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II - QUEM VOCÊ REALMENTE É 
E.M.*
 
PARTE UM 
Todos vivem com a noção de ser alguém. Por exemplo, neste 
momento, você tem a noção de que é alguém que está lendo este 
texto. Isso parece banal. Essa é a natureza da condição humana, a 
vivência mais íntima e fundamental que você tem a cada instante de 
sua vida: ser quem você é. 
Apesar disso, no cotidiano, você raramente se detém e analisa 
com cuidado uma pergunta óbvia, que não só decorre naturalmente 
dessa vivência fundamental como também é de vital importância. E, 
nos poucos momentos que o faz, parece não encontrar resposta, ao 
menos não sem aceitar algum tipo de fé ou superstição. Essa pergunta 
é: 
QUEM É VOCÊ? 
Apesar de sua importância, colocamos tal pergunta facilmente 
entre aquelas questões abstratas, filosóficas, cuja improvável 
resposta, inútil e metafísica, é da competência de especialistas 
acadêmicos. Chegamos a acreditar na perigosa ilusão de que não só é 
impossível obter uma resposta clara, mas que também podemos viver 
realmente nossas vidas sem responder com clareza quem é que, afinal, 
está vivendo nossas vidas. 
Isso parece ser de uma estupidez impressionante. De algum 
modo, nos iludimos e fingimos não perceber a utilidade autoevidente 
de conhecermos a resposta antes de começarmos a 
 
*	
  Et	
  in	
  Arcadia	
  ego	
  
	
  
	
   2	
  
viver conscientemente nossas vidas. Fingimos não saber que apenas 
uma vida com tal resposta é uma vida plena, e que uma vida plena é 
aquela desperta do sonho em que os outros animais vivem, sonho no 
qual ignoram quem realmente são e onde estão. 
O leitor duvida? Quando vemos a carne de animais em nosso 
prato ou exposta nos mercados, esquecemos da lição subjacente a 
essa experiência comum: a de que só foi possível criar e matar o animal 
que nos alimenta pois ele viveu imerso num sonho em que não 
percebia quem era e que estava destinado apenas ao abate. Um 
sonho que nossos ancestrais também sonhavam e do qual o ser 
humano em parte despertou – mas não completamente. 
Mas somos assim estúpidos? Com certeza, não. A razão de nos 
distrairmos facilmente diante de tal pergunta e de termos dificuldade 
em encontrar a resposta deveria nos dar uma pista sobre a natureza 
dessa resposta. Trata-se de uma resistência de origem mais forte, 
como logo ficará claro. 
Na verdade, o fato de que nos distraímos facilmente diante dessa 
pergunta e de que parecemos não encontrar resposta deveria dar-nos 
uma pista sobre a natureza dessa resposta. 
A partir de agora, iremos apresentar tal resposta, pois não é 
mera questão abstrata e filosófica, mas a chave para a solução do 
maior problema humano, aquele que aflige cada indivíduo e toda a 
sociedade. Porém, a resposta não é simples e tampouco é agradável – 
em outras palavras, é contraintuitiva e contrária às expectativas 
idealizadas sobre a natureza humana. 
Pela importância deste texto, o leitor deve dedicar tempo e 
atenção à sua leitura. Imprima-o, se possível. 
 
	
  
	
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O PROBLEMA HUMANO 
Por séculos, tenta-se identificar qual o maior problema da 
humanidade e de cada indivíduo, o problema do qual derivam todos 
os outros problemas sociais e pessoais. 
Para os mais idealistas, esse problema seria a falta de fé ou de 
conexão com alguma divindade – ou alguma outra postura moral e 
espiritual a ser ajustada. Para outros, o problema seria de ordem 
econômica, consistindo no dinheiro enquanto lógica das relações 
capitalistas – ou, inversamente, no controle estatal e socialista da 
liberdade individual. Para alguns, ainda, o problema seria sociocultural, 
consistindo na opressão do patriarcado ou, ao contrário, na subversão 
da ordem e das tradições. 
Há por fim, aqueles que negam a existência de qualquer 
problema central, afirmando que a angústia e ansiedade sentida 
intimamente por todos os seres humanos, bem como as guerras, 
miséria e violência que assolam populações, constituem parte inerente 
da vida tal como é neste momento. 
Não é esse, porém, o caso. Há um problema, e sua natureza é 
clara quando a situação humana é observada à distância. 
O maior problema humano atual, tanto para cada indivíduo como 
para a sociedade, é o desafio de operar numa realidade 
progressivamente complexa e sem precedentes históricos tendo como 
única ferramenta um sistema cognitivo e decisório condicionado para 
operar nas primitivas savanas da África. 
Caça, competição, acasalamento, abrigo, predador, agressão e 
fuga; medo, raiva, desejo, fome e sede; necessidade de aceitação 
tribal, hostilidade e dominação do inimigo. Vive-se hoje com um 
sistema cognitivo e decisório programado evolutivamente para operar 
num ambiente em que o ser humano não era muito diferente dos 
demais animais, sequer posicionando-se no topo da cadeia alimentar. 
	
  
	
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Um ambiente no qual a perfeita inserção na dinâmica de uma tribo 
representava a melhor chance de sobrevivência para o indivíduo. 
Esse sistema foi eficiente por dezenas de milhares de anos, ao 
longo dos quais ele se adaptou com sucesso às mudanças do meio 
ambiente. No momento, o problema é a alteração quase imediata 
do mundo em que vivemos, exigindo adaptação que tal sistema não 
consegue fazer em si mesmo do dia para noite – ou melhor, de um 
milênio para outro. 
Essa é a raiz de todos os outros problemas contemporâneos, 
individuais e coletivos. Depressão, ansiedade, síndrome do pânico, 
intolerância. Terrorismo, fundamentalismo, profunda desigualdade 
social, degradação ambiental. Na sociedade complexa e dinâmica de 
hoje, que se transforma a cada momento, tenta-se enfrentar desafios 
cotidianos com um sistema cognitivo e decisório que era eficiente 
quando se tratava de caçar animais de pequeno porte, fugir de um 
leopardo, ser aceito pelos membros da tribo e defendê-la de tribos 
rivais, mas que fracassa reiteradamente diante da mudança abrupta 
da realidade humana que começou a ocorrer há doze mil anos e a qual 
nossos antepassados não se adaptaram apropriadamente. O estresse 
estrutural desse sistema a cada fracasso resulta em rupturas de sua 
coesão, e tal desajuste produz e continuará a produzir crises cíclicas, 
cujas consequências serão medidas em vidas humanas. 
O GRANDE FILTRO 
O Problema Humano não surgiu de um dia para o outro, os 
primeiros abalos sísmicos foram percebidos há muito tempo, já no 
início na Revolução Neolítica, como será apresentado na terceira etapa 
deste ciclo de aprendizado. Mas, nos últimos dois mil anos, à medida 
que se acentuava o rompimento com os paradigmas de nossos 
antepassados, apenas ajustes discretos foram feitos. A sociedade 
prosseguiu organizando-se em torno de instituições, normas e formas 
de pensar que preservaram, na medida do possível, o sistema cognitivo 
e decisório que pareceu servir aos nossos ancestrais. 
	
  
	
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Agir assim, de modo conservador, é lógico e natural. Afinal, o 
sistema cognitivo e decisório que herdamos está condicionado por 
nossa própria estrutura social e noção de identidade pessoal . Ajustá-
lo minimamente, portanto, exige enorme consumo de energia e não 
pode ser feito sem significativo estresse para o próprio organismo. 
Por isso são ingênuos os que acreditam que a solução depende de uma 
simples tomada de decisão no sentido de deixarmos de pensar de uma 
determinada maneira para começarmos a pensar de outra. 
Transições que exigiam milênios ocorrem em cem anos – e, a 
seguir, numa década. Com o êxito da espécie humana, a ciência decifra 
o mundo, a tecnologia revoluciona o cotidiano, novas necessidades e 
problemas surgem, a sociedade torna-se cada vez mais complexa e 
dinâmica, as relações humanas transformam-se, os papéis sociais 
fragmentam-se. 
Nos últimos séculos, progressivamente a forma como estamos 
condicionados a operar diante do mundo começou a tornar-se 
obsoleta. A tentativa do sistema cognitivo e decisório humano de 
ajustar-se aos novos desafios resultou em abalo irreversível de sua 
estrutura.Nietzsche expressou essa irreversibilidade com uma célebre 
metáfora: “Deus morreu. Deus permanece morto. E nós o matamos.” 
Se há ou não Deus no sentido objetivo, outra pergunta que 
persegue a humanidade, responderemos apenas ao fim de nosso 
processo de aprendizado sobre a verdade. O importante é reconhecer 
que a situação humana é crítica, e brevemente será emergencial. 
Neste momento, a humanidade encontra-se numa situação sem 
precedentes históricos. E isso demanda ação imediata. Nos últimos 
séculos, ao menos desde o Iluminismo, o processo de rompimento de 
paradigmas acelerou-se em progressão geométrica, e aproxima-se de 
sua fase culminante. 
	
  
	
   6	
  
Não é sem exagero dizer que a humanidade se encontra, no 
momento em que essas palavras são publicadas pela primeira vez, 
numa etapa em que cada indivíduo e sociedade precisará definir a 
estratégia da qual dependerá seu destino. É a etapa do Grande Filtro 
que separará o caminho da obsolescência e perecimento do caminho 
da evolução e sobrevivência, é a etapa da Grande Singularidade. 
Por essa razão, é mais urgente que nunca responder à pergunta 
“Quem é você?”. A visão de mundo e de identidade pessoal, a forma 
como fomos condicionados a operar com a realidade, tornou-se 
defasada diante do mundo real. Os paradigmas rompidos não podem 
ser reconstituídos, só reformulados. 
Entender quem realmente você é fornece a chave para essa 
reformulação, a única forma de solucionar-se o Problema Humano. 
Afinal, só é possível ajustar o sistema cognitivo e decisório herdado de 
nossos antepassados com a rapidez exigida pelas circunstâncias se 
cada indivíduo compreender como esse sistema está relacionado com 
sua identidade pessoal e, principalmente, com o mundo em que essa 
identidade opera. 
Portanto, para responder à pergunta “Quem é você?”, é preciso, 
antes, saber a resposta para outra questão: 
ONDE VOCÊ ESTÁ? 
Ao abordarmos A Maior Descoberta da Humanidade, utilizamos 
três tipos de metáforas para responder a essa questão: uma metáfora 
alquímica, outra da matemática e ainda uma terceira computacional. 
Com um antigo lema dos alquimistas, descrevemos dois 
princípios gêmeos da realidade em que vivemos: “solve et coagula” – 
ou “dispersa e entrelaça”. Pela dispersão, novas realidades alternativas 
emergem do momento presente a cada instante (solve). Por outro 
lado, tais realidades não interagem a nível macroscópico, pois apenas 
os seres e coisas que estão entrelaçados em determinada trama de 
	
  
	
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realidade podem interagir entre si (coagula). Essa é a razão de não 
percebermos as demais realidades alternativas, exceto quando 
observamos o mundo muito de perto, tal como ocorre em laboratório. 
O ambiente em que infinitas realidades alternativas coexistem, e 
no qual o próprio destino humano bifurca-se em inúmeras versões de 
sua própria vida, foi chamado de hipercontexto. 
O hipercontexto é o espaço em que todas as probabilidades de 
algo ocorrer se manifestam ao longo do tempo e coexistem 
simultaneamente. Característica desse processo é a contínua 
emergência de novas possibilidades de futuro a partir de um mesmo 
momento presente – e há infinitos momentos presentes coexistindo 
neste instante. 
A consequência para sua vida é simples: desde que você, leitor, 
nasceu, a cada evento aleatório relevante e a cada escolha decisiva 
que fez em sua vida, houve uma divisão de seu destino em vários 
caminhos prováveis, todos eles coexistindo simultaneamente, cada um 
deles vivido por uma versão alternativa de você. Você próprio é uma 
dessas versões, e nenhuma é mais verdadeira ou mais importante que 
a outra. 
Cada uma dessas versões ignora a existência das demais pois 
cada uma encontra-se entrelaçada em uma trama de realidade distinta 
das outras. E cada uma dessas versões não percebe os momentos em 
que seu destino se divide em vários futuros por razões que logo serão 
demonstradas. 
	
  
	
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Já com a metáfora matemática, aprendemos que a vida 
humana é como o infinito conjunto de números fracionados que 
existem nos estreitos limites entre zero e um. Ou seja, apesar de a 
biografia de um ser humano ramificar-se em diversos destino 
alternativos ao longo do tempo, realizando inúmeras possibilidades de 
viver e ser, tais destinos ocorrem dentro de possibilidades limitadas. 
Essa metáfora permite afastar a equivocada ideia segundo a 
qual, havendo realidades alternativas, há uma em que você é um 
guitarrista famoso, outra em que você é um bilionário e até mesmo 
outra em que você jamais morrerá (pois a morte, em cada momento 
de risco de vida, pode ocorrer ou não, e haveria uma vida na qual ela 
jamais ocorreria para alguém). Afinal, argumenta-se, tudo isso é 
cientificamente possível. 
Mas o que é possível não é o que é provável, e raramente os 
eventos prováveis em um destino humano resultam de um só fator. 
Assim como o envelhecimento e a morte, os principais eventos do 
destino humano são processos para o qual convergem múltiplos 
fatores, e esses fatores estabelecem o contexto em que o virtualmente 
possível torna-se “concretamente” provável. 
	
  
	
   9	
  
Ademais, os futuros possíveis para uma criança são 
condicionados também pelo contexto inicial de seu nascimento. Uma 
criança nascida numa aldeia da floresta amazônica não se tornará uma 
bilionária, e se você não herdou de seus pais qualquer inclinação para 
a música, não se tornará um guitarrista célebre. 
Desse modo, somos o infinito encapsulado dentro dos limites do 
que é cientificamente possível e contextualmente provável. Eventos no 
mundo macroscóspico são processos decorrentes de múltiplos agentes 
e são condicionados por múltiplos fatores, todos eles entrelaçados, e 
isso é como uma força gravitacional que curva o conjunto de 
possibilidades virtuais de forma a mantê-lo circunscrito a uma esfera 
ainda mais restrita de probabilidades “concretas”. 
Por fim, pela metáfora computacional, foi apresentada a 
noção de que todo o universo observável, e que nosso cérebro percebe 
como sendo tridimensional, pode ser codificado em uma superfície 
bidimensional, tal como no caso de uma holografia. 
Assim, propusemos ao leitor que imaginasse a realidade 
tridimensional em que vive como se estivesse codificada na trama de 
uma tapeçaria bidimensional de espessura muito fina, que se encontra 
empilhada com outras tapeçarias em cuja trama, por seu turno, estão 
codificadas outras realidades tridimensionais, inicialmente distintas 
umas das outras por discretas diferenças de codificação. Essas 
diferenças, contudo, ampliam-se progressivamente, e há enormes 
discrepâncias entre tramas que se situam em pontos distantes 
da topografia do hipercontexto. 
 
	
  
	
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Mas metáfora do espaço bidimensional que codifica uma 
realidade tridimensional empilhada junto a outras é, como todas as 
metáforas, limitada. É nesse ponto em que se percebe como são 
inadequados termos populares como “teoria dos muitos mundos” e 
“multiverso”, pois induzem à noção de que há universos apartados 
evoluindo paralelamente, sem interagirem de qualquer modo. 
Na verdade, novas tramas de realidade estão constantemente 
emergindo das tramas de realidade que existem neste instante. E o 
momento presente transita em direção ao futuro dando gênese a novas 
tramas de realidade em que todas as versões coexistentes de uma só 
coisa ou ser se entrelaçam com a versões dos seres e coisas ao seu 
redor. 
	
  
	
   11	
  
 
O entrelaçamento, por sua vez, não é uma propriedade da 
realidade que, “amarrando” os elementos de uma trama, aparta-a de 
todas as outras, como se fossem dimensões enfileiradas e que não 
interagem entre si. O entrelaçamento é a relação de 
complementaridade fundamental que existe entre todas as coisas que 
emergem no universo, inclusive no âmbito do hipercontexto. Novas 
formas de ser de cada objeto originam-se de modo correlacionado com 
novas formas de ser dos objetos com os quais se encontra entrelaçado. 
O segredo dopróprio tempo e da gravidade dos corpos macroscópicos 
está no lema solve et coagula. 
O nome “hipercontexto” não é por acaso: chama-se assim algo 
que se situa além de todos os contextos, ou seja, de todos os possíveis 
conjuntos de circunstâncias que coexistem em determinado instante. 
Ora, falar em “hipercontexto” é também usar uma metáfora: na 
verdade, o que se está descrevendo é meramente o universo tal como 
é. 
Isto é o universo. É neste exato lugar em que você está agora, 
neste exato instante presente. 
 
