPAP pode ser benéfico, mas pode agravar a retenção de ar em outros. A ventilação mecânica estará indicada nos casos de insuficiência respiratória mais grave, podendo ser necessário o uso de pressões inspiratórias altas, dada a grande diminuição de complacência pulmonar encontrada nestas crianças; ● Antibioticoterapia: seu uso é controverso, pois há estudos que não demonstram benefícios relacionados com sua utilização rotineira. É aceito que as crianças com SAM que evoluem com distúrbios respiratórios e radiografias muito alteradas devam receber antimicrobianos; ● Surfactante: o mecônio inativa o surfactante endógeno e a utilização do surfactante exógeno nas crianças com SAM vem sendo bastante estudada. Há metanálises que indicam uma redução na gravidade da doença e diminuição do número de crianças com falência respiratória progressiva que evoluem para o uso de oxigenação por membrana extracorpórea; ● Tratamento da hipertensão pulmonar persistente neonatal: pode ser complicação dos quadros de SAM e deve ser conduzida apropriadamente, como será mostrado a seguir. Video_35_Ped1 HIPERTENSÃO PULMONAR PERSISTENTE NEONATAL DEFINIÇÃO Figura 10 FIG. 10 INFILTRADOS GROSSEIROS IDENTIFICADOS NA SÍNDROME DE ASPIRAÇÃO MECONIAL. O quadro de Hipertensão Pulmonar Persistente Neonatal (HPPN) já foi originalmente denominado persistência da circulação fetal e, de fato, é isto o que ocorre. O quadro é caracterizado, essencialmente, por uma hipoxemia grave e refratária, secundária à diminuição do fluxo sanguíneo pulmonar e shunt da direita para a esquerda por meio do forame oval e/ou canal arterial. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO Em RN sadios, a transição da circulação fetal para a neonatal tem início logo após o parto, ainda na primeira incursão respiratória. Você pode ler mais sobre este processo mais a frente. A HPPN é caracterizada pela manutenção de resistência vascular pulmonar aumentada após o nascimento, com resistência sistêmica normal ou diminuída. Como consequência, há o estabelecimento de shunt extrapulmonar através do forame oval e do canal arterial, ainda presentes no início da vida. Como a resistência pulmonar será maior do que a sistêmica, o shunt será estabelecido da direita para a esquerda, levando sangue não oxigenado para a circulação sistêmica. As alterações que levam à manutenção da resistência pulmonar aumentada podem ser separadas em dois grupos principais de causas: um grupo funcional, no qual o aumento da resistência é decorrência de uma vasoconstrição pulmonar; e um grupo orgânico, no qual ocorrem alterações estruturais no leito vascular pulmonar. Diversas condições podem predispor a ocorrência destas formas, tais como asfixia perinatal, SAM, SDR, policitemia e uso de anti-inflamatórios não esteroidais durante a gestação. Além disso, o quadro pode ser idiopático. O quadro funcional pode tanto ser idiopático como estar relacionado com alguma desordem subjacente, sendo que a principal é a asfixia (a hipóxia e a acidose podem ter uma ação vasoconstritora direta; nos quadros prolongados, a asfixia pode levar a hipertrofia da parede muscular arteriolar). QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O RN inicia um quadro de desconforto respiratório logo ao nascimento ou já nas primeiras horas de vida, caracterizado por taquipneia, retrações intercostais e subcostais, gemidos, batimentos de asas de nariz e cianose. A melhora da cianose com a oferta de oxigênio é mínima. Nos RN asfíxicos, o envolvimento de múltiplos sistemas pode complicar ainda mais o quadro geral, especialmente quando há isquemia cardíaca e disfunção valvar com desenvolvimento de taquicardia e choque cardiogênico. Geralmente, o que se observa na prática é que os RN com HPPN apresentam queda da saturação ao simples manuseio, condição esta conhecida como labilidade. Além disso, a radiografia de tórax exibe poucos achados que justifiquem tanta hipóxia. Ao exame físico, pode-se auscultar hiperfonese de B2, além de um sopro de regurgitação tricúspide. EXAMES DE IMAGEM O ecocardiograma é fundamental, pois permite uma estimativa da pressão pulmonar, além da exclusão de cardiopatias. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS Observa-se um gradiente de PaO2 entre o leito pré-ductal (artéria radial direita) e o pós-ductal (extremidades inferiores), uma vez que os vasos pré-ductais recebem o sangue oxigenado proveniente do ventrículo esquerdo, e nos vasos pós-ductais deságua o fluxo de sangue misturado a partir do ventrículo esquerdo com o sangue desoxigenado do ventrículo direito. TRATAMENTO O tratamento é direcionado para a doença de base e para melhora da oxigenação. Deste modo, as medidas iniciais englobam a oferta de oxigênio e a correção da acidose, hipotensão e hipercapnia. Os quadros com hipoxemia persistente demandam a intubação traqueal e a ventilação mecânica. A sedação costuma ser necessária. O uso de bloqueadores neuromusculares fica reservado aos casos mais graves, pois sabemos que sua administração está relacionada ao desenvolvimento de atelectasias. O óxido nítrico (NO) é uma molécula de potente ação vasodilatadora, produzido endogenamente pelas células endoteliais. Pode ser usado no tratamento da HPPN sob a forma de gás, através de um manguito acoplado ao circuito da ventilação mecânica. Geralmente, o tempo total de duração da inalação de óxido nítrico é inferior a cinco dias. Recomenda-se a redução progressiva da dose, pois a sua descontinuação abrupta pode conduzir a um quadro de hipertensão de rebote. Outras intervenções possíveis incluem o uso de prostaciclina intravenosa, cada vez menos indicada, e oxigenação por membrana extracorpórea. Video_10_Ped1 APNEIA DA PREMATURIDADE DEFINIÇÃO A apneia é um termo usado para designar uma parada da ventilação. A apneia da prematuridade é caracterizada pela ocorrência de uma pausa respiratória de mais de 20 segundos ou com duração mais curta, se associada à queda de saturação, bradicardia ou cianose em um RN pré-termo. Deve ser distinguida da respiração periódica, que é também um padrão intercalado por pausas ventilatórias breves de 5-10 segundos considerado fisiológico no período neonatal, e que não produzem modificações no RN que demandem qualquer intervenção. Os episódios de apneia, quando ocorrem no RN pré-termo, podem sersecundários à sua imaturidade (apneia da prematuridade) ou a alguma doença subjacente. Ao contrário, episódios de apneia em RN a termo possuem sempre conotação patológica, o que requer sempre investigação clínica. FISIOPATOLOGIA A apneia idiopática da prematuridade pode apresentar um componente central (ausência de incursões ventilatórias) por imaturidade do centro respiratório, um componente obstrutivo (há movimentação da caixa torácica, mas há ausência de fluxo de ar por conta de uma obstrução), ou misto, que é o que ocorre na maioria das vezes. O componente central se estabelece porque os centros respiratórios do tronco encefálico no pré-termo respondem de modo insuficiente ao aumento da PaCO2, e, além disso, exibem um padrão paradoxal à hipóxia com apneia ao invés de hiperventilação. O componente obstrutivo nestes casos é representado pela instabilidade faríngea (incoordenação de língua e músculos faríngeos na respiração), flexão do pescoço e obstrução nasal. Geralmente, os fatores obstrutivos iniciam os episódios de apneia e os mecanismos centrais perpetuam-na. A apneia também pode ter uma causa secundária e estar relacionada com doenças neurológicas, respiratórias, infecciosas, dentre outras. QUADRO CLÍNICO O quadro de apneia idiopática da prematuridade costuma ter início ainda nas primeiras semanas de vida, mas pode ocorrer mais tardiamente na presença de outras enfermidades respiratórias. Ainda assim, quando os episódios começam apenas após duas semanas, uma investigação mais aprofundada deve ser recomendada. Toda apneia que se inicie após a segunda semana de vida, em pré-termos ou qualquer época em bebês a termo, necessita de investigação clínica. TRATAMENTO Todo RN que faz episódios apneicos deverá receber monitorização cardiorrespiratória. Muitas vezes, apenas a estimulação tátil em dorso ou sola dos pés é suficiente para reverter o quadro. Entretanto, em casos refratários, pode ser necessária a ventilação com máscara e balão autoinflável. A apneia recorrente da prematuridade poderá ser tratada com medicações estimulantes, como teofilina e cafeína, cujo papel é aumentar a resposta central à hipercarbia e melhorar a força contrátil do diafragma. A cafeína parece ter melhor eficácia e desencadear menos efeitos colaterais que a teofilina. Além disso, alguns estudos mostram que a cafeína é um fator de proteção quanto ao desenvolvimento de doença broncodisplásica. É fato que o refluxo gastroesofágico coexiste com episódios de apneia em vários RN prematuros. Contudo, os estudos empreendidos até hoje não mostraram melhora da apneia após a introdução de medicações antirrefluxo. O CPAP nasal e o oferecimento de oxigênio umidificado por cânula nasal de alto fluxo têm demonstrado eficácia no tratamento da apneia obstrutiva ou mista, sendo o CPAP mais empregado. A maioria dos casos de apneia idiopática da prematuridade se resolve quando o bebê alcança 37 semanas de idade gestacional. O fato de ter apresentado apneia no período neonatal não é fator de risco para desenvolvimento da síndrome da morte súbita do lactente. Video_07_Ped1 DISPLASIA BRONCOPULMONAR DEFINIÇÃO A Displasia Broncopulmonar (DBP) é um distúrbio pulmonar crônico do RN pré-termo, caracterizada por hipoplasia de alvéolos, de vasos pulmonares e fibrose. É o resultado de uma lesão pulmonar que se estabelece em RN que necessitam de oxigenoterapia e suporte ventilatório. FISIOPATOLOGIA Sua fisiopatologia é multifatorial e envolve: atelectrauma por deficiência de surfactante; volutrauma pela ventilação mecânica; ação de radicais livres produzidos pela exposição de oxigênio; inflamação, mediada por células (neutrófilos e macrófagos) e por citocinas; outros fatores, como infecção, persistência de canal arterial e desnutrição, que podem afetar o RN pré-termo. Na fase crônica, ocorre um reparo ineficaz: a liberação de fatores de crescimento e quimiocinas leva ao desenvolvimento de fibrose intersticial, alteração do desenvolvimento da vascularização pulmonar normal, espessamento da membrana basal, edema, espessamento da camada muscular das vias aéreas periféricas e aumento da sua reatividade. Os efeitos funcionais de todas estas alterações são a redução da complacência pulmonar (menor capacidade de distensibilidade), aumento da resistência nas vias aéreas (por redução do calibre de bronquíolos) e distúrbios de troca gasosa (espessamento da membrana basal e destruição alveolar). Há, portanto, um desarranjo citoarquitetural que envolve as vias aéreas calibrosas e periféricas, alvéolos, interstício e vasos sanguíneos pulmonares. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS O quadro clínico clássico é de um RN pré-termo que, em vez de apresentar a melhora evolutiva esperada em um quadro de doença de membrana hialina, persiste com necessidade crescente de oxigênio e suporte ventilatório. Os sinais/sintomas mais frequentemente encontrados são a taquipneia, retrações intercostais e subcostais, roncos e crepitações à ausculta. Nos casos mais graves, pode instalar-se um quadro compatível com insuficiência cardíaca direita pelo aumento da resistência vascular pulmonar. O diagnóstico deve ser considerado nos RN pré-termo que necessitem concentrações de oxigênio maiores que 21% por um período ≥ 28 dias. Em função da idade gestacional, esta criança será avaliada com 36 semanas de idade gestacional ou 56 dias de vida para determinação da gravidade da doença. Veja como isso é feito na Tabela 8. TAB. 8 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS PARA A DISPLASIA BRONCOPULMONAR. A classificação proposta nesta tabela é do ano de 2001 e, desde então, novos refinamentos a estes critérios diagnósticos já foram propostos, com a diferenciação de graus em função do tipo de suporte ventilatório oferecido e da concentração de oxigênio. Todavia, a classificação apresentada ainda é apresentada nos livros usados pelas referências e segue sendo abordada nas provas, ainda que o tema não seja muito frequente nos concursos. EXAMES DE IMAGEM A radiografia simples pode revelar enfisema intersticial, atelectasias com áreas de hiperinsuflação e formações císticas, como mostra a : TRATAMENTO Além do suporte ventilatório, algumas intervenções são importantes no manejo destas crianças. ● Suporte nutricional: a demanda basal é maior e, deste modo, pode ser necessária a adição de calorias e nutrientes para permitir o crescimento adequado. O excesso de líquidos pode piorar a função pulmonar, por edema pulmonar, em algumas crianças. Deste modo, a restrição hídrica pode ser indicada em alguns casos. ● Diuréticos: o uso de diuréticos pode melhorar a função respiratória em curto prazo, mas não há comprovação de que o uso prolongado melhore o prognóstico. As classes utilizadas incluem os diuréticos tiazídicos e os de alça, como a furosemida. Lembre-se de que o uso dos diuréticos pode levar ao estabelecimento de complicações eletrolíticas e, desde modo, a suplementação de eletrólitos na dieta pode ser indicada. ● Broncodilatadores: são usados para o tratamento do broncoespasmo associado à doença, mas não são necessários para todos os RN. ● Corticoides: também não são rotineiramente indicados por todos, sendo reservados para os casos mais graves em que não se consegue o desmame ventilatório. Estas crianças podem apresentar episódios de descompensação, associados com processos infeciosos e outras complicações. Uma medida de prevenção importante diz respeito à profilaxia para a infecção pelo vírus sincicial respiratório com a utilização do palivizumabe. Figura 11 FIG. 11 DISPLASIA BRONCOPULMONAR GRAVE. Nota-se drenagem de pneumotóraces bilaterais. PROGNÓSTICO O prognóstico das crianças que recebem alta da UTI sem oxigênio é bom. Entretanto, fatores como ventilação mecânica prolongada, hemorragia intraventricular, hipertensão pulmonar, cor pulmonale e dependência de oxigênioaté completar um ano estão associados ao prognóstico adverso. Geralmente, as principais causas de óbito nestes bebês são a infecção pelo vírus sincicial respiratório e a falência cardiopulmonar. ICTERÍCIA NEONATAL INTRODUÇÃO Tenha bastante cuidado, pois ainda que o tema esteja inserido no capítulo que aborda várias doenças no RN, veremos que a icterícia é algo comum no período neonatal e, frequentemente, não tem qualquer conotação patológica. Definimos icterícia como a coloração amarelada de pele e mucosas, provocada por um aumento da fração indireta da bilirrubina, ou da sua fração direta, o que acontece menos frequentemente. Observamos icterícia em cerca de 60% dos RN a termo e em 80% dos RN pré-termo durante a primeira semana de vida. A maior preocupação com esta condição deriva do fato de que, em níveis muito elevados, a bilirrubina não conjugada, ou bilirrubina indireta – doravante denominada BI – pode cruzar a barreira hematoencefálica, levando ao desenvolvimento de um quadro de encefalopatia bilirrubínica. O termo kernicterus é reservado à forma crônica da doença, quando há sequelas clínicas permanentes resultantes da toxicidade da bilirrubina. O grande desafio do pediatra é saber identificar a natureza da icterícia encontrada na maior parte dos RN, isto é, se decorrente de um processo fisiológico ou patológico, e ter o conhecimento do momento exato de intervir, empregando medidas terapêuticas apropriadas e, muitas vezes, salvadoras. METABOLISMO DA BILIRRUBINA Lembre-se, inicialmente, de como é o metabolismo da bilirrubina fora do período neonatal. A BI é um produto da degradação do grupamento heme, que deriva da hemoglobina (75%) e de outras proteínas (25%), como mioglobina, citocromo, catalases e peroxidases. O heme é convertido no sistema reticuloendotelial em basicamente duas reações químicas: a primeira mediada pela hemeoxigenase que transforma a hemoglobina em biliverdina; e a segunda é catalisada pela biliverdina redutase, produzindo a bilirrubina. O ferro liberado desta reação é reaproveitado pelo organismo e armazenado no baço e fígado. A BI (lipossolúvel) deixa o sistema reticuloendotelial, liga-se à albumina plasmática para ser carreada até o fígado. Chegando próximo à membrana dos hepatócitos, difunde-se através do meio lipídico e, no citoplasma, volta a ligar-se a uma proteína – ligandina – cuja função é carreá-la até o retículo endoplasmático liso; dentro desta organela a BI é convertida à bilirrubina conjugada, ou Bilirrubina Direta (BD), com auxílio da enzima uridilglucoroniltransferase. Esses novos pigmentos são hidrossolúveis e suficientemente polares para serem excretados pela bile ou filtrados pelos rins. Com a bile, a BD chega ao intestino delgado onde, no adulto e na criança maior, será reduzida a estercobilina pela presença de bactérias da flora local e uma pequena quantidade será desconjugada pela enzima betaglicuronidase. Neste caso, forma-se novamente BI, que pode ser reabsorvida pela circulação êntero-hepática. Este processo de captação e conjugação não está plenamente desenvolvido nos primeiros dias de vida. Durante a vida intrauterina, a bilirrubina produzida pelo feto é eliminada pela placenta, capaz de excretar a BI. A atividade das enzimas responsáveis pela conjugação hepática da bilirrubina é baixa durante a vida fetal e assim está no momento do nascimento. Deste modo, o metabolismo da bilirrubina em um RN está em transição do estágio fetal, quando a placenta elimina a BI, para o estágio adulto, no qual a forma conjugada é excretada pelos hepatócitos no sistema biliar e depois no trato gastrointestinal, como acabamos de descrever. ICTERÍCIA FISIOLÓGICA INTRODUÇÃO A chamada icterícia fisiológica é um quadro comum, benigno e autolimitado. Após ler os mecanismos anteriormente descritos, é simples compreender que no período neonatal existem fatores que promovem uma maior elevação da BI e levam a este quadro, são eles: ● Sobrecarga de bilirrubina ao hepatócito: o RN produz até duas ou três vezes mais bilirrubina que um adulto, levando-se em conta seu peso corporal. Isso ocorre pela maior quantidade proporcional de hemoglobina encontrada no RN e pela menor meia-vida das hemácias (a meia-vida é de 70-90 dias, enquanto no adulto é de 100-120 dias). Além disso, a reabsorção entérica da BI também está aumentada, contribuindo para a maior sobrecarga; ● Diminuição da captação e conjugação hepáticas, por imaturidade dos sistemas enzimáticos. O somatório destes fatores faz com que o aumento nos níveis de BI seja um evento onipresente no período neonatal. QUADRO CLÍNICO No quadro de icterícia fisiológica em um RN a termo, a icterícia costuma ser visível entre o 2º e o 3º dia de vida, com um pico nos níveis de BI entre o 2º e o 4º dia de vida. Ainda que este quadro seja bastante frequente, a presença de algumas alterações torna necessária a avaliação de alguma causa subjacente para a determinação da causa da icterícia, os principais dados neste sentido são: ● Icterícia que surge nas primeiras 24-36 horas de vida; ● Níveis séricos de bilirrubina que aumentam numa taxa maior do que 5 mg/kg/dia; ● Níveis séricos de bilirrubina maiores do que 12 mg/dl em um RN a termo ou 14 mg/dl em um RN pré-termo; ● Icterícia que persiste por mais do que 10-14 dias; ● Aumento nos níveis de BD. Video_15_Ped1 Um aspecto interessante do exame clínico do RN ictérico é a identificação das zonas de Kramer. Existe uma regra (não muito precisa, mas bastante difundida na prática clínica pediátrica) que relaciona os níveis de bilirrubina com a topografia da icterícia no RN. Sabemos que a progressão da icterícia se faz de maneira craniocaudal e, deste modo, em RN a termo saudáveis, a constatação de icterícia somente na face (zona I) está associada a valores de BI que variam de 4 a 8 mg/dl; a presença de icterícia desde a cabeça até a cicatriz umbilical (zona II) corresponde a valores desde 5 até 12 mg/dl; já os RN a termo com icterícia na zona III podem apresentar BI superior a 15 mg/dl. Veja a que ilustra isso. Mas esta regra é apenas uma estimativa grosseira, e devemos saber que o exame físico não é um método preciso e confiável para determinação do nível sérico de bilirrubina. QUADROS NÃO FISIOLÓGICOS INTRODUÇÃO Ainda que a icterícia fisiológica seja um evento bastante comum e benigno, existem fatores que aumentam o risco do desenvolvimento de uma hiperbilirrubinemia significante na primeira semana de vida. Veja-os condensados na TAB. 9 FATORES DE RISCO PARA DESENVOLVIMENTO DE HIPERBILIRRUBINEMIA SIGNIFICANTE EM RN ≥ 35 SEMANAS DE IDADE GESTACIONAL. Figura 12 FIG. 12 Zona I: cabeça e pescoço. Zona II: tronco até a cicatriz umbilical. Zona III: hipogástrio até as coxas. Zona IV: joelhos até tornozelos e cotovelos até punho. Zona V: mãos e pés. Tabela 9. FATORES DE RISCO MAIORES FATORES DE RISCO MENORES ● Bilirrubina total sérica ou transcutânea na zona de alto risco ( ) antes da alta hospitalar. ● Icterícia observada nas primeiras 24 horas. ● Incompatibilidade sanguínea ou outras doenças hemolíticas conhecidas. ● Idade gestacional entre 35 e 36 semanas. ● Irmão com icterícia neonatal tratado com fototerapia. ● Céfalo-hematoma ou equimoses. ● Aleitamento materno exclusivo, especialmente se há problemas com a amamentação e a perda ponderal for excessiva. ● Etnia asiática. Figura 13 ● Bilirrubina total sérica ou transcutânea na zona de risco intermediário-alto antes da alta hospitalar. ● Idade gestacional entre 37 e 38 semanas. ● Icterícia observada antes da alta hospitalar. ● Irmão com icterícia neonatal. ● Macrossomia ou mãe diabética. ● Idade materna ≥ 25 anos. ● Sexo masculino. ETIOLOGIAS E DIAGNÓSTICO Diversas condições podem ser responsáveis pelos quadros considerados não fisiológicos, como mostrado no A investigação diagnóstica poderá ser norteada pela fração da bilirrubina que se encontra aumentada. Assim, alémda anamnese e exame físico, os seguintes exames podem ser indicados: FIG. 13 NORMOGRAMA PARA ESTRATIFICAÇÃO DO RISCO PARA HIPERBILIRRUBINEMIA. Fluxograma 4. FLUXOGRAMA 4 ● Aumento de BI: hemoglobina, hematócrito, contagem de reticulócitos; tipagem sanguínea da mãe e RN (sistemas ABO e Rh); e prova de Coombs direto; ● Aumento de BD: hemograma, AST, ALT, fosfatase alcalina, glicose; coagulograma; dosagem de alfa-1-antitripsina; pesquisa de substâncias redutoras na urina; e ultrassonografia hepática. DOENÇAS HEMOLÍTICAS A presença de icterícia nas primeiras 24 ou 36 horas de vida deve nos alertar para a presença de uma doença hemolítica. As causas de hemólise subdividem-se em dois grupos principais: causas imunes e causas não imunes. QUADROS IMUNOMEDIADOS Quando avaliamos um RN com doença hemolítica, devemos considerar a possibilidade de isoimunização: anticorpos maternos passam pela placenta para o feto e podem ligar-se às hemácias fetais, levando à destruição das mesmas. O marcador deste processo é a presença de um teste de Coombs direto positivo. Atenção para não confundir os testes: o teste de Coombs direto é capaz de identificar a presença de anticorpos ligados nas hemácias, enquanto o teste de Coombs indireto detecta a presença de anticorpos séricos. Entre as doenças hemolíticas isoimunes temos: ● Incompatibilidade sanguínea Rh: mãe antígeno D negativo e RN positivo. Nesta situação, a hemólise ocorre porque as hemácias do feto e do RN, portadoras do antígeno D, são destruídas por anticorpos materno IgG anti-D. Para que estes anticorpos estejam presentes na circulação da mulher, deve te ocorrido sensibilização prévia, o que tipicamente ocorre em gestações anteriores quando havia indicação de imunoglobulina específica e isto não foi feito. Estas mulheres têm prova de Coombs indireto positiva. O RN apresenta prova de Coombs direto sempre positiva, anemia e contagem de reticulócitos aumentada; ● Incompatibilidade ABO: mãe O com RN A ou B, seja RH positivo ou negativo. As mulheres do grupo A ou B, respectivamente, produzem anticorpos anti-A ou anti-B, com predominância da classe IgM que não atravessa a barreira transplacentária e, por conta disso, não ocorre a destruição das hemácias B ou A. A anemia não costuma ser proeminente e é um quadro menos grave que o da incompatibilidade Rh. O teste de Coombs direto no RN nem sempre será positivo nestes casos. O esfregaço do sangue periférico revela a presença de esferócitos; ● Antígenos eritrocitários irregulares: anticorpos maternos anti-c, anti-e, anti-E, anti-Kell, outros; Coombs direto positivo. São quadros raros e a suspeita se estabelece quando não existe incompatibilidade materno-fetal ABO ou Rh (antígeno D) e o sangue do RN apresenta Coombs direto positivo. QUADROS NÃO IMUNOMEDIADOS Além dos quadros isoimunes, também é possível a ocorrência de hemólise por processos não imunomediados. Estes processos incluem defeitos eritrocitários enzimáticos, como a deficiência de glicose-6-fosfato desidrogenase, ou defeitos eritrocitários estruturais, como a esferocitose hereditária. Nestas condições, o teste de Coombs não será positivo. FORMAS DE ICTERÍCIA ASSOCIADAS COM A AMAMENTAÇÃO Existe uma associação entre o aleitamento materno e o desenvolvimento de icterícia no RN. Existem dois mecanismos envolvidos: em um deles, há baixa ingestão láctea, sem qualquer alteração na composição do leite; em outro, o problema parece estar relacionado com a composição láctea. O resultado final destes dois processos parece ser o aumento da circulação êntero-hepática da bilirrubina. FORMA PRECOCE (ICTERÍCIA DO ALEITAMENTO MATERNO) Sabe-se que os RN amamentados exclusivamente no seio materno são fisiologicamente mais ictéricos do que os alimentados com fórmulas nos primeiros dias de vida. Isso se deve a um aumento na