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<p>Cristiano Mello de Oliveira</p><p>Cristiano M</p><p>ello de Oliveira</p><p>FUNDAMENTOS DA FORMAÇÃO DO LEITOR LITERÁRIO</p><p>Fundação Biblioteca Nacional</p><p>ISBN 978-85-387-6596-7</p><p>9 7 8 8 5 3 8 7 6 5 9 6 7</p><p>Código Logístico</p><p>59238</p><p>Por que ler literatura?</p><p>Ler literatura é uma forma de viajar por mundos</p><p>diversos, identificando de que maneira personagens,</p><p>focos narrativos, cenários e linguagem podem</p><p>representar novos quadros vivos da sociedade. Ao ler,</p><p>identificamos que o conflito que se passou na história</p><p>também pode ser nosso próprio conflito.</p><p>A leitura do texto literário traz o encantamento pelo</p><p>sublime e estético, amplia nossa visão de mundo e nos torna</p><p>mais empáticos, pois ao acessarmos, por meio do texto, novas</p><p>realidades e perspectivas, ficamos mais sensíveis ao universo</p><p>do outro. Por isso, o trabalho de formar leitores literários resulta</p><p>em uma sociedade mais humana.</p><p>Neste livro você estudará desde os possíveis sentidos da palavra</p><p>literatura até a adequada abordagem do texto literário em sala de aula.</p><p>Fundamentos da</p><p>formação do leitor</p><p>literário</p><p>Cristiano Mello de Oliveira</p><p>IESDE BRASIL</p><p>2020</p><p>Todos os direitos reservados.</p><p>IESDE BRASIL S/A.</p><p>Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482. CEP: 80730-200</p><p>Batel – Curitiba – PR</p><p>0800 708 88 88 – www.iesde.com.br</p><p>© 2020 – IESDE BRASIL S/A.</p><p>É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito do autor e do</p><p>detentor dos direitos autorais.</p><p>Projeto de capa: IESDE BRASIL S/A. Imagem da capa: Jason Heglund/elements.envato</p><p>CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO</p><p>SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ</p><p>O46f</p><p>Oliveira, Cristiano Mello de</p><p>Fundamentos da formação do leitor literário / Cristiano Mello de</p><p>Oliveira. - 1. ed. - Curitiba [PR] : IESDE Brasil, 2020.</p><p>182 p. : il.</p><p>Inclui bibliografia</p><p>ISBN 978-85-387-6596-7</p><p>1. Leitura - Estudo e ensino. 2. Literatura - Estudo e ensino. I. Título.</p><p>20-62578 CDD: 807</p><p>CDU: 028.4</p><p>Cristiano Mello de</p><p>Oliveira</p><p>Pós-doutorando em Letras Vernáculas pela</p><p>Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).</p><p>Doutor e mestre em Literatura pela Universidade</p><p>Federal de Santa Catarina (UFSC). Realizou estágio</p><p>de doutorado (doutorado sanduíche, PDSE - Capes)</p><p>em 2015, na Faculdade de Letras da Universidade</p><p>do Porto (Portugal). Especialista em Literatura</p><p>Brasileira e História Nacional pela Universidade</p><p>Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR). Graduado</p><p>em Letras Português-Inglês pela Faculdade</p><p>Versalhes e em Pedagogia pelo Centro Universitário</p><p>Internacional (Uninter). Atua nas seguintes temáticas</p><p>de investigação: crônicas de viagens, literatura</p><p>e história, novo romance histórico brasileiro e</p><p>romance contemporâneo.</p><p>Agora é possível acessar os vídeos do livro por</p><p>meio de QR codes (códigos de barras) presentes</p><p>no início de cada seção de capítulo.</p><p>Acesse os vídeos automaticamente, direcionando</p><p>a câmera fotográ�ca de seu smartphone ou tablet</p><p>para o QR code.</p><p>Em alguns dispositivos é necessário ter instalado</p><p>um leitor de QR code, que pode ser adquirido</p><p>gratuitamente em lojas de aplicativos.</p><p>Vídeos</p><p>em QR code!</p><p>SUMÁRIO</p><p>1 A literatura e o letramento literário 9</p><p>1.1 Concepções de literatura ontem e hoje 9</p><p>1.2 O que é um texto literário? 16</p><p>1.3 A literatura como fruição estética e a formação do educando 23</p><p>1.4 O letramento literário e seus desdobramentos em sala de aula 29</p><p>2 Formação do leitor: teoria e prática 39</p><p>2.1 Fundamentos teóricos sobre a formação do leitor na escola 39</p><p>2.2 Didática e metodologia no trabalho com a literatura 47</p><p>2.3 Literatura nos anos finais do ensino fundamental 53</p><p>2.4 Literatura no ensino médio 55</p><p>3 Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 64</p><p>3.1 O método tradicional e o moderno nas aulas de literatura 65</p><p>3.2 Ferramentas tecnológicas nas aulas de literatura 72</p><p>3.3 O processo avaliativo no trabalho com literatura 76</p><p>3.4 Interface da literatura com as ciências humanas 79</p><p>3.5 O ensino de literatura e a valorização da cultura afro-brasileira e a</p><p>dos povos indígenas 83</p><p>4 Literatura e história 93</p><p>4.1 Tendências literárias na contemporaneidade 94</p><p>4.2 A conquista da historiografia literária 97</p><p>4.3 A interface histórica como metodologia no trabalho com</p><p>literatura 104</p><p>4.4 Literatura e história: aproximações didáticas de ensino 109</p><p>5 A legislação educacional sobre o ensino de literatura 119</p><p>5.1 Breve abordagem dos Parâmetros Curriculares Nacionais 119</p><p>5.2 PCN do ensino fundamental 127</p><p>5.3 PCN do ensino médio 131</p><p>5.4 Projeto de leitura (com base nas Orientações Curriculares) no</p><p>ensino médio 135</p><p>5.5 Projeto de leitura com base na BNCC 139</p><p>6 Organização, planejamento e execução de atividades 147</p><p>6.1 Seleção de textos literários 148</p><p>6.2 Literatura de massa e literatura canônica 154</p><p>6.3 Por que ler os clássicos? 159</p><p>6.4 Leitura de obras literárias de diferentes gêneros: romance, conto,</p><p>texto de dramaturgia e poesia 163</p><p>6.5 Desafio: como formar e ampliar o númerode leitores 170</p><p>Gabarito 176</p><p>Por que devemos estudar o processo de formação dos leitores literários?</p><p>O estudo dos fundamentos da formação do leitor literário só pode ser</p><p>estimulado pensando no prazer que o fenômeno da literatura nos proporciona</p><p>e revela. É por meio desse estudo que nos encantamos pelo sublime e</p><p>pelo estético, por meio dos quais a obra literária nos tira da realidade tão</p><p>pesada do cotidiano. Como sabemos, a obra literária nos leva a identificar</p><p>outros patamares de visão de mundo, aprimorando o senso de criticidade e</p><p>autonomia armazenados em cada leitor e escritor.</p><p>Ler literatura é uma forma de viajar por mundos diversos, identificando</p><p>de que maneira os personagens, os heróis ou anti-heróis, os focos narrativos,</p><p>os cenários exóticos e a linguagem dramatizada podem representar novos</p><p>quadros vivos da sociedade. Contar uma boa história faz parte da natureza</p><p>humana; há séculos verificamos que uma história bem contada encanta</p><p>gerações de leitores sensíveis e nos traz à tona ações do nosso passado. Ao</p><p>ler, identificamos que o conflito que se passa na história também poderia</p><p>ter sido o nosso próprio conflito. Leitores literários são seres humanos</p><p>que buscam sair da rotina, do jogo pragmático e do monótono, da frieza</p><p>de algumas relações humanas, da desenfreada luta pelo “ganha do pão”</p><p>de cada dia. Um bom leitor é alguém que tem maturidade para enfrentar</p><p>a leitura de diversos tipos de textos narrativos, uma pessoa capaz de</p><p>questionar o mundo em que vive.</p><p>Acima de tudo, este livro nos revela como podemos ler com maior</p><p>proficiência e curiosidade, identificando como o conceito de literatura se</p><p>transformou ao passar das décadas. Ao longo da leitura, atestaremos</p><p>como muitos trechos literários citados promovem o estranhamento, a</p><p>transcendência estética e a averiguação da representação das diversidades;</p><p>enfim, refere-se a um convite ao descobrimento. A questão principal que</p><p>move todos os capítulos é como podemos formar novos leitores, revelando</p><p>para eles o potencial que a leitura do romance, do conto, da crônica e da peça</p><p>de teatro tem de transformá-los em pessoas melhores.</p><p>Seja por meio da literatura de massa, seja pela leitura do clássico canônico,</p><p>a nossa missão é encantar os novos leitores pelo poder da palavra artística.</p><p>Além disso, ao realizar a leitura deste livro, teremos também a oportunidade</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>de conhecer como podemos trabalhar diversos tipos de textos literários na</p><p>educação básica.</p><p>Partindo desse pressuposto, fazemos uma revisão sobre o conceito</p><p>de texto literário e sobre a questão do letramento na educação básica, no</p><p>primeiro capítulo, e sobre as ferramentas e estratégias didáticas no ensino</p><p>de literatura, no segundo capítulo. No descortinar do caminho, vemos, no</p><p>terceiro capítulo, como os métodos (tradicional e de vanguarda e as novas</p><p>ferramentas tecnológicas) no ensino do texto literário se comportaram ao</p><p>longo dos anos. Eles serão ampliados e aprofundados, também, quando</p><p>abordarmos as escolas literárias,</p><p>Durante a leitura do livro de Cosson, ob-</p><p>servamos que o conceito de letramento literário pode ser composto de</p><p>diferentes variantes, cuja proposta merece devida reflexão conceitual.</p><p>Para fundamentar o seu posicionamento, Cosson defende que a leitu-</p><p>ra do texto literário feita na escola deve esquecer os esquemas rasos,</p><p>inócuos e burocráticos, para que se oportunize efetivamente o prazer</p><p>pela literatura. Em outras palavras, o que define a leitura para o autor</p><p>é o tempo de ócio em que o aluno pode desfrutar do verdadeiro fe-</p><p>nômeno literário. Para fins de argumentação, o autor insiste que não</p><p>se coloque as “informações das disciplinas que ajudam a constituir</p><p>essas leituras”, mas, sim, a efetividade do texto. Dessa forma, o autor</p><p>também lamenta que a literatura não possa ficar refém “da crítica, da</p><p>teoria ou da história literária”. Ampliando os horizontes de raciocínio,</p><p>dentro do contexto escolar, o pesquisador citado acredita que a leitu-</p><p>ra “também não pode ser feita de forma assistemática e em nome de</p><p>um prazer absoluto de ler” (COSSON, 2014, p. 26).</p><p>Calculamos que formar leitores críticos e formadores de opinião</p><p>seja a maior tarefa do professor que se dispõe a trabalhar com o le-</p><p>tramento literário. Assim, a função de escolher obras literárias para os</p><p>alunos é, em todas as etapas da educação, uma das tarefas mais difí-</p><p>ceis de serem realizadas por um docente em sua atividade pedagógica.</p><p>Nesse sentido, nós, professores, não podemos nos furtar ao rico deba-</p><p>te em torno da devida escolha de metodologia de letramento literário</p><p>junto à equipe pedagógica, caso seja necessário. Já na sala de aula, é</p><p>preciso cautela para não simplificar as leituras, julgando uma única for-</p><p>ma de interpretação, caindo em preferências ideológicas pessoais ou</p><p>leituras simplórias. Pensando assim, o significado de letramento pode</p><p>ser ampliado pelo fortalecimento das escolhas de leitura realizadas</p><p>pelo professor. Por esse motivo, cabe ao professor de literatura um en-</p><p>34 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>gajamento na seleção dos textos e no encaminhamento das atividades</p><p>propostas. Portanto, é no saber argumentar diante de um conflito es-</p><p>tabelecido durante o enredo de um romance que, supostamente, está</p><p>o bem mais precioso na formação de bons leitores.</p><p>Obviamente que a escola pode ser capaz de recomendar bons li-</p><p>vros e autores – os quais tenham sido chancelados pela crítica ou não.</p><p>Abrindo parênteses, para fins de esclarecimento, a crítica de uma obra</p><p>ou um conjunto de autores geralmente é composta pelas academias</p><p>de letras espalhadas pelo Brasil, pelas resenhas dos críticos literários</p><p>renomados, pelos cadernos culturais de grandes veículos da imprensa,</p><p>pela chancela dos professores universitários para citar alguns exem-</p><p>plos. Sabemos que os diversos tipos de leitores adquirem formação</p><p>com a leitura de diferentes obras literárias com a finalidade expressa</p><p>de cumprir os objetivos de uma ementa. Entretanto, o bom leitor sem-</p><p>pre busca ter curiosidade para saber o “terreno em que está pisando”</p><p>– a priori, conhece o autor; depois, a obra. Retirado do organismo es-</p><p>colar, é importante que o aspirante a leitor contumaz tenha autonomia</p><p>para diagnosticar o que lhe interessa. Não chegamos a realizar uma</p><p>pesquisa que desse conta de algumas escolas que fornecem ferramen-</p><p>tas para efetivar o papel de leitor que existe em cada aluno, porém,</p><p>provavelmente, o letramento literário passa a ocorrer quando ele ter-</p><p>mina os estudos. Conforme nos aponta o autor Ítalo Calvino: “a esco-</p><p>la é obrigada a dar-lhe instrumentos para efetuar uma opção: mas as</p><p>escolhas que contam são aquelas que ocorrem fora e depois de cada</p><p>escola” (CALVINO, 2002, p. 13).</p><p>Dependendo do grau e do objetivo didático almejado pelo profes-</p><p>sor, podemos dizer que é possível sim que o estudante possa aprender</p><p>o uso dos tempos verbais ou algumas noções gramaticais ao ler uma</p><p>narrativa de um determinado autor. Obviamente, devemos ter o pleno</p><p>aceite de que o texto não tem a função de esmerar um estilo metalin-</p><p>guístico, ou seja, ele não deve ser selecionado apenas por este motivo.</p><p>No entanto, além de aprender os tempos verbais, o estudante pode</p><p>adquirir toda uma noção do conteúdo gramatical (sintaxe, morfologia,</p><p>semântica etc), que pode ser combinado com outros tópicos da Língua</p><p>Portuguesa. Para fins de ilustração, caso o docente esteja preparado</p><p>para o uso estratégico da leitura de alguns romances históricos, ele</p><p>A literatura e o letramento literário 35</p><p>pode selecionar trechos que contenham diversos pretéritos perfeitos</p><p>ou imperfeitos. Que tal ler fragmentos da obra histórica As minas de</p><p>prata, de José de Alencar, e estimular o leitor na identificação desse</p><p>conteúdo? Além disso, o docente de Letras pode propor diversas estra-</p><p>tégias para o estudo de outras funções dos tempos verbais, como fazer</p><p>os alunos reescreverem partes de um romance com suas palavras. Ao</p><p>selecionar partes que possam subsidiar o ensino da gramática, é óbvio</p><p>que o letramento gramatical será ampliado e diagnosticado.</p><p>Você deve ao menos imaginar que uma excelente sugestão para</p><p>quem busca assimilar o letramento literário de forma eficiente e se-</p><p>dimentada é a escolha didática de leitura dos clássicos, conforme de-</p><p>fende o autor Rildo Cosson: “ao selecionar um texto, o professor não</p><p>deve desprezar o cânone, pois é nele que encontrará a herança cultural</p><p>de sua comunidade” (COSSON, 2014, p. 44). Nessa manobra, podemos</p><p>colocar em jogo a escolha de critérios para definir como se dará o pro-</p><p>cesso de leitura e, consequentemente, de aprendizagem e avaliação.</p><p>Embora possa haver algumas contestações em relação aos conteúdos</p><p>programáticos pelos livros didáticos de Língua Portuguesa, é impor-</p><p>tante abordar o processo de leitura dos livros considerados imortais.</p><p>Diante do que já aprendemos, sabemos que quem se dispõe a ler um</p><p>clássico o faz porque sabe da importância de fundamentar os prin-</p><p>cipais gostos literários. Compreender os autores que formularam as</p><p>raízes da literatura greco-romana, como Aristóteles, Plutarco, Platão,</p><p>Horácio, Sófocles, Aristófanes, Ésquilo, Eurípides, entre outros, signi-</p><p>fica diagnosticar como funciona a literatura contemporânea. É pela</p><p>apropriação de outras obras, em especial das clássicas, que a literatura</p><p>consegue formular o rol de textualidades e reformulações. De acordo</p><p>com o autor Ítalo Calvino, “toda primeira leitura de um clássico é na</p><p>realidade uma releitura” (CALVINO, 2002, p. 11).</p><p>Encerrando o primeiro capítulo, aqui cabe um depoimento pessoal do autor deste li-</p><p>vro. Quem nasceu no fim da década de 1970 e início de 1980 pode estar muito bem</p><p>lembrado de como era o trabalho em sala de aula realizado pelo professor de Língua</p><p>Portuguesa. Lembro-me bem de que uma de minhas primeiras leituras durante a ado-</p><p>lescência foi o romance Capitães de areia (2001), de Jorge Amado, obra que me interes-</p><p>sou porque resolveria, acreditava eu, como viver em uma sociedade violenta e diversa</p><p>da minha. Naquele período, tempo que o autor deste livro fez parte, era muito comum</p><p>que o docente usasse os livros de literatura infanto-juvenil da coleção Vagalume.</p><p>(Continua)</p><p>36 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Publicadas pela Editora Ática, tais obras reforçavam o caráter pedagógico, cuja</p><p>contribuição de cunho moralista e social nos facilitava a atuação na vida cívica.</p><p>Tomando de empréstimo a minha experiência naquele período, uma estratégia</p><p>possível para o desempenho didático de letramento literário nas salas de aula é</p><p>trabalhar com os alunos por meio de seminários: formulação de roteiros, tea-</p><p>tralização da obra, reescrita de textos e resolução de exercícios acerca da obra.</p><p>Todavia, lembre-se de que nada sustenta a leitura individual e remota, pois esta</p><p>é insubstituível, conforme já vimos. Retomando: era por meio de alguns títulos</p><p>memoráveis – A droga da obediência (2003), de Pedro Bandeira, A turma da rua</p><p>XV (2002), de Marçal Aquino, O escaravelho do diabo (1974), de Lúcia Machado</p><p>de Almeida, entre</p><p>outros – que o professor incentivava a leitura e provocava</p><p>algumas discussões acaloradas. (Relato pessoal do autor desta obra)</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Escrever estas conclusões, elaboradas à luz da leitura e releitu-</p><p>ra das referências trabalhadas e das reflexões estabelecidas, implica</p><p>uma espécie de posicionamento mais conciso em relação ao tema. No</p><p>decorrer das seções, tentamos movimentar o texto como algo argu-</p><p>mentativo – com a finalidade de proporcionar ao estudante um futuro</p><p>debate e questionamento. O certo é que, ao finalizarmos este capítu-</p><p>lo, é possível averiguar que ainda é bastante problemático definirmos</p><p>o que é literatura ou o que é um texto literário. Longe de alcançarmos</p><p>um resultado definitivo, a dificuldade é que muitas polêmicas, como</p><p>observamos, são levantadas por diversos pesquisadores. Não à toa,</p><p>as diferentes formas conceituais (sobre a questão da amplitude da</p><p>carga semântica) quase escapam aos olhos do professor bem infor-</p><p>mado. Ao longo das seções, estudamos como a linguagem literária</p><p>pode interpretar a realidade e fazer com que o leitor a entenda como</p><p>uma espécie de desempenho imitativo das personagens assimiladas.