	
  
	
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PROVAS DO HIPERCONTEXTO, 
A FÁBULA DOS CEGOS E UM ENIGMA. 
Neste momento, há provas suficientes para que a existência do 
hipercontexto já seja reconhecida pela humanidade como a maior 
descoberta feita em sua história. De experimentos como a Dupla 
Fenda a paradoxos como o EPR, da Equação de Schödinger à rigorosa 
lógica de Hugh Everett, já há material suficiente para que qualquer um 
possa reconhecer a verdade do hipercontexto com clareza e 
honestidade intelectual. Novas provas surgirão com o tempo, pois 
trata-se de um fato testável (isto é, falseável) – e, inclusive, novas 
provas serão apresentadas a seguir, quando tratarmos do Reino 
Vegetal. 
Quanto à atual postura da comunidade científica a respeito da 
existência do hipercontexto (e parte considerável da comunidade 
científica já a admite), só há uma coisa a dizer: prossiga-se 
investigando, prossiga-se questionando, prossiga-se testando. A 
questão, aliás, é justamente essa. David Wallace serenamente expôs, 
com clareza epistemológica, que os princípios científicos não estão 
sendo observados por aqueles que não levam a sério a importância das 
pesquisas sobre o hipercontexto. Afinal, a conclusão de Hugh Everett 
(que foi o primeiro a denunciar publicamente o hipercontexto) não 
ofende a Navalha de Occam – ao contrário, trata-se do único modelo 
que a observa. A resistência de alguns tem o mesmo fundamento da 
resistência à esfericidade da Terra: recusa em aceitar uma 
possibilidade extremamente contraintuitiva. 
	
  
	
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Logo, é inevitável que a comunidade científica chegue à 
conclusão unânime sobre a existência do hipercontexto cedo ou tarde, 
em 2022 ou em 3087. Esse é um ponto tranquilo. Aqui, o importante 
é ter em mente que o objetivo não é competir com a ciência, tampouco 
fazer ciência, mas narrar um fato a leitor – e, reconhecidos ou não, os 
fatos estão sempre presentes. 
Também é importante perceber que o objetivo do conjunto 
desses textos não se limita e nem se deterá na discussão daquele fato 
já descoberto no século XX: o objetivo final é expor a verdadeira 
natureza de um risco concreto, embora o risco concreto exista 
e deva ser reconhecido independentemente do conhecimento 
de sua verdadeira natureza. A ignorância ou a recusa em aceitar 
um ato não nos impede, nesse caso, de agir diante do perigo. 
E a recusa e a ignorância voluntária são esperadas, pois desde a 
descoberta das primeiras pistas sobre a existência de infinitas 
realidades alternativas, a humanidade tem interpretado o que viu de 
várias formas equivocadas, que denunciam uma reação instintiva 
contra a natureza extremamente contraintuitiva da verdade. 
Exemplo disso é a reação de aversão cética ou de fascínio místico 
que a palavra “quântico” costuma despertar, e que uma fábula oriental 
ilustra muito bem. 
	
  
	
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Conta-se que, certa vez, numa aldeia na Índia, três cegos foram 
apresentados a um elefante, animal sobre o qual jamais tinham ouvido 
falar. Pediu-se que o descrevessem, e o primeiro cego, tateando sua 
tromba, disse que o elefante era como uma serpente. O segundo, 
abraçando uma das pernas, disse que o animal era como o tronco de 
árvore. O terceiro, apalpando seu flanco, afirmou que era como uma 
pedra. 
Desde que a humanidade começou a identificar vestígios e pistas 
sobre a verdadeira natureza da realidade, houve duas reações típicas: 
a primeira é de austera negação da verdade, a segunda é de infantil 
delírio. A primeira vingou no seio da comunidade científica, a segunda 
nasceu de entusiastas do misticismo. Ambas correspondem à cegueira 
da fábula. 
A chamada Interpretação de Copenhagen (segundo a qual a 
natureza quântica da realidade se restringe ao mundo microscópico 
das subpartículas, mas não ao mundo macroscópico em que 
vivemos), defendida por menos da metade da comunidade científica, 
nega a realidade ao crer em superstições como o conceito de “medição” 
e em dogmas como uma suposta linha de separação entre o mundo 
das subpartículas e o mundo macroscópico – dogma esse já fulminado 
pelo Teorema de Bell (e, como se verá, até pela planta mais ordinária 
do mundo). Já o chamado Ocultismo Quântico, popular entre místicos, 
nega a realidade ao supor que a consciência humana é dotada de 
algum poder mágico capaz de materializar o universo a partir de 
infinitas potencialidades, de modo que alguma espécie de pensamento 
positivo misterioso seria capaz de trazer sorte e fortuna a qualquer um. 
Os cegos que negam e os cegos que deliram diante da 
palavra “quântico” perdem-se justamente no ponto em que se 
deparam com um certo enigma. Trata-se de uma questão que perturba 
e confunde a ambos, induzindo-lhes a cegueira. 
	
  
	
   15	
  
O enigma consiste em determinar qual participação tem o ser 
humano na realidade do hipercontexto. Ocorre que responder esse 
enigma é a chave para a pergunta “Quem é você?”. 
Contudo, a melhor forma de desvendar o enigma, curiosamente, 
não é observar o ser humano. A melhor forma consiste em observar a 
planta mais próxima de você neste exato momento, por mais simples 
que ela seja. 
O GRANDE SEGREDO DO REINO VEGETAL 
Como é evidente, nossos corpos também participam do 
hipercontexto, também são da mesma substância de tudo ao nosso 
redor (tecnicamente, também são funções de onda), coexistindo nesse 
exato momento em vários estados alternativos. E assim nossos corpos 
também se correlacionam, pelo entrelaçamento, com estados 
sobrepostos de todas as coisas ao redor. No nível macroscópico, todas 
as realidades alternativas que habitamos ao mesmo tempo coexistem 
de forma transparente, aqui e agora, e continuamente dão origem a 
novas realidades. 
Pense em duas bolas de bilhar que se chocam. O que ocorre é 
que suas funções de onda, ou seja, suas coexistentes possibilidades 
sobrepostas, chocam-se observando um continuum de interações 
decorrentes do entrelaçamento (complementaridade) entre as 
possibilidades de cada bola. O corpo de um cientista no laboratório, 
inclusive seu cérebro e sistema visual, também existe em vários 
estados possíveis, e encontra-se em constante relação de 
entrelaçamento com o equipamento em todos os seus estados 
possíveis. 
A compreensão correta da natureza do hipercontexto, isto é, do 
universo enquanto tal, leva à conclusão de que a vida biológica fez, em 
algum momento, uma escolha evolucionária em relação a essa 
realidade. E isso pode ser percebido claramente no mundo 
vegetal. 
	
  
	
   16	
  
A planta mais próxima de você, por mais comum que seja, é um 
exemplo de como a natureza adotou uma estratégia não só para 
sobreviver no hipercontexto, como também para beneficiar-se da 
lógica do hipercontexto. Esse é um fato recentemente descoberto e 
já extensivamente estudado, conforme demonstram as pesquisas 
conduzidas separadamente por biólogos como Engel, Ishizakia, Olaya-
Castro e Collini. 
Trata-se do processo de fotossíntese. 
De modo simplificado, durante a fotossíntese, a energia de 
um fóton incidente na superfície da folha é capturada. Essa energia 
luminosa é, a seguir, processada dentro dos cloroplastos, organelas 
que existem nas células da planta. Dentro de um cloroplasto, a energia 
luminosa capturada é transmitida “de mão em mão”, passando de 
um cromóforo (são estruturas moleculares distribuídas por todo o 
cloroplasto) a outro, numa sequência de cromóforos, até chegar num 
lugar chamado de “centro de reação”, onde a energia luminosa é 
convertida em energia química.17	
  
Porém, ao analisar-se a fotossíntese de uma simples planta de 
jardim, observa-se uma rapidez e eficiência de aproveitamento 
espantosas. Um só processo de captura e transporte da energia 
luminosa de um só fóton dentro da planta leva milionésimos de 
bilionésimos de segundo. 
Algo indicava que, de alguma forma, a planta “sabia” qual o 
caminho era mais eficiente em cada caso. 
O mistério foi resolvido quando se descobriu que, na 
fotossíntese, a planta aproveita-se da coexistência de múltiplos 
estados possíveis e coexistentes de cada fóton para que todos os 
trajetos possíveis entre os cromóforos sejam tomados de uma só vez. 
A seguir, a planta seleciona em seu centro de reação a energia que foi 
transmitida pelo melhor caminho, entre todos os trajetos tomados 
simultaneamente pelo mesmo quantum de energia luminosa. 
Isso não é especulação, isso é um fato já comprovado e 
estudado. E esse fato pode ser descrito de várias formas 
complementares. 
Tecnicamente, qualquer folha da planta mais ordinária que brota 
entre as junções de um muro é capaz de explorar todos os possíveis 
estados concomitantes do fóton e assim fazer com que a energia 
capturada siga ao mesmo tempo todos os caminhos possíveis pelos 
cromóforos, escolhendo (via coerência) o caminho mais eficiente para 
que a energia seja transmitida até o centro de reação. 
De forma mais ampla, o que ocorre é que essa planta é capaz de 
explorar os múltiplos estados coexistentes de um mesmo fóton no 
âmbito do hipercontexto, associando o caminho mais eficiente para 
cada trama de realidade em ela existe e no qual faz sua fotossíntese. 
De forma mais simplificada, a planta associa a cada versão sua, 
que existe em cada realidade alternativa desse universo, o trajeto de 
	
  
	
   18	
  
transporte da energia luminosa que for mais vantajoso naquela 
realidade específica. 
Isso é feito por todas as plantas, seja uma grande sequoia, 
seja um pé de alface. E esse fato também fulmina o dogma de que 
há uma separação entre a física das subpartículas e o mundo 
macroscópico. 
Por tal razão, não é absolutamente exagerado afirmar, como 
veículos de divulgação científica com credibilidade têm afirmado, que 
as plantas, na fotossíntese, funcionam como computadores quânticos. 
Na verdade, não é também exagero dizer, como tem-se dito, que 
os organismos vivos são genuínas máquinas quânticas. 
É que as plantas não são o único exemplo das escolhas 
evolucionárias que a natureza fez no hipercontexto. Como foi 
constatado, pássaros voam seguindo trajetórias coexistentes de forma 
que correspondam ao padrão de entrelaçamento que emerge do campo 
magnético da Terra em todas as realidades alternativas. Futuramente, 
será confirmado o que já se suspeita: que sentidos humanos como 
o olfato e a visão (um processo tão surpreendentemente rápido e 
eficiente quanto o da fotossíntese) dependem de estratégias evolutivas 
da natureza em relação ao hipercontexto. Essa também é a razão pela 
qual apenas determinados isótopos servem ao tratamento 
farmacológico de transtornos depressivos no cérebro humano. 
	
  
	
   19	
  
 
Contudo, afirmar que somos “máquinas quânticas”, além de 
perturbar o ânimo dos cegos que negam e dos cegos que deliram 
diante da palavra “quântico”, também induz ao erro de que há algo 
especial, de “mágico” no fato de os seres vivos operarem no 
hipercontexto. É como dizer que o corpo humano é uma “máquina do 
tempo”, já que “viajamos” no tempo, indo do passado em direção ao 
futuro. 
Ocorre que os organismos vivos operam no hipercontexto com a 
mesma naturalidade com que operam no tempo e nas três dimensões 
espaciais – pois tudo isso são aspectos de um só ambiente em que 
toda forma de vida nasce, cresce e morre. O hipercontexto é agente 
indissociável da vida orgânica, desde sua origem até os ecossistemas 
mais complexos nos dias de hoje. 
A ORIGEM DA VIDA 
É digno de nota que a primeira característica fundamental da vida 
orgânica foi a capacidade de replicar-se nos antigos oceanos e assim 
reproduzir, no âmbito do espaço tridimensional (um contexto) algo que 
ocorre com qualquer partícula no âmbito do hipercontexto: a dispersão 
contínua de uma só coisa em diferentes estados e posições 
	
  
	
   20	
  
(manifestação da entropia). É como se, de certo modo, as primeiras 
moléculas replicantes, que dariam origem à vida, criassem um segundo 
nível, subsidiário, de dispersão de uma só coisa (solve), aninhando 
num só contexto inicial um fenômeno existente para além de todos o 
contextos. 
Também é notável que outra característica da vida orgânica seja 
a capacidade de lidar com a entropia utilizando-a a seu favor para 
produzir a energia necessária a sua manutenção. Na verdade, a origem 
da vida está associada à existência do hipercontexto. 
E, no âmbito do hipercontexto, em que múltiplas possibilidades 
de configuração do meio ambiente coexistem, a natureza ensaia 
estratégias de sobrevivência que permitam adaptar-se e beneficiar-se 
das múltiplas realidades alternativas. Na produção de energia das 
bactérias, na fotossíntese das plantas, na orientação visual de aves, 
no sistema nervoso dos animais complexos, a natureza está sempre 
ensaiando novas formas de tirar proveito das múltiplas tramas de 
realidade, que emergem continuamente com o entrelaçamento de 
todos os seres e partículas. No fundo, trata-se um objetivo não muito 
diferente das diversas estratégias que a vida orgânica cria, pela 
evolução, para obter energia do ambiente circundante. 
Perceba-se, antes de tudo, que a evolução, ao desenvolver 
progressivamente o sistema nervoso em animais complexos como o 
ser humano, buscava apenas desenvolver mais um órgão útil para a 
sobrevivência do organismo. Perceba-se, também, que se tratava, 
neste nível de complexidade, de um desafio bem maior do que aquele 
de obter energia solar da forma mais eficiente a cada segundo: o 
desafio consistia em fazer um organismo complexo operar num 
ambiente em constante ramificação em novas tramas de realidades. 
Em outras palavras, seria útil um órgão que representasse com 
acuidade as características mais importantes do ambiente circundante, 
de forma que o organismo pudesse operar no hipercontexto 
	
  
	
   21	
  
encontrando alimento, defesa e meios de reprodução. Esse órgão é o 
cérebro. 
Usando uma comparação quase metafórica, assim como a folha 
da mais simples planta escolhe em cada trama de realidade o trajeto 
mais eficiente para a fotossíntese, o sistema nervoso central dos 
animais complexos seleciona informações sensoriais da trama com a 
qual pode interagir a cada instante, e faz isso para obter nutrientes, 
encontrar oportunidades de reproduzir-se e evitar ameaças. 
O desenvolvimento desse sistema nervoso resultou no 
aprimoramento da capacidade decisória do organismo vivo diante de 
cada situação presente num contexto específico, de forma a responder 
ajustadamente aos inúmeros futuros alternativos que continuamente 
emergem. Uma estratégia adotada pela natureza de “dividir (o 
hipercontexto em contextos) e conquistar”. 
Nesse momento, algumas coisas já devem ser óbvias ao leitor. 
Podemos imaginar a natureza optou, em outras formas de 
organização da vida, por lidar com a realidade do hipercontexto de 
outras formas, isto é, sem essa segmentação feita pela consciência dos 
animais complexos. O fato de que a vida vegetal adotou uma estratégia 
peculiar e distinta da nossa é um indicativo claro dessa possibilidade. 
E, de fato há, ao nosso redor formas de vida insuspeitas, que se 
desenvolveram estabelecendo uma relação distinta com o 
hipercontexto. Mas esse não é o tópico nesta parte de nosso 
aprendizado, e será abordado mais detidamente no futuro, na ocasião 
em que se tratará das implicações factuais e históricas do 
hipercontexto. 
Nesta etapa, o que importa é começar a desvendar quem somos 
a partir da percepção de que nosso cérebro é um órgão criado 
evolutivamente para operar no âmbito de múltiplas realidades 
	
  
	
   22alternativas. E nisso não é em nada diferente das organelas que 
realizam a fotossíntese numa couve-flor. 
CONSCIÊNCIA E HIPERCONTEXTO 
Se você perguntasse a um discípulo de Newton (pai da Física 
clássica) o que é consciência humana, ele apresentaria uma mesa de 
bilhar. Nessa mesa, colocaria dezenas de bolas. A seguir, ele explicaria 
que, se uma das bolas for impulsionada de encontro às outras, e 
souber-se a exata posição inicial de cada uma, bem como as demais 
condições físicas de todo o sistema, seria possível descrever todos os 
movimentos subsequentes de todas as bolas a partir do primeiro 
choque, bem como sua posição no próximo segundo, no próximo 
minuto e assim por diante. É um sistema determinístico, onde 
cada instante seguinte pode ser deduzido das condições do 
instante antecedente. Além disso, também seria possível descrever 
todos os movimentos na mesa de bilhar no sentido inverso, voltando 
até o impulsionamento da primeira bola – pois, nesse sistema, o tempo 
é reversível. 
Da mesma forma, continuaria o discípulo de Newton, se fosse 
conhecida a condição exata de todos os elementos constituintes de seu 
cérebro e de todas as variáveis determinantes nos processos cerebrais, 
seria possível prever seus pensamentos no próximo minuto, nos 
próximos dez minutos e no dia seguinte. Seria possível, também, 
descobrir o que você pensou no passado. Na verdade, sequer se 
poderia falar que você “pensou” em algo, pois a consciência seria 
apenas um subproduto irrelevante e colateral (um epifenômeno), dos 
movimentos na mesa de bilhar que é seu cérebro. 
Mas sabemos que essa mesa de bilhar não é uma mesa de bilhar 
– é um conjunto de funções de onda composto por cada um de seus 
elementos constituintes, ela é, na verdade, a sobreposição de vários 
possíveis estados da mesa de bilhar, situada no hipercontexto. E 
sabemos, pela Equação de Schrödinger, que o hipercontexto não é 
apenas determinístico – ele é hiper determinístico, pois todas as 
	
  
	
   23	
  
probabilidades de futuro realizam-se em vários encadeamentos causais 
simultâneos. 
Também sabemos que a noção de separação do universo em 
realidades alternativas não é algo inerente ao mundo exterior, mas um 
recorte da realidade feito pelo organismo – uma maneira de a vida 
orgânica segmentar sua interação com o meio ambiente do 
hipercontexto. É o que um pé de alface faz todos os dias. Trata-se, em 
síntese, de uma estratégia evolutiva. Como Andreas Whichert diria, 
esse é um processo de homeostase do organismo no âmbito das 
múltiplas realidades coexistentes. 
Não é sem razão que o físico russo Michael Mensky, membro 
do Instituto de Física Lebedev, decidiu definir consciência como sendo 
nada mais que A separação de realidades alternativas e coexistentes. 
Em outras palavras, diante da coexistência de informações visuais 
conflitantes no momento em que um pesquisador num laboratório abre 
a caixa em que está o gato de Schödinger, a fim de descobrir se ele 
está vivo ou morto, sua consciência inicia uma separação de 
percepções que acompanhará as duas versões do pesquisador no 
caminho até sua casa após o expediente: em uma dessas versões, irá 
enterrar o gato no jardim; em outra, dará de comer ao animal. 
Nesse exato momento, começam a surgir linhas de 
investigação teóricas e práticas que, não sem tropeços, comprovarão 
que o cérebro humano também opera no âmbito do hipercontexto. Ou 
seja, o cérebro humano utiliza-se do continuum de realidades 
alternativas pois é para essa função que primordialmente foi 
evolutivamente criado pela natureza. 
E foi a partir da descoberta desse fato que o respeitado biologista 
Stuart Kauffman Percebeu a relação existente entre o binding 
problem e o entrelaçamento fundamental das tramas de realidade. 
	
