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SEGURANÇA PÚBLICA UNIASSELVI-PÓS Autoria: Me. Iverson Kech Ferreira Indaial - 2021 1ª Edição CENTRO UNIVERSITÁRIO LEONARDO DA VINCI Rodovia BR 470, Km 71, no 1.040, Bairro Benedito Cx. P. 191 - 89.130-000 – INDAIAL/SC Fone Fax: (47) 3281-9000/3281-9090 Copyright © UNIASSELVI 2021 Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri UNIASSELVI – Indaial. F383s Ferreira, Iverson Kech Segurança pública. / Iverson Kech Ferreira. – Indaial: UNIAS- SELVI, 2021. 165 p.; il. ISBN 978-65-5646-299-8 ISBN Digital 978-65-5646-298-1 1. Segurança pública. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 341.37 Impresso por: Reitor: Prof. Hermínio Kloch Diretor UNIASSELVI-PÓS: Prof. Carlos Fabiano Fistarol Equipe Multidisciplinar da Pós-Graduação EAD: Carlos Fabiano Fistarol Ilana Gunilda Gerber Cavichioli Jóice Gadotti Consatti Norberto Siegel Julia dos Santos Ariana Monique Dalri Marcelo Bucci Jairo Martins Marcio Kisner Revisão Gramatical: Equipe Produção de Materiais Diagramação e Capa: Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Sumário APRESENTAÇÃO ............................................................................5 CAPÍTULO 1 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS ..............................................................................7 CAPÍTULO 2 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA ....................................59 CAPÍTULO 3 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA .........................................................109 APRESENTAÇÃO Diariamente, o tema segurança pública está em pauta na imprensa nacional, por motivos que demonstram tanto sua importância quanto suas mazelas e dificuldades de acompanhar o exponencial crescimento dos grandes centros urbanos, com as enormes distâncias que separam e dividem o quinto maior país do mundo em extensão. Diante dessas situações que envolvem dimensões distintas, a segurança pública possui a árdua tarefa de estar em todos os lugares, tanto na ostensiva participação da vida social quanto em investigações diversas. É com essa imensa responsabilidade que iniciamos o estudo referente às diversas relações da segurança com a sociedade, com a democracia e com o bem-estar social. Entretanto, muitos são os desafios para se fazer uma política de segurança que consiga atender a todos os anseios e repreender todas as afrontas contrárias ao bem-estar geral. É nesse sentido que as discussões sobre o tema aumentaram consideravelmente nos últimos anos, evidenciando a importância de profissionais que entendam e discutam a segurança pública a partir de novas ferramentas, fontes de uma interpretação atual e responsável das políticas a serem aplicadas para uma exitosa campanha em benefício da defesa de todos. Problemas relacionados ao aumento exponencial da taxa de criminalidade, a ineficiência do sistema preventivo de proteção, a violência policial, a corrupção generalizada crescente nos órgãos públicos, a superlotação carcerária, o sucateamento das instituições e a falta de investimentos em novas tecnologias acarretam enormes impasses para o fortalecimento da organização democrática no país, sobretudo, quando se trata da dualidade segurança/sociedade. A discussão acerca da segurança pública deve ser respaldada por um Estado capaz de gerenciar as políticas públicas de segurança estimulando a atuação da sociedade civil. Com a extensão dos temas agravantes de segurança, há a necessidade de qualificar o debate a partir da inclusão de novos personagens e atores que possam distinguir, pela vivência prática, os novos paradigmas e possibilidades para as modernas políticas públicas. A partir daí, a necessidade de se entender a problemática da segurança pública só é possível através do entendimento de que ela não deve estar restrita somente ao direito e às instituições de justiça, mas passa pelo fortalecimento da competência do Estado na retomada das ações, bem como na ampliação do debate de uma parceria entre as instituições públicas e a sociedade ao redor na busca pela qualidade de vida. CAPÍTULO 1 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Conhecer, por intermédio da História, o nascimento da segurança pública no Brasil, considerando os seus diversos padrões e referencias legais. • Analisar o surgimento dos sistemas policiais no País. • Apresentar as diversas normas formais que originaram a legitimidade do monopólio da segurança pública pelo Estado. • Identifi car nos ditames constitucionais a interpretação magna da segurança pública atual. • Apresentar os diversos padrões de segurança pública. • Interpretar a origem do monopólio Estatal da segurança do cidadão, respaldado pela legalidade temporal até os dias hodiernos. Articular os diferentes paradigmas frente aos problemas e situações sociais enfrentadas pela população brasileira. Articular o pensamento crítico em prol da humanização da segurança pública, lastreado pela Constituição de 1988. 8 SEGurANÇA PÚBLiCA 9 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 1 CONTEXTUALIZAÇÃO O estudo da segurança pública está constantemente relacionado à evolução histórica e social de determinada coletividade, o que inclui a sua evolução e desenvolvimento, sempre em contínua transformação. Desde que as pessoas se uniram para a vida em coletivo em uma experiência de convivência que altera as percepções de coabitação, a harmonia entre os conviveres dessa sociedade deve se pautar por virtudes essenciais para a melhor sobrevivência do trato social. Ocorre que, historicamente, em todas as coletividades mundo afora, os problemas sociais enfrentados se pautam por variantes que não podem ser defi nidas por meros estudos estatísticos, mas pelas próprias raízes que estruturam essa sociedade (ELIAS; SCOTSON, 2000, p. 64). Por esse motivo, a importância de se entender os primeiros passos, a segurança pública no Brasil se consolida com o ideal primordial de conhecer as bases que alicerçaram o sistema vigente e como este pode ser melhorado diante das imensas difi culdades e diferenças, tanto territoriais quanto culturais que envolvem o Brasil. Numa visão geral, neste capítulo, devemos viajar até as Ordenações Filipinas, entendendo os primeiros passos da polícia no país e como a Constituição do Império foi capaz de moldar, naquela época, a essência do Exército e da Guarda Nacional. Com o passar dos anos e a evolução social brasileira, principalmente decorrente dos grandes centros urbanos em constante expansão, as mudanças na maneira que a segurança pública é percebida pelos cidadãos e pelo Estado são moldadas pela transição de determinados padrões e modelos de se enxergar a proteção estatal. Determinados paradigmas e referencias surgem para indicar as mudanças e quais os próximos passos que a política de segurança deve tomar para buscar um melhor e mais efetivo resultado. Entender a genealogia das instituições de segurança pública signifi ca reescrever o próprio conhecimento, infl ar-se de informações que podem vir a ser diferenciais no momento de compreender para onde estamos indo e realizar a crítica se o caminho a ser tomado é o mais correto. Somente pela história podemos interpretar os caminhos da passeidade e refl etir seus erros e discórdias, para que, quando oportuno e preciso, possamos nos posicionar diante das mudanças, das difi culdades e, até mesmo, nas tomadas de decisões tão importantes para a vida em coletivo. 10 SEGurANÇA PÚBLiCA 2 HISTÓRIA DA SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL Prezado aluno! Faremos uma breve análise do essencial desenvolvimento histórico da segurança pública em nosso país. Observaremos que a criação das polícias não atentava para a interpretação que hoje temos doque signifi ca segurança de todos, mas pautada somente na proteção dos grandes latifúndios, lutando contra invasões e protegendo as capitanias hereditárias que estavam em formação. O conceito polícia tomou uma semelhança ao que hoje conhecemos somente a partir da Independência do Brasil e com as Constituições Republicanas que foram escritas, com grande ênfase para a Constituição da República de 1988. Ainda assim, você verá que a real importância desse setor, tão ativo em nossa sociedade, era mitigada e atenta apenas ao poderio dos mais ricos e infl uentes do Estado. Para a época do descobrimento, o décimo quinto rei de Portugal, D. João III, teve a incumbência de manter a colonização e proteger o reino recém-descoberto na América Latina. Lembre-se de que Portugal era uma potência militar marítima e seu império se estendia pelo Oriente, África e Américas. Em 1530, estabeleceu a ocupação do litoral brasileiro, autorizando Martin Afonso de Souza, capitão-mor e governador das terras do Brasil, a outorgar sesmarias para a agricultura na então Vila de São Vicente, criando uma das mais importantes capitanias do território brasileiro (HERMANN, 2000, p. 76). Você se lembra das sesmarias e das capitanias hereditárias? Pois bem, as sesmarias eram terras pertencentes ao governo de Portugal, divididas aos que poderiam cultivar a agricultura, teve seu início em 1530 até 1822. Sesmaria signifi ca dividir, sesmar, fracionar. Daí a origem das capitanias hereditárias, divididas em 14 grandes lotes de terra e doadas aos importantes fi gurões da Corte, para que as protegessem contra os invasores inimigos e cultivassem as riquezas do solo. Com a divisão das terras para pessoas infl uentes na Corte Portuguesa, muitas foram as etnias indígenas absorvidas pelos novos donos de territórios, bem como inúmeras as normas criadas para a proteção tantos dos bens quanto das pessoas que faziam parte de uma sesmaria. Com diferentes tipos de pessoas, como 11 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 índios, escravos (o primeiro navio escravo chegou ao Brasil em 1535) e nobres, um código de leis e normas deveria ser seguido para a busca da segurança de todos. Ficou combinado junto a D. João III, que cada dirigente possuidor de terras fi caria responsável pela segurança dos seus, facilitando a compra de armas para a proteção. Assim, cada donatário de cada capitania organizava a sua defesa e a proteção do território por suas próprias forças. Nessa época, era comum a distribuição e trocas de armas de fogo e munição entre os donos de sesmarias. Assim, a administração pública não apenas sugeria, mas também dirigia um amplo domínio dos grandes donos de terras nas vidas e nas sociedades que se formavam a partir das capitanias. Note que, no início, a segurança de todos e o seu sistema vigente era, acima de tudo, privado, uma vez que não havia a participação do Estado. Havia então uma descentralização da responsabilidade estatal, que transferia aos particulares seus afazeres no sentido da segurança. Imagine a situação cuja segurança pública seja controlada, organizada e gerenciada pelos particulares, proprietários de grandes porções de terra, como na época das sesmarias. Daí, podemos lembrar as grandes obras escritas por Graciliano Ramos (Grande sertão veredas, de 1956) e de João Cabral de Melo Neto (Morte e vida severina, de 1955), em que, quem comanda tudo e todos são os grandes latifundiários, conhecidos como “Coronéis”. Foi o que aconteceu naquele período e que, curiosamente, vinha acontecendo até bem pouco tempo, como relatam os escritores das modernas obras citadas anteriormente. Há uma imortal passagem em Morte e vida severina, cujo personagem principal se depara com um cortejo de um defunto, que soube ter sido assassinado por um grande proprietário de terras que desejava as posses do moribundo, para, assim, ter mais terras para plantar (MELO NETO, 2000, p. 64). Existe, então, a desforra e a justiça com as próprias mãos, em que os fi ns são justifi cados pelos meios na falta de um controle do Estado. É possível, ainda, termos, nos dias de hoje, resquícios desse sistema patriarcal e colonial de controle das resoluções políticas acerca das tomadas de decisões que envolvam a Segurança Pública? FONTE: MELO NETO, J. C. de. Morte e vida severina. 4. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2000. 12 SEGurANÇA PÚBLiCA Entretanto, foi com as Ordenações Filipinas e seu texto legal que as normas para a proteção, prisão e segurança começaram a ter um rumo, levando o Brasil Colônia a aderir às normas que já se faziam presentes na Europa. 2.1 BRASIL COLÔNIA E AS ORDENAÇÕES FILIPINAS As forças que regiam a Europa do período da colonização do Brasil infl uenciaram os primeiros passos das normas e leis que passaram a vigorar em território latino-americano. As Ordenações Filipinas, em seu Livro V, são de grande valia aos nossos estudos, pois regulamenta o Direito Penal da época. Vemos, então, que com intuito de unir os aparatos legais, tanto portugueses quanto os de seus súditos no além-mar, o Rei de Portugal, Filipe I, em 1603, promulgou as Ordenações. Suas leis e normas, sejam penais ou civis, seguiam os costumes da época. Como o império vigorava em Portugal e em muitos outros países europeus, é natural o monarca instituir sua infl uência para instrumentalizar sua ação política e suas vontades por intermédio legal. Da mesma forma, lembre- se de que havia outro poder, além do monarca e que contribuiu, com a escrita das Ordenações, a Igreja Católica. É correto dizer que as Ordenações Filipinas marcaram a história do nosso Direito Penal, asseverando as disposições dos preceitos medievais que suportavam a tirania dos monarcas e da igreja numa época em que os direitos humanos inexistiam e o próprio homem poderia ser considerado sem nenhum direito devido a sua posição ou etnia (PEREIRA, 1980 apud SOUZA, 1872, p. 80). Para entender melhor a abrangência sinistra das Ordenações Filipinas, que apregoava o poder do monarca e da igreja em primeiro lugar, contra tudo e contra todos, Pereira (1980 apud SOUZA, 1872, p. 94) trouxe sua infl uente interpretação: [...] eram espelhos onde se refl etiva, com inteira fi delidade, a dureza das codifi cações contemporâneas, era misto de despotismo e de beatice, uma legislação híbrida e feroz, inspiradas em falsas ideias religiosas e políticas, que invadindo as fronteiras da jurisdição divina, confundia o crime com o pecado, absorvia o indivíduo no Estado fazendo dele um instrumento. Na previsão de conter o mau pelo terror, a lei não media a 13 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 pena pela gravidade da culpa; na graduação do castigo, obedecia, só, o critério da utilidade. FONTE: SOUZA, B. H. de. Lições de direito criminal. 2. ed. Recife: Livraria Econômica de José Nogueira de Souza: 1872. Isso trouxe uma infl uência signifi cativa para o direito da época, quando o dever de punir externalizava ditames que não poderiam ser julgados ou observados pelas provas legais, mas sim pela fé e pelas normas tratadas por tribunais eclesiásticos numa mistura entre pecados e crimes. Isso confi rma que a real motivação das Ordenações seria a manutenção do poder, tanto do soberano quanto da igreja, na conservação da ordem social e da escravidão. Perceba que esse período pós-medieval ainda é arraigado pela violência, tão característica daquela época. No Brasil que se colonizava, com seus personagens tidos como selvagens pela Coroa, somente a violência poderia pacifi car os corpos daqueles que poderiam se rebelar. Essa foi uma marca da segurança pública daqueles dias, a caça e a destruição do mal e do bandido, seja ele quem for, que incomode as pretensões da Coroa ou as propensões dos grandes proprietários de terra. O grande número de escravos e uma possível revolta, os desajustados sociais que se faziam presentes,precisavam de uma repressão por parte do poder legal. Ocorre que a segurança pública passou a ser mais um instrumento de viabilização dos poderes institucionalizados, bem como de manutenção das coisas como elas estavam. Ocorre que a segurança pública passou a ser mais um instrumento de viabilização dos poderes institucionalizados, bem como de manutenção das coisas como elas estavam. O medo na cidade do Rio de Janeiro, escrito por Vera Malaguti Batista, explica como o medo pode ser o carro-chefe para a caça e esteriotipação de atores no trato social. Com intuito de demonstrar como a revolta dos escravos Malês na Bahia, em 1835, conseguiu unir todo o aparato do sistema de segurança contra todos os escravos e como esse medo perdurou até os dias da modernidade, trazendo um mal-estar na sociedade carioca. A infl uência do medo do outro pode contagiar órgãos de repressão e controle do Estado contra qualquer pessoa/cidadão que possua o estereótipo a ser considerado causador desse medo. FONTE: BATISTA, V. M. O medo na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora Revan, 2014. 14 SEGurANÇA PÚBLiCA Nesse contexto, as polícias não eram profi ssionais, mas cidadãos escolhidos por determinados períodos para garantir a segurança. Estabelecida pelo Livro I das Ordenações, os inquéritos ou as investigações criminais eram conduzidas por juízes de fora que eram nomeados pelo próprio rei. Na falta dessa ordenação, os juízes poderiam ser eleitos pelos próprios moradores locais, e isso somente viria a mudar com a promulgação do Código Criminal de 1830, sob a égide da Constituição do Império. Todavia, os primeiros passos da polícia no Brasil são destacados no Período Imperial e, como vimos, seguem uma tendência escravocrata, autoritária e continuamente interligados às forças da igreja. 2.2 OS PRIMEIROS PASSOS DA POLÍCIA Você sabia que a origem da palavra polícia é grega? Politeia! Com o passar do tempo, passou ao latim como politia, mas sem alterar o sentido da palavra, entretanto, assumindo a interpretação de proteção da segurança pública por intermédio do governo. Note que, desde 1500, no Brasil, já havia uma organização criada por D. João III, quando estabeleceu as capitanias hereditárias. Os relatos podem ser comprovados a partir de 1530 (HERMANN, 2000, p. 85). Veja também que as primeiras polícias no país foram criadas antes mesmo da Independência. Os documentos guardados no Museu Nacional do Rio de Janeiro e datados de 1530 indicam que, com a chegada de Martin Afonso de Souza (1530-1532), primeiro governador e colonizador do Brasil, criou-se a primeira guarda militar, no início do século XVI (FAORO, 1997). Entretanto, alguns estudiosos entendem que não se caracterizava a função policial naquele corpo militar, pois não havia a pretensão de segurança a toda a comunidade, atividade exemplar e característica da polícia. Somente com a chegada da família real ao Brasil, em 1808, é que se intentou repetir aqui as instituições que já existiam no país português, objetivando a característica da atividade policial. A partir desse ponto, foi criada a primeira Intendência Geral da Polícia da Corte e do Estado do Brasil, situada no Rio de Janeiro. A função a ser desempenhada por esses policiais tinha a missão de estabelecer e fi scalizar as punições, bem como diversos serviços urbanos da cidade, entre eles a iluminação pública e o abastecimento de água. O intendente geral era o desembargador que atuava com poderes de juiz, julgando pessoas que eram acusadas por pequenos delitos, atuando, assim, como Polícia Judiciária. 15 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 Polícia Judiciária – Trata-se da polícia investigativa que realiza atos do inquérito criminal, como diligências de investigação, tomada de testemunhos etc. Enquanto a Polícia Militar tem a função ostensiva e a preservação da Ordem Pública (A rt. 144 da Constituição de 1988, § 5º), as polícias federal e civil possuem a incumbência de polícia investigativa da União e dos Estados, respectivamente (Art. 144 da Constituição de 1988, § 1 º, I e 144, § 4º da CF de 1988). Voltaremos a esses assuntos em breve! FONTE: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 3 jun. 2021. A Intendência Geral de Polícia da Corte deu origem ao que se conhece como Polícia Civil hoje em dia ou Polícia Judiciária. Veremos mais sobre a sua atuação e sua previsão legal nas próximas páginas, no decorrer de nossos estudos. Nessa época, a chefi a da intendência era desempenhada por um desembargador, chamado de Intendente Geral de Polícia. A ele era dada a possibilidade de escolher pessoas para que representem o seu poder nas províncias distantes umas das outras. Esse escolhido fi cou conhecido como delegado e exercia as funções de autoridade policial, seja investigativa, administrativa ou judicial (ZACCARIOTTO, 2005). Foi somente em 1841, com a Lei nº 261, que iniciou a previsão pelo ordenamento pátrio das atribuições policiais, incluindo, de forma ofi cial, o cargo de delegado de polícia. Ao continuarmos nossa viagem pela história, deparamo-nos com a criação de outra importante instituição, que viria a ser a origem da Polícia Militar no país. Vale destacar para nossos estudos que, em 1809, foi criada e organizada de forma militar, a Guarda Real de Polícia, que tinha amplos poderes para a manutenção da ordem. Essa guarda respondia diretamente ao intendente geral de polícia ou, como vimos, o desembargador. Essa fase ainda estava sobre o domínio das Ordenações Filipinas, ou seja, todo o direito penal, bem como seu processo, ainda amargava os ditames autoritários de tal preceito de normas. Ocorre que, em 17 de julho de 1831, a Guarda Real foi extinta, 20 anos depois de sua criação, para o seu lugar, foi criado o Corpo de Guardas Municipais, logo após o término de seus trabalhos. Alguns de seus soldados se juntaram ao 16 SEGurANÇA PÚBLiCA exército criado em 1648, formado para travar batalhas locais contra invasores e índios. Foi com a Independência do Brasil que começa a ganhar corpo a Constituição do Império, e, a partir dela, algumas infl uências que vemos até os dias de hoje perduram. A Guarda Real Militar de Polícia foi criada em maio de 1809 com intuito de auxiliar o Intendente Geral de Polícia da Corte e Estado do Brasil. Ficou sendo responsável, também, por diversas atividades, desde atribuições relacionadas diretamente à segurança pública, bem como outras não tão interligadas à segurança, como o embelezamento da cidade, salubridade e a urbanização. Sua principal função era a manutenção da ordem e o patrulhamento ostensivo em determinadas áreas da cidade do Rio de Janeiro, sede do Império (CABRAL, 2011). Extinta em julho de 1831, foi substituída pelo Corpo de Guardas Municipais. A extinção da Guarda Real se deu devido a uma importante rebelião ocorrida logo após a abdicação de D. Pedro I ao trono, em abril de 1831, quando a guarda reivindicava, de forma veemente, o fi m dos castigos físicos aplicados nas forças armadas. FONTE: CABRAL, D. Intendente/Intendência de Polícia da Corte e do Estado do Brasil. In: Dicionário on-line da administração pública brasileira do Período Colonial (1500-1822). 2011. Disponível em: https://goo.gl/JiygwJ. Acesso em: 9 jun. 2021. 2.3 A CONSTITUIÇÃO DO IMPÉRIO, A ORIGEM DO EXÉRCITO E DA GUARDA NACIONAL A Independência do Brasil, em setembro de 1822, estabeleceu o novo status para o reino, que deixaria de ser colônia de Portugal, mas seria reconhecido como Reino Integrante e Soberano. Entretanto, ainda mantinha o sistema da Monarquia em sua confi guração política mais importante. Acontece que, logo após Dom Pedro I imortalizar o Dia do Fico, o país teria que demonstrar os novos caminhos a serem seguidos em busca de sua hegemonia. Assim, uma novaCarta de Direitos foi estabelecida: A Constituição do Império do Brasil. 17 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 Em 25 de março de 1824, Dom Pedro I outorgou a Constituição Brasileira do Império, confi rmando-se imperador. Como você sabe, essa foi a primeira Carta Magna nacional, que garantia autonomia às províncias, criava os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, bem como um poder moderador, exercido pelo próprio imperador. Veja que é a partir dessas divisões que se começa a esquematizar a Constituição atual. Um importante passo para a época foi a criação do Código Criminal de 1830, que veio a substituir o defasado Livro V das Ordenações Filipinas, uma vez que a Constituição determinou a organização de um Código Civil e Criminal, “fundado nas sólidas bases da justiça e da equidade”, abolindo “os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis” (Art. 179, Parágrafos 18 e 19) (LARA, 1999, p. 38). Foi a partir daí que as normas passaram a dispor de uma organização política e administrativa, com o intuito de instruir todo o poder das leis por intermédio de uma Constituição única e, exclusivamente, nacional. Por certo, você lembra do que conversamos algumas páginas atrás, a respeito dos grandes latifundiários e sua proteção pela lei devido ao seu poder e riqueza. Isso, entretanto, continuou. Ficou conhecida como uma Constituição que prezava pelos mais abastados, tanto que, somente teriam direito ao voto, homens livres e com uma renda anual de mais de 100 mil réis (voto censitário). Da mesma forma, para participação política em uma eleição como candidato, essa soma subia para 200 mil réis a 400 mil réis, dependendo o cargo que se iria concorrer. Da mesma forma, para fazer parte da Guarda Real, somente cidadãos com renda mínima seriam escolhidos. Esse tipo de divisão acentuava cada vez mais as desigualdades sociais que já existiam naquela época no país, e, quanto maior o desequilíbrio, maiores são os problemas para a segurança pública. Como sabemos, o exército existe desde 1648, para a proteção da Colônia, principalmente contra invasores estrangeiros. A Guarda Nacional, criada sob a égide da Nova Constituição, tratava-se de uma organização paramilitar independente do exército, que possuía a importante atribuição de defender a Constituição e a integridade do Império, bem como na manutenção da ordem interna. A importância da criação da Guarda Nacional para a história do país é simbólica, pois, é a partir dela que surge o personagem do coronelismo. Sua criação veio com intuito de aumentar a autonomia das províncias dentro do país e, dessa forma, contrabalançar a força do exército, que tinha suas próprias convicções políticas e de vontades. Assim, note que o Imperador Dom Pedro I cercava-se de uma força que não poderia ser considerada milícia, uma vez que possuía seu aparato legal para travar suas batalhas se preciso fosse. Essa Guarda Nacional de Elite, como fi cou conhecida, era formada por civis e distribuída aos grandes proprietários de cada região. Cada grande latifundiário poderia alcançar o cargo máximo de coronel, por 18 SEGurANÇA PÚBLiCA isso, o fenômeno do coronelismo, prática que tanto infl uenciou a política brasileira e os seus famosos autores de livros e grandes histórias, como a indicada logo a seguir! Escrito por João Guimarães Rosa em 1946, o livro é Sagarana. Sagarana é uma obra dividida em nove contos, mas a desventura de Nhô Matraga é a que mais chama a atenção, em uma luta contra o Coronel Joãozinho Bem Bem e tudo o que seu poderio representava. O conto em questão é intitulado A hora e a vez de Augusto Matraga, (lançado no cinema em 1966 pelo diretor Roberto Santos e regravado, em 2012, por Vinícius Coimbra), trata de um mundo cercado por jagunços, cangaceiros, vaqueiros e coronéis do mato. Nesse universo real do sertão esquecido, mas latente do Nordeste e Centro Oeste do Brasil, a ordem é a valentia e a bravura em desafi ar o sol a pino todos os dias das semanas e de manter-se vivo todas as horas do dia. Não se pode vacilar em lugar de leis criadas e mandadas pelos coronéis e fanfarrões do lugar (FERREIRA, 2019, p. 142). FONTE: FERREIRA, I. K. Crime, arte e literatura. Porto Alegre: Ed. Canal Ciências Criminais, 2019. Percebeu a jogada de Dom Pedro I com a criação da Guarda Nacional? Não podendo confi ar no Exército, que possuía alguns desgarrados da infl uência do imperador e até contrários a ele, uniu forças aos fi éis súditos da Coroa, aqueles que receberam as terras do Império, tempos atrás. As capitanias hereditárias, mesmo após sua extinção, ainda geravam frutos ao imperador. Adeptos da Monarquia que os havia enriquecido, era comum os coronéis da Guarda Nacional fazer uso da força, para a defesa do sistema. Imagine só a situação! O governante não deveria utilizar da força de proteção nacional, de segurança pública, para garantir os seus desejos e vontades, ou deveria? Em Utopia, livro publicado em 1516, Thomas Morus indicava uma sociedade igualitária e tolerante, 19 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 iluminada pelas luzes do conhecimento e das liberdades, governada pela razão, rechaçando qualquer possibilidade de absolutismo. FONTE: <http://www.ebooksbrasil.org/adobeebook/utopia.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2021. A Guarda Nacional foi extinta em 1922 pelo presidente Artur Bernardes, após a Proclamação da República. 2.4 AS CONSTITUIÇÕES REPUBLICANAS Prezado aluno! Nessa última parte histórica de nossos estudos acerca da segurança pública no Brasil, vamos nos debruçar sobre as Constituições que o país teve ao longo de sua história. Como já visto, a Constituição de 1824 teve um importante papel para a história da segurança pública, uma vez que ordenava determinados padrões para a ascensão social, para ocupar cargos políticos e, principalmente, pertencentes à segurança da nação. Entretanto, como tratava-se de uma Carta Imperialista, apesar de abrir possibilidades como a divisão dos poderes e o direito ao voto, ainda que censitário, sua função primordial era a manutenção do Império. Foi a constituição que maior vigência teve, durando 66 anos. Esse período fi cou conhecido como Período Imperial, que teve seu término com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889. Dentre os períodos perpassados pela Monarquia brasileira (Brasil Império entre 1822-1889, Período Regencial 1831- 1840 e Segundo Reinado 1840-1889), a instituição das Forças Armadas perdura até os dias atuais, com mudanças pontuais. Cerca de 4,8 milhões de africanos foram trazidos ao Brasil como escravos entre 1550 e 1888, quando se deu o fi m da escravidão no país (ALENCASTRO, 2018). Ao serem libertos, não foram conferidos direitos, nenhuma medida de suporte ao liberto foi realizada pelo governo, sendo jogados ao meio de uma sociedade patriarcal, dominada por elites e que teria que conviver com os diferentes. A 20 SEGurANÇA PÚBLiCA forma de coexistência escolhida foi o preconceito, a estigmatização, segregação e violência contra os alforriados. Sofrendo com a falta de oportunidades e acesso ao estudo ou à saúde, essa violação de direitos e anulação do povo africano seguiu seu curso e, infelizmente, pode ser vista até os dias de hoje. Negros, pobres e indígenas (os índios que não foram massacrados na colonização/invasão sofrem estigmatização até hoje também), perfazem o objeto de marcação serrada das forças de repressão do Estado, historicamente. FONTE: ALENCASTRO, F. África, números do tráfi co atlântico. In: BAUMAN, Z. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. Com a queda do sistema monárquico, a primeira Constituição do Brasil pós- império nasceu em fevereiro de 1891, dois anos após a Proclamação da República pelo Marechal Deodoro da Fonseca. Essa constituição foi infl uenciada pelo positivismo francês, portanto, defendia o federalismodo governo republicano. Isso retirava o poder moderador, dado a uma pessoa apenas, o imperador, e aprovava o Presidencialismo. A importância da mudança de ares foi sublime para a legalização, concretização e profi ssionalização das polícias no Brasil. Entre os anos de 1902 a 1916 ocorreu uma reformulação organizacional na área da segurança pública e entre seus agentes. Após a constituição e a federalização, os Estados passaram a ter maior autonomia, uma vez que abandonavam a alcunha de província. Isso fez com que pudessem organizar os seus efetivos, padronizando as polícias (COSTA, 1989 apud FERNANDES; COSTA, 1998, p. 315). A Polícia Militar, por exemplo, já teve a alcunha de Regimento de Segurança e Brigada Militar, sendo convencionada Polícia Militar apenas em 1946, com a Constituição do Estado Novo. Já a Constituição de 1934 fi cou conhecida pelos primeiros anos da Era Getulista, vigorando até 1937, mas trouxe algumas peculiaridades e direitos, como o direito ao voto para as mulheres, de caráter obrigatório a partir dos 18 anos, trazendo como pauta questões trabalhistas como o salário-mínimo e a jornada mínima de trabalho, férias remuneradas e o repouso semanal. Toda essa mudança na estrutura mexia com a segurança pública, que se transformava com o passar dos tempos, precisando evoluir junto às leis que eram criadas. Notou que a República e o Presidencialismo passavam por essas Constituições que acabamos de ver? Observe agora que a próxima Carta Magna do Brasil trouxe a Ditadura, mudando tudo o que estava sendo organizado e, com 21 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 isso, a maneira de agir e de pensar a segurança pública. Em novembro de 1937, a nova Constituição fundava a Ditadura, dissolvendo o Congresso Nacional, Getúlio Vargas apresentava uma carta de direitos de cunho autoritário e centralizador, suprimindo partidos políticos e concentrando todo o poder nas mãos do mandatário do país, o presidente. O Estado Novo durou até a Constituição de 1946. Com a deposição de Getúlio Vargas, seu antigo ministro de guerra e agora presidente, Eurico Gaspar Dutra, retomava a possibilidade de uma redemocratização no país. O importante da Carta Magna de 1946 foi o estabelecer das atribuições, bem como a independência dos três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. De cunho presidencialista, retornava os direitos trabalhistas de greve e acabava com a possibilidade da pena de morte, restaurada pela Constituição anterior. Reforçava alguns direitos do cidadão, principalmente os direitos de liberdade e os direitos do voto. Novamente, alterava-se a maneira de pensar e estruturar a segurança pública, agora retornando aos ares de uma democracia. Como você já deve ter notado, isso durou pouco. Com o golpe militar de 1964, que depôs o Presidente da República João Goulart, foi escrita e promulgada a sexta Constituição que tivemos no país. Veja que essa tratava-se de uma carta de direitos escrita exclusivamente pela censura militar, abdicando os direitos coletivos e individuais mais prementes. O autoritarismo e a centralização política dos poderes (como na época da Monarquia, quando apenas a ele era dado o poder moderador, aqui seria apenas ao líder militar) trouxeram novamente a pena de morte, a caça aos inimigos políticos apelidados de inimigos da nação ou contrários ao governo que se formava, a limitação dos direitos trabalhistas, num retrocesso dos direitos já conquistados pelo cidadão através das cartas anteriores. O fechamento do Congresso Nacional, a censura dos meios de comunicação e a centralização do poder nas mãos dos militares, possuíam, segundo eles, uma importância extrema para o Brasil, que era a defesa do território contra os ataques dos inimigos, que seriam os opositores do governo e, assim, da Nação. Perceba que, mais uma vez, a segurança pública, em meio a todo esse redemoinho que se formava, teria que se reinventar aos mandos e desmandos de novos regimes e novas ordens que se formavam. 22 SEGurANÇA PÚBLiCA Se você achou interessante o tema acerca do inimigo que deveria ser combatido pelas instituições do governo, como a polícia e o direito penal, sugerimos o livro O inimigo no Direito Penal. Boa leitura! FONTE: ZAFFARONI, E. R. O inimigo no Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2013. Com a queda do Regime Militar, a Nova República chegava com a Constituição de 1988, conhecida como Constituição Cidadã. É certo que, com os últimos governos militares, já se acenava um período de redemocratização no país, reconhecido como abertura. Foi a partir desse processo que se começou a pensar em uma Carta de Direitos que estabelece os direitos da pessoa, as garantias individuais e novos direitos trabalhistas. Em outubro de 1988, foi promulgada a Constituição que temos até os dias de hoje, apresentando ao país uma nova realidade, democrática e inclusiva. Para isso, determinantes movimentos de ação da sociedade civil já se solidifi cavam e lutavam por uma ordem que elevasse os ideais de evolução social, contidos nos princípios iluminados pela liberdade e pelos ideais democráticos. Movimentos contrários ao militarismo e às ações ditatoriais tiveram extrema importância na garantia dos direitos fundamentais que foram acolhidos pela nova constituinte. Foi através dessa Carta Magna que as instituições passaram por uma permanente organização e a segurança pública teve, pela primeira vez, a real possibilidade de publicização, ou seja, seus atos e ordens se tornaram públicos, ordenados e planejados. Veja que o Art. 6º da Constituição já abriga a segurança pública como direito fundamental aos cidadãos e a sociedade: “São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (SARLET, 2012, p. 66). O autor ainda afi rma que: A acolhida dos direitos fundamentais sociais em capítulo próprio no catálogo dos direitos fundamentais, ressalta, por sua vez, de forma incontestável sua condição de autênticos direitos fundamentais, já que nas cartas anteriores os direitos sociais encontravam-se positivados no capítulo da ordem 23 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 econômica e social, sendo-lhes, ao menos em princípio e ressalvadas algumas exceções, reconhecido caráter meramente programático (SARLET, 2012, p. 66). Prezado aluno! Vimos, nesse primeiro momento, a importância dos acontecimentos históricos para a formação da cultura brasileira, e com esse conhecimento, podemos identifi car as raízes que estabeleceram a maneira de pensar, agir e de determinar a segurança pública no Brasil contemporâneo. Entendemos que o país, desde o momento de sua primeira colonização, teve um aspecto patriarcal e de dominação, interligados a um líder ou conquistador. Isso demonstra a rigidez e a obediência de determinadas instituições que são formadas historicamente. O Período Colonial foi uma época de violentos confl itos, e até meados da Nova República, com a Constituição de 1988, esses confl itos se avolumaram, intercambiando seus personagens vez ou outra. A segurança pública no Brasil perpassa todos os períodos na história, não como mera coadjuvante, mas como personagem essencial para a manutenção ou para a substituição entre um ou outro sistema. Você percebeu quantas vezes no decorrer da linha de tempo trazida aqui, nesse breve texto cronológico, os atores da segurança pública surgiram como subterfúgio para um ou outro governo ou administração? Sendo usada como estratagema para diversas vontades, inclusive, os desejos pessoais do imperador ou de algum premente golpe de Estado? A segurança pública não existe para esse fi m. Como sua própria nomenclatura já sugestiona, serve para preservar e manter ordem e paz onde há caos e guerra. Com as Constituiçõessendo alteradas, algumas vezes em tom de vanguarda, outras de retrocesso, a necessidade era constante de uma legalização e ordenamento que fi zesse prevalecer os reais intuitos da instituição. A partir de 1988, com a Nova República e os princípios de uma norma geral que norteiam as entidades, regulamentando-as e, ao mesmo, apoiando-as, o sistema de segurança passou a fi car mais claro. Para que isso ocorresse, você aprendeu que passamos por várias fases, desde a Monarquia, Republicanismo e Presidencialismo até a Ditadura. Isso acaba moldando a argamassa que constitui um povo e forma uma nação. Da mesma 24 SEGurANÇA PÚBLiCA forma, as idiossincrasias se repetem dentro das instituições, replicando, em geral, o discurso do comando e dos detentores do poder, mesmo que seja um discurso de segregação e caça aos inimigos, como em épocas de Ditadura. Portanto, a maneira que se constitui uma nação, constitui também as suas instituições, como a segurança pública. Com o processo evolutivo da nossa sociedade e de suas normas, entendemos que o processo de profi ssionalização e normatização dos agentes e das organizações de segurança transformam não apenas o instituto em si, mas também todo o entendimento da sociedade sobre a sua importância e sobre os seus anseios em meio à vida social. Quebrar toda a rigidez desumana de sistemas monárquicos e ditatoriais, bem como dispor de normas que enfatizem a necessidade e a importância das instituições, signifi ca realocar o conceito da segurança pública elevando-a em prol da sociedade ao redor, que deve ter sua busca social pautada no respeito ao próximo e na promoção humana. Muito bem! Finalizamos as Constituições Republicanas, bem como realizamos um breve estudo acerca daquilo que afeta a construção da identidade da nossa segurança pública, ajudando a entender como enxergamos a instituição atualmente. É sempre importante lembrar as palavras da historiadora Emília Viotti da Costa (2012, p. 1), que disse, certa vez: “Um povo sem memória é um povo sem história. E um povo sem história está fadado a cometer, no presente e no futuro, os mesmos erros do passado”. É com esse intuito de obtenção do conhecimento e sensibilidade para acertamos cada vez mais os passos futuros, observando erros e acertos do passado, que você deve ter notado a importância das normas que regiam, cada qual a seu tempo, a segurança pública. Ocorre que, como se trata de instituições que tem por fi nalidade a saudável convivência social, é comum a alteração de suas próprias perspectivas, ao passar dos tempos e da história. Isso acontece porque as mudanças de pensamento e atitudes são essenciais no ciclo evolutivo social, quando novas nuances, antes não imaginadas, por exemplo, a tecnologia e a globalização surgem como inovações que também se alteram constantemente, mudando a sociedade ao redor. No próximo subtópico, vamos entrar na discussão das mudanças de modelos e dos padrões que se alteram, mudando as perspectivas, tanto sociais quanto das próprias instituições que estamos estudando agora. 