</p><p>Conforme vimos, o trato com o fenômeno do texto literário não pode</p><p>ser encarado apenas de forma mecânica e pragmática, pois o aspecto</p><p>do estético bloqueia esse tipo de leitura.</p><p>A literatura e o letramento literário 37</p><p>Observamos como o texto literário se apropria de outros discursos</p><p>fictícios para compor o seu – funcionando como algo adepto da inter-</p><p>textualidade, da apropriação e da paródia. Aflora também, no decorrer</p><p>de algumas linhas, a questão da mescla entre o popular e o erudito –</p><p>situação bastante corriqueira devido às correntes literárias atualmente</p><p>em voga. Em consequência, discutimos também como a atitude desin-</p><p>teressada do leitor pelo gosto do fenômeno literário pode substan-</p><p>ciar o prazer do texto. Por meio das várias exemplificações literárias</p><p>expostas, entre obras clássicas e populares, foi possível verificarmos</p><p>que ainda resiste a polêmica de que a literatura é ensinada, mas, sim,</p><p>intermediada por meio da escolha dos livros e dos autores, de acordo</p><p>com o encaminhamento metodológico realizado pelo docente. Duran-</p><p>te a seção que aborda a questão do letramento literário, foi possível</p><p>perceber que a valorização e a discussão do clássico ainda continua</p><p>bastante pertinente nas instituições escolares no Brasil. E, para fina-</p><p>lizarmos, o nosso principal mote foi encaminhar o leitor, atiçando a</p><p>sua curiosidade fictícia e imaginária junto ao universo literário infinito,</p><p>conforme indicava o autor Jorge Luís Borges.</p><p>ATIVIDADES</p><p>1. Com base no conteúdo assimilado, escreva, com suas palavras, o que</p><p>é literatura e qual a sua função na sociedade.</p><p>2. Por que as pessoas leitoras que viajam e visitam outras cidades</p><p>possuem maior familiaridade com alguns textos literários?</p><p>3. Quais são as propostas mencionadas neste livro para melhorar o</p><p>letramento na escola? Relate-as e as exemplifique.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BAYARD, P. Como falar dos livros que não lemos. São Paulo: Objetiva, 2009.</p><p>BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.</p><p>CALVINO, Í. Por que ler os clássicos. São Paulo: Cia das Letras, 2002.</p><p>CANDIDO, A. Literatura e sociedade. São Paulo: T&A Editores, 2000.</p><p>CANDIDO, A. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1970.</p><p>38 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>COMPAGNON, A. Literatura para quê? Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2009.</p><p>COSSON, R. Letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014.</p><p>EAGLETON, T. Teoria da literatura. São Paulo: Martins Fontes, 2001.</p><p>JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002.</p><p>JOUVE, V. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012.</p><p>MOISÉS, M. Dicionário de Termos Literários. São Paulo: Cultrix, 1999.</p><p>SAMOYAULT, T. A intertextualidade. São Paulo: Hucitec, 2008.</p><p>SILVA, K. V.; SILVA, M. H. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, 2009.</p><p>SOARES, M. Um tema: em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2009.</p><p>TODOROV, T. A literatura em perigo. São Paulo: Difel, 2009.</p><p>WELLEK, R.; WARREN, A. Teoria da literatura. Lisboa: Biblioteca Universitária, 2001.</p><p>ZACHARIAS, M. Dicionário auxiliar de composição literária. Florianópolis: Garapuvu, 2006.</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 39</p><p>2</p><p>Formação do leitor:</p><p>teoria e prática</p><p>Nosso principal objetivo, neste capítulo, é mostrar que uma boa</p><p>metodologia e um bom projeto motivador de leitura em sala de</p><p>aula podem ampliar o interesse do aluno pela leitura do texto fictí-</p><p>cio, dimensionando, assim, o seu intelecto para questões sensíveis</p><p>da natureza humana.</p><p>Para atingirmos esse objetivo, estudaremos algumas conside-</p><p>rações sobre os aspectos teóricos ligados à formação do leitor li-</p><p>terário no ambiente escolar. Para isso, discutiremos a respeito dos</p><p>fundamentos que envolvem o processo de formação e verificare-</p><p>mos também quais são as estratégias didáticas e metodológicas</p><p>indicadas no campo do ensino da literatura. Abordaremos como o</p><p>fenômeno literário é trabalhado pelo professor nos anos oitavo e</p><p>nono do ensino fundamental e também no ensino médio.</p><p>Pelo caminho, também exemplificaremos, por meio de algumas</p><p>obras literárias e autores, possibilidades de diálogo entre as obras</p><p>e os novos preceitos de ensino estabelecidos, em parte, pela Base</p><p>Nacional Comum Curricular.</p><p>2.1 Fundamentos teóricos sobre a</p><p>formação do leitor na escola</p><p>Vídeo A princípio, uma boa formação do aluno enquanto leitor se dá</p><p>por meio de um “espelho” do próprio professor, o qual é visto por</p><p>seus alunos como um leitor assíduo. No entanto, nem sempre isso</p><p>pode se tornar a realidade. O acúmulo de atividades do professor</p><p>muitas vezes não permite que ele tenha tempo para refletir sobre</p><p>sua prática em sala de aula ou se debruce sobre o texto literário</p><p>com tal assiduidade, como julga seu aluno.</p><p>40 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Além disso, quando fortuitamente observamos um professor len-</p><p>do, é comum nos surpreendermos com títulos voltados ao prático, ao</p><p>utilitário e, costumeiramente, livros de autoajuda. Não que tenhamos</p><p>algum preconceito em relação a esses gêneros, mas estamos, neste ca-</p><p>pítulo, defendendo a literatura de ficção ou imaginária. Desse modo, as</p><p>propostas discutidas na atual Base Nacional Comum Curricular (BNCC)</p><p>estão dispostas a tratar o debate com maturidade, articulando com as</p><p>possíveis hipóteses que discutem o sentido da literatura no âmbito hu-</p><p>manístico. Alguns detalhes postos reflexivamente:</p><p>no âmbito do Campo artístico-literário, trata-se de possibilitar o</p><p>contato com as manifestações artísticas em geral, e, de forma</p><p>particular e especial, com a arte literária e de oferecer as condi-</p><p>ções para que se possa reconhecer, valorizar e fruir essas ma-</p><p>nifestações. Está em jogo a continuidade da formação do leitor</p><p>literário, com especial destaque para o desenvolvimento da frui-</p><p>ção, de modo a evidenciar a condição estética desse tipo de lei-</p><p>tura e de escrita. Para que a função utilitária da literatura – e da</p><p>arte em geral – possa dar lugar às suas dimensões humanizado-</p><p>ra, transformadora e mobilizadora, é preciso supor – e, portanto,</p><p>garantir a formação de um leitor-fruidor, ou seja, de um sujeito</p><p>que seja capaz de se implicar na leitura dos textos, de “desven-</p><p>dar” suas múltiplas camadas de sentido, de responder às suas</p><p>demandas e de firmar pactos de leitura. (BNCC, 2018, p. 745)</p><p>Fantasiar mundos e narrar histórias fazem parte do universo de</p><p>qualquer pessoa, seja ela alfabetizada ou não. Por mais que a nossa</p><p>visão de mundo seja um pouco pessimista, o melhor exemplo para o</p><p>aluno sempre será um professor que tenha paixão pela literatura, mos-</p><p>trando-a como algo sublime e encantador. A descoberta de novos títu-</p><p>los também passa pela influência do docente, que, não raras vezes, é</p><p>capaz de estimular o aluno a uma leitura com o próprio enredo, narra-</p><p>dor, espaço e personagens do livro. Até porque, descobrir novas obras</p><p>e autores é tarefa</p><p>indispensável à formação de um bom leitor. Cabe ao</p><p>professor, preparar esse aluno, atiçando sua curiosidade por um autor</p><p>ainda desconhecido. Descobrir requer senso de alteridade, do encon-</p><p>tro com o outro, do pertencimento, da manifestação de interesse pela</p><p>vida alheia. Quando o leitor lê, por exemplo, o clássico O coração das</p><p>trevas, de Joseph Conrad, passa a vivenciar uma experiência insólita,</p><p>como a de um capitão de um navio em alto mar, determinado a desco-</p><p>brir novas terras e novas civilizações.</p><p>Kh</p><p>ak</p><p>im</p><p>ul</p><p>lin</p><p>A</p><p>le</p><p>ks</p><p>an</p><p>dr</p><p>/S</p><p>h</p><p>ut</p><p>te</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>Então, quais seriam os fundamentos teóricos para formar novos lei-</p><p>tores? E será que leitores, de um modo geral, precisam de fundamentos?</p><p>Se fizermos uma breve alusão à construção de uma casa, a palavra fun-</p><p>damento possui significados de fundação, de sustentação, de base e de</p><p>apoio. Sem esse, normalmente, uma casa não se mantém sustentada ou</p><p>erguida. A tríade apontada (sustentação, base e apoio) funciona como se</p><p>fosse um conjunto, uma articulando em função da outra. Pouco a pou-</p><p>co, podemos observar que o leitor também precisa se condicionar ou</p><p>se manter circunstanciado pelos meios estratégicos do planejamento de</p><p>uma boa leitura, a qual pode ser condicionada aos fatores elaborados</p><p>pelo docente: local adequado junto às condições que cada escola ofere-</p><p>ce, ambiente silencioso e arejado, alunos conscientes do ato da leitura,</p><p>e explicação por parte do professor do conteúdo extratextual da obra</p><p>literária. Quando voltamos ao texto, o planejamento requer uma espécie</p><p>de estruturação e de divisão dos aspectos essenciais à narrativa: tipos de</p><p>personagens, pontos de vista, cenário, narradores, linguagem da obra,</p><p>dentre outros. Portanto, após essa etapa, o aluno, certamente, terá um</p><p>condicionamento melhor de fruição da obra literária.</p><p>Feitas essas considerações, o importante é pensar que a literatura</p><p>deve envolver o estudante pela sua temática, deixando o leitor pensa-</p><p>tivo e instigado para continuar a leitura e reler o livro outras vezes. O</p><p>instigante da obra é a capacidade de envolver o leitor no enredo, de</p><p>reavivar as personagens, dar continuidade às ações, manter o suspen-</p><p>se na trama e imaginar o espaço recriado na obra. Ao menos, é difícil</p><p>acreditarmos que obras literárias são colocadas em xeque pelo próprio</p><p>leitor e, não raras vezes, aplicadas na vida real.</p><p>Se chamássemos você, como professor ou futuro professor, para</p><p>responder a uma enquete sobre o que favorece ou não a formação</p><p>de leitores nas instituições da educação básica, muito provavelmente</p><p>Nascido em Berdichev, Polônia,</p><p>no dia 3 de dezembro de 1857,</p><p>Teodor Joseph Conrad Korzenio-</p><p>wski foi autor de várias obras:</p><p>O Coração das Trevas (1902),</p><p>O Agente Secreto (1907), Lord</p><p>Jim (1900), Nostromo (1904).</p><p>Com vasta facilidade intelectual,</p><p>o autor aprendeu inglês aos</p><p>23 anos de idade. Conrad era</p><p>apaixonado pelos mares e em-</p><p>barcações e, consequentemente,</p><p>foi marinheiro durante 16 anos.</p><p>Durante o exercício desse ofício,</p><p>ele percorreu vários continentes:</p><p>Ásia, Africa, América e Europa.</p><p>Das viagens realizadas ao redor</p><p>do mundo, o autor tirou material</p><p>documental suficiente para com-</p><p>por 17 romances que escreveu</p><p>ao longo da vida. Infelizmente,</p><p>no dia 3 de agosto de 1924, o</p><p>autor morreu em Bishopsbourne,</p><p>Inglaterra.</p><p>Jo</p><p>se</p><p>ph</p><p>C</p><p>on</p><p>ra</p><p>d</p><p>Biografia</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 41</p><p>42 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>você diria que deve existir um corpo docente de língua portuguesa e de</p><p>literatura preparado para enfrentar novos desafios. Portanto, é plausí-</p><p>vel assumirmos que, como resultado da enquete, pessoal qualificado</p><p>e leitores assíduos seriam requisitos fundamentais a qualquer projeto</p><p>de literatura. Como exemplo de perguntas que entrariam na pesquisa,</p><p>temos: o que te chama atenção em um livro? O que te motiva a lê-lo?</p><p>O que leva a trabalhá-lo em sala de aula? Dentre outras. Por mais que</p><p>algumas sejam generalizadas, o objetivo dessa espécie de enquete é</p><p>proporcionar um estudo que permita saber como estamos nos com-</p><p>portando diante de uma obra literária.</p><p>Existem alunos que necessitam de um estímulo maior para motivar</p><p>o leitor contumaz que existe dentro de si, já para outros somente algu-</p><p>ma dica ou uma resenha improvisada é o suficiente para despertá-los.</p><p>Basicamente o estímulo é a condição elementar de se estabelecer uma</p><p>espécie de contrato com o aluno. Este pode ser efetivamente de ordem</p><p>sincronizada com algumas temáticas estabelecidas – estas motivado-</p><p>ras e necessárias (uma palestra feita pelo autor da obra, ou um simples</p><p>comentário da obra realizada preliminarmente pelo docente) para dar</p><p>fôlego à leitura. Diante desses diferentes perfis de alunos, ainda há um</p><p>turbilhão de opções literárias e autores, o jovem leitor se questiona:</p><p>por onde começar: romance, conto, crônica ou uma biografia? A me-</p><p>lhor resposta é que indicações literárias sempre são bem-vindas. Sobre</p><p>isso, Kaufman e Rodriguez (1995, p. 45) complementam que:</p><p>os leitores se formam com as leituras de diferentes obras</p><p>que contêm uma diversidade de textos que servem, como</p><p>ocorre nos contextos extraescolares, para uma multiplicida-</p><p>de de propósitos (informar, entreter, argumentar, persuadir,</p><p>organizar atividades etc.).</p><p>A citação anterior não está solta no tempo e no espaço, pois é co-</p><p>mum notarmos que muitos canais de televisão, encartes literários, re-</p><p>vistas culturais, cadernos de cultura, mostruários de livrarias, palestras</p><p>com autores, feiras literárias, entre outros, movimentam a indústria</p><p>cultural do gosto e do consumo de livros.</p><p>Conforme salienta a BNCC (2018, p. 523), “ao engajar-se mais</p><p>criticamente, os jovens podem atualizar os sentidos das obras, pos-</p><p>sibilitando compartilhá-las em redes sociais, na escola e em diá-</p><p>logos com colegas e amigos”. De acordo com esse engajamento,</p><p>podemos facilmente reforçar a ideia de que a literatura ganha a de-</p><p>Convencionou-se fazer,</p><p>a título mercadológico e</p><p>publicitário, uma espécie</p><p>de pré-seleção de livros</p><p>publicados por editoras</p><p>conhecidas pelo grande</p><p>público leitor de massa.</p><p>Como é de conheci-</p><p>mento, especialistas são</p><p>contratados para realizar</p><p>a sinopse de alguns livros</p><p>e discuti-los em rodas de</p><p>leitura, como algumas</p><p>que ocorrem nas grandes</p><p>capitais do Brasil. Gosto</p><p>este que pode ser muito</p><p>bem exemplificado</p><p>pela seleção de livros</p><p>realizada por algumas</p><p>livrarias, como é o caso</p><p>da revista mensal Ler &</p><p>Cia, elaborada pelo grupo</p><p>empresarial das Livrarias</p><p>Curitiba.</p><p>Acesse: http://conteudo.</p><p>livrariascuritiba.com.br/lerecia/</p><p>lereCia91/mobile/index.html.</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>Saiba mais</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 43</p><p>vida importância por meio das comunidades disseminadas, como,</p><p>por exemplo, na plataforma Facebook.</p><p>Ainda de acordo com a BNCC (2018, p. 523):</p><p>a prática da leitura literária, assim como de outras linguagens,</p><p>deve ser capaz também de resgatar a historicidade dos textos:</p><p>produção, circulação e recepção das obras literárias, em um en-</p><p>trecruzamento de diálogos (entre obras, leitores, tempos históri-</p><p>cos) e em seus movimentos de manutenção da tradição e de</p><p>ruptura, suas tensões entre códigos estéticos e seus modos de</p><p>apreensão da realidade.</p><p>Por sermos uma cultura plural, devido às diferenças regionais de</p><p>um Brasil continental, faz-se importante valorizarmos esses diálo-</p><p>gos que a literatura promove e nos afastarmos dos pensamentos</p><p>conservador e retrógrado. Nesse sentido, é importante deixarmos</p><p>um pouco a literatura regional de lado (incentivada pelo tratamento</p><p>cultural e folclórico de uma determinada localidade) e trabalharmos</p><p>temas mais progressistas e problemáticos. É, por exemplo, na ne-</p><p>gociação pelo tratamento dado às literaturas estabelecidas como</p><p>marginais e periféricas – elaboradas por escritores como Paulo Lins,</p><p>Maria Carolina de Jesus, Patrícia Mello, Marc Ferrez, dentre outros –,</p><p>que podemos ocasionalmente ampliar o leque de leitura da seleção</p><p>de obras feitas pela instituição escolar e, em consequência, ampliar</p><p>também</p><p>a visão de alguns leitores.</p><p>Para isso, quanto maior o contato do aluno com os livros, maior</p><p>será a sua capacidade de escolha e de conhecimento da literatura de</p><p>uma forma geral. Ler uma obra literária exige um olhar aberto à diver-</p><p>sidade e à pluralidade de representação fictícia. Em outras palavras,</p><p>exige um leitor maduro e experiente, sem preconceitos ou juí-</p><p>zos formulados, que possa desfrutar do fenômeno literário.</p><p>Sobre esse fenômeno, podemos problematizar que</p><p>o básico de uma obra de arte (neste caso, a</p><p>literária) é causar uma espécie de inquietação</p><p>ou ao menos um estranhamento.</p><p>Em diversas regiões do</p><p>Brasil, leitores partilham</p><p>de um gosto em comum:</p><p>o romance histórico e</p><p>seus autores. Essa paixão</p><p>em comum pelo gênero</p><p>é um dos exemplos</p><p>que podemos citar de</p><p>como a informatização</p><p>dos gostos literários e</p><p>formação de opiniões</p><p>pelas redes sociais são</p><p>úteis para compartilhar</p><p>ideias comuns, mas tão</p><p>distante entre leitores.