  
	
   24	
  
O binding problem é um problema enfrentado pelas ciências da 
mente e pode ser descrito da seguinte maneira: se um observador vê 
um elefante vermelho diante de si, sua mente conecta as definições de 
“elefante” e de “vermelho”, que são armazenadas em regiões distintas 
do cérebro (na verdade, pelo sistema da segregação funcional, é um 
pouco mais complexo que isso, mas vamos manter o exemplo simples), 
para processar a ideia de que está vendo um elefante vermelho. 
Porém, se o elefante vermelho estiver montado por um macaco de 
chapéu, agora o observador precisa conectar mais três informações de 
regiões distintas de seu cérebro (a que está “macaco”, e a que está 
“chapéu”, a que está “montado”) e estabelecer conexão entre esses 
cinco elementos entre si (“elefante”, “vermelho”, “macaco”, “chapéu” 
e “montado”). 
O problema é que, no mundo real, o observador não veria só um 
elefante amarelo montado por um macaco: ele receberia 
simultaneamente inúmeras informações sensoriais sobre o ambiente 
circundante, informações que estão continuamente mudando a todo 
instante. Na verdade, informações que não só chegam a cada 
momento, mas que estão sobrepostas em várias versões alternativas 
do macaco, do elefante e do ambiente no hipercontexto. E é preciso 
unir tudo isso numa percepção imediata do mundo que seja 
consistente. 
Ocorre que é o entrelaçamento estabelecido entre as 
informações contidas em regiões distintas do cérebro e determinada 
trama de realidade que inicia essa separação, realizada pela 
consciência, entre a percepção de diversas tramas coexistentes. Isso 
tudo ocorre de forma muito rápida e consistente, em frações de 
milissegundos, numa velocidade capaz de rivalizar com a velocidade 
do processo de fotossíntese. Essa é a mesma conclusão a que chegou o 
neurocientista Danko Georgiev, e a dinâmica pode ser expressa na 
seguinte formulação de Matthew J. Donald, membro do Departamento 
de Física da Universidade de Cambridge: 
	
  
	
   25	
  
“Quando um único indivíduo entra em contato com uma imagem 
pela primeira vez, todas essas diferentes possibilidades ocorrem, mas 
cada padrão diferente dos demais é visto por uma mente diferenciada. 
São mentes com o mesmo passado e o mesmo nome, mas que 
experienciam diferentes presentes e diferentes futuros, e que não tem 
forma de comunicar-se umas com as outras. A probabilidade de ver 
determinado padrão é determinada, pelo menos numa primeira 
aproximação, pela influência correspondente no estado quântico.” 
Como afirmou o físico israelense e professor do Departamento 
de Física de Berkley,Rafael Bousso, e o norte-americano Leonard 
Susskind, de Universidade de Stanford, aquilo que é percebido como 
“decoerência”, ou seja, a segmentação do hipercontexto em tramas de 
realidade, é algo subjetivo e dependente de escolhas nos graus de 
liberdade possíveis do meio ambiente circundante. 
O matemático Stuart Kauffman observou que, do ponto de vista 
computacional, há evidências de que o cérebro humano usa lógica 
segundo o formalismo quântico (o hipercontexto, de possibilidades 
coexistentes), e não segundo o formalismo da física clássica (a mesa 
de bilhar de Newton), o que é endossado pelo trabalho do físico da 
Universidade de Bruxelas, Diederik Aerts, e da psicóloga Liane Gabora. 
Ambos estudaram a forma como os seres vivos representam 
mentalmente sua interação com o hipercontexto: um organismo existe 
em estado de potencialidade (de manifestar-se no futuro imediato em 
várias versões alternativas de si mesmo) ao mesmo tempo em que o 
mundo exterior demanda, através de constantes estímulos, que esse 
organismo interaja com um único e determinado contexto de realidade. 
Como ambos afirmaram, esse contexto “induz uma mudança no 
estado cognitivo” do animal, “que o faz transitar de um estado de 
sobreposição” (múltiplas realidades coexistentes) para um “estado de 
colapso” (a impressão de que há uma só realidade definida, com a qual 
pode interagir). 
	
  
	
   26	
  
Em suma, enquanto você vive seu cotidiano, depara-se com 
decisões e fatos aleatórios que segmentam sua vida em vários futuros 
coexistentes, e sua mente segmenta a experiência de modo que cada 
versão de você vivencie apenas uma tramade realidade. 
Mas a natureza “escolheu” (figurativamente falando) não nos 
informar a respeito disso. Vivemos emergindo em realidades 
alternativas, realizando futuros potenciais, ramificando nosso destino 
conforme escolhas e eventos decisivos. Assim, a sua história pessoal 
não é uma linha de vida, mas uma árvore de vida. 
 
Como percebemos nossa vida. 
 
 
Como nossas vidas são. 
	
  
	
   27	
  
 
Porém, você ignora essa vivência contínua, e isso ocorre 
justamente porque ignorar esse fato é parte indissociável da função do 
órgão que é seu cérebro. A natureza não tem qualquer inclinação pela 
verdade: a natureza tem inabalável inclinação pela sobrevivência e 
reprodução do organismo. A função de nossa consciência não é 
perceber a verdade sobre o mundo ao redor, mas possibilitar que nosso 
organismo interaja apropriadamente com aquele contexto de realidade 
no qual pode obter alimento, abrigo e reprodução – e do qual podem 
surgir efetivos riscos à sua sobrevivência. Sua consciência produz a 
separação de “tramas de realidade” assim seu o fígado produz bile. 
O MODELO MENTAL QUE 
TOMAMOS POR REALIDADE 
Na verdade, é incorreto supor que a consciência humana é 
destinada a tentar perceber a verdade sobre a realidade circundante. 
Ela é um órgão, e como tal sua função é fornecer ao organismo uma 
descrição acurada de aspectos da realidade circundante que importam 
para sua sobrevivência. A natureza não se inclina à verdade, mas à 
sobrevivência e reprodução de si mesma. Ademais, na economia da 
natureza, informações inúteis para seus fins não precisam ser 
processadas e armazenadas pelo organismo. Eis o motivo pelo qual 
não vemos as ondas de rádio que passam por nós nesse exato 
momento, ou não ouvimos sons abaixo de determinada frequência. 
O filósofo alemão Thomas Metzinger, especialista no estudo 
sobre a consciência e identidade humana, recentemente demonstrou 
que o cérebro de um organismo consciente constrói a cada instante um 
modelo do mundo exterior. Essa é uma atividade incessante, e 
reconhecida pela neurobiologia, pois a cada instante a consciência é 
inundada por uma torrente de informações sensoriais sobre o mundo 
circundante e a cada um desses instantes precisa organizar essas 
	
  
	
   28	
  
informações de forma a construir um modelo coeso e compreensível 
desse mundo. 
E isso é feito a uma velocidade impressionante, tal como a 
velocidade da transmissão de energia na fotossíntese. Afinal, a cada 
segundo pode surgir um predador ou outro tipo de ameaça à 
sobrevivência. 
Com base nessas informações sensoriais, nosso cérebro cria um 
simulacro de realidade no qual sentimos que estamos inseridos. Como 
diz Metzinger, “o modelo global de realidade construído por nosso 
cérebro é atualizado com tanta velocidade e consistência que de regra 
não o vivenciamos como um modelo”, mas como a realidade em si 
mesma. Por isso a resistência humana em aceitar o hipercontexto é 
tão ou mais forte do que a de aceitarmos que a Terra em que pisamos 
não é plana, mas faz parte de uma esfera que flutua no espaço sem 
“lado para cima” e “lado para baixo”. Para nós, “a realidade fenomenal 
não é um espaço simulado construído por nossos cérebros”, mas o 
mundo real. “De uma forma direta e intranscendente enquanto 
experiência, trata-se do mundo em que vivemos”. 
 
	
  
	
   29	
  
Você olha ao seu redor e acredita que está presenciando a 
realidade, o mundo no qual está inserido. Mas, na verdade, está 
percebendo um modelo de mundo criado dinamicamente por seu 
cérebro, através do qual pode interagir com os outros seres ao seu 
redor. Graças a um processo baseado no princípio da segregação 
funcional, áreas diferentes de seu cérebro constroem em sua mente 
(utilizando padrões de ativação das colunas thalamocorticais), a cada 
fração de segundo, esse simulacro eficiente de realidade consensual 
que você compartilha com todos os outros humanos e demais seres 
vivos que estão entrelaçados na mesma trama de realidade em que 
você está inserido. 
 
Esse modelo de realidade, nos organismos mais evoluídos, é 
ainda mais complexo: ele inclui um modelo também de self, de si 
mesmo. Um modelo de identidade, de individualidade, que é criado 
dentro aquele outro modelo de mundo, fornecendo à sua consciência 
a percepção de que alguém vive sua vida. 
Esse modelo de identidade é você. Ao menos em parte. Assim, a 
pergunta inicial começa a ser respondida. 
QUEM É VOCÊ (EM UM CONTEXTO) 
	
  
	
   30	
  
Então, quem você é? Qual é sua identidade? A resposta 
dependerá dos limites do enquadramento que fizermos do 
hipercontexto. 
No enquadramento de uma trama de realidade percebida por sua 
consciência, você é um modelo de identidade pessoal criado e inserido 
no modelo de mundo que seu cérebro constrói dinamicamente a cada 
segundo ao segmentar o hipercontexto em contextos separados. Esse 
modelo de identidade pessoal testemunha a vida de uma perspectiva 
de primeira pessoa, e ele é o que denominamos de ego. 
O ego trouxe grandes vantagens evolutivas aos organismos 
complexos. Metzinger considera-o uma verdadeira arma, 
“desenvolvida na corrida armamentista cognitiva” que há entre os 
seres vivos. É “como um instrumento ou órgão abstrato, inventado e 
constantemente atualizado pelo sistema biológico” que o sustenta. 
Portanto, você é uma dentre várias identidades do mesmo 
organismo, coexistentes no hipercontexto, cada qual vivendo em um 
destino específico, dentro de uma moldura de realidade. Seu cérebro 
está constantemente atualizando esse modelo que você sente como o 
mundo real ao seu redor. Seu cérebro está constantemente contando 
para você próprio uma narrativa sobre quem você é e onde está. No 
centro desse modelo, há um modelo de identidade pessoal – o seu ego. 
Mas essa narrativa não é individual, tampouco é meramente 
humana. A narrativa sobre a trama de realidade em que você está não 
é contada apenas pelo seu cérebro a cada instante, mas também pelo 
cérebro das pessoas ao seu redor. Tais narrativas de cada indivíduo 
são complementares, e reforçam-se mutuamente. Assim, o que há é 
uma enorme teia de narrativas contadas por todos ao seu redor. 
E isso não inclui apenas os seres humanos, mas também todos 
os animais desenvolvidos, que a natureza também decidiu dotar de um 
cérebro que segmenta realidades e cria modelos de mundo e 
	
  
	
   31	
  
identidade pessoal em maior ou menor grau (nem todo chegam a 
desenvolver um ego, mas desenvolvem ao menos uma noção 
rudimentar de identidade pessoal). Na clareira de uma floresta, tanto 
o leopardo faminto como sua vítima humana compartilham uma 
narrativa coletiva de terá fatais consequências para um deles – suas 
narrativas são complementares, estão “entrelaçadas”. 
Essa é uma forma de organização ecossistêmica que há no 
âmbito do hipercontexto, nada diferença em funcionalidade que o 
ecossistema no qual trocamos nutrientes e outras substâncias com um 
conjunto de seres vivos. Mas esse é um ecossistema de informação. 
Todos os seres vivos evoluídos estão narrando a mesma história uns 
para os outros, “encenando-a” dentro de modelo simulado de realidade 
que existe dentro dos seus cérebros. 
A noção que você tem sobre quem é, onde está e o que está 
vivenciando neste momento é um modelo construído por seu cérebro 
a cada instante, à medida que você flui pelo hipercontexto, 
segmentando sua vida em caminhos diferentes diante de cada decisão 
ou acaso que estabelece novas probabilidades de viver – e ao mesmo 
coexistindo com versões alternativas de você que estão exatamente 
aqui, neste espaço no universo. Mas com essas múltiplas versões você 
não pode interagir, pois elas não pertencem ao contexto de 
entrelaçamento com o qual você é pode de interagir. 
Poderíamos dizer que é como se a natureza tivesse decidido, por 
questões evolucionárias, adotar a estratégia de “nos enganar” a todo 
momento, fazendo-nos ignorar o hipercontexto em que vivemos e a 
constante emergência de novos futuros ao qual reagimos coma divisão 
de nossa identidade em versões alternativas. 
Mas falar assim seria pressupor de que a natureza tem alguma 
obrigação de nos apresentar a verdade. E isso seria um raciocínio 
invertido. A natureza é que nos criou para uma função específica em 
relação ao nosso organismo: operar em determinado contexto, em 
	
  
	
   32	
  
determinada trama de realidade. Para isso, elas municiou-nos com um 
sistema sensorial capaz de fornecer informações para que o cérebro 
construa um modelo minucioso e dinâmico de mundo. 
Assim, o modelo continuamente construído ignora qualquer 
informação sobre a realidade que não apenas seja inútil para nosso 
contexto de sobrevivência (por isso não vemos, entre outras coisas, 
luz infravermelha) mas também estruturalmente prejudicial para a 
estratégia evolutiva que foi adotada. 
Por isso é que facilmente nos distraímos da pergunta sobre quem 
somos, apesar de sua auto evidente importância, e temos dificuldade 
de encontrar a resposta: somos vocacionados à ignorância. Na 
verdade, expondo de forma mais exata, somos vocacionados a ter um 
conhecimento seletivo sobre as coisas, em que há zonas delimitadas 
por uma ignorância estrutural. A ignorância estrutural decorre do fato 
de que, evolutivamente, fomos criados para operar como um modelo 
de identidade pessoal, ou seja: o ego existe para acreditar que é 
alguém que vive uma vida. Responder de fato à pergunta é contrário 
à programação evolutiva. 
Nesse momento, o leitor pode objetar que o conhecimento desse 
fato pode legitimar o suicídio ou a algum tipo de desestruturação da 
identidade humana, com graves consequências. Em relação ao 
suicídio, futuramente será demonstrado porque o matar-se é 
realmente uma péssima ideia no âmbito do hipercontexto. Quanto à 
outra objeção, convém lembrar que deixar de ter um ego, de vivenciar 
o mundo com uma identidade pessoal, é quase tão impossível para 
qualquer um quanto seria impossível a você desligar seu cérebro e cair 
morto neste exato momento simplesmente decidindo parar de pensar 
e tentando interromper qualquer atividade neurológica. Você é esse 
modelo de identidade que acredita viver sua vida, e continuará sempre 
sendo esse modelo de identidade. 
	
  
	
   33	
  
Além disso, esse sistema é reforçado por um sistema maior, a matriz 
em que você vive, e cujo entendimento perceberá que respondamos 
com mais profundidade ainda à pergunta “Quem é você”. 
A MATRIZ EM QUE VOCÊ VIVE 
A evolução é emergente. Isso já reconhecia Alfred Russell 
Wallace, amigo de Darwin e um dos formuladores da teoria da 
evolução. E por “emergência” tem-se algo muito simples: é o contrário 
da linearidade. Na linearidade, o todo é igual a simples soma de suas 
partes. Na emergência, o todo é mais que a soma de suas partes. 
Isso é perfeitamente claro quando colocamos da seguinte forma: 
podemos empilhar ao lado do animal todas as substâncias inanimadas 
que compõem seu organismo, desde todo o carbono e minerais até as 
moléculas de água. Porém, esse conjunto de elementos empilhados 
não será semelhante ao animal, da simples concatenação das partes 
não resulta o todo. O animal é algo mais, possui propriedades de 
termodinâmica e reprodução que os elementos inanimados não tem. 
O que diferencia o animal daquele conjunto de elementos 
empilhados é a organização e interação desses elementos em uma 
determinada ordem: é informação. Não somos exatamente as células 
do nosso corpo, que morrem aos milhões a cada minuto. Somos a 
informação que é transmitida às novas células que constantemente são 
produzidas pela meiose. 
Dessa perspectiva, tudo o que a vida orgânica faz neste mundo 
é reproduzir um sistema de informação consistente na sequência de 
DNA: não é a molécula de DNA que se transmite, mas a informação 
representada por uma configuração determinada de encadeamentos 
de bases nitrogenadas. Não é um objeto, mas uma informação 
ordenativa que tem como suporte um conjunto de objetos. Isso ocorre 
mesmo nas bactérias primitivas. 
	
