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ORGANIZADORAS CAMILLA HAGE FRANCINI IMENE DIAS IBRAHIN AUTORAS ANA CAROLINA DEL PICCHIA NOGUEIRA GONZALEZ ARIANE TREVISAN FIORI AMANDA GABI DE JESUS DIAS CAMILLA HAGE BARBARA LOMBA BUENO CAROLINA NASCIMENTO SILVA AGUIAR EDILENE LÔBO ELISABETE FERREIRA SATO FERNANDA DOS SANTOS UEDA FRANCINI IMENE DIAS IBRAHIN GABRYELLA CARDOSO DA SILVA GABRIELA SEGARRA GABRIELA SHIZUE SOARES DE ARAUJO GABRIELA VON BEAUVAIS DA SILVA GIULIANA MORRONE IARA LEMOS JACQUELINE VALADARES DA SILVA ALCKMIM LUCIANA TERRA MARCIA MARIA DA SILVA GOMES MARIANA DA SILVA FERREIRA MARIANA AQUINO MARINA GARDELIO MARILIA AUGUSTO DE OLIVEIRA PLAZA MARTHA ROCHA MAYARA DE CARVALHO SIQUEIRA MILENA SAPIENZA PATRÍCIA PACHECO RODRIGUES MACHIDA PATRÍCIA TUMA MARTINS BERTOLIN ROBERTA TOLEDO CAMPOS SAMANTHA RIBEIRO MEYER- PFLUG MARQUES THAISA NASCIMENTO ALVES UTIMIA CRISTINE PINHEIRO GONÇALVES © Orgs.: Camilla Hage, Francini Imene Dias Ibrahin EDITORA MIZUNO 2024 Revisão técnica: Orgs.: Camilla Hage, Francini Imene Dias Ibrahin Revisão de português: Eliane Chainça Nos termos da lei que resguarda os direitos autorais, é expressamente proibida a reprodução total ou parcial destes textos, inclusive a produção de apostilas, de qualquer forma ou por qualquer meio, eletrônico ou mecânico, inclu- sive através de processos xerográficos, reprográficos, de fotocópia ou gravação. 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Todos os direitos desta edição reservados à EDITORA MIZUNO Rua Benedito Zacariotto, 172 - Parque Alto das Palmeiras, Leme - SP, 13614-460 Correspondência: Av. 29 de Agosto, nº 90, Caixa Postal 501 - Centro, Leme - SP, 13610-210 Fone/Fax: (0XX19) 3554-9820 Visite nosso site: www.editoramizuno.com.br e-mail: atendimento@editoramizuno.com.br Impresso no Brasil Printed in Brazil Crimes Contra Mulheres Catalogação na publicação Elaborada por Bibliotecária Janaina Ramos – CRB-8/9166 C929 Crimes contra mulheres / Organização de Camilla Hage, Francini Imene Dias Ibrahin. – Leme-SP: Mizuno, 2024. Autores: Autoras: Ana Carolina Del Picchia Nogueira Gonzalez, Ariane Trevisan Fiori, Amanda Gabi de Jesus Dias, Camilla Hage, Barbara Lomba Bueno, Carolina Nascimento Silva Aguiar, Edilene Lôbo, Elisabete Ferreira Sato, Fernanda Dos Santos Ueda, Francini Imene Dias Ibrahin, Gabryella Cardoso da Silva, Gabriela Segarra, Gabriela Shizue Soares de Araujo, Gabriela Von Beauvais da Silva, Giuliana Morrone, Iara Lemos, Jacqueline Valadares da Silva Alckmim, Luciana Terra, Marcia Maria da Silva Gomes, Mariana da Silva Ferreira, Mariana Aquino, Marina Gardelio, Marilia Augusto de Oliveira Plaza, Martha Rocha, Mayara de Carvalho Siqueira, Milena Sapienza, Patrícia Pacheco Rodrigues Machida, Patrícia Tuma Martins Bertolin, Roberta Toledo Campos, Samantha Ribeiro Meyer- Pflug Marques, Thaisa Nascimento Alves, Utimia Cristine Pinheiro Gonçalves. 288 p.; 16 X 23 cm ISBN 978-65-5526-818-8 1. Violência contra as mulheres. I. Hage, Camilla (Organizadora). II. Ibrahin, Francini Imene Dias (Organizadora). III. Título. CDD 362.8292 Índice para catálogo sistemático I. Violência contra as mulheres PREFÁCIO Simone Schreiber1 Elas por elas O meu despertar para a relevância da pauta de igualdade de gênero foi tardio. Vivendo em um país tão desigual como o Brasil, eu não considerava as demandas feministas prioritárias, talvez por perceber o mundo a partir da minha perspectiva pessoal, da minha experiência de vida. Sou mulher branca, cisgênera, mãe, professora, juíza, nunca deixei de realizar meus projetos pessoais e profissionais pelo fato de ser mulher, sequer percebia que a discri- minação pelo gênero fosse uma questão tão relevante no sistema de justiça. E não me enxergava como vítima de machismo estrutural, embora hoje perceba quantas vezes naturalizei e minimizei violências de gênero que sofri na minha trajetória pessoal e profissional. Creio que a mudança de perspectiva veio para muitos e muitas de nós com o amadurecimento da democracia brasileira. Aos trancos e barrancos, muitas vezes por um fio, e aparentemente ainda tão vulnerável e imperfeita, nossa jovem democracia avança devagar. Muitas mulheres da nova geração, nascidas e formadas já em ambiente democrático, se debruçam sobre o tema e têm muito a dizer. É nesse processo que os estudos sobre o machismo estru- tural na sociedade brasileira avançam. E aqui se insere a presente obra. Trata-se de uma obra escrita exclusivamente por mulheres que atuam no sistema de justiça e, a partir de sua praxis, analisam a violência estrutural contra mulheres no Brasil. Os textos agregam análises teóricas consistentes e perspectivas práticas. Todos produzidos por mulheres que estão literal- mente nas trincheiras, atuando dentro de um sistema ainda majoritariamente masculino, lidando com o arcabouço normativo vigente no Brasil e avaliando sua suficiência ou insuficiência no desafio diário da concretização da proteção das mulheres vítimas de crimes de gênero. 1 Simone Schreiber. Professora Associada da Escola de Ciências Jurídicas da UNIRIO. Desembar- gadora Federal do TRF2. Doutora em Direito pela UERJ. 6 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres A cuidadosa seleção de temas proporciona ao leitor a reflexão sobre as mais variadas manifestações de violência de gênero no Brasil, tais como a violência sexual, psicológica, obstétrica, física, financeira, política, no âmbito das relações de trabalho e nos espaços religiosos. De outra perspectiva, têm-se diagnósticos sobre como o Estado deve atuar na prevenção e repressão a tais crimes, trazendo-se a experiência das delegacias de mulheres, técnicas de justiça restaurativa, imposição de medidas restritivas, necessidade de previsão de novos tipos penais, revitimização processual, enfim, todos temas relevantís- simos para formar e qualificar pessoas que pensam o Direito numa perspectiva anti-machista e, a partir daí, atuam para transformar o sistema de justiça. Passemos à breve apresentação dos artigos. Gabryella Cardoso da Silva e Patrícia Tuma Marins Bertolin analisam a violência psicológica de gênero, desenvolvida de forma sutil, silenciosa e progressiva, muitas vezes difícil de ser identificada pela própria vítima. A Lei 14188/21 tipificou a violência psicológica contra a mulher, contudo ressaltam as autoras que a criminalização por si só não tem competência de erradicar nenhuma conduta, propondo algumas chaves para se enfrentar a questão, a partir da criminologia feminista. A Juíza Militar da União, Mariana Aquino, fala sobre o crime de assédio sexual que, após o advento da Lei 13491/17, deve ser considerado crime militar extravagante, quando cometido por militar em serviço, nas hipóteses do art. 9º do Código Penal Militar. A autora ressalta a vulnerabilidade da vítima no ambiente militar e discorre sobre a necessidade de a Justiça Militar adotar o Protocolo de julgamento com perspectiva de gênero, editado pelo CNJ, bem como a premência de se conferir especial peso à palavra da vítima nesses casos. Francini Imene Dias Ibrahin faz um levantamento completo e neces- sário sobre a jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos, apresentando casos paradigmáticos da Corte em que se identificou violência estrutural contra mulheres, inclusive abordando o caso Márcia Barbosa e outros v. Brasil. Aponta nesses precedentes a determinação de que os Estados membros adotem a perspectiva de gênero na investigação e na condução de processos envolvendo violência contra mulheres, devendo se partirda premissa de que o cenário de violência estrutural contra mulheres recomenda medidas para superar a discriminação de gênero e proporcionar proteção efetiva a seus direitos fundamentais. E conclui, acertadamente: “Não investigar com a perspectiva de gênero constitui violência contra as mulheres e uma forma de discriminação no acesso à justiça por razões de gênero”. Mariana da Silva Ferreira é médica legista e trabalha em perícias forense. Seu texto pontua que o silenciamento das mulheres vítimas e o fato de os crimes sexuais contra mulheres ocorrerem, na maior parte das vezes, em ambiente privado, leva não só à subnotificação quanto à dificuldade de fiel determinação dos fatos. É fundamental, assim, que se invista em prova técnica 7 PREFÁCIO e na qualificação dos profissionais que prestam atendimento às vítimas, apre- sentando as especificidades da perícia sexológica e a necessidade de se adotar a perspectiva de gênero nessa área da perícia forense. As Delegacias de Defesa da Mulher criadas no Estado de São Paulo de forma pioneira, e replicadas por todo o país, são objeto de dois artigos. O primeiro, escrito por Camilla Hage, e o segundo, por Samantha Marques e Patrícia Machida. É fato que apenas a previsão de novos tipos penais e o incremento das penas não se traduz em efetiva proteção às mulheres vítimas. É fundamental a adoção de políticas públicas eficientes, o que não se esgota apenas em alocação de recursos públicos, mas principalmente em identifi- cação dos problemas enfrentados no primeiro atendimento, qualificação de profissionais e, principalmente, compreensão de que os profissionais envol- vidos devem agir sob a perspectiva de gênero. Atendimento rápido on-line, inclusive 24 horas, que foi desenvolvido durante a pandemia da COVID-19, cuidados especiais com a revitimização, acolhimento às mulheres muitas vezes vitimadas em ambiente familiar, enfim, todos esses aspectos estão muito bem analisados nos textos ora em comento. O importantíssimo tema das mulheres encarceradas é trazido em artigo lapidar produzido por Gabriela Segarra. A autora demonstra de que modo o machismo estrutural impacta o sistema prisional e marca a condição das mulheres em situação de encarceramento. A partir de sua experiência como delegada de polícia, Gabriela relata entrevistas com essas mulheres, narrando o drama de mulheres criminalizadas porque fornecem entorpecentes a seus companheiros no presídio, e o seu abandono quando são presas. Importante e sensível texto que joga luz sobre o machismo estrutural no sistema prisional brasileiro. E por falar em mulheres invisibilizadas, é de se ler o texto da Juíza Marilia Augusto de Oliveira Plaza, que se debruça sobre a proteção jurídica das mulheres transgêneras. Marília trata das violências praticadas contra essas mulheres, analisando as Resoluções adotadas pelo CNJ sobre o tratamento que devem receber no sistema de justiça, inclusive com protocolos específicos para a população prisional, bem como faz um apanhado dos principais prece- dentes do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça que reforçam a proteção jurídica das mulheres trans. O crime de descumprimento de medidas protetivas de urgência é anali- sado no texto de Ana Carolina Gonzalez. De fato, não é usual na legislação brasileira a criminalização da conduta de descumprir medidas protetivas menos gravosas. A autora demonstra que tal tipificação reforça a proteção à mulher em risco, já que o comportamento dos agressores em contexto de violência doméstica normalmente se caracteriza pela escalada da violência. Sustenta, a autora, que o crime em questão, apesar de ter ensejado algumas controvérsias sobre sua aplicação, como, por exemplo, nas hipóteses em 8 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres que a vítima consente com o regresso do agressor ao