</p><p>Na rede social Facebook,</p><p>a comunidade aberta</p><p>Romance Histórico Brasil</p><p>abre espaço para novos</p><p>membros afeiçoados a</p><p>esse gênero.</p><p>Acesse: ROMANCES HISTÓRICOS</p><p>BRASIL. Administradora</p><p>Vânia Nunes. Facebook.</p><p>Disponível em: https://</p><p>www.facebook.com/groups/</p><p>RomancesHistoricosBrasil/?fref=tsA</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>Curiosidade</p><p>vip</p><p>m</p><p>an</p><p>/S</p><p>hu</p><p>tte</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>O que está em jogo na formação do leitor é fazer com</p><p>que o estudante perceba que a literatura nunca estará</p><p>sozinha, pois é por meio do diálogo diverso que faz</p><p>com demais obras, entre os discursos, períodos e</p><p>obras, que cresce textualmente dia após dia.</p><p>44 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Outro fator importante a ser levado em conta nas aulas de lei-</p><p>tura do ensino fundamental é a relação dos textos literários. É co-</p><p>mum muitos leitores verificarem que alguns escritores de natureza</p><p>contemporânea (em especial, os romancistas históricos) exercem o</p><p>uso das categorias da paródia e da intertextualidade na escrita dos</p><p>seus romances históricos. Pelo poderio estratégico literário des-</p><p>tas, autores utilizam de outras obras literárias e históricas visando</p><p>transformar a roupagem antiga em uma nova vestimenta, desse</p><p>modo, satisfazendo várias interlocuções possíveis. Tais categorias</p><p>podem ser ferramentas úteis na análise de textos feita pelo profes-</p><p>sor, observando como um texto conversa com o outro, tendo em</p><p>vista o grau de intertextualidade e paródia.</p><p>Conforme enuncia a BNCC (2018, p. 750): “a proposição de ob-</p><p>jetivos de aprendizagem e desenvolvimento que concorrem para</p><p>a capacidade dos estudantes de relacionarem textos, percebendo</p><p>os efeitos de sentido decorrentes da intertextualidade temática”,</p><p>temos que a palavra relação é a mais vantajosa para ser utilizada</p><p>nesse tipo de ocasião.</p><p>Mas e sobre o acesso adequado a tudo isso? Para além do que</p><p>envolve a sala de aula e a intervenção do professor, já comenta-</p><p>das, quem já se perguntou como muitos colégios organizam suas</p><p>bibliotecas – pensando em melhorar a formação dos leitores –,</p><p>certamente ficou no vácuo ou obteve respostas incompletas. Nas</p><p>escolas, por mais que se tenha prateleiras lotadas de livros novos</p><p>e organizadas por gêneros, muitas vezes, ainda não temos, como é</p><p>sabido, pessoal qualificado para lidar com elas. É lamentável dizer-</p><p>mos que ainda não temos uma política adequada em relação às bi-</p><p>bliotecas instaladas em muitos colégios – situação corriqueira que</p><p>ainda inspira alguns cuidados. Desse modo, o envolvimento com a</p><p>comunidade externa, em algumas localidades, também é bem raro,</p><p>pois não existem projetos que a contemple.</p><p>Nesse sentido, formar leitores é também incentivar políticas de</p><p>melhoria estrutural escolar nas bibliotecas, como profissionais espe-</p><p>cializados, aquisição e rotatividade de livros, climatização do ambien-</p><p>te, computadores com internet, dentre outros aspectos importantes.</p><p>No livro Quarto de despe-</p><p>jo: diário de uma favelada,</p><p>Maria Carolina de Jesus,</p><p>uma mulher negra, mãe</p><p>solteira, com pouca</p><p>instrução e moradora</p><p>da favela do Canindé,</p><p>em São Paulo, relata as</p><p>dificuldades do dia a dia</p><p>de catadora de lixo, bem</p><p>como da vida com pou-</p><p>cos recursos na periferia.</p><p>A obra teve grande reper-</p><p>cussão, sendo traduzida</p><p>para treze idiomas, e foi</p><p>bastante comentada pela</p><p>crítica.</p><p>JESUS, C. M. de. São Paulo: Ática,</p><p>2014.</p><p>Livro</p><p>O documentário Leitores</p><p>sem fim narra algumas</p><p>iniciativas que ocorreram</p><p>no Rio de Janeiro e na</p><p>Colômbia a respeito da</p><p>promoção da litera-</p><p>tura como forma de</p><p>contingenciamento da</p><p>violência, da crimina-</p><p>lidade e das drogas.</p><p>Através do depoimento</p><p>de leitores, especialistas</p><p>e outros participantes, o</p><p>documentário provoca</p><p>uma nova relação com a</p><p>literatura.</p><p>Disponível em: https://</p><p>biblioo.cartacapital.com.br/</p><p>leitores-sem-fim-2/.</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>FilmeDocumentário</p><p>Pressmaster/Shutterstock</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 45</p><p>2.1.1 Demais espaços para</p><p>formação leitora na</p><p>educação básica</p><p>O incentivo à leitura e ao amadure-</p><p>cimento intelectual pela literatura não é</p><p>função restrita às instituições escolares.</p><p>Para além do papel da escola, vale dizer</p><p>que organizações não governamentais</p><p>projetam propostas diferenciadas no âm-</p><p>bito literário, que visam à capacitação e à for-</p><p>mação de grupos de leitores afins. Por esse motivo, em termos relativos,</p><p>iniciativas ligadas a políticas culturais inovadoras já diagnosticaram que</p><p>uma comunidade leitora é mais propícia a abandonar a violência e do</p><p>vício das drogas 1 . Seja pelo escapismo ou pela introspecção ao univer-</p><p>so imaginário, a literatura combate o pensamento vazio e inócuo. Ao</p><p>formar leitores oriundos das camadas menos favorecidas economica-</p><p>mente ou mais propensas à violência, algumas organizações provocam</p><p>uma espécie de renascimento cultural urbano.</p><p>Há motivos de sobra para comprovarmos que a leitura modifica</p><p>hábitos arraigados em uma sociedade, pois reparem o que ocorreu</p><p>em algumas comunidades periféricas da Colômbia. Por lá, o número</p><p>de criminalidade reduziu drasticamente devido a algumas iniciativas</p><p>já colocadas em pauta pela mídia: projetos integradores de leitura e a</p><p>importância do trabalho com o texto literário.</p><p>Conforme já dissemos, casos verídicos, como os das comunidades</p><p>periféricas da Colômbia, identificaram um nítido avanço na exclusão da</p><p>violência. Não à toa que modelos como esse foram devidamente usados</p><p>na realidade cultural brasileira 2 O projeto Cordel na Escola, que</p><p>transitou no estado da Paraíba,</p><p>teve bons resultados. Disponível</p><p>em: http://g1.globo.com/</p><p>pb/paraiba/noticia/2014/08/</p><p>literatura-de-cordel-combate-</p><p>drogas-e-preconceito-nas-</p><p>escolas-da-paraiba.html.</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>2</p><p>. Com base nesses fatos, verificamos</p><p>que, apesar das dificuldades, sempre haverá possibilidades de formar</p><p>leitores excluídos da condição escolar, sendo que esses são expoentes</p><p>para novos formatos de inclusão e disseminação do conhecimento.</p><p>Nesse contexto, cabe lembrar que muitas instituições públicas pro-</p><p>movem rodas de leitura ou ciclo de debates sobre determinado au-</p><p>tor ou sobre o conjunto de sua obra. Nesses eventos culturais, o leitor</p><p>A título de exemplo, o projeto</p><p>Federais Solidários, iniciado no</p><p>estado do Rio Grande do Norte</p><p>teve como proposta palestras</p><p>sobre literatura nos colégios da</p><p>rede pública estadual.</p><p>Disponível em: https://g1.globo.</p><p>com/rn/rio-grande-do-norte/</p><p>noticia/2019/07/13/internet-</p><p>literatura-e-combate-as-drogas-</p><p>projeto-de-policiais-federais-leva-</p><p>palestras-a-escolas-do-rn.ghtml.</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>1</p><p>Outro fator importante a ser levado em conta nas aulas de lei-</p><p>tura do ensino fundamental é a relação dos textos literários. É co-</p><p>mum muitos leitores verificarem que alguns escritores de natureza</p><p>contemporânea (em especial, os romancistas históricos) exercem o</p><p>uso das categorias da paródia e da intertextualidade na escrita dos</p><p>seus romances históricos. Pelo poderio estratégico literário des-</p><p>tas, autores utilizam de outras obras literárias e históricas visando</p><p>transformar a roupagem antiga em uma nova vestimenta, desse</p><p>modo,</p><p>satisfazendo várias interlocuções possíveis. Tais categorias</p><p>podem ser ferramentas úteis na análise de textos feita pelo profes-</p><p>sor, observando como um texto conversa com o outro, tendo em</p><p>vista o grau de intertextualidade e paródia.</p><p>Conforme enuncia a BNCC (2018, p. 750): “a proposição de ob-</p><p>jetivos de aprendizagem e desenvolvimento que concorrem para</p><p>a capacidade dos estudantes de relacionarem textos, percebendo</p><p>os efeitos de sentido decorrentes da intertextualidade temática”,</p><p>temos que a palavra relação é a mais vantajosa para ser utilizada</p><p>nesse tipo de ocasião.</p><p>Mas e sobre o acesso adequado a tudo isso? Para além do que</p><p>envolve a sala de aula e a intervenção do professor, já comenta-</p><p>das, quem já se perguntou como muitos colégios organizam suas</p><p>bibliotecas – pensando em melhorar a formação dos leitores –,</p><p>certamente ficou no vácuo ou obteve respostas incompletas. Nas</p><p>escolas, por mais que se tenha prateleiras lotadas de livros novos</p><p>e organizadas por gêneros, muitas vezes, ainda não temos, como é</p><p>sabido, pessoal qualificado para lidar com elas. É lamentável dizer-</p><p>mos que ainda não temos uma política adequada em relação às bi-</p><p>bliotecas instaladas em muitos colégios – situação corriqueira que</p><p>ainda inspira alguns cuidados. Desse modo, o envolvimento com a</p><p>comunidade externa, em algumas localidades, também é bem raro,</p><p>pois não existem projetos que a contemple.</p><p>Nesse sentido, formar leitores é também incentivar políticas de</p><p>melhoria estrutural escolar nas bibliotecas, como profissionais espe-</p><p>cializados, aquisição e rotatividade de livros, climatização do ambien-</p><p>te, computadores com internet, dentre outros aspectos importantes.</p><p>No livro Quarto de despe-</p><p>jo: diário de uma favelada,</p><p>Maria Carolina de Jesus,</p><p>uma mulher negra, mãe</p><p>solteira, com pouca</p><p>instrução e moradora</p><p>da favela do Canindé,</p><p>em São Paulo, relata as</p><p>dificuldades do dia a dia</p><p>de catadora de lixo, bem</p><p>como da vida com pou-</p><p>cos recursos na periferia.</p><p>A obra teve grande reper-</p><p>cussão, sendo traduzida</p><p>para treze idiomas, e foi</p><p>bastante comentada pela</p><p>crítica.</p><p>JESUS, C. M. de. São Paulo: Ática,</p><p>2014.</p><p>Livro</p><p>O documentário Leitores</p><p>sem fim narra algumas</p><p>iniciativas que ocorreram</p><p>no Rio de Janeiro e na</p><p>Colômbia a respeito da</p><p>promoção da litera-</p><p>tura como forma de</p><p>contingenciamento da</p><p>violência, da crimina-</p><p>lidade e das drogas.</p><p>Através do depoimento</p><p>de leitores, especialistas</p><p>e outros participantes, o</p><p>documentário provoca</p><p>uma nova relação com a</p><p>literatura.</p><p>Disponível em: https://</p><p>biblioo.cartacapital.com.br/</p><p>leitores-sem-fim-2/.</p><p>Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>FilmeDocumentário</p><p>Pressmaster/Shutterstock</p><p>http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/08/literatura-de-cordel-combate-drogas-e-preconceito-nas-escolas-da-paraiba.html</p><p>http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/08/literatura-de-cordel-combate-drogas-e-preconceito-nas-escolas-da-paraiba.html</p><p>http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/08/literatura-de-cordel-combate-drogas-e-preconceito-nas-escolas-da-paraiba.html</p><p>http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/08/literatura-de-cordel-combate-drogas-e-preconceito-nas-escolas-da-paraiba.html</p><p>http://g1.globo.com/pb/paraiba/noticia/2014/08/literatura-de-cordel-combate-drogas-e-preconceito-nas-escolas-da-paraiba.html</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>https://g1.globo.com/rn/rio-grande-do-norte/noticia/2019/07/13/internet-literatura-e-combate-as-drogas-projeto-de-policiais-federais-leva-palestras-a-escolas-do-rn.ghtml</p><p>amador ou profissional entra em contato direto com a obra, não raro,</p><p>aperfeiçoando o diálogo e o debate com outros leitores. Por meio da</p><p>interação, a obra literária se reatualiza em várias nuances, reconfigura</p><p>seus gostos e predileções, exigindo do leitor uma espécie de maturida-</p><p>de intelectual.</p><p>A esta altura é pertinente mencionarmos as feiras de livros e as as-</p><p>sociações literárias, cujas propostas são ampliar e fomentar a quanti-</p><p>dade de leitores. Múltiplas feiras literárias recriam um novo espectro</p><p>sobre o conceito de formar novos adeptos à leitura. Vários estados do</p><p>território brasileiro aderiram à causa – expandindo também a econo-</p><p>mia paralela local. O mais interessante disso é que muitas escolas da</p><p>periferia realizam visitas às feiras de livros, ampliando, dessa forma, o</p><p>número de jovens leitores. Algumas são famosas, como: Feira Literária</p><p>de Paraty, no Rio de Janeiro; Feira Literária de Poços de Caldas, em Po-</p><p>ços de Caldas-MG; as Bienais do livro, em São Paulo e no Rio de Janeiro;</p><p>dentre outras importantes. Essas feiras fortalecem o prazer pela lite-</p><p>ratura e, consequentemente, ajudam a formar um grande público lei-</p><p>tor. Se tomássemos como parâmetro as associações à semelhança das</p><p>academias literárias das capitais do Brasil, como é o caso da Academia</p><p>Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro, também teríamos uma forma de</p><p>incentivo à leitura bastante proeminente. Geralmente, o público jovem</p><p>leitor se amplia porque observa um forte movimento de leitores de</p><p>várias gerações em busca dos seus autores e livros prediletos. Não à</p><p>toa que muitas gerações juvenis participam de rodas de leitura, fomen-</p><p>tando discussões e alimentando o fenômeno literário.</p><p>A Fundação Cultural de</p><p>Curitiba promove, ano</p><p>após ano, novos projetos</p><p>voltados ao estímulo da</p><p>leitura da obra literária,</p><p>buscando dialogar</p><p>com novos leitores em</p><p>formação.</p><p>Disponível em: http://www.</p><p>fundacaoculturaldecuritiba.com.br/</p><p>literatura/. Acesso em: 1 abr. 2020.</p><p>Curiosidade</p><p>su</p><p>pr</p><p>ab</p><p>ha</p><p>t/</p><p>Sh</p><p>ut</p><p>te</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>46 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>A Academia Brasileira</p><p>de Letras tem uma farta</p><p>programação cultural</p><p>que enseja múltiplas</p><p>atividades literárias</p><p>abertas à comunidade</p><p>leitora acadêmica e não</p><p>acadêmica.</p><p>Disponível em: http://www.</p><p>academia.org.br/eventos. Acesso</p><p>em: 1 abr. 2020.</p><p>Curiosidade</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 47</p><p>2.2 Didática e metodologia no</p><p>trabalho com a literatura</p><p>Vídeo Didática e metodologia são temas que podem ser bastante espinho-</p><p>sos no sentido de gerar uma suposta problematização, todavia, não</p><p>podemos jamais polarizá-los diante de uma discussão excludente. Am-</p><p>bos são importantes nas estruturações de um ensino de qualidade na</p><p>educação básica e de estratégias ligadas à formação do leitor literário.</p><p>Saber conjugar metodologia e didática a nosso favor não é tarefa</p><p>fácil, e mesmo que consigamos, quase sempre uma ficará em maior</p><p>destaque em detrimento de outra. É comum professores dizerem que</p><p>quando temos didática nos falta a metodologia, ou quando temos me-</p><p>todologia nos falta a didática. É necessário trabalhar as duas, com vis-</p><p>tas ao melhor encaminhamento pedagógico, seja ele numa instituição</p><p>particular ou pública. Ao docente de literatura, o melhor é não cair na</p><p>rotina, buscando inovar ano após ano. Sabemos que os conceitos de</p><p>didática e de metodologia merecem uma explicação mais acurada, no</p><p>entanto, podemos submetê-los a uma denominação rapidamente ge-</p><p>nérica para depois denominá-los da melhor forma. Enquanto a primei-</p><p>ra dita as regras de como você transmitirá um determinado conteúdo;</p><p>a outra indica a maneira ou a melhor estratégia metodológica que será</p><p>utilizada para ensinar esse mesmo conteúdo.</p><p>De modo exemplificado,</p><p>caso resolvêssemos falar de didática, o</p><p>ideal é saber explicar um conteúdo pelo aspecto da interdisciplinari-</p><p>dade. Se falássemos de metodologia, poderíamos exemplificar com a</p><p>divisão de alguns leitores em grupos de alunos (dinâmica de grupo), em</p><p>que o docente pode fazer com que eles leiam trechos dos romances,</p><p>possibilitando, dessa forma, a leitura em voz alta e o discurso verbal.</p><p>2.2.1 Práticas didáticas e metodológicas para as</p><p>aulas de literatura</p><p>Se ensinar literatura exige ao menos um método plausível, pode-</p><p>mos questionar: qual seria o método ideal? Como podemos aplicá-lo</p><p>sem deixarmos a aula monótona ou refém de algum didatismo ranço-</p><p>so? Será que existe uma receita? As perguntas aqui não podem soar</p><p>apenas de forma retórica, mas, sim, nos fazer refletir como isso pode</p><p>48 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>ser melhorado dia após dia. Entretanto, é mais fácil levantarmos mui-</p><p>tas perguntas do que darmos as consequentes respostas. O autor Wil-</p><p>liam Roberto Cereja já resgata um pouco desse desafio problemático</p><p>na escolha da melhor metodologia. Para ele:</p><p>pensamos que quase todas as opções metodológicas de ensi-</p><p>no de literatura apresentam vantagens e desvantagens e que</p><p>o mais conveniente é avaliar qual dessas possibilidades é mais</p><p>pertinente a cada escola e ao seu projeto pedagógico, levando-se</p><p>em conta, evidentemente, o corpo de professores e de alunos, as</p><p>propostas oficiais de ensino etc. (CEREJA, 2009, p. 162)</p><p>Não devemos nos furtar de que para falarmos de métodos é ne-</p><p>cessário consultar a obra Ensino de Literatura (2009), do mesmo autor</p><p>citado acima. Nessa obra, Cereja disserta sobre a dificuldade da esco-</p><p>lha de alguns métodos já utilizados por alguns docentes e pesquisado-</p><p>res. Quanto aos modelos, o autor cita três: transmissivo; construtivista;</p><p>sociointeracionista.