  
	
   34	
  
A evolução é inerentemente emergente, e tende a produzir 
sistemas de informações de nova ordem no curso da adaptação. Da 
mesma forma, como diria Julian Jaynes, a consciência humana é 
emergente, e não pode ser resumida como o mero conjunto de 
neurônios de um cérebro humano. No desenvolvimento desse órgão 
evolutivo destinado a ajudar o organismo a operar no hipercontexto, 
emergem estruturas de informação de maior nível de complexidade. 
A consciência humana é resultado dessa emergência – neste 
momento, ela começa a reconhecer sua função de segmentar 
realidades e passa a ir além dessa função. Paralelamente, no âmbito 
do hipercontexto, a rede de representações de realidade passa a ir 
além do contexto onírico em que vivem os animais primitivos e 
desenvolve um sistema altamente organizado e superior de 
consciência ao qual nossos egos (nossas representações de realidade 
e identidade pessoal vinculadas a uma trama de realidade específica, 
a um contexto) não têm acesso. 
Do outro extremo da história evolutiva outros sistemas de 
informação, mais abstratos, desenvolveram-se. No cérebro dos 
organismos mais complexos, há sistemas de informação que, na 
terminologia de Metzinger, constroem e atualizam dinamicamente uma 
representação da realidade que o animal considera ser o mundo real. 
Em organismos mais desenvolvidos, desenvolveu-se dentro dessa 
representação um modelo de identidade pessoal que trouxe enormes 
vantagens evolutivas. No ser humano, esse modelo é chamado de 
“ego”. 
Mas para além desse sistema de representação de realidade no 
qual se inseriu uma representação de identidade pessoal, de ego, há 
um sistema de informação que é o princípio organizativo de todas as 
representações de realidade realizadas pelo cérebro no hipercontexto. 
Surgem desse sistema novas representações de realidade e identidade 
para cada realidade alternativa em que uma versão do mesmo 
organismo passa a viver. 
	
  
	
   35	
  
Não estamos sozinhos apenas no sentido de que, no presente 
contexto em que estamos todos vivos, nessa trama de realidade que 
nos cabe viver, compartilhamos da mesma narrativa coletiva e 
entrelaçada. Também no âmbito do hipercontexto participamos de 
outros tipos de narrativas, que são subjacentes a certos processos 
também resultantes de escolhas evolucionárias. 
Falar em narrativas, claro, é falar em estruturas informacionais 
que estão em constante transmissão e atualização diante das 
mudanças no meio ambiente. E as mudanças no meio ambiente estão 
intrincadamente associadas ao fluxo das possibilidades no 
hipercontexto. Assim como os vários organismos vivos compartilham 
de um mesmo ecossistema informacional no âmbito de determinado 
contexto, a consciência de um só indivíduo, continuamente fluindo pelo 
hipercontexto e segmentando-se em realidades alternativas, depende 
de um mínimo de coesão informacional. 
Segure uma moeda em suas mãos. Ela não é só uma moeda, 
mas uma convergência de potenciais estados de ser da mesma moeda. 
Atire-a no chão. Num ambiente determinado pela aleatoriedade 
fundamental do mundo das partículas, a moeda cairá com as faces cara 
e coroa voltadas para cima, em realidades sobrepostas e coexistentes. 
As realidades potenciais até então convergentes passaram a divergir. 
Mas seu cérebro apenas processa uma só informação: ou cara ou 
coroa. O modelo de realidade precisa ser imediatamente atualizado. 
Portanto, além de escolhas evolutivas terem resultado num 
modelo de identidade pessoal (ego) aninhado no modelo de mundo 
construído a cada instante pelo cérebro, um modelo ou sistema 
informacional de ordem superior precisa existir, a fim de organizar e 
promover a construção de novos modelos de identidade e de mundo à 
medida que os futuros potenciais se concretizam diante do mesmo ser 
vivo. 
	
  
	
   36	
  
Michael Lockwook chamou esse modelo superior de “Mente” 
(Mind), com inicial maiúscula, para distinguir das “mentes” (minds) 
que habitavam cada uma das realidadesalternativas. M. B. 
Menski chamou-a de “super-consciência” (super-consciousness), para 
distinguir das consciências que acompanhavam a ramificação do 
momento presente em vários caminhos futuros. No ambiente em que 
essas verdades foram transmitidas antes de serem apresentadas ao 
leitor, é denominado de “Eu Profundo”. 
Porém, cada um de nós tem ideias pré-concebidas do que seria 
“mente”, “consciência” e “eu”. Por outro lado, é mais fácil entender o 
que é um sistema de informação ou de rede. 
O modelo informacional de rede é tão arcaico na natureza quanto 
o processo quântico de fotossíntese. Bactérias primitivas 
estabelecem redes de informação por meio de canais de íon para 
otimização da colônia bacteriana, e pesquisadores notaram 
recentemente sua semelhança com redes neuronais. Nas florestas, 
árvores distantes estabelecem entre si uma rede de 
comunicação graças à simbiose com fungos (mycorrhiza), prevenindo 
a ação de patógenos e fortalecendo as defesas do sistema como um 
todo. 
A capacidade de sonhar dos répteis, bem como de todos os 
mamíferos, deixa evidente que essa rede de informação que funciona 
no âmbito do hipercontexto, abrangendo todas as representações de 
realidade de um só organismo, existe há muito tempo, mesmo que de 
forma rudimentar. Sim, como se verá adiante, a atividade onírica é 
fundamental para a existência dessa rede e um dos indícios de sua 
existência em um organismo vivo. O ponto importante neste momento 
é que essa rede tem por função original a homeostase do organismo 
no âmbito de um universo em que múltiplas realidades alternativas 
coexistem e o cérebro evoluiu optando por segmentar a representação 
de cada uma dessas realidades. Nisso, em nada é diferente do processo 
	
  
	
   37	
  
de homeostase que mantém o equilíbrio da temperatura corporal em 
condições ambientais variáveis. 
Portanto, em posição hierárquica superior ao “mundo” construído 
dinamicamente pelo seu cérebro para representar uma só trama de 
realidade, há uma rede de informação sustentada dinamicamente por 
sua mente para descrever todas as tramas de realidade em que 
versões de você estão vivendo neste momento. A essa rede situada no 
hipercontexto daremos o nome de Matriz, por analogia à matriz celular 
que une as células de um mesmo indivíduo. Essa Matriz é inacessível 
ao seu ego, mas une a consciência de todas as versões suas que 
existem em diversas realidades alternativas. 
E nos organismos ainda mais complexos e desenvolvidos, se por 
um lado a construção de uma identidade pessoal, o ego, trouxe 
vantagens evolucionárias, por outro o desenvolvimento de uma 
identidade superior e operante na Matriz representou também foi um 
desenvolvimento importante. 
Em outras palavras, assim como há uma identidade pessoal 
construída dentro do modelo de mundo que representa uma só trama 
de realidade, existe um centro coordenador e organizador dentro da 
Matriz a que você pertence. 
É nesse momento que reformulamos a pergunta “Quem é você?”. 
QUEM É VOCÊ (NO HIPERCONTEXTO) 
No âmbito de um contexto determinado, da trama de realidade 
em que você lê estas palavras, você é um modelo de identidade pessoal 
plasmado por seu cérebro e inserido no centro da representação de 
realidade que dinamicamente ele constrói a cada fração de segundo. 
Você só existe enquanto personagem dessa representação em cada 
instante presente – você não existe no futuro nem no passado, mas 
unicamente aqui e agora. Sua mente conta incessantemente uma 
	
  
	
   38	
  
narrativa que relata qual seu passado, qual sua identidade e onde você 
está. E essa narrativa é reforçada por todos ao seu redor que 
compartilham da mesma experiência, que estão entrelaçado na mesma 
trama. 
Isso é seu ego, no âmbito de um contexto. 
Porém, para além dessa trama de realidade, no âmbito do 
hipercontexto que abarca todas as tramas de realidade em que você 
vive versões alternativas de sua vida, você é uma rede de informação, 
a Matriz, constantemente sustentada e coordenada por uma 
inteligência central, a sua “identidade superior”. 
Essa identidade superior, que está além de todas as suas 
identidades pessoais coexistentes, opera no 
hipercontexto consciente do hipercontexto, e por isso é uma forma 
de consciência suprior. Para constratar com o ego, chamamos essa 
hiper identidade de Self. 
Você também é o Self, no âmbito do hipercontexto. 
 
É inviável ao ego (a qualquer ego de qualquer realidade 
alternativa em que você viva) acessar diretamente ao Self. Isso 
	
  
	
   39	
  
representaria, no atual estágio evolucionário, a própria 
desestruturação do ego e uma genuína forma de morte, já que o ego 
é estruturado pela própria segmentação da identidade em um contexto 
específico. Quem vivenciou o rompimento dos limites entre ego e Self 
percebe o impacto da experiência, impacto esse nem sempre benéfico. 
Como diz a fábula hebraica, dos quatro homens que visitaram o Jardim 
do Éden, o primeiro morreu, o segundo enlouqueceu, o terceiro se 
encheu de fúria e só o quarto conseguiu entrar e sair em paz. 
A CARTOGRAFIA DE QUEM VOCÊ É 
Você é ego, Matriz e Self – um indivíduo, uma rede de indivíduos 
e uma consciência superior. 
Ao longo da história, várias tradições de pensamento tentaram 
descrever a verdade sobre a identidade humana. No budismo, o ego é 
percebido como uma forma de ilusão condicionada pelo desejo (as 
pulsões animais instintivas) e pela ignorância (a incapacidade de 
perceber a própria identidade e o mundo tal como são). No hinduísmo, 
crê-se na natureza ilusória da identidade, enredada no sonho de Maya, 
a grande tecelã de realidades. Mesmo nas religiões ocidentais há a 
descrição de um eu condicionado, cujos desejos devem ser submetidos 
ao exercício da humildade, se quiser fortalecer sua conexão com uma 
potência superior. 
Da mesma forma, outros mitos e lendas de nossos antepassados 
tentaram delinear, de maneira rudimentar, alguns aspectos gerais da 
Matriz em que cada um de nós está inserido. Afinal, todas as noites, 
ao sonharmos, visitamos esse território, e é natural que nossos 
ancestrais intuíssem algo sobre sua existência e natureza. 
Na verdade, desde tempos imemoriais a humanidade tenta criar 
mapas para descrever esse território em que todos estamos inseridos 
e que visitamos todas as noites, ao sonharmos. Os primeiros mapas 
eram simples, e em geral todos eram inexatos. Pior ainda, com 
	
  
	
   40	
  
frequência o mapa era confundido com o território, dando gênese à 
dogmas e religiões organizadas. 
Ocorre que, neste momento, alterações abruptas estão 
ocorrendo no mundo, e ameaças desconhecidas insinuam-se no 
horizonte da humanidade. Essa situação é emergencial, e exige que 
compreendamos aspectos mais amplos desse território chamado 
Matriz, bem como da natureza do Self e da função do ego nesse 
sistema. 
A humanidade precisa, em suma, de uma cartografia mais 
precisa e descritiva, que nos permita adaptar com rapidez e eficiência 
o sistema cognitivo e decisório que herdamos de nossos antepassados, 
sem corrermos o risco de confundir o mapa com o território. 
No século XX, felizmente, alguns cartógrafos começaram a 
analisar esse território e a descrever sua topografia de forma mais 
precisa. Seus nomes são C. G. Jung, Julian Jaynes e Mircea Eliade. O 
mapa elaborado por esses cartógrafos será objeto de nosso próximo 
texto, que será menos árido e técnico do que este. Na verdade, ele 
terá a cor e fluidez dos sonhos humanos. 
 
	
  
	
   41	
  
 
PARTE DOIS 
Há cerca de três mil anos, uma revolução silenciosa começou no 
ocidente, em pequenas cidades-estados de uma península ao sul da 
Europa. Talvez tenha sido a maior revolução da humanidade, nascida 
não em meio a sangue e fogo, mas com teoremas e geometria. Tal foi 
seu impacto que até hoje ela transforma e determina nosso futuro. 
Essa revolução foi o nascimento da Razão. 
Uma nova forma de consciência emergiu, um embrião que já 
havia sido concebido quando nossos ancestrais criaram as primeirasferramentas, inventaram a primeira linguagem e assim abandonaram 
o sono em que vivem os outros animais. Persistente e viral, essa forma 
de consciência testemunhou o surgimento do cristianismo, sonhou a 
Idade Média, despertou na Renascença e proliferou-se na Revolução 
Industrial. Diante de seu avanço, tronos, templos e visões de mundo 
tombaram. 
Novas formas de governo e sistemas econômicos sucederam a 
antigos paradigmas. Mas também se criaram armas capazes de 
exterminar toda a humanidade. Mal se investigou o átomo e já se 
forjaram maneiras de destruir todo o Planeta. A humanidade 
enlouqueceu diante de ideologias e totalitarismos, e quase não 
percebeu que, ao olhar para o mundo das subpartículas, havia feito 
sua maior descoberta. 
Delirante e amedrontada diante da responsabilidade que é 
despertar do sono animal, a civilização flerta com a destruição do meio 
ambiente e com o fundamentalismo. Ansiedade, depressão e síndrome 
pânico tornam-se quase epidêmicos numa sociedade em que os 
antigos paradigmas são questionados. Ao mesmo tempo, a Revolução 
Tecnológica acena com um amanhã sem precedentes, capaz de 
	
  
	
   42	
  
redefinir a própria natureza humana num mundo de milagres 
cotidianos. 
No ápice desse processo de transição está você, leitor. Está toda 
a sociedade atual, posicionada bem no início da maior transformação 
da história humana. A humanidade abre seus olhos, desperta ainda 
mais de seu sono. Este é um momento decisivo. Quem voltar a 
adormecer não passará pelo grande filtro que divide a obsolescência 
da evolução. 
E, diante de nós, está o grande Problema Humano. O principal 
obstáculo a ser enfrentado por cada indivíduo consiste em viver no 
mundo atual, complexo e dinâmico, utilizando um sistema 
cognitivo/decisório que foi útil aos nossos antepassados, mas que hoje 
se revela desatualizado, em crise. 
Depressão, ansiedade, pânico, desigualdade social, fanatismo, 
desastres ecológicos, terrorismo: tudo isso são reflexos de um só 
problema, que deve ser solucionado mediante a reestruturação desse 
sistema cognitivo/decisório. A reestruturação exige que se conheça a 
estrutura desse sistema, exige um mapa para entendê-lo. 
No texto anterior, primeira parte da segunda etapa do processo 
de aprendizado, já foi exposto em detalhes o Problema Humano e 
quem você realmente é. O texto foi denso para permitir a separação 
do joio do trigo, o leitor casual do leitor comprometido. Feita a 
separação (outros filtros virão), podemos prosseguir na parte final da 
segunda etapa, em que será apresentado o mapa que permitirá 
entender esse sistema cognitivo/decisório a ser remodelado por cada 
um de nós. Porém, antes se oferece uma oportunidade de 
recapitulação, sempre útil para fixar conceitos já aprendidos. 
SÍNTESE DO QUE JÁ FOI APRESENTADO 
1. A descoberta mais importante da humanidade: 
	
  
	
   43	
  
Como vimos na primeira e segunda partes da primeira etapa, a 
ciência descobriu que o universo em que vivemos não é o que 
pensamos ser, da mesma forma que a Terra não é plana como nossos 
antepassados supunham. O universo é o que se convencionou chamar 
de hipercontexto, o local em que todas as realidades prováveis 
coexistem simultaneamente, em sobreposição, cada qual distinta das 
demais pelo entrelaçamento de seus elementos. 
No mesmo universo, portanto, existem múltiplas realidades 
alternativas. E novas realidades alternativas emergem a cada 
momento. 
Não chamamos essas múltiplas realidades coexistentes de 
“universos paralelos” (nem o hipercontexto de “multiverso” ou “muitos 
mundos”), por tratar-se de denominação que induz ao erro de supor-
se que há uma rigorosa separação entre tais realidades. Prefere-se 
chamar alternadamente de “realidades alternativas”, “contextos” ou 
“tramas de realidade”, nome esses que se referem a uma mesma coisa 
e que são, portanto, intercambiáveis. 
Tais nomes se alternam, porém, por fins didáticos, pois cada qual 
ressalta um aspecto conceitual específico dessa mesma coisa. Assim, 
“realidade alternativa” salienta a multiplicidade de realidades que há 
no hipercontexto, na qual nenhuma é mais verdadeira que a outra; já 
“trama de realidade” ressalta o entrelaçamento inerente a todas as 
coisas e seres que existem em cada uma dessas realidades; por fim, 
“contexto” realça a natureza circunstancial dos parâmetros escolhidos 
para distinguir uma realidade de outra – pois, na verdade, não há 
qualquer separação: todas habitam o mesmo universo, todas existem 
aqui e agora. 
No âmbito humano, o destino de cada um de nós é ramificado 
em vários caminhos desde o nascimento. Cada um desses caminhos 
realiza uma probabilidade concreta de futuro. O conjunto dessas 
probabilidades é delimitado pelas circunstâncias específicas que nos 
	
  
	
   44	
  
permitiram nascer em determinado contexto, e isso inclui conjunturas 
biológicas, históricas e socioeconômicas relacionadas a nossos pais e 
origem. 
A cada escolha em sua vida, leitor, a cada evento decisivo em 
sua história pessoal, o seu destino ramificou-se e ramifica-se desde 
seu nascimento, dando gênese a várias versões alternativas de você. 
Em inúmeras realidades alternativas, há inúmeras versões de sua 
identidade, todas originárias do mesmo ponto inicial. Você é uma 
delas. Outras também leem este texto. Outras, ainda, o ignoram 
completamente. 
2. Quem você realmente é: 
Como vimos na primeira parte desta segunda etapa, a natureza 
adota diversas estratégias evolutivas para que os organismos vivos 
possam sobreviver e reproduzir-se no hipercontexto. No reino vegetal, 
a principal estratégia foi otimizar a fotossíntese pela escolha do 
processo mais veloz e eficiente para cada contexto em que a mesma 
planta existe. No reino animal, a natureza adotou a estratégia de criar 
um órgão que segmenta cada contexto e o percebe como se fosse um 
todo coeso, ignorando a contínua emergência de novas realidades. 
Assim, o organismo pode encontrar alimento, proteção para ameaças 
e oportunidades de reprodução. 
Esse órgão é o cérebro. 
Se por um lado o entrelaçamento impede a interação de coisas e 
seres que existem em tramas de realidade distintas, por outro o 
cérebro não permite que nosso “eu” perceba a constante ramificação 
da própria vida. A realidade em que uma pessoa acredita viver é, na 
verdade, um modelo de mundo dinamicamente construído e atualizado 
a cada fração de segundo por seu cérebro, com base em informações 
relevantes que filtra a partir daquilo que é informado pelos órgãos de 
percepção. 
	