lar conjugal, fortalece sobremaneira a proteção da vítima de violência doméstica, conferindo novos instrumentos para o encarceramento preventivo do agente. Roberta Toledo Campos apresenta um texto denso em que utiliza cate- gorias da psicanálise para explicar as causas da violência de gênero no Brasil. A autora inicialmente analisa a cultura patriarcal que persiste no Brasil demo- crático, apontando sua origem no colonialismo europeu. A partir da tensão entre o sexo como critério de dominação e o movimento de emancipação que decorre do direito democrático, faz uma provocação: “o aumento da violência não seria em verdade uma reação contra o fato de as mulheres estarem saindo da posição de objeto e buscando a de sujeitos de direitos”? Nessa disputa entre a normatividade democrática e as práticas arraigadas de opressão, Roberta afirma que “os corpos na democracia podem falar e produzir um saber sobre eles mesmos fora da heteronormatividade patriarcal-colonial”. Ao final, faz uma bela conclamação, fechando com Emicida: “a democracia brasileira não compactua com um regime de poder hetero-patriarcal e colonial. Não como vítimas historicamente submetidas à dominação, à colonização, mas a partir da condição de sujeito democraticamente constituído, queremos o direito de fala e de ser-no-mundo, não com as nossas cicatrizes, ‘pois dizer que essas mazelas me definem é o pior dos crimes, é dar o troféu ao nosso algoz e fazer nós sumir’”. Belíssimo texto. Com as Delegadas de Polícia, Jacqueline Valadares da Silva Alckmim e Marcia Maria da Silva Gomes, volta-se a pontuar a relevância de medidas de atendimento e de prevenção aos crimes de gênero, para além da crimi- nalização. O crime de importunação sexual foi introduzido no Código Penal, em 2018. As autoras destacam a importância de leis do Estado de São Paulo para a efetiva proteção das mulheres. A Lei estadual 17621/23 obriga bares, restaurantes, casas noturnas e de eventos a adotarem medidas para auxiliar as mulheres em situação de risco, nas dependências de tais estabelecimentos. Já a Lei n° 17.635/2023 prevê a capacitação dos funcionários dos referidos locais, de maneira a habilitá-los a identificar e combater o assédio sexual e a cultura de estupro praticados contra a mulher que ali trabalha ou frequenta. Mencionam, ainda, as autoras algumas iniciativas do poder público, bem como de empresas, com o intuito de propiciar um ambiente mais seguro para as mulheres que estejam em situação de risco. A violência de gênero na política é o tema escolhido por Gabriela Shizue de Araujo e Marina Gardelio e também pela Ministra Edilene Lôbo. Gabriela e Marina iniciam seu texto ressaltando que o estudo sobre violência política de gênero deve levar em consideração que, historicamente, houve um sequestro dos direitos políticos das mulheres, as quais eram confi- nadas à esfera privada e doméstica, com maior gravidade para as mulheres negras e indígenas, escravizadas. O artigo narra oito episódios de violência de política de gênero, perpetrada por parlamentares homens contra parlamen- 9 PREFÁCIO tares mulheres, desqualificando-as em suas intervenções no próprio exercício do mandato legislativo. Um ambiente que deveria ser democrático por exce- lência, já que o debate político parlamentar é o exercício da democracia repre- sentativa em sua essência, não está imune evidentemente à violência de gênero que permeia todas as relações sociais brasileiras. A violência tem o condão de afastar as mulheres do espaço da política, o que por si obsta o avanço das lutas feministas. Tema fundamental muito bem trabalhado pelas autoras. Em seu artigo, a Ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral, Edilene Lôbo, registra que o art. 326-B do Código Eleitoral tipifica, desde 2021, o crime de violência política contra a mulher. Edilene ensina que “o bem jurí- dico em proteção é a livre participação das mulheres nos espaços políticos, de forma que possam adentrar às casas parlamentares e às chefias do Executivo, exercendo seus mandatos libertas de barreiras discriminatórias, contribuindo para a construçãoda sociedade livre, justa e solidária marcada como objetivo da República pela Constituição cidadã, que acaba de completar 35 anos”. A partir daí sustenta que a prática comum de fraude à cota de gênero em eleições pode configurar violência política contra a mulher, cuja candidatura fraudulenta é inscrita para satisfazer a exigência da participação mínima femi- nina nos pleitos eleitorais. A mulher candidata é submetida, muitas vezes, “a discriminação, menosprezo, sedução ou constrangimento”, o que pode confi- gurar o crime eleitoral acima referido. Sustenta ainda que a aporofobia e o racismo são comportamentos que agravam ainda mais a violência de gênero. Esse tema é relevantíssimo, pois a ocupação de espaços de poder é uma das mais importantes medidas para o enfrentamento da violência de gênero em todas as suas facetas. A violência de gênero em espaços religiosos é objeto de estudo da jornalista Iara Lemos (que contribui também com outro texto no livro, em coautoria). Em artigo contundente, a autora nos relata casos de meninas estupradas em ambientes religiosos, apontando de que forma as próprias narrativas bíblicas contribuem para a perpetuação de estruturas de opressão às mulheres. O Vaticano prossegue indulgente com os abusos cometidos, já que não adota políticas institucionais para enfrentamento do problema, agindo apenas pontualmente, quando provocado pelas vítimas. O artigo me remeteu à edição da Lei 14786/23, que estabelece o protocolo “não é não” para prevenção ao constrangimento e à violência contra a mulher, mas expres- samente exclui de sua aplicação “cultos e eventos realizados em locais de natureza religiosa”. Tal exclusão causa perplexidade, mas Iara nos dá algumas chaves para compreender o porquê disso. O próximo texto discorre sobre a violência financeira contra a mulher, demonstrando que a dependência financeira e emocional são fatores cruciais que frequentemente mantêm mulheres presas a relacionamentos abusivos e conflituosos. A autora, Carolina Nascimento Silva Aguiar, explica que as vítimas muitas vezes desconhecem estar sendo submetidas a essa modalidade de 10 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres violência, mas reportam situações de falta de compromisso dos homens com o sustento familiar, apropriação indevida e controle dos recursos financeiros da mulher, destruição de bens afetivos e materiais etc. Carolina observa que condutas que caracterizam a violência patrimonial são relatadas muito comu- mente, o que aponta para a necessidade de enfrentamento, dada a situação de vulnerabilidade da mulher que não possui independência financeira e a dificuldade de denunciar e romper com tal realidade. A seguir, a obra traz dois importantes artigos sobre a situação de desa- parecimento da vítima no contexto do feminicídio. No primeiro, a Deputada Martha Rocha discorre sobre a relação entre registros de desaparecimento de mulheres que em verdade foram assassinadas, demonstrando que há muitos casos em que o próprio perpetrador oculta o cadáver e reporta o desapareci- mento. Nesse contexto, a autora defende a importância de treinamento dos policiais das delegacias de proteção à mulher para dar encaminhamento célere e adequado aos casos de desaparecimento, a fim de identificar situações de ocultação de cadáver da mulher vítima de feminicídio. O texto seguinte, de Elisabete Ferreira Sato e Fernanda dos Santos Ueda, complementa o primeiro, e confirma o diagnóstico, fazendo o estudo de um impressionante caso em que um homem mata a companheira com extrema brutalidade e esconde o cadáver dentro de uma parede da própria casa. Após, vai à delegacia e registra seu desaparecimento. Há assim um “vínculo invisível entre desaparecimento e feminicídio” que deve ser bem compreendido e tratado pelos órgãos incum- bidos da persecução penal. A possibilidade de adoção de práticas de justiça restaurativa na prevenção e enfrentamento de violências estruturais de gênero é tema dos artigos de Mayara de Carvalho Siqueira e também de texto escrito em coau- toria por Ariane Trevisan Fiori e Amanda Gabi de Jesus Dias. Propõe-se uma reflexão sobre como utilizar-se de práticas restaurativas que não produzam ou fomentem violências estruturais. Mayara faz uma análise crítica da Resolução 225/16 do CNJ. Aduz que, nos casos de violência doméstica, a obrigatoriedade de juntar quem cometeu o crime e quem está sofrendo os danos pode contri- buir fortemente para a revitimização. Ariane e Amanda sustentam o uso da justiça restaurativa especialmente em situações de violência psicológica no seio familiar, possibilitando uma prevenção da escalada de violência nesse ambiente. Em ambos os textos é muito bem-vindo o esforço das pesquisa- doras em pensar na construção de práticas restaurativas que possam contri- buir para a proteção às mulheres vítimas de violência. Utimia Cristine Pinheiro Gonçalves escreve sobre a medida protetiva de urgência, que obriga os homens agressores a frequentar programas de recu- peração e reeducação e acompanhamento psicossocial, por meio de atendi- mento individual e/ou em grupo de apoio, medida que foi introduzida na Lei Maria da Penha pela Lei 13984/20. Ressalta que a adoção de tal medida pode ser bastante frutífera em situações nas quais o agressor volta a conviver com 11 PREFÁCIO a vítima, o que ocorre com bastante frequência, não podendo o Direito deixar de considerar esse dado da realidade. Nesse sentido, ressalta que “o ensino de práticas e condutas ‘antimachistas’ pode quebrar padrões estereotipados estabelecidos em nossa sociedade patriarcal e interromper o ciclo de violência doméstica e familiar contra a mulher”. Milena Sapienza se debruça sobre a evolução jurídica da proteção das mulheres no Brasil. Analisa todo o arcabouço legislativo pertinente ao tema, com tônica para a Lei Maria da Penha, abordando sua estrutura e controvér- sias sobre sua interpretação. Relaciona ainda as diversas leis que surgiram posteriormente, fazendo um apanhado geral da legislação pertinente que se mostra bastante útil para quem estuda a violência de gênero no Brasil. O artigo produzido por Gabriela Von Beauvais da Silva e Thaisa Nasci- mento Alves é bastante instigante. Em “Qual defesa tem a palavra”, as autoras analisam a estratégia de defesa adotada pelo advogado Evandro Lins e Silva no caso Doca Street, condenado pelo feminicídio de Ângela Diniz, demonstrando como determinados estereótipos de gênero são replicados na linha de defesa, calcada na tese da “legítima defesa da honra”. A concepção de que o público e o privado são esferas estanques alimenta a ideia de que a violência havida entre o casal não diz respeito ao público. Contudo, ressaltam as autoras que “o pessoal é político e que o que acontece na vida sexual, particularmente nas relações entre os sexos, não é imune em relação à dinâmica do poder”. O tema é relevantíssimo, já que hoje há vedação expressa da utilização de tais catego- rias na defesa criminal de homens acusados de feminicídio, o que aponta para o compromisso da preservação da pessoa da vítima, de modo a não perpetuar a violência de gênero. Excelente texto. O tema escolhido pela Delegada de Polícia, Barbara Lomba Bueno, é a violência obstétrica, que define como “apropriação do corpo e dos