</p><p>A primeira estabelece que o professor é o centro do conhecimento</p><p>e a aprendizagem deve seguir o conteúdo dos currículos e dos livros</p><p>didáticos; já a segunda, teoria construtivista criada pelo psicólogo suí-</p><p>ço Jean Piaget (1896-1980), busca atiçar a curiosidade dos alunos pela</p><p>solução dos problemas e a devida curiosidade em relação ao tema pro-</p><p>posto pelo professor; por fim, de autoria do russo Lev Semyonovich</p><p>Vygotsky (1896-1934), a sociointeracionista refere-se aos aspectos de</p><p>aprendizagem correspondidos pela aproximação dos alunos, conheci-</p><p>da como zona de desenvolvimento proximal.</p><p>Perceba que cada um desses modelos possui uma didática a ser</p><p>estruturada pelo próprio docente. Para o autor, além disso, existem</p><p>outras escolhas que podem configurar melhor essa prática, são elas:</p><p>recorte de autores e ponto de partida de trabalho. Explicando melhor,</p><p>recorte significa a seleção de autores por diferentes vertentes e carac-</p><p>terísticas, como étnico, econômico, estilo, faixa etária, recluso ou midiá-</p><p>tico; já o ponto de partida pode ser explicado como o momento ideal</p><p>para o professor dar sequência a uma determinada obra. Desse modo,</p><p>o autor também elucida quais seriam os autores ou estilos de época</p><p>por onde começar. De acordo com Cereja (2009), tais métodos apre-</p><p>sentam vantagens e desvantagens, cabendo ao docente verificar qual</p><p>é o mais vantajoso para a escola e para o projeto político pedagógico.</p><p>Explicitando melhor o seu raciocínio, ele delineia algumas hipóteses se-</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 49</p><p>guidas por alguns docentes e pesquisadores. Ilustramos essas ideias</p><p>(metodológicas e didáticas) no quadro a seguir.</p><p>Quadro 1</p><p>Abordagens metodológicas e didáticas no tratamento com a literatura</p><p>Hipótese</p><p>metodológica Método Ação</p><p>metodológica Dificuldades Exemplos em</p><p>sala de aula</p><p>Formato</p><p>didático</p><p>Organizar o</p><p>curso em gran-</p><p>des unidades</p><p>temáticas</p><p>A partir de</p><p>cada uma de-</p><p>las, abrir um</p><p>grande leque</p><p>de leituras.</p><p>Confrontar</p><p>autores e</p><p>gêneros.</p><p>Reside na falta</p><p>de domínio,</p><p>por parte do</p><p>aluno (de um</p><p>conhecimento</p><p>a respeito do</p><p>autor, do movi-</p><p>mento literário</p><p>e da época</p><p>que o texto foi</p><p>produzido).</p><p>Abordagem do</p><p>tema amor nas</p><p>várias épocas da</p><p>literatura brasi-</p><p>leira (incluindo</p><p>tipos de textos</p><p>em verso e/ou</p><p>prosa).</p><p>Trabalhar os</p><p>textos em</p><p>oposição um ao</p><p>outro, flagrando</p><p>diferenças e</p><p>semelhanças</p><p>entre eles.</p><p>Organizar o</p><p>curso em torno</p><p>dos grandes</p><p>gêneros literá-</p><p>rios.</p><p>Relacionar</p><p>os diferen-</p><p>tes gêneros</p><p>(romance,</p><p>novela, tra-</p><p>gédia, fábula,</p><p>epopeia e a</p><p>crônica).</p><p>Relacionar e</p><p>associar com</p><p>os contextos</p><p>social e cultural</p><p>de cada um.</p><p>Distanciamen-</p><p>to histórico</p><p>entre os</p><p>gêneros, lin-</p><p>guagem pouco</p><p>acessível e</p><p>temas pouco</p><p>interessantes</p><p>para o jovem.</p><p>Estudo da evo-</p><p>lução do gênero</p><p>romance românti-</p><p>co para o romance</p><p>realista-naturalista,</p><p>o romance</p><p>pré-modernista e</p><p>modernista.</p><p>Criar sequên-</p><p>cias didáticas,</p><p>de modo a</p><p>adequar os</p><p>gêneros e suas</p><p>especificidades</p><p>à realidade da</p><p>sala de aula: a</p><p>idade e o perfil</p><p>do aluno, o tem-</p><p>po escolar, o</p><p>interesse maior</p><p>ou menor por</p><p>determinados</p><p>gêneros.</p><p>Organizar a</p><p>disciplina de</p><p>literatura de</p><p>forma diacrô-</p><p>nica.</p><p>Utilizar da</p><p>sequência</p><p>histórica (esti-</p><p>los de época)</p><p>como ponto</p><p>de partida.</p><p>Estabelecer</p><p>relações e</p><p>cruzamentos</p><p>com outros</p><p>períodos da</p><p>literatura e da</p><p>cultura.</p><p>Há o problema</p><p>de lidar com</p><p>textos bastan-</p><p>te antigos, de</p><p>sintaxe e de</p><p>léxico arcaicos,</p><p>distanciados</p><p>do jovem de</p><p>15 anos que</p><p>ingressa no</p><p>Ensino Médio.</p><p>Estudo dos tex-</p><p>tos do trovado-</p><p>rismo português</p><p>até Camões,</p><p>autor do clássico</p><p>Os Lusíadas.</p><p>O autor Cereja</p><p>não chega a</p><p>sugerir uma</p><p>proposta didá-</p><p>tica, mas cabe</p><p>a você leitor</p><p>tentar descobrir</p><p>ou aperfeiçoar.</p><p>Fonte: Elaborado pelo autor com base em Cereja (2009, p. 162-164).</p><p>De modo geral, as estratégias didáticas e metodológicas no trato com</p><p>o texto literário devem partir de uma experiência permanente em sala</p><p>de aula. É no fazer diário que o docente passa a testar qual a funciona-</p><p>50 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>lidade do método utilizado e, consequentemente, o prazer que gera no</p><p>aluno ao ajudá-lo a aprender determinado assunto. Quando o conteúdo</p><p>da obra literária (por meio do seu enredo, da trama e personagens) pas-</p><p>sa a fazer sentido para o aluno, é comum que ele passe a gostar e apre-</p><p>ciar mais a literatura. Na educação básica, tanto no ensino fundamental</p><p>ou no médio, o professor deve saber escolher as obras e os autores a</p><p>serem trabalhados de acordo com a idade do aluno, por esse motivo,</p><p>é importante que se faça uma pré-seleção de títulos condizentes à sé-</p><p>rie do leitor, estabelecendo objetivos e estratégias de leitura. De nada</p><p>adianta sugerir que seu aluno do sétimo ano leia Memórias Póstumas de</p><p>Brás Cubas, do escritor carioca Machado de Assis, se ele não consegue</p><p>nem compreender o enredo da obra. Portanto, faz-se indispensável ter a</p><p>responsabilidade de alcançar a metodologia correta para que a obra não</p><p>fique refém apenas da sua estrutura, ou seja, deslocada no tempo e no</p><p>espaço, descontextualizada.</p><p>Tomando como parâmetro o gênero romance histórico, o docen-</p><p>te deve explicitar os acontecimentos e fatos históricos que recheiam</p><p>o enredo da narrativa. A título de ilustração, no romance Mad Maria</p><p>(1980), do escritor acreano Márcio Souza, temos um potencial didá-</p><p>tico muito interessante para ser trabalhado com os alunos do ensino</p><p>médio. Nessa obra, é possível o leitor entender episódios dramá-</p><p>ticos sobre a macabra mortandade de trabalhadores estrangeiros.</p><p>Levando em conta a essência e a autonomia do texto fictício, é pos-</p><p>sível aprender história do Brasil ao tomar conhecimento de alguns</p><p>fatos históricos. Para quem ainda não leu o romance, a obra inclui</p><p>um tratamento narrativo documental sobre os primeiros imigran-</p><p>tes que chegaram à Amazônia em busca de trabalho e de melhor</p><p>qualidade de vida. Cabe apenas ao docente, explicitar didaticamente</p><p>como ocorreu o ciclo da exploração da borracha na região da Ama-</p><p>zônia durante o início do século XX e como foi, de fato, a construção</p><p>da ferrovia Madeira-Mamoré. Ao ensinar, por meio de uma aula ex-</p><p>positiva, ou mesmo fazer com que os alunos realizem pesquisas na</p><p>internet, o docente ampliará a visão do leitor das referências plurais</p><p>representadas no enredo da obra.</p><p>Longe de retermos o nosso raciocínio apenas nas aulas de lite-</p><p>ratura do ensino médio, conforme mostramos anteriormente, é im-</p><p>portante também que façamos um breve contraponto com o ensino</p><p>fundamental. Nesse caso, podemos usar como exemplo uma turma</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 51</p><p>de nono ano e atestar como o trabalho prático com uma obra lite-</p><p>rária pode também reforçar o interesse do aluno pelo fenômeno</p><p>literário, ou seja, a formação do leitor.</p><p>Nesse sentido, podemos usar como exemplo (saindo da atmosfera</p><p>da literatura brasileira para a norte-americana) o thriller histórico O códi-</p><p>go da Vinci, do autor Dan Brown. Autor de inúmeras obras e reconhecido</p><p>internacionalmente, o autor, nascido no estado de Maine, nos Estados</p><p>Unidos, inovou bastante ao publicar o seu primeiro romance, que teve</p><p>uma leitura reconhecida e massiva. Com essa obra, o professor pode</p><p>construir uma chave de leitura usando jogos de detetive de tabuleiro,</p><p>pois, ao nosso ver, provocar o aluno a pensar a obra de Brown como</p><p>uma espécie de romance policial – cuja narrativa faz com que o leitor te-</p><p>nha que encontrar as pistas para raciocinar com os elementos do enredo</p><p>– é a estratégia mais vantajosa como forma de trabalho didático. Ao am-</p><p>pliar o jogo extratextual do romance para o ambiente dos jogos lúdicos,</p><p>o docente também conseguirá criar um chamariz para conquistar o seu</p><p>leitor. Portanto, é no trabalho inovativo, interdisciplinar e metodológico</p><p>que a obra pode se tornar mais atraente.</p><p>Conforme observamos, não há dúvidas de que o professor que</p><p>possui experiência com algumas obras literárias terá melhor trata-</p><p>mento didático com o ensino da literatura. Conforme defende o autor</p><p>Vicent Jouve (2012, p. 19): “as emoções estão de fato na base do princí-</p><p>pio da identificação, motor essencial da leitura de ficção”. Este mesmo</p><p>professor deve ser um amante das artes em geral, tendo o dever de</p><p>unir a paixão pelas artes plásticas, a visitação a diferentes museus, a</p><p>possibilidade de viajar com frequência, de trocar ideias com demais</p><p>professores, de realizar cursos e apresentar artigos e conferências em</p><p>congressos. Devido à escassez de dinheiro e tempo tomado por inúme-</p><p>ras tarefas, sabemos que não é exatamente essa a realidade de muitos</p><p>professores. Em contrapartida, ao ter o conteúdo necessário para com-</p><p>preender o fenômeno literário – no contraste dos períodos históricos,</p><p>escolas de época e manifestações artísticas –, certamente, ele terá a</p><p>capacidade de alcançar uma metodologia eficaz.</p><p>2.2.2 Desafios ao trabalho com a literatura</p><p>É importante nos atentarmos à realidade de que muitos professo-</p><p>res capacitados e especializados enfrentam um verdadeiro dilema ao</p><p>52 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>ter que ensinar literatura ou cativar novos leitores: a falta de didatis-</p><p>mo devido ao alto índice de formação. Diante dessa assertiva, é cabível</p><p>problematizar que muitos docentes com mestrado ou doutorado, ou</p><p>simplesmente devido ao longo tempo de formação, sofrem para con-</p><p>seguir unir anos de pesquisa ao ensino em sala de aula.</p><p>Em outras palavras, este mesmo professor que concluiu um dou-</p><p>torado recente não consegue pisar no mesmo chão que o aluno da</p><p>educação básica pisa, excluindo-o automaticamente da possibilidade</p><p>de aprendizado. Diante desse impasse, é importante dizer que muitos</p><p>programas de capacitação profissional, como o Mestrado Profissional</p><p>em Letras, são capazes de unir a pesquisa junto ao ensino na educação</p><p>básica, ampliando, dessa forma, novas ferramentas metodológicas e</p><p>didáticas no dia a dia do professor. Portanto, dissertações e teses que</p><p>antes ficavam engavetadas, agora, são tomadas como estratégias de</p><p>mudança didática por parte de muitos pesquisadores.</p><p>Também, é comum verificarmos que existem muitas queixas por</p><p>parte dos professores de literatura de que o trato com o texto literário</p><p>tem se resumido aos moldes tradicionais de ensino. Estudar a litera-</p><p>tura apenas como algo sincrônico, subordinado às escolas literárias e</p><p>aos movimentos históricos é quase sempre fator didático aceito passi-</p><p>vamente por muitos professores. Cereja (2005, p. 89) alerta para esse</p><p>tipo de vício didático, para ele,</p><p>ensinar literatura brasileira, ou brasileira e portuguesa, com base</p><p>na descrição de seus estilos de época, de suas gerações, autores</p><p>e obras mais importantes tornou-se um expediente tão comum</p><p>nas escolas, que para muitos professores é praticamente impos-</p><p>sível imaginar uma prática de ensino diferente dessa.</p><p>Para que haja uma mudança dessa realidade, o professor deve</p><p>interrogar os métodos didáticos já propostos, inserindo a sua voz</p><p>autoral. Advogamos também que a disciplina de literatura não</p><p>pode ficar refém do livro didático, pois este deve ser apenas uma</p><p>ferramenta. Nesse sentido, buscar apresentar a obra atrelada aos</p><p>anseios da historiografia resulta, quase sempre, em conteúdos</p><p>decorados e com sentido artificial. Esse tipo de recomendação já</p><p>foi alvo de diferentes opiniões por vários especialistas no assunto.</p><p>Nas palavras de Cereja (2005, p. 141):</p><p>na transposição didática da historiografia literária para as aulas</p><p>de literatura, o foco central passa a ser os conteúdos da história</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 53</p><p>da literatura, ou seja, o conjunto de autores de cada estilo de</p><p>época, suas obras mais representativas, suas características,</p><p>etc., geralmente ensinados pelo método transmissivo e com fim</p><p>de desenvolver, quase exclusivamente, uma única habilidade, a</p><p>memorização. Tenta-se pôr em prática, portanto, uma historio-</p><p>grafia da pior qualidade, uma vez que é esquemática, determi-</p><p>nista, redutora e simplista.</p><p>Boa parte das vezes, os livros didáticos entregues pelo Ministério da</p><p>Educação apresentam trechos de obras, ou seja, o conteúdo fica con-</p><p>dicionado à leitura esparsa e instantânea. Não à toa que muitos livros</p><p>didáticos seguem a receita básica do não questionamento a esses tipos</p><p>de metodologia e didática. A melhor receita ainda é: ler a obra na ínte-</p><p>gra, tomando notas, esboçando o seu formato, realizando esquemas e</p><p>compartilhando experiências de leituras com outros leitores.</p><p>2.3 Literatura nos anos finais do</p><p>ensino fundamental</p><p>Vídeo Como podemos trabalhar o conteúdo de uma obra literária com tur-</p><p>mas do oitavo ao nono anos? Como cativar alunos sem menosprezar o</p><p>conteúdo e o tema proposto pelo enredo da obra? Quais são os gêneros</p><p>e as obras, os autores, os períodos e as épocas a serem trabalhadas?</p><p>Na faixa etária dos 11 aos 14 anos, o certo é que muitos jovens,</p><p>matriculados nas escolas públicas e particulares do Brasil, estão sendo</p><p>conquistados pela literatura de fantasia. Dar asas à imaginação, sair da</p><p>rotina estudantil, fugir dos problemas e anseios familiares parecem ser</p><p>os grandes motivos, sem generalizarmos, da grande procura por esse</p><p>gênero literário. Longe da leitura dos clássicos, impostos pela institui-</p><p>ção escolar, os estudantes buscam, de forma autônoma, ler obras que</p><p>tragam prazer e ampliem seu repertório imaginário. Ainda que se fale</p><p>muito da motivação desses jovens (mantendo sempre um ar enigmá-</p><p>tico), é comum encontrá-los diante dos livros, seja nos corredores da</p><p>escola, seja nas salas de aula.</p><p>É importante afirmarmos que o trabalho com a literatura nos anos</p><p>finais do ensino fundamental, primeiramente, deve requerer uma ca-</p><p>pacidade menos assertiva por parte do docente de língua portuguesa.</p><p>É necessário que se problematize alguns acontecimentos representa-</p><p>dos no corpo da obra. A título de exemplo, o professor pode trabalhar</p><p>54 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>nas turmas de nono ano o romance histórico A República dos Bugres, de</p><p>Ruy Tapioca, e atestar que a temática da chegada da família real portu-</p><p>guesa é tratada de diferentes formas interpretativas. Em determinado</p><p>momento, o narrador interrompe a história para questionar o vocábulo</p><p>chegada, pela possível permuta pelos termos fuga,</p><p>migração, dentre ou-</p><p>tros. Conforme defende o autor Rildo Cosson, “O professor é o interme-</p><p>diário entre o livro e o aluno, seu leitor final. Os livros que ele lê, ou leu,</p><p>são os que terminam invariavelmente nas mãos dos alunos” (COSSON,</p><p>2005, p. 55). Desse modo, toda seleção bibliográfica deve ser crítica e</p><p>problemática. A tolerância e a mentalidade aberta são critérios funda-</p><p>mentais que cada professor terá em relação aos títulos e ao gênero, os</p><p>quais devem atender à pluralidade de pensamento do aluno dessa ida-</p><p>de. Pluralidade esta que está cercada de anseios emocionais e físicos</p><p>próprios da idade e do período de desenvolvimento: inquietude e an-</p><p>siedade diversas são somatórias no processo de ensino-aprendizagem.</p><p>Prazer e curiosidade pela leitura movem muitos jovens, para eles,</p><p>a literatura precisa ter um sentido, ou seja, uma força motora que aja</p><p>diante dos desafios enfrentados na realidade – muitas vezes cruel e</p><p>monótona. Sendo capazes de realizar suas escolhas, não é raro ver-</p><p>mos também alguns alunos debatendo os livros entre si e seguindo, via</p><p>redes sociais, os seus escritores favoritos. Podemos acreditar que, de</p><p>agora em diante, lidaremos com alunos que possuem certa maturida-</p><p>de, os quais se posicionarão como leitores críticos.</p><p>Conforme já assinalamos, antenados nas redes sociais (Instagram,</p><p>Facebook, Twitter, dentre outras), muitos alunos já leram as resenhas</p><p>dos livros e, com frequência, também selecionaram os melhores vídeos</p><p>dos indicadores de livros. A partir desse jogo experimental, e ao mesmo</p><p>tempo experiente, as obras escolhidas passam por uma espécie de tra-</p><p>tamento literário, para saber o que pode ser aceito. Sendo assim, a esco-</p><p>lha, quase sempre, ocorre por meio desse dinamismo cultural que cerca</p><p>os jovens de forma corriqueira. Longe do mantra de que a literatura só</p><p>pode ser tratada por meio da arte da palavra escrita ou simplesmen-</p><p>te a balizarmos pelos jargões acadêmicos disseminados nos cursos de</p><p>Letras, as obras também devem possuir uma espécie de circunscrição</p><p>digital. Desse modo, o fascínio maior desses estudantes se dá, muitas</p><p>vezes, pela facilidade de interações tecnológica e virtual, seja a primeira</p><p>pelo meio digital, seja a segunda pela possibilidade de postar, interagir e</p><p>debater um determinado conteúdo por meio da Internet.