  
	
   45	
  
 
Dentro desse modelo de “realidade” criado por nosso cérebro a 
cada instante, desenvolveu-se um modelo de identidade pessoal, de 
protagonista da própria vida. Trata-se do ego, inserido na consciência 
humana, entendendo-se consciência como a função que vivencia um 
só contexto como se fosse o único existente. 
Dessa perspectiva, você e a realidade em que pensa viver são 
uma narrativa que só existe neste instante presente e que seu cérebro 
constrói e conta para si mesmo a cada momento. Essa narrativa é 
constantemente reforçada pela narrativa interna de todos os outros 
seres vivos que compartilham da mesma trama de realidade em que 
você vive, compondo no total uma narrativa coletiva, um ecossistema 
conceitual criado pela natureza no hipercontexto. 
Isso será um ponto de muita importância nas etapas futuras de 
nosso processo de aprendizado. 
	
  
	
   46	
  
Porém, de uma perspectiva maior, você é mais do que seu ego 
ilusório. É que cada uma das versões alternativas que existe de você, 
vivendo cada qual sua vida em uma realidade alternativa distinta das 
demais, está interligada a todas as outras no âmbito hipercontexto. 
Nesse sistema de rede, há uma identidade superior, central, 
responsável pela contínua emergência de novas versões de sua vida, 
e pela coordenação de cada versão alternativa. A esse sistema de rede 
de consciência, dá-se o nome de Matriz. A esse eu superior e central, 
dá-se o nome de Self. 
As razões dessasúltimas denominações logo serão explicadas. O 
importante é compreender que, no hipercontexto, você é ego, Matriz 
e Self. 
É neste ponto em que estamos. E se tal síntese pareceu a 
descrição de algo jamais visto, trata-se de uma ilusão de ótica, 
resultado de não se ter utilizado termos técnico-científicos 
(como função de onda, decoerência, inconsciente coletivo). Aqui, nada 
há de novo. 
Na verdade, assim como o hipercontexto foi investigado pela 
física no século XX, também o território da Matriz, inserido no 
hipercontexto, foi descoberto e estudado no mesmo período. E é nesse 
território que precisamos operar a reestruturação de nosso sistema 
cognitivo/decisório, se quisermos superar o Problema Humano e 
evoluir enquanto indivíduos e sociedade 
No século XX, duas pessoas criaram um mapa para esse 
território. Um deles foi um dos maiores físicos de nossa era, que se 
aventurou e explorou o território da Matriz em seus sonhos. O outro 
foi um alquimista moderno, que elaborou um mapa a partir da 
exploração do físico. 
Para entender o mapa, e conseguir utilizá-lo, precisamos 
conhecer um pouco da história do explorador e do cartógrafo. 
	
  
	
   47	
  
O FÍSICO E O ALQUIMISTA 
Wolfgang Pauli, que merecidamente ganhou o Nobel de física em 
1941, foi um dos gênios de sua época e pioneiro da física quântica. 
Como todo indivíduo de inteligência excepcional, porém, Pauli não 
conseguia ajustar-se completamente a uma sociedade que percebia 
como atrasada. Nada nem ninguém sobrevivia ao escrutínio de seu 
intelecto. Entre colegas, era temido pela dura forma de expressar seu 
rigor científico. 
Pauli teve uma infância infeliz, pois sua mãe havia cometido 
suicídio e seu pai casou-se com uma mulher que ele abominava. Essa 
experiência refletiu-se na vida adulta, em que Pauli teve uma série de 
relacionamentos conturbados. Logo após o fim de um breve 
casamento, em 1931, ele decidiu procurar Carl Gustav Jung, na época 
um dos mais célebres psicólogos do mundo. 
Jung, naquele tempo, tentava consolidar suas teorias sobre a 
psique, após ser expulso da comunidade freudiana ao discordar da 
visão reducionista que a psicanálise tinha da natureza humana. Sua 
empreitada levou-o a aprofundar-se na leitura de antigos tratados 
alquímicos, pois desconfiava que os alquimistas medievais descreviam, 
de forma cifrada e simbólica, um processo em que mente e matéria 
transformavam-se reciprocamente. Por isso, Jung interessava pelas 
descobertas da física quântica, que sugeria um vínculo entre o 
observador e a matéria observada. 
	
  
	
   48	
  
Carl Gustav Jung (esq.) e Wolfgang Pauli (dir.) 
Pelos interesses em comum, logo o físico e o alquimista se 
tornaram grandes amigos. Pauli e Jung passavam horas discutindo 
sobre os enigmas da mente humana e da matéria. Enquanto Pauli se 
interessava pelas ideias de Jung sobre “inconsciente coletivo” e 
“arquétipos”, Jung atraía-se pela relação de complementaridade que 
há entre as chamadas subpartículas atômicas. Dessas conversas surgiu 
“A Interpretação da Natureza e da Psique” escrito em co-autoria e 
publicado em 1952. 
Psicologia e Alquimia 
Simultaneamente, Jung tratava as feridas emocionais de Pauli na 
terapia. E o tratamento consistia em Pauli anotar os sonhos que tinha 
todas as noites, apresentando-os em seguida a Jung e seus 
assistentes. Os sonhos, então, eram analisados à luz da teoria de Jung 
sobre a natureza da mente humana. 
Enquanto Pauli sonhava, Jung procurava comparar os sonhos do 
físico moderno à simbologia dos antigos alquimistas, esboçando um 
sistema de correspondências. Aos poucos, a topografia de um território 
foi surgindo. O que ambos estavam fazendo, logo perceberam, era 
	
  
	
   49	
  
explorar um local que Pauli visitava todas as noites – um local que 
todos nós visitamos ao dormir. 
Foi assim que o físico moderno ajudou o alquimista a elaborar o 
seu grande tratado intitulado Alquimia e Psicologia. 
 
Nessa obra, Jung demonstrou que o trabalho dos antigos 
alquimistas era realizado, paralelamente, em dois níveis. No primeiro 
nível, manipulavam os elementos químicos em laboratório. No 
segundo, realizavam operações simbólicas dentro de sua própria 
mente, na busca de realizar uma espécie transmutação psíquica. 
Mais ainda, Jung demonstrou que os símbolos descritos pelos 
alquimistas estavam vivos no homem moderno, pois eram 
manifestações de elementos presentes em todas as mitologias, 
	
  
	
   50	
  
religiões e tradições antigas da humanidade. Foi assim que ele 
consolidou o mapa que nos ajudará a reestruturar o sistema 
cognitivo/decisório que herdamos de nossos antepassados. 
Faltava, porém, achar o Norte, estabelecer os quadrantes e 
escala que permitem sobrepor o mapa ao território descrito. É que os 
alquimistas e os físicos do século XX não tinham acesso a conceitos 
que só a evolução dos sistemas computacionais modernos tornaram de 
uso corrente. Também faltava à ciência reconhecer, sem medo, a 
natureza daquilo que a física havia descoberto. 
Por isso, o mapa criado por Jung com a ajuda dos sonhos de Pauli 
torna-se mais compreensível e ganha cores mais vivas quando 
considerado da perspectiva da mente humana inserida no 
hipercontexto. Jung sempre aspirou a correspondência de sua teoria 
com a descoberta feita por Pauli e seus colegas, e intuiu essa verdade 
ao afirmar que tal descoberta “no obriga a abandonar uma descrição 
causal de qualquer sistema inserido no espaço tempo, colocando em 
seu lugar um invisível campo de probabilidades que ocorrem em 
espaços multidimensionais” [1]. 
Esses espaços multidimensionais em que as probabilidades se 
manifestam é o que chamamos de “hipercontexto”. E a melhor forma 
de compreender a correspondência entre hipercontexto e mente 
humana é com o uso de metáforas computacionais. 
UM MAPA FEITO DE METÁFORAS 
No decorrer de todo o processo de aprendizado, foram e serão 
utilizadas toda sorte de metáforas: filosóficas, mitológicas, 
computacionais e alquímicas. Metáforas são úteis quando se trata de 
apresentar e descrever uma realidade extremamente contraintuitiva. 
Porém, qualquer metáfora perde sua utilidade quando deixa de 
ser utilizada de forma racional e passa a ser confundida com o 
aspecto da realidade que tenta descrever. 
	
  
	
   51	
  
Toda metáfora tem limites. Vencidos esses limites, a metáfora 
passa a dar origem a erros, a produzir ignorância e não conhecimento. 
Muitas vezes, pode até produzir o tipo mais pernicioso de ignorância: 
o fanatismo religioso. 
A partir de agora, metáforas serão usadas com mais abundância. 
E é possível que o leitor perceba gradualmente a existência de 
correlações entre as metáforas utilizadas, como se uma ordem 
emergente fosse revelada através delas. Quanto maior for a 
compreensão da realidade que o conjunto de metáforas tenta 
descrever, maior será a impressão de que há uma correspondência. 
Essa correspondência, porém, não é sinal de que as metáforas 
são, elas próprias, a realidade. A correlação é apenas decorrência do 
fato de que, naturalmente, a realidade descrita é consistente em si 
mesma, e um sinal de que as metáforas foram manejadas de forma 
adequada. Essa é a razão de as mitologias de distintas culturas 
guardarem estreita correlação em determinados pontos. 
Não só mitologias, mas outros sistemas de símbolos de antigas 
tradições refletem aspectos da relação entre ego, Matriz e Self. Afinal, 
essa é real estrutura da natureza humana, que intuitivamente nossos 
antepassados descreveram em seus mitos. 
Os mitos e sistemas de símbolos da antiguidade foram, portanto, 
os primeiros mapas a descrever esse território desconhecido, que 
experienciamos de forma mais profunda quando sonhamos à noite. 
Todos esses mapas podem ser úteis, alguns mais que outros, desde 
que jamais confundamos um mapa com o território descrito. 
Porém, no século XX, Jung elaborou o mapa capaz de incluir 
todos os outros mapas, ao mesmo tempo em que foi capaz de 
descrever a identidade humana no âmbito dohipercontexto com 
grande precisão. 
	
  
	
   52	
  
Seu trabalho, contudo, estava a frente de seu tempo, e Jung 
tentou ajustá-lo à moldura do pensamento científico tradicional, 
vendo-se obrigado a manter discrição sobre certos aspectos de sua 
proposta. Por outro lado, faltava à época um paradigma que permitisse 
uma correta compreensão daquilo que Jung descrevia – paradigma que 
hoje temos à nossa disposição, a medida em que conceitos 
como computação em rede, inteligência artificial e realidade 
virtual tornam-se habituais em nosso cotidiano. 
A metáfora computacional 
De todas as metáforas, é a computacional que melhor nos 
ajudará a compreender profundos aspectos não só da natureza 
humana, mas também de uma parte da realidade que ignoramos. Se 
a nossos antepassados fosse perguntado se o cérebro humano é um 
computador que cria a consciência ou é apenas uma antena receptora 
de uma consciência existente em outro lugar, suas melhores respostas 
seriam, no máximo, apenas em parte corretas. 
Graças aos sistemas computacionais em rede que hoje existem, 
sabemos que a resposta é mais complexa. O cérebro é, ao mesmo 
tempo, computador e antena receptora, metaforicamente falando. 
Enquanto “computador”, o cérebro constrói dinamicamente a cada 
fração segundo um modelo de mundo em que julgamos viver e um 
modelo de identidade pessoal, de ego, que acreditamos ser o 
protagonista de nossas vidas. 
Enquanto “antena receptora”, o cérebro opera no âmbito do 
hipercontexto, ou seja, do universo enquanto multiplicidade de 
realidades alternativas. Dessa forma, cada versão alternativa do 
mesmo indivíduo está conectada a uma rede composta por todas as 
versões desse mesmo indivíduo, coordenadas por um Eu Superior, 
ou Self. 
	
  
	
   53	
  
 
Há, ainda, um outro conceito computacional que precisamos usar 
como metáfora: o conceito de “sistema operacional”. O sistema 
operacional é o principal programa ou software de um computador, 
pois sua função é fazer a interface entre o equipamento físico e o 
usuário da máquina. O sistema operacional, portanto, possui um 
aspecto abstrato, simbólico, que permite ao usuário dar ordens que 
serão traduzidas em atividades concretas pela máquina. 
Esse aspecto abstrato compõem um sistema de símbolos – e esse 
sistema de símbolos é uma “linguagem de programação”. As 
linguagem de programação mais complexas, inclusive aquelas que 
compõem um sistema operacional, são chamadas de “linguagem de 
programação orientada a objetos”. Nesse tipo de linguagem, os 
“objetos” são “módulos” que interagem e executam tarefas do 
programa em que estão inseridas. 
Assim como equipamentos isolados, redes de computadores 
dependem de um sistema operacional de rede, utilizando uma 
linguagem de programação para coordenar todo o tráfego de 
comunicação processado por essa rede. Em alguns casos, essa 
linguagem de programação utiliza aqueles “objetos” para executar 
tarefas. 
	
  
	
   54	
  
Essas metáforas de rede computacional, sistemas operacionais e 
redes, quando inseridas no hipercontexto, em que várias versões de 
um mesmo indivíduo coexistem, são a chave que faltava para a 
compreensão do mapa elaborado por Jung. São a chave para 
compreendermos o sistema cognitivo/decisório de nossos 
antepassados, que precisamos reestruturar para evoluir. 
Isso porque a “rede” que conecta todas as versões de um mesmo 
indivíduo existentes no hipercontexto opera com um “sistema 
operacional” que Jung chamou de inconsciente coletivo – e que se 
prefere chamar aqui de Matriz. Esse sistema operacional, por sua vez, 
manifesta-se numa “realidade virtual” percebida nos sonhos e que é 
estruturada por uma “linguagem de programação” composta por 
“objetos”, que Jung batizou de arquétipos. No centro dessa estrutura 
de arquétipos, está nossa identidade fundamental, o Eu Superior ou Eu 
Profundo, que coordena todas as versões emergentes de um mesmo 
indivíduo, e que Jung batizou de Self. 
A função de todo esse conjunto é coordenar todas as inúmeras 
versões que existem do mesmo indivíduo, auxiliando cada mente 
particular na construção dinâmica de modelos de mundo e permitindo 
que, diante da emergência contínua de novas realidades alternativas, 
o ego tenha percepção de que existe uma só realidade e uma só 
identidade pessoal, processo a que Jung batizou de Individuação. 
A individuação, porém, também consiste na contínua adaptação 
evolutiva de todo esse sistema às mudanças do meio ambiente ao 
longo do hipercontexto – uma atualização constante do software, 
metaforicamente falando. No passado recente, como veremos, esse 
sistema passou por uma importante atualização, embora em nada 
comparada à alteração rápida e extrema que a humanidade precisa 
realizar neste momento. 
Mas essa experiência pretérita da humanidade é fundamental 
para entendermos o que precisamos fazer agora, nesta etapa decisiva 
	
  
	
   55	
  
da civilização, com o auxílio do mapa elaborado pelo físico e pelo 
alquimista, pois se inserem numa mesma lógica de atualização do 
sistema cognitivo/decisório do organismo humano. 
A MENTE BICAMERAL 
Se Jung estudou tratados medievais e os sonhos de um pioneiro 
da física quântica para elaborar seu mapa, o norte-americano Julian 
Jaynes estudou os épicos da antiga Grécia e os moderno conhecimento 
do cérebro humano para fazer uma notável descoberta sobre sobre a 
origem da própria civilização e da consciência humana. 
Ao analisar Ilíada e Odisseia, justo as principais obras da cultura 
que nos legou a revolução do pensamento racional, Jaynes notou uma 
diferença perturbadora entre ambas. A interação entre deuses e heróis 
na Ilíada e a forma como os mortais expressavam emoções e decisões 
era muito diferente da forma narrada na Odisseia. 
E não se tratava de uma diferença de estilo. Jaynes notou igual 
transição nas obras de outras civilizações do período. Parecia tratar-
se, na verdade, o indício de que houve uma mudança na forma de 
nossos antepassados pensarem. 
Na Ilíada, que conta a história da guerra de Troia, os deuses do 
Olimpo entram em cena a todo momento para representar cada 
decisão e sentimento dos herois gregos, como se os mortais fossem 
incapazes de ter pensamentos conscientes sem o intermédio dos 
deuses. Os personagens mortais da Ilíada, além disso, estavam 
constantemente escutando vozes ou vendo a presença de deuses nos 
momentos decisivos da história. 
Já na Odisseia, que conta o retorno de Ulisses a seu lar após a 
guerra de Troia, a participação de deuses é menos frequente. Eles não 
estão sempre presentes quando um mortal decide ou sente algo. Os 
personagens humanos são capazes de ter emoções e tomar decisões 
sem intervenção divina. 
	