processos reprodutivos das mulheres pelo pessoal de saúde, que se expressa como tratamento desumanizado, abuso de medicação e na conversão dos processos naturais em processos patológicos, trazendo perda de autonomia e capaci- dade de decidir livremente sobre seus corpos e sexualidade, impactando negativamente na qualidade de vida das mulheres”. A violência obstétrica não é criminalizada como tipo autônomo, no entanto, a autora sustenta que a tipificação da violência psicológica contra a mulher, introduzida em 2021, possibilitou uma adequação típica mais próxima de práticas adotadas no contexto dessa modalidade de violência de gênero. Discorre sobre como deve ser feitoo atendimento das vítimas nas delegacias especializadas, adotando- -se a perspectiva de gênero no acolhimento e na apuração dos fatos. Artigo fundamental, principalmente se consideramos o especial momento de fragi- lidade de mulheres gestantes e parturientes, o que reforça a relevância da atuação qualificada dos agentes do Estado no atendimento das vítimas. Por que mulheres reproduzem vieses e práticas masculinas de compe- tição corporativa no mercado de trabalho e muitas vezes reproduzem a 12 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres violência de gênero? Nesse texto, escrito pelas jornalistas Giuliana Morrone e Iara Lemos, as autoras analisam os obstáculos enfrentados pelas mulheres no mundo corporativo, “obstáculos invisíveis, ainda pouco questionados e profundamente impregnados na cultura das organizações do setor público e do privado”. Embora haja avanços legislativos na defesa dos direitos das mulheres, a ascensão de partidos conservadores na política compromete conquistas efetivas. O texto faz um diagnóstico de tal realidade profunda- mente arraigada, chamando à reflexão sobre o que fazer para romper com esse modelo e avançar. A por fim, o especial artigo de Luciana Terra sobre os ataques proces- suais às vítimas, e a revitimização. A autora cita o caso Mariana Ferrer, que foi profundamente destratada e silenciada em uma audiência criminal na qual figurava como vítima de crime de estupro. É certo que o machismo estrutural permeia o sistema de justiça, e, como a maior parte dos atores, dentre poli- ciais, serventuários, promotores, defensores e juízes, são homens, a questão do tratamento digno e a da não revitimização das mulheres vítimas toma especial importância, como bem dispõe a autora desse belo texto. Para fechar, quero dizer que fui convidada a escrever esse prefácio por minha ex-aluna de graduação da UNIRIO, Camilla Hage, uma das organiza- doras dessa obra. A leitura dos textos me fez aprender muito sobre questões atuais que devem ser urgentemente enfrentadas na prevenção e repressão aos crimes cometidos contra mulheres no Brasil. Esse aprendizado é o que dá sentido ao ofício de professora. De fato, o ato de ensinar está completamente imbrincado com o de aprender, estabelecendo-se um círculo virtuoso de troca de ideias no ambiente de aprendizagem entre o professor, seus alunos e ex-alunos ao longo da vida. Por isso, só posso agradecer ao gentil convite de Camilla. Os sólidos trabalhos acadêmicos desenvolvidos por essas mulheres coletivamente é uma importante contribuição na construção de uma socie- dade verdadeiramente democrática, justa, igualitária e não violenta. Todas estão de parabéns. Desejo uma ótima leitura a todas, todos e todes! APRESENTAÇÃO Valéria Scarance1 Com muita alegria recebi o convite de Francini Ibrahin e Camilla Hage para apresentar esta importante obra escrita apenas por mulheres que se destacam em várias áreas de atuação e com seu conhecimento trazem aspectos fundamentais para a conscientização e enfrentamento à violência contra a mulher. O Brasil é um país perigoso para mulheres e a única forma de se alterar essa realidade é trazendo a luz do conhecimento para as trevas da ignorância e preconceito que ainda marcam nossas vidas. Apesar dos grandes avanços trazidos pela Lei Maria da Penha e legis- lação subsequente, as mulheres vivem diariamente o medo e preconceito. Estatísticas apontam que 95% das mulheres no Brasil temem serem estu- pradas e 80%2 têm muito medo, com predominância para jovens e negras. A casa é o lugar mais perigoso para mulheres e meninas, onde acon- tecem as principais e mais severas violações. A pesquisa Raio X do Feminicídio em São Paulo revelou que 66% dos feminicídios aconteceram dentro de casa3 . Não é só nas casas que as mulheres são atacadas, mas em todos os espaços públicos e privados, como no sistema de transporte, no local de trabalho, durante o parto, nas universidades, no ambiente político e nos 1 Palestrante Nacional e Internacional. Finalista do Prêmio VIVA na categoria EDUCAÇÃO. Finalista do Prêmio INSPIRADORAS na categoria JUSTIÇA para MULHERES. Autora da Cartilha Namoro Legal e da Pesquisa Raio X do Feminicídio. Autora de livros, pesquisas e artigos. Especialista em Vitimologia pela Inter-University Centre (IUC), Dubrovnik. Mestre e Doutora em Processo Penal pela PUC-SP. Professora da PUC-SP desde 1997. Em 2013, representou o Brasil junto à ONU em Bangkok, ocasião em que se aprovou um Manual para Atuação em Processos de Violência contra Mulheres. Em 2014, foi convidada pelo Departamento de Estado dos Estados Unidos para participar do programa de intercâmbio Combating Domestic Violence. Pesquisadora da temática de Gênero, Violência contra Mulheres e Feminicídio. Promotora de Justiça do Ministério Público de São Paulo especializada em violência contra a mulher. 1ª Secretária Executiva do Grupo de Atuação Especial de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar (GEVID). 1ª Coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público. 3ª Coordenadora Nacional da COPEVID-GNPG/GNDH. 2 INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO; INSTITUTO LOMOCOTIVA. Percepções sobre direito ao aborto em caso de estupro. Disponível em: https://assets-institucional-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2022/03/ IPatriciGalvao_LocomotivaPesquisaDireitoobortoemCasodeEstuproMarco2022.pdf. Acesso em: 14 abr. 2024. 3 SCARANCE FERNANDES, Valéria Diez (Coord). Raio X do Feminicídio em São Paulo. Disponível em: https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/RaioXFemini- cidioC.PDF. Acesso em 14 abr. 2024. https://assets-institucional-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2022/03/IPatriciGalvao_LocomotivaPesquisaDireitoobortoemCasodeEstuproMarco2022.pdf https://assets-institucional-ipg.sfo2.digitaloceanspaces.com/2022/03/IPatriciGalvao_LocomotivaPesquisaDireitoobortoemCasodeEstuproMarco2022.pdf https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/RaioXFeminicidioC.PDF https://www.mpsp.mp.br/portal/page/portal/Nucleo_de_Genero/Feminicidio/RaioXFeminicidioC.PDF corredores dos fóruns. Todas as mulheres, sem exceção, vivenciaram ou vivenciam situações de silenciamento pelas das mãos do patriarcado. Michele Obama descreve em seu livro autobiográfico que, quando entrou para a vida pública, foi “considerada a mulher mais poderosa do mundo e apontada como uma mulher negra raivosa” (Minha História, p. 14)4. Na mesma medida em que a violência acontece, existe a dificuldade de enfrentá-la. Agressores têm o perfil de bons cidadãos, gozam de credibili- dade pública e normalmente conseguem convencer as pessoas ao seu redor. Muitas vezes, escolhem suas vítimas, aproveitando-se da hierarquia social que os coloca em espaços de poder e decisão. Na violência doméstica, as paredes do lar mantêm o silêncio guardado da presença de testemunhas. Na violência social, as paredes do preconceito mantêm as violências silenciadas. Mulheres silenciam por vários motivos e muitas vezes se retratam, por não suportarem a reação que advém imediatamente após a notícia de um crime. São julgadas, destratadas, isoladas, desacreditadas nos seus círculos familiares, sociais e também pelo Sistema de Justiça. Preconceitos, estereótipos e falta de conhecimento se unem para desautorizar a palavra da vítima. Muitos estereótipos marcam a investigação, produção e avaliação das provas quando uma mulher rompe o silêncio e noticia a violência. Apesar de avanços como a Lei Mari Ferrer, há um julgamento de honra oculto nos processos, que se manifesta sutilmente na forma como algumas mulheres são tratadas por autoridades ou retratadas nos processos. No Caso Márcia Barbosa e Outros V. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos reconheceu que a violência contra mulheres no Brasil é “um problema estrutural e generalizado”, marcado por uma visão estereoti- pada da vítima (CORTE IDH, 2021)5. É nesse contexto que o presente livro ganha importância, em especial, porquecontempla mulheres em seu lugar de fala como profissionais e pessoas. Com uma abordagem multidisciplinar, a obra apresenta aspectos penais, de direitos humanos e de direito processual, além de contemplar o estudo de gênero sob vários enfoques, e alternativas jurídicas para o enfren- tamento à violência. A principal arma de enfrentamento à violência contra a mulher é a informação, única capaz de transformar pessoas e a nossa realidade. Como a célebre frase de Paulo Freire: “educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo”. 4 OBAMA, Michele. Minha história. Rio de Janeiro: Objetiva, 2018, p.14. 5 A respeito, ver o capítulo A PERSPECTIVA DE GÊNERO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, de Francini Imene Dias Ibrahin, constante desta obra. SOBRE AS AUTORAS ANA CAROLINA DEL PICCHIA NOGUEIRA GONZALEZ Mestre em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora de artigos e livros jurídicos. Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. ARIANE TREVISAN FIORI Doutora em Direito, Mestre em Direito Público. Advogada, Mediadora e Professora do PPGD da Universidade Estácio de Sá e da Escola da Magistra- tura do Estado do Rio de Janeiro. Autora de livros e artigos jurídicos. AMANDA GABI DE JESUS DIAS Mestranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Pós-graduada em Criminologia pela Universidade Estácio de Sá. Membro do Observatório de Justiça Restaurativa. CAMILLA HAGE Mestranda em Direito pela Unesa. Especialista em Direito Público pela UGF. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela UGF. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Atuou como pesqui- sadora discente do Observatório de Justiça Restaurativa. Exerceu os cargos de Assessora Jurídica Parlamentar, Analista Jurídica do INPI e Defensora Pública no Rio Grande do Sul. Delegada de Polícia, com atuação na Casa da Mulher Brasileira e atualmente na Delegacia de Defesa da Mulher Online, em São Paulo. Organizadora e autora de obras jurídicas. BARBARA LOMBA BUENO Delegada de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro. Titular da Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher de Niterói - DEAM-Niterói. CAROLINA NASCIMENTO SILVA AGUIAR Delegada de Polícia Civil no Estado de São Paulo. Professora concursada de Legislação Penal Especial na Academia de Polícia Civil de São Paulo Doutor Coriolano Nogueira Cobra. Professora credenciada da Academia de Polícia Militar do Barro Branco (APMBB). Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo. Pós-graduada em Direito Público. Pós- -graduada em Segurança Pública e Direitos Humanos. Pós-graduada em Atendimento a Crianças e Adolescentes Vítimas ou Testemunhas de Violência. Palestrante. Escritora. EDILENE LÔBO Doutora em Processo Civil. Mestra em Direito Administrativo. Especialista em processo penal. Acadêmica brasileira com estágio pós doutoral em novas tecnologias e instituições de garantias. Advogada. Ministra substituta do Tribunal Superior Eleitoral. ELISABETE FERREIRA SATO Bacharel em Direito pela Faculdades Integradas de Guarulhos (1987). Atuou como Delegada Geral Adjunta da Polícia Civil do Estado de São Paulo - DGPAD e Diretora do Departamento de Homicídios e Proteção a Pessoas - DHPP. Delegada Divisionária da Assistência Policial da ACADEPOL e Coordenadora do Centro de Direitos Humanos. Professora concursada da Academia de Polícia Coriolano Nogueira Cobra do Estado de São Paulo. Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. FERNANDA DOS SANTOS UEDA Doutora e Mestra em Educação, na Linha do Cotidiano Escolar, pela Univer- sidade de Sorocaba (UNISO). Bacharel em Direito na Instituição Toledo de Ensino de Bauru (ITE). Coordenadora do Centro de Estudos Superiores da Polícia Civil – CESPC e Professora concursada da Academia de Polícia Corio- lano Nogueira Cobra do Estado de São Paulo. Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. FRANCINI IMENE DIAS IBRAHIN Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUC/SP. Mestra em Direito Ambiental e Políticas Públicas pela Universidade Federal do Amapá – AP. Especialista em Direito Administrativo pela PUC/SP. Pós- -graduada em Direitos Humanos pelo CEI. Pós-graduada em Inteligência Policial e Segurança Pública pela ESDP/FCA. Autora, coautora e coordenadora de obras jurídicas. Delegada de Polícia no Estado de São Paulo. Instagram: @franciniidi GABRYELLA CARDOSO DA SILVA Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbite- riana Mackenzie (UPM), Mestre em Direito pelo Centro Universitário - UniFG. Pesquisadora discente no grupo de pesquisa Garantismo e Constituciona- lismo Popular (Universidade La Salle/RS) e dos Grupos de Pesquisa: Segurança Pública e Cidadania; e Mulher, Cidadania e Direitos Humanos, vinculados à UPM. Membra do Projeto de Extensão “(Re)Existências”, parte do Programa de Reinserção Social de Egressos do Sistema Carcerário por meio do Ensino Superior, da UPM. E-mail: gabryellaadv@outlook.com GABRIELA SEGARRA Mestre em Ciências Jurídico-Criminais pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Criminologia pela Pontifícia Universidade Católica – PUC. Especialista em Direito Penal Econômico e Europeu pela Universidade de Coimbra – Portugal. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Autora de livros e artigos científicos. Delegada de Polícia do Estado de São Paulo. GABRIELA SHIZUE SOARES DE ARAUJO Doutora e Mestra em Direito Constitucional pela PUC/SP. Especialista em Justiça Constitucional e Tutela Jurisdicional dos Direitos pela Universitá di Pisa (Italia). Professora de Direito Constitucional na PUC/SP. Advogada. GABRIELA VON BEAUVAIS DA SILVA Delegada de Polícia graduada em Direito pela Universidade Gama Filho (UGF), mestranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ). Diretora do Departamento Geral de Polícia de Atendimento à Mulher, coordenando as Delegacias de Mulheres do Estado do Rio de Janeiro. GIULIANA MORRONE Jornalista, graduada pela Universidade de Brasília (UNB). Foi repórter da TV Globo por 23 anos, na editoria de política e correspondente internacional nos Estados Unidos. Morrone tem MBA em ESG MANEGEMENT, pela Escola de Negócios da PUC-RIO. Fez parte do Programa Lideranças Virtuosas e Femleaders, da Virtuous Company. É palestrante em ESG, Ética, Diversidade, Inclusão e Pertencimento. mailto:gabryellaadv@outlook.com IARA LEMOS Jornalista, formada pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Mestranda em Estudo Sobre as Mulheres - Gênero, Cidadania e Desenvolvi- mento, pela Universidade Aberta de Lisboa (UaB). Possui pós-graduação em História Política (UFSM). Indicada pelo U.S. Department of State e o Atlantic Council GeoTech Center para participar do colegiado de Inteligência Artificial da Organização para Cooperação e Desenvolvimento (OCDE). Prêmio Esso de Jornalismo e Prêmio de Direitos Humanos. Autora do livro “A Cruz Haitiana- Como a Igreja Católica usou de seu poder para esconder religiosos no Haiti”. JACQUELINE VALADARES DA SILVA ALCKMIM Formada em Direito pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO); Especialista em Direito Penal, em Processo Penal, e em Inteligência Policial. Delegada de Polícia Civil no Estado de São Paulo. Palestrante de temas relacionados à Segurança Pública e à Violência contra Grupos Vulneráveis, com ênfase em Mulheres, Crianças e Adolescentes. Docente em cursos voltados a concursos policiais e pós-graduação. Autora de obras jurídicas voltadas à Defesa da Mulher e à atuação policial, tais como: “Lei Maria da Penha - Comen- tários, artigo por artigo e estudos doutrinários”; “Combate à Violência contra a Mulher - Medidas Protetivas e Lei Maria da Penha”; “Direito Policial - Temas Atuais”;“Preparando para Concursos - Direito Civil - Carreiras Jurídicas”. Presi- dente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. MARCIA MARIA DA SILVA GOMES Advogada. Delegada de Polícia Civil aposentada no Estado de São Paulo. Especialista em Direito Penal pela Escola Superior do Ministério Público; Espe- cialista em Direito Empresarial pela Escola Paulista da Magistratura; Certified Expert in Compliance pelo Instituto ARC, Auditoria, Riscos e Compliance. Professora concursada na Academia da Polícia Civil em São Paulo nas disci- plinas de Direito Administrativo Disciplinar, Direito Penal, Ética e Gestão de Atendimento ao Público e Compliance. Vice-presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo. MARIANA DA SILVA FERREIRA Assistente Técnica da Superintendência da Polícia Técnico-Científica do Estado de São Paulo. Delegada do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo-CREMESP. Professora concursada da Academia de Polícia do Estado de São Paulo. Diretora Social e Científica da Associação de Médicos Legistas do Estado de São Paulo. Médica Legista da Equipe de Sexologia Forense do Programa Bem Me Quer por 10 anos. Título de Especialista em Medicina Legal e Perícias Médicas pela ABMLPM; Especialista em Bioética e Sexualidade Humana pela Faculdade de Medicina da USP; Especializanda em atendimento de crianças e adolescentes vítimas de violência, pela Rede Nacional de Altos Estudos em Segurança Pública. Graduada em Medicina pela Universidade de Marília-Unimar. Residência Médica em Medicina Legal e Perícias Médicas pela Faculdade de Medicina da USP. Autora de artigos científicos e livros na área médica e perícia sexológica. MARIANA AQUINO Juíza Federal da Justiça Militar da União lotada na 1ª Auditoria da 1ª Circuns- crição Judiciária Militar, no Rio de Janeiro. Ouvidora da Mulher da Justiça Militar; Ouvidora Auxiliar da Mulher para a Justiça Militar do CNJ. Vice-Presidente do Colégio de Ouvidorias Judiciais da Mulher (COJUM), representante da Justiça Militar. Membro do Comitê de Prevenção e Enfrentamento ao assédio moral, sexual e discriminação como representante da Justiça Militar no CNJ. Presi- dente da Comissão de Prevenção e Enfrentamento ao assédio moral, sexual e discriminação na Justiça Militar. Palestrante em eventos voltados ao estudo e fomento do Direito militar e da proteção jurídica à mulher. Coautora das Cartilhas “Conhecendo a Proteção Jurídica à mulher militar” e “Conhecendo a prevenção e o combate ao assédio moral, sexual e discriminação na JMU”, ambas publicadas pelo STM; Autora e coautora de diversos artigos e livros. Especialista em Direito Militar pela Universidade Cândido Mendes (UCAM). Coordenadora de pós-graduação em Direito Militar. MARINA GARDELIO Servidora do Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA). Mestra em Direito pela Universidade de Brasília (UnB). Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Pesquisadora. Editora de Texto da Revista Direitos Democráticos & Estado Moderno da Faculdade de Direito da PUC-SP. Cofunda- dora do Centro de Ciências Criminais Professor Raul Chaves (CCRIM).. MARILIA AUGUSTO DE OLIVEIRA PLAZA Graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (2007). Especialista em Ciências Criminais pelo Complexo de Ensino Renato Saraiva (2021). Especialista em Direito Judicial pela Faculdade Garça Branca Pantanal em parceria com a ESMAGIS- MT (2023). Atualmente, é Juíza Substituta no Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso. Foi Promotora de Justiça no Ministério Público do Estado do Amapá (2017/2022). Foi Defensora Pública do Estado de Mato Grosso (2014/2017). Foi Delegada de Polícia do Estado do Amapá (2010/2014). Foi Técnica Administrativa do Ministério Público Federal (2007/2010). MARTHA ROCHA Deputada Estadual no seu terceiro mandato, sendo Presidente da CPI da Violência contra a Mulher, CPI do Feminicídio, CPI da Intolerância Religiosa e CPI dos Crimes Cibernéticos contra a Mulher. Delegada de Polícia aposen- tada. Foi a primeira e única mulher a Chefiar a Polícia Civil em toda a história da Instituição. Chefe da Polícia Civil no período de 2011 a 2014. Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher no Rio de Janeiro. Autora do livro “ Elas não são Deusas - Histórias da Carceragem Feminina”. Deputada estadual – Rio de Janeiro. Delegada de polícia aposentada. MAYARA DE CARVALHO SIQUEIRA Doutora em Direito pela UFMG, com pesquisa em Justiça Restaurativa de base comunitária. Pós-Doutora pela UERJ, com pesquisa sobre a história da Justiça Restaurativa no Rio de Janeiro. Professora do Mestrado e Doutorado em Direito da UNESA. Facilitadora de justiça e práticas restaurativas e de comunicação não violenta. Cofundadora do Instituto Pazes. Bolsista da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ. E-mail: mdecarvalho@live.com MILENA SAPIENZA Delegada de Polícia no Estado de São Paulo. Especialista em Direito Penal e Violência de gênero. Professora de Direito Penal em cursos preparatórios. Coautora do Livro “Revisão Final para o concurso de Delegado de Polícia”. Autora do E-book “As conquistas jurídicas das mulheres no Brasil”. PATRÍCIA PACHECO RODRIGUES MACHIDA Doutora e mestra em Direito pela Uninove. Delegada de Polícia em São Paulo. Pesquisadora em Resolución de conflictos pela UCLM Toledo. MBA em Gestão Escolar Usp/Esalq. Especialista em Educação a Distância pela UFF; em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica pelo IFECT; em Educação em Direitos Humanos pela UFBA; em Penal e Processo Penal pela Fac. Damásio. Foi escrivã de Polícia Civil, Advogada e Delegada de Polícia Civil no Paraná. Organizadora, coautora de obras jurídicas e de educação e artigos científicos. Professora. Parecerista de Revistas e Editora do FBSP. PATRÍCIA TUMA MARTINS BERTOLIN Doutora e Mestra em Direito do Trabalho pela USP, com Estágio Pós-Doutoral na Superintendência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas. Professora adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde integra o corpo docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico e lidera o grupo de pesquisa (CNPq) “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”. Líder do Projeto de Extensão “(Re)Existências”, parte do Programa de Reinserção Social de Egressos do Sistema Carcerário por meio do Ensino Superior, da UPM E-mail: ptmb@uol.com.br. mailto:mdecarvalho@live.com mailto:ptmb@uol.com.br ROBERTA TOLEDO CAMPOS Mestre pela PUC-SP. Professora e Advogada criminalista. E-mail: roberta. toledo@uol.com.br SAMANTHA RIBEIRO MEYER- PFLUG MARQUES Pós-doutora em Direito Constitucional pela Universidade de Fortaleza. Doutora e Mestra em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Professora do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito da Universidade Nove de Julho. Advogada. Presidente da Academia Interna- cional de Direito e Economia – AIDE. THAISA NASCIMENTO ALVES Cientista social graduada pelo Instituto de Ciências Sociais (ICS/UERJ). Mestra e Doutoranda em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS/UERJ). UTIMIA CRISTINE PINHEIRO GONÇALVES Mestranda em Psicologia Educacional pelo Centro Universitário Fieo – UNIFIEO. Pós-Graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Bacharel em Direito pela Universidade Presbite- riana Mackenzie. Professora da Academia de Polícia de São Paulo - “Coriolano Nogueira Cobra”. Delegada de Polícia Civil no Estado de São Paulo, lotada no Delegacia de Defesa da Mulher eletrônica. Palestrante. Escritora de obras jurídicas. A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA ......................................................... 