3 PARADIGMAS DA SEGURANÇA PÚBLICA Prezado aluno! Como conversamos no subtópico anterior, você viu que as mudanças ocorrem e são, na maioria das vezes, essenciais para o desenvolvimento tanto da sociedade quanto de suas próprias instituições. Imagine, você, se não 25 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 tivéssemos alterações na maneira de pensar e nenhum desenvolvimento nos institutos políticos. Estaríamos, agora, conversando, muito provavelmente, a respeito do direito hierárquico do próximo monarca ou sobre a possibilidade da pena perpétua para aqueles que possuem o pensamento diferente do imperador. Por certo, a evolução nos trouxe uma maneira de passarmos pelos obstáculos de forma mais democrática. Isso condiz com a Constituição da República de 1988, considerada uma Carta Cidadã, devido aos direitos que observa como essenciais. Direitos de liberdade de expressão e de igualdade são prezados pela Carta Magna e essenciais para a busca da justiça. Como vimos, para chegarmos até esse ponto, as mudanças vieram de forma paulatina, devagar e se moldando com o passar dos tempos. Ainda assim, elas chegaram. Motivadas pela nova maneira de enxergar a sociedade e o trato social, pela nova ordem social pautada na globalização, seja econômica ou social, na tecnologia e em novos conhecimentos, tivemos que nos transformar para nossa sobrevivência. Assim também ocorreu com as instituições. Um dos fi lmes mais envolventes sobre as mudanças de paradigmas e que consegue explicar bem as alterações dos padrões, é o famoso 2001, uma odisseia no espaço, com direção de Stanley Kubrik, baseado no livro homônimo de Arthur C. Clarke. A cena em que o primata reconhece um osso como arma, e não apenas mais como objeto inanimado, altera a sua percepção de poder sobre os outros, subjugando-os com sua nova descoberta. Isso também pode ser considerado uma mudança de paradigmas. FIGURA – FILME 2001, UMA ODISSEIA NO ESPAÇO FONTE: <HTTPS://F.I.UOL.COM.BR/ FOTOGRAFIA/2018/04/01/15225919375AC0E8C1BD73D_1522591937_3X2_ MD.JPG>. Acesso em: 3 jun. 2021. 26 SEGurANÇA PÚBLiCA “Uma mudança de paradigma signifi ca o dispensar das formas usuais que foram estimadas como uma verdade globalizada e o refazer dessas formas perante o novo ciclo que se apresenta à frente” (KUHN, 2006, p. 23). Então, podemos considerar que quando há uma crise na maneira de pensar e realizar determinados atos, deve haver uma alteração, uma transformação que chamamos mudança de paradigma. Vamos apresentar um exemplo da mudança de paradigma que hoje estamos acostumados: uma infl uente mudança de padrões surgiu da insustentável maneira a qual utilizávamos a natureza ao redor. Para atenuar essa crise, surgiu o sistema do desenvolvimento sustentável. Entretanto, nem sempre a mudança signifi ca que o paradigma anterior deixou de existir por completo, podendo ainda sobreviver resquícios de sua forma anterior mesmo no novo paradigma. Veja que em nosso exemplo as indústrias mais poluentes nunca deixaram de existir. Isso comprova que até mesmo na mudança dos padrões, costumes e idiossincrasias possuem o elo de conexão com o antigo, podendo infl uenciar tanto para o bem quanto para o mal o paradigma porvir. Mudança de paradigma – Termo criado por Thomas Kuhn, fi lósofo norte-americano que conceitua o paradigma de forma objetiva. Ele explica que “o conhecimento não se desenvolve de maneira uniforme e cumulativa, estabelece as situações difusas da existência, ou seja, a experiência humana pode transformar novos modelos para substituição e a entrada de novas regras” (KUHN, 2006, p. 218). Os três paradigmas que serão apresentados a você, a seguir, demonstram a maneira que se enxerga a segurança pública em seus determinados momentos de existência. Afi nal, qual a importância maior da defi nição do paradigma ou padrão? Os padrões, ou paradigmas, servem para determinar a agenda de uma política criminal e defi nir alternativas de políticas públicas contra a violência e o crescimento da criminalidade. 27 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 Política Criminal – É o “conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. Compreende também os meios e métodos aplicados na execução das penas e das medidas de segurança, visando o interesse social e a reinserção do infrator” (DOTTI, 1999, s.p.). FONTE: DOTTI, R. A. A crise do sistema penal. Revista dos Tribunais, n. 768, out. 1999. Os paradigmas apresentados representam as constantes mudanças na área de segurança. Isso nos demonstra que os objetivos e estratégias ao longo dos anos também são variáveis, conforme o paradigma que conceitua determinada época e que estimula cada iniciativa e cada estratégia. Veja que essas três maneiras de seenxergar a segurança pública retratam os mais importantes e contemporâneos modelos. Vamos estudar, aqui, as suas principais características. São eles: • Paradigma da Segurança Nacional – que compreende o período da Ditadura Militar. • Paradigma da Segurança Pública – consolidado com a promulgação da Constituição Federal de 1988. • Paradigma da Segurança Cidadã – perspectiva que infl uência a América Latina e o Brasil a partir do ano 2000. Vamos estudá-los? 3.1 PARADIGMAS DA SEGURANÇA NACIONAL Esse conceito existia no Brasil durante o período da Ditadura Militar, que vigorou entre 1964 até 1985. Nessa ótica, priorizava-se a defesa do Estado e a ordem política e social. Como vimos, a Ditadura freou os ímpetos e ideais iluministas de liberdade e igualdade, brecando também os direitos constitucionais. Não à toa, foi uma época de supressão, censura e perseguição política. Essas características infl uenciaram a maneira qual o Estado brasileiro conceituava a 28 SEGurANÇA PÚBLiCA área da segurança pública, que tinha seus fundamentos formada pela Doutrina de Segurança Nacional, formada pela Escola Superior de Guerra. Assim, você percebe que qualquer política de segurança pública passaria, então, pelo crivo de uma instituição que possui, em sua característica mais originária, a guerra, o combate e o confl ito (OLIVEIRA, 1976). A primeira Constituição do Regime Militar de 1967 previa o princípio da defesa do Estado expressamente, incluindo as Forças Nacionais como preponderantes e essenciais para a execução da segurança pública. Centros de inteligência e de informação, como o serviço Nacional de Informação prestavam a função de informar qualquer intenção de ameaça ou, até mesmo, opiniões contrárias ao Estado de Segurança Nacional. Isso recrudesceu a política de caça aos considerados inimigos do Estado, que os interligava principalmente à corrente do comunismo (BORGES, 2003, p. 33). Nessa época que moldou o paradigma, a repressão por meio das Forças Armadas e dos órgãos de controle e repressão eram o foco principal do governo, a prioridade para o sistema de segurança pública. Esse padrão da supremacia do interesse nacional conseguiu justifi car o uso da força excedente quando houvesse qualquer tipo de risco à segurança e à ordem do sistema de governo então empregado. Agora veja, a Constituição de 1967, não defi ne o que é a segurança pública nem quem são os seus agentes. Consegue trazer um relevante aspecto interpretativo quando realça, em seu Art. 89 que “toda pessoa natural ou jurídica é responsável pela Segurança Nacional, nos limites defi nidos em lei” (BRASIL, 1967). Notou que a frase descreve, de fato, o real propósito da segurança pública? E qual seria ela? Seria a defesa do Estado, mas não a defesa da sociedade, uma vez que não há analogia alguma que indique no texto a coletividade social. Assim, as pessoas físicas e jurídicas (empresas) são consideradas corresponsáveis pela segurança, porém nunca suas benefi ciárias, e isso não nos lembra a posição dos Coronéis e seus comandados nas capitanias hereditárias? Nos dias atuais, as próprias atuações das Forças Armadas no cenário da segurança pública nacional, vez ou outra, recebendo chamados para reforçar a proteção de um ou outro ambiente, é um resquício deste paradigma nas políticas modernas. 3.2 PARADIGMA DA SEGURANÇA PÚBLICA O segundo paradigma que conhecemos destaca-se pela nomeação das instituições de segurança pública, bem como de seus afazeres e tarefas Centros de inteligência e de informação, como o serviço Nacional de Informação prestavam a função de informar qualquer intenção de ameaça ou, até mesmo, opiniões contrárias ao Estado de Segurança Nacional. As pessoas físicas e jurídicas (empresas) são consideradas corresponsáveis pela segurança, porém nunca suas benefi ciárias 29 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 principais, realizada pela nova Carta Magna, que abria essa mudança de padrões. Essa alteração se deve à promulgação da Constituição de 1988 como um marco legal na construção de uma redemocratização no Estado nacional. Mesmo não estabelecendo um conceito básico do que seja segurança pública, defi niu seus afazeres diferentemente de sua antecessora quando “a segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos” (BRASIL, 1988, Art. 144, caput). Da mesma forma, prevê a funcionalidade do instituto quando celebra “a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988). A partir daí, a Constituição nomeia e respalda legalmente todas as instituições que perfazem o sistema, demarcando, dividindo e determinando suas funções, competências e jurisdições. Isso signifi ca segurança jurídica, tanto ao cidadão quanto aos agentes que laboram na segurança pública, uma vez que estão respaldados por uma lei suprema, que os dota de direitos, mas também de deveres. Você percebeu a importância do novo paradigma que se abria com a Nova República? Além disso, padronizou a atuação das polícias judiciárias, seja a Polícia Federal ou Polícia Civil, bem como defi niu estruturalmente os órgãos ostensivos, que patrulham preventivamente na prevenção da sociedade e na prevenção de delitos da Polícia Militar e Corpo De Bombeiros. Através dos órgãos elencados no Art. 144, a CF/1988, expressou-os e determinou-os como responsáveis pela manutenção da segurança interna, são eles: • Polícia Federal. • Polícia Rodoviária Federal. • Polícia Ferroviária Federal. • Polícias Civis. • Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares. O Art. 142 defi niu o papel das Forças Armadas como responsáveis pela manutenção da Segurança Nacional e sua soberania, na defesa da Pátria e na garantia dos poderes constitucionais. Isso demonstra um conceito diferente para as duas instituições, tendo cada uma âmbitos diferentes, enquanto a Segurança Pública volta-se para a preservação da harmonia interna, a Segurança Nacional, por intermédio das Forças Armadas, é atribuída ao exercício da soberania nacional e da defesa do território. Nessa nova perspectiva e seus atuais padrões, podemos notar que houve uma descentralização administrativa, e o novo princípio conferia, então, aos Estados e Municípios uma maior participação na execução da segurança pública, que passam a ter responsabilidades pelo gerenciamento de suas polícias civil e militar. Isso proveu aos Estados uma autonomia frente à implementação da segurança, podendo, assim, trabalhar com suas estatísticas próprias e com 30 SEGurANÇA PÚBLiCA seus mapas de criminalidade elaborados a partir das coletas de dados. Para minimizar um possível rompimento entre Estados e Nação, o Governo Federal criou secretarias nacionais que pudessem quantifi car o controle da violência e da criminalidade, com intuito de implementar uma política nacional de segurança pública. O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), aprovado recentemente, e o Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) são duas importantes formas de secretariar o instituto. A primeira tem a função de articular a troca de informações entre as secretarias federais, estaduais e municipais, com intuito de aperfeiçoamento das estratégias de combate ao crime, respeitando a autotomia das instituições. Já a SENASP compete assessorar o Ministério de Estado da Justiça no desenvolvimento de políticas, estudos e campanhas para implementar a política nacional de segurança pública no país, coordenada pelos órgãos respectivos de segurança de cada região, estado e município. A realização desse feito somente pode ser possível com a análise dos dados estatísticos de violência de cada localidade. Prezado aluno! Percebeu que a perspectiva aqui é outra? Agora, transfere a missão de controle da violência e da segurança das mãos das Forças Armadas, que passam direto para as polícias responsáveis, cada uma em sua área. Não se preocupe,pois mais para frente esmiuçaremos os artigos da Constituição de 1988 que tratam da segurança pública, principalmente de suas competências e jurisdição. Por ora, é importante que você entenda que o paradigma da segurança pública surgiu para alterar uma visão ultrapassada e arcaica de controle das Forças Armadas. Agora a perspectiva é outra, como bem enfatizou Freire (2009, p. 52): [...] a perspectiva da Segurança Pública desloca o papel de prevenção e controle da violência das Forças Armadas para as instituições policiais. Nesse sentido, no paradigma da Segurança Pública, cabe primordialmente às instituições policiais a responsabilidade pelo controle e prevenção da violência. No entanto, enquanto na perspectiva da Segurança Nacional a violência era representada como as ameaças aos interesses nacionais, no arcabouço da segurança pública está é caracterizada como ameaça à integridade das pessoas e do patrimônio. Acontece que, com a constante globalização e as novas tecnologias que surgiam, outra forma de se enxergar as sociedades, a partir de suas próprias carências, analisadas a partir de estudos locais, um novo paradigma ou modelo surgia. Vamos conhecê-lo? 31 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 Se quiser pesquisar a respeito das secretarias, fi ca a dica dos sites respectivos! A SUSP pode ser encontrada aqui: https://legado. justica.gov.br/seus-direitos/elaboracao-legislativa/projetos/susp. Enquanto a SENASP, pode ser encontrada aqui:: https://www.novo. justica.gov.br/sua-seguranca-2/seguranca-publica/senasp-1/a-senasp. Boa Leitura!! 3.3 PARADIGMA DA SEGURANÇA CIDADÃ A perspectiva desse paradigma realça o panorama local, destacando as experiências vividas nas comunidades da América Latina, desenvolvendo suas análises a partir do cotidiano das sociedades que se deseja interpretar. Para isso, prezado aluno, uma quebra de vínculo perante as análises estrangeiras, que não conhecessem das mazelas e intempéries das comunidades latinas, precisou ser imposta. A mais signifi cativa mudança ocorrida nesse paradigma, além de utilizar- se de pesquisas caseiras, foi a alteração dos sujeitos tutelados, ou protegidos, pela Segurança Pública do Estado. Como vimos, é dever estatal a proteção e segurança de seus citadinos. Agora, o núcleo central deve reger a ampla cidadania. Em uma época de globalização e modernidade, o indivíduo somente consegue atingir os seus ideais sociais a partir da cidadania. Considerar-se e ser visto como cidadão, dotado de direitos, igualdade, mas também de responsabilidades sociais, signifi ca fazer parte da cidade, pertencer a uma comunidade. Para isso, políticas públicas de segurança devem caminhar em conjunto às outras essenciais áreas, como lazer, cultura, esporte, saúde, educação etc. Esse envolvimento de várias instituições prevê a efetivação de ações planejadas em nível social, permitindo que na sociedade possa participar de suas realizações e programações, com intuito de focar para o envolvimento comunitário, diminuindo os índices de violência social. O chamado Paradigma da Segurança Cidadã surgiu na década de 1990 e passou a implementar em alguns países da América Latina, em especial a Colômbia, a integração de políticas em setores diversos, alcançando êxito na diminuição da criminalidade. Assim, você notou que é preciso o envolvimento de várias instituições em conjunto para que o conceito desse paradigma possa vir 32 SEGurANÇA PÚBLiCA a se realizar? Podemos defi nir que isso não seria possível sem a participação das pessoas que fazem parte da comunidade. Dessa forma, entendemos que a participação popular, o engajamento social, possui um papel preponderante para a saúde da vida comunitária. Esse participar, expressa o sentido de cidadania. Devido às enormes distâncias entre os Estados e pelas próprias características da divisão federativa no Brasil, esse modelo está presente com maior veemência em determinados locais do que em outros. Ainda assim, a Secretaria Nacional de Segurança Pública iniciou o programa Segurança Cidadã. Nesse padrão, enfatiza-se a importância da gestão local, dos estados e municípios, pois a implementação de políticas locais aproxima o cidadão das atividades, ocasionando um maior envolvimento e até mesmo uma maior legitimidade às ações, uma vez que são realizadas em seu próprio local, em sua própria comunidade. Uma importante caraterística desse arquétipo incentiva que as ações comunitárias participem da construção da cidadania, na convivência e na resolução pacífi ca dos confl itos que existam, sendo um dos princípios para a prevenção de atos de violência (FREIRE, 2009). A participação das polícias também possui um aspecto diferencial. Com a formação da polícia comunitária, com agentes aptos para atender casos diversos, na sua localidade de guarda, criou-se um vínculo entre os operadores da segurança e os moradores. Só que o paradigma da Segurança Cidadã possui outras determinações que diferem o conceito das responsabilidades do agente de segurança dos tempos de outrora. Aqui, devemos entender que não se trata apenas do serviço policial em sua participação ostensiva e preventiva, mas também em identifi car as raízes de confl itos diversos que existam nas comunidades. Dessa forma, não atua perante as consequências das divergências e contendas apenas, mas procura absorver as causas motivadoras em cada interação social realizada. Em um desafogo do poder judiciário, sempre em elevados e crescentes números de causas a serem julgadas, a polícia do paradigma atual deve tentar pela conciliação, num primeiro momento ao identifi car essa possibilidade, podendo atuar de forma extrajudicial ao resolver os problemas da comunidade nos locais onde eles ocorrem. O conceito que determina a Segurança Cidadã envolve outras dimensões que não apenas a policial, mas outras instituições civis e de estudos acadêmicos e estatísticos, reconhecendo, então, uma diversidade das causas da violência, bem como a heterogeneidade de suas ações. Por esse prisma, você pode perceber que políticas públicas locais integradas à segurança pública, por intermédio das instituições públicas e da sociedade civil, podem ser implementadas a partir de ações planejadas e que são identifi cadas como essenciais para a redução da violência e do crime. Para isso, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento – Brasil (PNUD), criou o Guia do Marco Conceitual 33 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 da Convivência e Segurança Cidadã, em que aponta cinco principais formas de intervenção das políticas de segurança públicas que devem mecanizar o paradigma (PNUD, 2016). São consideradas maneiras de intervenção para o sucesso da aplicação do paradigma da Segurança Cidadã: • As dirigidas ao cumprimento voluntário de normas (minimizando, assim, a persecução penal). • As que buscam a inclusão social e a diminuição de fatores de risco (álcool, drogas, armas etc.). • As que têm como propósito a melhoria dos contextos urbanos associados ao medo e ao perigo real (recuperação de espaços públicos). • As que facilitam o acesso dos cidadãos a mecanismos institucionais e/ou alternativos de resolução de confl itos. • As que possuem foco na construção de capacidades institucionais, melhoria da efi cácia policial e das autoridades executivas ou judiciais e da confi ança dos cidadãos em tais instituições. Policiamento comunitário – “É uma fi losofi a de policiamento que ganhou força nas décadas de 1970 e 1980, quando as organizações policiais em diversos países da América do Norte e da Europa Ocidental começaram a promover uma série de inovações na sua estrutura e funcionamento e na forma de lidar com o problema da criminalidade. Em países diferentes, as organizações policiais promoveram experiências e inovações com características diferentes. Algumas dessas experiências e inovações sãogeralmente reconhecidas como a base de um novo modelo de polícia, orientada para um novo tipo de policiamento, mais voltado para a comunidade, que fi cou conhecido como policiamento comunitário” (BAYLEY; SKOLNICK, 2001). Surgiu com força nos anos 1990 na América Latina, após o Paradigma da Segurança Cidadã, por envolver a comunidade em seus planejamentos. É pelo termo comunitário que se abre a possibilidade de mudanças, ocasionadas pela diversifi cação das comunidades em sua própria convivência. Você pode notar, então, que uma política de segurança pública envolvente e de qualidade precisa, pelo que vimos dos três padrões apresentados, da participação dos atores mais importantes no contexto: o próprio povo e as instituições civis. 34 SEGurANÇA PÚBLiCA Vamos treinar um pouco o que vimos aqui? 1 Várias são as atividades que se modulam e se alteram, como os padrões antes aceitos, que são substituídos por novos paradigmas, por inúmeras situações. Isso molda também a maneira que enxergamos a Segurança Nacional, as Políticas Públicas e a Política Criminal. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Mudanças de paradigmas envolvem uma transformação total do antigo padrão, sendo incompatível à manutenção de qualquer resquício do anterior. b) ( ) Não pode ser considerado mudança de paradigma da Segurança Pública para a Segurança Cidadã, uma vez que o próprio cidadão é personagem principal das atividades de segurança pelo Estado, nos dois modelos. c) ( ) A proteção dos interesses nacionais oportunizou um amplo crescimento da soberania nacional quando a Segurança Nacional idealizou o cidadão como personagem essencial a ser tutelado. d) ( ) Política criminal é o conjunto sistemático de princípios e regras através dos quais o Estado promove a luta de prevenção e repressão das infrações penais. 2 A maneira de se fazer o policiamento é, por si só, considerado através da forma que fazemos políticas criminais. Nesse sentido, classifi que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: a) ( ) Policiamento comunitário não se envolve com as mazelas da comunidade. b) ( ) Policiamento comunitário é defi nido pela política criminal. c) ( ) O paradigma da Segurança Pública surgiu para alterar uma visão ultrapassada e arcaica, de controle das Forças Armadas. d) ( ) O paradigma da Segurança Cidadã compreende a participação dos profi ssionais de diversas instituições, o que não envolve a atividade da comunidade. Assinale a alternativa que apresenta a sentença CORRETA: a) ( ) F – V – V – F. b) ( ) V – V – V – V. c) ( ) F – F – V – F. d) ( ) V – F – F – V. 35 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 Vamos visualizar os diferentes aspectos entre os três paradigmas? QUADRO 1 – DIFERENTES ASPECTOS ENTRE OS TRÊS PARADIGMAS Itens analisados Segurança Nacional Segurança Pública Segurança Cidadã Objetivos principais Proteger os interesses nacionais que são relacionados à manu- tenção do poder Preservação da ordem pública e incolumidade das pessoas e patrimô- nio (Art. 144, CF/ 88) Oportunizar e oferecer a cidadania e a convi- vência comunitária, na busca da prevenção de crimes Quando ocorreu? Ditadura Militar Redemocratização com a CF de 1988 – Estado Novo Com o crescimento da violência, paradigma atual O que faz o Estado? Elimina ameaças con- trárias aos interesses nacionais e às Forças Armadas Providencia a seguran- ça às pessoas e seu patrimônio Concretiza políticas setoriais visando o âmbito local, com participação das insti- tuições policiais e das políticas sociais Como fi ca o cidadão? Submisso à elite que compreende o poder, sem direitos individuais Direitos restabeleci- dos. São favorecidos pela segurança, que é dever do Estado Sua participação auxilia na redemocrati- zação e na prevenção da violência. É o personagem central desse paradigma Como é a Política Pública? Serviço de inteligência para caçar os inimigos dos interesses nacio- nais. Instituições são elaboradas unicamen- te para a repressão Estratégias de controle da criminalidade, po- líticas de segurança estaduais Políticas setoriais integradas, prevenção por ações focalizadas na comunidade. Parti- cipação Expectativas Sem direitos não há perspectiva/expectati- va alguma Possibilidade de uma política pública central Possibilidades de diminuição da crimina- lidade pela convivência social e policial FONTE: O autor Você percebeu as diferenças? Entre uma e outra existem grandes saltos de perspectivas e de possibilidades. As expectativas são grandes para o paradigma que experenciamos hoje em dia. Todavia, vivemos em uma sociedade muito complexa. As articulações entre os institutos e entre esses e as pessoas devem ser comuns, ocasionadas no dia a dia. Se isso não ocorrer, perde-se o amálgama 36 SEGurANÇA PÚBLiCA que une a coletividade, que é a própria convivência, tão complicada atualmente. Essas análises nos permitem observar de onde vieram as políticas públicas e qual caminho devemos tomar de agora em diante. Notamos que a Segurança Cidadã possui um grande aporte de grandes virtudes. Ocorre que, para que possa existir, ela depende do envolvimento da sociedade, que vive épocas difíceis. É responsabilidade do poder público, por intermédio das políticas sociais, trazer de volta os desgarrados para o discurso e para a vida social, incrementar políticas saudáveis de educação, lazer, saúde e trabalho, para que a vida comunitária siga o paradigma proposto. Quais são as concepções para o futuro da Segurança Pública em nosso país? Vamos ver a mais à frente! Se você se interessou ou deseja entender mais sobre a complexidade da sociedade que vive o período conhecido como Pós-Modernidade, indicamos os livros do sociólogo polonês Zygmunt Bauman. Como são mais de 30 obras, recomendamos as seguintes: BAUMAN, Z. O mal-estar da Pós-Modernidade. Rio de Janeiro, Ed. Zahar, 1998. BAUMAN, Z. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. Uma excelente leitura para você! 3.4 AS NOVAS PERSPECTIVAS PARA AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SEGURANÇA NO BRASIL Todas as perspectivas e fi chas para o futuro da segurança pública no Brasil são jogadas nas possibilidades trazidas e abertas pelo Paradigma da Segurança Cidadã. Sua experiência de envolvimento com a comunidade, por intermédio da abrangência das políticas públicas para o fi m de participação comunal e de todos, é um apelo ao sentido de convivência e auxílio mútuo, que parte não somente entre as pessoas em si, mas entre os cidadãos e as instituições. A partir daí, o sentido de democracia somente pode ser entendido com a cidadania total, fazendo parte de uma sociedade de forma intensa e satisfatória. 37 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 A busca pela diminuição da violência, por intermédio dos padrões aceitos atualmente, prevê a educação e o comprometimento da política local com medidas de suporte ao seu cidadão com possibilidades de oportunidades diversas para o seu crescimento. A segurança pública também agradece e faz parte de atos que valorizam a pessoa ao invés de estigmatizá-la. A falta de oportunidades e possibilidades, bem como o afastamento das comunidades dos setores públicos da vida cotidiana, realça a segregação de comunidades inteiras, de pessoas e famílias. As perspectivas para a segurança pública para o futuro somente podem vir com o olhar atento para o passado, ao não cometermos os erros anteriores de deixar uma parte da população que vive em uma grande vulnerabilidade social a sua sorte e desgarrados de qualquer atividade pelo Estado, que proporcione convivência e alteridade. “O Paradigma da Segurança Cidadã vem sendo discutido desde meados da década de 1990 e tem forte infl uência de organismos internacionais. Na América Latina, destaca-se o exemplo da cidade de Bogotá que, em pouco mais de dez anos, alcançou efetivos resultados na reduçãode homicídios e crimes patrimoniais, articulando ações preventivas e repressivas com forte participação dos entes locais. No Brasil, o paradigma vem sendo instrumentalizado por sucessivos planos e programas de segurança pública desde o ano 2000. Sinteticamente, o objetivo deste novo paradigma consiste na promoção da convivência e cidadania, prevenindo e controlando a violência. Ademais, reconhece-se a criminalidade como um fenômeno multicausal, genericamente dividido em violência incidental e crime organizado. Na segurança cidadã, busca-se não somente a preservação da incolumidade e do patrimônio dos cidadãos, mas a consolidação dos direitos, da cidadania, da participação social e da maior atuação da sociedade civil. Dentre os instrumentos que buscam implementar esse novo conceito nas políticas públicas de segurança, foram destacados os I e II PNSP e o Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronasci) que, apesar dos poucos avanços práticos, demonstram o interesse do Estado em repensar o tema, desvinculando-se das medidas exclusivamente repressivas e reativas que marcam as ações estatais nessa área. A evolução paradigmática da segurança pública no Brasil não está alheia aos fatos históricos, ao contrário, é guiada por eles e concentra-se principalmente no reconhecimento e 38 SEGurANÇA PÚBLiCA ampliação dos direitos sociais, bem como na busca da democracia plena, em que o monopólio do uso da força pelo Estado seja ao mesmo tempo efi caz e guiado pela razoabilidade e proporcionalidade. Os desafi os que envolvem essa evolução e, especialmente, a consolidação do paradigma atual são imensos. Trata-se de uma mudança cultural, em que se busca redefi nir o que é e quem deve participar da formulação e implementação das políticas de segurança pública. Nesse sentido, as resistências intelectual e acadêmica são fundamentais, assim como o entrosamento com os órgãos e agentes da área de segurança visando não somente avançar na consolidação do paradigma, mas principalmente evitar o retrocesso das conquistas já alcançadas” (LIMA; COLVERO, 2017). FONTE: LIMA, A. R. A. de; COLVERO, R. B. Os Paradigmas e as novas perspectivas para as políticas públicas de segurança no Brasil. REBESP, v. 10, n. 2, 2017. Disponível em: https://revista.ssp.go.gov. br/index.php/rebesp/article/view/284. Acesso em: 3 jun. 2021. A seguir, que tal analisarmos o que a nossa atual Constituição expressa sobre a Segurança Pública no Brasil? 4 A CONSITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 E A SEGURANÇA PÚBLICA Prezado aluno! Após termos passado tanto pela parte histórica quanto pelos paradigmas que infl uenciaram os modelos de segurança pública, devemos nos ater a sua disposição legal a partir da Constituição de 1988. Como você já sabe, tivemos um total de sete Constituições no país, cada uma possuía a sua peculiaridade a partir dos movimentos políticos que se apresentavam no cenário nacional. Entretanto, em questão de segurança pública, notamos que essa área era utilizada de forma genérica e sem alguma serventia ao real signifi cado de proteção pública. Vimos que chegou, inclusive, a ser retratada como uma força das elites que controlavam o poder para dar garantias e suporte ao seu controle. Entretanto, a Constituição Federal de 1988, promulgada em outubro daquele ano, contribuiu para solidifi car legalmente a segurança pública dentro das bases que estruturam a política e a regulamentação do serviço. Para o processo de redemocratização que se realizava, todas as áreas envolvendo os serviços públicos, que são prestados à população, deveriam possuir clareza a partir da publicização de seus atos, exercida por sua defi nição constitucional. 39 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 O texto constitucional inicia a partir do Título V, intitulado Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, a delinear os serviços de segurança pública, pelos Arts. 142 e 144. Respectivamente, Exércitos e demais policiais são sancionados legalmente a respeito de sua jurisdição e competência. Ainda assim, a Carta Magna não especifi ca o signifi cado de Segurança Pública, mas aponta o titular da obrigação da incolumidade geral, bem como os benefi ciados por sua proteção, o que a torna muito diferente de suas outras antecessoras. Vale destacar o que você certamente já deve ter percebido: que a Constituição é a principal diretriz das estruturas dos profi ssionais de Segurança Pública, devendo ela apontar a jurisdição de cada organização que componha a segurança, bem como a competência. Nesse sentido, o Art. 22, transcrito a seguir, declara: Art. 22. Compete privativamente à União o legislar sobre: [...] XXI - normas gerais de organização, efetivos, material bélico, garantias, convocação e mobilização das polícias militares e corpos de bombeiros militares; XXII - competência da polícia federal e das polícias rodoviária e ferroviária federais (BRASIL, 1988). Percebeu que somente a União, por intermédio do Poder Legislativo, pode legislar a respeito dos institutos elencados no artigo anterior, não possuindo os Estados capacidade legislativa sobre esses entes? Isso é decorrente da capacidade de competência que é atribuída a cada entidade, no caso, a União. Competência signifi ca o exercício da função jurisdicional, o que legitima a sua autoridade. A seguir, veremos a função de cada instituto de segurança, bem como a quem elas são diretamente vinculadas. Vamos nos aprofundar nos estudos do Art. 144, que elenca as polícias em seu ordenamento: Capítulo III Da Segurança Pública Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I - polícia federal; II - polícia rodoviária federal; III - polícia ferroviária federal; IV - polícias civis; V - polícias militares e corpos de bombeiros militares; 40 SEGurANÇA PÚBLiCA VI - polícias penais federal, estaduais e distrital. § 1º A polícia federal, instituída por lei como órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina- se a: I - apurar infrações penais contra a ordem política e social ou em detrimento de bens, serviços e interesses da União ou de suas entidades autárquicas e empresas públicas, assim como outras infrações cuja prática tenha repercussão interestadual ou internacional e exija repressão uniforme, segundo se dispuser em lei; II - prevenir e reprimir o tráfi co ilícito de entorpecentes e drogas afi ns, o contrabando e o descaminho, sem prejuízo da ação fazendária e de outros órgãos públicos nas respectivas áreas de competência; III - exercer as funções de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; IV - exercer, com exclusividade, as funções de polícia judiciária da União. § 2º A polícia rodoviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das rodovias federais. § 3º A polícia ferroviária federal, órgão permanente, organizado e mantido pela União e estruturado em carreira, destina-se, na forma da lei, ao patrulhamento ostensivo das ferrovias federais. § 4º Às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares. § 5º Às polícias militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos corpos de bombeiros militares, além das atribuições defi nidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil. § 5º-A. Às polícias penais, vinculadas ao órgão administrador do sistema penal da unidade federativa a que pertencem, cabe a segurança dos estabelecimentos penais. § 6º As polícias militares e os corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exércitosubordinam-se, juntamente com as polícias civis e as polícias penais estaduais e distrital, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 6º As polícias militares e corpos de bombeiros militares, forças auxiliares e reserva do Exército, subordinam-se, juntamente com as polícias civis, aos Governadores dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 7º A lei disciplinará a organização e o funcionamento dos órgãos responsáveis pela segurança pública, de maneira a garantir a efi ciência de suas atividades. 41 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 § 8º Os Municípios poderão constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. § 9º A remuneração dos servidores policiais integrantes dos órgãos relacionados neste artigo será fi xada na forma do § 4º do Art. 39. § 10. A segurança viária, exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do seu patrimônio nas vias públicas: I - compreende a educação, engenharia e fi scalização de trânsito, além de outras atividades previstas em lei, que assegurem ao cidadão o direito à mobilidade urbana efi ciente; e II - compete, no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, aos respectivos órgãos ou entidades executivos e seus agentes de trânsito, estruturados em Carreira, na forma da lei (BRASIL, 1988). Algumas considerações devem ser feitas ao artigo que você leu. Você reparou o que Art. 144, em seu início ou caput, traz a questão responsabilidade. Aqui, é dever do Estado a Segurança Pública, mas não se limita apenas a ele. Ao escrever a norma, quis o legislador original incluir toda a sociedade, ou seja, a questão segurança não é apenas referenciada para as polícias, mas a todos os cidadãos. Isso signifi ca que todos, a partir de sua conduta e de suas ações, são responsáveis por uma convivência saudável e pela minimalização de atos criminosos a partir dela. A partir daí, você pode perceber que, como dever de todos, a responsabilidade pela segurança é compartilhada entre os poderes, e cada esfera de governo possui a sua incumbência para o aperfeiçoamento do setor. Assim, estados e municípios também estão incluídos nessa responsabilidade. Quanto à ordem pública, citada no texto constitucional, você deve se familiarizar a ela quando consegue exercer todas as suas atividades do cotidiano, sem interferências causadas por qualquer tipo de desordem. A preservação da ordem pública parte dos entes de segurança do Estado, evitando o caos ou o desarranjo social, que como você sabe, pode ser causado por inúmeras situações, por exemplo, enchentes, alta taxa de criminalidade, incêndios etc. A Polícia Federal é um órgão autônomo, e mesmo sendo subordinado ao Ministério da Justiça e ao Poder Executivo, esse órgão não deve sofrer as suas interferências. Ela exerce atividades administrativas quando visa prevenir o tráfi co de drogas e contrabando por exemplo, e atividades judiciárias, quando executa a função de auxiliar a Justiça Federal em crimes contra a ordem política e social. 