circulação êntero-hepática associada a uma ingestão de leite insuficiente por dificuldades do início da amamentação e, consequentemente, pela menor quantidade de eliminação do mecônio. Esta forma de icterícia surge entre o 2º e o 3º dia de vida e está associada a sinais de dificuldades alimentares, como pega/posicionamento incorretos, e perda de peso acentuada nos primeiros dias de vida. FORMA TARDIA (ICTERÍCIA DO LEITE MATERNO) É um quadro que pode perdurar por semanas. Neste quadro, ao redor do 4º dia, ao invés de haver a queda esperada nos níveis de bilirrubina como manda a história natural da icterícia fisiológica, sua concentração continua a subir até o 14º dia de vida, podendo alcançar cifras de 20-30 mg/dl. Se o aleitamento é continuado, estes níveis estabilizam e caem lentamente, atingindo níveis normais em 4 a 12 semanas. Se o aleitamento for suspenso, os níveis caem rapidamente em 48 horas. Estes RN apresentam-se saudáveis, com bom ganho ponderal, não apresentam qualquer alteração de função hepática ou de hemólise. Quanto ao seu mecanismo patogênico, não se conhece muito, mas parece existir fatores no leite materno que interferem com o metabolismo da bilirrubina. Além disso, quando comparados com bebês alimentados com fórmula infantil, verificamos que os amamentados ingerem betaglicuronidase presente no leite (enzima que converte a BD em BI a nível intestinal, facilitando a sua reabsorção), têm menor colonização bacteriana intestinal (o que diminui a conversão da BD em estercobilina) e excretam menos fezes. Esse tipo de icterícia já foi relacionado à encefalopatia bilirrubínica, embora isso ocorra raramente. Quando houver dúvida do diagnóstico ou o nível de bilirrubina for muito elevado, pode-se realizar uma prova terapêutica: suspende-se o aleitamento por 24 horas, deixando o RN com complemento. A bilirrubinemia cai rapidamente, podendo ocorrer discreto aumento à reintrodução do aleitamento, porém não atingindo os valores anteriormente encontrados. QUADROS ASSOCIADOS COM O AUMENTO DA BILIRRUBINA DIRETA A icterícia neonatal associada com o aumento da BD ocorre pela secreção defeituosa ou insuficiente de bile e é sempre um processo patológico. O termo colestase indica a diminuição do fluxo biliar e é usado para caracterizar estas condições. O aumento da BD pode ocorrer por um defeito no transporte hepatocelular ou excreção da bile ou pode ser secundário a alterações estruturais ou funcionais dos ductos biliares. Os distúrbios funcionais podem afetar os hepatócitos ou o sistema biliar, destacando-se neste grupo as hepatites neonatais (idiopática ou infecciosa) e as doenças metabólicas (erros inatos do metabolismo). A atresia de vias biliares é o protótipo da doença que cursa com obstrução mecânica do sistema biliar. As principais manifestações clínicas da icterícia colestática são: a coloração amarelada de pele e mucosas, hepatomegalia, acolia fecal e colúria. A hipoprotrombinemia pode levar a sangramentos. Se a colestase for prolongada, há desenvolvimento de prurido, xantomas associados a hipercolesterolemia e deficiência de vitaminas lipossolúveis, especialmente a vitamina E. HEPATITES NEONATAIS A hepatite neonatal idiopática é uma doença de causa desconhecida, podendo acontecer de forma esporádica ou familiar. Entretanto, existem causas infecciosas, metabólicas e genéticas que também provocam dano e inflamação ao hepatócito, produzindo um quadro de hepatite neonatal. A hepatite neonatal infecciosa pode ser causada por vírus como herpes simples, enterovírus, citomegalovírus ou o vírus da hepatite B. Diversas doenças genéticas podem levar ao desenvolvimento de quadros de hepatite. ATRESIA DE VIAS BILIARES Nesta afecção ocorre obliteração de toda a árvore biliar extra-hepática. O diagnóstico deve ser estabelecido o mais rapidamente possível, pois as crianças que não são submetidas à intervenção cirúrgica podem evoluir para o óbito por cirrose hepática ainda nos primeiros anos de vida. A ultrassonografia é um exame de grande valia para este diagnóstico,podendo indicar vesícula não identificada ou de pequenas dimensões e visualização do sinal do "cordão triangular", uma massa fibrótica de aspecto triangular que representa uma vesícula contraída e presença do ducto biliar comum fibroso. O maior desafio na avaliação da colestase neonatal é realizar o diagnóstico diferencial entre hepatite neonatal e a atresia biliar. Nenhum exame laboratorial ou de imagem é capaz de garantir com segurança a distinção entre as duas doenças. Mas existem algumas características que podem sugerir um ou outro diagnóstico: (1) na hepatite neonatal idiopática existe uma incidência familiar em 20% dos casos; e (2) a acolia fecal persistente e a hepatomegalia são achados mais frequentes na atresia de vias biliares. Exames como ultrassonografia e cintilografia hepatobiliar com tecnécio marcado também podem ser usados para auxiliar na diferenciação entre atresia e outras causas não obstrutivas de colestase. Na atresia, a captação de tecnécio pelo fígado é normal, mas a excreção dentro do intestino é ausente. Por sua vez, na hepatite neonatal, a captação pode ser prejudicada, mas há excreção intestinal. A biópsia hepática se constitui na ferramenta diagnóstica principal para diferenciação entre as duas patologias. Na atresia biliar é verificada uma estrutura lobular hepática intacta, ou seja, sem evidência de qualquer dano aos hepatócitos, com fibrose do espaço porta, plugs de bile e proliferação de ductos. Na hepatite neonatal, o espaço porta está normal, mas o lóbulo hepático mostra infiltração de células inflamatórias e necrose hepatocelular. Os pacientes com suspeita de atresia de vias biliares devem ser submetidos a uma laparotomia exploradora para realização de colangiografia intraoperatória com o objetivo de determinar a presença e o ponto de obstrução. Aqueles que não possuem uma lesão obstrutiva passível de correção cirúrgica deverão mesmo assim realizar o procedimento de Kasai (portoenterostomia), que consiste na anastomose de uma alça intestinal em Y de Roux na árvore biliar. O objetivo desta cirurgia é permitir uma drenagem mínima de bile e descompressão da árvore biliar, ainda que seja residual. A estagnação do pigmento evolui com lesão crônica, cirrose, hipertensão portal e fígado em estágio terminal. O sucesso do procedimento cirúrgico é dependente do momento de sua realização. Dessa forma, quanto mais precoce for a intervenção, ou seja, preferencialmente antes das primeiras oito semanas de vida, maior será o sucesso do ato cirúrgico. Quando, apesar do procedimento, a agressão inflamatória persiste, está indicado o transplante hepático. Video_16_Ped1 OUTRAS CONDIÇÕES ● Doenças de transporte, secreção e conjugação da bilirrubina: a doença de Byler (colestase intra-hepática familiar progressiva) é causada por uma mutação no gene de uma ATPase de membrana celular, afetando o metabolismo bioquímico da bilirrubina. ● Doenças da embriogênese: a síndrome de Alagille ou displasia artério-hepática é caracterizada por uma redução dos ductos biliares intra-hepáticos na tríade portal por um processo inflamatório progressivo que destrói estas estruturas. As principais manifestações clínicas associadas à doença são: fácies típica (fronte ampla, hipertelorismo ocular, nariz reto e longo, e hipoplasia de mandíbula), anomalias oculares (embriotoxon posterior), anormalidades cardiovasculares (estenose pulmonar, tetralogia de Fallot), defeitos vertebrais (vértebras em borboleta) e nefropatia tubulointersticial. TRATAMENTO Independentemente da etiologia da icterícia, os níveis muito elevados de BI devem ser reduzidos no intuito de prevenir a neurotoxicidade deste pigmento. Obviamente, as causas identificáveis e tratáveis de hiperbilirrubinemia, como, por exemplo, um quadro de sepse, devem ser corrigidas. O tratamento geral tem como base o emprego da fototerapia, e em casos de insucesso ou surgimento precoce de encefalopatia bilirrubínica, exsanguinotransfusão. FOTOTERAPIA A fototerapia consiste na aplicação de luz de alta intensidade e com espectro visível na cor azul. Ela tem como função converter a bilirrubina tóxica (4Z,15Z bilirrubina), através da fotoisomerização, em um isômero facilmente excretado pela bile e pela urina. A isomerização pode ser reversível, ou configuracional, quando o isômero formado é o 4Z,15E, mas pode ser irreversível, através da formação de novas ligações na estrutura original do anel, dando origem à lumirrubina, que é facilmente excretada na bile e na urina. O seu efeito encontra-se em íntima relação com a energia da luz emitida, com a distância entre a lâmpada e o RN, com a área de pele exposta e com o espectro da luz. Indica-se a fototerapia para neonatos com idade gestacional igual ou acima de 35 semanas com auxílio do gráfico e das curvas abaixo, utilizando-se o nível total de bilirrubina sérica e o tempo de vida (horas) em que foi colhida ( ).Figura 14 EXSANGUINOTRANSFUSÃO A exsanguinotransfusão é utilizada com o intuito de diminuir a intensidade da reação imunológica na doença hemolítica (pois remove os anticorpos ligados ou não às hemácias), de remover a BI e de corrigir a anemia. Este método terapêutico é o mais eficaz para reduzir o nível de bilirrubina nos casos de doença hemolítica perinatal e em situações onde encontramos hiper-hemólise. Estima-se que 80% dos anticorpos e 50% da bilirrubina plasmática sejam removidos durante o procedimento. Em casos de incompatibilidade materno-fetal Rh, o sangue indicado para o uso na exsanguinotransfusão é o Rh negativo homólogo ao do RN no grupo ABO. Na falta deste sangue, devemos prescrever sangue O de doador com testes negativos para imunoanticorpos anti-A ou anti-B. Na incompatibilidade sanguínea materno-fetal ABO, o sangue mais indicado é aquele preparado com hemácias do grupo O suspensas em plasma homólogo ao do RN. Em ambos os casos acima, deveremos realizar provas de compatibilidade entre as hemácias a serem empregadas no RN e o soro materno. O sangue total ou o concentrado de hemácias a serem empregados na exsanguinotransfusão devem ser o mais recente possível (no máximo até dois dias de estocagem), evitando assim o aparecimento de acidose e hiperpotassemia. A solução conservadora empregada na colheita também pode trazer problemas. O sangue recolhido em solução heparinizada (conservação por no máximo 24 horas) pode, quando infundido, levar a um aumento da fração de ácidos graxos não esterificados. Estes, por sua vez, competem com a bilirrubina pela ligação com a albumina. O sangue citratado (conservação por 24 a 48 horas) pode causar acidemia, hiperpotassemia e hipocalcemia. Posteriormente, o metabolismo do citrato causa alcalose metabólica. Em ambos os casos pode haver hipoglicemia. A exsanguinotransfusão está indicada em RN com idade gestacional igual ou acima de 35 semanas de vida, de acordo com o gráfico mostrado na FIG. 14 O gráfico acima pode ser usado para indicação de fototerapia nos RN a partir de 35 semanas (outras tabelas são usadas abaixo desta idade). Figura 15. COMPLICAÇÕES ENCEFALOPATIA BILIRRUBÍNICA Definimos encefalopatia bilirrubínica como uma síndrome neurológica causada pelo depósito de BI nas células do sistema nervoso central. Quando o nível sérico de bilirrubina se eleva de maneira significativa (hemólise maciça, eritroblastose), sua capacidade de ligação à albumina e a outras proteínas plasmáticas fica excedida, resultando em uma maior fração livre lipossolúvel. Esta tem a capacidade de se difundir e impregnar as células nervosas do encéfalo. Algumas condições, como asfixia neonatal e estados de hiperosmolaridade, por lesarem a barreira hematoencefálica, podem favorecer o aparecimento da síndrome com um nível menor do pigmento no plasma. Nos RN a termo e sadios, sabemos que níveis inferiores a 25 mg/dl não costumam causar a síndrome. Temos conhecimento de que,quanto mais imaturo um RN, maior é a sua suscetibilidade a neurotoxicidade da bilirrubina. O kernicterus corresponde ao achado anatomopatológico da encefalopatia bilirrubínica, termo mais correto para definir o quadro clínico neurológico relativo à impregnação cerebral pela bilirrubina. Existem duas formas, uma aguda e uma crônica. A fase aguda, caracterizada pelas fases descritas abaixo, surge em torno do segundo ao quinto dia nos RN a termo e pode aparecer até o sétimo dia em pré-termos. ● Fase 1: hipotonia, letargia, má sucção, choro agudo durante algumas horas. ● Fase 2: em que se instala hipertonia da musculatura extensora (opistótono), convulsões e febre. ● Fase 3: de aparente melhora, em que a hipertonia diminui ou cede e que se instala após a primeira semana. Cerca de 75% dos RN que chegam a apresentar estes sinais neurológicos vêm a falecer (geralmente durante a segunda fase, de hipertonia), e dos sobreviventes, 80% apresentam sequelas, como coreoatetose, surdez, espasmo muscular involuntário (distúrbios extrapiramidais) e retardo mental. Essas manifestações surgem tardiamente, aos dois ou três meses. Devemos lembrar que os sintomas iniciais da síndrome podem ser confundidos com outras condições sistêmicas que afetam o RN, como hipoglicemia, hemorragia intraventricular, sepse e asfixia. A forma crônica é caracterizada por: ● Primeiro ano: hipotonia, hiper-reflexia profunda, persistência do reflexo tônico-cervical assimétrico e atraso motor; ● Após o primeiro ano: síndrome extrapiramidal (tremores, coreoatetose, balismo), surdez neurossensorial. DOENÇAS INFECCIOSAS INTRODUÇÃO FIG. 15 O gráfico acima pode ser usado para indicação de exsanguinotransfusão nos RN a partir de 35 semanas (outras tabelas são usadas abaixo desta idade). Os quadros infeciosos ainda são responsáveis por uma importante parcela da mortalidade no período neonatal. Existem algumas particularidades próprias deste período da vida, relacionadas, principalmente, com os mecanismos de contaminação. Há várias maneiras pelas quais um micro-organismo qualquer pode ser transmitido da mulher para o feto e/ou para o RN. As infecções podem se estabelecer ainda durante a vida intrauterina (disseminação hematogênica transplacentária), ainda que nem sempre a gestante apresente manifestações clínicas. Tais infecções podem levar ao abortamento e desenvolvimento de alterações congênitas, como veremos a seguir. As infecções que acontecem no primeiro trimestre da gestação podem levar ao estabelecimento de graves malformações. Já as infecções em estágios mais tardios levam à presença de manifestações ativas no momento do parto ou, ainda, podem levar ao estabelecimento de manifestações apenas após o nascimento. Estas infecções ocorridas durante a vida intrauterina levam aos vários quadros de infecções congênitas, que veremos mais adiante. As infecções também podem ocorrer por mecanismo ascendente, ainda que o mais comum seja que as infecções bacterianas ocorram quando há o contato com o agente infeccioso durante o trabalho de parto. Estas formas de transmissão levam aos quadros de sepse neonatal, que veremos a seguir. Além disso, como ocorre em qualquer período da vida, o RN pode ser infectado durante o seu período de permanência hospitalar ou na comunidade, após a alta. SEPSE NEONATAL ASPECTOS GERAIS A sepse representa uma das principais causas de óbito no período neonatal, uma fase especialmente vulnerável para infecções graves em função da imaturidade imunológica própria do RN. O quadro é caracterizado como uma síndrome clínica que acomete crianças nos primeiros 28 dias de vida e pode manifestar-se por sinais sistêmicos de infecção e/ou pelo isolamento de um micro-organismo patogênico no sangue. Os episódios de sepse neonatal podem ser classificados como sendo precoces ou tardios, mas não há um consenso em relação ao ponto de corte temporal usado para separar essas formas. Alguns indicam que a "separação" temporal ocorre com 48 horas, 72 horas ou, mesmo, uma semana de vida. Mais importante do que determinar um ponto de corte, é compreender que os mecanismos de infecção em cada uma dessas formas pode ser distinto, como veremos com mais detalhes ao estudarmos a fisiopatologia do processo. Em RN a termo, a incidência de sepse neonatal é de um a dois casos para cada 1.000 nascidos vivos. Já nos RN pré-termo, os episódios são mais frequentes e a incidência é inversamente proporcional à idade gestacional. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO A sepse neonatal de início precoce é ocasionada pela transmissão de bactérias que contaminam o líquido amniótico ou que contaminam a criança durante o parto vaginal. Os quadros maternos de corioamnionite aumentam o risco do evento. Já os quadros de início tardio se estabelecem pela colonização neonatal, seja por uma infecção transversal materna ou pelo contato com a equipe de saúde ou, mesmo, na comunidade. Diversos fatores estão relacionados com um maior risco para a infecção bacteriana neonatal, como mostrado na TAB. 10 FATORES DE RISCO PARA INFECÇÃO BACTERIANA NEONATAL. BFC: Batimentos Cardíacos Fetais. Algumas outras condições também aumentam o risco de infecções, como o que acontece com os RN que permanecem em unidades de cuidado intensivo (menor contato com a mãe, jejum prolongado, flora multirresistente, uso de antibióticos de largo espectro, superlotação, etc.). Como é de se prever, RN que são submetidos a procedimentos invasivos (intubados, em ventilação mecânica, com cateteres profundos, em uso de nutrição parenteral, ou mesmo punção periférica, sondas orogástricas, transfusões e medicamentos) também têm risco aumentado. ETIOLOGIA A infecção precoce tem como agentes etiológicos o estreptococo beta-hemolítico do grupo B (Streptococcus agalactiae), Escherichia coli e outras enterobactérias (Klebsiella, Pseudomonas, Haemophilus e Enterobacter), anaeróbios (Bacterioides fragilis) e, menos comumente, Listeria monocytogenes e Citrobacter. Geralmente, a contaminação ocorre intraútero por infecção ascendente ou durante passagem do RN pelo canal de parto. A mortalidade é alta. Tabela 10. MATERNOS ● Febre materna: acima de 37,5°C. ● Infecção urinária: suspeita ou comprovada. Exceto nos casos tratados no início da gestação. A infecção urinária associa-se com maior chance de parto prematuro e corioamnionite. ● Colonização por Streptococcus agalactiae. ● Ruptura das membranas (> 18 horas). ● Infecção do trato genital: corioamnionite, liquido fétido, leucorreia, herpes, etc. RN ● Taquicardia fetal: pode estar relacionada com sofrimento fetal. Quando BCF > 180 bpm, maior incidência de sepse neonatal precoce. ● Prematuridade: fator de risco do RN mais importante. O RN pré-termo apresenta deficiências imunológicas e possui risco de infecção de 8 a 11 vezes maior que o RN a termo. ● Apgar 5 minutos < 7: a asfixia grave causa neutropenia e redução das reservas medulares de neutrófilos. ● Sexo masculino: a chance de sepse precoce no sexo masculino é de duas a seis vezes maior, possivelmente por deficiência de receptores para interleucina-1 no sexo masculino. ● Primeiro gemelar: este fator é controverso. A forma tardia do processo infeccioso tem como micro-organismos envolvidos as bactérias Gram-positivas (S. agalactiae, Staphylococcus coagulase negativos, S. aureus e Enterococcus); bactérias Gram-negativas (Klebsiella, Pseudomonas e Enterobacter); e fungos (Candida albicans e parapsilosis), principalmente em RN prematuros extremos, com menos de 1.000 g, em nutrição parenteral prolongada e em uso de antibióticos de largo espectro. A infecção tardia deve-se principalmente à contaminação hospitalar. O início é mais insidioso, com manifestações clínicas mais inespecíficas. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A criança com infecção pode apresentar desde manifestações clínicasinicialmente discretas (que podem ser confundidas com outras doenças neonatais) até uma forma grave de apresentação, com icterícia, hepatoesplenomegalia, petéquias e sangramentos. Os principais sinais clínicos indicativos de sepse neonatal incluem os seguintes achados: ● Instabilidade térmica: hipotermia (temperatura axilar < 36,5ºC) ou hipertermia (> 37,5º C). A hipotermia é mais frequente no RN pré-termo. O RN com hipertermia costuma manter extremidades frias; ● Dificuldade respiratória: alteração mais comum. A apneia associada com os quadros de sepse pode ser confundida com os quadros já estudados de apneia idiopática da prematuridade, mas, aqui, há outro sinais clínicos além da apneia; ● Hipotonia e convulsões; ● Irritabilidade e letargia; ● Manifestações gastrointestinais: podem incluir recusa alimentar, vômitos e distensão abdominal. Intolerância alimentar pode ser traduzida pela presença de resíduo gástrico; ● Icterícia: com aumento de BD; ● Palidez cutânea; ● Sinais de sangramento: o choque séptico é acompanhado de coagulação intravascular disseminada, com sangramentos em locais de punção e manifestações hemorrágicas diversas; ● Avaliação subjetiva: RN que "parece não estar bem". ALTERAÇÕES LABORATORIAIS O diagnóstico definitivo de sepse é estabelecido pelo isolamento de um micro-organismo patogênico em líquidos e secreções corporais. Porém, a realização de exames coadjuvantes e o início da antibioticoterapia empírica é uma realidade enquanto aguarda-se pelos resultados dessas culturas. EXAMES INESPECÍFICOS TESTES HEMATOLÓGICOS ● Leucograma: uma particularidade do período neonatal é o fato de que a leucocitose pode estar presente nas primeiras 12 a 18 horas de vida. Além disso, há outras condições que levam à leucocitose, como a asfixia e o estresse do parto. De todo modo, pode haver leucocitose (> 25.000/mm³) ou leucopenia (< 5.000/mm³) na sepse neonatal precoce. A leucopenia, especialmente a neutropenia (< 1.500-1.000/mm³), tem maior valor diagnóstico. A relação entre neutrófilos imaturos (mielócitos + metamielócitos + bastonados) e neutrófilos totais (relação I/T) tem valor preditivo para sepse quando seu índice for igual ou superior a 0,2 (relação I/T ≥ 0,2). Alterações morfológicas dos neutrófilos (vacuolização e granulações tóxicas) são consideradas indicadores de sepse. ● Plaquetas: a plaquetopenia (< 100.000/mm³) pode estar associada a maior gravidade da infecção. ● VHS: é um teste diagnóstico pouco sensível e pouco específico nesta avaliação. TESTES IMUNOLÓGICOS ● Proteína C-reativa: não deve ser usada como um teste diagnóstico definitivo. Tem sido mais utilizada de forma seriada para acompanhamento da evolução do RN. ● Citocinas: apesar de não estarem disponíveis na prática clínica, foi verificado experimentalmente que os níveis elevados de IL-6, TNF-alfa e IL-1b se correlacionam com o diagnóstico de sepse neonatal precoce. ● Procalcitonina: é o pró-hormônio da calcitonina que se eleva nas infecções neonatais. ISOLAMENTO DO MICRO-ORGANISMO Isolamento do agente infeccioso é necessário, através de hemoculturas, cultura de urina, cultura de liquor e cultura da secreção traqueal. Estes resultados naturalmente demoram a sair. Os testes de detecção rápida podem ser empregados, como a pesquisa de antígenos estreptocócicos na urina. Em relação à cultura do liquor, cabe indicar o seguinte: a meningite é comum na sepse neonatal tardia, mas é menos frequente nos quadros de sepse precoce. Quando está sendo feito apenas o rastreamento em um RN assintomático, podemos aguardar para realizar a avaliação liquórica; mas nas crianças sintomáticas, candidatas ao tratamento empírico, a punção lombar deve ser realizada, desde que existam condições clínicas para o procedimento. A cultura de urina, por sua vez, não é rotineiramente indicada na investigação da sepse precoce, salvo quando relato pré-natal de malformações urinárias ou sintomas indicativos. TRATAMENTO O tratamento empírico é frequentemente necessário. De acordo com manuais do Ministério da Saúde, a presença de três ou mais sinais clínicos no RN, ou no mínimo dois sinais associados a fatores de risco maternos, autoriza o diagnóstico de sepse clínica ou síndrome séptica, justificando-se, nesse caso, o início da antibioticoterapia sem o auxílio de exames laboratoriais (o que não quer dizer que os exames não serão feitos...). Na infecção precoce empregamos a ampicilina e aminoglicosídeos (gentamicina) como esquema empírico de primeira escolha. Nas formas tardias, o tratamento depende da prevalência de micro-organismos da unidade e de seu padrão de sensibilidade bacteriana. Nas unidades com elevada prevalência de estafilococos coagulase-negativo e resistentes à oxacilina, a vancomicina deve ser empregada substituindo a ampicilina. Uma droga com largo espectro para Gram-negativos, como a cefepima, em geral é utilizada no tratamento inicial. PREVENÇÃO A infecção pelo estreptococo do grupo B é potencialmente grave e existem estratégias que têm o intuito de evitar a contaminação do RN ou, ainda, instituir o tratamento antes do surgimento das primeiras manifestações clínicas. Neste sentido, o responsável pelo acompanhamento da gestante pode indicar o emprego de antimicrobianos intraparto, como mostrado na Após o nascimento, nós, pediatras, iremos avaliar o RN e determinar se há indicação de rastreamento com exames complementares ou, mesmo, de antibioticoterapia. TAB. 11 PROFILAXIA ANTIMICROBIANA INTRAPARTO PARA PREVENÇÃO DA SEPSE PRECOCE PELO GBS (ACOG – 2019). Atualmente, a Academia Americana de Pediatria traz dois protocolos distintos para a avaliação de sepse neonatal precoce, um para as crianças nascidas com ≥ 35 semanas e outros para aquelas com idade < 35 semanas. O protocolo que avalia as crianças com ≥ 35 semanas traz três diferentes estratégias de avaliação e ressalta que nenhuma delas permite a identificação precoce de todas as crianças que vão desenvolver sepse precoce e, além disso, também não conseguem evitar que algumas crianças não infectadas acabem sendo tratadas. A primeira estratégia propõe uma avaliação de risco por categoria. São avaliados fatores de risco e, a partir disso, pode ser iniciada a antibioticoterapia empírica, realizados exames, ou apenas recomendada observação hospitalar. Isto está sumarizado no Tabela 11. Fluxograma 5. A segunda estratégia consiste em uma avaliação de risco multivariável e deve ser feita a partir da utilização de calculadoras disponíveis na internet. Já a terceira estratégia é baseada, essencialmente, na avaliação clínica do RN, como mostrado no FLUXOGRAMA 5 AVALIAÇÃO DE RISCO POR CATEGORIA PARA IDENTIFICAÇÃO DE SEPSE EM RN ≥ 35 SEMANAS. *Considerar a realização de punção lombar e cultura de liquor antes do início da antibioticoterapia para os RN com maior risco de infecção). Fluxograma 6. Já nas crianças com ≤ 34 semanas, a conduta será determinada, principalmente, pelos motivos que levaram ao nascimento prematuro. A conduta está sumarizada no FLUXOGRAMA 6 OBSERVAÇÃO AMPLIADA PARA IDENTIFICAÇÃO DE SEPSE EM RN ≥ 35 SEMANAS. *Considerar a realização de punção lombar e cultura de liquor antes do início da antibioticoterapia para os RN com maior risco de infecção. Fluxograma 7. SÍFILIS CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS A sífilis congênita é o resultado da disseminação hematogênica do Treponema pallidum a partir da infecção materna. Cabe lembrar que a transmissão vertical do T. pallidum ocorre principalmente intraútero, mas também é possível a contaminação do concepto durante passagem pelo canal de parto, caso existam lesões ativas. Dados do ano de 2017 indicam que nos últimos anos, no Brasil, foi observado um aumento no número de casos de sífilis em gestantes, congênita e adquirida. As razões para este aumento incluem: aumento da cobertura de testagem, ampliação do uso de testes rápidos,redução do uso de preservativo, resistência dos profissionais de saúde à administração da penicilina na Atenção Básica, desabastecimento mundial de penicilina, entre outros. FISIOPATOLOGIA As gestantes nas fases primária e secundária da doença apresentam risco de transmissão vertical de 70 a 100% dos casos, taxa que se reduz nas fases tardias da doença. A transmissão pode ocorrer em qualquer fase da gestação, mas o risco aumenta com o avanço da idade gestacional. O tratamento adequado da gestante é capaz de prevenir a sífilis congênita e é importante lembrarmos que a infecção não confere imunidade permanente, daí a importância da investigação a cada gestação, mesmo quando há relato de doença prévia. A maior parte dos diagnósticos feitos em gestantes ocorre na fase de sífilis latente, quando não há manifestações clínicas. Logo, é fundamental a realização de testes padronizados durante o pré-natal para a correta identificação dos casos. A infecção fetal pode ter graves consequências. A infiltração placentária pode causar redução do fluxo sanguíneo para o feto e levar a um quadro de CIUR ou óbito fetal. Nem todas as crianças infectadas terão manifestações clínicas ao nascer, mas estas podem ser identificadas em pelo menos 20% dos RN. A infecção intraútero leva a uma grande disseminação do micro-organismo, de forma análoga ao que ocorre na sífilis secundária. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas são separadas em dois grupos: sífilis congênita precoce, que compreende as manifestações clínicas durante os dois primeiros anos de vida, e sífilis congênita tardia, que compreende os sinais e sintomas evidentes dos dois anos de vida em diante. SÍFILIS CONGÊNITA PRECOCE A maioria das crianças é assintomática ao nascer. É certo que algumas terão manifestações clínicas evidentes desde o primeiro dia de vida, mas, ainda que isso não ocorra, as alterações poderão surgir posteriormente. A maior parte das lesões surge até os três meses de idade, sendo a maioria ainda nas primeiras cinco semanas. As lesões da sífilis congênita precoce são o resultado da infecção ativa, causando inflamação. LESÕES CUTÂNEO-MUCOSAS FLUXOGRAMA 7 AVALIAÇÃO DO RISCO NOS RN ≤ 34 SEMANAS. *Considerar a realização de punção lombar e cultura de liquor antes do início da antibioticoterapia para os RN com maior risco de infecção. ● Lesões cutâneas: são evidentes em até 70% das crianças infectadas. As lesões são tipicamente maculopapulares, com coloração vermelho-acobreada, tornando-se mais amarronzada com o passar dos dias. Essas lesões são mais evidentes nas mãos e pés. É possível que sejam identificadas lesões desde o nascimento, que costumam ser bolhosas e são denominadas de pênfigo sifilítico, também acometendo a região palmoplantar. Essas bolhas podem se romper, evidenciando uma área desnuda, que evolui com maceração e formação de crostas ( ). ● Placas mucosas e condiloma plano: as placas mucosas podem ser evidenciadas ao redor da cavidade oral e na região genital. As lesões do condiloma plano podem ser evidenciadas após os primeiros dois ou três meses de vida. ● Alterações ectodérmicas: processo esfoliativo das unhas, perda de cabelo e sobrancelhas. ● Rinite: frequentemente é a primeira manifestação. Indica o acometimento do trato respiratório superior e cursa com secreção nasal mucosa, que pode tornar-se sanguinolenta. A lesão inflamatória do trato respiratório poderá produzir também laringite e choro rouco no RN. Todas as secreções mucosas são ricas em treponemas e altamente infectantes. LESÕES ÓSSEAS As alterações ósseas acometem até 80% das crianças não tratadas. As lesões costumam ser múltiplas e simétricas. Mesmo sem tratamento, estas lesões costumam resolver-se espontaneamente nos primeiros seis meses de vida da criança. A distinção entre sífilis congênita e adquirida pode, eventualmente, ser difícil. As alterações ósseas são bastante úteis neste sentido, pois são encontradas apenas na sífilis congênita. As alterações ósseas consistem em periostite e desmineralização da cortical, acometendo principalmente a diáfise dos ossos longos, bem como a osteocondrite, com acometimento articular. O sinal de Wimberger, visto na radiografia, caracteriza-se por uma rarefação localizada na margem superior interna da tíbia bilateralmente, tendo como significado uma inflamação da metáfise. A pseudoparalisia de Parrot é causada pela recusa da criança em movimentar a extremidade e relaciona-se com as alterações ósseas e eventuais fraturas associadas. SISTEMA HEMATOPOIÉTICO A presença de anemia, trombocitopenia e leucopenia ou leucocitose são achados comuns. A anemia hemolítica com Coombs negativo é um achado típico, sendo grave nas formas mais precoces da sífilis congênita. A icterícia encontrada nestas crianças pode estar relacionada com o aumento da BI, pelo processo de hemólise, ou da BD, pelo acometimento hepático. LESÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL O quadro de neurossífilis pode se desenvolver mesmo na ausência de outras manifestações clínicas. Algumas crianças podem apresentar manifestações agudas nos primeiros meses de vida, enquanto outras desenvolvem um quadro mais protraído, com manifestações mais evidentes no final do primeiro ano de vida (desenvolvimento de hidrocefalia, alterações nos pares cranianos e lesões vasculares cerebrais). LESÕES OCULARES Pode haver a coriorretinite na fase aguda, com o fundo de olho apresentando um aspecto de "sal e pimenta". OUTRAS ALTERAÇÕES Figura 16 FIG. 16 Observe as lesões cutâneas que podem ser identificadas no RN com sífilis congênita. ● Hepatomegalia: pode estar relacionada com o desenvolvimento de insuficiência cardíaca ou com infecção hepática e hematopoiese extramedular. A hepatite pode manifestar-se por aumento das aminotransferases. Sua ocorrência indica prognóstico mais reservado. Clinicamente, manifesta-se por icterícia por deficiência de excreção da BD. Pode acompanhar-se de esplenomegalia e distúrbios hemorrágicos. ● Baço: o aumento do baço é um dos achados mais frequentes na sífilis congênita, sendo junto com a hepatomegalia a mais comum manifestação visceral da doença. ● Rim: a lesão renal poderá apresentar-se como síndrome nefrótica ou síndrome nefrítica associada a depósito de complexos imunes na membrana basal do glomérulo. Ela geralmente aparece em torno do segundo ao terceiro mês. ● Linfadenopatia: pode haver adenopatia generalizada, com acometimento de linfonodos epitrocleares. ● Miocardite, síndrome de má absorção, desnutrição e falta de ganho ponderal no RN são outras manifestações clínicas da doença. SÍFILIS CONGÊNITA TARDIA As alterações encontradas na sífilis congênita tardia estão tipicamente associadas com o processo de cicatrização das lesões encontradas na sífilis precoce e com reações a um processo inflamatório persistente ainda em curso ( ). ● Sequelas da periostite na fase aguda: bossa frontal (fronte olímpica), espessamento da junção esternoclavicular (sinal de Higoumenáki), arqueamento da porção média da tíbia (tíbia em sabre). ● Anormalidades dentárias: dentes de Hutchinson e molares em formato de amora. ● Face: maxilar curto; nariz em sela, com ou sem perfuração do septo nasal; rágades (por fissuras peribucais). ● Articulação de Clutton (derrame articular estéril nos joelhos). ● Ceratite intersticial, coroidite, retinite, atrofia óptica com possível evolução para cegueira. ● Lesão de 8º par craniano, levando à surdez e à vertigem. A sífilis poderá afetar a audição por lesão do VIII par, uni ou bilateral. A tríade de Hutchinson é caracterizada por ceratite, alterações dentárias e surdez. ● Hidrocefalia. ● Deficiência intelectual. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS PESQUISA DIRETA DO TREPONEMA Não é habitualmente realizada. ● Microscopia de campo escuro: visualização do treponema em material fresco obtido de lesões cutâneas ou de mucosa nasal. ● Imuno-histoquímica:visualização do treponema a partir de material obtido por biópsia ou necropsia. Figura 17 FIG. 17 ALTERAÇÕES ENCONTRADAS NA SÍFILIS TARDIA. Na ordem: dentes de Hutchinson, articulação de Clutton e tíbia em sabre. AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Esses testes têm como base a demonstração de anticorpos contra o treponema. Podem ser divididos em dois grandes grupos: TESTES TREPONÊMICOS Os testes treponêmicos detectam anticorpos específicos contra o treponema. São de uso bastante limitado no período neonatal, posto que os anticorpos maternos da classe IgG passam pela placenta e são detectados na criança. Não há correlação entre os títulos encontrados e a presença ou não da sífilis congênita. Ainda que existam testes treponêmicos capazes de detectar IgM no RN, a sensibilidade dos mesmos é baixa. Quando realizados após os 18 meses, um teste treponêmico reagente sugere a infecção, pois após este período não existe mais IgG materna circulante. Os testes treponêmicos disponíveis incluem: TPHA, FTA-Abs, ELISA e testes rápidos. TESTES NÃO TREPONÊMICOS Detectam anticorpos não específicos anticardiolipina, material lipídico liberado pelas células danificadas durante a infecção e possivelmente contra a cardiolipina liberada pelos treponemas. Estes testes devem ter seus resultados expressos em frações (1:2; 1:4; 1:8; 1:16...) e o acompanhamento destes títulos indicam a evolução terapêutica. Deste modo, essa avaliação permite tanto o diagnóstico quanto o seguimento terapêutico. É possível correlacionar os títulos encontrados no RN com a presença ou a ausência de sífilis congênita, pois mesmo que ainda exista a passagem de anticorpos maternos pela placenta, é possível presumirmos se os mesmos são apenas de origem materna ou foram produzidos pela criança a partir da análise da titulação. Por esta razão, um resultado reagente no teste não treponêmico em crianças menores de 18 meses é valorizado quando o título encontrado for maior do que o materno em duas diluições. É sempre recomendado que uma segunda amostra seja coletada na criança para a confirmação. Os testes não treponêmicos disponíveis incluem o VDRL (Venereal Diseases Research Laboratory), o RPR (Rapid Plasma Reagin) e TRUST. No Brasil, o VDRL é o teste mais comumente utilizado. É importante frisar que as amostras do RN não devem ser obtidas no sangue de cordão, mas sim do sangue periférico. OUTROS EXAMES Na investigação da criança com possível sífilis congênita, além da avaliação sorológica, outros exames poderão ser indicados, são eles: ● Radiografia de ossos longos (metáfises e diáfises de tíbia, fêmur, úmero) e radiografia de tórax; ● Avaliação do liquor: as alterações liquóricas sugestivas de neurossífilis congênita no período neonatal são: > 25 células/mm3, proteína > 150 mg/dl e VDRL reagente. Na criança com mais de 28 dias, as alterações sugestivas de neurossífilis são: > 5 células/mm3, proteína > 40 mg/dl e VDRL reagente; ● Hemograma, perfil hepático e eletrólitos; ● Avaliação audiológica e oftalmológica. Os exames acima poderão ser indicados ainda que o RN esteja assintomático, como veremos a seguir. Outras avaliações poderão ser feitas, com base na presença de manifestações clínicas. TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO TRATAMENTO O ponto de partida inicial para a correta definição do tratamento da criança é a avaliação da adequação do tratamento da gestante. De acordo com os atuais manuais do Ministério da Saúde, para fins clínicos e assistenciais, o tratamento materno adequado é caracterizado pelo tratamento completo para estágio clínico de sífilis com benzilpenicilina benzatina, iniciado até 30 dias antes do parto. Gestantes que não se enquadrarem nesses critérios serão consideradas como tratadas de forma não adequada. A partir desta avaliação, o manejo do RN segue o apresentado no Fluxograma 8. Após ler cuidadosamente a figura, atente para os seguintes aspectos. ● Para a determinação de neurossífilis, basta qualquer uma das alterações citadas anteriormente (aumento da celularidade, proteinorraquia ou VDRL reagente). ● Quando há alteração liquórica, o uso de penicilina cristalina é justificado porque níveis liquóricos treponemicidas de penicilina não são alcançados em 100% dos casos quando utilizada a penicilina G procaína. No entanto, em situações extremas, a penicilina procaína pode ser considerada uma alternativa à penicilina cristalina. ● Nas situações em que for facultativo o uso da penicilina cristalina ou da penicilina procaína (situações nas quais a neurossífilis foi afastada), a penicilina procaína deve ser a droga de escolha, pois favorece o tratamento fora do ambiente hospitalar, com o uso da medicação por via IM. ● Ainda não há evidências, até o momento, da eficácia do uso da ceftriaxona no tratamento de sífilis congênita. Deste modo, esta medicação deverá ser reservada para situações extremas de indisponibilidade de penicilina cristalina e procaína. ● Os esquemas indicados para o tratamento são os seguintes: » Benzilpenicilina potássica/cristalina 50.000 UI/kg, intravenosa, de 12/12 horas na primeira semana de vida, de 8/8 horas após a primeira semana de vida, por dez dias (é necessário reiniciar o tratamento se houver atraso de mais de 24 horas na dose); » Benzilpenicilina procaína 50.000 UI/kg, intramuscular, uma vez ao dia, por dez dias (é necessário reiniciar o tratamento se houver atraso de mais de 24 horas na dose); » Benzilpenicilina benzatina 50.000 UI/kg, intramuscular, dose única. Video_19_Ped1 ACOMPANHAMENTO Todos os RN tratados para sífilis congênita confirmada ou suspeita devem ser acompanhados, para assegurar que o tratamento foi efetivo. Neste acompanhamento, uma série de medidas serão adotadas. Confira-as: FLUXOGRAMA 8 ● Avaliações mensais até o sexto mês e bimestrais do 6º ao 18° mês; ● Realizar teste não treponêmico com 1, 3, 6, 12 e 18 meses, interrompendo quando se observar resultados negativos em dois exames consecutivos; ● Espera-se que os testes não treponêmicos declinem aos três meses de idade, devendo ser não reagentes aos seis meses nos casos em que a criança não tiver sido infectada; ● Diante das elevações de títulos sorológicos, da sua não negativação até os 18 meses, ou da sua persistência em títulos baixos, a criança deve ser reavaliada e deve considerar retratamento ou nova investigação. A qualquer momento, diante do surgimento de sinais clínicos, uma nova avaliação clínica e laboratorial deve ser considerada; ● Os testes treponêmicos podem ser realizados a partir dos 18 meses. Um teste treponêmico reagente após os 18 meses idade (quando desaparecem os anticorpos maternos transferidos passivamente no período intrauterino) confirma o diagnóstico de sífilis congênita. Um resultado não reagente não exclui sífilis congênita nos casos em que a criança foi tratada precocemente; ● Nas crianças com sífilis congênita, recomenda-se o acompanhamento oftalmológico, neurológico e audiológico semestral por dois anos; ● Nos casos onde o liquor esteve alterado, deve-se proceder à reavaliação liquórica a cada seis meses, até a normalização do mesmo. Caso as alterações persistam, indica-se reavaliação clínica e laboratorial e retratamento; ● Nos casos de crianças tratadas inadequadamente, na dose e/ou tempo preconizados, deve-se convocar a criança para reavaliação clínica e laboratorial. Havendo alterações, recomenda-se reiniciar o tratamento da criança conforme o caso, obedecendo aos planos já descritos. RUBÉOLA CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS O ser humano é o único hospedeiro conhecido do vírus da rubéola. O risco de defeitos congênitos é maior quando a grávida adquire infecção primária durante o primeiro trimestre, chegando a ser de 90% quando a infecção ocorre ainda nas primeiras 11 semanas. O termo síndrome da rubéola congênita refere-se aos defeitos presentes em RN de mães que apresentaram infecção pelo vírus da rubéola durante a gestação (deficiência auditiva, catarata, defeitos cardíacos, etc.). FISIOPATOLOGIAA infecção intrauterina pode levar à reabsorção do embrião (quando a infecção é muito precoce), abortamento espontâneo, natimorto, infecção da placenta sem manifestações no feto ou infecção da placenta e do feto. Esta infecção fetal poderá resultar em vários tipos de malformações, dependendo da fase da gestação em que ocorreu a viremia. A infecção adquirida após o quarto mês de gestação, em geral, não se encontra associada a malformações fetais, nem à persistência do vírus. Algumas crianças infectadas durante a vida intrauterina podem não apresentar malformações evidentes ao nascimento, mas, em longo prazo, desenvolvem perda auditiva e comprometimento intelectual. Na presença de infecção fetal, o vírus pode ser excretado nas secreções nasofaríngeas, sangue, urina e fezes por longos períodos. O vírus pode ser encontrado em 80% das crianças no 1º mês de vida, 62% do 1º ao 4º mês, 33% do 5º ao 8º mês, 11% entre 9 e 12 meses, e 3% no 2º ano de vida. Um pouco de história... A rubéola já havia sido descrita na literatura médica desde o século 18. Foi inicialmente considerada uma forma modificada de sarampo ou de escarlatina e só posteriormente reconhecida como uma condição distinta. O maior interesse pela doença começou a partir de 1941, quando um oftalmologista australiano, Gregg, identificou o desenvolvimento de catarata e defeitos cardíacos nos RN de mulheres que tinham apresentado o quadro clínico de rubéola durante a gestação. Posteriormente, a deficiência auditiva e a deficiência intelectual foram associadas com a condição. Esta associação despertou um maior interesse na comunidade científica na busca pela identificação do agente etiológico responsável pelo quadro. Entre os anos de 1962 e 1964, uma pandemia mundial de rubéola associou-se com o nascimento de 20.000 RN com síndrome da rubéola congênita, com 2.100 destes evoluindo para óbito ainda no período neonatal. Estes eventos aceleraram ainda mais as pesquisas para uma forma de prevenir a infecção pelo vírus da rubéola e o desenvolvimento da vacina mudou por completo o perfil epidemiológico da doença. O Brasil, hoje, possui um certificado de eliminação da rubéola e da síndrome da rubéola congênita. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Mais de 50% dos RN infectados intraútero são assintomáticos no período neonatal. As manifestações clínicas encontradas podem ser transitórias, permanentes ou terem início tardio. As principais manifestações clínicas da rubéola congênita são: ● Deficiência auditiva: é a manifestação mais comum da rubéola congênita, acometendo até 80% das crianças infectadas. É provocada por alterações degenerativas da cóclea e do órgão de Corti (neurossensorial), clinicamente ocorrendo em graus variáveis e geralmente bilateral; ● Restrição ao crescimento intrauterino; ● Malformações cardíacas: as principais cardiopatias congênitas associadas à rubéola são a persistência de canal arterial e a estenose de artéria pulmonar; ● Malformações oculares: são mais frequentes as lesões que afetam a acuidade e a área macular. Catarata bilateral na metade das vezes, glaucoma (precoce ou tardio), retinopatia (aspecto de "sal e pimenta", por alteração no crescimento da camada pigmentar da retina) e microftalmia podem estar presentes; ● Alterações neurológicas: microcefalia, meningoencefalite, tetraplegia espástica, retardo do desenvolvimento psicomotor; ● Outras: hepatomegalia e icterícia, esplenomegalia, púrpura trombocitopênica, pneumonite intersticial e lesões ósseas (franjeamento da metáfise: lesão em talo de aipo). A ocorrência de eritropoiese dérmica pode levar ao surgimento de lesões vermelho-azuladas (aspecto de muffin de blueberry). Veja as características na Figura 18. Além das alterações acima descritas, a rubéola congênita associa-se com o maior risco para o desenvolvimento de algumas condições, como endocrinopatias. A principal dessas é o quadro de diabetes mellitus insulino-dependente, encontrado em até 20% dos adultos com o diagnóstico de rubéola congênita, um número muito maior do que o observado na população geral. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS A investigação do RN estará indicada sempre que houver o relato de infecção comprovada ou suspeita durante gestação ou quando houver manifestações clínicas compatíveis com síndrome da rubéola congênita. AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Deve ser coletada logo após o nascimento. A presença de IgM positivo, confirma o caso. Se houver um resultado com IgM negativo e IgG positivo, recomenda-se o acompanhamento dos títulos de IgG e o pareamento com os títulos maternos. Níveis mais elevados que o materno ou níveis persistentemente altos confirmam a infecção pelo vírus da rubéola. IDENTIFICAÇÃO VIRAL A detecção do RNA viral é possível por técnica de PCR. A pesquisa pode ser feita em vários líquidos orgânicos, como secreções de orofaringe, urina e liquor. O isolamento viral e a partir de secreções da orofaringe ou ser cultivado em amostras de sangue periférico, placenta, urina e liquor. OUTROS EXAMES Outros exames indicados incluem: hemograma, testes de função hepática, radiografia de ossos longos, fundoscopia, audiometria, exames de neuroimagem (ultrassonografia de crânio, tomografia computadorizada de crânio), estudo do liquor e ecocardiograma. TRATAMENTO Não existe tratamento medicamentoso para a síndrome da rubéola congênita. A catarata e a cardiopatia são as manifestações clínicas passíveis de correção cirúrgica. A principal forma de prevenção da doença é a vacinação. A vacina contra rubéola é recomendada, pelo Ministério da Saúde, para toda a população. Como veremos em alguns meses, tal vacina não pode ser feita em grávidas e, deste modo, as mulheres devem estar protegidas antes da concepção. TOXOPLASMOSE CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS FIG. 18 SÍNDROME DA RUBÉOLA CONGÊNITA. Aspecto de muffin de blueberry e catarata. A toxoplasmose é uma zoonose produzida pelo Toxoplasma gondii, parasita intracelular obrigatório, que ocorre naturalmente em vários animais. A infecção congênita ocorrerá após infecção materna primária durante a gestação, podendo eventualmente resultar da reativação da infecção latente em mulheres imunodeprimidas. A reinfecção de mulheres imunocompetentes durante a gestação é incomum. O Brasil está entre os países de maior risco para toxoplasmose congênita. É fundamental a detecção das gestantes com infecção aguda para instituição do tratamento apropriado, o que pode reduzir o risco de transmissão e infecção fetal. FISIOPATOLOGIA Ao adquirir a infecção primária, a mãe infecta o seu feto em 17-65% das vezes pela via transplacentária. Quanto mais precoce a idade gestacional, menor é a probabilidade de transmissão, porém mais grave é o quadro clínico. O contrário ocorre no final da gestação, quando há uma maior probabilidade da infecção, porém com consequências menos graves. As diferenças nos riscos de transmissão e nos desfechos relacionam-se com o fluxo placentário, com a virulência e inóculo do parasita e também com a capacidade imune da mãe e do feto de limitar a parasitemia. Depois de replicar-se ativamente na placenta, a parasitemia atinge praticamente todos os sistemas orgânicos do feto, com exceção da hemácia. Os locais mais acometidos são as túnicas oculares e o sistema nervoso central. No cérebro, encontramos áreas de necrose, acompanhadas de processos inflamatórios perivasculares, que sofrem calcificação precoce. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS A maior parte das crianças infectadas intraútero é assintomática ao nascer. As manifestações clínicas no RN, se presentes, são em sua grande maioria viscerais, neurológicas ou oftalmológicas ( ). LESÕES NO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Geralmente são resultantes de uma infecção nas fases iniciais da gestação.São encontradas alterações liquóricas, calcificações intracranianas, hidrocefalia, convulsões e microcefalia. A hidrocefalia tipo obstrutiva é considerada a manifestação neurológica clássica mais comumente encontrada na toxoplasmose congênita. As crises convulsivas podem fazer parte da clínica destes pacientes, podendo também ocorrer retardo do crescimento, opistótono, dificuldade de deglutição e paralisia de membros. As alterações liquóricas são identificadas em pelo menos 50% das crianças com a infecção congênita e o achado de proteinorraquia > 1 g/dl é um marcador de doença neurológica grave. Figura 19 FIG. 19 TOXOPLASMOSE CONGÊNITA. Coriorretinite e calcificações cranianas. LESÕES OCULARES Aceita-se que todos os indivíduos com infecção intraútero que não sejam adequadamente tratados vão evoluir com lesões oftalmológicas até a idade adulta. As lesões são localizadas na retina e na coroide, podendo complicar com iridociclite, catarata, glaucoma, estrabismo, nistagmo e descolamento de retina. A coriorretinite (retinocoroidite) é o comprometimento clássico mais frequente na toxoplasmose congênita, sendo uni ou bilateral. As lesões ativas podem curar com ou sem tratamento em poucas semanas ou meses, mas tendem a ser recidivantes e podem levar a sequelas graves. A doença ocular é recorrente e progressiva. Em crianças mais velhas, a retinocoroidite pode envolver apenas um olho e pode ser a única manifestação da doença. A microftalmia ocorre quando as lesões são muito graves. O estrabismo e nistagmo podem ocorrer como sinais precoces e persistentes. OUTRAS ALTERAÇÕES Podemos encontrar hepatoesplenomegalia, linfadenopatia, icterícia, trombocitopenia, anemia, pneumonite, miocardite, síndrome nefrótica e alterações ósseas. A tétrade de Sabin é caracterizada por coriorretinite, calcificações intracranianas, hidrocefalia ou microcefalia e deficiência intelectual. AVALIAÇÃO COMPLEMENTAR NO FETO Quando há infecção aguda da gestante, recomenda-se a investigação da infecção fetal. Esta investigação é possível através dos seguintes exames: ● Ultrassonografia fetal: pode revelar anormalidades fetais inespecíficas que sugerem a infecção congênita, tais como hidrocefalia, calcificações cerebrais e hepáticas, hepatoesplenomegalia, ascite, cardiomegalia e anormalidades placentárias; ● Reação em cadeia da polimerase (PCR) em líquido amniótico: a amniocentese deverá ser realizada entre 17 e 21 semanas com envio da amostra do líquido para detecção do DNA do toxoplasma pelo método de PCR. A sensibilidade é de até 70%, especificidade e valor preditivo positivo de 100%. NO RECÉM-NASCIDO AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Há vários testes sorológicos disponíveis. No Brasil, o teste de ELISA de captura de IgM é considerado o de melhor sensibilidade e deve ser preferencialmente utilizado. A triagem neonatal no teste do pezinho é feita pela identificação da IgM. A avaliação sorológica do RN esbarra na mesma dificuldade já descrita anteriormente: a presença de anticorpos IgG pode representar tão somente a passagem de anticorpos maternos pela placenta. Como os anticorpos da classe IgM não passam pela placenta, seu achado indica a infecção quando identificado no RN, mas a detecção desta forma será possível apenas em 75% dos casos. Quando a infecção tiver ocorrido muito no início da gestação ou quando a gestante tiver recebido tratamento, a sensibilidade será menor. Além disso, um resultado reagente sempre deverá ser confirmado (incluindo o resultado na triagem neonatal). A detecção de IgA antitoxoplasma também é possível e sua interpretação segue a mesma lógica daquela do achado de IgM. Nos casos em que não se detecta IgA e/ou IgM, o diagnóstico poderá ser estabelecido pelos incrementos dos títulos de IgG ao longo do primeiro ano de vida ou persistência de anticorpos após o momento esperado para o desaparecimento da IgG materna. EXAMES DE IMAGEM ● Radiografia simples de crânio: as calcificações intracranianas difusas, sem localização característica, constituem-se em um achado característico da toxoplasmose congênita. Essas calcificações aparecem a partir do terceiro mês de vida em aproximadamente 30% dos pacientes, sendo a maior parte diagnosticada até os dois anos de vida. ● Tomografia computadorizada de crânio e ultrassonografia transfontanela: são importantes para um diagnóstico mais preciso das lesões. Evidenciam melhor a atrofia cortical e as dilatações ventriculares, além de revelarem calcificações não diagnosticadas na radiografia. A ultrassonografia está indicada em todos os casos suspeitos de infecção congênita. A tomografia estará indicada nas crianças com toxoplasmose congênita comprovada e em filhos de mulheres com toxoplasmose aguda comprovada ou provável durante a gestação. ● Outros: nódulos calcificados poderão ser localizados em vísceras como fígado e baço. As alterações de ossos longos são inespecíficas (zonas transversais e/ou estrias transversais radiotransparentes nas metáfises e irregularidades na linha de calcificação provisória). Assim como na sífilis congênita, pode ser encontrado placentomegalia à ultrassonografia obstétrica. OUTROS EXAMES Na suspeita de toxoplasmose congênita, as seguintes avaliações estão indicadas: ● Avaliação oftalmológica (fundoscopia ocular); ● Avaliação auditiva; ● Hemograma: linfocitose com eosinofilia (até 20%), embora inespecíficas, são as alterações mais comuns do hemograma. Pode haver também anemia e trombocitopenia; ● Análise do liquor: indicada em crianças com toxoplasmose congênita comprovada e em filhos de mulheres com toxoplasmose aguda comprovada ou provável durante a gestação. Quando alterado, o liquor terá aspecto xantocrômico, com elevados valores de proteínas e baixos níveis de glicose. A citometria revela pleocitose à custa de células linfomonocitárias, além de elevada contagem de eosinófilos. Podem estar presentes anticorpos específicos contra o toxoplasma e a PCR pode ser positiva. O achado de hiperproteinorraquia e pleocitose persistente podem ser as únicas alterações liquóricas presentes, e já são suficientes para definir o acometimento neurológico; ● Avaliação de função hepática. TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO TRATAMENTO Todos os RN e lactentes com toxoplasmose congênita, independentemente da presença de manifestações clínicas, devem ser tratados desde o nascimento até o final do primeiro ano de vida. O tratamento é feito com pirimetamina, sulfadiazina e ácido folínico (o ácido fólico não pode ser usado em substituição ao ácido folínico). O ácido folínico é associado ao tratamento para prevenir e tratar a toxicidade medular pela pirimetamina. Devemos associar prednisona ou prednisolona quando houver retinocoroidite em atividade e/ou proteinorraquia > 1 g/dl. A corticoterapia deverá ser reduzida de forma gradual após a resolução do processo inflamatório. O uso da pirimetamina e da sulfadiazina ao longo do primeiro ano associa-se com uma redução no risco de sequelas em longo prazo. ACOMPANHAMENTO As crianças com diagnóstico de toxoplasmose congênita comprovada devem realizar avaliações oftalmológicas semestrais até a idade escolar, mantendo-se exames anuais a seguir. É possível o surgimento de novas lesões de retina ou recidiva de lesões já cicatrizadas a qualquer momento da vida. Nas crianças assintomáticas, nascidas de mulheres com diagnóstico possível ou inconclusivo, deveremos realizar o acompanhamento sorológico a cada dois meses. Caso seja observado o aumento nos títulos de IgG, o tratamento será iniciado. PREVENÇÃO Diversas medidas devem ser adotadas com o objetivo de controle da toxoplasmose congênita. As mulheres suscetíveis devem ser identificadas antes e após a concepção e receber orientações específicas para a prevenção da infecção. Além disso, devem ser submetidas aos testes sorológicos de forma periódica, para identificação da ocorrência de infecção aguda durante a gestação. Como veremos em detalhes nas apostilasde Obstetrícia, a toxoplasmose aguda durante gestação sempre será tratada, com o intuito de evitar a transmissão materno-fetal e, caso a infecção fetal já tenha ocorrido, reduzir os danos acarretados ao RN. Os medicamentos empregados para estes fins incluem a espiramicina, que parece reduzir a ocorrência de transmissão vertical, e a associação de sulfadiazina, pirimetamina e ácido folínico, quando a infecção fetal é confirmada ou altamente suspeita. CITOMEGALOVIROSE CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS O Citomegalovírus (CMV) pertence à família Herpesviridae e, além de ser o maior membro desta família, é altamente espécie-específico, sendo o homem o seu único reservatório. Da mesma forma que ocorre com outros membros desta família, após a infecção primária, há o estabelecimento de um período de latência, sendo possível a reativação do vírus endógeno latente ou reinfecção por exposição a diferentes cepas. FISIOPATOLOGIA Como dito, a infecção latente pode sofrer reativação e é possível a reinfecção. Deste modo, a infecção fetal é possível mesmo quando estamos diante de uma gestante previamente imune para o CMV, diferentemente do que ocorre em outras infecções, como na rubéola. As taxas de soroprevalência para esta infecção viral são bastante elevadas na idade adulta, principalmente nos países em desenvolvimento. As crianças podem ser contaminadas precocemente de três modos: durante a vida intrauterina (infecção congênita); pela exposição às secreções genitais durante o parto (intraparto); ou no período pós-natal precoce, pelo leite materno. A distinção entre uma infecção congênita e as infecções perinatais é importante em termos de prognóstico e determinação do seguimento das crianças em longo prazo. Entre os RN afetados, somente 10% nascem com infecção sintomática; 90% desses apresentam sequelas e aproximadamente 10% evoluem para óbito. A presença de manifestações clínicas ao nascer é um sinal de mau prognóstico. A maior gravidade da infecção sobre o feto ocorre quando a transmissão ocorre em fases iniciais da gestação, ao passo que a maior probabilidade de contaminação se dá no último trimestre. A infecção congênita encontra-se associada à eliminação do vírus pelo RN em sua urina e saliva durante vários anos, o que pode ter papel no ciclo de transmissão do agente. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As manifestações clínicas mais comuns incluem petéquias, icterícia colestática e hepatoesplenomegalia. Estas alterações podem ou não estarem acompanhadas de manifestações neurológicas. Outras manifestações incluem: microcefalia, perda auditiva neurossensorial e restrição ao crescimento intrauterino. A surdez é uma sequela bastante comum. A infecção congênita por CMV é a principal causa de surdez neurossensorial de causa viral na infância. O envolvimento ocular (coriorretinite e atrofia do nervo óptico) pode ocorrer nas crianças sintomáticas, sendo raro naquelas assintomáticas. A coriorretinite pelo CMV não é progressiva, enquanto a surdez neurossensorial pode ser. EXAMES DE IMAGEM Quando o RN é sintomático, é comum a presença de lesões cerebrais, passíveis de identificação nos exames de neuroimagem. As lesões incluem lisencefalia com afilamento do córtex cerebral, hipoplasia cerebelar, ventriculomegalia, calcificações periventriculares, atraso na mielinização, alterações de substância branca, distúrbios de migração neuronal, como a polimicrogiria e ocasionalmente esquizencefalia, cistos periventriculares e hipoplasia cerebelar. As calcificações periventriculares são bem peculiares e costumam estar descritas nos enunciados. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS AVALIAÇÃO SOROLÓGICA Os testes sorológicos têm papel limitado na avaliação da infecção congênita pelo CMV e possuem baixa sensibilidade e especificidade quando comparados aos métodos de identificação viral. Mesmo quando é feita a detecção de IgM anti-CMV sérica no RN, está indicada a confirmação da infecção por meio da detecção viral, mostrada a seguir. IDENTIFICAÇÃO VIRAL A identificação do vírus na urina e/ou na saliva do RN nas primeiras três semanas de vida é o marcador definitivo da infecção congênita por este vírus. A identificação do vírus após este período até pode ser pela infecção congênita, mas também pode estar relacionada com infecção adquirida no período perinatal (intraparto) ou pós-natal precoce, daí a importância da investigação precoce. A identificação do vírus é possível por métodos de isolamento viral (ainda considerado o método padrão-ouro convencional) ou por métodos moleculares (técnica de PCR; é um método alternativo e rápido, que apresenta sensibilidade e especificidade semelhantes as do isolamento viral, com a vantagem de resultados mais rápidos). OUTROS EXAMES É comum o achado de trombocitopenia, aumento das aminotransferases séricas e da BD. A análise do liquor está indicada em todas as crianças infectadas, ainda que assintomáticas. A avaliação auditiva deve ser feita por meio do teste do potencial evocado de tronco cerebral ainda no período neonatal e será repetida várias vezes nos primeiros anos de vida, como veremos a seguir. A avaliação oftalmológica por meio de fundoscopia ocular também deve ser realizada no momento do diagnóstico. TRATAMENTO E ACOMPANHAMENTO TRATAMENTO Há controvérsias na literatura quanto à indicação e validade do tratamento da infecção congênita pelo CMV, haja visto a necessidade de terapia por tempo prolongado e os efeitos tóxicos do tratamento. As drogas licenciadas para o tratamento da infecção pelo citomegalovírus são o ganciclovir e sua pró-droga valganciclovir. Alguns estudos randomizados e controlados mostraram que o uso do ganciclovir durante seis semanas mostrou reduzir a progressão da doença neurológica e auditiva em RN com a forma grave da doença. O principal efeito adverso associado ao ganciclovir é a neutropenia, que ocorre em até 30% dos casos. Os principais critérios de inclusão citados pelo Ministério da Saúde para tratamento são: ● RN sintomáticos com evidências de envolvimento do sistema nervoso central incluindo calcificações intracranianas, microcefalia, atrofia cortical, surdez neurossensorial, liquor anormal e coriorretinite; ● RN com quadro de síndrome sepsis-like viral, pneumonite intersticial por CMV, excluídas outras etiologias; ● Idade inferior a um mês na ocasião do diagnóstico. ACOMPANHAMENTO As crianças com infecção congênita, ainda que assintomáticas, podem desenvolver sequelas, em especial a surdez neurossensorial e alterações do desenvolvimento neuropsicomotor. Recomenda-se a realização do potencial evocado da audição ao nascimento, como já citado, e também com 3, 6, 12, 18, 24, 30 e 36 meses. A partir dessa idade, audiometria infantil condicionada a cada seis meses até seis anos de idade. VARICELA CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS E FISIOPATOLOGIA A infecção primária da mulher pelo Vírus Varicela-Zóster (VVZ) e o desenvolvimento de varicela podem levar à infecção fetal. Estima-se que esta infecção ocorra em até 25% das vezes, mas apenas um percentual destes casos irá evoluir com alterações que caracterizam a síndrome da varicela congênita propriamente dita. As manifestações se estabelecem, essencialmente, quando a infecção ocorre nas primeiras 20 semanas de gestação: a síndrome é identificada em menos de 1% dos RN de mulheres com a doença nas primeiras 13 semanas e em 2% daqueles cujas mães tiveram a doença entre 13 e 20 semanas. Os relatos de casos de embriopatia relacionados a casos de herpes-zóster materno são raros e é até questionável se constituem, de fato, casos de síndrome de varicela congênita. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS As principais características clínicas da síndrome da varicela congênita são ( ):Figura 20 ● Lesões cutâneas cicatriciais em trajetos de dermátomos (padrão zosteriforme); ● Hipoplasia dos membros (as lesões cicatriciais podem acompanhar aatrofia do membro); ● Acometimento neurológico: microcefalia, atrofia cortical e deficiência intelectual; ● Acometimento oftalmológico: coriorretinite, microftalmia e catarata; ● Outros: doença renal; e alterações no sistema nervoso autônomo. Estas alterações parecem estar relacionadas com a lesão nervosa causada pelo efeito direto do vírus, mas é curioso notar que alguma áreas do corpo são preferencialmente acometidas. A ocorrência de herpes-zóster em lactentes jovens (< 2 anos) sem história de varicela prévia, pode ser consequência da infecção congênita fora do período de teratogênese. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS A coleta de sangue de cordão ou biópsia de vilo coriônico para realização de técnicas de detecção de DNA ou sorologia tem sido usada para detecção da infecção no feto. O diagnóstico após o nascimento é basicamente determinado pela história clínica de varicela na gravidez associada a manifestações clínicas típicas na embriopatia pelo vírus. A sorologia tem pouca utilidade. TRATAMENTO E PREVENÇÃO Como a lesão causada pelo vírus não progride no período pós-parto, não está indicado tratamento antiviral para pacientes com síndrome da varicela congênita. A imunoglobulina antivaricela tem sido uma medicação utilizada algumas vezes em mães suscetíveis expostas ao VVZ. Entretanto, os estudos com esta medida não garantem a proteção fetal. VÍRUS HERPES-SIMPLEX ASPECTOS GERAIS E FISIOPATOLOGIA O Vírus Herpes-Simplex (VHS) é um membro da família Herpesviridae e, como já sabemos, após a infecção inicial pode estabelecer uma infecção latente no organismo infectado. Uma grande parte das infecções na população adulta é assintomática, com eventual exacerbação. As mulheres infectadas podem estar livres de sintomas, abrigando o vírus na cérvice uterina. A transmissão neonatal ocorre, na maior parte dos casos, durante a passagem do RN pelo canal de parto, sendo rara no período antenatal. Assim, a infecção deve ser considerada como uma infecção perinatal e não congênita. A infecção congênita é rara e acontece principalmente após a infecção primária pelo HSV, com viremia e infecção fetal por via hematogênica (transplacentária). FIG. 20 SÍNDROME DA VARICELA CONGÊNITA. Notar a hipoplasia dos membros. Nos primeiros meses de gestação, a infecção herpética pode ser causa de aborto. A infecção primária materna no final da gestação oferece maior risco de infecção neonatal do que a infecção recorrente. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Do ponto de vista clínico, a infecção pelo VHS deve ser diferenciada em forma congênita e forma perinatal. A infecção congênita é rara, com consequente fetopatia, extremamente grave. A tríade da infecção congênita consiste em vesículas cutâneas ou escaras de cicatrização, com alterações oculares e micro/hidrocefalia. A doença fetal é adquirida por viremia materna transitória. A infecção fetal é persistente e o vírus reaparece após o parto, muitas vezes em local de lesão anterior. O isolamento do vírus em um RN nos primeiros dias de vida é um critério diagnóstico importante da infecção intrauterina. A infecção perinatal é aquela cuja transmissão ocorre durante a passagem pelo canal do parto. Em geral, o RN só se torna sintomático no final da primeira semana de vida ou início da segunda, pois o vírus necessita replicar-se no hospedeiro recém-infectado. As manifestações clínicas da doença perinatal estão descritas abaixo. FORMA LOCALIZADA: OLHOS, BOCA E PELE As manifestações surgem nas primeiras duas semanas de vida. As lesões cutâneas são constituídas por vesículas agrupadas sobre uma base eritematosa, de forma localizada ou disseminada. Há hiperemia conjuntival com lacrimejamento, com a eventual presença de vesículas na região periorbital, ceratite e ceratoconjuntivite. A avaliação da cavidade oral pode evidenciar úlceras na boca, palato e língua. Esta forma pode evoluir para um quadro disseminado ou neurológico. FORMA NEUROLÓGICA Geralmente, ocorre durante a segunda ou terceira semana de vida. O RN desenvolve letargia, irritabilidade, convulsões, crises de apneia e febre alta. As lesões cutâneas são observadas em 60% das vezes. As convulsões são de difícil tratamento e controle. A avaliação do liquor revela pleocitose à custa de células mononucleares, glicose relativamente baixa e proteína moderadamente elevada. FORMA DISSEMINADA É a forma mais grave e cursa com o envolvimento de múltiplos órgãos, de forma semelhante a um quadro de sepse de origem bacteriana. As lesões graves apresentam sintomas já nos primeiros 5-11 dias de vida. Há acometimento hepático, pulmonar, neurológico, cutâneo, adrenal. A mortalidade ultrapassa 80% e as lesões cutâneas nem sempre são evidentes, o que pode dificultar mais o diagnóstico. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS O hemograma apresenta neutropenia e queda de plaquetas. As transaminases e bilirrubinas estarão elevadas. A cultura do vírus em células teciduais, a partir de amostras de sangue, material das lesões, liquor, urina, fezes, secreções nasais, oculares, orofaríngeas e secreção genital materna, constitui-se no melhor método para o diagnóstico. O raspado das vesículas deve ser analisado por anticorpo fluorescente (direto). Os testes sorológicos têm valor limitado. TRATAMENTO Os RN com infecção pelo VHS devem ser isolados pelo risco de transmissão nosocomial da infecção. O parto cesáreo é recomendado para gestantes infectadas com lesões ativas como medida de profilaxia. Entretanto, essa medida diminui sua eficácia caso a bolsa esteja rota há mais de 4 horas. Na ausência de lesões ativas, a via de parto é controversa. Entretanto, a maioria dos especialistas concorda que a criança pode nascer por parto normal. O aciclovir é a droga de escolha para o tratamento. A duração do tratamento é definida pela forma clínica encontrada. ZIKA CONGÊNITA ASPECTOS GERAIS E FISIOPATOLOGIA O vírus zika (ZIKV) é um arbovírus, gênero Flavivírus, família Flaviridae. O principal vetor nas américas é o mosquito Aedes aegypti, mas há outras formas de transmissão possíveis: transmissão vertical, pelo contato sexual ou por hemotransfusão. O vírus já foi isolado em diversos líquidos corporais. A passagem transplacentária pode levar ao estabelecimento de uma infecção congênita. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Diversas evidências vêm se acumulando nos últimos anos e que relacionam a infecção congênita pelo ZIKV com uma série de alterações. Além de ser neurotrópico, o vírus parece apresentar tropismo por outros órgãos, como o coração e o fígado. A infecção da grávida pode ser leve, mas as consequências para o feto são potencialmente graves. Além da ocorrência de microcefalia e outros danos cerebrais, há associação com morte fetal, insuficiência placentária, restrição de crescimento fetal e outras malformações. Para a avaliação do perímetro cefálico, a medida deve ser feita nas primeiras 24 horas de vida (as medidas do perímetro cefálico idealmente devem ser feitas na sala de parto, e repetidas quando a criança completar 24 horas). Atualmente, a recomendação é de que para a determinação da presença de microcefalia sejam usados os valores das tabelas de InterGrowth. Por essas tabelas, considera-se microcefalia, nas crianças com 37 semanas, a presença de um perímetro cefálico menor que 30,54 cm em meninos e menor que 30,24 cm meninas. Diversas alterações neurológicas, além da microcefalia, já foram descritas, tais como: ● Hipertonia: algum grau de hipertonia é comum nos primeiros dois ou três meses de vida, mas as crianças com a infecção congênita pelo ZIKV podem apresentar uma hipertonia mais acentuada; ● Persistência ou exagero dos reflexos primitivos: é esperado o desaparecimento de vários reflexos primitivos ao longo dos primeiros meses de vida. As crianças acometidas podem ter reflexos exagerados e que persistem, o que é um achado patológico;● Desproporção craniofacial: é interessante notar que nem todas as crianças terão microcefalia, mas podem ter algum grau de comprometimento do seu crescimento craniano evidenciado por uma desproporção craniofacial (discrepância entre o tamanho da face e do crânio). Algumas crianças podem apresentar uma protuberância na região occipital, com redundância de pele na região; ● Outras alterações neurológicas: epilepsia ou espasmos; irritabilidade/hiperexcitabilidade; atrasos do desenvolvimento; ● Alterações visuais (por alterações na retina ou no sistema nervoso central) e alterações auditivas. ● Malformação articular dos membros (artrogripose). EXAMES DE IMAGEM Nas crianças com microcefalia ou outras altercações, os seguintes exames são indicados: ● Ultrassonografia transfontanela: está indicada para crianças com fontanela ainda aberta, o que se verifica geralmente até os seis meses de idade. Esta deve ser a primeira opção, dada a alta carga de radiação associada com o exame tomográfico; ● Tomografia computadorizada de crânio (sem contraste): será indicada nos casos em que o tamanho da fontanela impossibilite a ultrassonografia e para os casos em que, após a ultrassonografia, ainda persista dúvida diagnóstica. Os achados de neuroimagem incluem calcificações corticais, subcorticais, malformações corticais, padrão simplificado de giro, alterações migratórias, hipoplasia do tronco cerebral, cerebelo e ventriculomegalia. ALTERAÇÕES LABORATORIAIS Diversos exames inespecíficos são solicitados, tais como hemograma e dosagens séricas de aminotransferases séricas, bilirrubinas, ureia e creatinina, lactato desidrogenase e outros marcadores de atividade inflamatória (proteína C-reativa, ferritina). Os exames específicos atualmente disponíveis são: teste de rápido IgM/IgG (método de imunocromatografia qualitativa), que é um teste de triagem; sorologia IgM e IgG (método ELISA); PCR para RNA viral (teste padrão-ouro), que poderá ser realizado em sangue, soro ou urina. TRATAMENTO Não há tratamento específico para microcefalia ou para as demais sequelas neurológicas e sensoriais associadas à infecção congênita pelo ZIKV. As terapias de suporte e reabilitação são dirigidas aos problemas motores (fisioterapia motora, terapia ocupacional, psicomotricidade), aos de linguagem (fonoaudiologia) e aos cognitivo-‐ comportamentais (psicologia, psicopedagogia). Video_36_Ped1 MANEJO DO RN COM EXPOSIÇÃO AO HIV ASPECTOS GERAIS Os cuidados adotados para a prevenção da transmissão incluem medidas durante o acompanhamento pré-natal e durante o parto, que não serão nosso objeto de estudo por ora, e cuidados relativos ao RN, sobre os quais falaremos. As medidas relacionadas com o RN incluem cuidados imediatos, o uso de antirretrovirais e orientações quanto a alimentação. CUIDADOS NA SALA DE PARTO, PÓS-PARTO IMEDIATO E ANTES DA ALTA ● Sempre que possível, realizar o parto empelicado e proceder ao clampeamento imediato do cordão (note que isto não era citado na descrição do Programa de Reanimação Neonatal que estudamos há algumas páginas, mas está indicado nos materiais do Ministério da Saúde que abordam a prevenção da infecção pela HIV na criança). ● Ainda na sala de parto, realizar o banho da criança com chuveirinho, torneira ou água corrente. Limpar a criança com compressas macias. Estas medidas têm o intuito de reduzir o contato do RN com o sangue secreções maternas. ● Caso seja necessária a aspiração das vias aéreas, realizá-la de forma suave, evitando qualquer trauma de mucosas. Se for necessário realizar a aspiração gástrica, também adotar bastante cuidado e caso exista sangue no conteúdo estomacal, realizar lavagem gástrica com soro fisiológico. ● Iniciar os Antirretrovirais (ARV), como descrito a seguir. ● Orientar a não amamentação (a transmissão do vírus é possível pelo leite). A lactação deve ser inibida com o uso de medicamentos (cabergolina, 1 mg, via oral, em dose única). O aleitamento cruzado e o aleitamento misto (leite materno com outros leites) estão contraindicados. A criança exposta, infectada ou não, terá direito a receber a fórmula infantil, pelo menos, até completar seis meses de idade. ● Deve ser feito o preenchimento das fichas de notificação da "criança exposta ao HIV". USO DE ANTIRRETROVIRAIS PELO RECÉM-NASCIDO A profilaxia com ARV será indicada para todos os RN. O primeiro passo para definirmos como será o esquema é a classificação do risco do RN, que é feita da seguinte forma: ● RN de baixo risco: uso de TARV desde a primeira metade da gestação E com Carga Viral (CV) do HIV indetectável a partir da 28ª semana (3º trimestre) E sem falha na adesão à TARV. ● RN de alto risco: » Mães sem pré-natal; OU » Mães sem TARV durante a gestação; OU » Mães com indicação para profilaxia no momento do parto e que não a receberam; OU » Mães com início de TARV após segunda metade da gestação ou aleitamento; OU » Mães com infecção aguda pelo HIV durante a gestação ou aleitamento; OU » Mães com CV-HIV detectável no 3º trimestre recebendo ou não TARV; OU » Mães sem CV-HIV reconhecida; OU » Mães com Teste Rápido (TR) positivo para o HIV no momento do parto (sem diagnóstico e/ou segmento prévio). Todos os RN expostos ao HIV devem receber profilaxia com zidovudina (AZT), a ser iniciada dentro das primeiras 4 horas após o parto, até no máximo 48 horas de vida – a indicação após esse período fica a critério médico. Os RN considerados de alto risco para a infecção irão receber outros ARV além do AZT, conforme a idade gestacional. Até o início de 2021, o Ministério da Saúde indicava que a nevirapina (NVP) fosse acrescentada ao AZT para os casos considerados de maior risco. Porém, em contexto mundial, constata-se que a NVP apresenta altas taxas de resistência e que o raltegravir (RAL) dispõe de melhor eficácia e barreira genética. Por conta disso, foi proposta a sua substituição pelo raltegravir (RAL). Todavia, o RAL será indicado apenas para as crianças de alto risco com idade gestacional > 37 semanas, associado ao AZT e lamivudina (3TC); este esquema é usado por 28 dias. Para as crianças entre 34 e 37 semanas de alto risco, a indicação é para o uso de AZT + 3TC + NVP (os dois primeiros por 28 dias e a NVP por 14 dias). As crianças com menos de 34 semanas, ainda que de alto risco, recebem apenas o AZT (28 dias). Veja tudo isso sumarizado na Tabela 12. TAB. 12 UTILIZAÇÃO DE ANTIRRETROVIRAL NA PROFILAXIA DE CRIANÇA EXPOSTA CONFORME IDADE GESTACIONAL E RISCO DE EXPOSIÇÃO. OUTROS ASPECTOS DOS CUIDADOS INICIAIS INTRODUÇÃO Neste apêndice inicial, temos como objetivo apresentar a você os mecanismos envolvidos no processo de transição da vida intrauterina para a vida extrauterina. Além disso, vamos conversar sobre vários aspectos relativos aos cuidados iniciais após o término do atendimento na sala de parto, com ênfase no exame físico neonatal. ADAPTAÇAO À VIDA EXTRAUTERINA ADAPTAÇÃO CARDIORRESPIRATÓRIA INTRODUÇÃO Nos capítulos iniciais desta apostila, conversamos sobre diversos distúrbios respiratórios e vimos que algumas doenças podem se estabelecer durante o processo de adaptação cardiorrespiratória à vida extrauterina. Além das doenças respiratórias, várias cardiopatias congênitas também podem manifestar-se neste momento, como estudaremos em alguns meses. Deste modo, é interessante que você compreenda um pouco melhor como este processo se estabelece. Logo após o nascimento, uma sucessão de eventos orgânicos deve ocorrer para tornar o RN capaz de sobreviver ao meio extrauterino. Para compreendermos estes eventos, temos que entender, de antemão, o que ocorre durante a vida fetal. TRANSIÇÃO PARA A RESPIRAÇÃO PULMONAR E CIRCULAÇÃO PÓS-NATAL TRANSIÇÃO RESPIRATÓRIA O pulmão fetal é preenchido por um fluido (produzido pelo epitélio respiratório), fundamental para o desenvolvimento do parênquima pulmonar. Periodicamente, esse fluido é eliminado para fora das vias aéreas,contribuindo para a manutenção do líquido amniótico. No processo de transição para a vida extrauterina, este fluido deve ser substituído por gás, o que começa a ocorrer mesmo antes do nascimento. Antes do parto, o transporte ativo de cloro pelo epitélio respiratório leva à reabsorção de líquido para o interstício e, a partir daí, para a vasculatura. Vários estímulos desencadeiam os mecanismos de reabsorção, como o aumento nos níveis de catecolaminas circulantes, vasopressina, prolactina e corticoides. Durante o período periparto, ocorre uma interrupção da produção desse líquido, sob efeito das catecolaminas. Após o nascimento, ocorre a reabsorção completa desse líquido, devido ao gradiente de pressão osmótica entre o líquido presente no espaço aéreo e o interstício pulmonar. Assim que o RN deixa o canal de parto, se dá a primeira respiração extrauterina. TRANSIÇÃO CARDIOVASCULAR Durante o período antenatal, a oxigenação do sangue fetal ocorre na placenta, um órgão de baixa resistência vascular. O sangue oxigenado chega ao feto por meio da veia umbilical, ducto venoso e veia cava inferior, nesta sequência. O sangue oriundo da veia cava inferior que chega ao átrio direito é desviado através do forame oval para o átrio esquerdo e daí para o ventrículo esquerdo, sendo ejetado para as coronárias e o sistema nervoso central. Já o sangue dessaturado da veia cava superior que chega ao átrio direito segue principalmente para o ventrículo direito e é ejetado na artéria pulmonar. Devido à elevada pressão na circulação pulmonar, cerca de 90% do sangue da artéria pulmonar desvia-se, por meio do canal arterial, para porções mais distais da aorta torácica, seguindo pela aorta descendente e retornando para a placenta por intermédio das artérias umbilicais ( ). Logo após o nascimento, com a respiração e insuflação pulmonar, acontece uma redução da pressão na artéria pulmonar, ocorrendo uma diminuição do fluxo sanguíneo através do forame oval e do canal arterial. O forame oval tem seu fechamento funcional precoce entre a primeira e a segunda hora de vida. O canal arterial tem seu fluxo reduzido após dez horas, fechando-se completamente entre o terceiro e o décimo dia de vida. O aumento da PaO2 e a queda nos níveis de prostaglandinas (prostaglandina E2) também são um potente estímulo para a obliteração do canal arterial e sua transformação em ligamento arterioso. O EXAME FÍSICO NEONATAL O RECÉM-NASCIDO SAUDÁVEL Devido às suas características anatômicas e funcionais, o exame físico do RN é bastante peculiar. Na sala de parto, deve ser realizado um exame físico sumário, observando as condições de vitalidade e analisando, principalmente, o padrão respiratório, a frequência cardíaca, o tônus e a atividade espontânea. Malformações graves também devem ser avaliadas. Ainda na sala de parto, devemos estimular o aleitamento materno, se não houver contraindicações. Em seguida, o RN estável deve ser levado ao alojamento conjunto para os primeiros cuidados. Um exame minucioso deve ser realizado posteriormente, preferencialmente ainda nas primeiras 12 horas de vida. AVALIAÇÃO DA IDADE GESTACIONAL Video_02_Ped1 Ao longo do tempo, diversos escores clínicos foram confeccionados com o objetivo de se avaliar a idade gestacional, sendo os mais utilizados os métodos de Dubowitz, Capurro e New Ballard. O escore de Dubowitz utiliza 11 critérios físicos externos e 10 critérios neurológicos para estimar a idade gestacional ao nascimento. Pode ser realizado até o 5º dia de vida e tem boa acurácia. Entretanto, sua extensão limita seu emprego na prática clínica. Capurro e colaboradores criaram outro método a partir da simplificação do método de Dubowitz, utilizando para isso apenas cinco características (Capurro somático) ou seis características clínicas (Capurro somatoneurológico) que deveriam ser analisadas idealmente em RN a partir de 29 semanas de vida (Tabela 13). O método de Capurro é simples, fácil e difusamente empregado na prática clínica neonatal. Entretanto, devemos ressaltar que não é um escore tão fidedigno quanto àquele que o originou, mas, na maioria das vezes, presta-se bem à avaliação geral do RN a termo. Figura 21 FIG. 21 Esquema representativo da circulação fetal. Com a mesma intenção de criar uma forma de cálculo mais fácil, Ballard e colaboradores selecionaram apenas seis características somáticas e seis neurológicas do método de Dubowitz para confeccionar outro escore (Tabela 14). O escore de Ballard tem boa precisão e apresenta um grau de simplicidade intermediário. Em 1991 propôs-se uma modificação do Ballard original, através da atribuição de pontuação -1 e -2 para que pudesse ser aplicável em bebês prematuros. O New Ballard pode ser aplicado em até 96 horas de vida (nas crianças com menos de 26 semanas, o teste é mais fidedigno quando realizado nas primeiras 12 horas de vida), pode ser aplicado em prematuro extremo, requer pouca manipulação e sofre pouca influência por depressão neurológica. PARTICULARIDADES DO EXAME FÍSICO GERAL Durante a realização do exame físico neonatal, podemos identificar algumas condições que não possuem conotação patológica, bem como outras que merecem atenção maior. Vamos descrever as principais caraterísticas observadas durante o exame físico e aproveitaremos para apresentar algumas condições que podem ser diagnosticadas durante este exame. PELE ● Cor: os RN apresentam certa instabilidade vasomotora e lentidão circulatória periférica. Estas alterações produzem uma cor vermelho-escura ou até mesmo violácea durante o choro. Pode ocorrer cianose de extremidades (acrocianose) quando há exposição ao frio. A palidez pode ser indício de asfixia (vasoconstrição), anemia (por hemorragia grave, com ruptura de vísceras ocas, placentária, ou ainda na doença hemolítica perinatal), choque ou edema ( ). A aparência vermelha intensa (pletora) pode ser vista na policitemia. ● O fenômeno do arlequim se traduz por uma divisão do corpo da região frontal ao púbis em metades vermelha e pálida. É uma alteração vasomotora transitória, não significando doença e nem condição mórbida associada. Figura 22 FIG. 22 Alterações de cor: acrocianose (esq.), cianose central (no meio) e palidez (dir.). ● A pele do RN é tão mais fina e lisa quanto mais prematura for a criança. A maior proporção de água em sua constituição contribui para consistência quase gelatinosa nos prematuros extremos. Os RN pós-termo, por sua vez, apresentam pele seca, enrugada, apergaminhada e com descamação acentuada. ● Podemos identificar a presença de lanugem, que são pelos finos, macios e imaturos, encontrados principalmente nos RN pré-termo ( ), mas também nos nascidos a termo. Tufos de pelos na coluna lombossacra sugerem uma anomalia subjacente, como espinha bífida oculta, fístula ou tumor. ● O vérnix ou verniz caseoso consiste em uma substância graxenta, branco-amarelada (constituída por sebo e debris de queratinócitos), que recobre a superfície cutânea das dobras. Costuma estar presente nos RN com idade entre 34 e 36 semanas, sendo encontrado em menor quantidade nos RN a termo. DERMATOSES BENIGNAS DO PERÍODO NEONATAL Na avaliação do RN, diversas dermatoses podem ser identificadas e costumam possuir caráter benigno e, frequentemente, transitório. Reconheça as principais. ● Eritema tóxico: é uma erupção cutânea composta de pápulas ou lesões vesicopustulosas que surgem de um a três dias após o nascimento, sendo localizada na face, no tronco e nos membros ( ). É classificado como um exantema benigno, desaparecendo em uma semana. As lesões são estéreis e contém eosinófilos. Video_25_Ped1 ● Melanose pustulosa: erupção cutânea pustulosa autolimitada, de causa desconhecida, observada em 2–5% dos RN negros e apenas 0,6% dos RN brancos. Pode estar presente ao nascimento, caracterizando-se por grupamentos de pústulas estéreis de 2–3 mm, predominando na fronte, abaixo do mento, região retroauricular e cervical, dorso,mãos e pés (incluindo região palmoplantar). Após 2–3 dias, as pústulas desaparecem, deixando tipicamente pequenas máculas hipercrômicas com um colarete de escamas brancas ( ). As manchas hiperpigmentadas podem persistir por até três meses. ● Milium sebáceo: são pápulas amarelo-esbranquiçadas que aparecem na fronte, nas asas do nariz e na genitália, correspondendo a pequenos cistos queratogênicos, causados por obstrução dos folículos pilossebáceos. Figura 23 FIG. 23 Lanugem. Figura 24 FIG. 24 Eritema tóxico. Figura 25 FIG. 25 Melanose pustulosa — as lesões hiperpigmentadas podem ser observadas no tronco. Na região genital ainda são observadas as lesões pustulosas. ● Miliária: pequeninas lesões vesicopapulares que representam a obstrução ductal das glândulas sudoríparas écrinas, ocorrendo aproximadamente sete dias após o nascimento, em decorrência da sudorese excessiva (clima quente, roupas em excesso, febre). São identificados dois tipos principais: miliária cristalina, que ocorre quando a oclusão ductal é mais superficial; são vesículas tipo "gotas de orvalho" localizadas na fronte do RN; e miliária rubra ou "brotoeja", quando a oclusão ductal é intraepidérmica; a ruptura do ducto sudoríparo leva ao extravasamento do suor para o tecido circunjacente, provocando inflamação ( ). São pequenas pápulas ou lesões vesicopapulares eritematosas, pruriginosas, eventualmente com pústula central, com predileção pela fronte, região cervical e axilar. ● Manchas mongólicas: são representadas por pigmentação cinza-azulada no dorso e nas nádegas e não possuem nenhuma importância clínica ( ). Decorrem da presença de melanócitos na derme que ainda não migraram para epiderme e tendem a desaparecer no primeiro ano. Observadas em 80% dos RN negros e descendentes de asiáticos, tendendo ao desaparecimento ou clareamento após o primeiro ano de vida. ● Manchas salmão: manchas róseas ou vermelhas, que se exacerbam durante o choro, presentes na região da nuca, pálpebras ou glabela, decorrentes de ectasia capilar ( ). São observadas em 30-40% dos RN e costumam desaparecer em um a dois anos. ● Pérolas de Epstein: são acúmulos temporários de células epiteliais no palato duro, desaparecendo espontaneamente algumas semanas após o nascimento. CRÂNIO O crânio apresenta uma forma arredondada ou modelada, ajustada ao canal do parto, em apresentação cefálica, com cavalgamento parcial dos ossos do crânio. Podem ser identificadas assimetrias transitórias, que variam em função da apresentação. As suturas são as junturas fibrosas entre os ossos do crânio. As fontanelas são espaços fibroelásticos, normalmente planos, que representam a convergência das suturas. A fontanela anterior ou bregmática (convergência das suturas metópica, coronária e sagital) possui um diâmetro de 1–3 cm, fecha entre 9–18 meses de vida (variação normal: quatro meses a dois anos) e a fontanela posterior (convergência das suturas sagital e lambdoide) tem um diâmetro menor e fecha-se mais precocemente. Figura 26 FIG. 26 Miliária rubra. Figura 27 FIG. 27 Manchas mongólicas. Figura 28 FIG. 28 Mancha salmão. ALTERAÇÕES CRANIANAS NO PERÍODO NEONATAL ● Craniotabes: área amolecida deprimida no osso parietal, próximo à sutura sagital. Esta alteração é fruto da compressão pontual do crânio pelo osso pélvico da mãe na cavidade uterina. ● Bossa serossanguínea (caput succedaneum): abaulamento do tecido subcutâneo, com ou sem equimose, que ultrapassa as linhas de sutura; representa edema decorrente do trauma do parto (apresentação cefálica) e desaparece em alguns dias. ● Céfalo-hematoma: abaulamento decorrente de um hematoma subperiosteal pelo trauma do parto (apresentação cefálica). Localizado, geralmente, no osso parietal. O abaulamento não ultrapassa a sutura e não apresenta equimose. Desaparece paulatinamente em semanas ou meses, sem necessidade de intervenção cirúrgica. Veja a comparação entre a bossa serossanguínea e o céfalo-hematoma na Video_26_Ped1 ● Craniossinostose: representa o fechamento prematuro de uma ou mais suturas cranianas. Quando localizada em uma ou duas suturas, desencadeia uma configuração ou formato de crânio alterado. A craniossinostose mais comum corresponde ao fechamento da sutura sagital, que leva ao alongamento anteroposterior (dolicocefalia ou escafocefalia – ). Se a craniossinostose for de todas as suturas, haverá um impedimento ao crescimento normal do crânio e desenvolvimento de hipertensão intracraniana. ● Fontanelas muito amplas: a permanência de fontanelas grandes (principalmente a anterior) pode estar associada a doenças como acondroplasia, hipotireoidismo congênito, síndrome de rubéola congênita, hidrocefalia, raquitismo, osteogênese imperfecta e trissomias (21, 13 e 18). FACE Na face, devemos nos atentar para a presença de sinais que possam sugerir a presença de alguma síndrome genética, como pregas epicânticas, microftalmia, hipertelorismo ocular, base nasal achatada, filtro longo, micrognatia, baixa implantação de orelhas, palato ogival, assimetria de mímica facial pode estar associada à paralisia de 7º par craniano, hipoplasia do músculo depressor do ângulo da boca ou posição intrauterina viciosa. A ausência de mímica facial por paralisia facial bilateral é vista na síndrome de Möebius, em que ocorre uma agenesia ou hipoplasia do núcleo do 7º par no tronco encefálico. Na avaliação da cavidade oral, podemos ter alterações comuns e transitórias: língua relativamente grande com frênulo curto (anquiloglossia); pérolas de Epstein, já descritas; aftas de Bednar (úlceras aftosas simétricas no palato); dentes neonatais (geralmente um ou dois incisivos inferiores, que tendem a cair espontaneamente). O nariz deve ser simétrico; narinas pérvias (a respiração é basicamente nasal). A permeabilidade das narinas tem de ser observada. Atresia das coanas bilateral pode justificar franca insuficiência respiratória em um RN. Figura 29. FIG. 29 Na figura da esquerda: um abaulamento não respeitando suturas (bossa serossanguínea). Na figura da direita: abaulamento bilateral separado pela sutura sagital (céfalo-hematoma). Figura 30 FIG. 30 Escafocefalia ou dolicocefalia — o fechamento precoce da sutura sagital leva ao aumento do diâmetro anteroposterior. Os olhos costumam estar fechados, mas se abrem espontaneamente quando o RN é inclinado para frente (reflexo labiríntico); reflexos pupilares presentes; isocoria; hemorragia subconjuntival, escleral e retiniana são comuns; córneas medindo, aproximadamente, 1 cm. Quando as córneas são maiores, particularmente se houver lacrimejamento e fotofobia, investigar glaucoma congênito; reflexo vermelho preservado (testado com o oftalmoscópio), denotando transparência do cristalino e corpo vítreo; ausência de pregas epicânticas. CONJUNTIVITE NEONATAL A ophthalmia neonatorum ou conjuntivite neonatal é a doença ocular mais comum do RN. Clinicamente, é caracterizada por edema, eritema e descarga purulenta conjuntival, com possibilidade de ruptura de córnea e evolução para cegueira, bem como disseminação do agente causador e sepse. Pode ser provocada por diferentes agentes patológicos, tais como: ● Chlamydia trachomatis: atualmente é o agente que mais provoca conjuntivite no período neonatal, segundo dados epidemiológicos americanos. O período de incubação é de 5 a 14 dias, após os quais surge a conjuntivite que varia desde quadros leves a graves, podendo ocorrer descarga purulenta copiosa; ● Neisseria gonorrhoeae: inicia-se entre dois a cinco dias após o nascimento, uni ou bilateral, com descarga serossanguinolenta inicialmente, evoluindo com quemose e descarga purulenta. Se não tratada, evolui com ulceração de córnea e cegueira. Os quadros infecciosos devem ser diferenciados dos quadros de conjuntivite química, tipicamente relacionada com a utilização do colírio de nitrato de pratapara prevenção da oftalmia gonocócica (lembre-se de que o nitrato de prata está em desuso). As manifestações da conjuntivite química têm início ainda nas 12 primeiras horas de vida e resolução completa em 48 horas. Portanto, toda conjuntivite que se inicia após 48 horas deve ser avaliada para a possibilidade de infecção. Deve-se colher swab conjuntival com coloração por Gram e Giemsa bem como para cultura. O tratamento da conjuntivite neonatal por clamídia é feito com eritromicina e da conjuntivite neonatal pelo gonococo é feito com ceftriaxona. APARELHO CARDIOVASCULAR E APARELHO RESPIRATÓRIO A frequência cardíaca do RN costuma variar entre 120 a 140 bpm. A pressão arterial sistólica ao nascer é de cerca de 70 mmHg, sendo um pouco menor nos RN pequenos para idade gestacional. Pulsos amplos podem ser encontrados em prematuros com persistência do canal arterial. Podem ser auscultados sopros transitórios que, na maioria dos casos, não representam cardiopatias congênitas. Além disso, em diversas cardiopatias congênitas não são auscultados sopros no período neonatal. A frequência respiratória no período neonatal varia entre 40–60 irpm. O padrão respiratório é abdominal/diafragmático (durante a inspiração, o tórax se retrai e o abdome se expande) e o ritmo respiratório é periódico, isto é, irregular e intercalado por pausas breves de duração inferior a dez segundos. A frequência respiratória acima de 60, durante períodos de respiração regular, indica a presença de doença, provavelmente de origem pulmonar ou cardíaca. Os ápices pulmonares se expandem antes das bases. Estas últimas têm sua total expansão em dois a quatro dias. Esforço respiratório leve, representado por tiragem intercostal discreta, pode ser encontrado em prematuros, mesmo na ausência de doença. ABDOME A musculatura lisa do tubo digestivo tem tônus diminuído, o que facilita a distensão abdominal. No entanto, a distensão significativa logo ao nascimento faz pensar em obstrução ou perfuração do trato gastrointestinal. Distensão abdominal que se inicia mais tardiamente pode representar obstrução intestinal, sepse ou peritonite. Um abdome escavado deve remeter à suspeita de hérnia diafragmática congênita, pois grande parte das alças intestinais é deslocada para dentro da cavidade torácica devido ao defeito anatômico do diafragma. A diástase dos músculos retos abdominais não costuma ter significado e geralmente regride com o início da deambulação. O ar atinge o cólon no primeiro dia de vida. Uma radiografia abdominal deve revelar gás no reto em 24 horas. O mecônio pode ser eliminado logo após o nascimento. Em 99% dos RN a termo, a primeira eliminação de mecônio deve ocorrer ainda nas primeiras 48 horas de vida. A análise do coto umbilical deve revelar a presença de duas artérias e uma veia. A presença de artéria umbilical única sugere malformações congênitas associadas (principalmente renais). O coto umbilical mumifica durante a primeira semana e cai entre o 6º e o 15º dia de vida. O ânus deve ser inspecionado e não se indica, rotineiramente, a introdução de sonda retal para determinação de perviedade. O fígado costuma ser palpável até 2 cm abaixo da margem costal. O baço geralmente não é palpável. Massas abdominais palpáveis anormais geralmente são de origem renal. APARELHO GENITURINÁRIO A primeira diurese costuma ocorrer ainda na sala de parto ou nas primeiras 48 horas, sendo que em mais de 90% das vezes acontece ainda no primeiro dia de vida. A presença de manchas vermelhas nas fraldas indica a presença de uratos na urina e não tem qualquer repercussão. O pênis costuma medir 2 a 3 cm, e o orifício prepucial é estreito, não permitindo a exposição da glande. Deve-se atentar para o diagnóstico de hipospadia (meato uretral na face ventral do pênis) ou epispadia (na face dorsal). Pode haver hidrocele não comunicante, que, em geral, desaparece nos primeiros meses de vida. Os pequenos lábios podem ser protrusos e apresentar pequenas sinequias. Pode-se perceber saída de secreção, às vezes sanguinolenta, pela vagina. SISTEMA NERVOSO O RN alterna períodos de atividade motora com períodos de repouso. Os RN a termo apresentam hipertonia com membros em flexão, de forma semelhante ao que ocorre na vida fetal. Logo após o nascimento, a criança permanece desperta por uma a duas horas, mas depois dorme profundamente por, eventualmente, até 12 horas. Diversos reflexos primitivos podem ser identificados no exame físico do RN: sucção, preensão palmar e plantar, marcha, fuga à asfixia, Moro. Veremos estes reflexos com mais detalhes durante o