29 Gabryella Cardoso da Silva | Patrícia Tuma Martins Bertolin Introdução ................................................................................................................................29 1. A Violência Psicológica de Gênero na Legislação Brasileira ............................................................ 31 2. Os Estudos de Gênero enquanto Referencial Jurídico para o Combate à Violência Psicológica ............ 32 3. A Violência Psicológica de Gênero e suas Implicações à Garantia de Direitos Das Mulheres ................ 34 Conclusões ............................................................................................................................... 35 O ASSÉDIO SEXUAL COMO CRIME MILITAR EXTRAVAGANTE .......................................... 38 Mariana Aquino Introdução ................................................................................................................................ 38 1. Assédio Sexual Contra a Mulher Militar ..................................................................................... 41 2. Consequências Penais e Processuais Penais Militares................................................................... 43 Conclusão ................................................................................................................................. 44 A PERSPECTIVA DE GÊNERO E A INVESTIGAÇÃO CRIMINAL SEGUNDO A JURISPRUDÊNCIA DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS ........................................................... 47 Francini Imene Dias Ibrahin Introdução ................................................................................................................................ 47 1. Corte Interamericana de Direitos Humanos ............................................................................... 48 2. As Decisões da Corte Interamericana sob o Enfoque da Perspectiva de Gênero ................................. 48 Considerações Finais .................................................................................................................. 51 VIOLÊNCIA SEXUAL CONTRA MULHERES E A IMPORTÂNCIA DA SEXOLOGIA FORENSE ...... 54 Mariana da Silva Ferreira Introdução ................................................................................................................................ 54 1. Violência Sexual contra a Mulher ............................................................................................. 55 2. Sexologia Forense e a Importância da Perícia Oficial .................................................................... 58 Considerações Finais .................................................................................................................. 59 sumário ACESSO À JUSTIÇA A MULHERES VÍTIMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR: A ATUAÇÃO DA DELEGACIA DE DEFESA DA MULHER ONLINE ...................................... 63 Camilla Hage Introdução ................................................................................................................................ 63 1. Violência de Gênero e a Luta pela Igualdade entre Homens e Mulheres .......................................... 63 2. Os Impactos da Pandemia do Coronavírus no Combate à Violência contra as Mulheres ...................... 65 3. A Delegacia de Defesa da Mulher Online como Instrumento de Efetivação do Acesso à Justiça ........ 67 Considerações Finais .................................................................................................................. 71 A MULHER NO CONTEXTO DO CÁRCERE ............................................................................ 74 Gabriela Segarra Introdução ................................................................................................................................ 74 1. A Mulher no Contexto do Cárcere ............................................................................................. 75 Conclusão ................................................................................................................................. 83 A PROTEÇÃO JURÍDICA DA MULHER TRANS ...................................................................... 86 Marilia Augusto de Oliveira Plaza Introdução ................................................................................................................................ 86 1. Breve Introdução aos Conceitos de Sexo, Gênero, Identidade de Gênero, Orientação Sexual. ............. 88 2. O Poder Judiciário no Enfrentamento da Transfobia. .................................................................... 89 Considerações Finais .................................................................................................................. 92 DO CRIME DE DESCUMPRIMENTO DE MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA ................ 94 Ana Carolina Del Picchia Nogueira Gonzalez Introdução ................................................................................................................................ 94 1. Medidas Protetivas de Urgência ............................................................................................... 94 2. Crime de Descumprimento das Medidas Protetivas de Urgência .................................................... 97 3. Questões Jurisprudenciais Relativas ao Delito de Descumprimento de Medidas Protetivas .................. 99 4. Consentimento da Vítima e Descumprimento de Medidas Protetivas de Urgência ............................. 100 Considerações Finais .................................................................................................................. 102 UMA CONJECTURA: A VIOLÊNCIA COMO RESISTÊNCIA MACHISTA AO DEVIR DO SUJEITO FEMININO NA DEMOCRACIA BRASILEIRA .......................................................... 104 Roberta Toledo Campos Introdução ................................................................................................................................ 104 1. A Sociedade Patriarcal e o Eurocentrismo como Paradigma na Cultura Ocidental: Sexo e Raça como Critérios de Dominação ......................................................................................................... 105 2. A Sexualidade em Freud ......................................................................................................... 106 3. A Interpretação da Anatomia Sexual dos Corpos Humanos como Diferença ...................................... 107 4. Os Números que Revelam a Sociedade Patriarcal Enraizada nas Instituições Estatais ......................... 108 5. Uma Conjectura: A Violência como Resistência ao Devir do Sujeito Feminino na Democracia Brasileira .... 109 Considerações Finais .................................................................................................................. 111 MEDIDAS AUXILIARES NO COMBATE À IMPORTUNAÇÃO SEXUAL ................................. 113 Jacqueline Valadares da Silva Alckmim | Marcia Maria da Silva Gomes Introdução ................................................................................................................................ 113 1. A Nova Disposição Legal ......................................................................................................... 114 2. A Lei nº 17.621/2023 e a Lei nº 17.635/2023 do Estado de São Paulo .............................................. 116 3. Abrigo Amigo ........................................................................................................................ 119 4. Mulheres em Estádios ............................................................................................................ 120 Considerações Finais .................................................................................................................. 120 A LEI DE VIOLÊNCIA POLÍTICA DE GÊNERO COMO MECANISMO DE PERMANÊNCIA DAS MULHERES NA POLÍTICA ............................................................................................. 123 Gabriela Shizue Soares de Araujo | Marina Freire S. Gardelio Introdução ................................................................................................................................123 1. A Contínua Luta Feminina pelo Acesso à Vida Pública ................................................................... 124 2. Análise dos Casos de Violência Política de Gênero ....................................................................... 126 3. Resistir e(é) Permanecer ........................................................................................................ 133 ONDE A FÉ ENCONTRA A VIOLÊNCIA: COMO OS ESPAÇOS RELIGIOSOS SE TRANSFOR- MARAM EM CENÁRIOS DE VIOLAÇÕES CONTRA MENINAS E JOVENS MULHERES ........ 136 Iara Lemos A ATUAÇÃO DAS SALAS DDM 24 HORAS DA POLÍCIA CIVIL DE SÃO PAULO CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR .................................................................................. 144 Samantha Ribeiro Meyer-Pflug Marques | Patrícia Pacheco Rodrigues Machida Introdução ................................................................................................................................ 144 1. A Violência contra a Mulher e a DDM Online com as Salas DDM 24 Horas da Polícia Civil de São Paulo .. 146 Considerações Finais .................................................................................................................. 156 QUEBRANDO CORRENTES INVISÍVEIS: A EPIDEMIA SILENCIOSA DA VIOLÊNCIA FINANCEIRA CONTRA A MULHER ............................................................................. 158 Carolina Nascimento Silva Aguiar 1. Gênero e Violência ................................................................................................................ 158 2. Violência Financeira e o Ciclo da Violência contra a Mulher ........................................................... 159 3. Intervenção do Estado e Proteção da Mulher .............................................................................. 