42 SEGurANÇA PÚBLiCA À União cabe, como você viu no Art. 144, realizar o policiamento e segurança das fronteiras da Nação e, ainda, o combate ao tráfi co de drogas, seja internacional ou interestadual, desempenhado pela Polícia Federal. Já as estradas e rodovias federais são asseguradas pela Polícia Rodoviária Federal, da mesma forma que as ferrovias são fi scalizadas pela Polícia Ferroviária Federal. A Polícia Rodoviária Federal e a Ferroviária Federal são mantidas e organizadas pela União, ou seja, pelo Governo Federal, e possuem características de polícia ostensiva. Já os policiais civis, policiais militares e bombeiros, são condicionados pelos Estado, esses últimos, prestam suas forças de defesa como forças auxiliares e reservas do Exército. As Polícias Militares e Civis têm designação diferente uma da outra, a saber: presta a Polícia Militar o serviço de policiamento ostensivo, preventivo e repressivo, no patrulhamento e na garantia da segurança pública. Segundo confi rma o Art. 42 da nossa Constituição, “os membros das Polícias Militares e Corpos de Bombeiros Militares, instituições organizadas com base na hierarquia e disciplina, são militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios” (BRASIL, 1988). Já a Polícia Civil possui a característica da Polícia Judiciária, auxiliando a justiça nas investigações de crimes, por intermédio de ações controladas pelo delegado de polícia. Cabe a ela a apuração dos desvios criminais, mas não a investigação de crimes causados por militares, pois a esses, existe o Direito Penal Militar e a repreensão do próprio instituto. Você sabia que cada ente da federação possui o seu Estatuto próprio da Polícia Civil? É só você entrar no site da Polícia Civil de seu estado para conferir o seu Estatuto! Assim, podemos considerar o seguinte: se a Polícia Civil possui a competência para exercer a função de Polícia Judiciária dos Estados, por consequência, a Polícia Federal tem a competência para exercer, exclusivamente, as funções de Polícia Judiciária da União! Quando se trata de interpretação das normas constitucionais, devemos entender que o constituinte original, aquele que escreveu a lei primeiro, preencheu-a com dispositivos que considerassem a futura possibilidade de disposições legais sobre determinados assuntos, seja pelos estado e municípios, seja pela efetiva passagem do tempo e pelas situações que não podiam ser previstas à época da escrita. Assim, quando a norma diz, no § 8º, que os municípios poderão constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens e serviços, é essencial que uma instituição dessa importância possua também sua regulamentação. Essa é a Lei Federal nº 13.022/2014, o Estatuto das Guardas Municipais. Não tem problema que ela tenha sido escrita somente em 2014, 26 anos após a CF/1988, desde que siga estritamente os preceitos e princípios constitucionais. Assim, a 43 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 lei posterior disciplina nesse caso, o § 8º, constituindo as atribuições da Guarda Municipal. Então, você pode entender que qualquer município pode criar, por lei, a sua Guarda Municipal, que fi ca subordinada diretamente ao prefeito. A Guarda Municipal possui competências muito específi cas, como a proteção de bens, serviços, logradouros públicos municipais e instalações do município. Entretanto, ela também atua preventivamente para a proteção da população que utiliza dos bens e das instalações municipais. Ainda, colabora com os órgãos de segurança pública na pacifi cação de confl itos e cooperação nas atividades comunitárias das políticas públicas. Como todas as outras instituições, as contratações são realizadas por intermédio de concurso público. Você notou que abaixo do Parágrafo 5° existe o 5-A°? Funciona do mesmo jeito. Aqui, havia a necessidade da criação de outro tipo de serviço de segurança pública. Assim, o § 5º-A cria a fi gura da Polícia Penal. A inovação legislativa se deu pela necessidade em equiparar os agentes de segurança penitenciaria à categoria de segurança pública e policial, possuindo, assim, unifi cação na carreira no que diz respeito a treinamento, estrutura, remuneração, direitos e garantias etc. A Emenda Constitucional nº 104/2019, que foi realizada para esse fi m, ressalta que a Polícia Penal será vinculada ao órgão administrador do sistema penal do Estado a que pertencer. As Polícias Penitenciárias, ou Polícia Penal, contam, também, com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão que controla a aplicação da Lei de Execuções Penais, sendo responsável pelo sistema penitenciário nacional. Como você viu, foi somente a partir da emenda que “completou” a Constituição que a Polícia Penal teve sua real legalização e reconhecimento de carreira.As Polícias Penitenciárias, ou Polícia Penal, contam, também, com o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), órgão que controla a aplicação da Lei de Execuções Penais, sendo responsável pelo sistema penitenciário nacional. Que tal você entender um pouco do serviço do DEPEN? Vamos ver o que a Lei de Execuções Penais (Lei nº 7.210/1984, também conhecida por LEP) discorre sobre o DEPEN? Vamos lá! 44 SEGurANÇA PÚBLiCA Art. 71. O Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça, é órgão executivo da Política Penitenciária Nacional e de apoio administrativo e fi nanceiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária. Art. 72. São atribuições do Departamento Penitenciário Nacional: I - acompanhar a fi el aplicação das normas de execução penal em todo o Território Nacional; II - inspecionar e fi scalizar periodicamente os estabelecimentos e serviços penais; III - assistir tecnicamente as Unidades Federativas na implementação dos princípios e regras estabelecidos nesta Lei; IV - colaborar com as Unidades Federativas mediante convênios, na implantação de estabelecimentos e serviços penais; V - colaborar com as Unidades Federativas para a realização de cursos de formação de pessoal penitenciário e de ensino profi ssionalizante do condenado e do internado. VI – estabelecer, mediante convênios com as unidades federativas, o cadastro nacional das vagas existentes em estabelecimentos locais destinadas ao cumprimento de penas privativas de liberdade aplicadas pela justiça de outra unidade federativa, em especial para presos sujeitos a regime disciplinar. (Incluído pela Lei nº 10.792, de 2003) Parágrafo único. Incumbem também ao Departamento a coordenação e supervisão dos estabelecimentos penais e de internamento federais. Esses artigos estão previstos na LEP, que é a lei utilizada após a sentença, transitada em julgado, que condena o réu, sentenciando-o à uma pena privativa de liberdade. Nesses casos, a Lei de Execuções Penais é a aplicação legal dos direitos do detento, dos seus deveres e das condições a que deve se realizar a pena (BRASIL, 1984). FONTE: BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984. Institui a Lei de Execução Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/leis/l7210.htm. Acesso em: 3 jun. 2021. A seguir, na Figura 1, você pode visualizar o resumo das funções policiais. 45 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 FIGURA 1 – FUNÇÕES POLICIAIS FONTE: <https://www.politize.com.br/wp-content/uploads/2018/06/u00f3rg_u00e3os- de-seguran_u00e7a-p_u00fablica_Prancheta-1.jpg>. Acesso em: 9 jun. 2021. 46 SEGurANÇA PÚBLiCA Você deve estar se perguntando, mas e as Forças Armadas? Elas foram elaboradas pelo legislador no Título V, que trata da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas, pois, segundo a Constituição (1988), a eles também é dado esse papel de defesa. Vamos ao seu ordenamento? Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam- se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem. § 1º Lei complementar estabelecerá as normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas. § 2º Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares. § 3º Os membros das Forças Armadas são denominados militares, aplicando-se lhes, além das que vierem a ser fi xadas em lei, as seguintes disposições: I - as patentes, com prerrogativas, direitos e deveres a elas inerentes, são conferidas pelo Presidente da República e asseguradas em plenitude aos ofi ciais da ativa, da reserva ou reformados, sendo-lhes privativos os títulos e postos militares e, juntamente com os demais membros, o uso dos uniformes das Forças Armadas; II - o militar em atividade que tomar posse em cargo ou emprego público civil permanente, ressalvada a hipótese prevista no Art. 37, Inciso XVI, alínea c, será transferido para a reserva, nos termos da lei; III - o militar da ativa que, de acordo com a lei, tomar posse em cargo, emprego ou função pública civil temporária, não eletiva, ainda que da administração indireta, ressalvada a hipótese prevista no Art. 37, Inciso XVI, alínea c, fi cará agregado ao respectivo quadro e somente poderá, enquanto permanecer nessa situação, ser promovido por antiguidade, contando-se lhe o tempo de serviço apenas para aquela promoção e transferência para a reserva, sendo depois de dois anos de afastamento, contínuos ou não, transferido para a reserva, nos termos da lei; IV - ao militar são proibidas a sindicalização e a greve; V - o militar, enquanto em serviço ativo, não pode estar fi liado a partidos políticos; 47 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 VI - o ofi cial só perderá o posto e a patente se for julgado indigno do ofi cialato ou com ele incompatível, por decisão de tribunal militar de caráter permanente, em tempo de paz, ou de tribunal especial, em tempo de guerra; VII - o ofi cial condenado na justiça comum ou militar à pena privativa de liberdade superior a dois anos, por sentença transitada em julgado, será submetido ao julgamento previsto no Inciso anterior; VIII - aplica-se aos militares o disposto no Art. 7º, Incisos VIII, XII, XVII, XVIII, XIX e XXV, e no Art. 37, Incisos XI, XIII, XIV e XV, bem como, na forma da lei e com prevalência da atividade militar, no Art. 37, Inciso XVI, alínea c; X - a lei disporá sobre o ingresso nas Forças Armadas, os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra. FONTE: BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jun. 2021. Você viu quantas diferenças? Uma delas é que ao militar não é dada a liberdade sindical, nem de greve, diferente dos agentes da Polícia Civil e do DEPEN que você viu anteriormente. Sendo forças auxiliares e reservas das Forças Armadas, e por sua própria natureza militar, isso também é vedado aos bombeiros e aos policiais militares! Outro ponto importante é que, para os crimes militares, a investigação fi ca sob a competência do Código Penal Militar, o Decreto-Lei nº 1001/1969. Também não pode, o militar que estiver na ativa, ser fi liado a nenhum partido político. Aqui surgiu uma dúvida! A lei, como essa que é de 1969, não difere dos preceitos da Constituição, uma vez ter sido ela escrita em 1988? Vamos ver esse tema agora! 4.1 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO PELA CARTA MAGNA DE 1988 Você já viu que a Constituição traz o rol das polícias, delineadas a partir de sua competência e jurisdição. É a partir da atribuição legal, realizada pela norma maior, que são determinados os valores que delineiam todos os outros 48 SEGurANÇA PÚBLiCA regulamentos. As leis que você conhece como Código Civil, que estabelece os contratos entre os particulares; o Código Tributário, que controla os impostos cobrados e a forma de arrecadação diversa; e o Direito Penal, por exemplo, são consideradas normas infraconstitucionais. Elas são reconhecidas assim por não estarem escritas no texto original da Constituição. Todas as leis escritas, após ou antes da CF/1988, que não sejam parte de uma emenda constitucional, ou seja, que não se insiram no próprio texto constitucional, são leis infraconstitucionais. A Constituição possui uma forçamuito grande, trazendo o norteamento para toda a regulação nacional. Então, é importante entender que, uma vez sendo ela a norma fundamental, todas as outras normas devem seguir os seus preceitos basilares. Princípios constitucionais devem ser considerados por qualquer diretriz legal escrita, seja por Estados, Municípios, Câmara dos Deputados ou Senado Federal. Constitucionalização, então, signifi ca que todo o ordenamento jurídico nacional deve ser entendido através do entendimento e da expectativa da Constituição. Isso ocorre para que novas normas não colidam aos princípios e aos valores reconhecidos como fundamentais. E até mesmo as leis infraconstitucionais que foram escritas antes da própria Constituição devem ser norteadas a partir dela. Veja que nosso Código Penal foi escrito em 1940. Faz-se, dessa forma, uma reinterpretação das normas anteriores sob o crivo da Carta Magna. O que é um princípio, afi nal de contas? Nas palavras de Luís Roberto Barroso (1999, p. 147), “são o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, seus postulados básicos e seus fi ns. Dito de forma sumária, os princípios constitucionais são as normas eleitas pelo constituinte como fundamentos ou qualifi cações essenciais da ordem jurídica que institui”. Celso Antônio Bandeira de Mello (2000, p. 747) adverte que: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específi co mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou de inconstitucionalidade [...]”. Os princípios adotados da separação de poderes (não pode haver intervenção entre os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, mas harmonia e independência), a indissolubilidade do vínculo federativo (Estados e Municípios não podem se separar da Nação), o pluralismo político e a dignidade da pessoa 49 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 humana não podem ser menosprezados por qualquer outra norma que venha a ser escrita. Também não devem ser ignorados os princípios da soberania, da cidadania, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. A Constituição traz, em seu Parágrafo 1º, o princípio da soberania popular, conferindo ao País o sistema democrático de direito, quando diz que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente” nos termos da Constituição (BRASIL, 1988). Vamos ver o que o Art. 3° da Constituição considera objetivos fundamentais a serem seguidos? Veja que esses são apontados como essenciais, assim, nenhuma norma, lei ou, até mesmo, Política Pública (como de Segurança Pública) pode trazer qualquer ponto contrário a eles. Vejamos o que nos conta o artigo: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (BRASIL, 1988). A redução das desigualdades, por exemplo, segue os mais basilares princípios de direitos humanos. Você já conhece a política de aplicação desses princípios no país, reconhecidamente pelas Cotas Raciais, Bolsa Família e Luz Fraterna. Não se trata aqui de preconceito ou subjugo, mas uma ação afi rmativa do Estado. O Estado, através de ações afi rmativas e que buscam assegurar o progresso e a promoção humana, de grupos e indivíduos que necessitam da atenção estatal, para garantia de seus direitos fundamentais, deve combater à vulnerabilidade de pessoas e grupos considerados de risco. Você conseguiu notar que esse é um dos requisitos do Paradigma da Segurança Cidadã, estudado anteriormente? Você sabe o que acontece caso alguma norma vá contra o que manda a Constituição e seus princípios atribuídos? Ocorre a inconstitucionalidade da norma, ou seja, a lei é inconstitucional. A importância da constitucionalização do direito vai de encontro à fi nalidade política, de promoção humana e até ideológica do país. Para nós, nossos estudos revelam que se os institutos de segurança pública não tiverem um marco legal, nem mesmo sua publicidade perante os cidadãos e perante o próprio sistema, não há formas de controle e nem mesmo haveria qualquer política de segurança pública. Você notou como o sistema legal faz prevalecer os princípios nele estabelecidos? Então, signifi ca que nenhuma política de segurança pública 50 SEGurANÇA PÚBLiCA pode, da mesma forma que as leis infraconstitucionais, ser contrária a qualquer princípio. Isso nos demonstra que: a política pública, nos moldes tradicionais utilizados desde a CF/1988, não deve fazer prevalecer o uso intenso da força desproporcional, da tortura, dos meios insidiosos, do desrespeito à dignidade da pessoa. Da mesma forma, não deve pressupor que todos não são iguais perante a lei, sem um julgamento determinado pela ampla defesa e pelo contraditório. A política pública que será a base do sistema brasileiro necessita contemplar a construção de uma “sociedade justa e solidária”, entender as desigualdades sociais e regionais, e, enfi m, “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. Você se lembra dos padrões estudados no ponto anterior, certo? De todos os paradigmas que você estudou, o paradigma da Segurança Cidadã é um marco e o que mais se assemelha aos princípios da nossa Constituição. Isso porque ele foi escrito sob sua égide, e por esse mesmo motivo é considerado o precursor de novos ares e novos modelos que, consequentemente, virão a ser instalados no futuro. Ainda que surjam inovações, os princípios que evoluíram em prol de sentidos mais humanitários devem ser respeitados e seguidos para que não haja retrocessos nos avanços que já obtivemos. 4.2 SEGURANÇA PÚBLICA: DEVER DO ESTADO O Art.144 da CF/1988, como você já sabe, inicia-se com a seguinte frase: “A Segurança Pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]”. Assim, você já percebeu que é dever do Estado a segurança pública, por intermédio do rol descrito no próprio artigo, das instituições de segurança responsáveis por essa atividade. Entretanto, você estudou que nem sempre foi assim e a partir da nova Constituição e dos novos paradigmas, as possibilidades e responsabilidades foram destacadas. Dessa maneira, de nada vale ter uma Constituição Cidadã se você não conseguir transformar suas belas palavras em atitude, em uma política pública que defenda o que preza a própria CF. Assim, é necessário um Estado forte, que se faz por intermédio de uma democracia forte, que se fortalece a medida da participação de todos. Um Estado fraco se forma ao realizar os desejos do mercado globalizado e não mais que isso (BAUMAN, 2000). Ao atentar apenas os desejos do mercado e do lucro, que se concretizam a partir das grandes empresas e do sonho consumidor de uma sociedade complexa, 51 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 o Estado aposta suas fi chas na segurança contra qualquer situação que possa vir a interferir na arte do consumir e nas atuações dos conglomerados comerciais, geralmente estrangeiros (FERREIRA, 2020). Você já entendeu o que isso pode acarretar, não é mesmo? Isso pode fazer com que o Estado se torne fraco, deixando de lado as políticas públicas de inclusão, de educação e saúde, de ressocialização etc., acarretando um distanciamento social, contrário a tudo o que previu a Constituição e, até mesmo, o paradigma da segurança cidadã, em prol da segurança dos locais de consumismo e dos interesses das grandesempresas. Assim, caro aluno, é preciso cada vez mais a participação popular na democracia, a sua e a nossa participação, cobrando de nossos governantes políticas públicas que tenham a real participação do povo, que respeitem as instituições, não as sucateando, mas infl ando-as com a real importância que elas possuem, pois sua principal missão é a defesa do cidadão. As políticas públicas de inclusão, educação e de ordem comunitária, como você viu, afastam a criminalidade e possuem a intenção de unir a comunidade e as instituições. Você notou que, se isso tudo for deixado de lado, pode haver uma involução das conquistas já realizadas? É dever do Estado a Segurança Pública. Portanto, somente seus institutos podem garanti-la a partir de seus efetivos. Não pode o Estado transferir essa obrigação para o particular, o que nos difere dos tempos e políticas das capitanias hereditárias, que vimos num primeiro momento. Você já deve ter visto nos últimos anos o crescimento da procura das pessoas por segurança privada. Todavia, isso não retira a responsabilidade estatal. Mesmo que exista um grande efetivo de segurança privada, sempre será dever do Estado a Segurança Pública e a criação de políticas públicas, e mesmo os agentes de segurança privada, não possuem os mesmos deveres e direitos dos agentes de segurança pública, e não são vistos pela norma legal como agentes de segurança popular. Nesse sentido, você deve estar se perguntando: quando um cidadão comum poderia efetuar uma prisão? Você já deve ter ouvido falar na prisão realizada por cidadão, não é mesmo? Vamos esclarecer esse ponto? Uma vez que a segurança de todos é dever do Estado, poderia a pessoa comum (que não faz parte dos quadros das instituições de segurança) agir por conta própria? O Art. 301 do Código de Processo Penal diz assim: “Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão prender quem quer que seja encontrado em fl agrante delito” (BRASIL, 1941). Essa previsão legal diz respeito à prisão em fl agrante, de alguém que esteja cometendo algum ato criminoso e que, ofereça capacidade do cidadão normal 52 SEGurANÇA PÚBLiCA (não policial) de realizar a prisão. Não confunda esse dever legal com dever de fato. O que o texto legal quer dizer, é que, se a pessoa, mesmo a vítima, tomar atitudes contra o malfeitor, essa estará diante do exercício regular de direito, em sua proteção ou mesmo na proteção de outrem. Assim, exclui a ilicitude de qualquer ato de defesa própria ou de defesa de terceiro que esteja em perigo. Os atos praticados para que fi que caracterizada a exclusão da ilicitude, ou seja, o comportamento que passa a ser considerado lícito, devem ser comedidos e moderados, com intuito de frear a injusta agressão recebida. Para que isso ocorra, deve existir o que conhecemos por fl agrante delito, descrito no Art. 302 do Código de Processo Penal (1941): Considera-se em fl agrante delito quem: I- está cometendo a infração penal; II- acaba de cometê-la; III- é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV- é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. Nesse caso, a prisão pode ser realizada, se possível for, por qualquer um do povo. Até mesmo a vítima pode realizar a prisão se conseguir, durante o ato criminoso. De outra forma, fi ca caracterizado a vingança e, com isso, o nosso ordenamento jurídico não concorda. Assim, somente para a segurança pública cabe a responsabilidade da incolumidade, das pessoas, dos bens públicos e particulares, do Estado-Nação e de suas fronteiras, mas também é nossa responsabilidade, a partir de nossos atos, a manutenção da segurança de todos! Agora, acerca de tudo o que vimos nesse primeiro capítulo, que tal se você revisar realizando algumas atividades? Vamos lá! 1 Importante uma norma maior, defi nida como Constituição, para que, através dela, exista segurança jurídica. Tendo em vista as normas legais, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As Constituições são responsáveis pela maneira que determinamos as políticas de segurança pública no Brasil. b) ( ) O patrulhamento ostensivo é adequado conforme o paradigma de segurança adotado pela política de segurança pública, aos agentes da Polícia Militar, Bombeiros e Polícia Civil. 53 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 c) ( ) A norma inconstitucional é assim considerada ao declarar válidos os princípios abarcados pela Carta Magna. d) ( ) O Paradigma da Segurança Cidadã se destaca pela capacidade de centralizar os poderes das políticas públicas e suas ações aos profi ssionais competentes para a realização da segurança pública. e) ( ) A Constituição não gera obrigações quanto às leis anteriores a ela. 2 Como entidade maior, o Estado possui sua função bem defi nida quanto à realização e aplicação das políticas públicas. Considerando as suas atribuições e competências, classifi que V para as sentenças verdadeiras e F para as Falsas: a) ( ) Consideramos Estado fraco aquele que não atende aos âmbitos constitucionais de promoção humana e progresso social, atentando-se apenas ao mercado, lucro e ao consumismo. b) ( ) Ao Estado cabe a incumbência de realizar as políticas de segurança pública conforme os padrões evidenciados pela Constituição. c) ( ) É dever do Estado a Segurança Pública, entretanto, ela pode ser terceirizada as agências de segurança privada que atuam na área a ser repassada. d) ( ) O Estado deve promover a segurança de todos, porém ações afi rmativas não signifi cam, no contexto do paradigma atual, a promoção da seguridade geral. e) ( ) É função do Estado atentar para uma política de redução de desigualdades e acesso a oportunidades para todos, e isso pode ser defi nido como um aspecto dos padrões e modelos de segurança pública. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: ( ) V – V – F – V – F. ( ) F – F – V – V – V. ( ) V – V – F – F – V. ( ) V – V – F – V – V. 3 Quanto á competência na segurança pública, analise as sentenças a seguir: I- Compete à Polícia Civil as apurações dos crimes administrativas e de tráfi co de drogas internacionais. II- Compete à Polícia Civil a atribuição de Polícia Judiciária dos Estados. 54 SEGurANÇA PÚBLiCA III- É de competência dos Estados e Distrito Federal a criação e manutenção das Guardas Municipais IV- A Polícia Federal tem a competência para exercer com exclusividade a função de Polícia Judiciária da União. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I, II, III e IV estão corretas. b) ( ) Somente a sentença I está correta. c) ( ) As sentenças I e IV estão corretas. d) ( ) Somente a sentença IV está correta. e) ( ) As sentenças II e IV estão corretas. 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Você viajou até o período do Império, das Ordenações Filipinas e compreendeu os primeiros passos das polícias no Brasil. Até aqui, você viu a criação do instituto que tratava da segurança pública que abrangia, desde o início, diversas formas e maneiras de operações. Podemos identifi car que em algum período, desde muito antigos como mais modernos, a segurança pública foi estipulada e utilizada a partir de ideologias que não contemplam o seu intuito. Vimos que ela serviu para apoiar tanto o monarca quanto o sistema do militarismo. Da mesma forma, você refl etiu a respeito do real signifi cado de segurança, que se diz pública. Aqui, no início do seu estudo, você conseguiu identifi car a infl uência de uma lei, como as Ordenações, e a ingerência de comandos que preveem apenas a manutenção do poder e, para isso, utilizam-se de toda força possível. Com o passar dos tempos e as mudanças infl uenciadas por um crescente iluminismo, pela economia mundo afora e pela passagem do tempo rumo ao desenvolvimento, você deve ter percebidouma mudança muito atuante. Essas passagens da forma de governar, necessidade de uma evolução política, as novas nuances e possibilidades que se abriam, alteraram também a forma de se enxergar o mundo. Os padrões foram se remodelando. Aqui você conheceu os três paradigmas da segurança pública, entendendo as diferenças entre eles, que são compelidas tanto pelo tempo em que se vive quanto pela maneira de enxergar a sociedade ao redor, política e culturalmente. A mudança de paradigma signifi ca que não se fi ca parado, em lugar algum, e era necessário, preciso e importante termos uma norma maior que defi nisse os padrões que se quer seguir, para alcançar os rumos determinados para a sociedade. Por esse motivo, a Constituição de 1988 conferiu, a partir de princípios 55 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 norteadores e basilares, não apenas de direito, mas de convivência, o padrão a seguir. Mesmo com imensos ganhos legais a partir da Carta de 1988, ainda temos muito o que trilhar. Como você pôde notar, é preciso mais. O envolvimento do povo e da comunidade somente será possível com políticas que envolvam as necessidades mais prementes de toda a população, ou seja, saúde, educação, lazer, cultura, trabalho e a ampla cidadania. Sem isso, não há novo paradigma ou arquétipos modernos que atendam aos anseios de qualquer Política De Segurança Pública. Note que, na história, os modelos trazidos até aqui conseguem demonstrar que as piores mazelas ocorrem quando a população não é considerada pelo seu governo. As possibilidades de diminuição da criminalidade são maiores a partir da vida comunitária e da convivência. Não se combate criminalidade com mais crimes, mas com educação e possibilidades. Você percebeu, prezado aluno, que foi a legalização, a publicidade e a transparência trazida pela Carta Magna de 1988 que conseguiu determinar não apenas a importância das polícias, mas também conferiu a elas direitos, oportunidades e deveres específi cos. Da mesma forma que outorgou as suas capacidades, também trouxe sua jurisdição e sua competência. Veja que tudo isso deve ser realizado a partir dos princípios que modernizam a lei geral brasileira. Terminamos esse primeiro momento da nossa viagem pela matéria, identifi cando que a segurança pública, da mesma forma que é dever da União, dos Estados e dos Municípios, depende de todos nós, na maneira a qual convivemos em sociedade e do jeito que tratamos um ao outro. REFERÊNCIAS BARROSO, L. R. Interpretação e aplicação da Constituição: fundamentos de uma dogmática constitucional transformadora. São Paulo, Saraiva, 1999. BAUMAN, Z. Em busca da política. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. BAYLEY, D. H.; SKOLNICK, J. H. Nova polícia: inovações nas polícias de seis cidades norte-americanas. São Paulo: Editora da USP, 2001. BORGES, N. A doutrina de Segurança Nacional e os governos militares. In: FERREIRA, J.; DELGADO, L. de A. N. O Brasil republicano: o tempo das Ditaduras. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. p. 13-43. 56 SEGurANÇA PÚBLiCA BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado. htm. Acesso em: 19 jun. 2021. BRASIL. Decreto Lei nº3689 de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. In: Vade Mecum penal e processual penal. 7. ed. Noteroi: Impetus, 2017. BRASIL. Lei nº 261, de 3 de dezembro de 1941. Reformando o Código do Processo Criminal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lim/ lim261.htm. Acesso em: 3 jun. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm. Acesso em: 12 jun. 2021. BRASIL. Decreto-Lei nº 1001, de 21 de outubro de 1969. Código Penal Militar. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del1001.htm. Acesso em: 12 jun. 2021. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 12 jun. 2021. BRASIL. Lei nº 13.022, de 8 de agosto de 2014. Dispõe sobre o Estatuto Geral das Guardas Municipais. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ ato2011-2014/2014/lei/l13022.htm. Acesso em: 9 jun. 2021. BRASIL. Emenda Constitucional nº 104, de 4 de dezembro de 2019. Altera o Inciso XIV do caput do Art. 21, o § 4º do Art. 32 e o Art. 144 da Constituição Federal, para criar as polícias penais federal, estaduais e distrital. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc104.htm. Acesso em: 9 jun. 2021. COSTA, A. T. M. Entre a lei e a ordem: violência e reforma nas Polícias do Rio de Janeiro e Nova York. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004. COSTA, E. V. Da senzala à colônia. São Paulo, Ed. Unesp, 2012. ELIAS, N.; SCOTSON, J. L. Os estabelecidos e os outsiders: sociologia das relações de poder a partir de uma pequena comunidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2000. 57 A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL: HISTÓRIA E PARADIGMAS Capítulo 1 FAORO, R. 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CAPÍTULO 2 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA A partir da perspectiva do saber-fazer, são apresentados os seguintes objetivos de aprendizagem: • Favorecer a compreensão do exercício da atividade de Segurança Pública sendo a prática da cidadania, de participação profi ssional, social e política sob a perspectiva de um Estado Democrático de Direito. • Conhecer a Segurança Pública como ramifi cação constitucional. • Defi nir os conceitos do sistema de Defesa Social de maneira crítica, fundamentado pela Criminologia Crítica e Sociologia Criminal. • Apresentar os conceitos de Polícia Comunitária e seus desafi os. • Analisar a forma e a essência do policiamento no Brasil. • Propiciar um estudo da formação da esfera pública e do sistema político moderno, considerando a relação entre cidadania, Estado e direitos. • Examinar e defi nir o conceito de Defesa Social em uma análisecrítica, tendo como contraponto as enormes mazelas sociais. • Estimar os conceitos da Polícia Comunitária. • Avaliar o Estado Democrático e a participação das polícias frente às Garantias dos Direitos Fundamentais. 60 SEGurANÇA PÚBLiCA 61 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 1 CONTEXTUALIZAÇÃO Prezado aluno! Você percorreu pela passagem do tempo e identifi cou a formação das estruturas que balizaram todo o entendimento e a identidade dos órgãos de segurança púbica no Brasil. As normas foram se alterando e, como você viu, nem sempre em busca de uma evolução. Tivemos também retrocessos, percalços que precisavam ser corrigidos. A partir da Constituição de 1988, você percebeu que a lei evidenciava a segurança pública a partir de suas próprias responsabilidades e deveres com o povo. Daquele ponto até os dias de hoje, a democracia fundou-se como principal e única forma de governo no Estado Nacional em que prevalece o poder do povo, que elege os seus representantes por intermédio de uma eleição. Ainda assim, é importante um Estado que esteja realmente comprometido aos ideais democráticos, da mais autêntica interpretação do que signifi ca democracia. Democracia só se faz com a participação popular. Lembra das restrições históricas quanto ao voto, trabalho e liberdade de algumas classes e minorias? Isso, de fato, não representa evolução democrática. Por esse motivo, dizemos democracia quando se respeita a pessoa, pela sua evidente qualidade de cidadão dentro da sociedade, dotado de direitos e deveres. A ordem democrática alcança seu valor com a ampla cidadania. Isso só se faz reconhecendo as semelhanças e respeitando as diferenças, mas acima de tudo, convivendo em harmonia dentro de uma sociedade plural como a nossa. Esse participar é direito de todos. A participação da segurança pública, que foi se alterando com o tempo, destaca a proteção da sociedade como um todo, de seus bens, das novas confi gurações do Estado e dos valores que passou a abarcar. Sabemos que as mudanças ocorrem vagarosamente, e mesmo assim, resquícios dos vícios antigos podem sobreviver, como você estudou nos paradigmas da segurança. Com as alterações na forma de governo e na maneira de socialização, a sociedade também evoluiu, tanto em números quanto em conhecimento. O crescimento populacional, as imensas diferenças sociais que criam um abismo fenomenal entre mais ricos e mais pobres, a falta de uma política pública de qualidade de vida, os grandes problemas da distribuição de renda, a alta taxa tributaria, a escassez em oportunidades de educação, trabalho e saúde, tornam o país um dos mais desiguais no mundo. As políticas sociais não conseguem atingir seus compromissos e se tornam cada vez mais raras. Pessoas que fazem parte de uma comunidade de risco, seja pela pobreza, seja pelo local de moradia, envolto em violências, fi cam abandonadas por qualquer sistema de inclusão social competente, pela falta de políticas inclusivas que atendam aos reais problemas de fato. Não bastasse isso, 62 SEGurANÇA PÚBLiCA a crescente criminalidade e a violência policial fazem entender que somente a segurança pública é a solução para todos os problemas da população, sendo realçada pelos governos como uma guerra contra o crime. Você notou que deixar uma população de lado, sem estrutura e sem respaldo, não acarreta cidadania, mas em exclusão? Por esse motivo, o paradigma da Segurança Cidadã, como você viu, é o mais aplicável em um país democrático. Através dele, há a tentativa de inclusão, em um realçar da ampla cidadania. Cidadania expressa “um conjunto de direitos que dá à pessoa a possibilidade de participar ativamente da vida e do governo de seu povo. Quem não tem cidadania está marginalizado ou excluído da vida social e da tomada de decisões, fi cando numa posição de inferioridade dentro do grupo social” (DALLARI, 1998, p. 14). Dessa forma, para que exista a ampla cidadania, deve haver políticas públicas de inclusão. Para defi nir o paradigma da Segurança Cidadã e as demais perspectivas de segurança que surgem, todos os setores (de segurança pública) devem fazer parte dessa busca pela cidadania inclusiva, que é realizado a partir das políticas públicas. Essas políticas precisam estar alinhadas à resolução dos problemas sociais imensos existentes no país, principalmente nas comunidades mais carentes. Nesse segundo capítulo, traremos um objeto pautado nos estudos e ensaios da criminologia, essencial para defi nirmos os motivos e ações dos atores sociais diversos espalhados em nossa sociedade. A defi nição de crime e criminoso foi, com o passar dos tempos, interpretada de inúmeras formas, partindo desde as diferenças físicas entre as pessoas até diferenças sociais. Essa compreensão ultrapassada ainda toma forma, principalmente quando o sistema de segurança pública de defesa social privilegia apenas o seu olhar, que determina o direito penal e toda sua força persecutória como o modelo essencial a ser utilizado, em detrimento de outros, como as políticas de inclusão. No entanto, essa forma de olhar e identifi car os problemas sociais diversos, que também são causas da criminalidade, bem como o poder penal como única solução, não age em conformidade com os padrões aludidos pelo conceito de Polícia Cidadã, atuante em um Estado Democrático de Direito. Assim, vamos estudar quais são os principais sistemas de defesa social no país, e, a partir de suas bases, veremos as funções e as atribuições das polícias em um Estado Democrático, quando os próprios agentes de segurança e atores envolvidos nessa atividade possuem grande responsabilidade em defender e proteger os direitos fundamentais garantidos da pessoa, como você já viu, constitucionalmente. Essa incumbência signifi ca a quebra de uma idiossincrasia presente historicamente nas polícias, a partir de suas próprias estruturas. Vamos passar um olhar atento à estratégia e fi losofi a da polícia cidadã, que é criada 63 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 através da visão comunitária, ou seja, pela consciente vivência e participação em sociedade, assim como quais os seus desafi os e possibilidades no atual cenário nacional. Vamos lá?! 2 SISTEMAS DE DEFESA SOCIAL NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Chegamos até aqui por intermédio da história e dos estudos que fi zemos acerca dos importantes padrões de segurança pública conhecidos em nosso país. Você já deve ter ouvido falar do sistema de defesa social, seja nas mídias ou em seus estudos sobre segurança pública. Precisamos conversar sobre seus aspectos práticos, políticos e jurídicos, e qual a sua importância e infl uência para os sistemas atuais de compreensão da segurança de todos. Veja que o Art. 144 da CF trata a segurança como direito e dever de todos, e, por esse prisma, a interpretação que se faz é que cabe tanto aos estados, municípios, governo federal e até mesmo aos cidadãos a segurança pública. Vimos que, para o cidadão, a sua participação é efetivamente importante na vida comunitária, seja apoiando ou mesmo criticando, mas que possa levar a sua experiência de vida comunitária para as pesquisas do setor segurança, bem como auxiliar na produção de políticas públicas a partir de suas próprias carências. Aos entes públicos, cabem a produção de políticas de segurança e a sua efi caz aplicação. Entretanto, como você já estudou, as políticas de segurança criadas pelo Estado precisam, pelo prisma do atual paradigma da Segurança Cidadã, estar sempre em harmonização às políticas públicas diversas, que devem almejar a inclusão e a participação popular. É aí que você verá que encontramos alguns grandes desafi os do nosso sistema de segurança pública. A partir de conceitos e exemplos considerados ultrapassados e que se tornam obsoletos com o passar do tempo, sempre em constante evolução, é que interpretamos como a atual organização deve agir em busca da consonância aos sistemas mais modernosde segurança no mundo. Mudanças são, muitas vezes, difíceis de serem realizadas. Alterar o aspecto histórico cultural das organizações é uma tarefa árdua, que somente se faz possível rompendo os grilhões que nos une às vicissitudes passadas. Você pode perceber, no capítulo anterior, de onde vieram os sentidos de domínio, patriarcalismo e violência que permeiam o processo histórico e o ciclo evolutivo do país e da sua segurança pública. Fazer brotar um novo paradigma sem resquícios viciosos dos padrões passados é uma custosa, mas benéfi ca causa. As políticas de segurança criadas pelo Estado precisam, pelo prisma do atual paradigma da Segurança Cidadã, estar sempre em harmonização às políticas públicas diversas, que devem almejar a inclusão e a participação popular. 64 SEGurANÇA PÚBLiCA Como nós estudamos no capítulo anterior, foi a partir da Constitucionalização do Direito, das Políticas Públicas e das normas gerais, que passaram a ser denominados todos os objetivos e planejamentos diversos, em busca dos princípios constitucionais. Até mesmo as atribuições da própria polícia e de suas diversas atividades para a garantia da ordem pública passam por esse mesmo crivo, pela interpretação das premissas que consideram os direitos humanos e os direitos fundamentais. No próximo subtópico, será essencial discutirmos acerca do signifi cado de defesa social, tanto de sua ideologia quanto da aplicação seu sistema. 2.1 CONCEITO DE DEFESA SOCIAL Representante de concepções iluministas, a Escola Clássica do Direito Penal trazia conceitos acerca do que signifi cava a defesa social. Para seus componentes, como Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Ludwig Feuerbach, a defesa social teria imensa participação na garantia dos indivíduos, contra o poder punitivo do Estado (BARATTA, 2011). Para essa escola, a teoria da defesa social era a proteção que as pessoas tinham contra o poder arbitrário de punir do agente estatal, grosso modo, servia como um freio às intenções punitivas do direito penal, que somente poderia agir quando as outras instâncias do direito fossem inefi cientes para atender o caso concreto. Então, para eles, a defesa social signifi cava de fato a defesa das pessoas da sociedade, contra as ações do Estado, que para iniciar sua persecução penal, teria que demonstrar os motivos e causas de tal litígio. Foi com a Escola Positiva Italiana que o direito e a segurança pública receberam a função de defesa da sociedade contra os criminosos, que a nomenclatura sofreu signifi cativas alterações em sua concepção (BARATTA, 2011). A ideologia da defesa social ganhou robustez nos últimos anos quando as forças de segurança norte-americanas passaram a agir contra os problemas causados pelos ataques terroristas nas torres gêmeas do Word Trade Center em setembro de 2001. Incentivados pelo medo e pela busca de uma segurança efetiva, reafi rmaram e modelaram o seu sistema interno de segurança a partir dessa ideologia. Ela existe há muito mais tempo, sendo trazida pelas iniciais análises da Escola Positiva do Direito Penal. Tendo em Lombroso, Ferri e Garofalo seus principais exponenciais, a Escola Penal Positiva ocupou-se com o composto fi siológico do homem (BARATTA, 2011).A partir de seus estudos iniciais, que se basearem biopsicologicamente, esses autores criaram, pelas suas experiências de vida e estudos científi cos, uma determinação própria para o que seja crime e criminoso. Veja que eles vão além quando designam quais os sujeitos viventes na sociedade seriam capazes de praticar crimes, por intermédio das análises de mensuração biológica e predisposições psicológicas (BARATTA, 2011). 