estudo do desenvolvimento neuropsicomotor em algumas semanas. O reflexo de Moro é um dos mais importantes. A assimetria ou a ausência do reflexo pode indicar lesões nervosas, musculares ou ósseas, que devem ser avaliadas. SISTEMA ESQUELÉTICO Deve ser avaliada a presença de deformidades ósseas e alterações na mobilidade. As manobras de Barlow e Ortolani são utilizadas para avaliação e diagnóstico da displasia do desenvolvimento do quadril. A manobra de Barlow é utilizada para induzir o deslocamento em uma articulação do quadril instável; os quadris são curvados a 90º e os joelhos permanecem flexionados. Aplica-se uma força em direção posterior e lateral com o polegar, o que permite o deslocamento da cabeça do fêmur quando há a instabilidade da articulação. A manobra de Ortolani é exatamente oposta, ou seja, é realizada para reduzir a cabeça femoral deslocada. As mãos do examinador ficam na mesma posição, mas agora o movimento passivo realizado é a abdução da coxa com tração para frente do grande trocanter. Dizemos que a manobra é positiva quando sentimos na mão um "clique" do quadril. Video_27_Ped1 OUTRAS DOENÇAS DO PERÍODO NEONATAL DISTÚRBIOS DO METABOLISMO GLICOSE INTRODUÇÃO A glicose é reconhecidamente a mais importante fonte energética para o feto. Seu fornecimento, do organismo materno para o concepto, ocorre no período intrauterino por difusão facilitada através da placenta. Nas alterações do estado nutricional materno, outros substratos como aminoácidos, ácidos graxos e corpos cetônicos também podem ser fonte de energia. A partir da segunda metade da gestação, observa-se um aumento da necessidade energética do feto em decorrência de seu crescimento. Com isso, é necessária uma maior oferta de glicose por parte da mãe, que tem sua reserva naturalmente diminuída. Apesar do alto nível de insulina materna circulante, os fatores anti-insulínicos elevados sobrepujam este efeito e disponibilizam nutrientes para o feto. Atualmente, tem-se conhecimento de que o feto é capaz de produzir glicose e não precisa utilizar exclusivamente a de origem materna. Isso se deve à gliconeogênese hepática. Nota-se a presença de hormônios envolvidos com este processo já na 12ª semana de gestação. A deposição de glicogênio hepático ocorre por volta da 36ª semana. Por esta razão, os estoques de glicogênio são escassos no RN pré-termo. Na veia umbilical, a concentração de glicose é em torno de 70% da glicemia materna. Quando ocorre o nascimento, o suprimento de glicose a partir da veia umbilical cessa abruptamente e, além disso, as atividades metabólicas sofrem um importante aumento à custa de fenômenos como respiração, contratilidade muscular e exposição ao frio. Com isso, ocorre uma queda esperada na glicemia do RN, mas que não costuma ser inferior a 40 mg/dl. Para compensar essas modificações, ocorre uma série de alterações metabólicas, como glicogenólise rápida, lipólise, redução do quociente respiratório e elevação dos níveis de GH, glucagon e catecolaminas. O nível de insulina permanece baixo. Os depósitos de glicogênio são depletados nas primeiras 8 a 12 horas de vida e a glicemia é mantida pela gliconeogênese a partir de lactato, glicerol e aminoácidos. Conforme a alimentação se estabelece, a manutenção da glicemia não depende mais da síntese de glicose. HIPOGLICEMIA A definição de hipoglicemia no período neonatal é um tanto quantocontroversa. Nos RN, nem sempre há uma correlação óbvia entre o nível sérico de glicose e as manifestações clínicas clássicas de hipoglicemia. A ausência de sintomas não indica que a glicemia esteja normal e não se encontre abaixo do limiar para a manutenção do metabolismo cerebral. Além disso, há evidências de que a hipoxemia e a isquemia potencializam a capacidade da hipoglicemia em causar lesão cerebral, podendo prejudicar irreversivelmente o desenvolvimento neurológico. A Pediatric Endocrine Society e a American Pediatric Association indicam que há hipoglicemia quando o nível é inferior a 50 mg/dl (2,8 mmol/L) em crianças com menos de 48 horas de vida, e 60 mg/dl, após o segundo dia de vida. Todavia, podemos encontrar pontos de corte mais baixos. É descrito que, logo após o nascimento, os níveis sanguíneos de glicose dos RN caem para cerca de 30 mg/dl com 1 a 2 horas de vida e, logo após, aumentam para mais de 45 mg/dl, estabilizando em níveis médios de 65 a 70 mg/dl no primeiro dia de vida. FISIOPATOLOGIA As condições que levam à hipoglicemia podem ser organizadas em três grupos principais: por aumento da utilização da glicose; por diminuição de reservas; ou por causas mistas. O aumento da utilização da glicose associa-se, tipicamente, com o hiperinsulinismo. Lembre-se de que a macrossomia é um indicativo da possibilidade de hiperinsulinismo. Esta condição pode estar relacionada com as seguintes condições: RN de mães diabéticas (serão avaliados a seguir); RN Grande para a Idade Gestacional (GIG); portadores de eritroblastose fetal; hipoglicemia de rebote (após exsanguineotransfusão); hiperinsulinismo congênito idiopático (focal ou difuso); síndrome de Beckwith-Wiedemann; uso materno de tocolíticos, clorpropamida ou benzotiazidas. Já a diminuição de reservas se estabelece quando as reservas de glicose são diminuídas (e os níveis de insulina estão normais). Isto é o que encontramos nos RN pré- termo e naqueles Pequenos para a Idade Gestacional (PIG). As causas mistas englobam situações diversas, como quadros de estresse. Video_33_Ped1 QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Os RN podem ser assintomáticos ou apresentar manifestações inespecíficas. Dentre as manifestações clínicas, podemos ter: ● Manifestações autonômicas: sudorese, palidez, taquicardia, taquipneia, tremores; ● Manifestações por neuroglicopenia (disfunção neurológica pela hipoglicemia): hipotonia, letargia, coma, convulsões, sucção débil, choro anormal. Justamente pelo fato de que o RN pode ser assintomático ou apresentar manifestações inespecíficas, as crianças com fatores de risco para este distúrbio devem ser submetidas ao rastreamento periódico nas primeiras horas/dias de vida. ● RN pré-termo e RN PIG: com 3, 6, 12, 24 e 48 horas vida. ● RN de mãe diabética: com 1, 2, 3, 6, 12 e 24 horas, e após, a cada 8 horas, até 72 horas de vida. Todos estes intervalos variam conforme a referência utilizada e esta triagem pode ser modificada conforme são encontradas alterações. TRATAMENTO Uma das propostas para o tratamento da hipoglicemia, encontrada na última edição do Tratado da Sociedade Brasileira de Pediatria, está sumarizada na . Analisando a figura, observe que a conduta vai variar pela presença ou não de sintomas. Na presença de sintomas, deve ser feito o tratamento imediato com solução intravenosa de glicose. Administra-se 200 mg/kg de glicose (2 ml/kg de glicose a 10%) em bolus, seguido pela manutenção de infusão contínua de glicose, com uma velocidade de infusão de 6 a 8 mg/kg/minuto. Na presença de convulsões, podemos recomendar a administração de 400 mg/kg em bolus. A aferição da glicemia deve ser repetida após 30 minutos do bolus inicial e depois em intervalos regulares, até que a glicemia se normalize. A infusão de glicose será determinada em função dos controles glicêmicos obtidos. Video_34_Ped1 HIPERGLICEMIA ASPECTOS GERAIS A hiperglicemia, na grande maioria das vezes, ocorre por iatrogenia, representada pela necessidade da utilização de infusões contínuas de glicose. Consideramos hipergli‐ cemia valores de glicemia no plasma acima de 145 mg/dl. Devemos ressaltar que as respostas metabólicas do organismo, que envolvem elevação da glicemia, também encontram-se presentes nos RN. Estas se encontram exacerbadas em casos de asfixia, infecções (sepse) e no pós-operatório. FISIOPATOLOGIA E TRATAMENTO Figura 31 FIG. 31 Triagem e manejo da hipoglicemia segundo condição clínica do recém-nascido e idade pós-natal. EV: via endovenosa; FMD: filho de mãe diabética; GIG: grande para a idade gestacional; PIG: pequeno para a idade gestacional; PTT: pré-termo tardio. Algoritmo de rastreamento e manejo da hipoglicemia assintomática no primeiro dia de vida em RN de risco. Quanto mais imaturo o RN, maior será a dificuldade de regular seu nível de glicemia, assim, a utilização de infusões exógenas (muitas vezes necessárias) deve ser rigorosamente monitorada. Nesses RN hiperglicêmicos, a produção de glicose pelo fígado não é interrompida normalmente pela administração de glicose exógena. Estes indivíduos apresentam uma espécie de resistência insulínica. A hiperglicemia leva a um aumento da osmolaridade plasmática, que promove diurese osmótica e desidratação. As crianças hiperglicêmicas possuem uma incidência aumentada de hemorragia intracraniana. A diferença de osmolaridade entre o compartimento intracelular (tecido nervoso) e extracelular (plasma) acaba favorecendo a transferência de líquido de um compartimento para outro, o que pode levar à hemorragia, sobretudo em RN de muito baixo peso (< 1.500 g). O tratamento consiste, essencialmente, no controle da oferta de glicose. CÁLCIO ASPECTOS GERAIS Para compreendermos os distúrbios relacionados ao metabolismo do cálcio no período neonatal, devemos resgatar alguns conceitos relacionados ao metabolismo deste mineral. O Paratormônio (PTH) aumenta a concentração sérica de cálcio através da mobilização de cálcio do osso, do aumento da produção pelos rins da 1-25 di-hidroxivitamina D (forma ativa da vitamina D) e do aumento da reabsorção tubular de cálcio (entretanto aumenta a eliminação renal de fosfato). A produção de PTH é estimulada por uma queda do nível de cálcio no sangue ou por uma queda abrupta no valor de magnésio. A 1-25 di-hidroxivitamina D aumenta a absorção intestinal de cálcio e fósforo e tem um efeito permissivo, auxiliando o PTH a mobilizar estes minerais a partir das reservas ósseas. A calcitonina, produzida pelas células C da tireoide, diminui o cálcio e o fósforo séricos, inibindo sua mobilização óssea. A produção deste hormônio aumenta quando o valor do cálcio sérico encontra-se elevado. O PTH, a 1-25 di-hidroxivitamina D e a calcitonina maternas não atravessam a placenta, existindo uma verdadeira autonomia materno-fetal em relação a estes hormônios. Durante a gravidez, observamos transporte ativo de cálcio da mãe para o feto de modo contínuo. Ao longo do terceiro trimestre, ocorre uma grande transferência de cálcio para o concepto, com deposição de 150 mg/kg de cálcio elementar por dia. Este fornecimento é abruptamente interrompido ao nascimento. O problema é que os níveis de PTH do RN não se elevam rapidamente em resposta a esse estímulo (hipocalcemia), principalmente em RN pré-termo, RN com retardo de crescimento intrauterino e filhos de diabéticas. Após 72 horas de vida, o valor do PTH normaliza-se. Com isso, ocorre uma queda nos níveis plasmáticos de cálcio nas primeras horas, com estabilização entre 24 e 48 horas de vida (cálcio total entre 7 a 8 mg/dl no RN a termo). Ao final da primeira semana de vida, com o estabelecimento da alimentação, encontramos os valores observados ao longo da infância (9 a 11 mg/dl). HIPOCALCEMIA Ainda persistem várias dúvidas quanto aos valores considerados fisiológicos dos níveis de cálcio dos RN. Como vimos acima, ao nascimento,ocorre uma abrupta queda do fornecimento do cálcio através da placenta e, nos primeiros dias de vida, não é evidenciado um aumento apropriado dos níveis de PTH. A definição de hipocalcemia varia em função da idade gestacional e do peso de nascimento e podemos encontrar a seguinte caracterização, ainda que não exista consenso na literatura quanto a esses valores: ● RN pré-termo com peso < 1.500 g: há hipocalcemia quando os níveis plasmáticos de cálcio total são inferiores a 7 mg/dl ou de cálcio iônico são inferiores a 4 mg/dl (1 mmol/L); ● RN a termo ou RN pré-termo ≥ 1.500 g: há hipocalcemia quando os níveis plasmáticos de cálcio total são inferiores a 8 mg/dl ou de cálcio iônico são inferiores a 4,4 mg/dl (1,1 mmol/L). ETIOLOGIA HIPOCALCEMIA NEONATAL PRECOCE A hipocalcemia neonatal precoce nada mais é do que uma exacerbação da queda fisiológica dos níveis de cálcio. As causas incluem condições maternas (hipoparatireoidismo, baixa ingestão de cálcio, diabetes), fetais (asfixia, prematuridade, sepse, desnutrição, hipomagnesemia) ou iatrogenias (transfusão de sangue citratado, uso de bicarbonato). Guarde bem a associação entre o quadro de diabetes mal controlado materno e o desenvolvimento da hipocalcemia. Os níveis mais baixos de cálcio nestes RN costumam ser encontrados entre 24 e 72 horas de vida. HIPOCALCEMIA NEONATAL TARDIA Esta variedade de hipocalcemia ocorre cinco a sete dias após o nascimento e encontra-se associada à hiperfosfatemia, tendo como apresentação clínica a tetania. Pode estar relacionada com o consumo de fórmulas com alto teor de fosfato, impedindo a absorção intestinal de cálcio. Outras condições que levam a esta forma incluem o hipoparatireoidismo, nefropatias, deficiência de vitamina D e uso de furosemida. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Em RN pré-termo, a hipocalcemia costuma ser assintomática. O RN com hipocalcemia pode apresentar-se com aumento da excitabilidade neuromuscular, tremores de extremidades, cianose, convulsões, vômitos ou intolerância alimentar. A redução do cálcio sérico deve sempre ser confirmada laboratorialmente. O sinal de Chvostek (tetania dos músculos da face) é inespecífico e ocorre em 10% dos RN sem hipocalcemia. O sinal de Trousseau (compressão do braço com manguito do esfigmomanômetro por mais de três minutos produzindo espasmo carpopedal) pode estar presente. Apesar de mais específico que o anterior, este sinal causa desconforto e não é rotineiramente pesquisado nos RN. A avaliação laboratorial deve ser cuidadosa, pois a medida isolada da concentração do cálcio plasmático total pode ser enganosa (a relação entre o cálcio total e o cálcio iônico nem sempre é linear). Por esta razão, é especialmente importante a avaliação do cálcio iônico nestes pacientes. TRATAMENTO Os quadros precoces costumam ser transitórios e se resolvem sem tratamento específico, bastando a alimentação. O tratamento deve ser feito nos casos em que há suspeita ou confirmação de sintomas neurológicos, como crises convulsivas, pela hipocalcemia. Recomenda-se o uso de 2 ml/kg de gluconato de cálcio a 10% (200 mg/kg) infundidos em cinco a dez minutos. Quando a hipocalcemia não for acompanhada de convulsões, recomenda-se 45 mg/kg/dia (5 ml/kg de gluconato de cálcio a 10%) no soro de manutenção. Também é possível a correção pela via oral (0,5 g/kg/dia de solução de gluconato de cálcio a 1%). RN DE MÃE DIABÉTICA ASPECTOS GERAIS O quadro de diabetes durante a gestação está associado com aumento no risco de abortamento, morte fetal, prematuridade, malformações congênitas, polidramnia, macrossomia no RN, restrição ao crescimento intrauterino (se houver doença vascular associada ao diabetes) e problemas metabólicos no RN (hipoglicemia e hipocalcemia). FISIOPATOLOGIA A hiperglicemia materna determina hiperglicemia fetal, já que o transporte de glicose através da placenta ocorre por difusão facilitada. Com hiperglicemia, o pâncreas fetal secreta mais insulina, determinando hiperinsulinemia. A hiperglicemia e a hiperinsulinemia aumentam a captação hepática de glicose e a síntese de glicogênio; a lipogênese e a síntese proteica também estão aumentadas. Verificam-se hiperplasia e hipertrofia das células betapancreáticas produtoras de insulina, hipertrofia miocárdica, aumento dos hepatócitos e hematopoiese extramedular. Após o nascimento, a separação da placenta leva à interrupção abrupta do fornecimento de glicose, que, associada à hiperinsulinemia e à falta de resposta aos hormônios contrarreguladores (epinefrina e glucagon), causa hipoglicemia fetal nas primeiras horas após o nascimento. QUADRO CLÍNICO CARACTERÍSTICAS GERAIS Os RN filhos de mães diabéticas são macrossômicos, com acúmulo de tecido adiposo, pletóricos, e podem apresentar aumento de vísceras (hepatomegalia, hipertrofia miocárdica). ALTERAÇÕES METABÓLICAS A hipoglicemia ocorre em 25–50% dos filhos de gestantes com diabetes mellitus e em 15–25% daquelas com diabetes gestacional. O nadir da glicemia ocorre nas três primeiras horas de vida, geralmente com recuperação espontânea iniciada após seis horas de vida. A maioria dos episódios de hipoglicemia são assintomáticos. Os RN filhos de mães diabéticas podem se apresentar hiperexcitáveis, trêmulos e com abalos, ou até letárgicos, hipotônicos e sem sucção, especialmente nos três primeiros dias de vida. As manifestações mais precoces costumam estar associadas com a hipoglicemia, enquanto as mais tardias relacionam-se com a hipocalcemia. Algumas vezes, a hipomagnesemia pode estar associada à hipocalcemia. ALTERAÇÕES RESPIRATÓRIAS Estes RN podem apresentar taquipneia e desconforto respiratório com mais frequência, e tais manifestações respiratórias podem ser decorrentes de causas, como: hipoglicemia, hipotermia, policitemia, insuficiência cardíaca, taquipneia transitória do RN, edema cerebral por tocotraumatismo ou asfixia, ou por doença da membrana hialina (a insulina tem um efeito antagônico sobre a síntese de surfactante induzida pelo corticoide). ALTERAÇÕES CARDÍACAS Trinta por cento dos RN filhos de mães diabéticas apresentam cardiomegalia; 5–10% apresentam insuficiência cardíaca congestiva; alguns apresentam hipertrofia septal assimétrica, que funciona como uma "estenose subaórtica". As cardiopatias congênitas também podem ocorrer, e tais malformações serão tão mais frequentes quanto pior for o controle glicêmico da gestante. MALFORMAÇÕES CONGÊNITAS A presença de malformações congênitas se correlaciona com o mau controle glicêmico, especialmente quando ocorre nas primeiras oito semanas de gestação, isto é, o período da embriogênese e formação dos órgãos e sistemas. São cerca de três vezes mais comuns entre RN filhos de mães diabéticas. As principais malformações são: 1) cardíacas; 2) agenesia lombossacra; 3) defeitos de tubo neural; 4) hidronefrose, agenesia/displasia renal; 5) atresia anorretal ou duodenal; 6) situs inverso. Alguns também podem apresentar um atraso transitório na eliminação de mecônio com distensão abdominal pela síndrome de atraso no desenvolvimento do cólon esquerdo. OUTRAS ALTERAÇÕES Estes RN apresentam alterações renais e estão mais sujeitos à trombose de veia renal, que deve ser suspeitada na presença de massa em flanco, hematúria e trombocitopenia. Há maior incidência de policitemia (por hematopoiese extramedular), hiperbilirrubinemia e icterícia. DOENÇA METABÓLICA ÓSSEA ASPECTOS GERAIS A doença metabólica óssea (também chamada osteopenia da prematuridade) é uma complicação da prematuridade, principalmente dos RN de extremo baixo peso, caracterizada pela desmineralização óssea. FISIOPATOLOGIA A deficiência de cálcio e fósforo é a principal causa da osteopenia da prematuridade, e se estabelece por uma oferta dietética e absorção intestinal menor do que aquela necessáriapara a alta taxa de metabolismo ósseo deste período. A demanda destes elementos no terceiro trimestre de gestação é de 120 mg/kg/dia de cálcio e 60 mg/kg/dia de fósforo. Além disso, o uso de nutrição parenteral total prolongada, de corticoides, perda renal de fósforo e terapia com diuréticos também são fatores que acentuam o mecanismo de perda de cálcio/fósforo. O RN pré-termo também apresenta uma deficiência de vitamina D, pois o conteúdo desta substância no leite materno é insuficiente. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO A osteopenia se desenvolve nas primeiras semanas de vida, especialmente nos RN com menos de 26 semanas e com peso de nascimento inferior a 1.000 g. Ao exame físico, pode-se observar: falência ventilatória por fraqueza muscular, hipotonia, dor em função de fraturas ósseas, diminuição do crescimento linear, bossa frontal, aumento da fontanela anterior, diastase de suturas cranianas, craniotabes (amolecimento da tábua óssea na região parietal), rosário raquítico (alargamento das junções costocondrais), sulco de Harrison (indentação das costelas na inserção do diafragma) e alargamento de punhos, cotovelos e joelhos. Os testes laboratoriais revelam nível de fósforo sérico baixo (< 3,5 mg/dl) e aumento da fosfatase alcalina (> 800 IU/L). O nível sérico de cálcio não é bom indicador da gravidade da doença metabólica, podendo estar baixo, normal ou elevado. A radiografia de ossos longos revela alargamento epifisário, osteopenia, epífises em taça e rarefação das metáfises. TRATAMENTO ● Dieta: o início da dieta enteral o mais precocemente possível é uma medida eficaz para aumentar o aporte de cálcio. Quanto à qualidade da dieta, deve-se usar leite humano fortificado com cálcio e fósforo ou fórmulas infantis específicas para prematuros. ● Suplementação de cálcio e fósforo: para aqueles RN que, apesar do uso de dieta rica em minerais, ainda desenvolvem alterações ósseas, é recomendado o uso de cálcio e fosfato. ● Vitamina D deve ser ingerida diariamente. TOCOTRAUMATISMOS INTRODUÇÃO Tocotraumatismos são lesões resultantes de uma ação contundente direta sobre o concepto, ocorrida durante o trabalho de parto. Não se incluem as lesões consequentes à amniocentese, transfusão intrauterina, coleta de amostra sanguínea do couro cabeludo ou procedimentos realizados durante a ressuscitação. Os fatores de risco associados a uma maior incidência de tocotraumatismos são: ● Fatores maternos: anomalias pélvicas com estreitamento do canal pélvico, hipertonia uterina (acarreta aumento da pressão no sistema venoso fetal, podendo acarretar hemorragias), descolamento prematuro de placenta, oligoâmnio; ● Fatores ligados ao feto: prematuridade (delgadez do crânio e estruturas orgânicas, apresentação pélvica), fetos macrossômicos (peso de nascimento > 4.000 g), gemelaridade e malformação fetal; ● Fatores ligados ao mecanismo de parto: posição anormal, acidente durante o parto, procidência de cordão, ruptura uterina, alterações da dinâmica uterina, período expulsivo rápido ou muito prolongado, distocias de apresentação. LESÕES SUPERFICIAIS ● Eritemas, equimoses, petéquias e lacerações: nas três primeiras lesões, a conduta é expectante na maioria dos casos. Nas lacerações, a terapêutica depende da extensão da lesão. ● Necrose adiposa subcutânea: geralmente, ocorre devido à compressão local no período expulsivo. É uma lesão bem demarcada, em moeda, vista em crianças grandes após parto difícil, firme, móvel, indolor e que surge entre o sexto e décimo dias, em pontos de pressão. Evolui para a cura espontaneamente, remitindo em meses. Pode evoluir com cicatriz ou atrofia residual. ● Hematoma do esternocleidomastoideo: ocorre por tração exagerada com hiper-rotação do pescoço, em partos pélvicos. Aparece como massa no terço médio do músculo, a partir da segunda semana. O RN permanece com posição anômala do pescoço (torcicolo congênito). Deve ser feito o diagnóstico diferencial com outras formas de torcicolo congênito, principalmente aquelas decorrentes de posição viciosa intraútero. O tratamento requer movimentação passiva e posicionamento correto, mas a permanência do torcicolo pode exigir cirurgia. Além disso, podem ser observadas alterações no crânio como a bossa serossanguínea e céfalo-hematoma, já descritas anteriormente. LESÕES DOS NERVOS PERIFÉRICOS E NERVOS CRANIANOS São mais comumente lesões do plexo braquial, usualmente decorrentes de tração excessiva sobre o pescoço do RN. Observamos paresia e, algumas vezes, paralisia completa. ● Paralisia de Erb-Duchenne: é ocasionada por lesão do quinto e sexto nervos cervicais. O RN não consegue de forma alguma abduzir o membro superior no ombro, girar lateralmente o membro superior e supinar o antebraço. O quadro clínico apresenta-se com adução indolor, rotação interna do membro superior e pronação do antebraço. A paralisia do frênico (C3-4-5) pode acompanhar a clínica e produzir dificuldade respiratória. O reflexo de Moro está ausente no lado afetado. A preensão palmar está preservada, a menos que a parte inferior do plexo esteja comprometida ( ). ● Paralisia de Klumpke: é ocasionada por lesão do sétimo e oitavo nervos cervicais e do primeiro nervo torácico. Em caso de acometimento do plexo simpático, o RN pode apresentar síndrome de Horner homolateral à lesão. Observamos paralisia da mão e a preensão palmar está ausente no lado afetado. ● Paralisia facial periférica: observamos que um hemilado da face não apresenta contração palpebral ou elevação do ângulo da boca. Ocorre, geralmente (90% dos casos), no parto a fórcipe, resultando da compressão do nervo pela colher do instrumento. O prognóstico é bom, com recuperação completa em 90% dos casos ( ). LESÕES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Os traumatismos do sistema nervoso central são os mais importantes, pelo risco de vida e sequelas. Entram no diagnóstico diferencial com as mais variadas afecções do período neonatal, como sepse, hipoglicemia etc. Incluem as hemorragias intracranianas (epidural, subdural, subaracnoidea, intraventricular e intraparenquimatosa), os traumatismos medulares e o estiramento do pedúnculo cerebral, quando o RN é mantido pendurado pelos pés após o nascimento. ● Hemorragia epidural: é de ocorrência neonatal bastante rara, estando relacionada a um grande céfalo-hematoma e fratura óssea. Geralmente, resulta da ruptura de uma artéria meníngea. Na tomografia computadorizada de crânio, aparece como uma imagem hiperdensa e convexa. ● Hemorragia subdural: o hematoma subdural ocorre por lesão nas veias de drenagem ou nos seios venosos da dura-máter, principalmente localizadas no tentório cerebelar e falce cerebral. Quando a localização é infratentorial, pode haver compressão de tronco e desenvolvimento de rigidez de nuca, opistótono, redução do nível de consciência