164 Considerações Finais .................................................................................................................. 165 O NEXO ENTRE DESAPARECIMENTO E FEMINICÍDIO E SUA RELEVÂNCIA PARA A INVESTIGAÇÃO POLICIAL.......................................................................................... 167 Martha Rocha FEMINICÍDIO E DESAPARECIMENTO, UM VÍNCULO INVISÍVEL: ESTUDO DE CASO DE UMA MULHER EMPAREDADA ............................................................................................ 176 Elisabete Ferreira Sato | Fernanda dos Santos Ueda Introdução ................................................................................................................................ 176 1. Feminicídio .......................................................................................................................... 176 2. Metodologia ........................................................................................................................ 178 3. Estudo de Caso: Mulher Emparedada ........................................................................................ 179 3. 1 Como Tudo Começou... Ou, Na Verdade, Acabou. ................................................................ 179 3. 2 Vários Indícios até uma Linha de Autoria. ........................................................................... 180 3. 3 Esferas de Vulnerabilidade e Práticas de Estigmatização ....................................................... 181 4. Considerações Finais: O Vínculo Invisível entre Desaparecimento e Feminicídio ............................ 182 JUSTIÇA RESTAURATIVA E VIOLÊNCIA ESTRUTURAL DE GÊNERO: PRÁTICAS, CUIDADOS E CONCEITOS ............................................................................................................................. 184 Mayara de Carvalho Siqueira Introdução ................................................................................................................................ 184 1. Violência Estrutural de Gênero: Conceitos e Cuidados à Luz da Visão Restaurativa de Justiça ............... 189 2. Práticas Restaurativas Diante de Violências Estruturais de Gênero: Possibilidades Diante de Violência Doméstica .......................................................................................................................... 198 Considerações Finais .................................................................................................................. 201 A OBRIGAÇÃO DOS HOMENS AGRESSORES A FREQUENTAR PROGRAMAS DE RECUPE- RAÇÃO E REEDUCAÇÃO E ACOMPANHAMENTO PSICOSSOCIAL .................................... 207 Utimia Cristine Pinheiro Gonçalves Introdução ................................................................................................................................ 207 1. As Bases Epistemológicas da Lei Maria da Penha ......................................................................... 208 2. Breve Análise das Medidas Protetivas de Urgência....................................................................... 210 3. A Alteração da Lei 13.984/2020 e a Importância da Educação ........................................................ 212 Considerações Finais .................................................................................................................. 213 A EVOLUÇÃO JURÍDICA DA PROTEÇÃO DAS MULHERES NO BRASIL ............................... 216 Milena Sapienza Introdução ................................................................................................................................ 216 1. O Direito Brasileiro e as Mulheres: Uma Perspectiva Histórica ....................................................... 216 2. A Origem da Lei Maria da Penha .............................................................................................. 218 3. O Estudo da Lei Maria da Penha ............................................................................................... 219 4. Uma Análise da Evolução do Direito Brasileiro no Tratamento das Mulheres .................................... 224 Considerações Finais .................................................................................................................. 227 QUAL DEFESA TEM A PALAVRA? O PÚBLICO, O PRIVADO E A LEGÍTIMA DEFESA DA HONRA NO CASO ÂNGELA DINIZ ....................................................................................... 230 Gabriela Von Beauvais da Silva | Thaisa Nascimento Alves 1. Introdução ........................................................................................................................... 230 2. O público, o privado e a "Pantera de Minas": a desumanização da vítima como forma de defesa do assassino ........................................................................................................................... 231 Considerações Finais .................................................................................................................. 236 VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: CONSIDERAÇÕES CONCEITUAIS E PRÁTICAS NAS INVESTI- GAÇÕES POLICIAIS............................................................................................................... 239 Barbara Lomba Bueno Introdução ................................................................................................................................ 239 1. Entendendo a Violência Obstétrica – Considerações Conceituais .................................................... 239 2. Legislação Sobre o Tema e Expressões Penais da Violência Obstétrica ............................................. 243 3. Investigações de Crimes em Contexto de Violência Obstétrica – Adoção de Perspectiva de Gênero e Medidas Básicas de Apuração ................................................................................................ 247 Conclusão ................................................................................................................................. 251 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA NO CONTEXTO FAMILIAR E A JUSTIÇA RESTAURATIVA .... 253 Ariane Trevisan Fiori | Amanda Gabi de Jesus DiasIntrodução ................................................................................................................................ 253 1. A Lei Maria da Penha e sua Importância no Contexto Atual Brasileiro .............................................. 253 2. Entendendo a Violência Psicológica .......................................................................................... 255 3. O Contexto Atual e Possibilidade de Aplicação da Justiça Restaurativa ............................................. 258 Considerações Finais .................................................................................................................. 260 RACISMO E APOROFOBIA: AGRAVANTES DO CRIME DE VIOLÊNCIA POLÍTICA CONTRA A MULHER ............................................................................................................................ 263 Edilene Lôbo Introdução ................................................................................................................................ 263 1. A Mulher como Sujeita Passiva Primária do Crime ....................................................................... 264 1. 1 Masculinismo e Justiça Incompleta ................................................................................... 264 2. Dolo: O Querer Consciente da Exclusão ..................................................................................... 265 2. 1 Fraude à Cota de Gênero no Registro das Candidaturas ....................................................... 266 3. Racismo e Aporofobia ............................................................................................................ 268 Considerações Finais .................................................................................................................. 271 DISCRIMINAÇÃO E ASSÉDIO MORAL E SEXUAL DENTRO DOS AMBIENTES DE TRABALHO. POR QUE MULHERES PREJUDICAM MULHERES NO AMBIENTE PROFISSIONAL? .......... 274 Giuliana Morrone | Iara Lemos OS ATAQUES PROCESSUAIS E A REVITIMIZAÇÃO NOS CRIMES SEXUAIS ........................ 284 Luciana Terra Considerações Finais .................................................................................................................. 288 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO: UMA ANÁLISE A PARTIR DA CRIMINOLOGIA FEMINISTA Gabryella Cardoso da Silva6 Patrícia Tuma Martins Bertolin7 Introdução A violência psicológica de gênero é um fenômeno que afeta a saúde pública de forma grave e estrutural, uma vez que uma em cada três mulheres em todo o mundo sofre violência doméstica ou intrafamiliar em razão de gênero. Em torno de 736 milhões de mulheres são submetidas à violência física ou sexual, sendo uma em cada quatro mulheres jovens entre 15 e 24 anos. A violência de gênero começa de forma precoce e atinge de maneira endêmica todos os países e culturas, gerando danos que foram severamente agravados durante a pandemia de COVID-19.8 Essa realidade reflete a dinâmica das relações sociais, pautadas em estereótipos socialmente atribuídos ao gênero, que deram origem a uma dicotomização de pensamentos e à separação de comportamentos, ligando a razão ao masculino e a sensibilidade ao feminino, impedindo que muitas mulheres tenham acesso a uma série de direitos fundamentais.9 6 Doutoranda em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM), Mestre em Direito pelo Centro Universitário - UniFG. Pesquisadora discente no grupo de pesquisa Garantismo e Constitucionalismo Popular (Universidade La Salle/RS) e dos Gru- pos de Pesquisa: Segurança Pública e Cidadania; e Mulher, Cidadania e Direitos Humanos, vin- culados à UPM. Membra do Projeto de Extensão “(Re)Existências”, parte do Programa de Rein- serção Social de Egressos do Sistema Carcerário por meio do Ensino Superior, da UPM. E-mail: gabryellaadv@outlook.com 7 Mestra e Doutora em Direito do Trabalho pela USP, com Estágio Pós-Doutoral na Superinten- dência de Educação e Pesquisa da Fundação Carlos Chagas. Professora adjunta da Universidade Presbiteriana Mackenzie, onde integra o corpo docente permanente do Programa de Pós-Gra- duação em Direito Político e Econômico e lidera o grupo de pesquisa (CNPq) “Mulher, Sociedade e Direitos Humanos”. Líder do Projeto de Extensão “(Re)Existências”, parte do Programa de Rein- serção Social de Egressos do Sistema Carcerário por meio do Ensino Superior, da UPM E-mail: ptmb@uol.com.br. 8 UNICEF, UNFPA, UNODC, UNSD, UNWomen. Violence against women prevalence estimates, 2018. Global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence Against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women. Geneva: World Health Organization, on behalf of the United Nations Inter-Agency Work- ing Group on Violence Against Women Estimation and Data. 2021. 9 CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 1-12. 