65 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 A Escola Positiva pôs na discussão central a ideologia da defesa social no Direito Penal, que trará consequências analisadas pelo estudo da Criminologia. Adeptos à teoria da evolução de Charles Darwin, os pensadores dessa escola acreditavam que a responsabilidade das pessoas não está inserida em um livre arbítrio, mas em um determinismo biológico ou sociológico que defi ne a periculosidade do sujeito criminoso. Assim, o sujeito está predisposto a ser um criminoso, pois evoluiu a isso. Cesare Lombroso (1835-1909), como médico que era, acreditava que existem pessoas fi siologicamente determinadas a cometer crimes mais que outras, e no fi m do século XIX, realizou uma pesquisa nos centros penitenciários do norte da Itália, medindo os cativos em busca de algo que conectasse aqueles que ele considerava como homem defeituoso (BARATTA, 2011). Nessa mesma escola, Enrico Ferri (1856-1929) acreditava na comprovação da ciência para suas análises criminológicas, quando estudou determinados padrões que considerava marcantes para a maldade do criminoso. Esses padrões indicam, para Ferri, que algumas pessoas, mais que outras, são adversas ao bem-estar comum por determinações genéticas e causas patológicas (BARATTA, 2011). Na mesma mão, Raffaele Garofalo (1851-1934) afi rmava que o crime era um delito normal, existente independentemente da existência de qualquer tipo de lei, declarando que nascia com o homem e de acordo com a degeneração de seus valores, torna-se perigoso para o convívio em sociedade (BARATTA, 2011). Essa perigosidade do sujeito, impulsiva da delinquência e de toda a maldade humana, faz menção ao determinismo psicológico que pode ser hereditariamente repassado de pai para fi lho. Dessa forma, para ele, a violação das normas postas era como uma violação aos sentimentos de piedade e de probidade, presentes em todos os seres humanos normais e ausentes naqueles defi nidos criminosos (FERREIRA, 2020). O alienista, de Machado de Assis, escrito em 1882, demonstra o exemplo da infl uência de uns sobre os outros, quando determinado psicólogo se muda para uma pequena cidade, passando a estudar os problemas psicológicos dos moradores. Para se aprofundar no assunto loucura, começa a trancafi ar todos em seu hospício, acusando-os de alienação, tomando, assim, a liberdade das pessoas. No conceito que estamos estudando, quem teria o poder de decidir quem é o inimigo e por quais razões escolhe um inimigo em particular? FONTE: ASSIS, M. O alienista. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1994. (Volume II). 66 SEGurANÇA PÚBLiCA Para os integrantes dessa escola que transformou a ideologia da defesa social, você notou que há um pensamento em comum, carregado por suas doutrinas? Essa concepção é que o homem é um ser em evolução e que se não é capaz de evoluir ao ponto de conviver em sociedade, esse personagem pode ser tirado de circulação. Defi nem também que os homens ditos criminosos trazem consigo, numa herança hereditária, grosso modo, a predisposição para a violação de normas, e contra esse a força do Estado deve agir retirando sua liberdade. Como os pensamentos da Escola Positiva do Direito Penal são analisados a partir de características físicas e psicológicas das pessoas, você reparou que pode haver uns mais criminosos que outros a partir da formação de seu biotipo? O que é Criminologia? Seguidor dos princípios construídos por Lombroso, o magistrado Raffaele Garofalo (1851-1934) foi dentre os que fi zeram parte da Escola Positiva em sua fase inicial, aquele que trouxe aos estudos a palavra Criminologia em sua obra de 1855, intitulada com o próprio termo que havia inventado. Criminologia, para o entendimento de Eugenio Raúl Zaffaroni e José Henrique Pierangeli (2015, p. 37), “é a disciplina que estuda a questão criminal do ponto de vista biopsicossocial, ou seja, integra-se com as ciências da conduta aplicadas às condutas criminais”. Para Edwin H. Sutherland (2015), a criminologia é como um conjunto de conhecimentos que estudam o fenômeno e as causas da criminalidade, a personalidade do delinquente, sua conduta delituosa e a maneira de ressocialização. Alessandro Baratta (2011) ensina a ideologia da defesa social por meio de alguns princípios queconstroem as matrizes constitutivas dessa doutrina penal. A defesa social surgiu na época da Revolução Burguesa, sendo herdada pela escola clássica positivista, afi rmando a práxis penal utilizada nos dias modernos. Em seus preceitos essenciais, a teoria confi rma a legitimidade do Estado, como “expressão da sociedade”, para a repreensão da criminalidade por meio de suas instâncias ofi ciais de prevenção e controle social. Afi rma também que o delinquente é um ser danoso para a sociedade, “um elemento negativo” e disfuncional em ação no trato social e que deve ser imobilizado, contido, pois fi gura o mal. De toda forma, a reação contra o ato desviante reafi rma os valores e as normas impostas pela sociedade e pelo Estado. Assim, o desviante e o desvio (criminoso e o crime) são atitudes reprováveis, pois contrariam os preceitos tidos como valorosos pela 67 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 coletividade. Dessa forma, a pena possui ampla fi nalidade em seu sentido dualista de retribuir o injusto causado ao delinquente e a de prevenção de futuros crimes, servindo também em sua função pedagógica. A ressocialização é um de seus intuitos. Possui também o caráter de igualdade entre todos, pois afi rma serem todos iguais perante a lei, ao julgar qualquer criminoso que atente contra os valores difundidos pelo interesse de proteção penal, que são os valores comuns a todos os cidadãos (BARATTA, 2011). Todas as teorias anteriores afi rmam o direito penal e o direito de punição do Estado, o que justifi cam uma ampliação do poder punitivo, confi rmando o sistema de Defesa Social. Os princípios da ideologia da defesa social são: • Princípio da legitimidade: cabe ao Estado reprimir a criminalidade a partir de seus diversos meios de repressão que representam a legítima reação da sociedade na reprovação de condutas criminosas e na reafi rmação dos bons valores e das normas sociais. • Princípio do bem e do mal: “o delito é um dano para a sociedade. O delinquente é um elemento negativo e disfuncional do sistema social”. Assim, o crime é o mal que ocorre na sociedade que representa o bem. • Princípio da culpabilidade: o delito é a pura demonstração de uma atitude reprovável do sujeito criminoso, que é contrária aos valores e normas que estão presentes no âmbito social como princípios de boa convivência que não devem ser atacados. • Princípio da fi nalidade ou da prevenção: indica a pena em uma função dualista – a de retribuir ao criminoso o mal por ele causado por intermédio da penalização, e, em segundo plano, em sua natureza de prevenção de novos crimes. Aqui há a função de ressocializar o indivíduo através da pena. • Princípio da igualdade: há a igualdade entre todos quanto à lei penal, quando a penalização deve ser aplicada de modo igual aos infratores. • Princípio do interesse social e do delito natural: “o direito penal, em sua persecução, deve agir em casos em que o interesse social seja realmente fundamental para a boa coexistência social. Assim, devem ser interesses comum a todos” (BARATTA, 2011, p. 42). O sistema de defesa social é o sistema que vivemos hoje e que condiciona as atividades policiais e de persecução penal. A crítica que se faz ao sistema cabe diretamente no olhar que ele faz da sociedade. Nesse ponto, ele apenas destaca a importância do direito penal e de seus mecanismos, mas não interpreta as diversas mazelas sociais, estudo esse realizado pela Sociologia Criminal, Criminologia e Criminologia Crítica. Essas áreas trouxeram para o debate a análise da Reação Social, em contrapartida ao sistema de Defesa Social. Os estudos da Reação Social demonstram que o crime não é uma qualidade intrínseca ao criminoso, mas composto por variantes diversas, entre elas, os complexos processos de interação social. 68 SEGurANÇA PÚBLiCA No texto Estado, polícias e segurança pública no Brasil, Renato Sérgio de Lima, Samira Bueno e Guaracy Mingardi (2016) trazem uma análise acerca da infl uência que teria no âmbito da segurança pública, as reformas institucionais que observem a modernização dos estudos da criminalidade, da criminologia e dos novos conceitos sociais latentes em nossa sociedade, como a reação social. O texto indicado para você pode ser encontrado no site: https://www.scielo. br/pdf/rdgv/v12n1/1808-2432-rdgv-12-1-0049.pdf. O paradigma da reação social desloca as causas do comportamento tido como criminoso para as condições defi nidas pela sociedade a certos grupos de pessoas selecionáveis para o uso da etiqueta e do rótulo constante no crescente processo de criminalização. Tais confl itos partem da defi nição de desvio e crime, e como é realizado este entendimento, questionando a rotulação constante e a estigmatização desnecessária, muitas vezes, imposta em algum ato inerte ou insignifi cante para o direito (FERREIRA, 2020). Algumas nomenclaturas foram utilizadas em nossas refl exões. Dessa forma, vamos analisar algumas, sempre com a indicação do livro ou obra que originou sua formação intelectual, assim, você pode buscar a leitura apontada para acrescentar conhecimento aos seus estudos: • Sociologia criminal: formulada no século XX pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regas do método sociológico, apresenta a defi nição do que seja crime. Para o pensador gaulês, o crime se trata de uma funcionalidade social, presente em toda sociedade, mas não uma patologia como era antes considerado. Em seus estudos, o delito seria parte da vida em coletividade, um elemento fi siológico, mas não patológico. O crime reforça os valores da sociedade e suas tradições, provocando uma reação social que coletivamente sustenta os valores e normas atacadas pelo desvio. • Criminologia crítica: também conhecida como Criminologia Radical, enfoca a dualidade criminalidade/sociedade a partir de 69 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 análises marxistas. Seu marco teórico é o italiano Alessandro Baratta e sua obra Criminologia crítica e Crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal, observa as ideologias e as teorias do controle social e do crime, fundando a Criminologia crítica e a sociologia penal. • Reação social ou Labeling Approach: é um estudo derivado da Criminologia crítica que altera os padrões de interpretação da criminalidade e criminoso, a partir das relações sociais diversas como a interação social e a estigmatização social. Essa teoria também é chamada de Labeling Approach ou Etiquetamento Social, foi desenvolvida pelo sociólogo americano Howard Becker em seu livro Outsiders, estudos da sociologia do desvio, de 1963. A grande importância dos estudos de criminologia se revela na seguinte ordem: Criminologia → Realidade Social = Política Criminal 2.2 OS PROTAGONISTAS DO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL Como vimos, pela ordem estabelecida na Constituição de 1988, todos, desde cidadãos, estados, municípios e nação devem realizar sua parte no acordo em prol da segurança pública. Entretanto, como você já percebeu, isso somente seria possível a partir de uma norma de procedimentos, avaliados a partir dos desígnios que convalidem a vontade coletiva. Esse mecanismo é realizado pela política de segurança pública nacional. O último plano escrito em 2018 com validade até o ano de 2028, defi ne a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social. A partir dele, a disposição de uma ordenação que visa o combate contra a criminalidade prevê a importância de um plano único e centralizado, mas que ao mesmo tempo descentralize as tomadas de decisões que devem ser realizadas pelas bases e dados estatísticos de cada região. 70 SEGurANÇA PÚBLiCA Se quiser aprender mais sobre o atual Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, você pode acessá-lo neste site: https://www.justica.gov.br/news/copy_of_PlanoePolticaNacional deSeguranaPblicaeDefesaSocial.pdf. Nele, você pode ter acesso aos últimos estudos acercados grupos criminosos atuantes em cada estado do país e quais os planejamentos estruturais de combate ao crime organizado. Assim, temos os protagonistas do sistema de defesa social, trazidos pelo Plano Nacional de Segurança Pública, visto a seguir: FIGURA 1 – SISTEMA ÚNICO DE SEGURANÇA PÚBLICA (SUSP) FONTE: Marcondes (2021, s.p) Veja que o sistema de defesa social atende a uma ideologia formulada antes mesmo de sua aplicação pelas instituições de segurança pública, as quais conhecemos hoje. Então, é a partir da análise inicial acerca do que trata a ideologia que podemos entender o sistema em si. Existem diferenças entre a terminologia sistema e ideologia de defesa social. Entretanto, o sistema se traduz em um conjunto de elementos que têm a sua produção realizada de maneira intelectual, ou seja, gerado pela intelecção do homem. O sistema da defesa social, 71 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 ainda que utilizado em um paradigma considerado moderno, como o paradigma da segurança cidadã, pode, como você sabe, trazer resquícios da ideologia que primeiro trouxe essa compreensão para o mundo, determinando polêmicas acerca do próprio sistema adotado pelas políticas de segurança pública. Então veja as defi nições desses conceitos trazidas pelo dicionário Aurélio (2021, s.p.). • “Ideologia: origem das ideias humanas às percepções sensoriais do mundo externo. • Sistema: “conjunto de elementos, concretos ou abstratos, intelectualmente organizados”, que podem sofrer infl uências das diversas ideologias existentes. Assim, você pode defi nir que todos os institutos de segurança pública são protagonistas do sistema de defesa social, pois tanto ideologicamente quanto na prática é o sistema utilizado. Por mais que estejamos vivenciando uma mudança de paradigma e padrões para a realização das políticas públicas de segurança, o modelo utilizado ainda é o da Defesa Social. Esse sistema também sofre com algumas defi ciências próprias de modelos originados em situações distantes da democracia. Aqui, trazemos como sugestão de leitura o livro de Bartira Macedo de Miranda Santos, Defesa social: uma visão crítica. A seguir, um trecho do livro: “A defesa social constitui uma armadilha discursiva acerca dos fundamentos do poder punitivo. O Direito Penal e o Processo Penal servem para defender a sociedade contra o crime e os criminosos? Juristas e população, em geral, acreditam que sim, que ambos são instrumentos de defesa social. Este livro ambiciona mostrar os perigos dos discursos de defesa social, tomando-os em sua perspectiva histórica e relações de poder, desde a chamada Escola Clássica do Direito Penal, em que a defesa social era a proteção do indivíduo contra o poder punitivo arbitrário, até a Escola Positiva Italiana, em que o Direito Penal ganhou a função concreta de defender a sociedade contra os indivíduos criminosos. Aborda- se, ainda, a reconfi guração das ciências penais da Escola Técnico- Jurídica, que expulsa a defesa social do Direito Penal e a acomoda na Política Criminal, elaborando o modelo de ciência penal mais apto à realização concreta dos ideais dos estados autoritários. Essa Escola extraía dos juristas a função de questionar o ordenamento jurídico 72 SEGurANÇA PÚBLiCA que aplicavam, dando-lhes a função de proteger a sociedade de uma forma mais ampla: eliminando não apenas os criminosos, mas todo indivíduo considerado perigoso para a manutenção da ordem social. Muito mais que simples alterações semânticas, as várias concepções de defesa social e seu ajustamento discursivo às novas relações de poder e respectivas formas de controle social repressivo, de cada momento histórico, apresentam-se como um conjunto de ideias” (MIRANDA, 2015, p. 12). FONTE: Adaptado de SANTOS, B. M. de M. Defesa social: uma visão crítica. São Paulo: Estúdio Editores, 2015. 2.3 A PROBLEMÁTICA DO SISTEMA DE DEFESA SOCIAL Existem grandes problemas para a ideologia e consequente sistema de Defesa Social, quando, desde seu nascimento, indica que as pessoas podem ser diferenciadas pelas suas qualidades físicas, que são carregadas hereditariamente. Com o passar dos tempos, essas diferenças foram se avolumando na sociedade, quando se estuda e interpreta um grupo considerado como criminoso. Veja que nos Estados Unidos, após o fatídico 11 de setembro de 2001, as políticas de segurança incluíram, a partir de táticas de guerra, o vigoroso combate contra determinados grupos do Oriente Médio, considerados terroristas. Para o imaginário comum e para o fundamento da ideologia da defesa social, traços e caracteres originários das arábias e Ásia poderiam indicar um provável terrorista. Nesse sistema, é comum a verifi cação antes do indivíduo e de sua genealogia, sem mesmo ele ter cometido qualquer crime. Aqui há a defi nição de direito penal do inimigo, que deve ser cassado pelas suas diferenças. Para Baratta (2011), a ideologia da defesa social perpetua as diferenças e ressalta as desigualdades, pois não interage com as transformações da realidade. Para o autor italiano, é necessária uma visão crítica aos operadores do direito e segurança pública, ao julgar os casos conforme a visão do que há de real na sociedade e sua complexidade, para não perpetuar as desigualdades sociais e não preservar a atuação seletiva do sistema. O mito é de que a lei protege a todos, igualando-os, trazendo o direito penal como um epiteto da igualdade, que infelizmente não prevê as diferenças sociais e econômicas (BARATTA, 2011). 73 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 A prática policial ligada a essa teoria afi rma a seletividade do sistema em sua atividade de prevenção, sempre contra os pobres e os estigmatizados que vivem na sociedade. O discurso do sistema da defesa social está diretamente vinculado numa concepção de direito penal do autor, transformando os etiquetados de criminosos e os estigmatizados por qualquer situação como inimigos sociais. Esses, então, precisam ser combatidos pela defesa social e seu aparato de segurança pública e: Em nome desta defesa social, justifi cam-se toda sorte de violações dos direitos humanos que marcam a segurança pública no Brasil. Não raro, as violações dos direitos humanos estão acompanhadas de um discurso justifi cador que invoca a necessidade de defesa social no combate ao crime (SANTOS; CARDOSO, 2020, p. 6). Isso pode acarretar políticas públicas que atentem para estereótipos e estigmas que carregam determinados grupos e pessoas e, por esse motivo, há a mobilização da força de proteção social contra alguns personagens tidos como criminosos, sem mesmo terem cometido algum crime. O sistema penal baseado na defesa social, possui suas bases fundadas nos estudos do que seja crime, em um plano que não considera as evoluções sociais e as diferenças gritantes que ocorrem na sociedade, principalmente no âmbito econômico. Entretanto, o sistema confi rma o direito penal e seus institutos de repressão. É nesse sentido que há o distanciamento das políticas públicas para com o paradigma da Segurança Cidadã, que manifesta a democratização aos órgãos de segurança, com planejamento direcionado às garantias e direitos fundamentais. O medo da violência crescente e a incapacidade das agências de segurança pública em lidar com a criminalidade confi rma o crescimento da ideologia da Defesa Social, que não considera em seus estudos as enormes diferenças sociais no país, bem como as desigualdades e faltas de oportunidades. Pelo mesmo prisma, faz vigorar o direito penal do autor, considerado quando apenas o autor do fato criminoso é estudado, mas não os motivos para a composição do crime. Isso nos leva a interpretar o crime apenas pela pessoa que o comete, não interessando situações justifi cantes ou a própria interação social da pessoa em meio ao ambiente em que vive. 74 SEGurANÇA PÚBLiCA O que é o Direito Penal do Inimigo? Criado em 1985 pelo alemão GhunterJacobs, o Direito Penal do Inimigo, também reconhecido como direito penal do autor, trouxe à discussão os indesejáveis em sociedade, que deveriam ser extirpados sem as garantias de um cidadão comum. Nessa perspectiva, o inimigo não recebe garantias nem benefícios do Direito. Para ele, terroristas, mafi osos, integrantes de crime organizado, entre outros, fazem parte do inimigo a ser combatido. Dessa forma, a repressão do Estado pode vir contra o inimigo se baseando em condutas futuras que ele possa realizar contra o Estado, ou seja, é preventiva quanto ao delito que possa vir a ser cometido. É, então, uma alternativa que previne a ocorrência de crimes, demonstrando o caráter punitivo da justiça penal ao determinar a ruptura dos direitos individuais do cidadão tido como inimigo. A crítica a essa ideologia é oportuna quando questiona quem deve dizer quem é inimigo, quem teria esse poder. Outro argumento válido diz respeito ao uso do direito penal como instrumento preventivo, atuando contra determinadas minorias, muitas vezes, já estigmatizadas como pobres e negros. A ascensão das normas de higienização nazista contra o povo judeu encontrou uma forma de identifi cá-los como inimigos do Estado, cerceando seus direitos de todas as maneiras. Esse exemplo é um passo fundamental para a teoria que viria em seguida. No próximo subtópico, faremos uma análise de fundamental importância para a segurança pública e os meios de garanti-la em uma sociedade democrática. Democracia, acima de tudo, traduz-se pela afi rmação dos direitos fundamentais que deve ser realizada por todos os institutos, inclusive os de segurança pública. 3 AS FUNÇÕES E ATRIBUIÇÕES DA POLÍCIA NUMA SOCIEDADE DEMOCRÁTICA Prezado aluno, vimos que, historicamente, a polícia ostensiva possui qualidades inerentes à prática e estrutura militar. A militarização nas polícias preventivas da segurança pública partiu, a princípio, para a proteção do monarca ou dos grupos 75 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 controladores da sociedade, até chegar aos dias de Constituição e democratização de toda a política brasileira. Entretanto, são comuns a permanência do pensamento e a doutrina patriarcal e rígida da organização, movida tradicionalmente pelas matrizes constitutivas do próprio exército e da cultura social. Daí tiramos a infl uente questão de como fazer funcionar os valores da soberania popular no interior dessas matrizes, para que possam responder à altura da evolução ocorrida. Aqui, temos mais um paradigma que precisa ser vencido. Para que se altere um padrão, deve haver uma crise nos modelos utilizados até que esse passe a ser questionável ao ponto de uma ruptura. Nesse caso, a ruptura precisa partir de dentro para fora, ou seja, do interior da instituição que se pretende alterar. Para isso, os valores devem ser dispostos como meta a ser atingida. As atribuições da polícia, órgão da segurança pública, devem ser manejadas a partir da garantia dos direitos fundamentais e dos direitos humanos. É certo que isso somente pode ocorrer em uma ordem democrática. A transição do regime autoritário para o democrático fi cou conhecida por diversas denúncias de abuso policial (ADORNO, 1998). Isso signifi ca o distanciamento de uma incorporação válida dos princípios que regem a vida social em prol dos direitos da pessoa, que muitas vezes não se fazem presentes nas atividades práticas da polícia. Isso se deve a uma ausência de “mecanismos de controle democrático sobre as polícias” e a presença de um “padrão cultural muito difundido e incontestado que identifi ca a ordem e a autoridade ao uso da violência” (CALDEIRA, 2003, p. 136). Nesse sentido, as violações de direitos humanos cometidas pelos agentes estatais se relacionam a um autoritarismo socialmente implantado que tem como prisma central o uso da violência para a resolução dos confl itos diversos (PINHEIRO, 1991). Esse padrão de ação não se relaciona com o sistema de Polícia Comunitária nem com o paradigma da Segurança Cidadã. Todavia, como você pode observar, o crescimento exponencial da população, das cidades e da criminalidade evidenciam ainda mais as responsabilidades dos agentes estatais de segurança. Assim, tem-se a ideia de que o agente policial tem a determinação e efi ciência ao impor determinados valores morais que fazem parte do ideal de ordem e, por outro lado, que suas ações sejam realizadas de acordo com as regras formais que limitam a atuação policial dentro da legalidade. Nesse sentido, caro aluno, existem elementos inerentes ao próprio ambiente do trabalho policial e que são determinantes para suas ações: o perigo, a autoridade e as pressões por efi ciência (SKOLNICK, 2002). Verifi ca-se que a exposição constante ao risco, bem como a premência de efetivar a autoridade do Estado por intermédio de suas ações podem estimular refl exos conservadores e comportamentos reacionários, confi rmando a estereotipação, assim como o isolamento social do agente policial e uma forte solidariedade interna com os seus iguais. Nesse sentido, segundo Skolnick 76 SEGurANÇA PÚBLiCA (2002), policiais podem desenvolver algumas atitudes estigmatizadoras para sua defesa própria perante pessoas desconhecidas e perante incertezas que encontra em sua lide. Esse estigma parte do profi ssional contra pessoas que ele interpreta ser um risco para si próprio. O isolamento social se deve pela sua própria função, que evita contato com determinados grupos da sociedade considerados pelos próprios policiais como perigosos e que podem realçar atitudes hostis contra eles. Esse afastamento do convívio público e social é a causa do desenvolvimento de uma solidariedade interna, desenvolvedora do pragmatismo e do conservadorismo da instituição (SKOLNICK, 2002). Nesse sentido pragmático do serviço policial, as pressões por efi ciência, que partem tanto da sociedade e seus meios de comunicação quanto de seus superiores, induziriam os policiais à ideia de valorização às prisões efetuadas e à resolução de crimes, em detrimento às regras que impõem limites no desemprenho de suas funções. Para o cientista Reiner (2004), essas pressões diversas por resultados, aliadas aos perigos certos da profi ssão, podem causar a desvalorização de princípios legalistas e normas que visam à proteção dos direitos humanos, pois a garantia da defesa social é a ação a ser laureada. Entretanto, regras, atitudes e vícios da função devem ser percebidos também através de diferentes contextos. Reiner (2004, p. 135) afi rmou que as forças policiais presentes nas democracias modernas mundo afora “veem-se frente a frente com as mesmas pressões básicas similares que modelam uma cultura distinta e característica em muitas partes do mundo, mesmo tendo ênfases diferentes no tempo e no espaço, e variações subculturais internas”. Isso signifi ca que as características das culturas policiais necessitam de uma interpretação que considere todo o contexto político e social ao seu entorno e como as organizações de segurança pública podem ser infl uenciadas por acontecimentos externos a ela, a ponto de desvalorizar a proteção aos direitos humanos para a garantia da ordem e da defesa social. No atual paradigma, como você viu, é mister a inclusão da comunidade, de seus anseios e difi culdades na escala a ser analisada pelos órgãos de segurança pública. Dessa forma, uma mudança precisou e ainda precisa ser realizada dentro de instituições tão antigas e tradicionais como a Polícia Militar e sua ordem miliciana. Veja que a Segurança Cidadã não apenas presta o habitual sistema repressivo e ostensivo, mas precisa saber resolver problemas e confl itos diversos, de uma maneira extrajudicial, se possível for; identifi cando a origem dos antagonismos que venham a causar o crime. Para isso, mudanças precisam ser realizadas, tanto na cultura interna das instituições quanto na maneira de se enxergar policial, isso também parte da comunidade.77 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Você já deve ter visto em sites de notícias e jornais televisivos o número crescente de suicídio entre policiais de todas as instituições. A pressão da função, o encontro iminente com a violência, o perigo e a preocupação com sua própria segurança e de seus familiares causam uma agressão psicológica, muitas vezes, irreversível aos policiais. Para combater essa taxa de suicídio alargada no Brasil, as Secretarias de Segurança Pública de cada Estado informam, a partir de cursos e palestras, as possibilidades de auxílio dentro da corporação contra casos de depressão e ansiedade causados pelo ambiente de labor policial e que podem levar ao suicídio. Auxílios como esses ainda são poucos no Brasil. Veja a importante análise feita por Cleber Souza e Luís Adorno, publicada no site de notícias da UOL em setembro de 2019: “Em 2017 e 2018, 17 policiais civis do estado de São Paulo tiraram a própria vida. Segundo a ouvidoria da corporação, trata-se de uma taxa média de 30,3 suicídios a cada 100 mil policiais, por ano – três vezes o índice aceitável pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que considera situação de epidemia a partir de 10 suicídios a cada 100 mil. A polícia civil tem 28 mil homens e mulheres. Sem auxílio psicológico, policiais civis morrem mais por suicídio em SP: a taxa de suicídios entre policiais civis é seis vezes maior do que a taxa dos mortos em serviço (5 a cada 100 mil). Os dados foram divulgados pela Ouvidoria da Polícia de São Paulo na manhã de hoje, com o objetivo de apresentar ao estado, com recomendações, para que haja políticas de segurança pública que reduzam o índice. Apesar de o índice ser alto, a Polícia Civil não tem programa nem suporte para a saúde mental, segundo o ouvidor Benedito Mariano. “Precisa começar do zero na Polícia Civil. O sucateamento dialoga com o estresse do policial, porque tem que fazer o serviço de dois ou três. Existe uma negligência com relação à saúde mental dos policiais civis de São Paulo”. FONTE: Adaptado de <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2019/09/25/suicidio-e-principal-causa-de-morte-de-policiais- civis-em-sao-paulo.htm#:~:text=Segundo%20a%20ouvidoria%20 da%20corpora%C3%A7%C3%A3o,28%20mil%20homens%20e%20 mulheres.>. Acesso em: 20 jun. 2021. 78 SEGurANÇA PÚBLiCA 3.1 O POLÍCIAMENTO DEMOCRÁTICO Quando se pensa em policiamento, a ideia de repressão e uso da força física surgem logo à mente. O problema está no uso da força excessiva, que gera uma violência, muitas vezes, desproporcional. Em um sistema político democrático, podemos entender que há uma limitação ao uso de uma força agressiva e extrema, pois a ação policial está limitada às normas que regem tanto o estatuto interno policial quanto a composição da lei e ordem. Note que o uso excessivo da força nunca foi uma característica apenas de regimes autoritários, mas de democráticos também (PINHEIRO, 1991). O que se observa é que o discurso da democracia não garante por si só o estímulo para um policiamento democrático. Isso ocorre principalmente nos países como o Brasil, que passaram uma transição entre regime autoritário e democrático marcada por graves confl itos sociais, cujas forças de segurança pública possuíam a função da manutenção da ordem adotando os padrões dos governos autoritários, que se faziam presentes nas instituições policiais (ZACCONE, 2016). Em uma democracia, o policiamento democrático tem uma importância muito bem defi nida na produção da viabilidade da ordem e dos valores que determinam a lógica democrata (BAYLEY; SKOLNICK, 2001). Nesse objetivo, a polícia não necessariamente deixa de usar a força em suas atividades quando necessário, mas se utiliza desse mecanismo no sentido de afi rmar o exercício da ampla cidadania e no fortalecimento das premissas democráticas. Entretanto, como nós vimos, existem concepções que defi nem a segurança pública no Brasil por intermédio de ações formuladas pela própria política de segurança. Uma dessas concepções é idealizada no combate direto, em que os órgãos de segurança pública se percebem em meio a uma missão bélica contra os inimigos, conforme apresenta Souza Neto (2008, p. 3): • A Primeira Concepção: Seu papel é “combater” os criminosos, que são convertidos em “inimigos internos”. As favelas são “territórios hostis”, que precisam ser “ocupados” através da utilização do “poder militar”. A política de segurança é formulada como “estratégia de guerra”. E, na “guerra”, medidas excepcionais se justifi cam. Instaura-se, então “uma política de segurança de emergência” e um “direito penal do inimigo”. O “inimigo interno” anterior – o comunista – é substituído pelo “trafi cante”, como elemento de justifi cação do recrudescimento das estratégias bélicas de controle social. 79 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Como você pôde perceber, esse é um padrão reminiscente do paradigma da Segurança Nacional, que evidenciava o Regime Militar. Esse modelo passou a ser internalizado pelas instituições de segurança pública, a partir da ideologia da defesa social, aceita em grande parte do mundo como essencial. O que o torna tão prestigiado faz parte de um discurso infl uente dos meios de comunicação social, que afi rma o populismo penal em que qualquer situação contra a lei e ordem deve ser repreendida pelo uso da força física, ainda que excessiva. Você pode notar que se trata de um resquício do paradigma anterior que ainda vive latente em nosso sistema, seguindo os trejeitos do autoritarismo e patriarcalismo calçados em nossa história, residente na cultura policial (SOUZA NETO, 2008). Ainda há uma segunda concepção do pensamento a respeito da segurança pública, que mais se assemelha ao policiamento numa construção democrática, defi nindo a segurança como um serviço público prestado pelo Estado, mas não uma aventura bélica a ser travada em que os fi ns podem ser justifi cados pelos meios. Nesse sentido, veja: • A Segunda Concepção: O cidadão é o destinatário desse serviço. Não há mais “inimigo” a combater, mas cidadãos para servir. A polícia democrática, prestadora de serviço público, em regra, é uma polícia civil, embora possa atuar uniformizada, sobretudo no policiamento ostensivo. A polícia democrática não discrimina, não faz distinções arbitrárias: trata os barracos nas favelas como “domicílios invioláveis”, respeita os direitos individuais, independentemente de classe, etnia ou orientação sexual; não só se atém aos limites inerentes ao Estado democrático de direito, como entende que seu principal papel é promovê-lo. A concepção democrática estimula a participação popular na gestão da segurança pública; valoriza arranjos participativos e incrementa a transparência das instituições policiais (SOUZA NETO, 2008, p. 6). A segunda concepção substitui o combate pela prevenção e expõe a inserção de políticas sociais por intermédio de “medidas administrativas de redução de riscos”, enfatizando a investigação criminal e sua importância no resguardo do crime (SOUZA NETO, 2008, p. 6-7). Note que aqui há a demonstração dos padrões aceitos pelo paradigma da Segurança Cidadã, que você estudou no capítulo anterior. De fato, em nenhum momento o constituinte original optou por um ou outro modelo, todavia, devemos ter em mente que exista a harmonização entre os institutos diversos, ao princípio democrático de direito, aos direitos fundamentais e à dignidade da pessoa. Nesses termos, o que se apresenta é que o policiamento democrático somente pode vir a existir no fortalecimento do próprio regime A concepção democrática estimula a participação popular na gestão da segurança pública; valoriza arranjos. 80 SEGurANÇA PÚBLiCA democrático e de seus princípios. O resultado disso é a mudança na própria ideologia e lógica policial, bem como na maneira a qual os institutos de segurança pública se relacionam com a sociedadeao redor. Essa forma de relacionamento, a partir da base estrutural do paradigma da segurança cidadã, não se sustenta pelo uso de violência desmedida, pelas difi culdades ao acesso à justiça ou de políticas públicas inefi cientes. Para complementar os nossos estudos, indicamos a você um texto muito infl uente de Vera Regina Pereira de Andrade (2013), em que a pesquisadora demonstra os passos a serem tomados na consolidação das formas democráticas e de seus valores em diversos setores, em especial, na segurança pública. Em suas palavras: Para que a própria mudança preconizada ocorra, o princípio vertebral a sustentar todos os demais deve ser o princípio de proteção integral de direitos humanos, erigido como o objeto e limite do poder de punir e no qual o direito à segurança (sobretudo a segurança da pessoa, da vida e dos corpos, antes que dos bens) seja um deles, libertando-se do paradigma da segurança “contra” a criminalidade. Isso faz a passagem do modelo de segurança pública focado na ordem e em nome da ordem, violando seletivamente direitos da pessoa, para um modelo de segurança pública focado no sujeito – Segurança Cidadã; faz ainda a passagem do paradigma repressivo (negativo e desconstrutor) de luta contra a criminalidade para uma cultura positiva e construtora de uma nova concepção de segurança e controle democrático dos problemas e confl itos sociais (ANDRADE, 2013, p. 349). FONTE: <http://www.scielo.br/pdf/seq/n67/13.pdf>. Acesso em: 13 jun. 2021. Você deve ter percebido uma questão infl uente em nossos estudos acerca das possibilidades de um policiamento democrático. Essa questão está diretamente ligada à interpretação do conceito de defesa social. O entendimento que se faz desse conceito é o de que a defesa do Estado, de determinadas classes sociais ou de grupos de pessoas mais selecionáveis que outros, presente tanto na ideologia da defesa social quanto em seu sistema de segurança, deve sofrer severas alterações interpretativas e de análises. A partir 81 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 de sua base, a defesa social deve servir como a defesa de todas as pessoas e de todas as classes, isso será possível através de normas de procedimentos e regras técnicas, lançadas aos modernos padrões operacionais que possibilitem uma atual cultura organizacional e de governança da atividade da polícia através dos novos modelos de conduta na interação social (BARATTA, 2011). Então, a proposta inicial da Escola Clássica do Direito Penal e sua tendência iluminista em usar o conceito de defesa social como uma garantia do cidadão contra o poder de punir do Estado, passou a ser visto por intermédio da Escola Positivista como a defesa da sociedade contra o criminoso. Esse infrator começou a ser visto pelas suas diferenças, sendo rotulado e taxado como transgressor ou futuro transgressor. Foi a partir desse ponto que se iniciou os estudos acerca da pessoa criminosa, e não dos atos causados por ela ou, até mesmo, da sociedade ao redor e de sua convivência social, como motivos socioculturais e socioeconômicos. Como você viu, até medição dos corpos dos criminosos foram realizados por Lombroso (2013), caracterizando aqueles propensos ao crime por uma simples medida fi siológica. Na concepção que estudamos anteriormente, em que o belicismo toma as rédeas da segurança pública numa guerra contra o inimigo, pode ocorrer a mesma marcação, só que de forma distinta, contra grupos, pessoas diferentes e minorias. É essa concepção que o policiamento democrático tenta mudar. 