</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 55</p><p>2.4 Literatura no ensino médio</p><p>Vídeo Para iniciarmos esta seção, fazemos o seguinte questionamento:</p><p>você (leitor e futuro professor), nas conversas informais na sala dos</p><p>professores ou nas reuniões do colegiado, já deve ter ouvido falar</p><p>que o ensino de literatura praticado no ensino médio deve ser tratado</p><p>de modo mais consistente e madura? As expressões “formar novos</p><p>leitores” e “angariar leitores críticos” quase sempre soam como um</p><p>jargão já desgastado, mas, insistentemente, são sempre lembradas</p><p>como a tarefa principal do docente. É possível afirmar que, no ensino</p><p>médio, estamos lidando com tipos de leitores mais acostumados com</p><p>algumas técnicas literárias, ou que, ao menos, sabem falar sobre livro</p><p>que leram anteriormente; que são maduros por terem um repertório</p><p>maior de leituras do que tinham quando estudavam nos anos finais</p><p>da educação básica. Subentende-se que muitos estudantes adoles-</p><p>centes já possuem maturidade suficiente para ler obras literárias sem</p><p>a devida imposição do professor.</p><p>Maturidade e motivação são fatores indispensáveis no trato</p><p>com o fenômeno literário. Formular uma “construção de uma situa-</p><p>ção”, conforme nos alerta Rildo Cosson (2005, p. 30), é uma forma</p><p>bastante pertinente para dar sequência ao conteúdo de uma obra</p><p>literária nesse nível de ensino. Em outros termos, o docente pode</p><p>fazer com que os alunos respondam uma questão e se posicionem</p><p>em relação ao tema proposto.</p><p>Para ilustrarmos melhor, tomamos como exemplo o romance pica-</p><p>resco Memórias de um Sargento de Milícias, do escritor Manuel Antônio</p><p>de Almeida. Nessa narrativa seminal para a escola literária do romantis-</p><p>mo brasileiro, o docente de literatura poderá realizar preliminarmente</p><p>um fichamento da obra junto aos alunos. O interessante didático nesse</p><p>romance é que ele possui uma linguagem sarcástica e irreverente, por</p><p>meio da qual a obra ganha a simpatia de muitos alunos facilmente.</p><p>Com uma espécie de decomposição dos aspectos narrativos estruturais</p><p>(enredo, tipo de narrador, personagens, espaço, trama etc.), o aluno terá</p><p>noção de como a obra foi estabelecida pelo autor. Ao que tudo indica, e</p><p>conforme já alertou parte da crítica, esse romance exige um leitor fami-</p><p>liarizado com o contexto histórico da cidade do Rio de Janeiro. De acordo</p><p>com Cosson, “interpretar é dialogar com o texto tendo como limite o con-</p><p>56 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>texto. Esse contexto é de mão dupla, ou seja, tanto é aquele dado pelo</p><p>texto quanto o que é dado pelo leitor, portanto um e outro precisam con-</p><p>vergir para que a leitura adquira sentido” (COSSON, 2005, p. 57).</p><p>Dessa forma, o professor deve ambientar o seu aluno, frisando o</p><p>ensino contextual ligado ao enredo. Acontecimentos históricos que</p><p>circunscrevem a obra, como a chegada da família real portuguesa no</p><p>Rio, a formação da primeira polícia no Brasil, política do favor, dentre</p><p>outros eventos, a partir dos quais devem seguir para uma análise críti-</p><p>ca, a fim de interrogar como alguns eventos ligados à trama narrativa</p><p>modificam as ações das diferentes personagens.</p><p>Com base nas orientações do autor, resolvemos propor ao aluno</p><p>do terceiro ano, três leituras ligadas a três temas distintos para o anda-</p><p>mento de uma aula. Por motivos didáticos, no trato do leitor com temas</p><p>desafiadores e ao mesmo tempo cômicos, o escritor escolhido foi o ca-</p><p>rioca Lima Barreto, autor do clássico Triste Fim de Policarpo Quaresma.</p><p>Podemos garantir a você que ele é um autor literalmente empolgante</p><p>de ser estudado no ensino médio. Romancista-jornalista, escritor de</p><p>várias cartas e de crônicas literárias, intelectual voltado a apresentar as</p><p>incongruências da nação, Lima Barreto é considerado o mestre da re-</p><p>presentação literária brasileira. Seu papel na sociedade de época pode</p><p>acrescentar vários desdobramentos para compreensão da história do</p><p>Brasil, pois episódios como a Abolição da Escravatura, a transição do</p><p>Império para a República, a Revolta da Vacina, entre outros aconteci-</p><p>mentos, consubstanciaram-se em pano de fundo para seus livros.</p><p>Como professor de Literatura do terceiro ano, imagine você a se-</p><p>guinte situação hipotética: trabalhar a obra Clara dos Anjos, do escritor</p><p>carioca Lima Barreto. A trama do romance é um pouco conhecida por</p><p>alguns jovens leitores, mas sempre atrativa para os desconhecidos. Fi-</p><p>lha do carteiro Joaquim dos Santos, a jovem mulata Clara é moradora</p><p>do subúrbio carioca. Protegida excessivamente pela sua família subur-</p><p>bana, ela vive uma vida isolada e triste. Embora seja protegida pela</p><p>família, a jovem deseja ter experiência com a vida lá fora. Em uma de-</p><p>terminada altura da narrativa, a pobre jovem acaba sendo conquistada</p><p>por um galanteador barato chamado Cassi Jones. Durante sua atitude</p><p>de confiança amorosa platônica, Clara é iludida e desprezada. Para fins</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 57</p><p>didáticos, a sugestão mais curiosa e crítica aos leitores é levantar algu-</p><p>mas questões interpretativas:</p><p>4. Por um olhar</p><p>interdisciplinar, quais</p><p>são os acontecimentos</p><p>históricos que perpassam</p><p>o enredo da obra?</p><p>1. Como o subúrbio</p><p>carioca é representado</p><p>no escopo do</p><p>romance?</p><p>2. Quais são os trechos</p><p>da obra que remetem</p><p>à ideia opressiva</p><p>sofrida por Clara em</p><p>relação aos familiares</p><p>e aos amigos de</p><p>infância? 3. Que tipo de relação</p><p>autoritária aparece</p><p>no romance e</p><p>como ela modifica o</p><p>comportamento da</p><p>personagem Clara?</p><p>Por um viés alusivo e didático, pode ser que o professor ainda invis-</p><p>ta parte do seu tempo na produção metodológica de leitura de outra</p><p>obra do romancista carioca. Pode causar estranheza ao leitor não espe-</p><p>cializado, mas existem romances do autor que são pouco</p><p>trabalhados</p><p>pelos livros didáticos e podem ser curiosamente credenciados para o</p><p>uso em sala de aula nas turmas do terceiro ano. Dependendo do grau</p><p>de análise e da proposta didática, tomamos para fins ilustrativos o ro-</p><p>mance Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá. Escrito durante o ano de</p><p>1918, o enredo apresenta diversas passagens que apontam caracte-</p><p>rísticas da faceta intelectual e erudita do protagonista Gonzaga de Sá.</p><p>Naquele período, Lima compôs um verdadeiro conjunto narrativo de si-</p><p>tuações que evidencia as muitas leituras alusivas a variados escritores</p><p>de época, assim como demonstra grande capacidade para inventariar</p><p>58 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>inúmeros afazeres e gostos que denotam a opção intelectual desses</p><p>homens. A proposta didática pode ser abarcada pela pergunta:</p><p>4. Quais são as obras</p><p>filosóficas citadas</p><p>pelo autor Lima</p><p>Barreto e suas</p><p>possíveis relações</p><p>intertextuais?</p><p>1. Quais são os</p><p>fragmentos</p><p>que evidenciam</p><p>a temática da</p><p>intelectualidade</p><p>do protagonista</p><p>Gonzaga de Sá na</p><p>obra?</p><p>2. Qual é o</p><p>contexto</p><p>histórico</p><p>circunscrito</p><p>ao romance</p><p>(funcionando</p><p>como pano</p><p>de fundo)?</p><p>3. O pano de fundo</p><p>modifica a ação</p><p>das personagens?</p><p>Como isso ocorre?</p><p>Cite trechos que</p><p>comprovem.</p><p>Ainda insistindo na leitura do consagrado Lima Barreto, temos tam-</p><p>bém a leitura da obra Diário Íntimo, que pode despertar a curiosidade</p><p>nos alunos do ensino médio. A curiosidade em relação a essa obra é</p><p>sua escrita em forma de diário, além disso, não raro observamos nos-</p><p>sos alunos relatando os acontecimentos diários junto aos colegas. De</p><p>um modo geral, a obra resgata os expedientes do autor transcorridos</p><p>entre os anos de 1900 e 1921. O texto foi escrito sem uma ordem de-</p><p>finida, estabelecida, no interstício temporal de 21 anos, cujo registro</p><p>resguarda as memórias de sua vida e de seu ofício de escritor. O voca-</p><p>bulário solto e espontâneo nos faz lembrar o conceito de liberdade da</p><p>escritura, assim denominado por Roland Barthes na obra Grau zero da</p><p>escrita (2008). Diante de tal perspectiva, possivelmente podemos or-</p><p>questrar a seguinte problemática didática:</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 59</p><p>4. Com base na</p><p>leitura do diário do</p><p>autor, quais são</p><p>os desafios de ser</p><p>negro no Brasil</p><p>nesse período?</p><p>1. Como o escritor Lima</p><p>Barreto desabafa sua</p><p>melancolia nos seus</p><p>registros escritos?</p><p>2. Existe uma</p><p>relação de</p><p>causa e efeito</p><p>nos aspectos</p><p>melancólicos</p><p>expostos por</p><p>Lima Barreto?</p><p>Cite exemplos.</p><p>3. Como o mulato Lima</p><p>Barreto aparece no</p><p>diário? Quais são</p><p>os trechos da obra</p><p>que fazem alusão ao</p><p>contexto da escravidão</p><p>dos negros no Brasil?</p><p>Exemplos como esses poderiam se multiplicar devido à quantidade</p><p>de obras de autores clássicos da Literatura Brasileira, mas a proposta</p><p>não é exatamente essa. Ao professor, cabe explorar outras chaves de</p><p>leitura nas obras e conjugá-las a favor dos alunos, seguindo as orien-</p><p>tações da BNCC: “a análise contextualizada de produções artísticas e</p><p>dos textos literários, com destaque para os clássicos, intensifica-se no</p><p>Ensino Médio” (BNCC, 2018, p. 505). O tema, conforme advoga a BNCC,</p><p>funciona como fator decodificador e este deve ser perseguido visando</p><p>ser decifrado. Devemos frisar que, quando temos um desafio curioso</p><p>a ser delineado, isso certamente influencia na motivação. Desse modo,</p><p>a tríade romanesca, apontada acima, serve como fator motivacional,</p><p>estimulando o aluno na leitura e nas pesquisas das referências in-</p><p>tertextuais trabalhadas por Lima Barreto. É cabível afirmarmos que</p><p>a crítica já tem se aprofundado quando diz que o romancista carioca</p><p>era profundo conhecedor dos eventos históricos, tendo forte habilida-</p><p>de para inseri-los e manejá-los no corpo dos enredos de suas obras.</p><p>A obra A República dos</p><p>Bugres é ambientada no</p><p>século XIX, especifica-</p><p>mente nas cidades de</p><p>Lisboa, Salvador e Rio</p><p>de Janeiro. Ela reconta,</p><p>picarescamente, por meio</p><p>do protagonista Quincas,</p><p>o cenário das grandes</p><p>empreitadas históricas</p><p>acerca da chegada da fa-</p><p>mília Real Portuguesa em</p><p>1808. A partir da leitura</p><p>do romance, nas aulas de</p><p>Língua Portuguesa, Litera-</p><p>tura Brasileira ou História,</p><p>você pode apresentar</p><p>um seminário abordando</p><p>algumas categorias, tais</p><p>como: multiplicidade</p><p>de narradores e pontos</p><p>de vista sobre a história</p><p>narrada e a intersecção</p><p>entre o artefato literário e</p><p>o histórico.</p><p>TAPIOCA, R. R. Rio de Janeiro:</p><p>Rocco, 1999.</p><p>Livro</p><p>60 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Portanto, ao professor de literatura, cabe inovar na forma didática, pro-</p><p>vocando seus alunos leitores a descobrirem eventos no trato com o</p><p>arsenal histórico de época.</p><p>Outra sugestão metodológica importante é o trabalho didático feito</p><p>entre a literatura e o cinema. A ideia não é simplesmente comparar um</p><p>romance com um filme adaptado, mas tentar provocar o aluno para uma</p><p>possível análise do que pode ser recortado – linguagem, cenário, tipos de</p><p>personagens. Nesse caso, o professor de Literatura poderá solicitar uma</p><p>atividade interdisciplinar junto aos alunos do ensino médio, em especial</p><p>aos alunos do terceiro ano. A título de ilustração metodológica, a prática</p><p>em sala de aula seria o trabalho com algumas questões entre o romance A</p><p>República dos Bugres (1999) e os filmes Independência ou Morte (1971), do ci-</p><p>neasta Carlos Coimbra, e o filme Carlota Joaquina, a Rainha Devassa (1994),</p><p>de Carla Camurati. Outro modelo inspirador que também pode ser usado</p><p>pelo professor é a série televisiva da Rede Globo, O Quinto dos Infernos</p><p>(2002). Se tomássemos como exemplo também o romance Conspiração</p><p>Barroca, do mesmo autor, o docente pode trabalhar de forma intertextual</p><p>os livros O romanceiro da Inconfidência (1992), da romancista Cecília Mei-</p><p>relles, e o romance Os inconfidentes (1966), do escritor João Alves Borges.</p><p>“O exercício literário inclui também a função de produzir certos níveis</p><p>de reconhecimento, de empatia e de solidariedade e envolve reinventar,</p><p>questionar e descobrir-se” (BNCC, 2018, p. 506). É a partir de um traba-</p><p>lho de literatura bem planejado, que vemos se efetivar o que é exposto</p><p>pela Base: percebemos que muitos alunos acabam sendo seduzidos pela</p><p>experiência literária. Ao ler um romance de Machado de Assis, José de</p><p>Alencar ou Lima Barreto, o leitor acaba revelando sua empatia pela obra,</p><p>descobrindo que o universo da ficção pode lhe causar prazer e fruição.</p><p>E, para desfrutar desse ato sublime, é necessário que o leitor reinven-</p><p>te o seu próprio tempo, ampliando momentos de ócio. Conforme já sa-</p><p>lientamos, embora a falta de tempo seja uma das principais desculpas</p><p>apresentadas pelos alunos em relação ao tempo para se trabalhar todos</p><p>os conteúdos, é indispensável que se adquira o hábito de leitura onde</p><p>o professor e o aluno estiverem. Criando uma reserva diária de tempo,</p><p>a leitura pode ser favorável em qualquer ambiente, seja no ônibus, na</p><p>fila de espera do dentista ou do médico, o momento de leitura deve ser</p><p>estimulado por quem muito a estima e valoriza.</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 61</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Falar sobre formação implica abordar a disposição do professor e do</p><p>aluno no trato amistoso com o texto literário. É necessário ter as devidas</p><p>aproximação e curiosidade (funcionando como uma via de mão dupla) du-</p><p>rante o período de permanência na educação básica. Longe dos preconcei-</p><p>tos em relação ao tema abordado pela obra, o professor deve ter o preparo</p><p>necessário para capacitar o aluno com a melhor formação. Ainda que se</p><p>crie uma estimativa de um formato objetivo metodológico e didático no</p><p>ensino de Literatura, o certo é que caberá ao docente escolher a maneira</p><p>mais vantajosa de transmitir o conteúdo de uma determinada obra literária.</p><p>É importante dizer que o fenômeno literário não é mais tido como algo</p><p>apartado do universo do leitor, pois, com o advento das redes sociais, é</p><p>possível atestarmos uma vasta mudança no comportamento do público</p><p>leitor, conforme conseguimos dissertar. Observamos que a BNCC estabe-</p><p>lece algumas sugestões a serem</p><p>direcionadas e seguidas. No entanto, ain-</p><p>da cabe ao docente conjugá-las com as melhores competências a serem</p><p>atingidas. Basicamente, o objetivo deste capítulo foi colocar em debate al-</p><p>guns direcionamentos sobre os principais aspectos metodológicos e didáti-</p><p>cos, não perdendo de vista a questão da motivação pela formação do leitor</p><p>– peça indispensável quando o assunto é ampliar o número de leitores.</p><p>E também, ainda que tivéssemos uma totalidade das possíveis reflexões</p><p>sobre o projeto de motivação de leitura, jamais poderíamos subestimar um</p><p>possível desdobramento que pudesse colocar em prática o gênero do ro-</p><p>mance histórico brasileiro. Observamos que é na prática acadêmica (por</p><p>meio de um projeto de extensão) que podemos experimentar iniciativas</p><p>supostamente voltadas ao espaço da educação básica. Sobre a questão</p><p>da formação de leitores, é importante ainda a necessidade de se manter a</p><p>continuação da leitura permanente na educação básica.</p><p>Por fim, acreditamos que conseguimos reunir, pelo olhar crítico e cien-</p><p>tífico, uma ampliação e uma discussão do repertório conceitual – conjuga-</p><p>dos com as novas tendências acerca da formação do leitor – nos aspectos</p><p>metodológico e didático. Trazer à baila novos formatos de trabalho, como,</p><p>por exemplo, o trabalho semiótico entre a literatura e o cinema, foi insti-</p><p>gante e provocativo. Igualmente, este capítulo permitiu-nos concluir que –</p><p>apesar das formulações (cada qual ao seu modo) de Cosson, Jouve, entre</p><p>outros estudiosos, e apesar de serem considerados, em parte, autores da</p><p>Teoria Literária e tentarem ancorar suas reflexões na formação do leitor e</p><p>na motivação natural ou incentivada pelo docente ao aluno –, nossa chave</p><p>de leitura pôde ser discutida de forma problemática.</p><p>62 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>ATIVIDADES</p><p>1. Diante das considerações estabelecidas sobre o papel do professor</p><p>na formação do leitor, formule um breve comentário que conjugue e</p><p>articule as dificuldades enfrentadas pelo docente quando precisa ter</p><p>como hábito a leitura do texto literário.