e apneia. O aumento da pressão intracraniana pode resultar em abaulamento de fontanela e separação de suturas. Caso o sangramento seja de vulto, sobrevêm a hipovolemia e anemia. As convulsões são comuns, principalmente se o sangramento for perto do córtex. A imagem na tomografia computadorizada de crânio é caracterizada por uma área hiperdensa em forma de crescente. ● Hemorragia subaracnoide: a fonte de sangramento são as pequenas veias que atravessam o espaço leptomeníngeo (bastante diferente dos adultos, cuja hemorragia deriva da ruptura de grandes vasos). Clinicamente, também se apresenta com convulsões, alterações do estado mental e sinais neurológicos focais. LESÕES ÓSSEAS ● Clavícula: é a mais frequente (90%) das fraturas em RN, localizando-se na junção do terço externo com o terço médio do osso. Geralmente, são unilaterais e encontradas em RN macrossômicos. Na maioria das vezes, a fratura é "em galho verde". A clínica resume-se em reflexo de Moro assimétrico e movimentos reduzidos do lado afetado, além de dor à manipulação. Pode-se palpar crepitação e edemalocais. O prognóstico é muito bom, com a maioria dos RN necessitando apenas de uma atadura para imobilização, além de analgesia apropriada. O calo ósseo se forma em oito a dez dias. A fratura pode passar despercebida em prematuros. ● Membros: são fraturas mais raras, sendo o úmero mais frequentemente acometido do que o fêmur. O tratamento consiste em imobilização com tipoia triangular para o úmero e suspensão sob tração para as fraturas femorais. ● Ossos da face: as fraturas em si não são comuns. No entanto, a luxação da parte cartilagínea do septo nasal para fora do sulco vomeriano e da columela é evento ocasional. Os RN apresentam, como manifestação clínica, dificuldade de alimentar-se, respirar, narinas assimétricas e nariz achatado e deslocado lateralmente. O tratamento consiste na redução da luxação. LESÕES VISCERAIS ● Fígado: constitui-se em um órgão que, juntamente com o cérebro, pode ser lesado durante o parto. Os fatores associados a esta lesão incluem macrossomia, asfixia intrauterina, prematuridade extrema e hepatomegalia. A ruptura do fígado dá origem inicialmente a um hematoma subcapsular, que contém provisoriamente o sangramento. ● Baço: a ruptura é mais rara do que a hepática, eventualmente podendo coexistir. Os fatores de risco são os mesmos citados acima para a ruptura hepática. Nos casos em que o baço está aumentado, como na doença hemolítica perinatal, o risco de ruptura aumenta. ● Suprarrenal: a complicação principal é a hemorragia, que decorre de traumatismo durante o parto, anoxia e infecções graves. Ela também se encontra associada a RN GIG e apresenta-se, eventualmente, sem fator de risco algum identificável. DOENÇAS NEUROLÓGICAS ASFIXIA E ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA Figura 32 Figura 32 FIG. 32 Paralisia de Erb-Duchenne (esq.) e paralisia facial periférica (dir.). ASPECTOS GERAIS A Encefalopatia Hipóxico-Isquêmica (EHI) consiste em uma síndrome clínica com um variado espectro de manifestações. A principal causa de EHI é a asfixia perinatal. A asfixia se desenvolve quando há hipoperfusão tecidual significativa, com redução da oxigenação tecidual. Não há nenhum critério que possa ser usado isoladamente para definir a ocorrência de asfixia. Uma das propostas para o diagnóstico desta condição é a identificação dos seguintes critérios: ● Acidemia metabólica ou mista profunda (pH < 7,0) em sangue arterial de cordão umbilical; ● Escore de Apgar de 0–3 por mais de cinco minutos; ● Manifestações neurológicas no período neonatal (convulsões, hipotonia, hiporreflexia, coma, entre outras); ● Disfunção orgânica multissistêmica, ou seja, alterações nos sistemas cardiovascular, gastrointestinal, pulmonar, hematológico ou renal. FISIOPATOLOGIA E FATORES DE RISCO A diminuição do aporte de oxigênio tecidual leva ao desenvolvimento de uma série de adaptações fisiológicas, com o intuito de se evitar a lesão permanente dos tecidos. Há vasoconstrição generalizada e redistribuição do fluxo sanguíneo para os órgãos vitais, em especial sistema nervoso central, coração e suprarrenal. Com o aumento da resistência vascular periférica, eleva-se a pressão arterial enquanto o miocárdio for capaz de suportar. Com a continuidade do processo asfíxico, entretanto, há piora da hipoxemia e da acidose. O miocárdio acaba entrando em falência (bradicardia), levando à redução do débito cardíaco e da pressão arterial sistêmica. O padrão respiratório torna-se progressivamente irregular, seguindo-se à cessação da respiração. A asfixia leva à persistência da circulação fetal, com manutenção do shunt direita-esquerda através do forame oval e do canal arterial, caracterizando uma das formas de hipertensão pulmonar persistente. Além disso, a vasoconstrição pulmonar, decorrente da hipoxemia e hipercapnia, produz lesão celular e redução do surfactante, contribuindo para a gênese do desconforto respiratório nesses RN. A isquemia intestinal favorece o desenvolvimento de enterocolite necrosante. No rim, a isquemia do túbulo proximal pode levar à necrose tubular aguda. Além disso, a hipotensão associada à coagulopatia pode provocar trombose da veia renal e no leito capilar glomerular. A EHI é a afecção neurológica mais comum no período neonatal. Como resultado do processo adaptativo durante a asfixia, ocorre a perda da autorregulação do fluxo cerebral, com diminuição da perfusão e necrose. O quadro clínico é bastante variável, dependendo da magnitude do comprometimento cerebral e do período transcorrido entre a asfixia e o exame. As principais condições implicadas no maior risco para a asfixia estão listadas a seguir: ● Fatores maternos: pré-eclâmpsia/eclâmpsia; infecção; diabetes materno, hipotensão; doença vascular materna; doença crônica materna (pneumopatia, cardiopatia, doença neurológica); uso de drogas; hipoxemia materna pela anestesia; ● Fatores placentários: infarto, fibrose, descolamento prematuro; ● Fatores uterinos e relacionados ao cordão umbilical: ruptura uterina, prolapso, nó, compressão; ● Fatores fetais: anemia, infecção, cardiopatia, hidropsia, pós-datismo, CIUR; ● Fatores neonatais: cardiopatia congênita cianótica, hipertensão pulmonar persistente, choque séptico. QUADRO CLÍNICO ENCEFALOPATIA HIPÓXICO-ISQUÊMICA A EHI é caracterizada por alterações no exame neurológico, já presentes no primeiro dia de vida. O espectro clínico das manifestações pode ser dividido em leve, moderado e grave, como sugere a classificação de Sarnat e Sarnat, veja a Tabela 15. As lesões neurológicas decorrentes do processo hipóxico-isquêmico variam em função da idade gestacional: no RN a termo, predomina a lesão neuronal; no RN pré-termo, há predomínio da substância branca periventricular. TRATAMENTO O tratamento deve ser dividido em etapas. O primeiro passo consiste na intervenção imediata na sala de parto: a reanimação efetiva deve ser estabelecida para todo RN asfixiado. O segundo passo envolve as medidas de suporte vital. Inclui medidas de cuidados com a oxigenação e ventilação. A hiperóxia deve ser evitada (pode reduzir o fluxo sanguíneo cerebral ou potencializar lesões por reperfusão causadas pelo acúmulo de radicais livres). A hipocapnia excessiva também pode levar à redução do fluxo sanguíneo cerebral. A pressão de perfusão cerebral deve ser mantida e, no RN, esta depende diretamente da pressão arterial média, que deve ser mantida no mínimo entre 45 e 50 mmHg. Para a manutenção do débito cardíaco e da pressão de perfusão de forma efetiva, são usadas drogas vasoativas, sendo que no RN asfixiado a preferência é pelo uso da dobutamina. A temperatura corporal deve ser mantida em uma faixa fisiológica (36,5–37,2°C). As indicações de hipotermia terapêutica serão vistas a seguir. A glicemia deve ser mantida em níveis fisiológicos. Tanto a hipoglicemia quanto a hiperglicemia podem ter consequências deletérias. A hipocalcemia é uma alteração comum em RN asfixiados. Estes RN apresentam secreção inapropriada de hormônio antidiurético e necrose tubular aguda. Desenvolvem oligúria ou anúria e isso pode predispor à sobrecarga hídrica, podendo ser indicada a restrição hídrica (ainda que a manutenção da pressão arterial média possa tornar necessária a expansão volumétrica). As convulsões ocorrem precocemente na evolução destas crianças e são focais ou multifocais. O controle é feito principalmente com barbitúricos, pois reduzem o metabolismo cerebral e preservam energia. A primeira escolha é o fenobarbital (dose de ataque de 20 mg/kg; manutenção com 3–5 mg/kg/dia). O terceiro passo inclui as intervenções preventivas. A hipotermia terapêutica é uma destas estratégias. Esta estratégia tem sido efetiva em reduzir sequelas neurológicas, principalmente nos RN que apresentam EHI moderada, e em melhorar o prognóstico em longo prazo dos RN com EHI. A hipotermia terapêutica está indicada nos RN com idade gestacional ≥ 35 semanas, peso de nascimento ≥1.800 g (a Sociedade Brasileira de Pediatria não cita o peso mínimo em seu documento científico sobre o tema) e que tenham menos que seis horas de vida e preencham os seguintes critérios: ● Evidência de asfixia perinatal: » Gasometria arterial de sangue de cordão ou na primeira hora de vida com ph < 7,0 ou base excess ≤ -15; ou » História de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão); ou » Escore de Apgar 5 ou menos no décimo minuto de vida; ou » Necessidade de ventilação com pressão positiva além do décimo minuto de vida. ● Evidência de encefalopatia moderada a grave antes de seis horas de vida: convulsão, nível de consciência, atividade espontânea, postura, tônus, reflexos e sistema autonômico. Pode ser feito apenas o resfriamento da cabeça ou o resfriamento corporal total, sendo este último o mais indicado. O resfriamento corporal total deve ser iniciado antes de seis horas, com até 72 horas de duração, mantendo-se a temperatura retal em 33,5°C (pequenas variações neste alvo podem ser encontradas nas referências). Algumas observações sobre este protocolo: ● Não há necessidade de que o RN esteja em ventilação mecânica; ● Bradicardia com frequência cardíaca entre 80 e 100 bpm é comum e não necessita tratamento; ● Se o RN apresentar hipotensão arterial, deve se fazer uso de drogas inotrópicas. HEMORRAGIAS INTRACRANIANAS ASPECTOS GERAIS Já discutimos algumas formas de hemorragias intracranianas associadas com eventos traumáticos. Vejamos, agora, uma forma de sangramento que acomete essencialmente o RN pré-termo: a hemorragia da matriz germinativa ou peri-intraventricular. ETIOLOGIA E QUADRO CLÍNICO HEMORRAGIA DE MATRIZ GERMINATIVA A Hemorragia Peri-Intraventricular (HPIV) é uma condição que acomete, essencialmente, os RN pré-termo. O sangramento ocorre, mais comumente, na matriz germinativa subependimária, um tecido extremamente gelatinoso e frágil no RN pré-termo capaz de dar origem aos neurônios e células da glia, que posteriormente irão migrar em direção ao córtex e substância branca. Esta região, além de delicada, é muito vascularizada, o que a torna particularmente vulnerável ao sangramento secundário às alterações de volemia e pressão sanguínea. Está localizada na região periventricular, na junção entre o núcleo caudado e tálamo. A hemorragia pode estender-se para dentro dos ventrículos ou para dentro do parênquima cerebral, dependendo da sua intensidade. A incidência e gravidade da HPIV é maior quanto menor for o peso de nascimento e a idade gestacional. Os RN podem ser assintomáticos ou apresentarem manifestações inespecíficas. Alguns apresentam deterioração neurológica grave em poucas horas. O método diagnóstico de escolha é a ultrassonografia. Todo RN com peso de nascimento inferior a 1.500 gramas e/ou idade gestacional abaixo de 35 semanas deve ser submetido a rastreamento sistemático para HPIV na primeira semana de vida, período em que ocorrem mais de 90% dos casos. Video_30_Ped1 A classificação da HPIV pode ser feita de diferentes formas, como mostrado na Tabela 16. A administração de corticoide antenatal parece reduzir a incidência de sangramento intracraniano nos RN pré-termo. Além disso, evitar correções rápidas da hipotensão e alterações de fluxo sanguíneo cerebral durante a ventilação mecânica através do uso de bloqueadores neuromusculares e sedativos também são estratégias úteis como medidas preventivas. A presença de dilatação progressiva do sistema ventricular deve indicar a colocação de shunts do tipo derivação ventriculoperitoneal. As crises convulsivas deverão ser tratadas de modo agressivo com anticonvulsivantes. LEUCOMALÁCIA PERIVENTRICULAR ASPECTOS GERAIS Leucomalácia Periventricular (LP) é um termo usado para definir áreas de necrose focal e gliose na substância branca periventricular, promovendo áreas de atrofia de parênquima e formação de cistos. Afeta mais frequentemente os bebês prematuros, determinando em longo prazo o desenvolvimento de paralisia cerebral, deficit cognitivo e visual. As alterações patológicas da LP são resultantes da injúria hipóxico-isquêmica ou infecção, que afetam o sistema nervoso em qualquer momento do seu desenvolvimento (período intra e extrauterino) e com uma intensidade inversamente proporcional à idade gestacional. As áreas cerebrais mais vulneráveis à lesão hipóxico-isquêmica são a substância branca periventricular no corno anterior dos ventrículos e no seu corno occipital. Os fatores que justificam esta maior vulnerabilidade são: 1) Alto consumo metabólico local; 2) Área de transição vascular, ou seja, de pequeno desenvolvimento de vasos penetrantes na substância branca profunda, tornando-a suscetível a variações de fluxo cerebral; 3) Imaturidade da região periventricular, mais sensível às variações nos teores de oxigênio; oligodendrócitos são as células mais lesadas pela hipóxia e radicais livres de oxigênio, o que resulta na perda importante de mielina local. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO A LP também é uma doença agudamente silenciosa. Apenas semanas e meses após sua instalação, poderemos diagnosticar alterações no tônus muscular, como a espasticidade. Esta entidade é a principal responsável pelo desenvolvimento de sequelas motoras, sensoriais e cognitivas em longo prazo. O quadro clínico motor característico da LP é a paralisia cerebral, forma diplégica espástica ou síndrome de Little. A forma diplégica espástica caracteriza-se por sinais piramidais (paresia, espasticidade e hiper-reflexia) mais exuberantes nos membros inferiores. Tal achado clínico é justificado pela anatomopatologia da LP, localizado preferencialmente na cápsula interna, próximo ao feixe piramidal responsável pela motricidade dos membros inferiores. O diagnóstico pode ser feito através de exames de imagem, como ultrassonografia transfontanela, tomografia computadorizada de crânio e ressonância magnética. Video_31_Ped1 TRATAMENTO Não há tratamento específico durante o período neonatal. O mais importante são as medidas que atuam na prevenção da hipotensão e hipóxia. A reabilitação instituída precocemente (ex.: fisioterapia, fonoaudiologia e terapia ocupacional) melhoram o desempenho motor, linguístico e cognitivo destas crianças. DEFEITOS CONGÊNITOS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL DEFEITOS DE FECHAMENTO DO TUBO NEURAL Os Defeitos de Tubo Neural (DTN) são decorrentes de falha no fechamento do tubo neural entre a 3a e a 4a semana de gestação. Esta "falha" de fechamento permite que substâncias secretadas pelo feto sejam encontradas no líquido amniótico, como a alfafetoproteína e a acetilcolinesterase — os quais servem como biomarcadores da malformação. São exemplos de DTN: anencefalia, encefalocele, mielomeningocele, meningocele, espinha bífida oculta, sinus dermal, medula ancorada, síndrome de regressão caudal, siringomielia, diastematomielia e lipoma de cone medular ( ). As causas precisas dos DTN não são conhecidas, mas alguns fatores podem ter participação, tais como: hipertermia, ácido valproico, desnutrição materna, obesidade, diabetes mellitus e causas genéticas (mutações das vias enzimáticas relacionadas ao ácido fólico). ESPINHA BÍFIDA OCULTA Pode resultar apenas numa fusão dos corpos vertebrais da região lombossacra, sem nenhuma anormalidade de medula, meninges e nervos. Outras vezes, pode haver sobre a pele algumas alterações como dimples atípicos (profundos, > 5 mm), hemangiomas, lipomas, tufo de cabelos, sinus dermal (abertura na pele por onde sai um conduto estreito que se comunica com a dura-máter, localizado na região occipital ou lombossacra e associado a meningites de repetição) que podem denunciar a presença de outros defeitos, como medula ancorada, siringomielia e diastematomielia. ● Medula ancorada: normalmente, a medula termina no cone medular ao nível de L1. Denomina-se medulaancorada o defeito no qual o cone medular está abaixo de L2 e, quando existe qualquer fixação desta estrutura, as raízes e nervos são "estirados" e desenvolve-se a síndrome da medula ancorada. Clinicamente, podem ser observados: síndrome neuro-ortopédica (um dos pés é menor, tem o arco plantar mais arqueado, e atrofia de panturrilha), incontinência urinária, fecal, fraqueza muscular e dor lombar. ● Siringomielia: é a distensão cística do canal central da medula, muitas vezes associadas à malformação de Chiari I e II. Apresenta sinais clínicos muito tardios, geralmente com diminuição de sensibilidade em ombros (distribuição em "capa") associada à fraqueza de membros superiores. ● Diastematomielia: é um defeito raro caracterizado pela divisão da medula nervosa em duas metades. Podem ser observados desde pacientes assintomáticos até aqueles com moderada atrofia de panturrilha unilateral e arco plantar arqueado. Alguns casos estão associados ao ancoramento da medula, e pode-se observar disfunções de cólon e bexiga no futuro. MENINGOCELE E MIELOMENINGOCELE A meningocele é a herniação das meninges através de um defeito de fechamento do arco vertebral posterior, estando a medula em sua posição original. Muitas vezes, o defeito é recoberto por pele. É, entretanto, necessário investigar a medula com exames de imagem, pois pode haver associação com medula ancorada, siringomielia e diastematomielia, vistas acima. A mielomeningocele ) é a forma mais grave de disrafismo espinhal, na qual observa-se herniação de medula e meninges através da coluna. A etiologia exata é desconhecida, mas parece haver participação genética, pois o risco de recorrência após um filho afetado é de 3 a 4%. O ácido fólico é intrinsecamente envolvido com a prevenção dos DTN e seu uso no período periconcepcional reduz o risco em até 50%. A mielomeningocele pode localizar-se em qualquer ponto do neuroeixo, mais frequentemente em região lombossacra (75%). Clinicamente, pode afetar o esqueleto, sistema nervoso central, sistema nervoso periférico e tratos gastrointestinal e geniturinário. Se a lesão for sacral baixa, haverá anestesia do períneo, incontinência fecal e urinária, sem deficit motor, mas se estiver localizada em região lombar média ou na transição toracolombar, se observará paralisia flácida dos membros inferiores, anestesia, deformidades em membros inferiores (como pé torto, displasia de quadril), além das disfunções para controle vesical e retal. Figura 33 FIG. 33 Alguns defeitos de fechamento do tubo neural. (Figura 34 Outras ● Encefalocele: a meningocele craniana contém apenas um saco com conteúdo liquórico, ao passo que a encefalocele possui elementos nervosos em seu interior (ex.: córtex cerebral, cerebelo, porções do tronco). As encefaloceles podem estar localizadas na região occipital (mais frequentemente), na região frontal ou frontonasal. Existe um risco aumentado de desenvolvimento de hidrocefalia em função da associação com outros defeitos, tais como estenose de aqueduto de Sylvius, malformação de Dandy-Walker e malformação de Chiari. A encefalocele craniana também pode fazer parte de síndromes. ● Anencefalia: defeito de fechamento do neuróporo anterior, resultando em não desenvolvimento do encéfalo, calota craniana e pele. Pode haver um tronco encefálico rudimentar. Em 10 a 20% dos casos existem outros defeitos associados, como cardiopatias congênitas, fenda palatina e orelhas dobráveis. A maioria falece dias após o nascimento. DEFEITOS DE DESENVOLVIMENTO DO PROSENCÉFALO ● Holoprosencefalia: é uma anomalia do desenvolvimento do prosencéfalo que pode ser classificada em três tipos: alobar, semilobar e lobar, dependendo do grau de anormalidade na clivagem. Associam-se a ela outras anomalias faciais de linha média, como: hipotelorismo ocular até ciclopia, narina única, fenda labiopalatina, e incisivo central único. A holoprosencefalia pode estar associada ao diabetes mellitus materno e a defeitos cromossômicos, como deleções e trissomias do 13 e 18. Na forma alobar, os hemisférios são fundidos, o ventrículo lateral é único, e os núcleos da base (tálamo, caudado, putâmen e globo pálido) são também fundidos. ● Agenesia de corpo caloso: a agenesia de corpo caloso pode resultar em deficiência intelectual grave e outras anormalidades neurológicas, mas também pode ser uma anomalia única presente em indivíduos absolutamente normais. A presença de outras anomalias de sistema nervoso central determina um prognóstico pior, observando-se microcefalia, paresias, deficit intelectuais e epilepsia. A agenesia de corpo caloso pode estar associada à herança recessiva ligada ao X, autossômica recessiva, autossômica dominante, pode estar presente em cromossomopatias (trissomia do 8 e 18) e pode ser vista em doenças metabólicas. ● Displasia septo-óptica: é uma anomalia caracterizada pela presença de no mínimo dois dos seguintes achados: hipoplasia de nervos ópticos, ausência de septo pelúcido/corpo caloso e anomalia de hipófise. Outras anomalias de encéfalo como polimicrogiria e esquizencefalia, e anomalias de face como fenda labiopalatina podem estar presentes. Clinicamente, poderão ser observados: nistagmo, desordens endocrinológicas secundárias às deficiências hormonais hipofisárias. DEFEITOS DE DESENVOLVIMENTO DO ROMBENCÉFALO (CEREBELO E TRONCO) ● Malformação de Chiari: » Chiari I: herniação das tonsilas cerebelares através do forame magno. Está frequentemente associada à siringomielia. Manifesta-se na adolescência com cefaleia e sinais cerebelares. » Chiari II (malformação de Arnold-Chiari): herniação das tonsilas cerebelares através do forame magno. Está associada a 100% das disrafias espinhais. Manifesta- se clinicamente com hidrocefalia e sinais de compressão da medula. ● Malformação de Dandy-Walker: é a malformação congênita mais comum do cerebelo. Caracteriza-se por hipoplasia/agenesia do verme cerebelar, deslocamento superior da tórcula e tentório e dilatação cística do IV ventrículo. Frequentemente está associada à hidrocefalia supratentorial. Clinicamente, há grande variabilidade. Cerca de metade dos pacientes tem cognição normal, enquanto outros apresentam deficit intelectual grave. Outros defeitos sistêmicos poderão estar associados: cardiopatias, anomalias urogenitais, atresia duodenal, fenda palatina. DOENÇAS DO TRATO GASTROINTESTINAL ENTEROCOLITE NECROSANTE ASPECTOS GERAIS A enterocolite necrosante é uma doença caracterizada por graus variados de necrose de mucosa e/ou da parede intestinal. O segmento acometido pode exibir acúmulo de gás na parede intestinal (pneumatose intestinal), podendo evoluir para perfuração, peritonite e sepse. Os fatores de risco mais importantes para o desenvolvimento da doença são a asfixia perinatal e a prematuridade. É tão mais frequente quanto menores forem a idade gestacional e o peso do RN. Sendo assim, podemos dizer que é uma afecção que ocorre predominantemente em prematuros, raramente ocorrendo em RN a termo que sofreram asfixia perinatal. FISIOPATOLOGIA FIG. 34 Mielomeningocele. A tríade patogênica da enterocolite necrosante é formada por três fatores fundamentais: 1) isquemia intestinal; 2) nutrição enteral; 3) micro-organismos patogênicos. A presença destas três condições reunidas em um RN pré-termo, principal fator de risco para a doença, favorece o desenvolvimento da necrose intestinal. Em RN pré-termo, observamos certo grau de comprometimento do sistema imune do trato digestivo representado pela menor síntese de IgA secretora. Além disso, a imaturidade da mucosa intestinal dos RN pré-termos tem como características aumento da permeabilidade local, funcionamento anormal das enzimas das bordas em escova, alteração da atividade hormonal (representada por dismotilidade intestinal) e alteração na autorregulação dofluxo sanguíneo esplâncnico. A lesão da mucosa intestinal geralmente é seguida de infecção e necrose. Eventualmente são isolados em cultura Klebsiella, C. perfringens, Escherichia coli, Staphylococcus epidermidis e rotavírus, porém o papel desses agentes, de forma isolada, não parece ser preponderante na incidência do quadro. Além disso, a enterocolite necrosante parece estar relacionada ao início de uma dieta enteral agressiva. Entretanto, a alimentação com leite materno raramente está associada ao desenvolvimento da doença. O íleo distal e cólon ascendente proximal são os locais onde preferencialmente a lesão ocorre. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Geralmente, as manifestações clínicas se instalam nas primeiras duas semanas de vida. As crianças com muito baixo peso ao nascer (< 1.500 g) podem apresentar a doença somente aos três meses. O quadro clínico clássico consiste em distensão abdominal, dificuldade de progressão da dieta, presença de resíduo gástrico com eventual drenagem biliosa e sangramento gastrointestinal ( ). Em geral, o RN apresenta-se letárgico, com alteração da perfusão periférica e acidose metabólica, dependendo dos níveis de comprometimento intestinal. Os sintomas geralmente se instalam após o início das refeições pela via enteral. Apesar de observamos, em alguns casos, manifestações brandas, com apenas sangue oculto positivo nas fezes, complicações graves como peritonite, perfuração intestinal e sepse podem sobrevir. A radiografia simples de abdome revela pneumatose intestinal (acúmulo de gás na submucosa da parede intestinal) em 50 a 75% dos casos. A presença de gás na veia porta indica um pior prognóstico, assim como o pneumoperitônio. O diagnóstico diferencial inclui atresia intestinal, volvo e perfuração intestinal pela indometacina ou corticoide. Entretanto, nestas condições, o RN encontra-se menos toxêmico. A Tabela 17 correlaciona o estadiamento da enterocolite necrosante com seus sinais clínicos e radiológicos e indica o tratamento de cada estádio. Video_32_Ped1 Figura 35 FIG. 35 Distensão abdominal em RN com enterocolite necrosante. TRATAMENTO E PROGNÓSTICO Como visto na Tabela 17, a cirurgia nem sempre será necessária. Quando indicada, consiste na ressecção de alça necrótica em caso de perfuração acompanhada de desvio por ostomia externa. As principais indicações cirúrgicas são: 1) perfuração de alça (pneumoperitônio); 2) presença de líquido peritoneal evidenciando micro- organismos através da coloração do Gram (bacterioscopia). Outras indicações relativas são: falha no tratamento clínico, alça fixa nas radiografias de abdome, eritema de parede abdominal e massa palpável. O prognóstico dependerá do estado clínico inicial, do peso de nascimento e do comprometimento de outros órgãos, quando da instalação do quadro. O tratamento clínico não é bem-sucedido em 1/5 dos pacientes que apresentam pneumatose intestinal no momento do diagnóstico. Grandes ressecções intestinais podem levar à síndrome do intestino curto (com diarreia crônica, má absorção, atraso do crescimento e desnutrição). Estenoses desenvolvem-se em cerca de 10% dos casos no local da lesão necrosante. A ressecção geralmente é curativa. DEFEITOS CONGÊNITOS DO TRATO GASTROINTESTINAL ATRESIA DE ESÔFAGO FIG. 36 Observar pneumatose intestinal (esq.) e pneumoperitônio (dir.) em RN com enterocolite necrosante. Corresponde à anomalia esofagiana mais comum do esôfago e na maioria das vezes (> 90%) está associada com uma fístula traqueoesofágica. A forma mais comum é quando há o coto esofágico proximal em fundo cego e o coto distal conectado à traqueia através da fístula traqueoesofágica. A causa exata é desconhecida, mas alguns fatores parecem estar associados, tais como: idade materna avançada, obesidade, tabagismo e baixo nível socioeconômico. Cerca de 50% dos RN não possuem outras anomalias (tipo não sindrômico), e o restante apresenta defeitos associados: síndrome VATER e VACTERL (anomalias vertebrais, anorretais, cardíacas, traqueais, esofagianas, renais e nos membros), síndrome Feingold e síndrome CHARGE (coloboma ocular, anomalias do sistema nervoso central, defeitos cardíacos, atresia de coanas, deficiência de crescimento e/ou desenvolvimento, defeitos urinários e/ou genitais, alterações auditivas). O RN apresenta sinais logo após o nascimento, com salivação, tosse, engasgos, dificuldades respiratórias e cianose. A tentativa de alimentação piora os sintomas, e pode levar à broncoaspiração e à pneumonite química. No período gestacional pode haver polidramnia. A radiografia de tórax e abdome revela a sonda nasogástrica enrolada no coto proximal do esôfago, e distensão gasosa do estômago na presença de fístula traqueosofágica. Para minimizar a aspiração, recomenda-se a colocação do RN em posição prona e sonda em aspiração contínua do coto proximal, até a correção cirúrgica definitiva. ATRESIA DUODENAL A obstrução duodenal é causada, na maior parte das vezes, pela atresia, um defeito intrínseco na formação do duodeno (falha na recanalização do lúmen intestinal durante a gestação). Todavia, os casos de obstrução duodenal também podem estar relacionados com alguma compressão extrínseca. Cerca de 50% dos RN com atresia duodenal são pré-termo e outras anomalias congênitas concomitantes são frequentes: cardiopatias congênitas (30%), má rotação (20– 30%), pâncreas anular (30%), anomalias renais (5–15%), atresia esofagiana (5–10%), malformações esqueléticas (5%) e anomalias anorretais (5%). As anomalias cromossomiais são comuns e até um terço dos pacientes têm trissomia do 21 (síndrome de Down). Clinicamente, o RN apresenta vômitos biliosos nas primeiras 24 horas de vida. O diagnóstico é feito pelo sinal da dupla bolha na radiografia de abdome, que representa o preenchimento de ar no estômago e no duodeno proximal. Video_28_Ped1 ATRESIA/ESTENOSE DE JEJUNO E ÍLEO Diferentemente do que ocorre na atresia duodenal, causada por um defeito de recanalização do órgão, as atresias jejunoileais são decorrentes de acidentes vasculares intrauterinos. O tabagismo e uso de cocaína são fatores promotores de vasoconstrição, que podem contribuir para a ocorrência destas anomalias. Outras alterações que favorecem o evento incluem o quadro de volvo intestinal, o íleo meconial e defeitos como gastrosquise e onfalocele. As atresias jejunoileais não costumam associar-se a outras anomalias extraintestinais. As manifestações clínicas incluem a presença de história de polidramnia (20–35% dos casos), distensão abdominal (não está presente ao nascimento, mas se desenvolve com o início da alimentação). A distensão é acompanhada de vômitos, que podem ser biliosos. Até 80% dos RN não eliminam o mecônio nas primeiras 24 horas de vida e a icterícia, com aumento da bilirrubina indireta, é identificada em 20–30% dos RN. DOENÇAS SENSORIAIS RETINOPATIA DA PREMATURIDADE ASPECTOS GERAIS A Retinopatia da Prematuridade (ROP), anteriormente chamada fibroplasia retrolenticular, é como seu nome define uma doença da retina relacionada à prematuridade e ao baixo peso ao nascer, caracterizada por uma proliferação anormal dos vasos sanguíneos retinianos. Continua sendo uma das principais causas de cegueira e baixa visão nos países desenvolvidos e nos países em desenvolvimento. FISIOPATOLOGIA A angiogênese da retina começa ao redor da 16ª semana de gestação, com a proliferação dos vasos partindo do centro do disco óptico em direção à periferia. Este processo se completa na retina nasal por volta da 36ª semana de gestação e na retina temporal por volta de 40 semanas. A angiogênese é determinada pelo fator de crescimento endotelial vascular (VEGF) e pelo fator de crescimento insulínico (IGF). A doença tem uma origem multifatorial, sendo que os principais fatores associados são o baixo peso ao nascer e, evidentemente, a prematuridade: quanto menor o peso e a idade gestacional, maior o risco parao desenvolvimento da ROP. O nascimento prematuro e com baixo peso interrompe este processo natural, que deveria ser completado intraútero. Em um primeiro momento, ocorre a interrupção da vasculogênese. A ausência da vascularização leva à hipóxia, que, por sua vez, estimula a produção de VEGF, levando a um crescimento vascular descontrolado. A exposição ao oxigênio também desempenha um papel nesta condição, ainda que os mecanismos precisos ainda não sejam completamente esclarecidos. O baixo ganho ponderal nas primeiras semanas de vida e os níveis séricos baixos de IGF-1 também estão associados. QUADRO CLÍNICO E DIAGNÓSTICO Em cerca de 90% dos casos, esse processo patogênico se resolve espontaneamente com cicatrização e poucas sequelas na infância. Entretanto, em 10% há intensa e grave angiogênese e proliferação de tecido mesenquimal, culminando perda de acuidade visual em graus variados. Nos casos mais graves com descolamento de retina, desenvolve-se um reflexo pupilar branco, chamado leucoria. Em outros, desenvolve-se catarata, glaucoma, estrabismo, ambliopia e nistagmo. O exame necessário ao diagnóstico é a oftalmoscopia indireta, que deve ser feita por oftalmologista com experiência em ROP, sob sedação e analgesia do bebê. O primeiro exame deverá ser realizado entre a 4ª e a 6ª semana de vida e está indicado nos seguintes casos: ● Peso de nascimento < 1.500 g e/ou idade gestacional < 32 semanas; ● Considerar nos seguintes casos: síndrome do desconforto respiratório, sepse, transfusão de sangue, gestação múltipla e hemorragia intraventricular. O agendamento dos exames posteriores irá variar em função dos achados neste primeiro exame. CLASSIFICAÇÃO A ROP é classificada quanto à localização, à extensão e à gravidade. A definição de localização é feita com base em três círculos concêntricos desenhados a partir do disco óptico, como mostra a (doença na zona I indica maior imaturidade na vascularização da retina em relação às zonas II e III); a extensão é determinada segundo às marcações horárias; e a gravidade é expressa através da classificação em cinco estágios ( ), que representam um continuum progressivo de lesão. Também é avaliada a presença de doença plus (dilatação arteriolar e tortuosidade venosa). TAB. 18 CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA RETINOPATIA DA PREMATURIDADE; QUANTO MAIS ALTO O ESTÁGIO, MAIOR A GRAVIDADE. TRATAMENTO Na maioria dos RN pré-termo com ROP estágios 1 e 2, a doença regride espontaneamente. O tratamento de escolha, quando indicado, é a fotocoagulação com laser. A injeção intravítrea de anti-VEGF também vem sendo recomendada por muitos oftalmologistas. DOENÇAS HEMATOLÓGICAS POLICITEMIA ASPECTOS GERAIS A policitemia é definida pela presença de um hematócrito central acima de 65%. O aumento da viscosidade sanguínea é diretamente proporcional ao aumento do hematócrito, em uma razão linear até 60%, e exponencial acima destes níveis. As principais consequências da hiperviscosidade sanguínea são o alentecimento do fluxo sanguíneo, com desenvolvimento de hipóxia tecidual, consumo de glicose e tendência à formação de microtrombos. Além disso, as hemácias de RN são menos deformáveis que a de adultos, o que compromete adicionalmente as propriedades hemorreológicas da microcirculação. A policitemia é mais incidente em RN PIG e pós-termo. FISIOPATOLOGIA As principais causas da policitemia são: Figura 37 Tabela 18 ESTÁGIO DA ROP CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS Estágio 1 Linha de demarcação plana entre a retina vascular em desenvolvimento e a avascular periférica. Estágio 2 Espessamento da linha (crista de tecido mesenquimal mais elevado e espesso). Estágio 3 Semelhante ao estágio 2 acrescido de proliferação extrarretiniana (crista desenvolve proliferação extravascular, ou seja, neovascularização) Estágio 4A Deslocamento parcial da retina sem envolvimento da mácula. Estágio 4B Deslocamento parcial da retina com envolvimento da mácula. Estágio 5 Deslocamento total da retina, que pode ser um funil aberto ou fechado. FIG. 37 Esquema da retina (olho direito): a zona I consiste em um círculo com centro no nervo óptico, de raio correspondente a duas vezes a distância do centro do nervo óptico à fóvea (centro da mácula). A zona II vai da margem da zona I à ora serrata (área mais periférica) nasal, formando um raio concêntrico. A zona III corresponde à área remanescente temporal da retina da zona II. ● Transfusão placentária: atraso no clampeamento de cordão, ordenha de cordão, colocar o bebê em plano abaixo do materno, transfusão materno-fetal, transfusão gemelo-gemelar; ● Insuficiência placentária (aumento da eritropoiese fetal secundária a hipóxia crônica): hipertensão materna, pós-maturidade, doença crônica materna (ex.: cardiopatia, pneumopatia), tabagismo e elevadas altitudes; ● Diabetes mellitus materno; ● GIG; ● Medicações: uso de propranolol; ● Outras: hiperplasia adrenal congênita, tireotoxicose, hipotireoidismo congênito, síndrome de Beckwith-Wiedemann, trissomia 21, trissomia 13, trissomia 18. QUADRO CLÍNICO Diversas manifestações podem estar associadas com o aumento do hematócrito, da seguinte forma: ● Sistema nervoso central: dificuldades de alimentação, letargia, hipoatividade, hipotonia, apneia, tremores, convulsões e trombose venosa cerebral; ● Cardiorrespiratória: cianose, taquipneia, murmúrio cardíaco, insuficiência cardíaca congestiva, cardiomegalia e hipertensão pulmonar; ● Renal: diminuição da filtração glomerular, diminuição da excreção de sódio, trombose de veia renal, hematúria e proteinúria; ● Outros: hipoglicemia, hipocalcemia, trombocitopenia, coagulação intravascular disseminada, enterocolite necrosante. TRATAMENTO O tratamento da policitemia é algo controverso. Se o hematócrito estiver entre 60-70% e o RN estiver assintomático, recomenda-se aumentar o volume de líquido administrado (enteral ou parenteral), seguido de nova coleta de exame. Se, entretanto, houver sintomas de hiperviscosidade ou o Ht for ≥ 70–75% (mesmo na ausência de sintomas), há indicação de exsanguineotransfusão parcial. Este procedimento consiste na retirada de sangue através da veia umbilical e da administração de igual volume com salina isotônica. INTRODUÇÃO À GENÉTICA MÉDICA INTRODUÇÃO Neste material, iremos conversar sobre aspectos básicos relacionados com conceitos de genética médica. As principais síndromes genéticas de importância para as provas e para as práticas estão condensadas em nosso material que aborda o crescimento infantil. ANOMALIAS CONGÊNITAS ASPECTOS GERAIS As anomalias congênitas podem ocorrer devido a quatro mecanismos patogênicos: ● Deformidade: é uma alteração provocada por forças mecânicas de compressão sobre o feto, tipicamente ocorridas no terceito trimestre. As causas incluem a gemelidade, útero bicorno, mioma uterino. Exemplo: fácies de Potter; ● Disrupção: é uma alteração provocada por destruição de um tecido em determinada região, causada por estresse mecânico, brida amniótica, infecções intrauterinas, isquemia, substâncias teratogênicas, dentre outras. Exemplo: hipoplasia de membros associada com talidomida; ● Displasia: é uma anomalia estrutural e funcional em um único tecido do corpo provocada, geralmente, por alterações genéticas específicas. Exemplo: acondroplasia; ● Malformação: ocorre por uma alteração permanente na vida intrauterina, decorrente de anormalidade e desenvolvimento de um tecido, órgão ou partes do corpo. É causada por alterações da proliferação, diferenciação, migração e destruição programada de células, tecidos ou órgãos. Exemplo: anencefalia. As anomalias congênitas podem ainda se associar entre elas em um determinado paciente. Destas combinações, podemos ter o estabelecimento das seguintes situações: ● Associação: conjunto de alterações/anomalias que se repetem numa frequência maior que a esperada. Exemplo: associação VACTERL; ● Sequência: conjunto de alterações/anomalias que ocorrem juntas a partir deum evento inicial causal. Exemplo: sequência de Pierre-Robin; ● Síndrome: quando ocorre um conjunto de alterações/anomalias congênitas maiores e menores patogenicamente relacionadas. Exemplo: cromossomopatias, mutações genéticas maiores/menores, teratógenos ambientais, infecções congênitas, dentre outros. DESORDENS GENÉTICAS ASPECTOS GERAIS O genoma humano contém aproximadamente 25.000 genes, que são as unidades de DNA capazes de codificar proteínas, determinando todas as nossas características. Estes genes estão distribuídos em 22 pares de autossomas (cromossomas somáticos) e um par de cromossomas sexuais (XX nas mulheres e XY nos homens), totalizando 46 cromossomas. A mitocôndria é a única organela intracelular que possui o seu próprio material genético, que consiste numa dupla fita de DNA. As mitocôndrias da prole são organelas de herança materna, única e exclusivamente. Isto se deve ao fato de que as mitocôndrias dos espermatozoides, localizadas em sua cauda, são "perdidas" após a penetração do gameta masculino no ovócito. O DNA é formado por uma dupla-hélice composta por bases nitrogenadas (purinas: guanina e adenina; pirimidinas: citosina e timina) ligadas por pontes de hidrogênio e um açúcar (desoxirribose). As mutações são alterações em segmentos do DNA, que podem afetar um ou vários genes, e assim resultar na transcrição de um RNAm anormal a partir do DNA e, consequentemente, na tradução de uma proteína anormal (quantitativa ou qualitativamente) a partir daquele RNAm. As desordens genéticas são resultados de diferentes tipos de mutações. Abaixo, constam as principais delas: ● Cromossômicas: levam a modificações em grandes segmentos do DNA. As alterações cromossômicas podem ser numéricas (ex.: trissomias, monossomias) ou estruturais (resultados de inversões, deleções, translocações ou inserções, que geralmente resultam na modificação de vários genes); ● Pequenas mutações: incluem as mutações de ponto – aquelas que envolvem a modificação de apenas um par de base dos nucleotídeos; e as pequenas deleções; » Mutações missense: a modificação de um par de base resulta na modificação de um aminoácido na proteína formada. » Mutações nonsense: a modificação de um par de base resulta na formação de um código de parada (stop codon) na leitura do RNAm, levando a uma parada prematura do processo de translação e consequentemente à formação de uma proteína truncada, de menor função. » Mutações frameshift por adição ou por deleção: a troca de um par de base resulta em uma modificação na estrutura de leitura do gene (reading frame), levando à introdução ou à deleção de um outro aminoácido e, em seguida, a um código de parada (stop codon). As desordens genéticas podem se manifestar clinicamente em qualquer idade, embora a grande maioria delas se expresse ainda na infância. Podem ser classificadas didaticamente da seguinte forma: ● Desordens de gene único (unigênicas): todas as alterações clínicas (fenótipo) são provocadas pela mutação em apenas um gene, levando a disfunção da sua proteína codificada (ex.: enzima, proteína estrutural, proteína carreadora). São raras, e como exemplos podemos citar a anemia falciforme e a fibrose cística. A transmissão à prole segue caracteristicamente a herança mendeliana; ● Desordens de múltiplos genes (poligênicas)/multifatoriais: as alterações clínicas (fenótipo) são provocadas por mutações em um grupo de genes. Geralmente não respondem a um padrão mendeliano (autossômico recessivo ou dominante) de herança. São exemplos: fenda palatina, espinha bífida; ● Desordens cromossômicas: o fenótipo é determinado por uma alteração maior, ao nível de um determinado cromossoma. As síndromes cromossômicas podem ser resultantes da repetição de um cromossoma somático inteiro (ex.: trissomias do 21, 13 e 18), ou pela ausência de um cromossoma sexual (ex.: síndrome de Turner), ou ainda por microdeleções dentro de um cromossoma. Existem, ainda, diferentes formas de herança genética. Vamos conhecê-las? PADRÕES DE HERANÇA HERANÇA MENDELIANA (DESORDENS UNIGÊNICAS) AUTOSSÔMICA DOMINANTE Nestes casos, a mutação em um dos pares do gene somático (do 1º ao 22º) geralmente determina um ganho de função, ou seja, o gene passa a hiperexpressar a sua proteína, que aumenta em quantidade ou função (o que não significa melhora do desempenho da célula, pois, caso contrário, não estaríamos falando em uma doença. As principais características observadas na prole das famílias com doenças autossômicas dominantes são: Transmissão vertical (de pais para filhos), aparecendo em gerações sucessivas; O indivíduo afetado tem 50% de chance (risco de recorrência) em transmitir a mutação à sua prole (pois as células sexuais, espermatozoides ou óvulos carreiam apenas a metade dos cromossomas somáticos); Os indivíduos não afetados da família não transmitem a mutação à sua prole; Homens e mulheres são igualmente afetados; A transmissão exclusiva entre homens da família garante o caráter autossômico dominante (pois nas heranças ligadas ao X, apesar de também haver transmissão vertical, o gene mutado está no X, e não no Y, o único cromossoma herdado exclusivamente do pai). As heranças por mutações ligadas ao Y também afeta exclusivamente os homens da família, mas são muito raras. Vale ressaltar que, mesmo nas mutações autossômicas dominantes, podemos não observar outras pessoas da família afetadas, o que pode ser explicado por alguns fatores, tais como: 1) tratar-se de uma mutação nova, ocorrida primeiramente naquele indivíduo; 2) haver penetração incompleta, ou seja, nem todos os indivíduos que carreiam a mutação apresentarão fenótipo igual, pois pode haver genes modificadores, fatores ambientais, sexo e idade que alteram a "expressão clínica" do gene mutado; 3) tratar-se de uma mutação com expressão variável, quer dizer, o fenótipo da mutação ocorre em gravidades diferentes de indivíduo para indivíduo. AUTOSSÔMICA RECESSIVA Nestes casos, a mutação ocorre em ambos os pares (alelos) do gene, ocasionando, geralmente, a perda de uma função — a proteína codificada é defeituosa ou está em quantidade reduzida. As características observadas nas famílias que possuem doenças de herança autossômica recessiva são: Transmissão horizontal, na qual são observados diversos membros familiares afetados dentro da mesma geração; Risco de recorrência de 25%, ou seja, a chance dos pais carreadores assintomáticos da mutação transmitirem a doença para seus filhos é de 1 em 4 (ex.: se ambos os pais forem carreadores assintomáticos da mutação, a chance de nascer um filho com a doença é de 25%; se apenas um dos pais possuir a doença e o outro não for carreador assintomático da mutação, a chance do filho nascer com a doença é de 0%; se um dos pais possuir a doença e o outro for carreador da mutação, a chance de nascer um filho com a doença é de 50%); Aumento da frequência com a cosanguinidade (união entre membros da mesma família), um hábito comum na cultura dos povos do Oriente Médio, Índia e Japão. O risco de uma doença genética entre casais da mesma família (primos de primeiro grau) é de 6–8%, praticamente o dobro daquela observada entre casais da população geral (3–4%). LIGADA AO X Nestas doenças o gene com a mutação pertence ao cromossoma X. São características observadas nas famílias que possuem desordens genéticas ligadas ao X: Afetarem com mais frequência e maior gravidade os membros do sexo masculino, já que possuem apenas uma cópia do cromossoma X, justamente a que contém a mutação; As mulheres da família ou são carreadoras assintomáticas da mutação (pois a cópia sã do gene está presente no outro cromossoma X), ou manifestam a doença de forma leve; Os homens afetados transmitem a mutação apenas para as filhas (pois os meninos herdam apenas seu cromossoma Y, que não possui a mutação); As mulheres carreadoras da mutação têm risco de transmitira mesma para 50% da prole, com risco de 25% de possuírem um menino com a doença e 25% de risco para uma menina portadora assintomática/doença leve. LIGADA AO Y Nestas doenças, o gene com a mutação pertence ao cromossoma Y. São casos muito raros, em que apenas e exclusivamente o sexo masculino é afetado. Como a grande maioria dos genes do cromossoma Y são ligados à diferenciação sexual e reprodução, uma vez alterados determinam infertilidade, e por isso a transmissão destas mutações é incomum na prole. HERANÇA NÃO MENDELIANA As doenças genéticas de herança não mendeliana não seguem a previsão tradicional de transmissão à prole. Pertencem a este grupo as seguintes doenças: MUTAÇÃO DO DNA MITOCONDRIAL (MITOCONDRIOPATIAS) Como as mitocôndrias são organelas derivadas exclusivamente do óvulo, as doenças genéticas associadas ao seu material genético são de transmissão materna invariavelmente. Portanto, nas mitocondriopatias observam-se as seguintes características: A mulher que carreia a mutação em seu DNA mitocondrial transmitirá a doença a toda a sua prole, independentemente do sexo; O homem afetado pela mutação no seu DNA mitocondrial não transmitirá a doença a nenhum membro de sua prole. Como as mitocôndrias são organelas geradoras de energia (ATP), os tecidos que mais "sofrerão" as consequências deletérias neste grupo de doenças são justamente aqueles com maior demanda metabólica: cérebro, coração, musculoesquelético e fígado. São exemplos de doenças mitocondriais: MELAS, MERRF, síndrome de Kearns- Sayre. O fenótipo das doenças mitocondriais é muito amplo, com variados graus de intensidade. Isto se deve à heteroplasmia, ou seja, à quantidade de mitocôndrias mutadas e sãs nas células. Por isso, as mães — apesar de portadoras das mutações mitocondriais — podem ser assintomáticas clinicamente. DOENÇAS DE EXPANSÃO POR REPETIÇÃO TRIPLA Este grupo é formado por doenças provocadas por uma repetição de pares de três bases nitrogenadas em sequência. São exemplos: a síndrome do X-Frágil, a doença de Huntington, a distrofia miotônica e as ataxias espinocerebelares. Na síndrome do X-Frágil, por exemplo, o gene FMR1 é formado por uma repetição fisiológica da sequência CGG numa quantidade que varia de cinco a 50 pares de três. Os portadores da pré-mutação possuem este número entre 50–200 pares de três, e encontram-se sob risco de expansões maiores durante a meiose dos seus gametas, com transmissão da doença à prole quando esta repetição ultrapassar 200 pares de três. Neste grupo, é frequente a ocorrência da antecipação, um fenômeno caracterizado pela expressão fenotípica mais grave e mais precoce da doença nas gerações mais jovens. Isto ocorre devido ao aumento das repetições a cada meiose. DOENÇAS DE "IMPRINTING" Normalmente, ambos os pares de gene funcionam equitativamente, tanto aquele alelo herdado da mãe, quanto o alelo herdado do pai. Contudo, para um pequeno número de genes, apenas um é ativo, e o outro é silenciado através da metilação do DNA devido a uma mutação (modificação epigenética). Por exemplo, as síndromes de Angelman e Prader-Willi são provocadas por uma microdeleção do cromossoma 15q11-12, contudo os fenótipos são totalmente diferentes, na dependência do gene inativado. Na síndrome de Prader-Willi, o alelo com as microdeleções é o de origem paterna e, na síndrome de Angelman, o alelo mutado é o de origem materna.