3.2 AS POLÍCIAS E AS GARANTIAS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Como você estudou, o panorama acerca do objeto de proteção da segurança pública se alterou com a redemocratização do Brasil e com a Constituição de 1988. Quando antes era o Estado a ser veementemente protegido, agora são os seus cidadãos, seus bens e uma ordem que se baseia na convivência. Sob a égide dos direitos fundamentais e do princípio da dignidade da pessoa, as polícias do paradigma que se intenta cumprir, devem executar determinadas ações com intuito de promover esses direitos. No fi m, o novo padrão sempre seguirá as bases que o estabeleceu, cabe aos profi ssionais envolvidos levarem a cabo seus sentidos. Para que isso ocorra de forma positiva e reconhecida, alguns instrumentos podem ser usados a seu favor, e um dos mais importantes em um Estado Democrático de Direitos é a legalização normativa desses preceitos. Nesse intento, o Decreto nº 1.904 de 13 de maio de 1996 é o principal arcabouço regulamentário desse tema. O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) objetiva: 82 SEGurANÇA PÚBLiCA • A identifi cação dos principais obstáculos à promoção e defesa dos diretos humanos no país. • A execução, a curto, médio e longo prazos, de medidas de promoção e defesa desses direitos. • A implementação de atos e declarações internacionais, com a adesão brasileira, relacionados com direitos humanos. • A redução de condutas e atos de violência, intolerância e discriminação, com refl exos na diminuição das desigualdades sociais. • A observância dos direitos e deveres previstos na Constituição, especialmente os dispostos em seu Art. 5°. • A plena realização da cidadania (BRASIL, 1996). Todas essas medidas elencadas destacam a promoção humana, principalmente no que diz respeito ao indivíduo, suas liberdades e a busca por uma isonomia social ao intentar a diminuição das desigualdades sociais em um sentido de equidade. Direitos fundamentais – São considerados direitos enunciados constitucionalmente, ou seja, fazem parte de uma ordem jurídica que declara uma prerrogativa que é fundamental para o cidadão viver em sociedade. Por esse motivo, diferenciam-se de direitos humanos, que são direitos de todas as pessoas, de todos os povos e em todos os tempos, em caráter universal, inviolável e perdurável. A CF/1988 elenca, em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais referentes à educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e assistência aos desamparados. Estão dispostos assim: • Direitos e deveres individuais e coletivos (Art. 5º, CF). • Direitos sociais (Art. 6º ao art. 11, CF). • Direitos da nacionalidade (Art. 12 e art. 13, CF). • Direitos políticos (Art. 14 ao art. 16, CF). O PNDH fi ca ao encargo do Ministério da Justiça, mas com a participação da Administração Pública Federal. Isso desenvolve uma descentralização nas atribuições de cada ente, principalmente no que diz respeito na coleta de informações para a produção de uma política criminal de qualidade. Elaborado por várias entidades, o PNDH propõe políticas públicas que enfatizem a proteção dos direitos humanos e dos direitos fundamentais da CF/1988, bem como a criação 83 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 de engrenagens jurídicas para a diminuição do tempo dos processos penais. Entretanto, uma segunda edição foi elaborada em maio de 2002, ampliando o alcance de proteção dos direitos que urgiam na sociedade, como os direitos dos povos ciganos, dos povos indígenas, da livre orientação sexual e identidade de gênero. Em dezembro de 2009, foi elaborado um novo PDNH, instituído através do Decreto nº 7.037, o terceiro e último até então, que se baseia nos princípios e atribuições elaborados pelo primeiro PDNH, que estudamos anteriormente. Para nossos estudos, o importante é que as políticas criminais para segurança pública são baseadas no Plano Nacional de Direitos Humanos e seus conceitos. Em uma de suas diretrizes (12), a “transparência e participação popular no sistema de segurança pública e justiça criminal” enfoca a democratização (BRASIL, 2009). Ainda, dá a devida atenção ao Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) aduzindo aos: Investimentos já realizados pelo Governo Federal na montagem de rede nacional de altos estudos em segurança pública, que têm benefi ciado milhares de policiais em cadaEstado, simbolizam, ao lado do processo de debates da 1ª Conferência Nacional de Segurança Pública, acúmulos históricos signifi cativos, que apontam para novas e mais importantes mudanças (BRASIL, 2009). Esse mecanismo legal enfoca os direitos humanos e a atuação da segurança pública ao atentar pela realização de seus preceitos, como a plena cidadania, entre outros. O que é o PRONASCI? “Desenvolvido pelo Ministério da Justiça, o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (Pronasci) marca uma iniciativa inédita no enfrentamento à criminalidade no país. O projeto articula políticas de segurança com ações sociais, prioriza a prevenção e busca atingir as causas que levam à violência, sem renunciar às estratégias de ordenamento social e segurança pública. Entre os principais eixos do Pronasci, destacam-se a valorização dos profi ssionais de segurança pública; a reestruturação do sistema penitenciário; o combate à corrupção policial; e o envolvimento da comunidade na prevenção da violência. Além dos profi ssionais de segurança pública, o Pronasci tem, também, como público-alvo jovens de 15 a 29 anos à beira da criminalidade, que se encontram 84 SEGurANÇA PÚBLiCA ou já estiveram em confl ito com a lei; presos ou egressos do sistema prisional; e, ainda, os reservistas, passíveis de serem atraídos pelo crime organizado em função do aprendizado em manejo de armas adquirido durante o serviço militar. O Programa está instituído nas 11 regiões metropolitanas brasileiras mais violentas, identifi cadas em pesquisa elaborada pelos ministérios da Justiça e da Saúde. São elas: Belém, Belo Horizonte, Brasília (entorno), Curitiba, Maceió, Porto Alegre, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo, Vitória, Fortaleza e Santa Catarina. A execução do Pronasci se dará por meio de mobilizações policiais e comunitárias. A articulação entre os representantes da sociedade civil e as diferentes forças de segurança – Polícias Civil e Militar, Corpo de Bombeiros, Guarda Municipal, Secretaria de Segurança Pública – será realizada pelo Gabinete de Gestão Integrada Municipais (GGIM). O Pronasci será coordenado por uma secretaria-executiva em nível federal e regionalmente dirigido por uma equipe que atuará junto aos GGIM e tratará da implementação das ações nos municípios. Para garantir a realização das ações no país, serão celebrados convênios, contratos, acordos e consórcios com estados, municípios, organizações não governamentais e organismos internacionais. A instituição responsável pela avaliação e acompanhamento do Programa será a Fundação Getúlio Vargas (FGV). Além da verifi cação dos indicadores, ainda será feita a avaliação do contexto econômico e social. O controle mais abrangente do Programa contará com a participação da sociedade”. O Pronasci é composto por 94 ações que envolvem a União, estados, municípios e a própria comunidade, sendo exemplos de ações relevantes como as Mulheres da Paz, a Formação Policial (qualifi cação das polícias nas práticas de segurança cidadã), entre outros. FONTE: Adaptado de <https://carceraria.org.br/wp-content/ uploads/2012/07/PRONASCI.pdf>. Acesso em: 6 jun. 2021. Claro que de nada adianta toda essa estrutura normativa sem antes qualifi car os profi ssionais de segurança pública para o novo paradigma, que deve partir de dentro da instituição. Para isso, o discurso deve ser utilizado tanto em treinamentos quanto na atuação em conjunto dos policiais. O PNDH desenvolve o treinamento e a capacitação para os profi ssionais. Veja que a importância vai desde a polícia ostensiva em sua abordagem e patrulhamento até o delegado que recebe e coordena o inquérito policial, bem como nas investigações realizadas 85 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 por investigadores da polícia civil, que devem estar calcadas em valores balizados pelos direitos humanos. Assim nasce o real intento para a Polícia Comunitária, ou também conhecida por Polícia Cidadã, já destacada no paradigma que você estudou no capítulo anterior. 1 De acordo com a Escola Clássica do Direito Penal, a Defesa Social teria amplo sentido de proteção ao indivíduo, frente ao poder punitivo do monarca, do Estado ou das forças controladoras do poder. Nesse sentido, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Num contexto democrático de direito, o encargo de garantir os direitos fundamentais partem da premissa de que o Estado não deve se assegurar das forças de segurança pública para assegurar os privilégios sociais adquiridos. b) ( ) O sistema de Defesa Social difere daquele contextualizado pela ideologia da Defesa Social, uma vez que representa valores adotados pela Carta Magna de 1988. c) ( ) A inexistência de diferente interpretação entre as terminologias de sistema e ideologia de defesa social fez com que a defesa social se traduzisse apenas na proteção da sociedade e seus valores comuns. d) ( ) É da teoria da evolução das espécies de Charles Darwin o pensamento da criminologia da Escola Positiva do Direito Penal, ao desenvolver o determinismo biológico ou psicológico em detrimento do livre arbítrio. 2 Quanto ao policiamento democrático, enfatizado no Estado moderno e seus novos padrões, classifi que V para as sentenças Verdadeiras e F para as Falsas: ( ) A democracia por si só é capaz de engendrar o estímulo sufi ciente para o policiamento democrático, alterando os alicerces culturais presentes nas instituições policiais. ( ) Entre as duas concepções analisadas dos modelos de segurança pública, o legislador original optou expressamente pelo modelo da segurança democrática na Carta Magna de 1988. ( ) A primeira concepção adota o direito penal do inimigo, em uma defesa social pautada no submetimento e domínio de um inimigo em comum. ( ) Uma das críticas ao PDNH é que ele está submetido diretamente ao Ministério da Justiça, havendo uma centralização inócua que inibe a possibilidade de análises estatísticas do crime in loco. 86 SEGurANÇA PÚBLiCA ( ) A Segurança Cidadã não sugere apenas o conhecido sistema ostensivo e repressivo, mas também está apta para a resolução de confl itos de forma extrajudicial se possível. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – F – V. b) ( ) V – V – F – F – V. c) ( ) F – V – F – V – F. d) ( ) V – V – V – F – F. 3 Quanto aos direitos fundamentais, descritos na Constituição de 1988, analise as sentenças: I- A democratização dos direitos fundamentais, que são direitos de todas as pessoas, em caráter universal, inviolável e perdurável, alterou a noção dos aspectos policiais aceitos até então, iniciando uma mudança de paradigma na maneira de se pensar a segurança pública. II- Os direitos fundamentais que estão declarados no Título II da CF/1988 destacam a segurança e demais direitos do cidadão, que tornam o paradigma da segurança nacional ultrapassado. III- Os direitos fundamentais e seus enunciados constitucionais fazem parte de uma ordem jurídica declarante de uma prerrogativa do cidadão essencial para a vida social e sua cidadania. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente a sentença I está correta. b) ( ) As sentenças I e II estão corretas. c) ( ) Somente a sentença III está correta. d) ( ) As sentenças II e III estão corretas. 4 POLÍCIA COMUNITÁRIA Reconhecida como uma fi losofi a, a Polícia Comunitária, ou Cidadã, é uma nova interação entre as estratégias policiais que se redefi nem e os diversos problemas oriundos da criminalidade na sociedade e no Estado moderno. A prática das ações e a interação com a sociedade deve ser concretizada visando a vivência cotidiana e a partir dela defi nir os problemas de segurança mais prementes na sociedade. 87 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Nesse capítulo, prezado aluno, entenderemos a fi losofi a da Polícia Comunitária e qual é a base para sua organização operacional. Para esse intuito, o Plano Nacional de Polícia Comunitária eos desafi os da polícia cidadã em uma crescente criminalidade serão analisados. Como você já deve ter percebido, as mudanças de padrões e de ações são estabelecidas por um sincronismo com a CF/1988, em que a segurança pública passou a ser evidenciada de fato como protetora do cidadão. Para alguns estudiosos e especialistas de segurança pública, como Zaccone (2016) e Mendes (2012), a cultura da polícia militarizada não está aberta aos sentidos e ensinamentos do padrão da Polícia Comunitária, e esse é considerado o maior desafi o para a prática do paradigma atual com o crescimento das desigualdades sociais e o ritmo acelerado da violência em centros urbanos (MENDES, 2012). O simples fato de as ações militares policiais estarem historicamente ligadas aos confl itos mais militares do que policiais, são motivos de uma rígida cultura de militarização baseada na violência (MENDES, 2012). É necessária uma mudança na cultura organizacional das instituições de segurança pública para o necessário desenvolvimento de uma polícia cidadã, intentadas nas democracias da América Latina, como no Brasil, geralmente oriundas de ditaduras e uso da força para manutenção do poder. O modelo da segurança comunitária ainda parte de uma via de mão dupla, quando se intenta o vínculo interativo entre instituições, a partir das pessoas que fazem parte dessa vivência, de um lado os agentes de segurança e de outro a população. Nesse sentido, essa dualidade deve se transformar em um único consenso em busca da melhor maneira de ação, almejando encontrar não somente “a forma dos policiais se relacionarem com a sociedade, é necessário também que a sociedade saiba se relacionar com os policiais” (ZACKSESKI; DUARTE, 2012, p. 78), sendo fundamental o desenvolvimento da interação social entre ambos. 4.1 POLÍCIA COMUNITÁRIA E CIDADÃ: FILOSOFIA E ESTRATÉGIA ORGANIZACIONAL Agora que você já se familiarizou para a construção do padrão da Polícia Comunitária, e como chegamos a essa reinterpretação das ações policiais, importante destacar a defi nição mais usual utilizada em conceitos acadêmicos do que realmente signifi ca Polícia Comunitária: 88 SEGurANÇA PÚBLiCA A Polícia Comunitária é uma fi losofi a de policiamento personalizado de serviço completo, onde o mesmo policial patrulha e trabalha na mesma área numa base permanente, a partir de um local descentralizado, trabalhando numa parceria preventiva dos cidadãos para identifi car e resolver os problemas (TROJANOWICZ; BUCQUEROX, 1994, p. 10). Veja que a defi nição dada anteriormente inclui toda importância na parceria preventiva (no plano fi losófi co que serve como base de ensino) e na interatividade com os cidadãos, que labora com o poder legitimador da entidade e sua base ideológica. Para Fernandes (1994, p. 10), trata-se de um: [...] serviço policial que se aproxime das pessoas, com nome e cara bem defi nidos, com um comportamento regulado pela frequência pública cotidiana, submetido, portanto, às regras de convivência cidadã, pode parecer um ovo de Colombo (algo difícil, mas não é). A proposta de Polícia Comunitária oferece uma resposta tão simples que parece irreal: personalize a polícia, faça dela uma presença também comum. Entretanto, o autor supracitado enfatiza que a fi losofi a para o labor policial do novo paradigma encontra certas difi culdades, justamente na “cultura instalada nas corporações policiais e legitimada pelo cidadão em decorrência do estímulo da imprensa sensacionalista, do uso abusivo da força na coação à prática da desordem, da violência e do crime” (FERNANDES, 1994, p. 10). Essa alternativa ao modelo tradicional de segurança pública altera todo o entendimento do que sejam os sintomas do crime, quando a posição da polícia não se isola, mas integra parte da população que intenta defender. Nesse sentido, prezado aluno, veja que a polícia cidadã apresenta, em suas formas, a importante função multidisciplinar, que acentua a resolução de confl itos da comunidade em sua raiz, ou seja, no próprio local confl ituoso. Muitas vezes, o desvio, ou crime, pode ser solucionado pelo próprio agente policial, de maneira extrajudicial, mas junto à própria coletividade. Se Deus quiser que venha armado, fi lme dirigido por Luís Dantas em 2015, demonstra a participação de duas forças antagônicas, que se colidem no cotidiano, em meio à vida social. A infl uência do Primeiro Comando da Capital (PCC) nas vidas dos detentos, bem como a violência policial sem limites, demonstrada na película e aplicada nas comunidades, é totalmente o inverso do intentado paradigma da Segurança Cidadã. 89 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Após a segunda grande guerra, o Japão do século XX implantou diversos postos de polícia conhecidos como Koban, que possuíam uma vigilância voltada aos ideais democráticos. A Polícia Comunitária nipônica era muito assídua em seu trabalho e mantinha um consistente convívio com os cidadãos. Visitas comunitárias nos lares japoneses eram frequentes e denominavam-se junkai renraku, que tinham a fi nalidade de levantar dados e informações que revelassem distúrbios nos bairros, bem como suas motivações de ocorrerem na comunidade (BAYLEY; SKOLNICK, 2001). Foi apenas no fi nal da década de 1970 e início nos anos 1980, que se tornou internacionalmente conhecida, sendo adotada em diversos países da América do Norte e Europa Ocidental. Com intuito de apresentar novos valores nas práticas policiais e uma mudança na cultura organizacional, diversas inovações na maneira de se lidar com a criminalidade surgiram (BAYLEY; SKOLNICK, 2001). Assim, foram traçados quatro elementos inovadores que desencadeiam o policiamento comunitário e que devem estar sempre presentes, são eles: • Organização da prevenção do crime tendo como base a comunidade: em uma inclusão com a sociedade da qual faz parte o policial e seu labor, prestando serviço que se orienta pelas bases comunicativas. • Reorientação das atividades de policiamento para enfatizar os serviços não emergenciais e para organizar e mobilizar a comunidade para participar da prevenção do crime: identifi car os problemas a partir de análises realizadas pela própria comunidade, objetivando diminuir a incidência dos crimes, muitas vezes enfatizando um serviço público mais operante para determinadas situações que o próprio direito penal. • Descentralização do comando da polícia por áreas: o que favorece tanto a comunicabilidade entre os cidadãos e a polícia quanto as análises estatísticas de crimes e desvios por local. • Participação de pessoas civis, não policiais, no planejamento, execução, monitoramento e/ou avaliação das atividades de policiamento: signifi ca engendrar mecanismos que demonstrem as prioridades de determinada população, a partir da participação popular. A parceria entre comunidade e segurança pública deve tratar em conjunto dos problemas de segurança, bem como avaliar e melhorar a qualidade de vida social do local. Signifi ca os ideais de democratização, dando voz a própria comunidade que se intenta proteger (BAYLEY; SKOLNICK, 2001, p. 224-232, grifo nosso). Entretanto, esses quatro essenciais e primordiais elementos são bases para a fundação do policiamento comunitário. Ainda é preciso mais. Como você viu, para que um novo paradigma surja, além da crise no sistema usual, é necessário que a real vontade ou pulsão para a mudança seja estabelecida, motivada pelos próprios personagens que fazem parte do sistema que se intenta mudar (KUHN, 2006, p. 32). Assim, para consolidar a implantação desse tipo de policiamento, 90 SEGurANÇA PÚBLiCA os estudiosos Bayley e Skolnick (2001, p. 233-236) nos apontam quatro fatores essenciais. São eles: • Envolvimento enérgico e permanente do chefe com os valores e implicações de uma polícia voltada para a prevenção do crime. • Motivação dos profi ssionais de polícia por parte do chefe de polícia. • Defesa e consolidação das inovaçõesrealizadas. • Apoio público, da sociedade, do governo e da mídia. O envolvimento daqueles que estão no topo da hierarquia deve ser evidente para que seus exemplos sejam seguidos e motivem a equipe profi ssional para esse intuito. De nada adianta se não se verifi car a defesa das inovações, uma vez que a partir daí teremos a consolidação dos mecanismos projetados. Você viu que um dos destaques dado pelos estudiosos citados anteriormente é o apoio público de toda a sociedade e dos seus governantes, bem como da mídia. Uma grande adversidade nos tempos atuais é o jornalismo de espetáculo e o grande sensacionalismo que aciona um populismo penal, criando um sentido de que apenas a penalização, a violência e as penas capitais seriam ideais contra a crescente criminalidade. O espetáculo da mídia está presente “em toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção” (DEBORD, 1997, p. 34), que são apresentadas como uma enorme atração. Tal representação é capaz de formular os gostos e de converter os valores antes tidos como essenciais por intermédio da teatralidade e da ilusão, que o espetáculo desenvolve. 4.2 AS CARACTERISTICAS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA Originariamente, o Decreto Federal nº 88.777, de 30 de setembro de 1983 regulamenta as funções das Polícias Militares e dos Bombeiros. O patrulhamento de maneira ostensiva também foi expresso como uma das funções policiais que passou, com a forma comunitária de ação, a atentar para determinados princípios. Não apenas a constitucionalização do direito que você já conhece, mas com o advento de normas e regras que intensifi caram a formação da Polícia Comunitária, passaram a moldar a nova fi losofi a nas organizações policiais. São princípios que caracterizam e padronizam a Polícia Comunitária: •Reciprocidade entre polícia e população: a legitimidade do Estado em produzir ordem por intermédio de seus mecanismos de defesa e proteção é incontestável, mas a sua capacidade ainda sofre inúmeras carências, precisamente com o crescimento do crime organizado, da corrupção, e dos 91 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 novos modelos de crimes apresentados pelas crescentes tecnologias, como a internet. A reciprocidade entre os atores é um processo lento, de extrema necessidade para o policiamento comunitário, uma vez que apresenta caminhos não tão longos para o reconhecimento dos problemas sociais das dinâmicas apresentadas por determinadas comunidades. Nesse sentido, prezado aluno, aqui pode haver um aumento da capacidade de proteção, por intermédio de um serviço de inteligência chamado convivência social. • Ação com diferentes órgãos: a integração com os órgãos que compõe o sistema de segurança pública, num objetivo comum com o Sistema de Segurança Pública, atende à principal missão desse novo padrão, que é o atendimento qualifi cado do cidadão. Para isso, você percebe a importância da união não apenas desses objetivos, que são validados por lei. De nada adianta se não os levar em frente. Para isso, o desenvolvimento de ações com grupos organizados da sociedade civil, como ONGS, órgãos menores de auxílio às comunidades carentes e até mesmo envolvimento com as atividades ecumênicas da região, são ações de integração. Só que essas ações devem ser realizadas no próprio ambiente policial, entre as polícias que precisam agir de forma integrada para o sucesso do paradigma. • Transparência e controle das atividades: a transparência é a base para a confi ança, não apenas entre os envolvidos diretamente, mas também para indicar a importância da polícia comunitária e suas alterações nas comunidades, com seu novo pensar. De fato, é com a interação que se consegue essa limpidez das ações de todos, desenvolvidas aqui em conjunto. • Valorização do profi ssional em segurança pública: ao realizar ações de formação continuada em treinamentos e capacitação do profi ssional de segurança pública, este torna- se pronto para o novo padrão, desempenhando sua função em comunidade. É compromisso latente da Corporação a promoção da defesa dos direitos dos policiais militares, fi rmando convênios e parcerias com as defensorias públicas e outros órgãos de importância, com intuito de facilitar a assistência aos policiais (BAYLEY; SKOLNICK, 2001, p. 234). Esses princípios apresentados por David Bayley e Jerome Skolnick (2001) aos estudos de ações coletivas dos policiais nesse novo padrão apresentado, juntam-se aos ideais da gestão participativa e de defi nições mais amplas do que antes se considerava o trabalho policial, apontadas por Rosenbaum (2002, p. 31-32): a) uma defi nição mais ampla de ‘trabalho policial’; b) um reordenamento das prioridades da polícia, dando maior atenção ao crime ‘leve’ e a desordem; c) um enfoque na solução de problemas e prevenção, mais do que no policiamento direcionado ao incidente; d) o reconhecimento de que a ‘comunidade’, qualquer que seja sua defi nição, executa um papel crítico na solução dos problemas da vizinhança; 92 SEGurANÇA PÚBLiCA e) o reconhecimento de que as organizações policiais devem ser reestruturadas e reorganizadas para serem responsáveis pelas reivindicações deste novo enfoque e para encorajar um novo tipo de comportamento policial. As características apresentadas nos demonstram que o principal caractere da fi losofi a policial do novo padrão é a que ressalta ser incomum aos órgãos policiais até então, ser reconhecida pelo cidadão, mas fazendo parte da comunidade e, ainda, reconhecendo-se como prestador de serviços. Esse envolvimento se perfaz notoriamente além do estrito cumprimento do determinado em lei, mas contribui para orientar as mudanças de comportamentos nas sociedades perante as patrulhas policiais (ROLIM, 2006). Age, assim, preventivamente, ao entender a cultura e as idiossincrasias inerentes ao bairro que está sob sua proteção, podendo causar maiores impactos aos pequenos incidentes, como a desordem, dirigindo suas ações às raízes motivacionais daquele problema, naquela região. Prestando o serviço de auxiliador da comunidade, não apenas como o policial ostensivo e patrulheiro do local, o profi ssional recebe importante atenção e passa a ser um controlador das ações sociais ao redor. Os pensadores aqui transcritos, como Bayley, Skolnick (2001) e Rosenbaum (2002) são assertivos em defi nir que a participação social é o fator de sucesso ou não do policiamento comunitário: O amplo papel do Policial Comunitário exige um contato contínuo e sustentado com as pessoas da comunidade, respeitadoras da lei, de modo que possam, em conjunto, explorar novas soluções criativas para as preocupações locais, servindo os cidadãos como auxiliares e voluntários (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994, p. 11). Prezado aluno, trazemos o exemplo das patrulhas escolares que devem, na prática, estar presentes em todas as comunidades. Suas rondas ostensivas amplifi cam o contato com as famílias e preservam os locais de grande intensidade de trânsito dos cidadãos, que são as escolas. Esse é um planejamento e uma das diretrizes primordiais do Plano Nacional de Polícia Comunitária, o qual trazemos seus apontamentos mais importantes a seguir. Vamos lá! 4.3 O PLANO NACIONAL DE POLÍCIA COMUNITÁRIA A Portaria nº 43, de 12 de maio de 2019, institui a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária e cria o Sistema Nacional de Polícia Comunitária, determinando o Manual da Polícia Comunitária no país. Veja que em suas principais diretrizes o 93 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 conceito de visão sistêmica da polícia se estende à fi losofi a desse novo modelo, que inspira toda a instituição policial por meio de uma estratégia organizacional moderna. É importante, prezado aluno, entender as diretrizes que enfocam as características dessa fi losofi a que se estende por todo o conceito de polícia, alterando a maneira qual o entendíamos. Então, vamos às principais instruções de procedimento organizacional.São diretrizes nacionais para o novo padrão: Diretriz 1 – Visão sistêmica da Polícia Comunitária: entendida como fi losofi a e estratégia organizacional que deve permear toda a instituição policial e não apenas constituir um programa de policiamento ou fração de efetivo. Diretriz 2 – Conteúdo obrigatório nas malhas programáticas dos cursos de formação e aperfeiçoamento: conteúdo obrigatório nas malhas programáticas dos cursos de formação e aperfeiçoamento com aulas a serem ministradas por multiplicadores formados nas capacitações estaduais, nacionais ou internacionais. Diretriz 3 – Preferência pelo emprego de todos os policiais recém-formados na atividade de Policiamento Comunitário: fi xação de seu emprego por período que propicie o estabelecimento de laços de confi ança com a comunidade local. Diretriz 4 – Utilização de ações policiais sociais como meio de aproximação comunitária, de forma a contribuir com o policiamento comunitário e não como fi m: utilização de ações policiais sociais como meio de aproximação comunitária, de forma a contribuir com o policiamento comunitário e não como fi m, e por prazo certo, dentro da dinâmica operacional de cada instituição, tendo em vista que estas oneram efetivo profi ssional imprescindível para a atividade policial e devem ter sua continuidade preferencialmente empreendida por voluntários oriundos da comunidade, prática que deve ser incentivada e valorizada na sociedade. Entende-se ação policial social aquela empreendida em prol da comunidade local, mas que não demande para sua implementação de profi ssional com formação e experiência na área de segurança pública, por exemplo, o ministério de aulas de música ou esportes. Não estão inclusas nesta classifi cação as ações 94 SEGurANÇA PÚBLiCA de policiais em escolas quanto à conscientização da prevenção do uso de drogas (PROERD) e outras similares, as quais requerem expertise em segurança pública por parte do agente, a fi m de que seja propiciado ao público-alvo um completo panorama do problema sob perspectiva institucional. Destaca-se que, neste programa, os policiais atuam realizando, concomitantemente, policiamento comunitário escolar, aplicação de lições em salas de aula e constante interação junto às comunidades locais atendidas, sendo, portanto, considerado atividade de policiamento comunitário. Diretriz 5 – Estruturação e normatização dos Conselhos Comunitários de Segurança: importância da estruturação e normatização dos Conselhos Comunitários de Segurança, ou organismo congênere, para a integral implementação do Sistema, por meio de fórum de comunicação presencial entre os gestores de segurança pública, municipalidade e a comunidade, de forma que seus anseios sejam ouvidos e levados em consideração quando do planejamento e ação operacional das instituições, bem como seja incentivada a consciência de corresponsabilidade na construção de uma sociedade segura, meta a ser alcançada pela ação sinérgica de todos os atores envolvidos. Diretriz 6 – Colaboração federativa: implementação de mecanismos de inter-relação e colaboração federativa para multiplicação de boas práticas e aperfeiçoamento do Sistema, por intermédio de mecanismos como as visitas técnicas e os seminários. Diretriz 7 – Disseminação e uniformização da fi losofi a de polícia comunitária: disseminação e uniformização da fi losofi a de polícia comunitária entre todos os atores do Sistema de Segurança Pública brasileiro, preferencialmente a partir de profi ssionais multiplicadores capacitados. Devem as unidades da federação primar por manter uma identidade mínima de policiamento comunitário que mantenha, como princípio básico de atuação norteadora de toda estrutura, a fi xação do efetivo na área de atuação, a realização de visitas comunitárias e solidárias, a realização de reuniões comunitárias, a mobilização comunitária e, sobretudo, que se dê autonomia de ação ao policial comunitário dentro de sua esfera de atribuições. Cabe destacar que a presente diretriz deve ser entendida como uma meta a ser alcançada por meio de esforços institucionais de todos os atores envolvidos na área de segurança pública, não constituindo obrigação exclusiva de uma instituição. 95 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Diretriz 8 – Mobilização e ação sinérgica com os atores responsáveis pela implementação de Políticas Sociais: participação de Organizações Sociais, Instituições Públicas e/ou Privadas de todas as esferas para criar e fortalecer, de forma transversal, o sistema com foco no cidadão. Diretriz 9 – Mensuração das ações de Polícia Comunitária: sistematizar modelos de mensuração das ações de Polícia Comunitária, proporcionando a valorização de ações preventivas e melhorando a motivação do profi ssional de segurança pública, com reconhecimento e/ou premiação periódica. Diretriz 10 – Comunicação ágil entre as esferas federal, estadual e municipal: comunicação ágil das esferas de poder, propiciando o fl uxo de informações pelo canal técnico, devendo ser mantido atualizado o nome do Coordenador Estadual de Polícia Comunitária junto à SENASP. Diretriz 11 – Efi cácia da polícia é medida pela percepção de segurança e ausência de crime e de desordem: efi cácia da polícia é medida pela percepção de segurança e ausência de crime e de desordem e não, tão somente, por meio de quantifi cações de prisões, apreensões de produtos ilícitos, operações, dentre outras. Diretriz 12 – Retroalimentação da gestão operacional: avaliações periódicas alicerçadas não só em dados estatísticos criminais, mas também com as contribuições advindas da interação com a comunidade. Diretriz 13 – Cidadão cliente: o cidadão é o “cliente” por excelência das instituições de segurança pública, que devem manter seu esforço e foco em prol da sociedade, materializando o conceito de que a Segurança Pública é um bem imaterial. Diretriz 14 – Prestação de contas: o policial presta contas de seu trabalho aos respectivos superiores hierárquicos e a instituição policial à comunidade por meio de reuniões comunitárias. Diretriz 15 – Manutenção permanente de desafi os: visão interacionista deve ser enfatizada como mudança de foco dos confl itos, encorajando-os com vistas a estabelecer grupos harmoniosos, pacífi cos e cooperativos, controlando comportamentos estáticos e apáticos. 96 SEGurANÇA PÚBLiCA Diretriz 16 – Respeito mútuo: o relacionamento institucional junto às comunidades deverá pautar-se por meio de características fundamentais que permeiam o processo de comunicação e mútuo respeito devidos, por meio da empatia, alteridade, bom senso, cooperação, probidade, dentre outros aspectos que agreguem valores positivos necessários às instituições policiais envolvidas. Diretriz 17 – Responsabilidade territorial: o policiamento comunitário, no âmbito das instituições policiais envolvidas, será implementado aproveitando-se quaisquer processos de policiamento desenvolvidos in loco de forma a garantir a fi xação do efetivo e a responsabilidade territorial, adaptável a cada realidade local no âmbito das Unidades da Federação. Diretriz 18 – Engajamento dos mais altos níveis: as altas direções deverão primar pela continuidade dos serviços prestados com foco voltado à aproximação institucional com a sociedade, por meio de tecnologias administrativas e operacionais sustentáveis. Bem como incentivar seus subordinados ao desenvolvimento contínuo de práticas de polícia comunitária. FONTE: BRASIL. Portaria nº 43, de 12 de maio de 2019. Institui a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária e cria o Sistema Nacional de Polícia Comunitária. Disponível em: https://www.in.gov.br/web/dou/-/ portaria-n-43-de-12-de-abril-de-2019-72119348. Acesso em: 6 jun. 2021. A partir desse planejamento legalizado por lei, surge a Diretriz Nacional de Polícia Comunitária, que traz o enfoque principal do modelo a ser utilizado, em três principais objetivos: a padronização dosfundamentos e dos conceitos de Polícia Comunitária; a divulgação das diretrizes gerais do Plano Nacional de Polícia Comunitária; e inspirar e basear a institucionalização de políticas e estratégias organizacionais de Polícia Comunitária no âmbito das instituições de Segurança Pública. Para a implantação de um policiamento como o intentado, as funções precisam ser analisadas antes, com a utilização de pesquisas elaboradas que propiciem o real cenário em que será pavimentado a organização do policiamento social. Nesse conjunto de diretrizes existem alguns passos iniciais do planejamento que não podem passar em branco. Imagine a instalação de uma polícia nos moldes comunitários em locais de amplo risco social, controlado pelas facções do tráfi co 97 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 de drogas com violência e hostilidade. A ameaça seria maior para os profi ssionais e para as famílias que se pretende proteger. Por isso, as análises evidenciam qual a melhor estratégia a ser tomada, para uma mais benéfi ca experiência dos novos modelos policiais. São passos iniciais e essenciais: QUADRO 1 – PASSOS INICIAIS PARA O PLANEJAMENTO FONTE: Adaptado de <https://https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/ Kujrw0TZC2Mb/content/id/72119545>. Acesso em: 21 jun. 2021. Primeiro passo Identifi cação do problema Segundo passo Análise do problema Terceiro passo Planejamento das ações Quarto passo Implementação das ações Quinto passo Avaliação das ações implementadas Você pode acessar todo o conteúdo da Diretriz Nacional de Polícia Comunitária pelo endereço: https://www.in.gov.br/materia/-/ asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/72119545 Entretanto, diversos são os desafi os dos profi ssionais da segurança pública na aplicação da polícia comunitária na sociedade. Veja que algumas adversidades podem partir, tanto de dentro da corporação como da própria comunidade que se projeta a proteção pelos novos modelos. 4.4 DESAFIOS E PROBLEMAS DA POLÍCIA COMUNITÁRIA NO BRASIL Prezado aluno! Como você notou, uma mudança de paradigma não é algo considerado fácil, mesmo os padrões anteriores estando sufocados em crises e conceitos superados, ainda assim há resiliência. Isso, por si só já gera um desafi o imenso ao novo modelo que se instala. Um modelo de segurança pública implica em alterações mais severas em todo o contexto, principalmente na participação do Estado na vida das pessoas. A maneira que o ente maior participa no percurso da sociedade é por intermédio das políticas públicas. O jeito com o qual se faz políticas públicas é a forma que o novo padrão se molda nos alicerces estruturais das comunidades. Para esse intento, padronizar os modelos em conjunto ainda parece carecer de muitas coisas. 98 SEGurANÇA PÚBLiCA Convidamos você, caro aluno, a apreciar o artigo Tensões e desafi os de um policiamento comunitário em favelas do Rio de Janeiro: o caso do grupamento de policiamento em áreas especiais. As autoras Albernaz, Caruso e Patrício (2007) apresentam a dimensão das tensões e dos desafi os na implantação do policiamento comunitário em favelas do Rio de Janeiro, trazendo casos concretos, importantes para o estudo. Vamos lá! FONTE: <http://produtos.seade.gov.br/produtos/spp/v21n02/ v21n02_04.pdf>. acesso em: 20 jun 2021. Como já vimos, as gritantes diferenças sociais e o abismo que existe entre as classes estruturam um tipo de sociedade em constante desigualdade. Esse contraste implica em diversas características espalhadas cidades afora, que devem ser pensadas antes de se produzir uma política pública. Por exemplo, diversos são os locais dentro de uma cidade grande que não há água encanada, saneamento básico ou energia elétrica. Dessa forma, é impossível uma padronização do serviço policial comunitário, quando as mazelas que explodem em comunidades carentes são ligadas às mais intrínsecas condições de sobrevivência. Assim, percebemos que o sucesso desse sistema de segurança pública está intimamente conectado aos órgãos públicos externos ao serviço policial. Os serviços de infraestrutura básicas no país são prestados de maneira precária em algumas comunidades, desde o transporte público à ausência de escolas de educação básica, tornam o ambiente com características mais hostis, o que sugere um maior descontentamento com qualquer atividade de polícia que venha a ser instalada. A maneira precária que são prestados os serviços públicos mais básicos à comunidade, especialmente a mais carente, danifi ca o potencial de atuação do policiamento comunitário (TROJANOWICZ; BUCQUEROUX, 1994). Nesse ponto: Vale lembrar que o policiamento comunitário tem como objetivo a resolução de problemas e que a noção de ‘’problema’’ se amplia consideravelmente quando são levados em conta, além de crimes e delitos, outros sintomas de desordem numa comunidade, ou quando se passa de uma atuação meramente reativa e repressiva a outra que enfatiza a prevenção de distúrbios e a negociação de confl itos. Logo, os propósitos desse policiamento necessariamente ultrapassam o estoque de recursos das instituições policiais, por melhor equipadas e 99 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 efi cientes que elas possam ser. Para incrementar a ‘’qualidade de vida’’ e para prevenir o crime num ambiente de médio ou longo prazo, quase sempre requer-se a mobilização de serviços externos à polícia, devendo-se presumir que os órgãos responsáveis não se recusarão a fornecê-los (MUNIZ et al., 1997, p. 201). Além disso, outros são os problemas que enfrenta o novo padrão e as difi culdades de transpor o pensamento de polícia clássica para consolidação do modelo por nós analisado. Bayley e Skolnick (2001) ampliaram os estudos das principais difi culdades para implantar o policiamento comunitário, os problemas vão de estruturais e corporativos até os confl itos externos a ele, como o próprio apoio da sociedade em geral: • Deve haver uma reestrutura cultural no comportamento tradicional policial, acostumado numa pronta resposta ao crime mediante o uso da força. • Reestrutura do próprio pensamento da sociedade em sua expectativa da pronta resposta policial pelo uso da força para manutenção da lei e ordem para garantir assim a segurança pública. • Há limitação dos recursos disponibilizados aos profi ssionais de segurança pública para o atendimento das ocorrências e nas investigações policiais. • Há o corporativismo dos policiais, expresso principalmente através das suas associações profi ssionais que temem a erosão do monopólio da polícia na área da segurança pública e, consequentemente, a redução do emprego, do salário e dos benefícios dos policiais, além daquele decorrente do crescimento da segurança privada, e também o aumento de responsabilização dos profi ssionais de polícia perante a sociedade. • Há a incapacidade de monitoramento e avaliação do trabalho policial realizada por suas organizações, levando em conta efi cácia, legitimidade e efi ciência. • Existem as divisões e confl itos entre os policiais da direção e os da ponta da linha, entre policiais experientes e os policiais novos – e, no caso do Brasil, uma difi culdade adicional seria a divisão e confl ito entre os policiais responsáveis pelo policiamento ostensivo na polícia militar e aqueles responsáveis pela investigação criminal na polícia civil. • Existem as divisões e confl itos entre a polícia e outros setores da administração pública. • Existem as divisões e confl itos entre grupos e classes sociais no interior da comunidade (BAYLEY; SKOLNICK, 2001, p. 238- 239). Além desses problemas que devem ser solucionados, alterar valores e princípios pré-constituídos é outra árdua missão. Bayley e Skolnick (2001, p. 202) 100 SEGurANÇA PÚBLiCA afi rmam que “o policiamento comunitário deve antecipar e facilitar uma mudança de valores. Isso não é fácil de ser realizado. Para aqueles que de fato tentarem fazer tal mudança é quase certoque vão encontrar limitações identifi cáveis e persistentes que resistirão a ela”. Nesse sentido, o papel a ser desempenhado pelas lideranças policiais é primordial para afetar a ordem estabelecida com as inovações e experiências do policiamento social ou comunitário. Outro enfoque desencadeador de problemas é referente às difi culdades observadas aos aspectos legais envolvidos. O modelo de gestão proposto tende a descentralizar. Entretanto, à proporção que se descentraliza o poder, mais complicada é a forma da manutenção do controle gerencial das atividades policiais. Para isso, Skogan (2004, p. 48) afi rma que os “sistemas de registro de ocorrências devem ser melhorados e aprimorados, fi scalizações periódicas e inopinadas devem ser implantadas e mecanismos de punição devem ser aperfeiçoados para permitir rapidez, efi ciência e respostas à comunidade”. Tudo isso ainda se inicia no treinamento e na capacitação do profi ssional de segurança pública. A reestruturação da polícia deve ter seu início a partir da primeira formação profi ssional, com o desenvolvimento dos ideais da polícia comunitária e de promoção humana já no principiar do treinamento policial. Prezado aluno! Vamos revisar as importantes normas básicas para uma melhor experiência do policiamento comunitário? São elas: organizar a prevenção do crime com base na comunidade; enfatizar os serviços não emergenciais nas atividades de patrulhamento; aumentar a responsabilidade das comunidades locais; descentralizar as estruturas de comando e controle (BAYLEY; SKOLNICK, 2001). 