</p><p>2. A BNCC reforça que todo exercício de leitura do texto literário</p><p>deve reforçar o caráter de historicidade do texto, assim como uma</p><p>espécie de trabalho contextual entre outras obras produzidas</p><p>naquela época, tempos históricos e os movimentos de perpetuação</p><p>e vanguarda. Diante dessa exigência trabalhada pela Base,</p><p>estabeleça: como você trabalharia, com uma turma do terceiro ano</p><p>do ensino médio, a obra Memórias de um Sargento de Milícias, do</p><p>escritor Manuel Antônio de Almeida?</p><p>3. No Quadro 1, apresentamos algumas considerações do autor William</p><p>Roberto Cereja com a finalidade de sistematizar melhor algumas</p><p>hipóteses metodológicas e didáticas sobre o ensino de literatura. Com</p><p>base nessas considerações, realize o seguinte exercício: suponhamos</p><p>que você precise escolher uma hipótese metodológica, um método e</p><p>uma ação didática para o trabalho com alguma obra literária (dentre</p><p>as citadas no capítulo). A partir daí, disserte sobre qual proposta você</p><p>escolheria para dar uma aula no terceiro ano do ensino médio.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BNCC. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: Ministério da Educação, 2019. Disponível em:</p><p>http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79601-</p><p>anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192.</p><p>Acesso em: 9 mar. 2020.</p><p>CEREJA, W. R. Ensino de literatura. Uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.</p><p>São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>COSSON, R. Letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014.</p><p>DESCARTES, R. Discurso do método; Meditações; Objeções e respostas; As paixões da alma;</p><p>Cartas. Trad. de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979.</p><p>HOLLANDA, A. B. Novo dicionário Aurélio de Língua Portuguesa. São Paulo: Nova</p><p>Fronteira, 1986.</p><p>JOUVE, V. A leitura. São Paulo: Unesp, 2002.</p><p>JOUVE, V. Por que estudar literatura? São Paulo: Parábola, 2012.</p><p>KAUFMAN, A. M.; RODRÍGUEZ, M. H. Escola, leitura e produção de textos. Porto Alegre:</p><p>Artmed, 1995.</p><p>MOISÉS, C. F. Literatura para quê? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1996.</p><p>http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192</p><p>http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017-pdf&Itemid=30192</p><p>Formação do leitor: teoria e prática 63</p><p>OLIVEIRA, C. M. de. Ciclo de Palestras: Os Mestres da Narrativa Histórica Brasileira.</p><p>Florianópolis: BU-UFSC, ago./dez. 2014. Disponível em: http://portal.bu.ufsc.br/</p><p>files/2014/01/relatorio-do-projeto-BU-UFSC-ciclo-de-palestras.pdf. Acesso em: 9</p><p>mar. 2020.</p><p>OLIVEIRA, C. M. de. Estudos de gênero – A opressão do feminino na obra Clara dos Anjos,</p><p>de Lima Barreto. Scripta Alumni, n. 5, 2011. Disponível em: https://uniandrade.br/docs/</p><p>mestrado/Scripta_Alumni_N05_2011.pdf. Acesso em: 9 mar. 2020.</p><p>OLIVEIRA, C. M de. Literatura e autobiografia: imagens da melancolia na obra Diário</p><p>Íntimo, de Lima Barreto. Linguagens - Revista de Letras, Artes e Comunicação, Blumenau, v.</p><p>7, n. 2, p. 091-111, maio/ago. 2013. Disponível em: https://proxy.furb.br/ojs/index.php/</p><p>linguagens/article/view/3822. Acesso em: 9 mar. 2020.</p><p>OLIVEIRA, C. M. de. Literatura e intelectualidade: as facetas intelectuais na obra Vida e</p><p>morte de M. J. Gonzaga de Sá, de Lima Barreto. Uniletras, Ponta Grossa, v. 34, n. 1, p. 59-75,</p><p>jan./jun. 2012. Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/</p><p>view/2924. Acesso em: 9 mar. 2020.</p><p>ROMANCES HISTÓRICOS BRASIL. Administradora Vânia Nunes. Facebook. Disponível</p><p>em: https://www.facebook.com/groups/RomancesHistoricosBrasil/?fref=tsA Acesso em:</p><p>20 out. 2014.</p><p>TODOROV, T. A literatura em perigo. São Paulo: Difel, 2009.</p><p>http://portal.bu.ufsc.br/files/2014/01/relatorio-do-projeto-BU-UFSC-ciclo-de-palestras.pdf</p><p>http://portal.bu.ufsc.br/files/2014/01/relatorio-do-projeto-BU-UFSC-ciclo-de-palestras.pdf</p><p>https://uniandrade.br/docs/mestrado/Scripta_Alumni_N05_2011.pdf</p><p>https://uniandrade.br/docs/mestrado/Scripta_Alumni_N05_2011.pdf</p><p>https://proxy.furb.br/ojs/index.php/linguagens/article/view/3822</p><p>https://proxy.furb.br/ojs/index.php/linguagens/article/view/3822</p><p>https://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/view/2924</p><p>https://www.revistas2.uepg.br/index.php/uniletras/article/view/2924</p><p>64 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>3</p><p>Literatura na escola: tradição</p><p>e vanguarda no ensino</p><p>O presente capítulo explica como os métodos tradicional e mo-</p><p>derno de ensino são trabalhados pelo professor de literatura. É</p><p>importante averiguarmos como tais métodos podem funcionar no</p><p>ambiente da educação básica – partindo do pressuposto de que</p><p>eles funcionam juntos nos encaminhamentos de uma vanguarda</p><p>pedagógica de ensino. Nesta etapa reflexiva, é indispensável que</p><p>façamos uma releitura da Base Nacional Comum Curricular (BNCC),</p><p>insistindo na nossa hipótese inicial: o leitor precisa ser formado e</p><p>sempre incentivado a manter contato com o fenômeno literário.</p><p>Para caminharmos na direção dos objetivos propostos neste</p><p>livro, reelaboramos algumas motivações que delineiam a nos-</p><p>sa capacidade de formar novos leitores por meio dos exemplos</p><p>literários propostos. Também atestaremos como as ferramentas</p><p>tecnológicas podem ser aproveitadas para uma boa dinâmica de</p><p>ensino com o texto literário. Ao estimularmos o leitor conjugando</p><p>tecnologia com o ensino da literatura, é possível fornecer algumas</p><p>ferramentas para que ele possa compreender melhor o enredo e</p><p>as circunstâncias de produção da obra. A título de exemplo, abor-</p><p>daremos, por meio de três propostas didáticas, como ela pode ser</p><p>trabalhada (mesmo considerando a escassez de recursos enfren-</p><p>tada em muitas escolas) em turmas do ensino médio.</p><p>Dando sequência ao conteúdo, temos, ainda, algumas consi-</p><p>derações sobre o processo avaliativo nas aulas de literatura, ates-</p><p>tando em que medida os meios avaliativos</p><p>as manifestações artísticas e o contexto</p><p>histórico, exemplificando-os com o gênero do romance histórico.</p><p>Na sequência, no quarto capítulo, expomos como se comporta a questão</p><p>da legislação – Parâmetros Curriculares Nacionais, Lei de Diretrizes Básicas e a</p><p>Base Nacional Comum Curricular – no ensino da literatura. Discutiremos como</p><p>podemos manter a organização, o planejamento e a execução de algumas</p><p>atividades (por meio de sugestões de projetos) para formarmos leitores</p><p>competentes e interessados.</p><p>Por fim, no sexto e último capítulo, discutiremos conceitos ligados aos</p><p>textos de linhagem massiva e canônica, apresentando alguns grandes</p><p>clássicos da literatura ocidental. Esperamos que a leitura deste livro ajude</p><p>você a construir um excelente senso crítico e a desdobrar algumas ações</p><p>na prática diária do docente como leitor e formador de novos leitores.</p><p>Afinal de contas, você, futuro professor de literatura, é o principal agente</p><p>na formação de novos leitores.</p><p>Boa leitura!</p><p>A literatura e o letramento literário 9</p><p>Neste capítulo, estudaremos o conceito de literatura e letra-</p><p>mento literário. Envergaremos o nosso olhar para atestar como o</p><p>conceito de literatura se modificou ao longo dos anos – inician-</p><p>do pelo século XIX até chegar à atualidade. Atestaremos também</p><p>como o texto literário pode manifestar questões estéticas, levando</p><p>o leitor a uma dimensão ligada ao sublime e ao encantamento.</p><p>Abordaremos como o letramento pode ser indispensável ao de-</p><p>senvolvimento de uma leitura mais eficiente. Por fim, destacare-</p><p>mos como o letramento pode ser desdobrado em sala de aula</p><p>– em especial nas aulas na educação básica.</p><p>O objetivo deste capítulo é instigar o interesse pelo tex-</p><p>to literário, mantendo o pressuposto de que a literatura nem</p><p>sempre pode ser ensinada, mas que é possível fazer com que</p><p>o professor crie mecanismos para a formação e ampliação de</p><p>leitores. Por meio do conhecimento da evolução do conceito</p><p>de literatura e da importância de sua prática, a partir dos exem-</p><p>plos de obras que serão demonstrados ao longo do texto, você</p><p>estará apto a ter maior interesse pelo assunto. O nosso convi-</p><p>te principal é para revelar que a leitura do texto fictício pode</p><p>ampliar os horizontes estéticos, dimensionando o intelecto do</p><p>leitor para questões sensíveis da natureza humana.</p><p>A literatura e o</p><p>letramento literário</p><p>1</p><p>1.1 Concepções de literatura ontem e hoje</p><p>Vídeo Se você resolvesse realizar uma pesquisa – em uma biblioteca pú-</p><p>blica ou universitária especializada – sobre a terminologia da palavra</p><p>literatura e suas modificações em dicionários de termos literários, cer-</p><p>tamente encontraria diferentes significados ligados a contextos diver-</p><p>10 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>sos, diferentemente do que o senso comum está acostumado a dizer:</p><p>que a literatura seria a arte da palavra impressa ou uma forma de ela-</p><p>borar textos imaginários. O certo é que essa problematização está lon-</p><p>ge de ser devidamente respondida. O ponto de partida é dizer que</p><p>tais significados se juntariam a perguntas compostas, provenientes</p><p>de matizes filosóficos, políticos e históricos: o que você entende por</p><p>literatura ontem e hoje? Como ela pode modificar o sentido da vida?</p><p>Como o leitor pode usufruir do texto literário e colocar em prática</p><p>a sua sensibilidade estética? Como podemos observar, tais questões</p><p>não nascem por acaso, nem são oriundas de um simples movimento</p><p>aleatório, mas são formuladas devido à bagagem de conhecimentos</p><p>já adquiridas por você, estudante.</p><p>Se encarássemos o conceito de literatura apenas como obras de</p><p>ficção, coincidentemente cairíamos em outra cilada: qual nacionalida-</p><p>de ou língua você busca? Ou seja, seria mais conveniente utilizarmos</p><p>a palavra literatura no plural, pois existem diversos autores, línguas e</p><p>nacionalidades para decifrarmos junto a diferenciados contextos cul-</p><p>turais. Pense em uma outra situação: caso um professor dissesse que</p><p>é especialista em literatura, e alguém ousasse a questionar que tipo</p><p>de literatura ou qual autor e nação este pesquisador tem se preocu-</p><p>pado nos últimos anos como estudioso do tema. Em um lastro míni-</p><p>mo de tempo depois, alguém poderia respondê-lo que a literatura se</p><p>trata de um conhecimento infinito para se afirmar ser um especialista</p><p>nela, devido à grande quantidade de títulos e autores. Neste caso,</p><p>seria melhor questionarmos quais são os parâmetros para identificar</p><p>tal literatura e especialidade: quais obras, nacionalidade, sexo e baga-</p><p>gem cultural do autor, cultura local ou língua utilizada. Portanto, con-</p><p>siderar algumas informações preliminares pode ser fator excludente</p><p>no trato com o significado da palavra literatura.</p><p>Imaginemos a seguinte hipótese: quando adentramos em uma</p><p>grande biblioteca pública, muitas vezes perguntamos aos funcionários:</p><p>qual é a estante de literatura? E o atendente responde, indagando: que</p><p>tipo de literatura você procura? Caso seja um autor estrangeiro: em</p><p>que língua você deseja? Por mais que saibamos o título do romance, da</p><p>coletânea de contos ou de crônicas, do ensaio literário do autor prefe-</p><p>rido e da antologia poética que desejamos procurar, uma boa sugestão</p><p>de localização ou, até mesmo, o diálogo com alguém responsável pela</p><p>biblioteca fará enorme diferença. Lembremos que auxiliares de biblio-</p><p>matiz: leve diferença entre coi-</p><p>sas do mesmo gênero; diferentes</p><p>opiniões/inclinações políticas,</p><p>ideológicas etc.</p><p>Glossário</p><p>A literatura e o letramento literário 11</p><p>teca ou bibliotecários são pessoas, na maior parte das vezes, envolvidas</p><p>com a orientação de novos leitores, em especial aqueles que realizam</p><p>perguntas básicas. É quase certeza que eles estarão aptos a serem</p><p>questionados. Dessa forma, seguir as orientações desse profissional</p><p>pode nos ajudar a reconhecer as diferentes categorias de leitura, clas-</p><p>sificação de gêneros, ficha de informações e demais informações corre-</p><p>latas que constituem os muitos sentidos de literatura.</p><p>Dar conta dessas variadas questões citadas não é simplesmente</p><p>“tapar os olhos” ou acreditar que o bibliotecário deseje problematizar</p><p>o nosso questionamento, mas, sim, atestar que o sentido exato da pa-</p><p>lavra literatura é um campo afeito a algumas polêmicas. A polissemia,</p><p>ou pluralidade de sentidos, é o que alimenta o debate. Basta verificar-</p><p>mos a quantidade de ramificações desenvolvidas nos últimos tempos:</p><p>literatura portuguesa, literatura inglesa, literatura espanhola, literatura</p><p>russa, literatura colombiana e literatura francesa, apenas para citar-</p><p>mos algumas nações e as principais línguas envolvidas. Imagine então</p><p>quantas estantes teremos caso a palavra literatura seja usada de forma</p><p>genérica? Para ilustrarmos melhor: no conto “A biblioteca de Babel”, do</p><p>escritor argentino Jorge Luís Borges, o leitor se envolve (em termos fic-</p><p>tícios) ao verificar que a imensa biblioteca (da qual o próprio escritor foi</p><p>diretor por um longo período de tempo, em Buenos Aires) não pode ser</p><p>resumida a apenas um tipo de literatura. Cabe lembrar que Borges não</p><p>poupava referências extraliterárias para compor criativamente os seus</p><p>textos, ou seja, a interdisciplinaridade sempre foi uma mola propulsora</p><p>na sua ficção (antropologia, religião, sociologia, filosofia, artes etc).</p><p>Comprovação certeira a esse tipo de assertiva é que o próprio valor</p><p>etimológico do vocábulo literatura possui vertentes idiomáticas em dife-</p><p>rentes tons e nuances, de acordo com cada nacionalidade e cultura. Com</p><p>um simples folhear de páginas nos dicionários de algumas línguas, o pes-</p><p>quisador, ou um simples curioso no assunto, encontrará: literature, em</p><p>inglês; literatur, em alemão; littérature, em francês; letteratura, em italia-</p><p>no; literatura, em espanhol. Resumindo: são todas palavras provenientes</p><p>do latim litterae, que, por sua vez, é utilizado para designar signo ou le-</p><p>tra, escrita ou, simplesmente, a palavra alfabeto, cujo significado também</p><p>abrange de forma ampla as palavras cultura e registro. Portanto, mesmo</p><p>com as diversas cargas semânticas direcionadas,</p><p>podem funcionar sem</p><p>antes engessar o conteúdo, no estabelecimento inócuo de ques-</p><p>tões objetivas e pragmáticas. Igualmente, veremos também como</p><p>a interface da literatura com as ciências humanas pode ser útil. Por</p><p>último, analisaremos como se comporta o trabalho docente com a</p><p>literatura de matrizes indígena e africana a fim de estimular a re-</p><p>flexão sobre quais de seus textos literários podem ser usufruídos</p><p>pelo aluno da educação básica.</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 65</p><p>3.1 O método tradicional e o moderno</p><p>nas aulas de literaturaVídeo</p><p>No Brasil, é possível observar que ainda vigora bastante o estilo me-</p><p>todológico passivo de ensino, ou seja, aquele transmissivo, expositivo,</p><p>no qual o professor (como autoridade) domina o conteúdo e os alunos</p><p>pouco questionam. Com o passar do tempo, tal método foi deixado</p><p>em segundo plano devido às vanguardas pedagógicas circunstanciadas</p><p>pelo próprio período histórico. A ideia, aqui, não é retomar as concep-</p><p>ções de ensino desde os primórdios da educação básica nos últimos</p><p>dois séculos, mas debater (de forma não cronológica, por completo)</p><p>como chegamos ao modelo de ensino implantado nas duas primeiras</p><p>décadas do século XXI.</p><p>Para iniciar o nosso diálogo, é mais prudente que façamos uma ex-</p><p>plicação sobre a carga semântica que comporta o significado das pala-</p><p>vras tradicional e moderno. Delimitar o valor linguístico não significa se</p><p>fechar por inteiro, mas atestar como o conceito pode se expandir para</p><p>o nosso uso positivo. De acordo com o dicionário Aurélio, a palavra</p><p>tradição é assim definida: “[Do lat. Tradicione]. Sf.1. Ato de transmitir</p><p>ou entregar. 2. Transmissão oral de lendas, fatos etc. de idade em ida-</p><p>de, geração em geração” (HOLLANDA, 1986, p. 1.696); por outro lado, a</p><p>palavra moderno é assim definida: “[Do lat. Modernu.] adj.1. Dos tem-</p><p>pos atuais ou mais próximos de nós; recente: filosofia moderna, autor</p><p>moderno.2. Atual, presente, hodierno: a vida moderna” (HOLLANDA,</p><p>1986, p. 1.146).</p><p>O que nos revela o conceito de tradição é que temos uma atitude</p><p>voltada à transmissão oral, e, de fato, isso representa muito o que uma</p><p>aula expositiva significava há décadas. Já pelo vocábulo moderno temos</p><p>algo que corresponde à necessidade atual, uma prevalência de ser</p><p>atendido aos moldes vigentes e correspondente ao prático e utilitário.</p><p>Relações semânticas e significados à parte, o certo é que realmente</p><p>existiu uma tradição muito voltada ao estudo das humanidades no Bra-</p><p>sil, em especial durante a chegada dos primeiros jesuítas nos séculos XVI</p><p>e XVII. Foi nessa época, também, que surgiram os primeiros seminários</p><p>a fim de estimular a vocação ao sacerdócio por meio da prática de uma</p><p>literatura pedagógica, acima de tudo. Pedagógica porque educava os ho-</p><p>mens iletrados a serem suficientemente capazes de expandir os seus ho-</p><p>rizontes intelectuais. Se não existiu uma “tradição de lendas”, conforme</p><p>prevê o dicionário acima, existiu uma literatura vocacionada ao atendi-</p><p>mento espiritual católico. O preceito era ensinar e catequizar os índios, vi-</p><p>sando à domesticação de suas atitudes e seus costumes, prevenindo uma</p><p>possível rebeldia ambientada no espaço colonial brasileiro. Ao ar livre ou</p><p>simplesmente liderando aldeias indígenas, padres eram transformados</p><p>em sacerdotes do conhecimento educativo, estimulando as práticas pe-</p><p>dagógicas por meio dos sermões. Não era à toa que todo sermão possuía</p><p>uma vertente imaginária e pedagógica forte no trato de explicar as múl-</p><p>tiplas razões de civilizar o indivíduo. Calculamos que, nos meios educati-</p><p>vos daquela época, era praticamente um tabu contestar essa afirmativa; a</p><p>própria oratória e a retórica eram disciplinas voltadas ao desenvolvimento</p><p>das técnicas de falar em público – isto é, à prática da persuasão.