30 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres A violência contra a mulher não manifesta sua interferência apenas na esfera individual: a tendência é de que questões psicológicas se reflitam socialmente em cadeia, por se tratar de distúrbios psicossociais, nos quais a cultura se reproduz e perpetua relações hegemônicas de gênero.10 Dessa forma, o poder exercido pelos homens sobre as mulheres, a partir da hierarquização social11, tem sido pactuado pela maioria dos indi- víduos da sociedade, o que garante a manutenção de relacionamentos que reproduzem essa dinâmica, e induz as próximas gerações a reproduzirem o padrão. Entretanto, essa não deve ser compreendida como uma decisão democrática, visto que a democracia exige substancialmente a observação dos direitos e garantias individuais de todos os cidadãos, o que não ocorre diante da violência estrutural contra as mulheres.12 Em consonância com as teorias do Garantismo Penal, o processo penal brasileiro, ainda que formalmente busque a proteção integral da vítima, em muitos casos também reproduz a cultura sexista de dominação e perpetua comportamentos de humilhação às mulheres. Esse fenômeno é relevante, pois destaca a contradição entre a efetividade da legislação e a proteção dos direitos das mulheres. Cabe ressaltar que, há quase cinco décadas, o feminismo vem cons- truindo fortes críticas às ciências e às disciplinas acadêmicas, por meio da construção de muitas(os) autoras(es) que contribuem com inúmeras pesquisas, produzindo um conhecimento que não se restringe apenas a uma perspectiva, sendo um mecanismo de transformação social, que impulsiona inclusive mudanças jurídicas, observadas pelo pensamento crítico da teoria feminista do direito a respeito das epistemologias jurídicas e dos funda- mentos filosóficos que estruturam o pensamento jurídico ocidental.13 Este artigo examina o processo de reconhecimento e tipificação da violência psicológica contra mulheres, enquanto uma forma insidiosa de abuso, que pode ter efeitos devastadores sobre a saúde mental e o bem- -estar das vítimas. Aborda a definição e caracterização desse tipo de violência, destacando suas manifestações nas relações interpessoais e os desafios inerentes à compreensão e aplicação da legislação. São abordados os elementos necessários para que a violência psico- lógica seja considerada uma conduta criminosa, bem como os desafios enfrentados pelos sistemas jurídicos na sua criminalização e na aplicação 10 MUSZKAT, Susana. Violência e masculinidade: uma contribuição psicanalítica aos estudos das relações de gênero. Dissertação de Mestrado/Universidade de São Paulo. Orientador: Nelson da Silva Júnior. São Paulo, 2006. 11 CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminis- ta. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 1-12. 12 FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana PaulaZomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 767 p. 13 CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminis- ta. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 1-12. 31 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO Gabryella Cardoso da Silva | Patrícia Tuma Martins Bertolin da lei. Isso inclui a dificuldade de provar o abuso psicológico, a falta de conscientização dos profissionais do sistema de justiça e a necessidade de treinamento adequado nessa área. Em suma, este estudo busca contribuir para uma compreensão mais aprofundada da violência psicológica enquanto fenômeno jurídico e destaca a importância de abordagens legais eficazes, integradas e multidisciplinares para enfrentar esse problema e garantir os direitos das mulheres. 1. A Violência Psicológica de Gênero na Legislação Brasileira A violência psicológica está presente em toda construção dos cenários de violência doméstica: sua dimensão compõe o ciclo de tensões, agressão, desculpas e reconciliação, que ocorrem de maneira repetida, gerando preju- ízos incisivos à saúde mental das mulheres. É entendida, pela Lei Maria da Penha, como aquela conduta que causa danos emocionais à vítima, dimi- nuindo a sua autoestima, prejudicando e perturbando seu desenvolvimento pleno e buscando controlá-la ou feri-la mediante ameaças e constrangimento, humilhações e manipulações, isolamento e vigilância constante, perseguição, xingamentos ou chantagens, exposição a circunstâncias vexatórias ou que limitem seu direito de ir e vir, ou ainda que, de alguma forma, provoque danos à sua saúde psicológica e à sua autodeterminação. Além da Lei Maria da Penha, que exemplifica e prevê a violência psico- lógica, a Lei nº 14.188, de julho de 2021, instituiu o crime de violência psico- lógica contra mulher, estabelecendo a previsão no artigo 147-B do Código Penal, para que as decisões penais, anteriormente baseadas apenas no escopo da Lei Maria da Penha, pudessem ser fundamentadas com a respec- tiva tipificação criminal. O desenvolvimento ontológico do pensamento que orienta o avanço legislativo é atribuído à crítica feminista do direito, que denuncia a ausência de paridade de gênero e pretende a correção dessa desigualdade social, na contramão do paradigma teórico de matriz liberal e sem prejuízo do princípio da igualdade, mas conformando seu tratamento à particularidade da busca pela igualdade de gênero. A construção da base teórica da criminologia tradicional reforça estere- ótipos de gênero14, pois em seu processo não garante a participação efetiva de mulheres. A pesquisa aqui realizada, por outro lado, reforça uma perspectiva de análise feminista do direito, que coloca as relações de gênero e as mulheres no ponto central do debate das categorias jurídicas, sendo essencial para revelar 14 A determinação de quais condutas podem ser classificadas como criminosas ou não é fortemen- te influenciada por questões de gênero, uma vez que essas questões afetam de forma significa- tiva a definição de crime, bem como as respostas que a sociedade dá a ele, de modo que os este- reótipos de gênero estão na base da aplicação e até mesmo formulação dos conceitos do Direito Penal. Ver mais: BIBBINGS, Lois; NICOLSON, Donald. Feminist Perspectives on Criminal Law. 1st ed. Routledge-Cavendish, 2000. 32 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres quais espaços foram historicamente reservados às mulheres, iluminando as implicações de gênero que permeiam a prática social e, por consequência, a norma jurídica, evidenciando que as mulheres estiveram ao longo do tempo marginalizadas da sociedade e dos espaços de poder.15 2. Os Estudos de Gênero enquanto Referencial Jurídico para o Combate à Violência Psicológica É de extrema urgência a construção ou reconhecimento de um referencial que possibilite se entender a situação de vitimização e/ou limitação de direitos das mulheres, sem que se reproduzam as matrizes ideológicas conservadoras, possibilitando o desenvolvimento de uma criminologia crítica, sob o prisma de uma revolução epistemológica inevitável e que não pode ser invisibilizada.16 Para romper o paradigma atual dos modelos conhecidos, é necessário projetar novas questões à criminologia, a partir das quais a violência contra as mulheres seja observada em sua particularidade e construa um referencial epistemológico que permita o acesso das mulheres à plenitude de direitos e à cidadania.17 Tal construção, além de ampliar e difundir a ideia de que a igualdade é essencial para diminuir a violência de gênero, também é necessária para efetivar a operacionalização de instrumentos jurídicos, como a criminali- zação da violência psicológica, e destaca a necessidade de políticas públicas, incluindo previsão de garantias secundárias18 e ações afirmativas, de maneira integrada, aliadas ao processo criminal. A desigualdade de gênero é uma violação que afeta o exercício de cidadania não só das mulheres, mas de todos os indivíduos, e gera danos imensuráveis à construção política das sociedades. É importante mencionar que não são necessárias marcas de hema- tomas ou a própria agressão física para que a violência psicológica seja configurada, causando ofensa à saúde da mulher agredida. A violência sutil, empregada de forma contínua, pode resultar em transtornos psicológicos que levam ao surgimento de doenças psicossomáticas decorrentes da baixa 15 BARTLETT, Katherine T. Feminism Legal Methods. In: BARTLETT, Katherine T. KENNEDY, Rosanne. Feminism Legal Theory. Colorado: Westview Press, 1991, p. 370-403. 16 MENDES, Soraia da Rosa. (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista. Tese de Doutorado/Universidade de Brasília. Orientadora: Ela Wiecko Volkmer de Castilho. Brasília, 2012. 17 HARDING, Sandra. Ciencia y feminismo. Madrid: Moratas, 1996. 18 Chamam-se garantias primárias ou substanciais as garantias que consistem nas obrigações ou proibições que correspondem aos direitos subjetivos garantidos. E chamam-se garantias secundá- rias ou jurisdicionais as obrigações por parte dos órgãos judiciais, de aplicar a sanção ou declarar a nulidade quando se constate, no primeiro caso, atos ilícitos, e, no segundo caso, atos inválidos que violem os direitos subjetivos e suas correspondentes garantias primárias. Ver mais: FERRAJO- LI, Luigi. Democracia y garantismo. Ed. Miguel Carbonell. Madrid: Editorial Trotta, S.A., 2008. 33 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO Gabryella Cardoso da Silva | Patrícia Tuma Martins Bertolin imunidade. Algumas dessas doenças são associadas à baixa autoestima e a sentimentos de desvalorização, raiva e falta de controle emocional, como, por exemplo, as dores crônicas, a fadiga e até mesmo o câncer. Além disso, o Banco Interamericano de Desenvolvimento afirma em pesquisa que as mulheres vítimas de violência têm sua expectativa média de vida reduzida em cinco anos.19 Também é necessário ressaltar que a violência de gênero não se dissocia da violência política, uma vez que tal violência é instrumento para perpetuar relações desiguais de poder, assim, a violência psicológica também é, em última análise, um recurso utilizado para a reafirmação de poder. Configura uma das principais barreiras de combate à violência de gênero, pois deter- mina socialmente quais sujeitos são condicionados e subordinados e quais devem ter suas expectativas ou desejos atendidos, por deterem autoridade. Essa interação provoca a anulação do outro como sujeito distinto, para que sua existência seja a projeção do sujeito dominador.20 A violência psicológica está necessariamente relacionada a todas as demais mo- dalidades de violência doméstica e familiar contra a mulher. Sua justificativa en- contra-se alicerçada na negativa ou impedimento à mulher de exercer sua li- berdade e condição de alteridadeem relação ao agressor. É a negação de valor fundamental do Estado de Direito, o exercício da autonomia da vontade e, por- tanto, da condição de sujeito de direitos conquistada pelos homens, nas revo- luções burguesas, americana e francesa, já no século XVIII.21 Essa forma de agressão está presente em grande parte dos casos de violência doméstica, e se configura por comportamentos sistemáticos que seguem um padrão de comunicação, verbal ou não, com o intuito de gerar sofrimento psicológico a outra pessoa. Essa agressão pode ser desenvolvida de forma sutil, silenciosa e progressiva, e pode ser difícil de ser identificada até pela própria vítima, pois o agressor camufla de forma sutil comentários agressivos e depreciativos nas relações intrafamiliares, a princípio, discreta- mente, mas que provocam graves alterações no comportamento da vítima, com a reiteração das agressões.22 19 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lu- men Juris, 2011, p. 201-213. 