1 Dentre as concepções que defi nem a segurança pública no Brasil, formuladas por ações balizadas pela política de segurança pública, existe uma compreensão mais atenta aos direitos sociais e que contempla medidas administrativas de redução de riscos. Sobre esse tema, assinale a alternativa CORRETA: 101 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 a) ( ) O padrão reminiscente do paradigma da Segurança Nacional possui pretensões que jazem internalizadas nas instituições de segurança pública, como os princípios mais comuns do policiamento comunitário, portanto, é o padrão a ser adotado. b) ( ) O sentido descentralizador do controle do policiamento comunitário carece de normatizações acerca de seus institutos, pois à proporção que se descentraliza o poder, mais complicada é a forma da manutenção do controle gerencial das atividades policiais. c) ( ) As concepções defi nidoras do interpretar da segurança no Brasil são condizentes às políticas públicas implantadas no país, independente do paradigma que se vivencie. d) ( ) Os direitos fundamentais são aqueles implementados pelo constituinte para contemplar a ampla cidadania da pessoa, estando à disposição de mudança em prol da segurança pública, conforme a concepção adotada pelo paradigma usual. 2 Quanto ao fl uxo das análises para uma melhor estratégia que deve ser tomada para a proteção comunitária, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Análise do Problema -> Identifi cação do Problema -> Implementação das ações -> Avaliação das Ações -> Planejamento. b) ( ) Planejamento inicial -> Identifi cação do problema -> Análise do Problema -> Implementação das ações -> Avaliação. c) ( ) Identifi cação do problema -> Análise do Problema -> Planejamento das ações. d) ( ) Implementação das ações -> Avaliação -> Análise. 3 A padronização do policiamento se dá por treinamento específi co e por normas que se defi nam através de princípios, e os mandamentos que se segue no paradigma da Polícia Comunitária são aqueles apregoados pela CF/1988. Nesse sentido, classifi que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: a) ( ) As diretrizes para a Polícia Comunitária são essenciais para a confecção do plano que moderniza o novo padrão, não evidenciando, entretanto, novas interpretações para o sistema do policiamento. b) ( ) Direitos Fundamentais são primordiais para o sucesso da polícia comunitária, pois dependem das políticas públicas para ter sua realização no plano concreto. 102 SEGurANÇA PÚBLiCA c) ( ) O uso da força deve ser sempre comedido, porém deve também ser priorizado para o sucesso da polícia cidadã. d) ( ) Políticas públicas tendem a padronizar o policiamento comunitário e a respaldar sua fi losofi a, alicerçando seus motivos e princípios. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) F – F – V – F. b) ( ) F – V – F – V. c) ( ) F – V – V – F. d) ( ) V – F – V – V. 5 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES Prezado aluno! Determinamos, nesse capítulo, que o sistema de Defesa Social somente pode ser capaz de protagonizar o novo paradigma da Segurança Cidadã se cumprir sua funcionalidade original. A interpretação da Escola Clássica do Direito Penal (século XVIII, movimento iluminista) acerca da defi nição e aplicação do conceito, busca por garantias que defendem o cidadão dos poderes dos governantes, tão elevados naquelas épocas de mudanças na Europa. Você estudou que a ideologia da defesa social empresta seus conceitos mais intrínsecos ao sistema de defesa social, que é utilizado em grande parte das organizações da segurança pública no mundo. Esses princípios surgiram maculados a partir da Escola Positivista do Direito Penal (século XIX), que assegurou maior importância de teses biológicas e psicológicas, em detrimento de um estudo mais analítico do que seja crime. Analisar e afi rmar o criminoso por marcas, medições físicas ou por problemas que possam ser hereditários é alterar a motivação do estudo do que é crime e quais seus motivos para a pessoa do criminoso. Nesse sentido, estuda-se então a pessoa e seus trejeitos. Isso pode ser perigoso, pois além de abrir possibilidades de marcação daqueles considerados hostis, pode servir para propósitos higienistas, que venham a ser balizados pelo sistema que se adota, criando e desenvolvendo concepções de inimigos ideologicamente. Essa estigmatização perdura até hoje, cada vez mais descomedida, seja exercida pela diferença da cor da pele, pelo nível social e econômico, pelo credo e até mesmo pelas diferenças culturais. A perspectiva após a redemocratização do país é a de respaldo ao direito da dignidade da pessoa, acentuada pelos direitos humanos e descritos pelos direitos fundamentais. Nesse sentido, para impulsionar o conceito de Polícia Cidadã ou 103 SEGURANÇA PÚBLICA E DEMOCRACIA Capítulo 2 Comunitária, não há conteúdo jurídico de leis melhor. Só que fazer valer as normas legais pelos princípios corretos é o mais urgente. As premissas que destacam o poder democrático ainda engatinham quando as políticas públicas estão longe de atingir seu potencial e seus mais necessitados personagens. Caro aluno, nesse capítulo, você estudou que, para a real transformação do paradigma da segurança social, as políticas públicas de qualidade são importantes. Sem elas, qualquer manejo diferente por parte de adventos da segurança pública será visto como mais uma intervenção legal à base da força, do controle e da marcação dos órgãos penais do Estado. Por esse motivo, é importante a promoção e efetivação das políticas públicas, em principal destaque nas comunidades mais carentes do olhar e do cuido estatal, para se ir alterando as concepções históricas já moldadas nas mentes e na experiência de todos. Ao aplicar a Polícia Comunitária, após o primordial passo citado anteriormente, é preciso envolvimento. Nenhum grande projeto sai do papel e ganha destaques positivos se não tiver comprometimento dos atores principais. Para isso, todos os personagens precisam estar a par de seus papéis: os comandantes devem obedecer às normas do novo modelo, repassando e transmitindo confi ança no inédito padrão a ser utilizado; os treinamentos ao policial deve se iniciar desde cedo, enfatizando os direitos de cidadania e direitos humanos e a sua ação perante isso tudo; os governantes precisam divulgar o novo olhar da segurança para a comunidade abrindo oscaminhos por intermédio das políticas públicas, os sindicatos e organizações de proteção ao policial devem valorizar sobretudo o profi ssional e seus anseios; e aos policiais cabe se aprofundar no modelo utilizado, entendendo-se como essencial parte da sociedade que pretende defender. Todos os passos que você viu para a tomada das ações do policiamento comunitário envolvem diversas organizações, o que, por sua vez, abrangem muitas pessoas. A importância do agente policial é fundamental para o sucesso da missão comunitária. É a partir dele que haverá ou não aceitação e sucesso. Portanto, assim como a população, o profi ssional é peça essencial nesse tabuleiro contra o crime. Sua presença nas comunidades altera a rotina, mas sua aceitação capacita a sociabilidade. Entretanto, inúmeros são os problemas sociais e diversas as adversidades causadas pelo crime, principalmente o crime que se organiza. Para o policiamento comunitário, deve-se dar um passo de cada vez, e o principal movimento em um país com tantas desigualdades sociais e difi culdades inúmeras das populações mais carentes deve ser dado pelos nossos governantes. Lembre-se de que a corrupção é crime que se organiza em benefício de poucos e em detrimento de muitos. Num país em que uma criança de comunidade carente vai à escola para ter sua primeira refeição do dia, quem sabe a única, a Polícia Comunitária é muito bem-vinda, pois se faz parte da comunidade, sente 104 SEGurANÇA PÚBLiCA como as pessoas comunais, degusta seus problemas e por que não auxilia na remoção desses mesmos obstáculos. REFERÊNCIAS ADORNO, S. Consolidação democrática e políticas de segurança pública no Brasil: rupturas e continuidades. In: ZAVERUCHA, J. (Org.). Democracia e instituições políticas brasileiras no fi nal do século XX. Recife: Bagaço,1998. BARATTA, A. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 6. ed. Rio de Janeiro: Revan, 2011. BAYLEY, D. H.; SKOLNICK, J. H. Nova polícia: inovações nas polícias de seis cidades norte-americanas. São Paulo: Editora da USP, 2001. BECKER, H. S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 1963. 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Você viu que garantir a segurança de todos é uma árdua missão que implica diversas difi culdades específi cas das imensas responsabilidades que são colocadas nas mãos de pessoas, que, como nós, possuem seus próprios dilemas e medos pessoais, anseios e desejos. O agente profi ssional de segurança pública passa por treinamentos específi cos em sua carreira, para atender à essencialidade de sua atividade, que é proteger. Com o novo modelo de polícia comunitária, essa capacitação foi alterada e reiniciada a partir dos padrões que se deseja seguir. A preparação do profi ssional passou a ser mirada para a sociabilidade e o encontro comunitário, não sendo mais uma preparação para a guerra contra o inimigo. Isso somente é possível por intermédio de diversas estratégias de organização do tempo, estudo e da qualifi cação dos atores responsáveis pela proteção de todos. Não se refere apenas a uma estratégia de treinamento. A mudança de um paradigma, fundado em suas crises intermináveis e em vícios inexauríveis para um novo conceito norteador dos valores a serem aplicados, exige que a crise seja superada. Ainda assim, é constante a batalha contra os resquícios do passado, remanescentes de uma era que suprimia direitos e liberdades. Como você viu no capítulo anterior, a segurança pública vem se direcionando na defesa desses ideais, ao alavancar as convicções mais características da cidadania. Ao mudar o foco de proteção do Estado para as pessoas, há uma alteração derivada das normas legais que antes eram carentes na identifi cação do labor e importância policial, não há como o instituto de segurança ter outro enfoque de proteção que não sejam os direitos fundamentais e os direitos humanos. Contudo, você verifi cou que os problemas do nosso país, tais quais a estereotipação do outro e o desprezo do Estado pelos direitos fundamentais são grandes vilões para a segurança pública, uma vez que ela não depende apenas das suas próprias mudanças de conceitos, padrões ou paradigmas. Depende também de ações externas a ela, como aquelas que competem ao Estado na proteção dos direitos fundamentais. Não há nada que a polícia e seus padrões, que se tornam novos, possam fazer contra o afastamento do Estado às políticas públicas inclusivas para as populações mais carentes de nossa sociedade. Isso porque segurança pública e políticas públicas estão intermitentemente ligadas. Dessa forma, você percebeu que a mudança não parte apenas de um lado do tabuleiro, mas de todas as peças, de todos os lados. Não se trata apenas de uma transição de pensamento, o que por si só se esvai com o tempo. É uma mutação na forma com a qual se governa e se aplica a estratégia ao planejamento para o novo sentido, em busca da excelência. Essa 112 SEGurANÇA PÚBLiCA estratégia deve ser planejada em virtude do paradigma da Segurança Cidadã. Por esse motivo, também é novo o modelo que atualiza a governança da segurança pública, tendo os seus exemplos retirados das grandes companhias e empresas de sucesso no mundo dos negócios, de uma robusta obediência às analises estatísticas qualitativas, e uma imersão na busca pelo êxito dos princípios do novo padrão, como se fosse uma empresa no mundo capital em busca de seu sucesso econômico. Esses sentidos alteraram não apenas a maneira de se estruturar as básicas funções atribuídas aos nossos policiais, mas também a forma pela qual suas ações devem ser realizadas para refl etir a aspiração da administração. Esses números a ser atingidos devem ser vistos com responsabilidades inerentes ao padrão que se vive. Fazer segurança pública, então, passou a ser um encontro entre a reestruturação e o antigo. Cabe aos agentes profi ssionais demonstrar por suas atitudes a nova administração dessa instituição que não busca lucro, mas deve estar sempre à procura de certifi car a cidadania de todos. Nesse derradeiro capítulo de nossa saga nos estudos da segurança do Estado ao seu cidadão, analisaremos como o planejamento estratégico passou a ser aplicado à luz dos conceitos de uma governança corporativa no sentido de buscar a melhor estratégia que atente aos ideais do novo padrão. Dessa forma, veremos como os planos nacionais de segurança públicas, seja ele Estadual ou Nacional, assistem essa nova visão e se eles alcançam os modelos de gestão atuais. Alguns modelos de gestão policial podem ser utilizados para afastar os conceitos do novo paradigma, como o famoso modelo da Tolerância Zero e qual seria a forma de combater esses ideais em relação à polícia comunitária, por intermédio de uma gestão de qualidade, orientada pela inteligência. Vamos lá! 2 PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO APLICADO À SEGURANÇA PÚBLICA Prezado aluno, você verá que o conceito de estratégia e planejamento, apesar de serem ambos expressos nos dicionários e terem seus conceitos descritos a partir de adjetifi cações similares, para a segurança pública essas palavras possuem signifi cados ímpares. A princípio, planejamento se defi ne como a “ação de preparar um trabalho, ou um objetivo, de forma sistemática” ou a “ação de planejar e elaborar um plano” (DICIO, 2021, s.p.). Ainda, seu conceito mais desenvolvido invoca a “determinação das etapas, procedimentos ou meios que devem ser usados no desenvolvimento de um trabalho, festa, evento” (DICIO, 113 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 2021, s.p.). Já estratégia traz a ideia de “meios desenvolvidos para conseguir alguma coisa, forma ardilosa que se utiliza quando se quer obter algo” ou “habilidade e astúcia na coordenação militar, política econômica e moral feita com intuito de defender uma nação de seus possíveis invasores” (DICIO, 2021, s.p.). Planejamento signifi ca todo um processo decisório que determina “o que deve ser feito e como deve ser feito” (ACKOFF, 1976, p. 103). Porter e Kramer (2006) desenvolvem o conceito de estratégia para qualquer organização que dela se utilize, como a busca pelas melhores práticas, realizando atividades de forma diferentes que os seus competidores, colocando-se em uma posição única e exclusiva. Foi com Mintzberg, Ahlstrand e Lampel (2000) que cinco básicas defi nições de estratégias passaram a reinterpretar o sentido, englobando seu signifi cado a partir de planos elaborados: Estratégia como plano: direção, guia, curso de ação ou planos para se atingir resultados consistentes com as missões e objetivos da organização. Estratégia como padrão de comportamento: consistência de comportamento ao longo do tempo. Estratégia como posição: localização de determinados produtos em determinados mercados. Estratégia como perspectiva: a maneira fundamentalde uma organização fazer as coisas. Estratégia como truque: uma manobra específi ca para enganar um oponente ou concorrente (MINTZBERG; AHLSTRAND; LAMPEL, 2000, p. 392). Para a segurança pública, a diferença entre os signifi cados se apresenta justamente quando planejamento e estratégia são colocados na questão ou no planejamento do que é público. Nesse sentido, prezado aluno, a clareza, publicidade dos atos e a transparência possuem infl uências no conceito dessas palavras. A partir dessas defi nições, o planejamento estratégico, para a área da segurança pública, não se confunde com planejamentos de empresas diversas oriundas do sistema capitalista de produção. Entretanto, diversas são as infl uências que se destacam, como o padrão de comportamento dos profi ssionais que se alteram e buscam consistência ao longo das etapas históricas defi nidas pelo paradigma que se utiliza. A estratégia empresarial não pode ser aplicada por completo na segurança pública, se seus atores possuírem diferenças bem realçadas, como alerta Huertas (2016). Um exemplo de dessemelhança é a busca pelos lucros das empresas, que especifi cam determinadas estratégias, incentivando seus protagonistas somente para esse fi m. 114 SEGurANÇA PÚBLiCA Ainda, por mais diferenças que existam, uma qualidade que pode ser aplicada ao planejamento público advém dos planos estratégicos corporativos. Aqui, a diferença está nos atores ligados diretamente à política. Assim, as estratégias se defi nem a partir de métodos complacentes à questão pública. Para Pfeiffer (2000), o planejamento estratégico para o setor público serve como um “instrumento de gerenciamento”, capaz de tornar mais efi ciente o propósito específi co acentuado pela gestão. Nesse setor, valorizar a assistência às necessidades da população é o principal foco a ser atendido. Para isso, instituir a missão, a visão, a organização, a clientela, o propósito de atuação e a forma de atuação são condições imprescindíveis (PFEIFFER, 2000). O principal propósito para uma política pública fundamenta-se na promoção do bem-estar social ao sanar problemas que, fi ncados na sociedade, causam algum distúrbio. Você já sabe que quando se fala em segurança pública, essas políticas devem estar coadunadas para a diminuição dos índices de criminalidade, em busca de ambientes seguros. Assim, o planejamento necessita estar balizado por decisões técnicas, na escolha de objetivos “bem determinados e que determine os meios mais apropriados para atingi-los” (CAMARGOS; DIAS, 2003, p. 133). Quando consideramos os níveis hierárquicos para as tomadas de decisão, bem como para a realização do que foi decidido, pensamos em uma pirâmide organizacional. Essa deve estar estabelecida em um patamar que possa distinguir os três principais níveis do planejamento, são eles: • Nível estratégico: na organização, seria o nível institucional, em que os gestores avaliam, em todos os sentidos, as possibilidades de um planejamento. • Nível tático: aqui, no planejamento tático, há a interpretação da missão repassada pelo nível acima, transformando-os em planos de ação concreta. • Nível operacional: a condução do plano traçado pelos departamentos acima, deve ser certa e precisa (CAMARGOS; DIAS, 2003, p. 133). Prezado aluno, vamos nos ater às pesquisas de Chiavenato e Sapiro (2003), quando eles defi nem o planejamento estratégico como o mais amplo e abrangente a ser utilizado por qualquer organização, tendo características bem defi nidas: • Horizonte temporal: o plano deve ser projetado para o longo prazo obtendo respostas, efeitos e consequências que se estendam por vários anos à frente. • Abrangência: envolve cada tarefa ou atividade preocupando-se com o alcance das metas específi cas, repassadas pelos níveis hierárquicos superiores. • Conteúdo: deve ser claro e preciso nesse ponto, detalhado, específi co e O principal propósito para uma política pública fundamenta- se na promoção do bem-estar social ao sanar problemas que, fi ncados na sociedade, causam algum distúrbio. 115 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 analítico. • Defi nição: é estabelecida em cada nível operacional, focada em cada tarefa e em cada atividade. Por possuir planos a longo prazo e efeitos estendidos por vários anos, o planejamento estratégico é o melhor a ser utilizado pelas políticas públicas, quando seus efeitos e consequências permanecem. Na pirâmide apontada por Chiavenato (2004), conseguimos distinguir os três níveis, sua importância e missão específi ca: FIGURA 1 – INTERLIGAÇÃO ENTRE PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO, TÁTICO E OPERACIONAL FONTE: Chiavenato (2004, p. 312) O planejamento evidencia o caminho a ser tomado pela organização, ao coordenar todas as suas unidades potenciais em busca dos objetivos através de sinergia. O planejamento se faz pelo intermédio de um plano, ou seja, metas traçadas a longo prazo. A governança da segurança pública ainda é um tema muito discutido e um dos grandes desafi os, uma vez tratar-se de assegurar os direitos e deveres tanto de profi ssionais de segurança quanto dos cidadãos. As enormes mudanças sociais advindas ao longo da história fi zeram com que a administração pública se capacitasse a fi m de atender às novas demandas 116 SEGurANÇA PÚBLiCA produzidas. Essa necessidade revelou que a modernização na gestão pública, por intermédio de doutrinas, práticas e conceitos que superassem os problemas causados pela burocratização dos órgãos do governo, partissem de princípios advindos da nova gestão pública (JONES; KETTEL, 2003). Como você viu, esse novo pensar da governança modifi cou determinadas ideias de gerenciamento estratégico, tanto de empresas particulares quanto de uma estratégia situacional. O Policiamento Comunitário é considerado uma dessas mudanças, na gestão pública da segurança, a partir do desenvolvimento de seus princípios. A atividade somente pode ser considerada validada a partir do seu ensinamento e encorajamento, mas, ainda, da exteriorização desses preceitos que ocorre na ação dos agentes responsáveis pela segurança, ou seja, os próprios policiais, considerados extremamente importantes, senão a parte mais elementar para toda a mudança. Como estamos estudando sobre a estratégia, queremos indicar dois livros. O primeiro é o nosso marco teórico nesse capítulo, Idalberto Chiavenato (2004). Sua obra Teoria geral da administração foi muito importante por apresentar uma postura inovadora, fl exível e sustentável. A obra indicada é Planejamento estratégico: fundamentos e aplicações, um importante marco para os estudos sobre estratégia, seja ela voltada para as empresas privadas ou para a área da administração pública. Inclusive, é indicada para novos e futuros empreendedores. A segunda obra indicada é um clássico da literatura. Quem nunca ouviu por aí a famosa frase “a suprema arte da guerra é derrotar o inimigo sem lutar”? Ela é de Sun Tzu, em sua obra A arte da guerra, que pode não atingir os gostos de todos, mas consegue defi nir o nível de competição numa guerra pautada pela melhor estratégia: A arte da guerra, de Sun Tzu, foi escrita por volta de 500 a.C. 2.1 A BUSCA PELA MELHOR ESTRATÉGIA Seja ela como for, a estratégia é a arte de formular artifícios que encaminhem o seu plano ao caminho pretendido, passando por atalhos mais benéfi cos para seus objetivos. De todos os conceitos de estratégia, seja para empresas capitalistas 117 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 que, em busca de lucro, deparam-se com a competividade e problemas pessoais internos ou em modelos públicos de gestão sempre em busca de aprimorar a qualidade e a celeridade de seus serviços, aquele plano que considera pontos específi cos para a delineação de um objetivo é o mais apropriado (CHIAVENATO, 2004). O planejamento pode ser visto a partir de uma visão mais espacialquanto situacional, uma vez que é realizado de uma maneira macro, atendendo a todos de forma igualitária. Por esse motivo, existem dois planejamentos: o Nacional e o Estadual. Podemos, então, a partir de já deduzir que o Plano Nacional considera o macroambiente numa visão espacial, enquanto o Estadual leva em conta o microambiente em uma visão situacional. O economista chileno Carlos Matus (1931-1998) criou uma fórmula para o pensamento estratégico que fi cou conhecida por Planejamento estratégico situacional. Em seu artigo intitulado O Plano como aposta, o economista disse: “Os jogadores escolhem seu plano de jogo, mas não as circunstâncias em que devem realizá-lo” (MATUS, 1991, p. 2). Leia o artigo completo de Carlos Matus sobre o Plano estratégico situacional aqui: https://docs.google.com/fi le/d/0Bxlq- EuCzSofd1pPV0xqXzA0UDg/edit. FONTE: MATUS, C. O plano como aposta. São Paulo em perspectiva, v. 5, n. 4, p. 28-42, out./dez. 1991. Matus (1991) explica que a diferença entre o plano estratégico convencional e o plano situacional é elaborada a partir dos diferentes cenários encontrados e que podem fazer parte da nova estratégia. Assim, não há determinismo para Matus (1991), ou seja, os atores do plano não possuem condições para controlar ou dominar as situações que são colocadas pela realidade quando o plano está sendo efetivado. No caso da segurança pública, a sociedade, assim como seus problemas, está sempre em constante evolução e desenvolvimento, alterando, muitas vezes, de forma e de contexto. Com o paradigma da tecnologia, por exemplo, inúmeros são os crimes impensados anos atrás, quando da realização do planejamento anterior ao atual. Por esse motivo, para Matus (1991), a improvisação subordinada faz parte do plano traçado. Assim, deve existir uma margem de manobra para o uso de atitudes não programadas nas ações propostas pelo plano inicial. O planejamento tradicional impede a possibilidade 118 SEGurANÇA PÚBLiCA de improviso e o delineamento de novas estratégias (MATUS, 1991). O plano, nesse sentido, deve se ater ao intuito original e às bases que estruturam seus princípios. Contudo, deve estar aberto à possibilidade de um improviso em seu desenvolvimento. Entretanto, prezado aluno, a formação do planejamento, ao se pensar na melhor estratégia a ser defi nida, deve refl etir nos grandes desafi os de nosso tempo, mas ainda considerar os personagens que fazem parte desses problemas e por qual motivo estão envolvidos (MATUS, 2005). A estratégia defi nida pelo Plano de Segurança Pública Nacional segue a partir do planejamento estratégico, quando esboça seu programa a longo prazo, tendo consequências a curto prazo em nível operacional. Signifi ca dizer que a competência originária da criação do plano, que é a Secretária Nacional de Segurança Pública, planeja a partir do macroambiente para o microambiente, oportunizando aos Estados que delimitem o seu plano dentro de suas fronteiras. Através de suas diretrizes especiais e que desenvolvem uma programação espacial e uniforme a todos os entes federados, também propõe a descentralização de ações e tomada de ações, o que proporciona segurança, tanto normativa quanto operacional, para qualquer escolha de decisões no decorrer do jogo, desde que siga os basilares princípios abrigados pelo plano. Isso oportuniza que os Estados, a partir de seu planejamento ambientado em seus domínios, crie um plano estratégico situacional, conforme Matus (1991) identifi cou. No próximo ponto, você estudará o essencial dos planos de segurança, tanto nacional quanto estadual, percebendo a importância que se dá ao plano estratégico na tomada das decisões das inúmeras operações policiais espalhadas Estados afora, como de qualquer ação a ser tomada. Os princípios da segurança cidadã e da polícia comunitária já estão apregoados em sua doutrina e devem ser respeitados. Na indicação de livro que fazemos aqui, indicamos para você também o fi lme que faz referência à obra escrita. Tropa de Elite (2007) e sua continuação de 2010, ambas sob a direção de José Padilha, baseado nos livros homônimos escritos por dois ex-policiais civis, demonstram uma polícia militar abandonada por qualquer comando e controle estatal, tomada de uma corrupção latente e usada por membros de altos cargos políticos no país para realizar os seus atos corruptivos. Aqui, podemos ver o tipo de instituição sem 119 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 nenhuma estratégia, sem nenhum objetivo ou planejamento tático ou operacional e sem qualquer controle ou comando. FONTE: SOARES, L. E. et al. Elite da tropa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. FONTE: SOARES, L. E. et al. Elite da tropa II. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2010. É com a famosa frase de Sun Tzu (2006, p. 34) que demonstramos a importância do planejamento: “Com planejamento cuidadoso e detalhado, pode- se vencer; com planejamento descuidado e menos detalhado, não se pode vencer. A derrota é mais do que certa se não se planeja nada. Pela maneira como o planejamento antecipado é feito, podemos predizer a vitória ou a derrota”. A seguir, vamos analisar os Planos Nacionais e Estaduais de Segurança Pública e suas estratégias, sua organização e metas! 2.2 PLANO NACIONAL DE SEGURANÇA PÚBLICA Em seu caput, o Art. 144 da CF, que nós vimos algumas páginas atrás, trouxe a fi nalidade que deve ser a mesma em qualquer Plano Nacional de Segurança Pública que venha ser elaborado: “Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio [...]” (BRASIL, 1988, p. 134, grifo nosso). É nesse sentido que cada um dos planos realizados até hoje teve especifi cidades próprias de seu tempo, mas pautados na norma constitucional. Veja que o plano escrito no ano 2000 possuía intuito claro de afi rmar uma interação entre as políticas de segurança, as políticas sociais e as ações comunitária. Previa também, em sua redação e planejamento, a repressão e prevenção da criminalidade, bem como a redução da impunidade e aumento da segurança dos cidadãos e dos espaços públicos (NATAL, 2016). Assim como os direitos fundamentais prescritos, o Plano Nacional de Segurança não deve retroceder. Os próximos planos, por mais que tragam outras possibilidades de organização, não devem menosprezar aqueles pontos considerados inovadores no âmbito dos direitos fundamentais e humanos, nem deixar de seguir políticas públicas de inclusão. 120 SEGurANÇA PÚBLiCA Em 2003, o plano escrito então visava o fortalecimento institucional da segurança pública, que apresentou o projeto de lei que criava o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), instituído somente em 2018 pela Lei nº 13.675 em junho de 2018. Foi com o plano de 2007 que o Programa Nacional de Segurança Pública (PRONASCI) foi fundado, cujo intuito consistia na prevenção, controle e repressão da violência crescente, como vimos nos capítulos anteriores. Seu plano sucessor veio em 2012, quando o Ministério da Justiça lançou o novo Plano Nacional de Segurança Pública, instituindo os seguintes passos (IPEA, 2017, p. 22): • Um Plano Estratégico de Fronteiras; • O programa Crack, é possível vencer; • Ações de combate às organizações criminosas; • Um Programa Nacional de Apoio ao Sistema Prisional; • Um Plano Nacional de Segurança para Grandes Eventos; • Um Programa de Enfrentamento à Violência. Todos esses foram planejados para intuitos específi cos e, em 2017, o plano até então tinha a fi nalidade de integrar e coordenar as ações entre o Governo Federal, os Estados e a sociedade em geral, propondo a modernização do sistema penitenciário e o combate às organizações criminosas. O crescimento da violência contra a mulher e o aumento do número de homicídios dolosos junto ao intenso tráfi co de drogas e armas, fez com que os planos do Ministérioda Justiça recrudescessem a força das investigações para esses tipos de delitos. Ao analisarmos o Plano de 2017, logo substituído pelas ações do planejamento de 2018, o Tribunal de Contas da União (TCU) alertava, em suas análises, sobre diversos pontos específi cos e importantes que devem constar em um Plano Nacional, repreendendo o plano em vigor e advertindo o plano porvir. Ao verifi car as irregularidades, o TCU (2017, s.p.) apontou que é incumbência do plano evidenciar: • Prazo de vigência do plano: no último plano, esse prazo é dilatado e incumbe o período de 2018-2028, não fi cando, assim, comprometido a um só mandato político. • Indicadores e metas para as ações a serem implementadas. • Critérios de priorização de ações. • Instrumentos jurídicos para formalizar a cooperação entre os entes envolvidos na implementação do PNSP que contenham, claramente, obrigações e responsabilidades dos atores envolvidos. • Processo de gestão dos riscos envolvidos na implementação do plano. • Sistema de avaliação e monitoramento do plano. • Defi nição das instâncias responsáveis por seu acompanhamento contínuo. 121 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 O Plano Nacional deve ser aprovado por lei para atestar a segurança jurídica, gerar responsabilidade pública dos entes envolvidos e para que seja, em qualquer caso, possível de se exigir o implementar das ações previstas. Em 2018, o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) foi instaurado, e pelo princípio estratégico em suas ações, já se inicia pelo longo prazo da tomada e aplicação das suas intervenções, quando seu planejamento possui um período mais estendido de tempo: de 2018 a 2028. Na apresentação do novo plano, em junho de 2018, o então Ministro da Segurança, Raul Jungmann, em sua apresentação, declara a criação do Sistema Único de Segurança Pública: A Política Nacional de Segurança Pública que ora se inicia com a implantação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), para ser submetida à sociedade e aos órgãos envolvidos na sua implementação, nasce para se consolidar como instrumento de Estado. Aprovado pelo Congresso Nacional depois de anos de estudo, o SUSP é um primeiro e largo passo para o resgate do imenso passivo que o país construiu por mais de um século na segurança pública (BRASIL, 2018a, p. 7). Ainda, em suas palavras, esclarece os ideais específi cos para o planejamento que se idealiza contra o crime organizado, como uma das principais atribuições do plano apresentado: “Nossas extensas fronteiras com dez países incluem quatro produtores mundiais de drogas, que têm, no Brasil, o segundo mercado consumidor mundial. O crime organizado tornou-se, assim, um fl agelo insuportável para toda a sociedade” (BRASIL, 2018a, p. 7). Por se tratar de um plano realizado em pleno ápice do paradigma tecnológico, sua estrutura é especifi cada a partir do conceito de uma polícia moldada pelos novos aparatos da engenharia digital: O SUSP tem capacidade de desenvolver essa governança através da padronização de dados, integração tecnológica, de inteligência e operacional, 8 encontrando no Conselho Nacional de Segurança Pública um colegiado com competência para debater e validar uma política nacional para o setor e promover o acompanhamento social das atividades de segurança pública e defesa social, respeitadas as instâncias decisórias e as normas de organização da administração pública (BRASIL, 2018, p. 7-8). Segundo relatado, no plano, eram estimados, para o ano de 2018, recursos na ordem de 1 bilhão de reais para a segurança pública. Para o ano de 2022, fi cou projetado a quantia de 4,3 bilhões “para investimento e custeio destinados aos estados e municípios – preferencialmente mediante indicadores objetivos, públicos e verifi cáveis” (BRASIL, 2018a, p. 8). 122 SEGurANÇA PÚBLiCA Um dos principais intuitos do plano é a produção de estatísticas criminais que sejam confi áveis, na responsável “produção de dados, informações e análises indispensáveis à formulação de uma política pública setorial e seu monitoramento por parte da sociedade e do Parlamento” (BRASIL, 2018a, p. 8). O modelo de governança proposto, e em uso atualmente, visa à criação da Escola Nacional de Segurança Pública com intenção de formação de gestores para o setor. Ao analisarmos o projeto e sua proposta, notamos a presença de um forte federalismo compartilhado contra, nas palavras do então ministro da justiça “um federalismo acéfalo” (BRASIL, 2018a, p. 9). Note que aqui, prezado aluno, deve haver o vínculo aos ideais de união dos entes situados no âmbito da justiça e da segurança pública. Quer saber mais sobre o SUSP? A criação do Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) é um marco divisório na história do país. Implantado pela Lei nº 13.675/2018, o SUSP dá arquitetura uniforme ao setor em âmbito nacional e prevê, além do compartilhamento de dados, operações e colaborações nas estruturas federal, estadual e municipal. Com as novas regras, os órgãos de segurança pública, como as Polícias Civis, Militares e Federal, as Secretarias de Segurança e as Guardas Municipais serão integrados para atuar de forma cooperativa, sistêmica e harmônica. Como já acontece na área de saúde, os órgãos de segurança do SUSP já realizam operações combinadas. Elas podem ser ostensivas, investigativas, de inteligência ou mistas e contar com a participação de outros órgãos, não necessariamente vinculados diretamente aos órgãos de segurança pública e defesa social – especialmente quando se tratar de enfrentamento a organizações criminosas. O Sistema Único de Segurança Pública (SUSP) tem como órgão central o Ministério da Segurança Pública e é integrado pelas polícias Federal, Rodoviária Federal; Civis, Militares, Força Nacional de Segurança Pública e Corpos de Bombeiros Militares. Além desses, também farão parte do SUSP: Agentes Penitenciários, Guardas Municipais e demais integrantes estratégicos e operacionais do segmento da Segurança Pública. 123 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 A lei do SUSP cria também a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS) para fortalecer “as ações de prevenção e resolução pacífi ca de confl itos, priorizando políticas de redução da letalidade violenta, com ênfase para os grupos vulneráveis”. A Política será estabelecida pela União e está prevista para valer por dez anos. Caberá aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios estabelecerem suas respectivas políticas a partir das diretrizes do Plano Nacional. A segurança pública continua atribuição de estados e municípios. A partir de agora, a União criará as diretrizes que serão compartilhadas em todo o país. As unidades da Federação assinarão contratos de gestão com a União, que obrigará o cumprimento das metas como a redução dos índices de homicídio e a melhoria na formação de policiais. FONTE: <ht tps : / /www. jus t ica .gov.br /news/co l lec t ive-n i t f - content-1544705396.44>. Acesso em: 21 jun. 2021. O Plano atual instituiu o Sistema Único de Segurança Pública e a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Nacional, promovendo, em suas diretrizes, a Polícia Comunitária, enfatizando determinados princípios importantes, que são essenciais para o atual Plano e que devem ser seguidos pelo próximo plano. São eles: • respeito ao ordenamento jurídico e aos direitos e garantias individuais e coletivos; • proteção, valorização e reconhecimento dos profi ssionais de segurança pública; • proteção dos direitos humanos, respeito aos direitos fundamentais e promoção da cidadania e da dignidade da pessoa humana; • efi ciência na prevenção e repressão das infrações penais; • redução de riscos em situações de emergência e desastres; • participação e controle social; • resolução pacífi ca de confl itos; • uso comedido e proporcional da força; • publicidadedas informações não sigilosas; • simplicidade, informalidade, economia procedimental e celeridade no serviço prestado (BRASIL, 2018b, grifo nosso). Prezado aluno, você se lembra das essenciais diretrizes e princípios apontados pelos pesquisadores como primordiais para a possibilidade da atividade 124 SEGurANÇA PÚBLiCA da Polícia Comunitária? São os princípios em destaque na citação anterior. Entre suas diretrizes, as linhas do Plano nos trazem como uma importante defi nição até então inédita dentro dos planos da segurança pública anteriores, que é a atuação de todos os entes federativos no combate efetivo à destruição do meio ambiente. Notamos também a ênfase ao policiamento de proximidade, que realça uma forma de gestão traçada na resolução dos problemas em suas raízes, não apenas na repressão, mas na identifi cação junto à comunidade das mazelas sociais do local. Assegura, ainda, a cultura da paz, a segurança comunitária e a integração das políticas de segurança com as políticas sociais. O incentivo ao crescimento profi ssional dentro das corporações também é reafi rmado quando enfoca os planos de carreira para os agentes de segurança pública, seja qual for a sua instituição, a fomentar a designação desses profi ssionais para cargos de responsabilidade e chefi a. Entretanto, uma de suas diretrizes engloba parcerias com agências de segurança privada, respeitada a lei de licitações sempre que for necessário o ato. Tais parcerias servem ao intento de preencher dados estatísticos, a princípio, das localidades e comunidades onde atua a criminalidade. Essas estatísticas poderão infl uenciar a forma de gestão para aquela localidade no que diz respeito ao planejamento das ações, que também é um ponto importante para a realização da Polícia Cidadã. Seus principais objetivos, segundo a Lei nº 13.675, de 11 de junho de 2018 (Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social) são: • ações estratégicas e operacionais, em atividades de inteligência e em gerenciamento de crises e incidentes; • ações de manutenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas, do patrimônio, do meio ambiente e de bens e direitos; • incentivar medidas para a modernização de equipamentos, da investigação e da perícia e para a padronização de tecnologia dos órgãos e das instituições de segurança pública; • estimular e apoiar a realização de ações de prevenção à violência e à criminalidade, com prioridade para aquelas relacionadas à letalidade da população jovem negra, das mulheres e de outros grupos vulneráveis; • promover a interoperabilidade dos sistemas de segurança pública; • estimular o intercâmbio de informações de inteligência de segurança pública com instituições estrangeiras congêneres; • fomentar medidas restritivas de direito e penas alternativas à prisão; • estimular a criação de mecanismos de proteção dos agentes públicos que compõem o sistema nacional de segurança pública e de seus familiares; • priorizar políticas de redução da letalidade violenta; • fortalecer as ações de prevenção e repressão aos crimes cibernéticos (BRASIL, 2018b). 