</p><p>No século XVI, temos o aparecimento da figura do emérito padre</p><p>Antônio Vieira, autor do clássico Sermão da Sexagésima, que contribuiria</p><p>muito com a língua portuguesa. Considerando-se que o discurso literá-</p><p>rio desse autor foi focado nas relações utópicas entre Brasil e Portugal,</p><p>destinadas ao reconhecimento da religião católica como guia oficial da</p><p>nação, Vieira juntou o útil ao agradável. Estabelecido no período co-</p><p>nhecido como Barroco, a figura de Vieira será reconhecida em primeira</p><p>instância pela liturgia sagrada cativada pelos demais jesuítas e depois</p><p>pelos indígenas, os reais seguidores e discípulos. Obediente às regras</p><p>da Coroa Portuguesa, Vieira tinha uma missão muito abrangente e de-</p><p>safiadora: lutar pela inserção do catolicismo no território brasileiro e</p><p>a fundação de novos colégios católicos. O crítico Alfredo Bosi (2015, p.</p><p>44) relata que o caráter de Vieira era centrado pelo desejo de colocar</p><p>em prática a própria religiosidade. O autor ainda relata que, tendo for-</p><p>te base humanística, Vieira possuía aspecto perseverante</p><p>destinado a se consagrar pelas grandes empreitadas</p><p>sociais e religiosas.</p><p>Durante o século XIX, temos a implantação</p><p>dos primeiros colégios militares no Brasil, e</p><p>o ensino de literatura era reduzido apenas</p><p>ao ensinamento das letras, como uma</p><p>forma mais poética de ser tratada. A</p><p>maior preocupação era ensinar as</p><p>formas de oratória: a retóri-</p><p>ca, a persuasão, a práti-</p><p>MilenG/Shutterstock</p><p>66 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 67</p><p>ca do português para fins funcionais. Os estudos clássicos e latinos, base</p><p>teórica na época, também remetiam à ideia de um homem mais erudito</p><p>e sofisticado. Conforme alerta o autor Sergio Paulo Rouanet (1987, p. 10):</p><p>“Não se aprende o latim para falá-lo. Através dele, é toda uma civilização</p><p>que ressurge, são nossas origens que aparecem”.</p><p>Conforme aponta o autor, sendo capaz de se instrumentalizar com o</p><p>latim, o homem do século XIX tinha melhores condições de realizar uma</p><p>educação mais completa e abrangente no tocante ao alicerce cultural ad-</p><p>quirido. Mesmo diante de tal controvérsia, era bastante difícil que o texto</p><p>poético fosse apenas encarado como objeto artístico e não funcional,</p><p>ou seja, com uma visão pragmática. Basicamente, o modo pragmático e</p><p>positivista reinava nas condições de um ensino mais voltado ao atendi-</p><p>mento das questões administrativas da corte portuguesa.</p><p>É significativo afirmarmos que a palavra literatura ainda não tinha</p><p>uma conotação ligada ao tratamento literário de obras e autores con-</p><p>sagrados, mesmo porque ainda não tínhamos uma literatura autôno-</p><p>ma e nacional. Ensinava-se literatura para se ter acesso aos grandes</p><p>clássicos, modelando o caráter do leitor para uma vocação mais hu-</p><p>manista. Homens e mulheres leitores, em especial os pertencentes às</p><p>classes mais abastadas, eram considerados pessoas com bom gosto.</p><p>Consideravelmente, num sentido de status, as leitoras mulheres eram</p><p>aquelas mais favorecidas socialmente, que, com exceção dos cuidados</p><p>domésticos, tinham tempo para desfrutar momentos ociosos com a</p><p>literatura. A outra parte da população que trabalhava externamente – a</p><p>maior parte sendo escravos e homens comprometidos com as profis-</p><p>sões serviçais – quase não tinha tempo hábil para usufruir do exercício</p><p>da leitura e, consequentemente, da fruição que a literatura proporcio-</p><p>nava. A esse respeito, o autor Massaud Moisés (1999, p. 311) esclarece:</p><p>Primitivamente, o vocábulo [literatura] designava o ensino das</p><p>primeiras letras. Com o tempo, passou a significar ‘arte das belas</p><p>letras’ e, por fim, ‘arte literária’. Até o século XVIII, preferiu-se o</p><p>termo ‘poesia’, ao qual se atribuía sentido solene e elevado. So-</p><p>mente a partir do século XIX é que a palavra ‘Literatura’ entrou a</p><p>ser empregada para definir uma atividade que, além de incluir os</p><p>textos poéticos, abrangia todas as expressões escritas, mesmo</p><p>as científicas e filosóficas.</p><p>No contexto brasileiro, passamos a ter uma literatura mais nacio-</p><p>nalista e mais independente somente a partir do momento em que</p><p>A palavra positivista</p><p>veio do pensamento</p><p>filosófico conhecido como</p><p>Positivismo. De acordo</p><p>com o Dicionário Básico</p><p>de Filosofia: “1. Sistema</p><p>filosófico formulado por</p><p>Augusto Comte, tendo</p><p>como núcleo sua teoria</p><p>dos três estados, segundo</p><p>a qual o espírito humano,</p><p>ou seja, a sociedade, a</p><p>cultura, passa por três</p><p>etapas: a teológica, a</p><p>metafísica e a positiva.</p><p>As chamadas ciências</p><p>positivas surgem apenas</p><p>quando a humanidade</p><p>atinge a terceira etapa,</p><p>sua maioridade, rompen-</p><p>do com as anteriores.</p><p>Para Comte, as ciências se</p><p>ordenaram hierarquica-</p><p>mente da seguinte forma:</p><p>matemática, astronomia,</p><p>física, química, biologia,</p><p>sociologia; cada uma</p><p>tomando por base a</p><p>anterior e atingindo um</p><p>nível mais elevado de</p><p>complexidade. A principal</p><p>finalidade do sistema</p><p>é política: organizar a</p><p>sociedade cientificamente</p><p>com base nos princípios</p><p>estabelecidos pelas ciên-</p><p>cias positivas” (JAPIASSÚ;</p><p>MARCONDES, 2006,</p><p>p. 222).</p><p>Saiba mais</p><p>68 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>nos organizamos para ser uma nação independente de Portugal. Com</p><p>o fim do advento do Barroco e do Arcadismo (ambos no século XVII)</p><p>– do qual foram parte vários poetas, em especial os da Escola Mineira</p><p>de Literatura –, teremos, no ano de 1822, uma literatura menos colo-</p><p>nial e, consequentemente, independente.</p><p>Poetas como Cláudio Manuel da Costa, Tomás Antônio Gonzaga, Sil-</p><p>va Alvarenga, Santa Rita Durão, entre outros, eram responsáveis por</p><p>guiar o leitor por uma literatura mais vocacionada às coisas da terra e</p><p>do ciclo mineral do ouro. Desse modo, o próprio movimento da Inconfi-</p><p>dência Mineira já pregava uma espécie de conspiração a favor do longo</p><p>colonialismo pregado por Portugal, e o motivo principal foram, basica-</p><p>mente, a decadência e a escassez do ouro nas Minas Gerais. A intenção</p><p>não é delinear as razões da perpetuação ou da ruptura dessas escolas</p><p>literárias, mas atestarmos que o Brasil “deveria possuir espírito próprio</p><p>como efetivamente manifestara pela proclamação da Independência;</p><p>decorria daí, por força, que tal espírito deveria manifestar-se na cria-</p><p>ção literária, que sempre o exprimia, conforme as teorias do momento”</p><p>(CANDIDO, 1997, p. 282).</p><p>Em linhas gerais, é somente com o advento da escola literária român-</p><p>tica – direcionada a contemplar o homem e a natureza exuberante – que</p><p>o estatuto da literatura brasileira começa a seguir padrões inspirados nos</p><p>moldes da Europa. Do contexto europeu para o brasileiro, o período ro-</p><p>mântico ganha novas matrizes e vertentes, em especial a transposição de</p><p>alguns conceitos para o caso brasileiro.</p><p>É no início do século XIX, logo após a chegada da família real por-</p><p>tuguesa, em 1808, que temos o surgimento de uma literatura vocacio-</p><p>nada a erguer o conceito de nacionalidade. De acordo com o crítico</p><p>Massaud Moisés (2006, p, 26), apenas no ano de 1836 que se desen-</p><p>volve o movimento romântico no Brasil, retomado posteriormente, em</p><p>1853, quando Álvares de Azevedo publica Obras Poéticas, dando início</p><p>ao segundo momento.</p><p>Com o surgimento de algumas instituições e agremiações científicas</p><p>– o Colégio Imperial de D. Pedro II (1837); o Instituto Histórico Geográfico</p><p>Brasileiro (1838); a Academia Brasileira de Letras (1897) –, a literatura</p><p>passa a ter um formato cultural e formativo de novos leitores brasileiros.</p><p>Dessa forma, o papel dessas instituições do saber e da memória foi im-</p><p>pulsionar o homem das letras em território nacional, fortalecendo a pro-</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 69</p><p>fissão do trabalhador intelectual. Podemos calcular que a importância</p><p>do livro também ganha um aspecto mais valorativo por parte do Estado</p><p>nacional, e, consequentemente, teremos grupos destinados a explorar</p><p>o capital editorial do livro. Não por acaso, neste período também surge</p><p>o primeiro material de cunho didático na formação de leitores – trata-se</p><p>da obra Curso de Literatura Nacional (1862), do autor Fernandes Pinhei-</p><p>ro, antigo professor de retórica e poética do Colégio D. Pedro II (desde</p><p>1857). No campo metodológico literário tradicional, teremos a efetiva</p><p>participação do professor Carlos Laet, também do Colégio Pedro II, autor</p><p>de um manual de história literária em coautoria com Fausto Barreto. Os</p><p>dois publicaram, em 1895, a obra Antologia Nacional, livro que marcou</p><p>o ensino de literatura durante uma longa época, finalizando, no âmbito</p><p>literário, o século XIX e adentrando na primeira metade do século XX.</p><p>No contexto da metodologia moderna do ensino de literatura,</p><p>ainda se mantêm formatos conservadores no trato com o fenômeno</p><p>literário. No frenético anseio de abordar a totalidade dos conteúdos</p><p>arrolados no livro didático, frequentemente observamos professores</p><p>correndo para manter a sincronia da matéria e o desenvolvimento das</p><p>competências cobradas no material. Uma das formas de se fazer isso é</p><p>demarcar o número de capítulos e páginas que serão trabalhados em</p><p>cada bimestre ou trimestre. A proposta é justamente esta, apressar o</p><p>conteúdo para não sofrer depois com os assédios morais da família do</p><p>estudante, quando, insatisfeita, reclama sobre o professor não estar</p><p>trabalhando o conteúdo do livro e nem estar dando aula.</p><p>O dilema é ainda mais amplo porque o professor passa a trabalhar</p><p>os estilos de época como se fossem vasos simetricamente articulados,</p><p>quando, na verdade, não são. Para o crítico Fabio Akcelrud Durão (2016,</p><p>p. 26), “os estilos de época nunca deveriam se apresentar como um fim</p><p>em si e substituir o confronto direto com os textos que nomeiam”.</p><p>Com efeito, o que está em jogo nas considerações do crítico é que,</p><p>ao se ligar um estilo de época ao outro, esse processo de transição</p><p>é tratado como se fosse uma sucessão de conteúdos superados, sem</p><p>ao menos deixarem algum tipo de vestígio. Assim, a metodologia em-</p><p>preendida pelo docente acaba se tornando algo frustrado e inoperan-</p><p>te, ou seja, é feita uma ruptura, no âmbito histórico, sem nada ser feito</p><p>em relação à perpétua continuidade ligada às questões estéticas e es-</p><p>tilísticas dos “períodos” anteriores. A prova disso está no que ocorreu</p><p>70 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>com o Movimento Modernista de 1922. Imbuídos de uma necessária</p><p>quebra na tradição do movimento parnasianista e realista, Mário de</p><p>Andrade, Oswald de Andrade, Paulo Menotti Del Picchia, Graça Aranha</p><p>e outros intelectuais resolveram conceber um novo modelo de arte li-</p><p>terária. Naquela época, esse movimento ficou conhecido como propa-</p><p>gador da arte de vanguarda voltada a questionar a forma tradicional de</p><p>se fazer literatura, havendo, assim, uma quebra estética literária que</p><p>sequer fora recuperada. O professor, ao ignorar as nuances desses</p><p>movimentos, acaba sendo desafiado pelo próprio texto.</p><p>Durante as décadas de 1960 e 1970, algumas lideranças políticas</p><p>militares observavam que o ensino e o aprendizado de literatura era</p><p>apenas um simples requinte sofisticado, assim como uma possível</p><p>ameaça ao pensamento conservador brasileiro. Com certo olhar des-</p><p>crente, boa parte dos militares desejava direcionar o ensino do por-</p><p>tuguês a uma atividade mais objetiva e pragmática do ponto de vista</p><p>dos órgãos administrativos oficiais, isto é, deveria ter uma finalidade</p><p>prática na formação do cidadão, tirando o véu do sublime e do encanto</p><p>que a literatura mantivera nas décadas anteriores. De todas as épocas</p><p>já mencionadas, a que teve maior repercussão no trato do ensino da</p><p>literatura com o advento de uma forte crise foi o período da ditadura</p><p>militar no Brasil. Com a publicação da Lei n. 5.692/1971, os estudos de</p><p>literatura e a possibilidade de formação de novos leitores sofrera um</p><p>grande golpe no Brasil. A modificação do nome da disciplina de Lín-</p><p>gua Portuguesa e Literatura para Comunicação e Expressão mostrava</p><p>a nova aparência que o texto literário teria – uma função socioeconômi-</p><p>ca perante as classes trabalhadoras. Com o foco na comunicabilidade</p><p>e nas preocupações administrativas que eram necessárias ao uso do</p><p>bom português, a literatura passara a ter um papel secundário. De fato,</p><p>a produção literária (autores e obras) não caiu, pois muitos continua-</p><p>ram produzindo em larga escala,</p><p>mas houve uma espécie de censura</p><p>sobre muitas obras publicadas.</p><p>No contexto contemporâneo, o que diz respeito à sistematicidade</p><p>do acompanhamento cronológico da literatura e suas escolas literárias,</p><p>supostamente sumariadas no livro didático, talvez seja o assunto me-</p><p>todológico mais polêmico a ser discutido e debatido. Numa sincronia</p><p>justaposta, ou seja, no tocante ao aspecto diacrônico e linear, o movi-</p><p>mento das escolas nem sempre pôde ser trabalhado dessa forma. Por</p><p>https://presrepublica.jusbrasil.com.br/legislacao/128525/lei-de-diretrizes-e-base-de-1971-lei-5692-71</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 71</p><p>esse motivo, quando algum docente – indo na contramão do habitual –</p><p>busca criar saltos temporais entre as escolas literárias, ele ainda obser-</p><p>va um forte movimento de resistência do próprio colegiado. Levadas</p><p>adiante por diversos pontos de vista, existem formas e maneiras de</p><p>tratar o objeto literário conforme o perfil de cada professor responsá-</p><p>vel. De todo modo, motivos metodológicos, que também existem em</p><p>grande número, ainda buscam reivindicar essa autonomia do docente,</p><p>pois, na cabeça de muitos pais (e também de alguns professores e de-</p><p>mais entes escolares), o conteúdo deve ser sempre trabalhado como se</p><p>fosse um plano cartesiano: com início, meio e fim.</p><p>Embora o fio condutor de uma espécie de metodologia de formação</p><p>de leitores permeie todo esta seção, acreditamos que é possível dar</p><p>um destaque especial para algumas questões no trabalho com o texto.</p><p>A expressão simbólica, no que tange ao aspecto de uma metodologia</p><p>atual da nossa discussão, é a de ampliarmos o número de obras lidas e,</p><p>consequentemente, formar novos leitores. Desse modo, o propósito é</p><p>formar leitores competentes, no sentido da fruição e da ressignificação</p><p>do texto, isto é, qualitativamente. Por esse motivo (entre outros), consi-</p><p>deramos essencial que possamos introduzir, no ensino da literatura, o</p><p>levantamento de problemáticas que possam iluminar contextos articu-</p><p>lados entre o passado e o presente do próprio leitor. Se postulássemos</p><p>que todo método demanda uma proposta de ensino a ser trabalhada,</p><p>o propósito seria exigir que escolhêssemos a melhor técnica de ensino.</p><p>Caso o apelo à tradição fosse demasiadamente repetitivo e desgasta-</p><p>do, o ideal é que o professor pudesse modificar a sua tática de ensino.</p><p>A autora Regina Zibermann (2018, p. 80) defende que se deve:</p><p>Adotar uma metodologia de ensino da literatura que não se</p><p>fundamente no endosso submisso da tradição, na repetição</p><p>mecânica e sem critérios de conceitos desgastados, mas que</p><p>deflagre o gosto e o prazer pela leitura de textos, ficcionais ou</p><p>não, e possibilite o desenvolvimento de um posicionamento crí-</p><p>tico perante o lido e perante o mundo que o livro traduz.</p><p>Tendo em vista a dificuldade enfrentada pelos professores pela</p><p>falta de reconhecimento e do anonimato da sala de aula, sabemos</p><p>que a árdua tarefa de lidar com fatores metodológicos pode nau-</p><p>fragar. No entanto, fora do ambiente escolar, cabe também ao do-</p><p>cente uma espécie de capacitação contínua, a exemplo dos cursos</p><p>ofertados pelas Secretarias de Estado da Educação (SEED) e pelo</p><p>72 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Ministério da Educação. Visando despertar no docente uma voz</p><p>metodológica que somente a experiência do magistério pode lhe</p><p>trazer, iniciativas serão sempre bem-vindas.</p><p>Uma metodologia deve se adaptar às características pedagógicas de</p><p>cada instituição de ensino (seja ela pública ou privada), e, por parte do</p><p>professor, deve haver uma proposta de personalizar algumas formas de</p><p>aprendizado por meio da bagagem de conhecimentos de cada aluno.</p><p>Sendo assim, é preciso que o professor observe as séries escolares, o</p><p>perfil das turmas, as estratégias traçadas pelo livro didático, as compe-</p><p>tências alcançadas, o projeto político pedagógico da escola, dentre ou-</p><p>tros fatores necessários. Além disso, tal pedagogia da leitura deve se ater</p><p>também aos pressupostos delineados pela BNCC e direcionar o aluno,</p><p>objetivando atingir algumas competências necessárias a ele como leitor.