20 Ibidem, p. 204. 21 Ibidem, p. 205. 22 CUNHA, Tânia Rocha Andrade. A dor que dói na alma: violência psicológica contra a mulher. XVI Seminário Nacional: Políticas de enfrentamento à violência contra mulheres, 2010. Anais: Sal- vador, 2010, p. 1-44. 34 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres 3. A Violência Psicológica de Gênero e suas Implicações à Garantia de Direitos Das Mulheres A violência psicológica provoca, dentre os principais danos, distúrbios cognitivos e de memória, comportamentos depressivos, distúrbios de ansie- dade, síndrome do pânico, entre outros transtornos. A violência psicológica quase sempre antecede as demais formas de agressão: nos episódios de violência doméstica, os casos de agressão física demonstram apenas a parte ostensiva do fenômeno, ou seja, mesmo que a violência física seja a primeira a ser observada ou a ser denunciada, ela não constitui mais do que um aspecto da questão, a parte emergente do iceberg.23 Uma vez que os indivíduos são sujeitos institivamente sociáveis, a sua identidade é constituída culturalmente, por meio da interação social e da sua interrelação com outros indivíduos24. Assim, os ataques à liberdade de escolha das mulheres vítimas de violência psicológica, por meio da constante afirmação da sua incapacidade de fazer e sustentar escolhas, contribuem para infantilização das vítimas. Isso impede o desenvolvimento da sua identidade e autonomia, dada a constante repressão às suas tentativas de afirmação como sujeitos e à sua diferenciação em relação ao agressor. Todas as condutas previstas como violência psicológica estão intimamente relacio- nadas ao boicote do ser, a partir do boicote da liberdade de escolha, que define o ser humano e sua identidade. 25 A violência psicológica, para além de suprimir a figura do indivíduo, também o condiciona à dependência de seu agressor. A continuidade do vínculo marital, entre outras motivações26, também está diretamente rela- cionada à Síndrome do Desamparo Aprendido, um sintoma comum desen- volvido em mulheres vítimas de violência psicológica, que justifica a afeição expressa pela vítima em relação ao seu agressor, pois a pessoa vítima de violência sistemática pode desenvolver a incapacidade de reação e a conse- quente anulação de sua identidade, projetando como seus os desejos do 23 HIRIGOYEN, Marie France. A violência no casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. 24 GROSSI, Esther Pillar; BORDIN, Jussara (org.) Construtivismo Pós-piagetiano: um novo paradig- ma sobre a aprendizagem. 8. ed. Editora Vozes, 1993, p. 158. 25 FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lu- men Juris, 2011, p. 205. 26 A questão psicológica é um fator definitivo para a permanência de mulheres em situação de vio- lência doméstica. As narrativas mostram que a não percepção da situação de abuso, acreditar ser possível controlar os episódios de violência, o comprometimento da saúde psicoemocional e a confiança na promessa de mudança, bem como a dependência financeira e o medo de ameaças e de piorar a situação, constituem eventos que permitem compreender a permanência das mu- lheres no cotidiano de violência doméstica; demonstram também a relação abusiva que aliena as mulheres sendo de difícil ruptura. Ver mais: GOMES, N.P.; CARNEIRO, J.B.; ALMEIDA, L.C.G. de; COS- TA, D.S.G.; CAMPOS, L.M.; VIRGENS, I.R.; WEBER, N. Permanência de mulheres em relacionamentos violentos: desvelando o cotidiano conjugal. Revista Cogitare Enfermagem, v. 27, 2022. 35 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO Gabryella Cardoso da Silva | Patrícia Tuma Martins Bertolin agressor. De forma inconsciente, as vítimas tendem a evitar a diferenciação de sua identidade da do agressor como estratégia de sobrevivência e/ou para diminuir as agressões físicas, o que as coloca em uma posição de invisi- bilidade e de incapacidade de reagir à violência.27 Evidenciando ainda mais a importância das conquistas alcançadas em razão do avanço da teoria feminista do Direito, objetivando proteger mulheres em situações de violência doméstica, a criminalização da violência psicológica inclui mais uma garantia primária ao direito das mulheres, mas é necessário ainda se qualificar a atuação dos profissionais do Direito para aplicar a penalidade sempre que houver danos emocionais que prejudiquem o pleno desenvolvimento da mulher ou quando o intuito da violência seja degradar, controlar os comportamentos, crenças e decisões, por meio de ameaças, constrangimentos ou manipulações, ou por qualquer outro meio que gere um dano à saúde psicológica da vítima e à sua autodeterminação. A criminalização, por si só, não tem competência de erradicar nenhuma conduta, mas possibilita que condutas semelhantes sejam enquadradas de maneira consistente, evitando condenações em crimes diversos, com penas e consequências contraditórias, ou ainda a negativa em relação à existência da violência, cenário que reflete não apenas a insegurança jurídica enfren- tada por mulheres que buscam auxílio no Judiciário e também resulta em grave impunidade aos agressores.28 Um estudo realizado em cinquenta julgados anteriores à criminalização demonstrou ser necessário que os profissionais que aplicam as normas penais tenham maior capacitação para reconhecer que as situações domés- ticas e familiares muitas vezes não se adequam nos moldes da doutrina penal clássica, pois presumem questões sociais persistentes na sociedade, como a desigualdade de gênero29. É necessária, não apenas uma incursão integrada do sistema jurídico aos avanços da medicina que incluam a compreensão da violência psicológica como potencial geradora de danos reais, mas também dar voz e credibilidade à criminologia feminista, que constrói uma abordagem crítica desse modelo. Conclusões A recente criminalização da violência psicológica de gênero é um fenô- meno jurídico que representa um importante avanço crítico da teoria femi- nista à criminologia. A violência de gênero afeta de maneira grave e estrutural 27 FERREIRA, Graziela. La mujer maltratada: un estudio sobre las mujeres víctimas de la violencia doméstica. Buenos Aires: Sudamericana, 1994. 302 p. 28 GARCIA, Juliana Santos. A violência psicológica contra a mulher nas decisões do TJ/SP: A (in) aplicabilidade da teoria feminista do direito. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Gradua- ção em Direito Político e Econômico da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Orientado pela Prof.ª. Dra. Patrícia Tuma Martins Bertolin, 2021. 29 Ibidem. 36 <CAPÍTULO SHIFT+1> <SUBTÍTULO SHIFT+2> Crimes Contra as Mulheres a saúde pública em várias esferas da sociedade, mas a compreensão do danopsicológico é necessária para impedir o crescimento endêmico da violência contra as mulheres ao redor do mundo. Essa realidade reflete a dinâmica social baseada em estereótipos de gênero que ocasionam a restrição de direitos fundamentais das mulheres. Ademais, a violência não se limita apenas à esfera individual, pois contribui para perpetuar relações desiguais de gênero, que envolvem a violação siste- mática dos direitos das mulheres e contrariam o exercício da democracia, que presume a garantia dos direitos individuais de todos os cidadãos. Ainda que os institutos do direito penal prevejam a proteção integral da vítima, o que restou evidente foi o despreparo dos órgãos aplicadores do direito para reduzir a reprodução de comportamentos sexistas e humi- lhantes contra as mulheres, o que aponta para uma contradição entre a letra da lei e sua efetividade. A teoria feminista do direito tem contribuído para o avanço das ciên- cias sociais e jurídicas, e deve ser aliada em uma visão integrada de análise psicossocial, que denuncie a inclusão do dano psicológico no processo de reconhecimento e tipificação de uma modalidade de violência, possibilitando a inclusão da crítica às relações de poder entre os gêneros, que geram danos ao reconhecimento e autodeterminação dos sujeitos. Em síntese, o estudo evidenciou que a violência psicológica de gênero precisa ser compreendida enquanto fenômeno jurídico, não apenas para incluir um novo tipo penal, não obstante o reconhecimento de sua impor- tância, mas também para alinhar as políticas de aplicação dessa nova legis- lação em relação aos tribunais e operadores do direito, enquanto garantia secundária do exercício dos direitos das mulheres. REFERÊNCIAS BARTLETT, Katherine T. Feminism Legal Methods. In: BARTLETT, Katherine T. KENNEDY, Rosanne. Feminism Legal Theory. Colorado: Westview Press, 1991, p. 370-403. BIBBINGS, Lois; NICOLSON, Donald. Feminist Perspectives on Criminal Law. 1st ed. Routledge-Cavendish, 2000. CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 1-12. CUNHA, Tânia Rocha Andrade. A dor que dói na alma: violência psicológica contra a mulher. XVI Seminário Nacional: Políticas de enfrentamento à violência contra mulheres, 2010. Anais: Salvador, 2010, p. 1-44. FEIX, Virgínia. Das formas de violência contra a mulher – artigo 7º. In: CAMPOS, Carmen Hein. Lei Maria da Penha: comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Editora Lumen Juris, 2011, p. 201-213. 37 A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA DE GÊNERO ENQUANTO FENÔMENO JURÍDICO Gabryella Cardoso da Silva | Patrícia Tuma Martins Bertolin FERRAJOLI, Luigi. Democracia y garantismo. Ed. Miguel Carbonell. Madrid: Editorial Trotta, S.A., 2008. FERRAJOLI, Luigi. Direito e Razão: teoria do garantismo penal. Trad. Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002, 767 p. FERREIRA, Graziela. La mujer maltratada: un estudio sobre las mujeres víctimas de la violencia doméstica. Buenos Aires: Suda- mericana, 1994, 302 p. GARCIA, Juliana Santos. A violência psicológica contra a mulher nas decisões do TJ/SP: A (in)aplicabilidade da teoria femi- nista do direito. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Direito Político e Econômico da Universidade Presbite- riana Mackenzie. Orientado pela Profª. Dra. Patrícia Tuma Bertolin, 2021. GOMES, N.P.; CARNEIRO, J.B.; ALMEIDA, L.C.G. de; COSTA, D.S.G.; CAMPOS, L.M.; VIRGENS, I.R.; WEBER, N. Permanência de mulhe- res em relacionamentos violentos: desvelando o cotidiano conjugal. Revista Cogitare Enfermagem, v. 27, 2022. HARDING, Sandra. Ciencia y feminismo. Madrid: Moratas, 1996. HIRIGOYEN, Marie France. A violência no casal: da coação psicológica à agressão física. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006. MUSZKAT, Susana. Violência e masculinidade: uma contribuição psicanalítica aos estudos das relações de gênero. Dissertação de Mestrado/Universidade de São Paulo, orientador: Nelson da Silva Júnior. São Paulo, 2006. MENDES, Soraia da Rosa. (Re)pensando a criminologia: reflexões sobre um novo paradigma desde a epistemologia feminista. Tese de Doutorado/Universidade de Brasília. Orientadora: Ela Wiecko Volkmer de Castilho. Brasília, 2012. UNICEF, UNFPA, UNODC, UNSD, UNWomen. Violence against women prevalence estimates, 2018. Global, regional and national prevalence estimates for intimate partner violence Against women and global and regional prevalence estimates for non-partner sexual violence against women. Geneva: World Health Organization, on behalf of the United Nations Inter-Agency Working Group on Violence Against Women Estimation and Data. 2021. Licence: CC BY-NC-AS 3.0 IGO.