125 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Uma importante característica que não apenas se manteve, mas foi estendida, é a capacitação e valorização do profi ssional de segurança pública, com o intuito de aprimorar a educação gerencial, técnica e operacional. Os estudos pautados no princípio educacional da andragogia fornece uma grade curricular evidenciada nos direitos humanos e fundamentais, validando as diretrizes da polícia comunitária, que o tipo de ação que intenta. Também há o Programa Pró-vida, que se levado a sério, servirá para os propósitos mais carentes das nossas instituições policiais, que são a atenção psicológica e de saúde no trabalho ao desenvolver projetos competentes no setor (BRASIL, 2018a, p. 74). Criado em 2010, o Programa Nacional de Qualidade de Vida dos Profi ssionais da Segurança Pública, reconhecido como Pró-vida, tem como objetivo a valorização do profi ssional da área de segurança, reduzindo os riscos de morte como também atuar na prevenção da saúde durante o exercício de suas relevantes funções. Importante destacar a sua transparência e seu controle, realizado pelas corregedorias (órgãos internos) e pelo acompanhamento público (ouvidorias). Para que possam laborar de maneira independente na adoção de suas ações, as corregedorias são dotadas de autonomia, possuindo competência para apurar a responsabilidade funcional pelo intermédio de processos administrativo disciplinar e sindicâncias: “Fomentar a criação e o fortalecimento das Corregedorias de Polícia, Corpos de Bombeiros Militares, das Guardas Municipais e do Sistema Penitenciário, dotando-as dos equipamentos necessários ao seu funcionamento e capacitando seu corpo de profi ssionais” (BRASIL, 2018a, p. 65). Já o acompanhamento público se faz por intermédio das ouvidorias, também dotadas de autonomia e independência para realizar as suas funções. É através dela que são feitas as representações contra os agentes de segurança, as sugestões e elogios: “Fomentar a criação e o funcionamento de Ouvidorias de Polícia, de Bombeiros Militares e de Ouvidorias Penitenciárias autônomas e conduzidas por Ouvidores com mandato” (BRASIL, 2018a, p. 65). Quais seriam as diretrizes para os planos estaduais de segurança pública? Podemos afi rmar, prezado aluno, que o plano que confi rma as diretrizes estaduais deve seguir o planejamento estruturado pelo estudo nacional. Há a conformação da norma maior e o acompanhamento dos princípios que 126 SEGurANÇA PÚBLiCA dão a essência à estratégia. A descentralização é importante numa análise do planejamento estratégico, uma vez certifi cadora e afi rmadora dos dados empíricos retirados da região que se pretende analisar, para, assim, aplicar as ações de segurança pública em âmbito estadual. As análises estatísticas que são desenvolvidas em microrregiões demonstram as diferenças entre os diversos distritos e localidades espalhadas em um país de imensas dimensões. Prezado aluno, a matéria a seguir foi escrita um ano após do lançamento do Plano de Segurança Nacional de 2017, e tem o intuito de demonstrar quais os objetivos traçados pelo planejamento foram cumpridos após esse período. O plano destacado na entrevista se iniciou em 2017, tendo por escopo a grande violência nos presídios nacionais. Após esse plano, surgiu o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, com prazo entre 2018/2028. Entretanto, vale conhecermos o que havia sido produzido um ano após sua efetivação. Note que o Plano de 2017 foi um plano de segurança nacional elaborado a curto prazo, mas foi somente com o Plano de 2018 que houve o envolvimento estratégico a longo prazo. Um ano após lançar Plano Nacional de Segurança, confi ra o que o governo cumpriu e o que não cumpriu Guilherme Mazui Apresentado há um ano pelo governo federal, durante uma crise que se instalou em diversos presídios do país, o Plano Nacional de Segurança tinha como objetivo reduzir homicídios, combater o crime organizado e modernizar o sistema prisional. Descrito como “realista” pelo então ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, o plano foi considerado à época genérico por especialistas. O conjunto de ações completa seu primeiro aniversário com avanços tímidos em relação ao anunciado pelo governo. A meta de reduzir em 7,5% os homicídios dolosos nas capitais aguarda o envio dos dados dos estados para ser checada, por exemplo. A construção de cinco presídios federais também não saiu do papel. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública, órgão do Ministério da Justiça, o plano deveria ter alcançado 17 estados no ano passado, mas, em razão de restrição orçamentária, fi cou em quatro: Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Sergipe e Rio Grande do Norte. 127 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3À reportagem, o ministro da Justiça, Torquato Jardim, reconheceu que o plano foi lançado no “calor” da “convulsão” provocada por chacinas em presídios de Amazonas e Roraima. No momento, o governo trabalha na defi nição de uma política nacional de segurança pública, com foco no longo prazo. “Estamos tentando, agora, concluir uma política nacional, que vem antes do plano. O plano foi concebido no calor daquela convulsão toda, aquelas tragédias todas, mas agora vamos ter uma política em mais largo prazo”, disse Torquato. Conforme o secretário-adjunto da Senasp, almirante Alexandre Mota, o Plano Nacional passa por uma revisão, a fi m de ser adequado a futura política nacional, que deve ser lançada ainda em 2018. De acordo com Torquato, a “grande lição” do plano até o momento está nas ações inteligência e na integração entre órgãos federais e as polícias militares e civis dos estados. Para ele, o plano teve “os resultados que foram possíveis”. Veja abaixo o que foi feito em um ano de plano: Efetivo da Força Nacional (avançou): o plano previu ampliar de forma “gradativa” o efetivo da Força Nacional de Segurança para realização de operações conjuntas com as policiais Federal, Rodoviária Federal e estaduais. De acordo com o Ministério da Justiça, a força dispunha de 934 homens em janeiro de 2017 e passou a contar com 2.492 em maio. Ampliação de radares (em andamento): o plano defi niu a ampliação do número de radares, com mais 837 câmeras da PRF nas rodovias, totalizando 935 unidades. Segundo o MJ, o sistema já tem 35 pontos em funcionamento e, no fi nal de 2017, a PRF assinou contrato para instalar mais 274 pontos, totalizado 309 pelo país. A previsão do governo é ter o sistema em “funcionamento pleno” no segundo semestre de 2018. Polícia Rodoviária Federal (não foi feito): o plano estabeleceu que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) deveria fi rmar acordos de cooperação com as polícias militares rodoviárias para otimizar a fi scalização em rodovias e principais rotas viárias. O governo está reavaliando a medida. Radiocomunicação digital (em andamento): em janeiro de 2017, o governo anunciou que pretendia ampliar a área de cobertura para a comunicação via rádio digital. O plano ainda indicou ampliar a cobertura e a intercomunicação com os órgãos de segurança dos estados. Segundo o governo, os sistemas estão em fase de 128 SEGurANÇA PÚBLiCA implementação. Estão em fase de execução convênios com estados de áreas de fronteira (Acre, Amapá, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rondônia e Roraima. Ampliação do banco de DNA (em andamento): o governo estabeleceu como meta ampliar a inclusão de perfi s genéticos no banco de dados de DNA do governo federal. Conforme o MJ, em novembro de 2016 o banco nacional de perfi s genéticos tinha 7.523 amostras e, em maio de 2017, passou para 8.916. O plano ainda indicou o compartilhamento nacional desse banco de impressões digitais com IMLs do país. A Secretaria Nacional de Segurança Pública discute com a Polícia Federal um acordo de cooperação técnica para viabilizar a ação. Laboratórios de perícias (em andamento): outra ação do plano foi a instalação de laboratório central de perícia criminal, para apoio aos estados, além de ampliação de laboratórios da Polícia Federal. De acordo com o governo, as ações estão sendo reavaliadas. Também havia previsão de fortalecimento de laboratórios estaduais, que passariam a exercer papel regional em perícias. O “centro de excelência” do Rio Grande do Sul está em fase de execução e o do Distrito Federal em processo de licitação. Há previsão de centros no Nordeste, Sudeste e Norte. Informações do sistema penitenciário (em andamento): o plano colocou entre suas metas ter informações completas e detalhadas em tempo real de todo o sistema penitenciário. Conforme o ministério, os dados estão sendo coletados, mas as informações do cadastro nacional da área dependem de integração com os sistemas estaduais. Três estados iniciaram os testes com o Sistema de Informações do Departamento Penitenciário Nacional (Sisdepen). A intenção é concluir a integração no país todo até o fi nal de 2018. Combate ao tráfi co e segurança nas fronteiras (em andamento): em janeiro de 2017, o ministério indicou como meta o combate ao crime organizado com foco no tráfi co internacional de drogas e de armas. O plano trabalhou com a cooperação entre políticas e, conforme o ministério, essa parceria ocorre, bem como intercâmbio de policiais. O plano previu ampliar acordos países vizinhos para tornar mais rígido o controle das fronteiras, mas a medida está sendo reavaliada. 129 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Mapeamento de homicídios (não foi feito): o Ministério da Justiça anunciou há um ano que seria feito um mapeamento dos locais onde ocorrem homicídios dolosos e violência contra a mulher, levantamento que começaria pelas capitais e depois seria expandido para as regiões metropolitanas. Segundo a pasta, a medida está sendo “repactuada”. Também será reavaliada a previsão de identifi car locais com “desordens físicas e social”, com falta de iluminação e veículos abandonados, bem como o controle de estabelecimento irregulares e da venda indiscriminada de bebidas alcoólicas. Patrulha Maria da Penha (em andamento): o governo anunciou a instalação de grupos da “Patrulha Maria da Penha”, que deveriam fazer visitas periódicas a mulheres em situação de violência doméstica. A promoção de cursos de capacitação profi ssional também era prevista. Segundo o governo, a ação contempla criação de diretrizes para implementar o projeto, capacitação de agentes e equipamentos. Em 2017, foram criados materiais teóricos. Em outubro foi concluída a construção do “Curso Nacional de Patrulha Maria da Penha”. A primeira edição do curso ocorreu no Rio Grande do Sul e contou com a formação de 17 profi ssionais multiplicadores. O governo também pretendia estabelecer um procedimento padrão de atendimento à mulher vítima de homicídios dolosos. A medida foi implementada para ações na patrulha, segundo o ministério. Apreensão e controle de armas (em andamento): entre as metas do plano para 2017 estava aumentar em 10% a quantidade de armas e drogas apreendidas. O ministério aguarda o envio dos dados pelos estados para verifi car se a meta foi cumprida. O governo ainda informou que implantaria normais mais rigorosas para segurança da guarda e depósito de armas de fogo das empresas de segurança privada. A medida está sendo reavaliada. Também havia previsão de avanço no projeto DNA das Armas, voltado para identifi cação de armas de fogo e munição. Segundo o MJ, um grupo de trabalho “defi nirá as diretrizes, os padrões e as especifi cações técnicas, a fi m de viabilizar a aquisição dos equipamentos, capacitação e implementação” do sistema. Já a PF, por meio do centro de rastreamento de armas, cataloga apreensões de armas de fogo mais relevantes realizadas. Construção de presídios (não foi feito): o governo anunciou cinco presídios federais, voltados para lideranças de “alta periculosidade”. Um ano depois, nenhuma obra começou. Uma unidade será em Charqueadas (RS) e o Ministério da Justiça negocia 130 SEGurANÇA PÚBLiCA com o governo de Pernambuco para assumir a conclusão de um presídio, que seria administrado pelo estado. Depois de concluída, a unidade será gerida pela União. Investimentos no sistema penitenciário (avançou): o plano previu a liberação de recursos para os estados a fi m de criar vagas no sistema prisional e permitir a compra de equipamentos, como scanners, raio X, tornozeleiras eletrônicas e armamentos. Por meio do Fundo Penitenciário Nacional, foram repassados em 2016, para uso até 2018, R$ 1,2 bilhão aos estados. Conforme o Ministério da Justiça, o percentual de execução dos recursos chega a 4% do total repassado pelo fundo. Cada estado recebeu R$ 31,9 milhões para ampliação,conclusão ou construção de unidades prisionais, R$ 4 milhões para custeio e R$ 8,8 milhões para compra de equipamentos. Núcleos de inteligência (em andamento): o plano previu a instalação de núcleos de inteligência que reuniriam forças policiais e de investigação nos 26 estados e no Distrito Federal. Os núcleos contariam com a participação conjunta da Polícia Rodoviária Federal, da Polícia Federal, das polícias militar e civil dos estados, da Abin e de agentes penitenciários. O objetivo era integrar as forças e agilizar a circulação e a troca constante de informações entre as autoridades. Segundo o Ministério da Justiça, os núcleos estão estruturados nos estados. Contudo, no Rio Grande do Sul, por exemplo, a Secretaria de Segurança informou que o núcleo está parado, no aguardo do “estabelecimento de uma estratégia, por parte da União”. Cursos de capacitação (avançou): o governo defi niu uma série de cursos de capacitação, entre os quais, o de “mediador de confl itos”. Conforme o ministério da Justiça, o curso mediador pacifi cador social capacitou cerca de 3 mil pessoas em 11 estados da federação. Registros de ocorrências (avançou): o governo apontou no plano a padronização nacional dos principais tópicos de Registros de Ocorrências (PPe) e informatização de todos os dados, com atualização constante dos locais com maior incidência criminal. As padronizações dos campos mínimos e obrigatórios dos sistemas de registros de ocorrências e atendimentos, estabelecidas pelo governo em conjunto com os Estados, foram implementadas e se encontram à disposição dos estados. 131 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Presos provisórios (em andamento): no lançamento do plano, foi indicado o desejo da realização de força tarefa com as defensorias públicas para analisar a situação de presos provisórios por crimes sem violência. O Ministério da Justiça assinou termo de cooperação em janeiro de 2017 com o Colégio Nacional de Defensores Públicos Gerais, a Defensoria Pública Da União, a Associação Nacional dos Defensores Públicos e a Associação Nacional Dos Defensores Públicos Federais. Estatísticas de atividade de polícia judiciária (não foi feito): o governo pretendia elaborar estatísticas de mensuração de efi cácia da atividade de polícia judiciária. De acordo com o Ministério da Justiça, a ferramenta responsável pela produção de estatísticas dispõe dados dos Boletins Eletrônicos de Ocorrências estaduais atualmente e não tem informações dos Procedimentos de Polícia Judiciária, que são as fontes primárias para a mensuração da efi cácia da atividade policial. FONTE: <https://g1.globo.com/politica/noticia/um-ano-apos-lancar- plano-nacional-de-seguranca-confi ra-o-que-o-governo-cumpriu-e- o-que-nao-cumpriu.ghtml>. Acesso em: 25 jun. 2021. 2.3 PLANO ESTADUAL DE SEGURANÇA PÚBLICA Para qualquer Plano Estadual, prezado aluno, tudo aquilo que foi tratado no Plano Nacional, vale. O que traz a diferença entre eles é o âmbito da atuação, enquanto o primeiro possui seu âmbito nacional, o segundo é estadual. Mesmo percebendo e recebendo infl uências do Plano Nacional, o Plano Estadual possui determinadas particularidades, e essas você já sabe que podem ser percebidas através das diversas características de cada região. A criação da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP) em 1997, demonstra a preocupação com os estudos acerca da segurança pública, percebendo que, com o crescimento da criminalidade, a abordagem deveria ser realizada de forma sistêmica e holística. A Secretaria Nacional de Segurança Pública assevera a autonomia dos entes federativos, mas assume o importante papel de condução do plano elaborado nacionalmente, induzindo as políticas públicas de segurança aos planos estaduais, bem como ressaltando o princípio da cooperação entre os governos federais e estaduais. De acordo com a Senasp em seu Relatório Final, sua relação com os Estados a partir do Plano Nacional de 132 SEGurANÇA PÚBLiCA Segurança Pública deve se pautar não apenas pelo “mero fi nanciamento passivo de projetos específi cos, mas passa a propor uma dinâmica de maior parceria e cooperação em torno da elaboração e implantação de planos estaduais de segurança pública sistêmicos, isto é, abrangentes e integrados” (BRASIL, 2005, p. 4). A Senasp realiza uma orientação geral que se adeque ao amplo universo de cada realidade cujas ações estratégicas venham a ser utilizadas. No âmbito estadual, relaciona quais são os objetivos estratégicos a serem atingidos pelas secretarias estaduais de segurança, são eles (BRASIL, 2005, p. 6-8): • Direitos humanos e efi ciência policial são compatíveis entre si e mutuamente necessários. • Ação social preventiva e ação policial são complementares e devem combinar-se na política de segurança. • Polícias são instituições destinadas a servir os cidadãos, protegendo direitos e liberdades, inibindo e reprimindo, portanto, suas violações. • Às Polícias compete fazer cumprir as leis, cumprindo-as. • Policiais são seres humanos, trabalhadores e cidadãos, titulares, portanto, dos direitos humanos e das prerrogativas constitucionais correspondentes as suas funções. • O Sistema de Justiça Criminal deve ser democrático e justo, isto é, orientado pela equidade, acessível a todos e refratário ao exercício violento e discriminatório do controle social. Os objetivos estratégicos são os alvos ou situações concretas que se pretende atingir, para alcançar os objetivos de uma organização. No presente caso, os objetivos estratégicos a atingir com a implementação dos Planos Estaduais de Segurança são: • Reduzir a criminalidade e a insegurança pública, em especial os crimes contra a vida. • Controlar o crime organizado. • Reduzir a corrupção e a violência policiais. • Promover a expansão do respeito às leis e aos direitos humanos. • Bloquear a dinâmica de recrutamento pelo tráfi co de crianças e adolescentes. • Eliminar o poder armado de criminosos que impõem sua tirania territorial a comunidades vulneráveis e a expandem sobre crescentes extensões de áreas públicas. • Valorizar as polícias e os policiais, reformando-as e requalifi cando-os, levando-os a recuperar a confi ança popular e reduzindo o risco de vida a que estão submetidos; • Ampliar a efi ciência da organização policial. 133 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 • Aplicar com rigor e equilíbrio as leis no sistema penitenciário, respeitando os direitos dos apenados e eliminando suas relações com o crime organizado. • Contribuir para a democratização do Sistema de Justiça Criminal (BRASIL, 2005, p. 5). Você quer saber mais sobre a Senasp? Então vamos lá! No site do governo federal, você encontra a Senasp e seus institutos desde diretrizes aos planos estaduais de segurança pública: https://www. gov.br/mj/pt-br/acesso-a-informacao/agenda-de-autoridades/senasp. Como a Senasp possui importante presença na validação dos planos estaduais e na confi rmação de sua estrutura a partir de fi nanciamento federal aos Estados para que eles implantem os programas de segurança recomendados por ela, é ela quem defi ne os novos convênios. Entretanto, Estados que não implantem as recomendações ou planejamentos do Senasp não são desqualifi cados pela secretária para novos futuros convênios, mas advertidos sobre a utilização da verba no emprego de tais estratégias. Cada Estado, portanto, possui seu próprio plano de Segurança Pública, que pode ser estudado e analisado a partir de seus sites de informação. É imprescindível que o plano de segurança estadual, além de seguir os preceitos do Plano Nacional para ser considerado, deve possuir um planejamento com ações fi rmadas aos propósitos elencados nos princípios do paradigma que se experimenta, ou seja, o paradigma da Segurança Cidadã. Agora que você já estudou acerca dos Planos Nacionais e Estaduais de SegurançaPública, que tal se praticarmos nosso conhecimento? 1 - Os signifi cados de estratégia e planejamento se alteram em sua concepção quando tratados e apresentados no manejar das situações públicas. Você viu que alguns princípios são cruciais para a efetivação das políticas públicas. Quanto a essa afi rmação, classifi que V para as sentenças verdadeiras e F para as falsas: 134 SEGurANÇA PÚBLiCA ( ) No delimitar das ações públicas entre Estados e União, os planos de segurança devem seguir primordiais princípios como a transparência e publicidade a fi m de demonstrar o seu real objetivo em todos os setores e localidades. ( ) A transparência não é um conceito permitido ao Plano de Segurança, uma vez concebido para combater a criminalidade, e por esse prisma, qualquer informação a respeito dos passos do plano devem ser publicizadas apenas aos integrantes da segurança pública. ( ) Os direitos humanos são relativos quando se trata de combate à criminalidade, por esse prisma, o princípio da transparência deve ser abrandado em prol da diminuição do crime. ( ) Um plano de segurança pública se realiza após limitação da atuação da segurança pública e de seus agentes, respeitando, assim, os princípios da Segurança Cidadã quanto ao exercício da persecução policial somente em caso estritamente necessário. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) V – F – F – V. b) ( ) V – F – F – F. c) ( ) V – F – V – F. d) ( ) F – F – V – V. 2 - Os planos estratégicos são importantes para defi nir objetivos a longo prazo e assegurar seus propósitos a curto prazo por intermédio de ações organizadas. A respeito dos Planos Nacionais e Estaduais de Segurança Pública, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ao Plano Estadual de Segurança Pública cumpre desenvolver os objetivos do Plano Nacional, mas a partir de suas análises estatísticas regionais. b) ( ) O Planejamento Estratégico Situacional é aquele em que se considera o macroambiente, análise esta que carece de mais estudos planejados ao microambiente. c) ( ) O Planejamento Estratégico deve ser pensado em um curto período de tempo, efetivando um prazo dentro de um determinado mandato para cumprir seus objetivos. d) ( ) O Plano Nacional de Segurança Pública realça as estruturas principiológicas do paradigma da Segurança Cidadã e da Polícia Comunitária. 135 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 3 - A Secretária Nacional de Segurança Pública, órgão subordinado ao Ministério da Justiça, possui sua relação direta com os Estados anunciando o Plano Nacional e suas bases a serem seguidas. Sobre uma de suas putas, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O objetivo é fi nanciar ações em âmbito estadual para diminuir a incidência da violência em determinados setores da sociedade. b) ( ) O objetivo não é apenas fi nanciar projetos específi cos, mas também abranger os padrões do Plano Estadual, que devem seguir estritamente o Plano Maior. c) ( ) O objetivo é não apenas fi nanciar os projetos específi cos do Estado em âmbito de segurança, mas também redigir o Plano Estadual mais benéfi co. d ( ) O objetivo não preza apenas pelo mero fi nanciamento, mas assume uma parceria mais dinâmica, propondo parceria e cooperação na implantação dos planos estaduais. 3 MODELOS DE GESTÃO E POLÍTICAS DE SEGURANÇA PÚBLICA A consolidação da segurança pública no país, a partir dos critérios que adota o novo paradigma, necessita do envolvimento de todos os agentes presentes na sociedade civil e nas instituições de proteção e defesa. O sentido do ideal comunitário reconhece a centralidade da comunidade em detrimento do conceito usual de Estado/Mercado (SCHMIDT, 2006). Para a governança de um modelo que se amplia na medida em que é utilizado, envolvendo cada vez mais protagonistas em suas engrenagens, é preciso conservar a sua forma de ação e de fi losofi a. As inúmeras metodologias que estrategicamente complementam a gestão devem estar em conformidade aos seus ditames estruturais, pois sistemas antagônicos entre si, se colocados juntos, podem causar mais danos que acertos. Evitar confl itos organizacionais é o ideal de qualquer instituição que pretende atingir as metas traçadas. Uma das grandes difi culdades que causam até hoje adversidades para o sucesso da gestão da segurança pública e sua padronização ao modelo comunitário, pode vir de setores da sociedade e até mesmo da própria organização Evitar confl itos organizacionais é o ideal de qualquer instituição que pretende atingir as metas traçadas. 136 SEGurANÇA PÚBLiCA policial, que afi rmam ser o novo paradigma incompleto à real função da polícia. Veja, prezado aluno, que o lançamento do primeiro Plano Nacional de Segurança Pública no ano 2000 era considerado mais como um documento político do que mesmo estratégico, quando fi cou caracterizado pela sua “elevada capacidade de formulação de políticas e baixa capacidade de implementação”, deixando à deriva projetos que o próprio poder público se mostra incapaz de aplicar (ADORNO, 2003, p. 130). Isso ocorre pelo fato de que, para a instauração de um novo modelo ou paradigma, a ruptura com as viciantes incongruências do anterior devem ser superadas, mas ainda estamos presenciando essa parte da mudança, o momento da superação do antigo. A lógica e o discurso de que a segurança pública deve ser pautada pelo uso da força e pela penalização, em um recrudescimento do direito penal, ainda é latente em nossa sociedade e em grupos que perfazem a própria segurança pública que se pretende alterar (ADORNO, 2003). Não fosse apenas isso, o poder público apresenta incapacidade em instaurar algumas importantes concepções do novo modelo, por exemplo, o policiamento comunitário nas escolas. Os programas de gestão precisam, para o saudável fl uxo de sua operacionalidade, ter uma centralização para que outros braços do instituto se adequem aos seus comandos. No que se refere à segurança, muitas organizações espalhadas Brasil afora possuem suas próprias lógicas de desenvolvimento e performance, intervindo na composição da política pública ao estruturar uma cultura autônoma de difícil articulação com o planejamento centralizado (ROLIM, 2007). Por esse prisma, caro aluno, você percebe que planejamentos estratégicos diversos ou planos de gestão, mesmo os mais elaborados como aqueles exemplos retirados de grandes conglomerados que visam os resultados positivos, não se adequam a um plano nacional enquanto velhas ideologias e antigos modelos não forem superados. 3.1 O COMPSAT Considerada uma infl uente metodologia de gestão estratégica, Compsat, sigla para análises estatísticas computadorizadas, tem a intenção de integrar um banco de dados inteligente capaz de impulsionar a transparência e a prestação de contas das instituições policiais desenvolvidas por metas que devem ser atingidas pelos administradores regionais e pela disseminação dos resultados que se atinge. Esse tipo de estratégia foi iniciado pelo Departamento de Polícia de Nova Iorque, quando o uso de dados estatísticos de crimes diversos ajudou ao implantar de solução de problemas que se faziam presentes (BOBA, 2009). 137 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Entretanto, para uma técnica de gestão que evidencia a estratégia, seja ela qual for, é importante determinados sentidos que Compsat não considerou. A promoção de mudanças não pode ser meramente enfatizada pela severa análise de dados estatísticos, que não infl uenciam nem possuem força para a realização de um novo sistema de gestão que se intenta implantar (BECKER, 2008). Nesse sentido, o que se busca é a organização das ações policiais que devem ser desligadas de sua forma mais tradicional. É certo que o serviço de qualquer polícia no globo está fortemente ligado aos indicadores de análises estatísticas. O diferencial destetipo de análise é o seu propósito inicial. Temos aqui uma ferramenta que demonstra quais números devem ser melhorados dentro da segurança pública, atento às metas e tendências. Esse sistema possui a pretensão de que se siga à risca todos os seus números a fi m de atingir as metas estabelecidas, alertando sobre melhorias e sobre pioras também. O grande problema de um sistema fechado em seus resultados, gerados por análises estatísticas e focado no sucesso que deve ser compartilhado por e para todos, é que os números positivos devem continuar crescendo, não importando como. Isso abre determinados precedentes à atividade policial, como um possível retorno à polícia tradicional que o policiamento comunitário e a segurança cidadã pretende mudar, pois agora age em busca de melhores números (BOBA, 2009). Em vias de estabelecer uma visão clara dos dados, todas as informações devem ser repassadas em sua forma mais fi el, para toda a comunidade, assim como é transmitida aos institutos diversos, atendendo ao princípio da publicidade. Nesse ponto específi co, quando uma empresa particular busca o Compsat, toda a sua base fi losófi ca é estruturada para as metas e números que pretende melhorar. Ao atender os apelos combinados por números que buscam o sucesso, a empresa efetiva real possibilidade de obter o triunfo pretendido inicialmente. E todos estão vendo seu crescimento e afi rmando o sistema. Na área da segurança pública, entretanto, os números são um tanto diferentes. Cada caso de violência registrado, bem como cada análise estatística da criminalidade levaria apenas a uma solução propícia para a ação policial determinar o seu sucesso e asseverar o sistema. Essa ação não é planejada pelo Compsat, mas por pessoas, que, como o sistema, pretendem demonstrar em números e em dados estatísticos o sucesso da ação tomada. Esse foi o passo inicial para a tomada de atitudes que 138 SEGurANÇA PÚBLiCA desencadearam o modelo de segurança conhecido como Tolerância Zero. 3.2 A TOLERÂNCIA ZERO COMO MODELO DE GESTÃO POLICIAL Iniciado em Nova Iorque nos anos 1990 pelo então prefeito Rudolph Giuliani, tinha a intenção de conter o que fi cou conhecido como epidemia de crimes na cidade. O prefeito apresentou uma proposta infl exível contra qualquer desvio ou conduta delitiva, e fez isso aumentando o policiamento e a repressão. Não seriam tolerados nenhum tipo de crime, até mesmo infrações mais leves seriam consideradas pelos órgãos de segurança pública que pretendiam diminuir os números da criminalidade. O ditado “quem furta um osso furta um boi” indicava a intolerância mesmo aos pequenos desvios, que seria zero. As medidas extremas e enérgicas tomadas pelos policiais e atestadas pela prefeitura fi zeram suas primeiras vítimas. Como a estratégia aqui tomada era a diminuição pela força dos casos de crimes, e a gestão utilizada seria a liberdade aos organismos punitivos do estado para atingir o sucesso, a busca por esses números somente poderia ser maior em lugares desprovidos, como os bairros mais carentes. Pobres, negros, imigrantes e usuários de drogas foram os primeiros a serem cooptados pela força de punição e, assim, aumentavam o número do sucesso policial de Giuliani. O modelo conhecido como Tolerância Zero, para Wacquant (2001, p. 29), signifi ca o “processo de criminalização da pobreza, iniciados nos Estados Unidos e que avança para a Europa com força, surgiu com intuito de vigilância aos pobres e miseráveis que agora convivem no novo Estado, que se ocupa de um aumento de seus recursos ao sistema penal e de segurança”. Pretendendo atingir um sucesso que saltasse aos olhos, a gestão escolheu os números que preencheriam as estatísticas ao informar a diminuição de crimes. De fato, houve uma exponencial atenuação dos delitos, entretanto, um crescimento massivo do número de encarcerados. Muitos presos eram provisórios, ou seja, aguardavam seu primeiro julgamento, outros eram réus primários em delitos conceituados como de menor potencial lesivo. O grande problema do encarceramento em massa ordenado pelo conceito de tolerância zero, além do espaço prisional ser utilizado ao extremo, é evidenciar um programa de segurança pública que acentua a penalização acima de tudo, e de colocar em risco a vida de pessoas que cometeram um pequeno delito, sendo que existem possibilidades de não cometerem um segundo desvio em toda a sua vida (BECKER, 2008). O conceito tolerância zero partiu de outro fenômeno anterior, que realça a 139 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 teoria de George Kelling, criminalista norte-americano que em anos anteriores concebeu a Teoria das Janelas Quebradas, dissertando sobre os exemplos e atos sociais que fazem com que os níveis de criminalidade aumentem (WACQUANT, 2001). Sua tese consiste no simples exemplo de que se uma janela quebrada não for trocada, no dia posterior outras amanheceram quebradas por conta do vandalismo. Na teoria, trocar esse objeto trincado é essencial para assegurar a segurança das outras janelas. Numa adaptação ao nível social, para Kelling, interpretado pelo sociólogo francês Louic Wacquant (2001), os pequenos atos de vandalismo, encorajados pelo abandono do local podem incentivar que crimes maiores ocorram. Assim, a presença policial constante e os sistemas de limpeza e organização da cidade podem ser essenciais para a diminuição tanto dos pequenos quanto dos crimes considerados maiores. Ao levar esse conceito ao pé da letra, contra os criminosos que tenham cometido crimes de menor potencial lesivo, por exemplo, atravessar fora da faixa ou, até mesmo, crimes de maior potencial ofensivo, afi rmando um sistema que pretende observar suas melhoras produzidas em números estatísticos, confi rma a gestão do modelo de Tolerância Zero. Seu principal ponto, então, como você pode notar, é garantir que os números de prisões para a manutenção da defesa social e da ordem estejam em constante crescimento. Isso não vai de encontro com o paradigma de segurança pública que vivemos ou com as condições mais estruturais da Polícia Comunitária ou Cidadã. Esse tipo de policiamento tem sua orientação a partir do crime ocorrido e no sucesso da empreitada, além de afi rmar o direito penal e a persecução penal como única garantidora de uma lei e ordem. Se o planejamento modifi car o método com o qual se entende as situações ao redor, será que ele não poderia ser melhor aproveitado na questão segurança de todos? A partir desse questionamento, o policiamento orientado aos problemas, servindo-se de métodos assertivos na identifi cação dos obstáculos a serem enfrentados, passou a ser utilizado pela inteligência policial como estruturante de suas ações. Isso confi rma a Polícia Comunitária, uma vez que pretende resolver as situações antes mesmo que elas ocorram. 3.3 POLICIAMENTO ORIENTADO AO PROBLEMA: O MÉTODO IARA A Polícia Comunitária ou Cidadã entendeu que seu trabalho não se perfaz somente na abrangência do crime, mas também em comportamentos diversos que não se envolvem imperiosamente com o desvio ou com o direito penal, sendo possível outras táticas de operação que não a repressão (BRODEUR, 2000). As 140 SEGurANÇA PÚBLiCA soluções para esses casos podem ser diversas, mas somente são tomadas a partir de uma gestão que estabeleça esse tipo de ação, menos invasiva (MARCINEIRO, 2009). O patrulhamento preventivo e agressivo, comumente operado por policiais, precisava, a partir dos novos moldes de integração que se formavam, ser extinto, dando espaço a uma teoria de solução de problemas junto à comunidade. No sentido de se antecipar aos acontecimentos, o policiamento orientado ao problema complementa o modelo de Polícia Cidadã, em ações que orientam a prática do convívio policial meio às comunidades, numa ação proativa e preventiva. Guiada pela identifi cação e análises robustas dos problemas identifi cados na sociedade, opoliciamento possui maiores chances de efetivar uma resposta positiva (OLIVEIRA, 2006). Em congruência ao desenvolvido pelo policiamento comunitário e contra ações agressivas, o policiamento orientado ao problema é uma forma de gestão estratégica para a evolução do policiamento. Sendo assim, o seu foco é atuar em parceria com a comunidade, gerenciando as informações de maneira inteligente, estando nos locais considerados bruscos para o crime, empregando medidas preventivas e, se preciso, medidas repressivas para minimizar qualquer contenda. O foco inicial é agir com antecedência: “é preciso procurar o que está acontecendo antes daquele ponto da correnteza” (ROLIM, 2009, p. 84). Em 1987, John e William Spelman implementaram um novo modelo determinando uma orientação guiada ao problema e aplicada no departamento de polícia de Newport News, EUA. Batizada por Model Scanning, Analysis, Response e Assentment (SARA), passou a ser utilizado naquela jurisdição, espalhando-se logo mais em outras partes do país (GOLDSTEIN, 1990). No Brasil, o método foi denominado IARA, referindo-se a cada uma de suas etapas: Identifi car, Analisar, Responder e Avaliar. Começou então a ser desenvolvida e disseminada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, que reconfi gura a inteligência de seus atos a partir de normas programadas. Veja que a etapa inicial do método é identifi cação do problema, que geralmente são interpretados por ações repetitivas em um local em comum e devem constituir um obstáculo para a comunidade ao redor. Tipos de infração reiteradamente praticadas nas análises estatísticas da identifi cação, como o furto e roubo, possuem uma forma de comportamento idiossincrático, um modus operandi de sua operação, tal qual, horário de maior incidência, vítimas preferidas, locais de risco para essas incidências ocorrerem (GOLDSTEIN, 1990). Esse tipo de estudo estatístico é válido para uma ação de prevenção dos crimes diversos ao antecipar suas ações. A mudança das atividades policiais, movimentadas pelas análises de informações das mais variadas sobre o crime e o comportamento desviante em determinada área ou local, incentivou ações preventivas realizadas por rondas ostensivas e a constante presença do policial 141 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 nessas regiões. Essa modifi cação metodológica surte efeito na prevenção da ocorrência de crimes locais. Veja que o personagem essencial para a prática dessa identifi cação não poderia ser mais bem escolhido que a própria polícia comunitária, uma vez que sua tarefa consiste em uma associação à comunidade. Da mesma forma que a identifi cação, faz-se a análise, importante para que se entenda o problema com intuito de determinar sua causa. Essa análise pode ser concebida de várias formas inclusive, segundo Goldstein (1990), por pesquisas científi cas e acadêmicas, registros policiais, agência não governamentais, ONGS, entre outros, ou seja, com a participação de um maior número de instituições civis espalhadas pela coletividade. A partir desses estudos iniciais, o método IARA é complementado com as soluções que melhor se adequam aos problemas interpretados, respondendo as suas causas com respostas mais abrangentes do que aquelas antes praticadas pelo padrão anterior. Entretanto, note que essas respostas, ao evitar o antigo modelo, devem se estruturar pela prevenção ao crime de uma forma inteligente, pela vigilância constante, inclusive de habitantes do local nas informações repassadas à central policial, a visualização do ambiente e a padronização de rondas ostensivas pelos agentes policiais (BONDARUK, 2007). Observe o ciclo do método IARA: FIGURA 2 – CICLO DO MÉTODO IARA FONTE: Silva (2015, p. 123) 142 SEGurANÇA PÚBLiCA Como as respostas necessitam de um planejamento estruturado no que diz respeito à viabilidade econômica do projeto, a elaboração de ações criativas de baixo custo e a fl exibilização das rondas, realizadas de forma a abranger determinada localidade apenas, uma ferramenta conhecida por “5W2H” consegue responder algumas questões iniciais (CAMARGO, 2014). Para Silva (2015, p. 123, esse método representa uma evolução: Este modelo de gestão, ao mesmo tempo que busca resgatar a confi ança da comunidade em sua polícia, através da participação da população na identifi cação dos problemas a serem enfrentados, ao agregar outras fontes de informação, inclusive estatísticas, bem como por se preocupar em avaliar os resultados obtidos, representa, quando analisado sob o prisma das duas principais correntes modernas de administração pública, uma tentativa de conciliar a busca pela efi ciência característica da Nova Gestão Pública com a importância da participação da comunidade reconhecida pelo Novo Serviço Público. A seguir, apresentaremos a você a tabela que caracteriza a ferramenta “5W2H”, utilizada pela Polícia Cidadã, e que pode ser manejado também em empresas particulares ou instituições públicas diversas: TABELA 1 – O USO DA FERRAMENTA 5W2H FONTE: Camargo (2014, p. 27) 143 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 As questões “quando fazer”? “Por que fazer”? “Quem fará”? podem ser esclarecidas através do método anterior ao adotar uma solução propícia a cada problema ao invés de não se ter uma ação prática planejada. E isso se perfaz em gestão e em governança, não apenas do ambiente policial, mas também de toda sua estrutura, seguindo os padrões do modelo que se pretende efetivar. Nesse sentido, trazemos no quadro a seguir as diferenças entre as polícias comunitária e tradicional dentro da governança do método IARA, utilizando-se dos questionamentos do modelo 5W2H. Esse é um exemplo de como se utilizar os métodos propostos pelo artifício. QUADRO 1– O MÉTODO IARA E O MODELO 5W2H: ANALISANDO OS MODELOS DE POLÍCIA Questão no modelo 5W2H Modelo de Polícia Tradicional Modelo de Polícia Comunitária O que faz o agente policial? Segue o informado pelos sistemas de informações que dispõe, como a radiopatrulha. Atende com tempo minimizado de resposta; é efi caz e procura atender crimes de maior potencial. Intensifi ca abordagens que visam solucionar problemas, em coopera- ção com os líderes comunitários. É efi caz pois procura evitar a ocorrên- cia de crimes. Quem é o agente policial? Representa sua agência governa- mental aplicando a lei. É anônimo e desconhece a sua comunidade atendida. A atenção é para a comunidade, e a ela cede atenção integral, reconhe- cida como sua e conhecido por ela. Quando age o agen- te? Age logo após a ocorrência do de- lito tendo uma resposta repressiva. Age proativamente, de maneira pre- ventiva. Quanto custa o servi- ço policial Há um alto investimento no siste- ma da segurança pública e suas atividades repressivas, prisionais e de investigação. O investimento público realizado é baixo, onde se atende as Compa- nhias, delegacias distritais, postos policiais e locais de atendimento comunitário. Por que o agente assim age? Age para a resolução de crimes violentos e desvios com alto valor social de reprovabilidade. Onde estiver o problema que per- turbe a paz de uma comunidade, o policial age. Onde se realiza o serviço? Com sua gestão concentrada, é realizado a partir das próprias es- truturas da instituição; tais quais seus quartéis e delegacias que co- ordenam as normas e as diretrizes. Toda a estrutura organizacional é base para a realização do serviço, desde suas bases institucionais, até postos de Policiamento Comunitá- rio espalhados pela comunidade. Sua gestão é descentralizada. 