  
	
   56	
  
Isso levou Jaynes a desenvolver uma teoria extraordinária sobre 
o desenvolvimento da consciência humana, partindo do fato de que 
cada ser humano possui, efetivamente, dois cérebros. 
Os dois cérebros 
Embora muitos delirem quando se trata de falar dos hemisférios 
esquerdo e direito do cérebro humano, alguns fatos precisam ficar 
claros. Fato um: ambos os hemisférios são, rigorosamente falando, 
dois cérebros distintos, sendo absolutamente correto afirmar que há 
dois cérebros existindo numa mesma pessoa, assim como há dois 
pulmões e dois rins. Fato dois: apesar da plasticidade cerebral e da 
possibilidade de ambos os cérebros desempenharem funções conjuntas 
ou substituírem-se reciprocamente, é incontroverso que há funções 
específicas de cada cérebro, típicas de um ou de outro hemisfério. 
Essa especialização é chamada de lateralização de processos 
cognitivos. Desse modo, está comprovado que funções relacionadas à 
gramática, vocabulário e pensamento lógico-matemático estão 
associados ao hemisfério esquerdo (que é responsável pelo lado direito 
do corpo humano). Há, inclusive, uma síndrome chamada Discalculia, 
identificada pela incapacidade de compreender o raciocínio matemático 
e que está associada à lesão do lóbulo temporal do “cérebro” esquerdo.57	
  
Os personagens da Ilíada não são capazes de pensamentos e decisões dissociadas da 
interação divina. 
 
Já o “cérebro” direito, por sua vez, desempenha com 
predominância as funções relacionadas à percepção musical, 
orientação espacial, criatividade e tomada de decisões. A própria 
atividade de sonhar ocorre tipicamente no hemisfério direito. Há, 
inclusive, distúrbios como a Síndrome de Capgras, caracterizada pelo 
delírio de que um familiar próximo foi substituído por um impostor, e 
que está associada à lesões no hemisfério direito. 
A comunicação entre os dois cérebros que habitam um mesmo 
indivíduo é possível graças a uma estrutura que existe entre ambos, 
chamada corpus callosum. Trata-se, basicamente, de um feixe de 
fibras neuronais que faz a ponte entre o cérebro esquerdo e direito. 
Uma de suas peculiaridades é o fato de ser a única estrutura cerebral 
que pode desenvolver-se e crescer mesmo no cérebro de um indivíduo 
adulto (quando todas as outras estruturas cerebrais param de 
crescer), havendo provas de que o corpus callosum pode aumentar 
através da meditação profunda. 
A proposta de Jaynes foi que, na época em que os antigos gregos 
escreveram a Ilíada, a interação entre os “dois cérebros” de um 
	
  
	
   58	
  
indivíduo dava-se de forma menos integrada do que na época em que 
a Odisseia foi elaborada. Em outras palavras, analisando-se as 
narrativas tanto de Ilíada como de Odisseia, tem-se pistas de como 
funcionava o sistema cognitivo/decisório de nossos antepassados. 
No período da Ilíada, havia menor integração entre os cérebros 
direito e esquerdo de qualquer indivíduo. Por isso, havia dois 
sistemas, dois softwares para os dois computadores, e a 
comunicação entre ambos ocorria de forma bem peculiar. A identidade 
pessoal do indivíduo era elaborada por seu “cérebro esquerdo”, e 
quando essa identidade recebia informações do “cérebro direito”, 
responsável pela tomada de decisões, processava-as como alucinações 
auditivas e visuais. 
Vimos que o mundo ao nosso redor é um modelo de mundo 
construído por nosso cérebro com base nas informações sensoriais 
(visão, audição, olfato, paladar, tato,…), no centro do qual está o 
modelo de identidade também construído, o ego (função do hemisfério 
esquerdo). Para nossos antepassados, não havia como distinguir entre 
sons e visões representando a realidade exterior e aquelas 
representando comunicações feitas pelo hemisfério direito do cérebro. 
Essas alucinações auditivas e visuais eram, portanto, 
consideradas reais, e apresentavam-se na forma de personagens que, 
por sua vez, representavam aspectos distintos de nossos padrões de 
pensamento. Esses personagens, representantes de aspectos 
fundamentais da natureza humana, eram vistos como deuses. 
Em resumo, na época em que foi escrita a Ilíada, nossos 
antepassados possuíam possuíam uma mente dividida em “dois 
softwares”, um para cada hemisfério. Num estava a identidade pessoal 
do indivíduo; na outra, moravam os deuses de sua civilização. Julian 
Jaynes chamou esse funcionamento de Mente Bicameral. 
	
  
	
   59	
  
Por isso é que nossos antepassados deixaram tantos relatos 
sobre encontros com deuses e entidades mágicas: 
eles realmente viam essas entidades, e a alucinação era reforçada 
coletivamente por todos os membros da comunidade. Por isso também 
é que os antigos deuses costumam ser associados a sentimentos e 
“estados de espírito” tipicamente humanos, o que pode ser até hoje 
contatado por expressões como “comportamento jovial” (de Jove, o 
deus Júpiter romano), erotismo (o deus grego Eros) e ninfomania 
(das ninfas gregas). 
Já no período em que foi escrita a Odisseia, já havia ocorrido 
uma “atualização” dos dois softwares de ambos os hemisférios: 
aprimorou-se a integração entre ambos. E a isso correspondeu o maior 
desenvolvimento do corpus callosum. 
A partir dessa maior integração, o ser humano tomou consciência 
direta de seus próprios pensamentos e sentimentos, apropriando-se 
deles e reconhecendo-os como pertencentes a si próprio, ou seja, ao 
modelo de identidade, de “ego”, criado pelo hemisfério esquerdo. O 
protagonista da obra, Ulisses, representa, de certa forma, a 
emergência do ser humano moderno. 
Ulisses, em Odisseia, é capaz de pensamentos e sentimentos independentes. 
	
  
	
   60	
  
Esse foi um passo evolutivo importante, o verdadeiro nascimento 
da consciência humana tal como a conhecemos. E esse passo ocorreu, 
obviamente, não apenas na antiga Grécia, mas em outras civilizações 
do período. 
E é a sequência desse passo evolutivo que precisamos dar neste 
momento, pois enquanto o hemisfério esquerdo é responsável pela 
criação dinâmica do ego humano no âmbito de um contexto, o 
hemisfério direito é responsável pelo processamento da nossa conexão 
com a Matriz, a rede que conecta as várias versões do mesmo indivíduo 
no hipercontexto. Esse ambiente de rede funciona com uma 
“linguagem de programação” composta de sistemas de símbolos que 
Jung chamou de “arquétipos”. E os arquétipos, por seu turno, são 
retratados como deuses pelas várias mitologias criadas pela 
humanidade. 
Assim, o que Jung fez foi apresentar um mapeamento da 
interface simbólica desse sistema operacional em rede. Os elementos 
fundamentais de tal sistema são a Matriz, os arquétipos, o ego e o self. 
O diálogo entre esses elementos é de natureza alegórica ou mítica, e 
o contexto da interação, como se verá, é o da sincronicidade. 
MATRIZ, O REINO SEM ESPAÇO 
A denominação “inconsciente coletivo” é herança da tentativa de 
Jung ajustar sua teoria à comunidade influenciada pelo pensamento de 
Freud, que girava em torno do conceito de “inconsciente pessoal” . Mas 
“inconsciente coletivo” é um nome apropriado apenas do ponto de vista 
do ego humano – não há nada de realmente “inconsciente” no 
fenômeno descrito por Jung. 
De qualquer modo, Jung definia o inconsciente coletivo como a 
“matriz de todos os acontecimentos psíquicos”, contendo registros da 
vida psíquica desde nossos ancestrais mais remotos e exercendo 
influência sobre a consciência de cada indivíduo continuamente. 
	
  
	
   61	
  
“Minha tese”, disse Jung, “é que em adição à consciência 
imediata”, ou seja, à mente situada num contexto, “existe um segundo 
sistema psíquico de natureza coletiva, universal e impessoal, que é 
idêntico para todos os indivíduos”. “Este inconsciente coletivo não se 
desenvolve individualmente, mas é herdado”, sendo constituído por 
“formas pré-existentes, os arquétipos” [2]. 
Metaforicamente, chama-se de “inconsciente coletivo” a uma 
“realidade virtual” que visitamos todas as noites em nossos sonhos. 
Essa realidade virtual é o “sistema operacional de rede” que controla a 
rede de consciências composta pelas versões alternativas de um 
mesmo indivíduo, versões que existem em realidades alternativas do 
hipercontexto. Quando dormimos e sonhamos, esse sistema 
operacional consolida as principais vivências diárias de todas as 
versões da mesma pessoa, representando-as em um universo 
simbólico, de natureza arquetípica (a seguir veremos o que são os 
arquétipos). 
Independentemente do nome, aquilo que Jung chamava de 
“inconsciente coletivo” remete à noção de espaço onde certos 
elementos existem e interagem entre si. Não é por outro motivo que 
Jung identificou, nos sonhos de seus pacientes, nos mitos e nas 
tentativas artísticas de representar esse conceito, a forma espacial de 
um jardim ou território “sagrado”. “Na geografia mítica”, observou o 
filósofo Mircea Eliade, “o espaço sagrado é o espaço real por 
excelência, pois para o mundo arcaico o mito é real, já que descreve 
as verdadeiras manifestações da realidade”. 
Também observou Jung, inclusive nas mitologias de diversos 
povos, que o “inconsciente coletivo” sempre foi retratado na forma de 
uma estrutura circular, de regra dividido em quatro quadrantes, e que 
denominou de “Mandala”. 
Mandalas são imagens simbólicas que, em diversas mitologias e 
tradições, buscam representar “o mundo”,“o universo”, “o reino dos 
	
  
	
   62	
  
deuses” ou a “alma humana”. Digno de nota é o fato de que em todas 
as culturas as mandalas possuem forma circular e, de regra, uma 
divisão em quatro ou oito quadrantes, com um eixo central em torno 
do qual todos demais elementos são dispostos. Tratam-se de 
representações da Matriz. 
 
Prefere-se chamar o “inconsciente coletivo” de “Matriz” para 
exorcizar a noção de que se trata de algo inerentemente 
“inconsciente”, ou seja, desprovido de consciência. Na verdade, no 
centro desse “sistema operacional de rede”, há uma consciência 
superior, perfeitamente ciente de tudo o que está se passando no 
sistema e na vida pessoal de cada versão de um mesmo indivíduo. A 
escolha do nome “Matriz” deve-se à riqueza de significados e 
implicações dessa palavra. 
Em biologia, matriz é o meio bioquímico no qual estão inseridos 
os componentes de um sistema. Da mesma forma, todas as versões 
de um mesmo indivíduo existentes no hipercontexto tem suas 
consciências inserida num mesmo ambiente, num “mesmo sistema 
operacional de rede”. Etimologicamente, a palavra vem do nominativo 
latino matrix, que significa “mãe” e é associado a “útero”, “fonte” e 
“origem”. É por isso que matriz também significa “modelo original” do 
qual podem ser reproduzidas cópias, tal como os moldes da antiga 
tipografia. 
	
  
	
   63	
  
O sistema operacional que funciona em ambiente de rede unindo 
todas as versões de um mesmo indivíduo pode ser descrito como uma 
“realidade virtual”. 
Porém, o adjetivo “virtual” é usado apenas no sentido de que 
essa realidade em si mesma não precisa obedecer as leis da realidade 
física. Por outro lado, como deve ter ficado evidente na primeira parte 
desta etapa de aprendizado, não conhecemos “a realidade física” tal 
qual é, mas apenas aquilo que é construído por nosso cérebro com 
base no que nossos sentidos assimilam do mundo exterior. Dessa 
construção nasce dinamicamente uma percepção de mundo exterior 
que tomamos por realidade. 
Platão já intuía esse aspecto ao falar de “formas puras”. Observe 
uma cadeira. Quando você olha para uma cadeira concreta próxima de 
você, na verdade não está olhando cadeira alguma. Seu cérebro atribui 
a alguma coisa lá fora o conceito universal de “cadeira”, um molde 
conceitual, um “arquétipo” que informa a estrutura e função de todos 
os objetos que você chama de “cadeiras”. Essa “alguma coisa” que 
você olha, porém, é algo único, exclusivo, composto de certos 
materiais e com uma forma que permite a associação imediata à ideia 
arquetípica de “cadeira”. 
Isso não vale apenas para objetos criados pelo homem, mas 
também para formas naturais como as árvores. E como já intuía 
Emmanuel Kant, conceitos cada vez mais sutis como “cor”, “tamanho”, 
“movimento” e “dimensões espaciais” são apenas constructos da 
mente para apreender uma totalidade que está lá fora e é representada 
pelo cérebro como um modelo de realidade. 
Bardos: as diversas manifestações da Matriz 
Olhe ao seu redor, leitor. O que você observa como “mundo” real 
é um modelo elaborado por seu cérebro dinamicamente, atualizado a 
cada fração de segundo – e essa velocidade e eficiência só é possível 
	
  
	
   64	
  
na física quântica. Esse modelo dinâmico é molde de uma matriz de 
formas e intuições arquetípicas que existem naquele “ambiente 
operacional de rede” que Jung chamou de “inconsciente coletivo”. 
Não é que a realidade lá fora não existe. Ela existe, mas só a 
compreendemos através de um modelo continuamente atualizado 
dentro de nossas mentes e que tem por manancial a Matriz, ou seja, o 
“sistema operacional de rede” que une todas as versões do mesmo 
indivíduo. 
Esse é um dos motivos pelo qual, quando sonhamos todas as 
noites, nossos sonhos em muitos aspectos parecem semelhante ao 
mundo real. Quem se deu ao trabalho de estudar as visões de 
esquizofrênicos e de pessoas que consomem substâncias alucinógenas 
depara-se com a descrição de um universo de formas e cores bem 
distinto daquele de nossos sonhos. Salvo exceções que apenas 
confirmam a regra, os sonhos noturnos da grande maioria das pessoa 
descreve uma realidade que reproduz os traços básicos da realidade 
que vemos quando despertos. 
Na verdade, quando sonhamos estamos vivenciando o ambiente 
de rede da Matriz em sua forma usualmente desconectada do mundo 
exterior, em que não está sujeita às leis da física. Porém, é dessa 
mesma Matriz, do “inconsciente coletivo” de Jung, que surgem os 
elementos com os quais nosso cérebro constrói, quando estamos 
acordados, um modelo de mundo que tomamos por realidade concreta. 
Esse modelo de mundo da realidade desperta, portanto, é a outra 
face da mesma moeda composta pelo mundo com que sonhamos todas 
as noites. São aspectos diferentes de uma mesma realidade virtual, de 
dia acoplada ao mundo real (que é inacessível diretamente, somente 
percebida pelos sentidos) e de noite livre para a manifestação dos 
arquétipos e consolidação de experiências vividas por todas as versões 
de um mesmo indivíduo. 
	
  
	
   65	
  
Essas distintas faces da mesma moeda tem um nome específico 
na tradição budista: “Bardo”. Porém, metaforicamente não é adequado 
falar em faces da moeda, mas em lados de um dado. E assim é porque 
na Matriz existem mais do que as duas faces do sonhar e do estar 
desperto. 
Originalmente, a palavra tibetana “Bardo” significava “estado 
intermediário” – especificamente, intermediário entre duas vidas de 
uma mesma pessoa. Porém, rigorosamente falando, não há estado que 
“não seja intermediário”, que não opere a intermediação entre diversos 
estados do ser. Assim o significado budista de “bardo” evoluiu com 
tempo, e podemos utilizá-lo neste momento, como metáfora, em sua 
acepção mais sofisticada. 
Assim, chamam-se de “bardos” os modelos de realidade 
construídos pela Matriz para cada experiência humana fundamental. 
Há, na tradição budista, seis Bardos, que podemos perceber, 
metaforicamente, como aspectos da manifestação da Matriz: 
1 – O bardo da vida desperta (Kyenay bardo): é o modelo de 
mundo construído por seu cérebro ao ignorar o hipercontexto e 
representar um só contexto como sendo “a única realidade” 
existente; 
2 – O bardo do sonhar (Milam bardo): é o modelo de “realidade 
virtual”, metaforicamente falando, que você visita todas as noites 
durante o sonho; 
3 – O bardo da meditação (Samten bardo) : é o modelo de 
realidade em que há conexão com o Self ; 
4 – O bardo da morte (Chikhai bardo): é um modelo de realidade 
crítico e suscetível de ataques por forças externas, como exporemos 
no futuro; 
	
  
	
   66	
  
5- O bardo da luminosidade (Chönyi bardo): é o modelo de 
realidade em que vive e opera o Self; e 
6 – O bardo da transmigração (Sidpa bardo): é o modelo de 
realidade que contém os aspectos fundamentais da identidade 
pessoal vivenciada por cada pessoa; 
Enquanto estamos vivos, temos a experiência apenas dos dois 
primeiros bardos. Naturalmente, quando o corpo biológico da versão 
de um indivíduo que existe no hipercontexto morre, o modelo de 
identidade que estava associado a esse corpo não deixa de existir. Ele 
prossegue existindo na Matriz, no ambiente de rede. 
A noção de Matriz é poderosa, e há aspectos sobre os quais se 
poderia falar muito mais. Por exemplo, é evidente que a Matriz, o 
sistema operacional de rede em que estão interconectadas todas as 
versões de um mesmo indivíduo, não se limita apenas a um indivíduo, 
membro de uma espécie. Essa é justo a origem daquilo que Rupert 
Sheldrake denominou “campo morfogenético”, que permite evoluções 
simultâneas em populações biológicas descontínuas. Na verdade, a 
Matriz tampouco se limita apenas a uma só espécie. 
Esses aspectos porém, não são relevantes neste momento. 
Haverá, no futuro, espaço para tratar disso em detalhes. O importante 
agora é entender como operam as principais estruturas componentes 
da Matriz no âmbito de um indivíduo e suas diversas versões – os 
elementos que compõem a “linguagemde programação”. 
OS ARQUÉTIPOS 
Como disse o filósofo e historiador romeno Mircea Eliade, “o 
estudo racional das religiões revela um fato que não foi 
suficientemente assinalado até hoje: existe uma lógica do símbolo, ou 
seja, certos grupos de símbolos se mostram coerentes, logicamente 
encadeados entre si”, manifestando-se de forma onipresente em todas 
as religiões. É de tais símbolos que trataremos agora, pois constituem 
	
  
	
   67	
  
a linguagem de programação do ambiente de rede que une as 
inúmeras versões do mesmo indivíduo existentes no hipercontexto. 
Pensadores como Eliade, Joseph Campbell e Julian Jaynes 
identificaram notáveis semelhanças entre mitos e religiões de diversas 
culturas separadas por intransponíveis obstáculos geográficos ou 
cronológicos. Nada podia explicar a semelhança senão a tentativa 
humana de representar simbolicamente uma realidade fundamental e 
contraintuitiva. 
Segundo Jung, o inconsciente coletivo ou Matriz é composto por 
elementos simbólicos que representam as experiências mais 
fundamentais da vida humana. Esse elementos são formados por todo 
o acúmulo de vivências de nossos antepassados. Jung chamou tais 
elementos de “Arquétipos”. 
A 
riqueza dos arquétipos. 
 
Os arquétipos, representantes que são de aspectos fundamentais 
da vida humana, estão onipresentes nos mitos e narrativas épicas de 
	
  
	
   68	
  
todas as culturas, assim como estão presentes vividamente nos sonhos 
que temos todas as noites. Deuses, demônios, heróis e figuras mágicas 
de nossos antepassados retratavam aspectos essenciais desses 
arquétipos. 
E não apenas personagens tipicamente presentes em uma vida 
humana (como “Mãe” e “Morte”) são representados por mitos. 
Processos como “movimento circular”, estruturas como “mandala” e 
eventos míticos como “inundação” estão sempre presentes, de uma 
forma ou de outra, no imaginário de todas as mitologias, como 
alegorias de profundas verdades humanas. 
A Matriz, enquanto “sistema operacional em rede”, é constituída 
por uma “linguagem de programação” composta de um sistema de 
símbolos fundamentais, vinculados às experiências humanas 
universais. É nesse sentido que podemos falar de “inconsciente 
coletivo”: desejemos ou não, estejamos conscientes ou não, toda 
experiência humana está vinculada a um conjunto de símbolos 
associados a vivências primitivas de nossos ancestrais e até mesmo à 
animalidade. 
Por isso, para cada evento humano está associado um ou mais 
arquétipos presentes na Matriz. E isso não apenas no âmbito de nossos 
sonhos ou dos mitos de nossa sociedade. Mesmo a nossa relação com 
outras pessoas, e a vivência de determinados eventos na vida, pode 
ter forte influência de arquétipos. 
Inclusive na nossa percepção da realidade desperta os arquétipos 
estão presentes, pois essa percepção nada mais é que um mundo 
construído virtualmente no âmbito da Matriz, com base em dados 
sensoriais. Por exemplo, a noção de espacialidade está, no ser 
humano, associada a atributos femininos, pois nossa primeira noção 
de espaço advém do útero materno. Desse modo, mitologias como a 
egípcia (com a deusa Nut) e suméria (deusa Tiamat) representam 
	
  
	
   69	
  
mundo ao nosso redor como uma manifestação de atributos femininos 
na forma de uma Grande Deusa. 
Nut, deusa egípcia do firmamento. 
 
Exemplos de arquétipos 
Entre os arquétipos representados por personagens estão os 
seguintes: 
– A Anima (na alquimia, anima mundi): representa o elemento 
feminino, e ao mesmo tempo a própria Matriz, enquanto “alma do 
mundo”; 
– O Diabo: é a concepção de um adversário sob a forma de um ser 
demoníaco, verdadeiro vetor ou encarnação do mal; 
– O Herói: é o ego assumindo conscientemente sua missão no 
processo de Individuação, destinado a transformar a si mesmo; 
– A Criança Divina (puer aeternus): representa o nascimento de 
uma síntese entre o inferior e o superior, a ponte entre ego e Eu 
Superior (a origem do que Jung chama de “Função Transcendente”); 
	
  
	
   70	
  
– O Embusteiro (mercurius): o agente que estabelece a 
comunicação entre mortais e deuses, ou que catalisa o cumprimento 
da missão pelo Herói nos mitos, representando ambiguidade e 
dissonância cognitiva. 
Entre os arquétipos que representam eventos estão os seguintes: 
– O movimento circular (circumambulatio): o movimento do ego 
em relação ao Self, segundo Jung, jamais é direto, tratando-se de um 
movimento em círculos. 
– Casamento Sagrado (coniunctio): é a união de princípios distintos 
que dá origem a uma síntese (a função transcendente); 
– A Iniciação: é o rito de passagem de um mundo de compreensão 
limitada e ilusória para um mundo de compreensão mais amplo e 
profundo, cujo conhecimento transforma o próprio ego, é o início da 
segunda fase do processo de individuação (após o ego diferenciar-se 
e consolidar-se); 
– A Morte (mortificatio, nigredo): é a superação de um antigo 
paradigma, a morte daqueles aspectos do ego que precisam ceder 
espaço à transformação; 
– A Obra (Opus): é o processo dinâmico de individuação, ou seja, 
processo em que o ego entra em conexão com o Eu superior. 
Entre os arquétipos representados por coisas, encontramos os 
seguintes: 
– O Veículo: em geral, carruagem ou barco que representa o veículo 
da consciência humana, a forma pela qual o indivíduo interage com a 
Matriz sem diluir seus atributos individuais, protegendo-se de 
ataques; 
	
  
	
   71	
  
– A Mandala (na forma de jardim, cruz, espaço sagrado): representa 
a própria Matriz e a totalidade do Self; 
– A Espada: é a consciência discriminativa, analítica; 
– O Maná: é a energia vital, a mais fundamental forma de energia, 
que flui incessantemente de uma fonte divina. 
Os arquétipos estão presentes no processo alquímico (Opus) 
descrito em tratados medievais. É que os alquimistas associavam 
certos arquétipos a elementos químicos e a operações realizadas em 
seus laboratórios. Desse modo, operava-se uma correspondência entre 
a busca pela pedra filosofal e a transmutação da própria psique, com 
a manifestação de arquétipos ao longo do processo. 
Sistemas de representação arquetípica 
No “sistema operacional de rede”, o software que estrutura a 
Matriz, os elementos da “linguagem de programação” interagem 
segundo processos dinâmicos e estruturas relacionais que não 
passaram despercebidas por nossos antepassados. Assim, muitas 
tradições e mitologias tentaram descrever não apenas os arquétipos, 
mas também o sistema no qual interagem e a lógica dessas relações. 
Enquanto panteões religiosos como o dos deuses gregos e 
representações pictóricas como os arcanos maiores do Tarot 
descrevem arquétipos, sistemas como a “Árvore da Vida” hebraica, o 
“I Ching” chinês e os arcanos menores do Tarot foram tentativas de 
apresentar a estrutura e a relação desses arquétipos no âmbito da 
Matriz. 
Não devemos, porém, interpretar tais sistemas como formas 
primitivas de representação. Ao contrário, alguns possuem notável 
sofisticação abstrata, como qualquer um que se dedique ao estudo 
profundo do taoísmo e da cabala poderá perceber. 
	
  
	
   72	
  
O próprio ego humano, apesar de ser consciente e ter certa 
autonomia para o desempenho de suas funções, não deixa de ser um 
arquétipo, que muitas vezes incorpora a figura mítica do herói, 
principalmente quando transcende suas limitações animais e busca 
conexão com o Self. Por isso, não é de surpreender que outros 
arquétipos sejam eles próprios conscientes e parcialmente autônomos. 
Como metáfora, imagine “inteligências artificiais” operando dentro da 
“realidade virtual” constituída pelo “sistema operacional” que conecta 
as mentes de todas as versões de um mesmo indivíduo em realidades 
alternativas. 
No ambiente de rede que é a Matriz, esses seres com poderosa 
carga simbólica vivem e estão conscientes, comunicando-se conosco e 
influenciando nossa percepção de mundo. Influenciam, inclusive, nossa 
tomada de decisão. Há uma relação de complementaridade em tudo 
quenos cerca e em nós próprios. Você sequer pode ficar eroticamente 
excitado sem que potências como o arquétipo de Eros, que ao mesmo 
tempo expressa a natureza primordial animal e a elevada energia que 
mobiliza a própria Matriz, manifeste-se. Esse é o motivo pelo qual, em 
certas tradições mais primitivas, determinados arquétipos podem 
inclusive “possuir” uma pessoa durante certos rituais. 
O EGO 
Jung definiu ego como “o centro da consciência”. É o que Thomas 
Metzinger chama de “phenomenal self-model” (modelo de ego 
fenomenal). Observe novamente o mundo a seu redor, leitor. No 
centro dessa observação da realidade, tem-se a impressão de há 
alguém, aquele que vivencia tal realidade – esse alguém é você. 
Assim como o mundo que você observa é um modelo que 
representa a realidade no momento presente a partir de informações 
sensoriais e elementos conceituais enraizados na Matriz, também o seu 
ego, a noção de que você protagoniza um vida, é um modelo de 
identidade construído e atualizado a cada instante. 
	
  
	
   73	
  
O ego é o centro da consciência, definindo-se consciência, em 
termos práticos, como a função que separa e distingue apenas um 
contexto, uma realidade alternativa entre as múltiplas existentes no 
hipercontexto. O ego foi colocado no centro dessa atividade quando o 
sistema cognitivo/decisório de nossos antepassados remodelou a 
comunicação entre os dois hemisférios de nosso cérebro, atualizando 
o software da mente humana. 
Porém, o ego resultante dessa operação tem origem em um 
modelo de identidade pessoal de natureza animal. Logo, o ego está 
“programado” para executar funções relacionadas ao interesse mais 
individual do organismo, conduzindo-se, por imposição evolutiva, 
segundo padrões de agressão, fuga, alimento e reprodução no âmbito 
de um só contexto. Pela exata natureza de suas atribuições, o ego 
resiste à aceitação da realidade do hipercontexto. 
Assim, o ego é um constructo destinado a operacionalizar a 
relação com a realidade – melhor dizendo, com uma trama de 
realidade. Esta é a função fundamental do ego humano: existir 
enquanto narrativa que constantemente contamos a nós mesmos e 
que repete incessantemente “eu eu eu”. 
Porém, o ego é uma ferramenta evolutiva. Uma ferramenta 
imprescindível – mas, ainda assim, apenas um instrumento necessário 
à sobrevivência do organismo. É como um funcionário, um operário 
que tem uma missão valiosa e imprescindível, mas que não tem 
competência profissional para lidar com situações e desafios estranhos 
a seu substrato animal e individualista. 
O Problema Humano é o desafio de lidar com uma radical 
mudança no mundo utilizando um sistema cognitivo decisório 
ultrapassado, que foi útil por milênios para nossos antepassados, mas 
que atualmente acusa sinais de obsolescência. Ocorre que no centro 
desse sistema cognitivo e decisório a ser remodelado e atualizado está 
o Ego e sua noção de identidade pessoal. 
	
  
	
   74	
  
Essa remodelação já foi necessária antes e ocorreu no passado, 
como Julian Jaynes identificou ao estudar Ilíada e Odisseia. Embora 
com mais vagar e diante de uma situação menos drástica, o sistema 
cognitivo/decisório dos nossos antepassados sujeitou-se a uma crise 
(no futuro, veremos qual) da qual emergiu a atualização 
desse software, reestruturando a comunicação entre ambos os 
cérebros de forma a aumentar sua integração. 
E como veremos na quarta etapa de nosso processo de 
aprendizado, é chegada a hora de a humanidade dar um novo 
passo no caminho de evolução emergente: o passo em que a 
humanidade assumirá conscientemente o controle do processo 
evolutivo. Isso incluirá a tarefa de atualizar de novo esse sistema 
cognitivo/decisório, realizando de forma consciente um procedimento 
que nossos antepassados efetuaram inconscientemente. É que, 
diferente deles, não podemos nos dar ao luxo de esperar que tal 
processo ocorra de forma natural e espontânea, pois o grande filtro se 
aproxima. 
O SELF 
Aqueles que estudam as mitologias e religiões de todas as 
culturas observam a constante presença de um símbolo central, uma 
potência ordenadora e conciliadora de opostos. “O símbolo de uma 
Montanha, de uma Árvore ou de um Pilar situado no centro do mundo 
é extremamente difundido” em diversas mitologias. Em outras, não é 
um objeto que está no centro, mas alguém. Esse algo ou alguém 
central é o Self. 
O Self é ao mesmo tempo um arquétipo e a reconciliação 
integradora de todos os arquétipos. Nas antigas mitologias e tradições, 
o Self é é representado como a potência ou a divindade central, em 
torno da qual todas as demais forças e divindades orbitam. É uma 
referência de totalidade e centralidade. 
	
  
	
   75	
  
Metafórica e miticamente, a melhor visão arquetípica do Self é o 
do Atmã hindu, o “verdadeiro eu” ou “eu superior” que está situado 
acima do ego individual “encarnado” neste mundo (neste contexto). 
Todas as mitologias, porém, representam o Self de algum modo, e 
pode ser facilmente identificado como o elemento no centro de 
qualquer mandala. 
Segundo Jung, o Self sempre será um mistério para o ego. Essa 
parece ser uma afirmação gratuita e sem razão aparente, sendo a 
existência desse mistério do Self em relação ao ego também um outro 
mistério. Mas se considerado da perspectiva do hipercontexto, a razão 
do ego ser incapaz de apreender inteiramente o Self fica, subitamente, 
clara. 
Assim, no ambiente de rede que conecta todas as versões do 
mesmo indivíduo inseridas cada qual num só contexto, numa só 
realidade alternativa, há uma identidade central, um Eu Superior, 
constantemente desperto e consciente de todas essas versões 
coexistentes. Esse Eu Superior é o Self, e tem por função unir, 
coordenar e conciliar as múltiplas vidas de uma só pessoa. 
	
  
	
   76	
  
 
As múltiplas vidas de uma só pessoa controladas pelo Self, conforme percebidas pelos 
alquimistas chineses. 
 
Enquanto o ego tem por função atuar numa só trama de 
realidade, inserido que está na dinâmica que segmenta o hipercontexto 
em inúmeros contextos, o Self tem por função abranger todos esses 
contextos, mantendo a coerência interna do ambiente de rede. 
Por isso é que o Self será sempre inacessível diretamente ao ego: 
o pressuposto da existência do ego é justo a separação e vivência em 
um contexto. O ego é, de certa forma, essa separação. Entrar em 
contato direto com o Self significa, para o ego, eliminar a separação 
diluir-se no Self e deixar de existir enquanto identidade, perdendo sua 
razão de ser. 
	