144 SEGurANÇA PÚBLiCA Como é realizado o serviço? O agente sempre prioriza o con- fl ito, depois de ser chamado; seu foco é na resolução dos crimes. O agente procura identifi car o que causa os problemas com o intui- to de evitá-los, para que não mais ocorram e em uma resolução con- juntacom os protagonistas. FONTE: Adaptado de Peak e Glensor (1999, p. 85) Por certo, o modelo pode ser adaptado pela governança ao conferir a forma de administração a ser utilizada, ou melhor, os questionamentos realizados dentro do sistema IARA podem ser estruturados a partir do objeto que se pesquisa. Após a aplicação da fase estratégica de solução dos problemas, temos o estágio da avaliação, que se propõe a conferir os efeitos que a estratégia apontada produziu na resolução dos problemas (OLIVEIRA, 2006). Essa fase é muito importante para o acompanhamento de tudo o que foi realizado, reconhecendo a efetividade das estratégias policiais desenvolvidas, servindo como um fator benéfi co identifi cando o que pode ser melhorado e o que deve ser descartado (HIPÓLITO; TASCA, 2012). Para a excelência da análise, é imperiosa a límpida percepção do problema, a transparência do efetivo trabalho policial realizado nas bases empregadas pelo padrão utilizado e a convicção de que a atividade foi realizada de forma prudente, legal e conforme os objetivos estabelecidos. 4 - Caro aluno, você viu até aqui um sistema de gestão que confl ita com o modelo utilizado atualmente e outro que reafi rma o paradigma. Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O modelo de planejamento 5W2H não incide no método IARA, uma vez que seus questionamentos podem ser estruturados a partir de qualquer ideologia. b) ( ) A tolerância zero foi uma ideologia e um modelo de trabalho policial que assegura a paz social por intermédio da resolução dos confl itos, desde pequenos ou daqueles considerados de maior potencial ofensivo. c) ( ) A teoria das janelas quebradas foi precursora do pensamento da tolerância zero, pois eleva o pensamento de que toda desordem, seja ela qual for, deve ser combatida pela força de penalização para que sirva como exemplo pedagógico. d) ( ) A publicidade não é saudável para o método IARA, uma vez que tende a aplicar um combate intenso contra o crime. 145 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 5 - Verifi cando os modelos de gestão pública, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Evitar confl itos organizacionais molda o interesse maior da instituição de segurança pública. b) ( ) Confl itos organizacionais são evitados para que se atinja com maior rapidez as metas traçadas. c) ( ) O método Compsat é capaz de articular através de números e por eles mostrar na realidade que deve ser feito pelas polícias. d) ( ) O método Compsat é efi ciente em demonstrar uma realidade social em uma forma inovadora, para a aplicação da polícia comunitária. 6 - A respeito dos procedimentos policiais e suas ações, analise as sentenças a seguir: I- ( ) Numa ação policial qualquer, a publicização dos atos não se perfaz em importante causa, podendo inclusive o agente policial advertir se houver alguém do povo gravando à ação. II- ( ) Publicidade das ações policiais signifi ca incentivar a gravação dos atos dos agentes profi ssionais de segurança, sempre que ocorrerem. III- ( ) O princípio da publicidade é um princípio constitucional que signifi ca que os atos da administração pública devem ser também públicos, para que não haja arbítrio. Assim, é correto dizer por analogia que os planejamentos policiais para a tomada das ações contra o crime também devem ser publicizados. IV- ( ) O princípio da economia é respeitado pela gestão do método IARA, pois suas ações são planejadas obtendo auxílio do modelo de polícia comunitária para realizá-las. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e III estão corretas. b) ( ) As sentenças III e IV estão corretas. c) ( ) As sentenças I e II estão corretas. d) ( ) As sentenças II e IV estão corretas. 146 SEGurANÇA PÚBLiCA 4 O POLICIAMENTO ORIENTADO PELA INTELIGÊNCIA (POI) A partir dos modelos de gestão mais efi cientes, você viu que a governança ou administração da segurança pública não se realiza sem uma estratégia. Variadas técnicas são utilizadas com intuitos diferentes, mas seguindo a ideologia que se pretende, no caso, a Polícia Comunitária. O paradigma da Segurança Cidadã trouxe com ele outra forma de se olhar a comunidade, feita agora pela segurança como sendo parte dela. Entretanto, você também verifi cou que se há estratégia, há uma inteligência que une o sucesso das pesquisas relacionadas ao efetivo trabalho policial de qualidade. E se orientar pela inteligência nos dias de crescente tecnologia, signifi ca obter todos os dados que estão aí disponíveis para nós, dentro do universo digital e tecnológico. Dirigido por José Eduardo Belmonte e lançado em 2014, o fi lme Alemão signifi ca o interpretar de uma inteligência policial, por intermédio de ações de infi ltragem no ambiente inóspito para assegurar a investigação. Será que a inteligência realizada por pesquisas e análises sobre o local funcionou bem com a estratégia escolhida para a ação? Assista e descubra! A segurança, ao manejar uma ordem estabelecida pela inteligência consegue enxergar adiante, e mais à frente percebe os melhores atos a serem tomados em determinadas regiões. Tendo seu início nos anos 1990 no Reino Unido, e ampliando-se logo após os atentados das Torres do Gêmeas nos Estados Unidos em 11 de setembro de 2001, o POI efetivava uma estratégia diferente das demais, pois gerenciava a inteligência investigativa em prol de um impacto mais assertivo nas ações contra o crime, diminuindo problemas nas comunidades. A identifi cação de crimes e seus autores, dos personagens que se envolvem em crimes típicos de cada região, agora fazem parte dos estudos da inteligência policial, pois seus esforços estão dirigidos para onde apontar a inteligência e, geralmente, acaba encontrando autores específi cos em lugares de atuação constante (RATCLIFFE, 2011). 147 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Vale destacar, prezado aluno, que a metodologia desse trabalho desenvolvido pelas agências de inteligência, visa coletar o maior número possível de informação sobre determinado local ou área considerada volátil ao crime e ao criminoso. Nesse sentido, você notou que podemos interpretar as ações da POI pelo objetivo da prevenção dos crimes ao invés de entrar em combate contra ele. Importante a declaração do cientista a seguir, enfatizando a melhoria nas tomadas de decisão do policiamento quando se baseia no conhecimento: O policiamento liderado pela inteligência enfatiza a análise e a inteligência como essenciais para uma estrutura de tomada de decisão objetiva que priorize zonas quentes de criminalidade, vítimas recorrentes, infratores contumazes e grupos criminosos. Facilita o crime e a redução de danos, a interrupção e a prevenção por meio de gerenciamento, implantação e fi scalização estratégica e tática (RATCLIFFE, 2011, p. 66). Dessa forma, o gestor pode fazer prevalecer as ações de seus policiais através de decisões que demonstram onde essas atividades devem ser realizadas, fundamentadas por pesquisas e investigações. Assim, o POI otimiza a tomada de decisão do gestor, que consegue antecipar ações por intermédio das pesquisas qualitativas trazidas por seu serviço de informações. Esse modelo proativo de análise das situações pela inteligência, que toma decisões mais qualifi cadas, proporciona aos mecanismos de gestão policial um planejamento calculado, e isso é importante para a economia perante os recursos que são utilizados pelo instituto policial. Por certo, é mais barato prevenir do que remediar. E a prevenção aqui se faz pela inteligência. Através de uma abordagem moderna para o reconhecimento dos atos desviantes e criminosos, o POI sugere que tanto o controle do crime comum (furtos, roubos) quanto o do crime organizado são possíveis, pois sua ação independe dos mecanismos usuais utilizados pelo crime, sejam eles quais forem (RATCLIFFE, 2011). O modelo sugere a redução da criminalidadebaseando-se em análises interpretativas do ambiente criminal e de sua formação. Para Ratcliffe (2011, p. 10), a base central para esse tipo de inteligência observa-se pelos “três Is: Interpretação, Infl uência, Impacto”. Podemos determinar, através da especifi cação do autor, que as funções de análise da criminalidade e seus trejeitos, o conhecimento acerca o ambiente criminal na comunidade e as decisões tomadas são funções do sistema POI, defi nidas pela interpretação das informações coletadas. Aqui há uma perspectiva ampliada do que é crime e quais os problemas e possibilidades da comunidade ao redor. Para sua aplicação numa unidade de polícia, é preciso a interação aos ambientes de inteligência e mecanismos de 148 SEGurANÇA PÚBLiCA coleta de informações. Isso faz priorizar a pesquisa e seus dados analíticos e estatísticos, mas se faz imprescindível todo apoio possível dos órgãos federais para a instalação de modernos equipamentos de comunicação e pesquisa, para que o efeito determine maiores chances de sucesso. O paradigma da informação e da tecnologia que vivemos agora, como a internet e suas possibilidades, abrem um panorama favorável para esse tipo de policiamento, mas é preciso investir. Entretanto, para implementar o POI, há a necessidade de etapas que evidenciam o projeto: um plano de gerenciamento e o material necessário para a coleta dos dados, criar uma estrutura para o serviço e a implementação do sistema (CARTER, 2009). Nesse sentido, a orientação para um plano gerencial foi realizada pelo professor californiano David Carter (2009, p. 101-103), a partir de alguns passos essenciais: a) Defi nição das estratégias prioritárias: aqui deve-se pensar em quais problemas deve a segurança pública priorizar, em cada região. b) Defi nição dos requisitos de inteligência: como interpretar da melhor forma as informações que chegam, quais as causas dos problemas vividos na região? c) Plano de coleta: qual local é o melhor para coletar meus dados? Onde consigo informações e pormenores dos problemas? d) Análise: essas informações têm qual signifi cado? Elas podem ser utilizadas? e) Produto de inteligência: dessas informações, devo escolher quais devem ser repassadas para o agente policial em atividade de rotina e qual delas indica que devemos combater ou prevenir uma situação problema? f) Resposta operacional: que recursos são necessários para minimizar os problemas através da inteligência? Há atividade policial que possa ser aqui implantada para essa melhora? Qual? g) Revisão do processo: o pragmatismo da própria ação da inteligência, as ações serviram ao contexto prevenção ou combate ao crime? Será que podemos ter melhorias no processo de obtenção das informações, caso a resposta para a questão anterior seja negativa? Veja que essas informações devem se realizar a partir da realidade de cada comunidade. Nesse prisma, Carter (2009) intervém ao unir o policiamento comunitário às práticas do POI, quando um é potencializado pelo outro: Como o policiamento comunitário, o POI requer um investimento de esforço de todos os componentes da organização, bem como da comunidade. Já se foram os dias em que as unidades de inteligência operavam em anonimato. [...] inteligência policial 149 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 é uma responsabilidade de toda a organização que depende de uma relação simbiótica com os residentes (CARTER, 2009, p. 88). E é assim que o Secretária Nacional de Segurança Pública (SENASP) defi ne a atividade da inteligência no Brasil, como um mecanismo primordial para a tomada de decisões engenhosas: A atividade de inteligência, no campo da segurança pública, é importante ferramenta de resposta e apoio ao combate ao crime em geral, sobretudo aqueles de alta complexidade, procurando identifi car, entender e revelar os aspectos ocultos da atuação criminosa que seriam de difícil constatação pelos meios clássicos de investigação policial, servindo, concomitantemente, no assessoramento das autoridades governamentais e na elaboração de Planos de Segurança Pública (BRASIL, 2005, p. 10). Para termos uma ideia de sua importância, o serviço de inteligência conhecido por Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), criado pela Lei nº 9.883 de setembro de 1999, planeja a agência especial nas atividades de coordenação, planejamento e execução dos procedimentos envoltos em serviços de informações, pautados na defesa coletiva. Ao ser estruturado pelo novo Estado de Direito, que se formava a partir da Constituição de 1988, seu objetivo se diferenciava das demais agências criadas no Regime Militar, como o Serviço Nacional de Informação, que visava a repressão e execução de opositores ao regime ditatorial (FIGUEIREDO, 2005). A criação das agências de inteligência, historicamente movimentou o interessante mercado de tecnologias de informação a partir das novas sensações tecnológicas que surgiam. Veja que, a partir da internet, todos estão. de alguma forma, conectados, seja pela vigilância constante que esse mecanismo capacita, seja pelas informações repassadas em velocidades insuperáveis. Prezado aluno! No site da ABIN, você encontra importantes informações sobre as atividades de inteligência da Secretaria de Segurança Pública. Há também a Revista Brasileira de Inteligência, trazendo artigos interessantes de conceituados pesquisadores e cientistas brasileiros! Veja: https://www.gov.br/abin/pt-br/centrais-de- conteudo/revista-brasileira-de-inteligencia. 150 SEGurANÇA PÚBLiCA 4.1 A TECNOLOGIA EM PROL DA SEGURANÇA PÚBLICA Quando se entende a tecnologia e sua utilização na área de segurança, percebemos que o seu motivo maior é a prevenção. Câmeras de segurança espalhadas enfocam a atitude preventiva contra a criminalidade, que justifi cam a quebra do ditado famoso que diz: “a ocasião faz o ladrão”. Para prevenir, a Polícia Comunitária encontra na tecnologia um poderoso parceiro. E não é para menos, como você percebeu ao analisar as situações em que o policiamento orientado pela inteligência são adotadas, são necessárias tecnologias diversas que facilitam a interação entre os agentes em busca da prevenção. Como seria evidente desde o início da era tecnológica, a cada dia que passa estamos cada vez mais munidos de aparatos tecnológicos diversos. Veja que, nos EUA, um dos primeiros auxiliares nesse aspecto que fi zeram sucesso foi o drone. Várias ações contra o tráfi co de drogas nos últimos anos foram realizadas em fazendas e em fronteiras, auxiliando a segurança pública na identifi cação do crime. A discussão a respeito do uso de drones nos leva ao direito de privacidade, gerando confl itos. Com os drones, ainda há a possibilidade de buscas em territórios particulares que não possuam um mandado judicial para tal ação. Entretanto, são discussões que devem ser realizadas para o completo uso da tecnologia na defesa do cidadão, mas preservando seus direitos. FIGURA 4 – OS DRONES POLICIAIS FONTE: <https://img.ibxk.com.br/2017/03/21/21134224858126. jpg>. Acesso em: 25 jun. 2021. 151 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Veja o exemplo, na prática, do uso da tecnologia na segurança utilizada pela segurança pública do Estado do Ceará: Ferramenta que mapeia manchas criminais encorpa rol de tecnologias da Segurança Pública no Ceará A “Era da Tecnologia” na Segurança Pública do Ceará começou em 2017, com Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia) O futuro da Segurança Pública no Ceará também passa pela tecnologia. O último lançamento da Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), com o intuito de sufocar o crime organizado e melhorar os índices de violência, foi o Sistema Tecnológico para Acompanhamento de Unidades de Segurança (STATUS). A ferramenta passou a encorpar o rol de tecnologias da Segurança Pública no início deste mês de fevereiro.Policiais civis e militares ainda passam por treinamento, mas o aplicativo já está em uso. A tecnologia foi desenvolvida no projeto Inteligência Científi ca e Tecnológica Aplicada à Segurança Pública, que é parte do Programa Cientista Chefe, fomentado pela Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científi co e Tecnológico (FUNCAP), em parceria com a Superintendência de Pesquisa e Estratégia de Segurança Pública (SUPESP), da SSPDS. O secretário da Segurança Pública do Ceará, Sandro Caron, explica que a ferramenta Status “permite aos dirigentes da Polícia Civil e da Polícia Militar terem, em tempo real, as chamadas manchas criminais. Ou seja, são apontados os locais que há maior incidência de crimes graves no Estado, chamados microterritórios, já com a indicação de dias e horários que costumam ocorrer. Para que, com base nesses dados científi cos, direcionem melhor a estrutura de policiais e equipamentos”. Segundo a SSPDS, as principais funções do Sistema consistem no uso de estatísticas qualitativas das ocorrências importadas por semana, mês e ano; uso de cenários a partir de cadastros de indicadores criminais; apresentação visual do ambiente por meio da realização das análises de mapas; e análise de estatísticas por principais tipos criminais. 152 SEGurANÇA PÚBLiCA A agilidade promovida pelo Status, com o uso de dados atualizados, tenta combater o deslocamento do crime. Especialistas em Segurança Pública já afi rmaram que a instalação de bases policiais fi xas, por exemplo, diminui a ação de uma facção criminosa naquele ponto, mas a leva para outra área. Desta vez, a tentativa é acompanhar e sufocá-la. Inovação A “Era da Tecnologia” na Segurança Pública do Ceará começou em 2017, com Sistema Policial Indicativo de Abordagem (Spia), desenvolvido em uma parceria da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da Universidade Federal do Ceará (UFC) com a SSPDS. A ferramenta virou destaque nacional e atraiu o interesse do governo de outros estados e Federal, pela inovação. O Spia é uma Inteligência Artifi cial que, aplicada ao Sistema de Videomonitoramento do Estado – com mais de 3 mil câmeras – consegue realizar a leitura de placas de veículos e identifi car se um automóvel possui restrição de roubo ou furto ou se existe uma suspeita de clonagem. A ferramenta ampliou e acelerou a recuperação de veículos roubados e furtados e, consequentemente, a captura de suspeitos, no Estado. Uma das últimas ações do Spia foi a prisão de um motorista de aplicativo e outro homem por suspeita de roubar um carro modelo Chevrolet Onix, no bairro Parquelândia, no dia 2 de fevereiro último. Pouco tempo depois, o Sistema de Videomonitoramento da SSPDS localizou o veículo, e a Polícia Militar foi acionada para realizar a abordagem e a detenção da dupla. Em 2018, a SSPDS ampliou o combate à “mobilidade do crime” com o Portal do Comando Avançado (PCA), um aplicativo presente nos dispositivos móveis dos agentes de segurança, que permite a consulta do nome de suspeitos, da identifi cação facial e de placas veiculares, no banco de dados do Estado. A ferramenta permite ainda acesso ao Botão do Pânico, que pode ser acionado pela população em situações de risco iminente. Segundo a Secretaria da Segurança Pública, a tecnologia “passa por melhorias contínuas para atualização de sua funcionalidade visando aperfeiçoamento do algoritmo”. 153 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Em 2019, foi a vez do Cerebrum, um painel analítico para acesso a diversos sistemas e bases de dados de órgãos de segurança do Ceará e instituições parceiras. Por meio do cruzamento de dados, o sistema fornece informações em tempo real e facilita o processo de investigação, inteligência e tomada de decisão. De acordo com a Pasta, é possível analisar e processar milhares de dados diferentes, em um curto intervalo de tempo. No ano seguinte, a tecnologia se voltou para a atuação do Corpo de Bombeiros Militar do Ceará (CBMCE), com a criação do Sistema de Georreferenciamento Operacional (Sigo). A ferramenta permite os bombeiros militares localizarem as ocorrências de incêndio e as unidades do próprio Corpo de Bombeiros e de hidrantes próximos do sinistro. Também no ano passado, a SSPDS ampliou a utilização da Delegacia Eletrônica (Deletron) para registrar ocorrências não delituosas - como o extravio de documentos; e mais oito tipos de crimes, passando de 11 tipifi cações para 19. As medidas tiveram os objetivos de diminuir a procura da população pelas delegacias físicas e, consequentemente, evitar a propagação da Covid-19, além de otimizar o trabalho do policial civil. Questionado sobre a importância das tecnologias, Caron afi rma que “o mais importante, para ter resultado, é o fator humano. Nós termos homens e mulheres da Segurança Pública bem selecionados, capacitados, motivados e valorizados, com boas condições de trabalho. As tecnologias vêm para somar a isso”. Futuro Outras tecnologias devem ser encorpadas ao rol da Segurança Pública do Ceará nos próximos meses e anos. Pelo menos duas ferramentas estão em desenvolvimento, na parceria da SSPDS com o Programa Cientista Chefe: o ID Ceará, que pretende permitir visualizar a identidade em formato digital, em dispositivos móveis, com facilidade; e o Human Nerd, que tem o objetivo de realizar o reconhecimento automatizado de informações em Boletins de Ocorrências (BOs). “Você desenvolve uma tecnologia e, depois de um tempo, o mundo do crime acaba buscando alternativas para tentar escapar da utilização dela. Portanto, o nosso trabalho é o permanente desenvolvimento de tecnologias. Temos outras ferramentas para 154 SEGurANÇA PÚBLiCA serem lançadas e nosso trabalho é estar sempre aprimorando”, conclui Caron. FONTE: Adaptado de <https://diariodonordeste.verdesmares.com.br/ seguranca/ferramenta-que-mapeia-manchas-criminais-encorpa-rol- de-tecnologias-da-seguranca-publica-no-ceara-1.3052819>. acesso em: 25 jun. 2021. As discussões acerca do uso de tecnologias consideradas mais invasivas, como os drones, são importantes para defi nir qual a sua função na segurança pública e quando podem ser utilizados. Imaginem equipar drones com armas não letais para que possam, a partir dos comandos do controlador, combater a criminalidade. O que se discute é a segurança dos envolvidos e, nesse caso, a percepção da real situação que o agente tem quando a observa por telas que transmitem imagens captadas pelos drones. Segundo Cava (2015), isso já vem sendo utilizado no Estado norte-americano da Dakota do Norte, que teve o uso regularizado por uma lei local. A questão do mandado judicial também é infl uente, uma vez que o mandado signifi ca também a proteção do agente policial e da própria comunidade ao redor. Expedido por juiz competente, o mandado realça o olhar da segurança para aquela ação, tornando-a mais segura para os envolvidos, e impede que todo o procedimento depois de realizado seja considerado ilegal pelo processo penal, pois foi pedido pelo próprio magistrado. No Brasil, o uso dessa tecnologia é defendido pela Força Aérea Brasileira, que incentiva a discussão conjunta de entidades diversas a respeito do assunto: Com tantos atrativos e facilidades, está justifi cado o crescente número de aeronaves remotamente pilotadas. Surgiu daí a necessidade de regular o uso de forma conjunta com outros órgãos públicos. No Brasil, as primeiras discussões voltadas para regulação do uso dos drones originaram-se em 2011, após demanda do Departamento da Polícia Federal que tinha interesse em usar uma aeronave não tripulada de grande porte em suas operações (FAB, 2017, p. 1). O projeto de Lei nº 9.425, de 2017, autoriza e disciplina o uso dos Veículos Aéreos não Tripulados (VANTs), ou drones, sob o nº 167, que prevê também a habilitação dos profi ssionais para manejar o equipamento, que foi aprovado recentemente. Nele, está inseridoa possibilidade de cada Estado fazer uso ou não da tecnologia. 155 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Claro que a película de Steven Spielberg Minority Report, a nova lei, de 2002, se passa em um futuro não tão distante e utiliza alguns métodos de prevenção de crime que fomentam discussões acaloradas. Repare as tecnologias que são usadas no fi lme, estrelado por Tom Cruise: aranhas espiãs, o pré-crime, o reconhecimento da íris, os jetpacks utilizados pelos policiais para alçarem voos, os e-papéis, que se movem conforme a notícia ocorre, o colar paralisante, são todas criações da mente sagaz de Spielberg. Ou não estão tão longe assim, conforme a ciência vai evoluindo dia a dia? Já aproveitando que estamos falando do uso dos drones, imagine uma rede de satélites que pode encontrar você em qualquer lugar do mundo! Esse fato é retratado no excelente fi lme do diretor Tony Scott, de 1998, Inimigo do estado. Com atuação de Gene Hackman e Will Smith, o enredo potencializa o uso indiscriminado da tecnologia e abre uma infl uente questão: Quais os limites para o uso das parafernálias tecnológicas que devem ser impostos? Pegue a pipoca e responda à questão assistindo aos fi lmes! Existem outras possibilidades que estão sendo estudadas. Veja, por exemplo, o aparelho conhecido por Gunshot Detection System (GDS), implantado em várias cidades norte-americanas. O sistema em questão possui a característica de identifi car sons de tiros. Quando ativado, envia um sinal para os módulos policiais que tendem a realizar a patrulha no local. Esse sistema intensifi ca a ação policial, que não precisa esperar pelas informações da radiopatrulha, normalmente repassadas por reclamações de moradores locais. Então, ao agir e indicar os sons de armas de fogo em uso, indica à central policial a possível ocorrência de um crime. De fato, não estrutura na prevenção, mas cede aos agentes uma maior autonomia, pois não precisam aguardar o chamado do cidadão para vasculhar a área. Muitas vezes, motivados pelo medo da criminalidade em locais considerado de risco, não há nem mesmo o registro da ocorrência,que é realizada pelo cidadão. 156 SEGurANÇA PÚBLiCA FIGURA 5 – O GUNSHOT DETECTION SYSTEM (GDS) FONTE: <https://en.wikipedia.org/wiki/Gunfi re_locator#/media/File:Boomerang_3_ Gunfi re_Acoustic_Detection_System_MOD_45153048.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2021. De fato, devem ser consideradas as polícias em suas atividades mais essenciais. A Polícia Militar, por exemplo, em seu enfrentamento e em sua prevenção com o crime, deve estar munida de armamentos tecnológicos, que ativem a facilidade de comunicação, movimentação e controle da criminalidade in loco. Já aos Policiais Civis, que preparam e condicionam toda a persecução penal, por via de seus atos investigativos, devem ser municiados por instrumentos que efetivem essa função tão importante para a polícia judiciária. Só que de nada adianta se não existir a coesão entre os institutos policiais. É imprescindível que estejam conectados Polícia Militar e Polícia Civil para evitar qualquer situação que onere danos ao planejado. Mesmo com todas as novas possibilidades, prezado aluno, no Brasil, ainda engatinhamos no sentido de assegurarmos aos nossos agentes policiais, a inteligência das tecnologias. Um importante passo para isso, seriam programas do governo federal em comum com os governos dos estados, viabilizando a verba necessária para armar os policiais com essas novas artilharias. Desde pequenos tablets, computadores de mão e celulares, até os mais modernos auxiliadores da segurança pública na elucidação e investigação de crimes, devem ser pensados e utilizados em benefício de uma segurança modernizada e que precisa de toda ajuda possível para efetivar seus planejamentos. 157 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 7 - As tecnologias trouxeram inúmeras possibilidades, entre elas, a facilidade com a qual as investigações podem ser realizadas através de aparelhos antes inexistentes, mas também, é capaz de trazer o vilipêndio de determinados direitos da pessoa, como a privacidade. Com base no exposto, analise as sentenças a seguir: I- A tecnologia pode ser utilizada de indistintamente, quando a luta contra o crime organizado é essencial. II- Os direitos das pessoas não são feridos pelo uso indiscriminado pela tecnologia, pois a segurança de todos é um bem mais precioso que qualquer direito individual. III- Devem ser respeitados os direitos de privacidade e para a entrada de policiais em ambiente particular o mandado judicial serve também como proteção da sociedade e do policial IV- O mandado judicial signifi ca que o procedimento realizado é determinado, correto e legal. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As sentenças I e II estão corretas. b) ( ) As sentenças III e IV estão corretas. c) ( ) As sentenças II e IV estão corretas. d) ( ) As sentenças I e III estão corretas. 8 - Como vimos, o Policiamento Orientado pela Inteligência (POI) é fundamental para traçar qualquer plano na segurança pública, pois defi ne estratégias engenhosas. Sobre o exposto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) O POI não aplica pesquisas nas zonas consideradas quentes para a criminalidade, pois não age para combater, mas para prevenir. b) ( ) É uma essencialidade do POI a prevenção por intermédio do gerenciamento e fi scalização estratégica da tática que se pretende tomar. c) ( ) Para a inteligência policial, as análises estatísticas de grupos desviantes não desvendam os problemas a serem solucionados pelos policiais em suas ações. d) ( ) O POI facilita o gerenciamento de dados de crimes, mas não consegue provocar a tomada de decisões para o planejamento das atividades policiais. 158 SEGurANÇA PÚBLiCA 9 - A orientação para um plano gerencial de inteligência para implementação do POI depende de alguns passos primordiais. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A análise signifi ca o passo em que as informações podem ser utilizadas. b) ( ) Defi nir os requisitos de inteligência não se orienta na interpretação dos dados, mas da estrutura policial a ser utilizada. c) ( ) O produto de inteligência negligencia opções como a escolha das informações que precisam ser passadas aos agentes. d) ( ) Se defi ne, pela estratégia do POI, priorizar uma macrorregião para se iniciar toda a operação. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Prezado aluno! Encaramos juntos a missão de conhecer como a Segurança Pública se concretiza no Brasil. Desde o início de nossa conversa, você identifi cou os caminhos tomados historicamente pela segurança pública, antes não tão participativa assim na proteção coletiva, fato que se alterou conforme a mudança de paradigma se tornou necessária. A partir da história, você viu os primordiais passos da segurança no país, identifi cando que se tratava de uma força para a proteção do imperador, seu governo e sua elite. As capitanias hereditárias, com o passar do tempo, absorveram a questão da segurança, tomando para si a atividade de proteção de seu território. Nessa época de coronéis e grandes latifundiários – donos das terras mais propensas à riqueza, herdadas e doadas pelo trono –, o comando e controle das comunidades viventes dentro das margens das capitanias eram realizados ao mando e desmando das elites. Com o surgimento de uma restauração do Estado e os pensamentos mais iluministas de Estado Moderno e com o fi m do Império, pensava-se em uma segurança pública de todos, que fi cou apenas no papel. As difi culdades para a manutenção da ordem no próprio ambiente político nacional, cenário de antagonismos diversos mesmo entre as instituições policiais e de segurança, formou uma seguridade da paz que confi rmava apenas proteger o Estado. Nisso se encontrava, como você viu, a proteção do sistema político que vigorava então. Com o militarismo em ascensão a partirde 1964, a segurança tomou moldes ditatoriais até meados de 1985, quando uma abertura para a redemocratização no Brasil passou a ser vista como necessária, abrindo-se aí mais um novo padrão. 159 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 Esse modelo se confi rmou com a ordem democrática no país, reafi rmada pela Constituição de 1988, que realçava os direitos fundamentais e a necessária harmonia aos direitos humanos e aos tratados internacionais sobre o tema. A partir desse prisma, você viu que uma mudança de paradigma é necessária quando o vício no sistema, ou quando a crise é tão intensa, que não há mais formas de convivência saudável com o padrão em desequilíbrio. Com a constitucionalização do direito, em que todas as normas passam a ser interpretadas pelos princípios constitucionais, o paradigma, para a segurança pública somente poderia ser interpretado pelos modelos da Polícia Cidadã e da Segurança Comunitária, padronização essa que foi representada pela CF/1988. A partir de sua regulação no Brasil, realizada pelos institutos políticos, pela Secretária de Segurança Pública e pelo Ministério da Justiça e Defesa, o novo modelo passou a ser incentivado. Claro que mudanças necessárias custam e levam um tempo para serem realmente implementadas ao ponto de se tornarem parte da normalidade. Para isso, você viu que ainda há a necessidade de um maior envolvimento do poder público, principalmente nas políticas de qualidade que determinem o novo padrão. E é nesse sentido que estudamos que políticas públicas são necessárias para evitar a criminalidade e oferecer oportunidades às comunidades. Políticas de educação, inclusão social ao invés de exclusão são fomentadoras do próprio conceito de cidadania. Esse método de administrar com bases nos direitos fundamentais elencados constitucionalmente, a partir de um Estado mais dialógico e pautado pelos princípios da cidadania, é capaz de contribuir para a essencial busca da real cidadania pelo cidadão. Defi nimos, então, que as políticas públicas sociais de inclusão e integração social e política são fundamentos para a nova polícia que se deseja ter nas ruas protegendo toda a sociedade. A polícia comunitária, através do padrão da Segurança Cidadã, apresenta diferenças entre a polícia tradicional, pois entende que defesa social e todo o seu conceito deve ser defi nida como a busca pela pacifi cação em prol da convivência e da presença policial, ao invés das ações violentas e invasivas do modelo policial tradicional. Também, como você estudou, a prevenção é constituída como fonte primordial para o novo estilo policial, nesse sentido, até economicamente se percebe que não há necessidade de gastos excessivos para a implantação de programas que tem a função de evitar e precaver em detrimento de estratégias que apenas coíbem e surgem depois, somente para aparar as arestas do crime ocorrido. É dever, conforme estudamos, da Polícia Comunitária agir com veemência, se preciso, mas também deve estar preparada para interagir com os confl itos, auxiliar a sua comunidade a dirimi-los, perceber que o direito penal e toda a força de sua persecução devem ser chamados ao problema somente em último caso e se realmente necessário. 160 SEGurANÇA PÚBLiCA É aqui que o planejamento estratégico se solidifi ca na polícia comunitária. A partir dele, se consegue o essencial contato com a comunidade. O conceito de Polícia Cidadã já trouxe, em seu âmago, a convivência e a inserção do policial na comunidade que se pretende proteger. Nesse sentido, a estratégia também diz que o policial bem informado pela própria comunidade sobre as suas mazelas poderá tomar atitudes de defesa contra o crime e contra o desvio, fazendo parte dela, sendo parte da sociedade. Para que o policiamento democrático, que reconhece os direitos diversos do cidadão e que labora como ampla defensora dos direitos humanos e fundamentais, possa realizar suas atividades com maior assertividade, é preciso uma gestão que entenda e saiba administrar. Você viu que a busca pela melhor estratégia é como um jogo de xadrez, cujas peças devem ser mexidas com segurança e conhecimento. Cada peça movimentada errada ou mesmo deixada omissa no tabuleiro vai gerar alguma inconstância. Para que isso não ocorra, o planejamento precisa da segurança que somente uma gestão de qualidade pode conferir. Essa gestão, como você identifi cou, é realizada de forma centralizada, mas ainda assim, respeitando as decisões de cada local, de cada comunidade espalhada por esse país continente. Para defi nir o plano, possuir uma Estratégia de longo prazo é essencial para que o planejamento possa ser cumprido. O Plano Estratégico Situacional para ambientes sociais e comunidades é interessante no sentido de se vincular ao modelo social vivido naquele ambiente, bem como em suas mazelas mais características, que são formadoras da criminalidade. Nos dias atuais, pensar em segurança pública é entender o conjunto de ações e planos tomados utilizando-se do artifi cio da tecnologia. Nesse prisma, caro aluno, você viu que a busca por uma tecnologia interessante para a segurança pública, às vezes esbarra nos direitos das pessoas, como o direito à privacidade. Para isso, discussões, conversas entre a administração pública e a sociedade civil devem ser realizadas para defi nir o melhor para a segurança de todos. Só que segurança pública se faz também com boa vontade política. É obrigação das políticas públicas de segurança, mas, muitas vezes, a situação apolítica do país faz com que não nos preocupemos, e isso é um sinal vermelho para a sociedade, que deixa de se preocupar e de manter seu senso crítico aguçado. Isso signifi ca que devemos cobrar cada vez mais de nossos políticos, buscando fomentar e incentivar as políticas públicas de inclusão social no país e de segurança pública comunitária. O policial que está nas ruas precisa desse nosso apoio, da luta que devemos travar por todos, necessita de todo o treinamento, aparato técnico e especializado para manter sua lide diária, muitas vezes dolorosa perante as ações do crime que se organiza. Enquanto políticas 161 PLANEJAMENTO E GESTÃO: A GOVERNANÇA DA SEGURANÇA PÚBLICA Capítulo 3 públicas sociais de qualidade como educação e saúde não estiverem na agenda de discussões dos nossos governantes, haverá o abandono gradativo de todas as conquistas realizadas pela Carta Constitucional e pelas lutas travadas em prol da dignidade. REFERÊNCIAS ACKOFF, R. Planejamento empresarial. Rio de Janeiro: LTC, 1976. ADORNO, S. Lei e ordem no segundo governo FHC. Tempo Social, v. 15, n. 2, nov. 2003. BECKER, H. S. Outsiders: estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008. Disponível em: https://comunicacaoeesporte.fi les.wordpress. com/2010/10/becker-howard-s-outsiders-estudos-de-sociologia-do-desvio.pdf. Acesso em: 20 jun. 2021. BOBA, R. Crime Analysis with Crime Mapping. Thousand Oaks: SAGE Publications, 2009. BONDARUK, R. L. A prevenção do crime através do desenho urbano. Curitiba: Do Autor, 2007. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. 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