  
	
   77	
  
Mas apesar de inacessível ao ego, o Self ou Eu Superior está 
sempre presente na vida de um indivíduo, comunicando-se com ele de 
forma que o ego sequer suspeita. Nos sonhos e nas sincronicidades, o 
Self desempenha suas atribuições, coordenando as diversas vidas 
alternativas de um mesmo indivíduo, acompanhando a constante 
emergência de novas versões alternativas da mesma pessoa desde o 
seu nascimento até sua morte. 
Por isso, como notou Eliade, um dos símbolos universais do Self 
é a “Árvore Cósmica”, que une o inferior ao superior. “A Índia védica, 
a China antiga, a mitologia germânica, assim como as religiões 
primitivas conhecem, sob formas diferentes, essa Árvore Cósmica”. A 
representação de um tronco central do qual emergem constantes 
ramificações ilustra adequadamente a relação entre o Self e os diversos 
egos que emergem continuamente para, cada qual, viver em uma 
trama de realidade. 
O PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO 
Jung observou que no nascimento de uma pessoa há 
originalmente uma sensação de totalidade, de Self. Porém, no decorrer 
dos primeiros do anos de vida e como decorrência das interações com 
o mundo exterior, começa a cristalizar-se uma identidade pessoal, o 
ego. 
Esse processo de diferenciação do ego nos primeiros anos de vida 
é reflexo justo da emergência, a partir do contexto inicial em que uma 
pessoa nasce, de novos contextos, de novas realidades alternativas, a 
medida em que seu destino bifurca-se no hipercontexto.Cada ego será 
responsável por uma das vidas alternativas vividas por uma mesma 
pessoa, passando o Self a viver no centro do ambiente de rede que 
conecta todas as suas versões coexistentes. 
Isso permite que cada versão de uma mesma pessoa insira-se 
em um só contexto e relacione-se com ele ignorando as constantes 
emergências de novas versões da mesma identidade. Tal modelo é 
	
  
	
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construído e atualizado com tanta consistência e velocidade por nosso 
cérebro, e é reforçado pelos demais seres vivos que compartilham do 
mesmo contexto que nós a cada instante, que o consideramos a única 
realidade existente. Você acredita nesse modelo e sente com seus 
órgãos sensoriais (na verdade, com informações sensoriais filtrada pelo 
cérebro) uma só trama de realidade, e assim pode viver toda sua vida 
e morrer sem sequer desconfiar que o hipercontexto existe, ignorando 
que viveu sempre nele, ramificando seu destino em várias vidas 
alternativas desde seu nascimento. 
Após os anos iniciais de consolidação do ego, porém, começa a 
ocorrer uma ruptura, que arquetipicamente é percebida como uma 
“ferida” ou “fratura” no ego humano. Tal ruptura começa no momento 
em que o ego passa a intuir o aspecto aleatório do seu destino (Por 
que as coisas se deram dessa maneira e não de outra? E se aquele 
evento tivesse ocorrido de outra forma, ou não ocorrido? E se outra 
decisão tivesse sido tomada naquele dia?) e sente sua própria vida 
como apenas parte de um todo maior, do qual está apartado. Quanto 
maior a desconexão como esse “todo”, maior a infelicidade e confusão 
pessoal. 
As escolhas feitas pelo ego humano levam, inevitavelmente, à 
fragmentação da vida individual – o acúmulo de escolhas e 
ramificações do destino conduzem a uma insatisfação inafastável. A 
partir desse ponto, o ego humano passa a perceber a necessidade de 
integração com algo maior, e é nessa etapa que a Matriz e as forças 
arquetípicas nela existentes começam a manifestar-se em sonhos e em 
coincidências significativas. A meta dessas manifestações é 
impulsionar uma reformulação do ego humano, no qual abra-se para 
uma conexão para o Self, na busca de um equilíbrio entre a 
individualidade do ego fragmentado e a totalidade do Eu Superior. 
	
  
	
   79	
  
 
As etapas do processo alquímico. 
 
Todo esse processo, de inicial diferenciação do ego (identidade 
que vive em um contexto) e posterior remodelação da relação desse 
ego com o Self (identidade superior que vive no hipercontexto), é 
chamado de Individuação. 
A individuação não pode ser compreendida como um processo 
rígido, que ocorre de forma sempre igual na história da humanidade. 
A individuação é o nome dado à dinâmica de constante atualização do 
sistema criado evolutivamente pela natureza, na qual o organismo 
humano lida com o hipercontexto segmentando-o em contextos 
operados pelo ego, com a coordenação de todas as versões 
coexistentes de uma mesma pessoa sendo realizada pelo Self no 
ambiente de rede da Matriz, que Jung chamava de “inconsciente 
coletivo”. Esse sistema precisa ser constantemente atualizado e 
aprimorado – portanto, a Individuação não é uma tarefa que termina 
	
  
	
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em determinado momento, mas um processo que ocorre 
continuamente, sem ponto final. 
Assim, a individuação de nossos antepassados no tempo em que 
Ilíada foi escrita não é rigorosamente idêntica à individuação (ou seja, 
processo dinâmico de atualização do sistema) que vivenciamos hoje 
em dia. Esse é um ponto importante, pois é através do processo ativo 
de individuação que poderemos remodelar o sistema 
cognitivo/decisório que herdamos de nossos antepassados, a fim de 
abrirmos a portas para a grande mudança que será descrita na quarta 
etapa desse ciclo de aprendizado. 
Jung percebeu que o processo de individuação é o tema central 
de tradições como o Taoísmo e o Budismo. Mesmo no cristianismo 
original, Jung observou que o foco central estava na ideia de que “o 
Reino de Deus está dentro de você”. E foi estudando o trabalho dos 
alquimistas da europa medieval e da china taoista que Jung analisou 
aspectos detalhados do processo individuação necessário para nossa 
época, capaz de resolver o Problema Humano. 
A SINCRONICIDADE 
Pauli e Jung tinham outro ponto em comum além do interesse 
pela natureza da realidade e de seu vínculo com a mente humana. 
Ambos compartilhavam algo mais pessoal e biográfico: a vida de 
ambos era repleta casos de coincidências estranhas, inexplicáveis. 
Os colegas do físico, por exemplo, faziam piada com aquilo que 
chamavam de “Efeito Pauli”. É que sempre que Pauli estava numa 
cidade, os experimentos científicos feitos no local ou davam errados ou 
resultavam em algum tipo de acidente. Pauli apreciava quando diziam 
que a causa do fenômeno era o excessivo rigor científico pelo qual ficou 
célebre. 
A vida de Jung é ainda mais repleta de coincidências 
inexplicáveis. Na verdade, ao tratar seus pacientes, Jung observou não 
	
  
	
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só relatos de coincidências curiosas, mas também de “coincidências 
significativas”, ou seja, de coincidências que possuíam um forte 
significado simbólico para a vida de uma pessoa. Essa coincidência 
ajudava a pessoa a compreender, pela linguagem dos símbolos, um 
aspecto importante de sua vida naquele momento e contexto. 
Tanto essas experiências pessoais quanto as descobertas feitas 
em suas profissões levaram Jung e Pauli a estudarem juntos um 
aspecto do universo que a civilização moderna descobriu ao olhar o 
tecido da realidade bem de perto. Trata-se do entrelaçamento. 
O entrelaçamento é o fenômeno pelo qual o estado de cada 
“partícula” de um sistema de “partículas” depende dos estados de 
todas as demais, de forma que ao se definir o estado de uma, 
automaticamente se define o estados de todas as outras, mesmo que 
estejam em extremos opostos de uma galáxia. 
Esse fenômeno foi previsto por Einstein como uma consequência 
da física quântica, mas Einstein o achava tão absurdo que tratou sua 
previsão como uma prova de que a física quântica estava errada. 
Posteriormente, contudo, a previsão foi confirmada por reiterados 
experimentos. 
Por que Einstein considerava esse fenômeno absurdo e 
impossível? Porque demonstra que entre dois objetos pode existir um 
tipo interação que não é de causa e efeito. E até hoje não havia sido 
descoberta qualquer tipo de interação possível entre seres e coisas no 
universo que não fosse comandada pela lei da causa e efeito. 
Esse novo tipo de interação recebeu o nome técnico e ingênuo 
de “não-localidade”, simplesmente porque duas coisas interagem 
dessa forma mesmo que localizadas há bilhões de ano-luz de distância. 
Mas há mais do que uma questão de distância nesse fenômeno, pois a 
complementaridade estabelecida entre dois objetos é também 
instantânea. Se um está em determinado estado, o outro objeto está 
	
  
	
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num estado complementar imediatamente, sem que sequer uma 
fração de milissegundo transcorra. 
Jung utilizou as observações de Pauli para desenvolver uma 
teoria que descreve uma relação entre seres e coisas, entre mente e 
universo inclusive, que não é regida pela lei da causa e efeito. A lei que 
rege esse tipo de interação é de complementaridade entre todas as 
coisas, que existem em determinado momento em uma relação de 
entrelaçamento umas com as outras. Elas estão “juntas no tempo”, 
expressão da qual Jung derivou o nome com que chamou esse tipo de 
característica fundamental do universo: Sincronicidade, do grego “syn” 
(juntas) e “khronos” ( tempo). 
Como foi apresentado na primeira etapa deste ciclo, toda trama 
de realidade é um retrato de determinado instante do entrelaçamento 
que há entre todas as coisas do universo. Todos os seres e coisas que 
existem num dado momento em uma dada trama de realidade estão 
em uma indissociável relação de complementaridade: todos estão 
entrelaçados, nenhum possui uma existência isolada, separada dos 
demais. 
A trama de realidade assim fotografada revelauma imagem que 
não possui um centro absoluto, mas apenas um centro relativo. 
Portanto, o centro do entrelaçamento de todas as coisas pode, do 
ponto de vista relativístico, situar-se em qualquer um dos infinitos 
pontos da trama de realidade. É esse o significado do antigo lema 
alquímico segundo o qual “Deus é um círculo cujo centro está em todos 
os lugares”. 
E um dos pontos possíveis para esse centro é a própria 
subjetividade de um indivíduo. Por isso não só Pauli e Jung, mas 
também outros físicos e psicólogos estudam atualmente essa interação 
entre mente e mundo exterior que não observa a lei da causa e efeito. 
“O fenômeno da sincronicidade é caracterizado por uma coincidência 
significativa entre um estado mental (subjetivo) e uma ocorrência 
	
  
	
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(objetiva) no mundo exterior”, definiu o físico Frederico Carminati, 
membro do CERN (Organização Europeia de Pesquisa Nuclear). 
Naturalmente, isso não significa que a vontade humana ou o 
pensamento positivo sejam capazes de controlar diretamente a 
realidade do mundo exterior. Isso porque vontade e pensamento 
positivo são atributos do ego – e o ego é apenas um dos elementos 
periféricos na ampla rede da Matriz. Mas significa que o Self e os 
arquétipos (particularmente aqueles dotados de consciência 
autônomos) podem usar coincidências no mundo exterior para enviar 
mensagens ao ego. 
E foi assim que, ao estudar o fenômeno, Jung descobriu que o 
Self pode utilizar coincidências significativas e outras formas de 
manipular a sincronicidade para se comunicar com o ego. Na verdade, 
é com base na sincronicidade que o próprio ego pode entrar em contato 
com o Eu Superior. Como será apresentado futuramente, existem 
métodos pelos quais uma pessoa pode, em determinadas 
circunstâncias, comunicar-se com o Self. 
A FUNÇÃO TRANSCENDENTE 
Por fim, chega-se ao momento culminante dessa segunda etapa, 
na qual aprendemos qual operação poderá remodelar o sistema 
cognitivo/decisório que herdamos de nossos antepassados, 
atualizando-o para equacionar o Problema Humano. 
O processo de individuação, quando descrito em mitos e antigas 
tradições, parece resultar na criação de um determinado “objeto” ou 
“entidade” de natureza transcendente. Por exemplo, Jung observou 
que o processo alquímico não buscava a produção de uma pedra feita 
de qualquer substância física, mas de uma substância diferente, 
“filosofal”. Os alquimistas associavam o objetivo final de seu trabalho 
a diversos símbolos convergentes, relativos ao aspecto divino no ser 
humano, como a Imago Christi (“imagem de Cristo”) e o Adam 
Kadmon (o ser humano primordial). 
	
  
	
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Trata-se, claro, de um arquétipo, de um elemento na linguagem de 
programação que compõe a Matriz. Mas que arquétipo é esse? E, 
mais importante, qual sua função? 
Vamos à resposta analisando o desafio de enfrentar o Problema 
Humano: precisa-se remodelar o sistema/cognitivo de nossos 
antepassados. Esse sistema opera em um só contexto, ignorando a 
existência da Matriz e do hipercontexto, sendo controlado pelo ego, 
que está no centro da consciência. 
Desde que o ego evoluiu e apropriou-se de seus sentimentos e 
decisões, reconhecendo-os como próprios (e não oriundo dos deuses), 
ele tem ocupado posição central na consciência humana. O Self e a 
comunicação com a Matriz ocorrem apenas de forma “inconsciente” 
(eis o motivo de Jung chamar a Matriz de “inconscientecoletivo”), 
atuando no plano emocional e onírico. O ego é o operador do sistema 
cognitivo/decisório. 
E o ego foi competente na função que a evolução lhe atribuiu. 
Prova disso é o fato de o ser humano ter abandonado sua posição 
intermediária na cadeia alimentar do mundo selvagem e tornado-se o 
senhor deste planeta, chegando ao ponto de desenvolver tecnologias 
capazes de desafiar os limites impostos pela própria natureza, 
permitindo-lhe manipular a própria evolução e criar inteligências 
artificiais. 
Porém, diante do aumento da complexidade da sociedade e do 
novo mundo que se descortina com a ciência e a engenhosidade 
humana, esse sistema cognitivo/decisório tornou-se ultrapassado. 
Além disso, o ego humano é inconstante, sempre insatisfeito, como 
uma criança que se cansa fácil de seus novos brinquedos. A 
instabilidade lhe é inerente. Faz-se necessário realizar, pela 
individuação, uma nova reestruturação desse sistema. 
	
  
	
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É preciso dar o próximo passo, sequência daquele dado por 
nossos antepassados há cerca de três mil anos. É preciso começar a 
ampliar a consciência, para que gradualmente tome percepção maior 
do hipercontexto e da Matriz. É preciso estabelecer, na consciência, um 
segundo elemento ao lado do ego, de forma que esse não ocupe a 
posição central, e a consciência abra-se à possibilidade de contextos 
múltiplos e emergentes, assumindo responsabilidade pela condução de 
seu destino coletivo. Esse elemento deve ser uma ponte, um canal a 
partir do qual o ego comunique-se com o Self por meio de tal função 
de transição. 
A simbologia do processo alquímico. 
 
Jung chamou esse segundo elemento de “função transcendente”, 
e corresponde ao resultado de uma interação entre a consciência, 
representada pelo ego, e a Matriz. Surge dessa interação uma ponte 
de comunicação para uma manifestação simbólica do Self, do Eu 
Superior, na personalidade do indivíduo. Desse modo, o sistema 
cognitivo/decisório não é mais incumbência apenas do ego (e de sua 
	
  
	
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perspectiva limitada) – é, também incumbência, de aspectos mais 
profundos do ser, capazes de perceber o mundo e a vida de uma 
perspectiva mais elevada e ampla. 
Segundo Jung, com o desenvolvimento da função transcendente 
ocorre uma “profunda transformação da personalidade” da pessoa, 
surgindo “o ponto de um novo equilíbrio, um novo centramento” de 
sua consciência. Cria-se, desse modo, um “centro virtual que, por 
ocupar posição focal” entre consciência e Matriz, assegurando “à 
personalidade uma fundação mais sólida”. 
Portanto, a emergência da função transcendente reestrutura o 
sistema cognitivo/decisório, atualizando-o para que faça frente aos 
atuais desafios da humanidade. Equaciona-se, assim, o Problema 
Humano que entrava atualmente nosso caminho, permitindo que 
superemos a atual etapa e avancemos na direção de novos problemas, 
de novos desafios na busca do desenvolvimento pleno de toda a 
potencialidade humana. 
Há um método para a emergência e fortalecimento da função 
transcendente na consciência humana, deslocando o ego de sua atual 
posição central. Esse método, em linhas gerais, começa por criar o 
espaço para tal emergência através do desenvolvimento daquilo que é 
modernamente chamado de metacognição, ou seja, a plena 
atenção aos próprios pensamentos e sentimentos. Isso porque a 
primeira tarefa da função transcendente é deslocar o ego da posição 
central sem o despotencializar. Assim, ao deslocamento do ego deve 
corresponder ao aprimoramento de sua eficiência no desempenho das 
funções que lhe são reservadas. 
Esses métodos, porém, serão apresentados no futuro. Neste 
momento, o importante é saber que a criação da função transcendente 
deve buscar paralelismo com o trabalho dos alquimistas, que 
executavam um processo em dois fronts, atuando simultaneamente na 
matéria (para fora) e na mente (para dentro). Assim como eles 
	
  
	
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manipulavam a matéria segundo a ciência de sua época ao mesmo 
tempo em que efetuavam transformações em sua psique, o 
desenvolvimento da função transcendente também deve ser 
acompanhado do aprimoramento do atual domínio humano sobre a 
matéria, por meio da tecnologia. 
Iremos, em breve, abordar de forma mais prática o processo que 
possibilitará ao leitor equacionar o Problema Humano em sua vida 
pessoal, e que auxiliará a humanidade a enfrentar o mesmo desafio. É 
preciso, antes, compreender a totalidade da condição humana, 
inclusive a natureza das circunstâncias concretas em que a solução 
para o Problema Humano será implementada. 
Na próximaetapa, enfrentaremos a parte mais difícil do processo 
de aprendizado, consistente na identificação da natureza do Mal. Por 
fim, na quarta, retomaremos o tema da evolução humana e de suas 
possibilidades quase utópicas.

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