</p><p>3.2 Ferramentas tecnológicas</p><p>nas aulas de literaturaVídeo</p><p>Falar de ferramentas tecnológicas implica saber como elas podem</p><p>ser úteis no tratamento com o texto literário. A tecnologia deve sem-</p><p>pre servir ao professor da melhor forma, auxiliando-o sem substituí-lo.</p><p>Por isso, é comum que encontremos dilemas em relação ao bom ou</p><p>mau uso da tecnologia. A nosso ver, é necessário que exista uma es-</p><p>pécie de contrato entre os conteúdos e o papel de transmissão desses</p><p>pelo docente. Caso o professor, erroneamente, suponha que a tec-</p><p>nologia possa substituí-lo, certamente prejudicará o andamento dos</p><p>conteúdos. Portanto, a tecnologia deve ser utilizada com uma cons-</p><p>ciência metodológica, de modo que venha auxiliar e dar voz à aula.</p><p>Diante do exposto, no campo da linguagem e das novas tecnologias,</p><p>é possível que as 10 recomendações estabelecidas pela BNCC no âm-</p><p>bito da educação básica possam ser ativadas (e entrar em sintonia) na</p><p>prática de:</p><p>Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação</p><p>e comunicação de forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas</p><p>diversas práticas sociais (incluindo as escolares) para se comuni-</p><p>car, acessar e disseminar informações, produzir conhecimentos,</p><p>resolver problemas e exercer protagonismo e autoria na vida</p><p>pessoal e coletiva. (BRASIL, 2018, p. 55)</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 73</p><p>Alguns modelos de estratégia tecnológica podem ilustrar melhor o</p><p>condicionamento do docente frente às suas aulas. Podemos extrair das</p><p>entrelinhas que, de acordo com a BNCC (que é passível de questiona-</p><p>mentos por parte dos educadores), o aluno somente demonstrará a</p><p>sua competência a partir do momento em que fizer o uso correto de</p><p>uma determinada tecnologia para o aprendizado de algum componen-</p><p>te da matéria. Nesse caso, defendemos aqui o fenômeno que o artefa-</p><p>to literário provoca.</p><p>Como ilustração para as diversas finalidades existentes, em algu-</p><p>mas redes estaduais de ensino, é possível fazer uso da TV Pendrive,</p><p>o que proporciona aos alunos da educação básica uma aula mais</p><p>dinâmica e com qualidade diferenciada. Por meio desse aparato, do-</p><p>centes possuem a liberdade (de acordo com o seu plano de ensino)</p><p>de gravar conteúdos necessários para o apoio da aula. Existe uma</p><p>grande preocupação por parte do setor pedagógico em dar o devido</p><p>apoio ao professor, fornecendo-lhe meios que suportem uma aula</p><p>mais consistente. Em suma, é uma via de mão dupla, ganha o aluno</p><p>e ganha a própria comunidade escolar.</p><p>Não obstante, conforme defendemos, o docente deve usar o mate-</p><p>rial extracurricular para dar o devido suporte tecnológico à aula, sem</p><p>transformar essa ferramenta em fator autônomo de suas aulas. Por</p><p>exemplo, ao trabalhar o conteúdo interdisciplinar entre as áreas de li-</p><p>teratura e história, o professor deve munir o aluno de conhecimentos</p><p>circunstanciais à produção da obra.</p><p>Suponhamos que ele resolvesse trabalhar com a leitura da obra</p><p>Esaú e Jacó, do escritor Machado de Assis; para isso, faz-se neces-</p><p>sário contextualizar como era a cidade do Rio de Janeiro no final</p><p>do século XIX. Dessa forma, o uso da tecnologia por meio de um</p><p>trecho de filme que pudesse abordar a reforma do prefeito Perei-</p><p>ra Passos, a demolição dos primeiros cortiços na avenida central</p><p>(futura Avenida Presidente Vargas), a inserção de uma arquitetura</p><p>urbanística à moda parisiense, o fim das carruagens e início dos</p><p>bondes elétricos, a chegada dos primeiros postes de eletricidade,</p><p>entre outros fatores, pode fartamente ilustrar o período histórico.</p><p>O enredo da obra está diretamente relacionado ao contexto políti-</p><p>co da transição do período imperial para o republicano, e persona-</p><p>gens transitam pelas questões da época.</p><p>No site da Secretaria da</p><p>Educação, o professor</p><p>pode gravar alguns</p><p>conteúdos – trechos</p><p>de filmes, depoimentos</p><p>de autores, trechos</p><p>narrados de obras – que</p><p>podem substanciar alguns</p><p>aspectos circunstanciais</p><p>que cercam a dimensão</p><p>criativa da obra.</p><p>Disponível em: http://www.</p><p>gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/</p><p>modules/conteudo/conteudo.</p><p>php?conteudo=438</p><p>Acesso em: 15 abr. 2020.</p><p>Site</p><p>http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=438</p><p>http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=438</p><p>http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=438</p><p>http://www.gestaoescolar.diaadia.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=438</p><p>74 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Outro exemplo tecnológico notório é a disposição de a instituição</p><p>escolar de fazer o uso do CD player, o clássico rádio que reproduz dis-</p><p>cos compactos. Por meio desse aparato, o professor pode dar mais</p><p>vida ao conteúdo das suas aulas. Com o surgimento das plataformas</p><p>de música on-line, poucos professores, aparentemente, têm valorizado</p><p>esse meio didático de ensino. Longe de ser apenas um meio tecnológi-</p><p>co, o efeito da música de época (acompanhada da letra) pode dar um</p><p>novo sabor à leitura do texto de ficção. Todavia, a maior dificuldade</p><p>nesse tipo de tarefa é encontrar os meios musicais daquele período e</p><p>conseguir encaixá-los numa determinada parte da obra. Antes de tudo,</p><p>isso exigirá do docente uma breve pesquisa e planejamento de aula.</p><p>Algumas obras literárias de autores canônicos são dimensionadas por</p><p>períodos musicais (samba, modinha, marchinhas de carnaval, batu-</p><p>ques etc.); parte desses estilos percorreram décadas de cultura popu-</p><p>lar brasileira.</p><p>Já afirmamos que o escritor carioca Lima Barreto pode ser facil-</p><p>mente trabalhado nas aulas do ensino médio, porém não discutimos</p><p>que algumas de suas obras podem ser contextualizadas paralelamen-</p><p>te à música de época. No romance Triste Fim de Policarpo Quaresma,</p><p>exemplo significativo é o irreverente personagem Ricardo Coração dos</p><p>Outros (um verdadeiro seresteiro, como se dizia na época). Quem já</p><p>leu o romance sabe que ele é o responsável por cantarolar inúmeras</p><p>modinhas. Na voz desse personagem, vários trechos da obra ensejam</p><p>relações com a música de época. Por meio dessa manobra, o professor</p><p>de literatura, no trabalho com uma turma do terceiro ano do ensino</p><p>médio, por exemplo, pode solicitar que os alunos criem um seminário</p><p>com a obra e realizem uma pesquisa sobre o gênero musical da modi-</p><p>nha – ritmo que surgiu em Portugal e foi trazido para o Brasil no final</p><p>do século XIX.</p><p>Outro aparato tecnológico indispensável a ser utilizado pelo docen-</p><p>te de literatura no trato com o texto literário é o laboratório de informá-</p><p>tica. Atualmente, muitas instituições espalhadas pelas grandes capitais</p><p>do Brasil já possuem espaços devidamente equipados com computa-</p><p>dores modernos – muitos desses com internet de boa velocidade. É</p><p>óbvio que, devido à dimensão territorial do Brasil, não podemos gene-</p><p>ralizar essa realidade, pois algumas regiões ainda sofrem com a falta</p><p>desse local privilegiado de acesso ao conhecimento.</p><p>Para saber mais a res-</p><p>peito da música popular</p><p>brasileira e sua influência</p><p>nas obras na literatura,</p><p>indicamos a leitura do li-</p><p>vro Música Popular, Teatro</p><p>& cinema, do autor José</p><p>Tinhorão.</p><p>TINHORÃO, J. R. Petrópolis: Vozes,</p><p>1972.</p><p>Livro</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 75</p><p>Nessa etapa de formação educacional, a tarefa poderia ser criar</p><p>uma resenha midiática no serviço de vídeos YouTube. O tema pode ser</p><p>trabalhado com turmas do primeiro ano do ensino médio. Conhecido</p><p>como grande plataforma de vídeos livres na internet, o YouTube é o</p><p>preferido dos jovens estudantes graças ao seu fácil manuseio, à inte-</p><p>ração quando alguém se torna um inscrito do canal e à disposição de</p><p>conteúdo. Visando a uma espécie de capacitação educacional informal,</p><p>muitos canais ofertam excelentes conteúdos – como são os casos do</p><p>canal literário do escritor Rodrigo Gurgel e do canal de história Leitura</p><p>ObrigaHISTÓRIA, do pesquisador Icles Rodrigues. Com base nesses</p><p>modelos, o aluno pode ter uma noção sobre como formatar uma es-</p><p>trutura de roteiro semelhante. Inicialmente, a criação de um roteiro</p><p>didático de ensino on-line faz-se indispensável ao condicionamento de</p><p>uma resenha literária. Como pressuposto, o professor pode exigir do</p><p>aluno a montagem livre de uma resenha com base na leitura da obra</p><p>Capitães de Areia, do escritor baiano Jorge Amado.</p><p>Cumprindo algumas etapas da formulação da resenha literária, o</p><p>professor deve orientar o aluno durante as fases de produção de al-</p><p>guns materiais úteis – roteiro escrito, postura durante a gravação (em</p><p>frente à câmera) e materiais tecnológicos a serem usados. Na elabora-</p><p>ção do roteiro, são essenciais a fluidez na escrita didática e a indicação</p><p>de recursos visuais complementares, objetivando a capacidade criativa</p><p>do aluno. Cabe ao professor chamar a atenção do aluno para a criação</p><p>de uma resenha dinâmica, criativa e atemporal. Desse modo, o texto</p><p>do roteiro precisa ser neutro (com poucos adjetivos), usar de frases</p><p>curtas e não subordinadas (na ordem direta), evitar o uso de gírias e</p><p>regionalismos e ater-se a uma leitura com naturalidade e espontanei-</p><p>dade. Por fim, é necessário investir tempo nesse formato de aula, pois</p><p>o aluno precisa estar preparado para maturar o assunto da resenha a</p><p>fim de expô-la com maior familiaridade e propriedade.</p><p>O segundo ponto, tão importante quanto os demais, é a questão da</p><p>postura durante a gravação da resenha literária. A princípio, como de-</p><p>fendemos, o domínio do tema é de extrema importância. Os estudan-</p><p>tes (futuros leitores formados e críticos de livros via YouTube) devem</p><p>saber quais são os trechos demarcados na obra, a estrutura narrativa</p><p>do romance (personagens, conflitos, enredo, espaço, narrador) e os</p><p>aspectos extraliterários (dimensão histórica de produção da obra, tira-</p><p>Acesse os canais do pes-</p><p>quisador Icles Rosdrigues,</p><p>Leitura ObrigaHISTÓRIA, e</p><p>do crítico Rodrigo Gurgel,</p><p>disponíveis no YouTube.</p><p>Ambos promovem boa</p><p>informação e combate às</p><p>denominadas fakenews.</p><p>Disponíveis em:</p><p>https://www.youtube.com/chan-</p><p>nel/UCtMjnvODdK1Gwy8psW3dzrg;</p><p>https://www.youtube.com/user/</p><p>gurgelrodrigo.</p><p>Acesso em: 15 abr. 2020.</p><p>Vídeo</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCtMjnvODdK1Gwy8psW3dzrg</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCtMjnvODdK1Gwy8psW3dzrg</p><p>https://www.youtube.com/user/gurgelrodrigo</p><p>https://www.youtube.com/user/gurgelrodrigo</p><p>76 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>gem da obra, contexto sócio-histórico do autor, fortuna crítica). Quan-</p><p>do o roteiro já estiver pronto e delineado, é interessante que o aluno</p><p>possa treinar a sua impostação de voz em frente ao espelho. Para criar</p><p>ênfase durante alguns momentos da fala do estudante, faz-se necessá-</p><p>ria uma boa gesticulação com as mãos, uma boa expressão facial e o</p><p>uso de uma roupa neutra e formal. A tríade apontada deve auxiliá-lo na</p><p>interpretação do texto durante a fala e caracterizá-lo com uma postura</p><p>que transmita credibilidade. Outra excelente dica: deve-se evitar uma</p><p>voz monótona e fraca, caprichando na tonalidade dos sons, apresen-</p><p>tando o conteúdo de forma envolvente e dinâmica. Por fim, é só gravar</p><p>para depois saber os resultados pela opinião dos espectadores.</p><p>3.3 O processo avaliativo no</p><p>trabalho com literatura Vídeo</p><p>Podemos começar esta seção com o devido questionamento: como</p><p>avaliar um aluno leitor de literatura? Ou, se for o caso, como avaliá-lo</p><p>como não leitor de literatura? Perceba que o tom da pergunta se mo-</p><p>difica quando dizemos que um aluno é leitor e o outro é um não leitor.</p><p>A variação para esse tipo de indagação implica diretamente o modelo</p><p>de avaliação a ser seguido, pois não devemos exigir em excesso dos</p><p>alunos devido aos diversos tipos de leitores e aprendizagens entre eles.</p><p>Existem alguns que, mesmo com o incentivo do professor ou com as</p><p>exigências escolares, não são capazes sequer de tomar frente ao texto</p><p>literário. Ler literatura é uma forma de resistência, pois poucos são os</p><p>que preferem o isolamento do círculo das amizades, o afastamento dos</p><p>jogos de videogame,</p><p>das séries das plataformas de streaming. Não esta-</p><p>mos querendo dizer que algumas séries e jogos não possam contribuir</p><p>para uma melhor leitura do texto literário – afinal, jogos e séries tam-</p><p>bém adaptam textos literários –, mas atestar que a tradição da leitura</p><p>da palavra impressa pode estar quase em extinção caso não tenhamos</p><p>algum tipo de resistência. Infelizmente, a literatura concorre com os</p><p>meios massivos de comunicação, e é papel do professor buscar cativar</p><p>o aluno para a leitura. O nosso compromisso, basicamente, não é ape-</p><p>nas avaliar esse aluno, mas tirá-lo do vício da não leitura, dos fatores</p><p>competitivos que o tiram da literatura de ficção.</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 77</p><p>Ainda insistindo na variedade de maneiras de aprendizagem dos</p><p>alunos, o professor provocará – no ato de leitura e, consequente-</p><p>mente, na avaliação de muitos leitores – uma forma mais crítica de</p><p>questionar o artefato literário. Não é importante que se lembrem os</p><p>fatos e os acontecimentos relacionados ao enredo, porque esses já</p><p>são superados e repetidos pelos resenhistas de plantão da internet.</p><p>Por trás de uma boa formação de um leitor, existe uma preocupação</p><p>estética ligada ao fazer artístico. A partir daí, a competência mais</p><p>interessante a ser exigida é o diálogo com o sublime e com a fruição</p><p>do texto, uma questão de alteridade durante a leitura, assim como o</p><p>confronto amigável com o estranhamento e a pluralidade de pensa-</p><p>mentos. Consideramos que ambas devem percorrer o raciocínio de</p><p>uma boa forma avaliativa no campo dos estudos literários. Não por</p><p>acaso, os regulamentos educacionais batem na mesma tecla do tão</p><p>cobrado posicionamento do leitor frente à obra de arte, no caso o fe-</p><p>nômeno da literatura. Caso desejemos saber e interrogar, uma per-</p><p>gunta mais ampla pode ser “o que a obra causou ou provocou em</p><p>você?”, e não uma questão mais simplória e talvez mesquinha como</p><p>“o que você entendeu da leitura deste romance?”, ou até mesmo o</p><p>famoso questionamento sobre o que o autor quis dizer na obra.</p><p>Reforçando o nosso argumento, na formação de leitores críticos, é</p><p>importante uma avaliação menos objetiva e mais dissertativa. A defesa</p><p>de um argumento e o levantamento de hipóteses são fatores indispen-</p><p>sáveis na formação e na avaliação de bons leitores. A resposta dada à</p><p>pergunta deve ser mais problemática do que assertiva. Portanto, o diá-</p><p>logo com a bagagem de vida do aluno também se faz operante. Existem</p><p>leitores que possuem afinidade com textos literários que trazem como</p><p>temas conteúdos policiais. Assim, suponhamos que você, professor,</p><p>tenha trabalhado contos marginais de autores inseridos no eixo Rio-</p><p>-São Paulo. Se eu peço para que o meu aluno do ensino médio disserte</p><p>sobre o conceito de malandragem nos contos marginais do livro Mala-</p><p>gueta, Perus e Bacanaço (1963), do escritor João Antônio, é possível que</p><p>ele verifique não somente o conceito, mas qual foi a dimensão criativa</p><p>do autor durante o período de produção da obra. Em outros termos, o</p><p>conceito deve permanecer relativamente datado e contextualizado em</p><p>relação ao processo de formulação do romance ou do conto.</p><p>78 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Avaliar não significa eliminar os supostamente fracos e</p><p>perpetuar os bons; significa cativar e orientar aqueles</p><p>com maiores dificuldades para que eles possam superar</p><p>os obstáculos de um ensino pragmático. No clássico filme</p><p>argentino A História Oficial (1985), temos uma professora</p><p>de história que insiste em um método avaliativo bastante</p><p>pragmático. Ela não está disposta a aceitar outros modelos</p><p>de leitura da história da Argentina além do método positivo</p><p>e pragmático, baseado no certo ou errado. Acontece que</p><p>o modelo de ensino conservador de história já deveria ter</p><p>superado o que existe nos documentos, que servem de</p><p>modelo único de resposta a ser adicionando mecanicamen-</p><p>te pelo aluno. No filme, em pleno governo militar argentino,</p><p>a questão avaliativa é bastante polêmica, pois a professora</p><p>solicita que o aluno faça uma prova mais objetiva e menos</p><p>dissertativa. Ao tratar o aluno apenas como um número</p><p>que lhe sirva como coeficiente de mensuração avaliativo, o professor acaba partindo para um</p><p>modelo de avaliação inócuo, inoperante e raso no seu raciocínio didático. Se você, leitor,</p><p>puder permitir a nossa justificativa, aulas de literatura com base em avaliações objetivas</p><p>fogem daquilo que a comunidade escolar realmente necessita: a formação de leitores críticos,</p><p>imbuídos com livre manifestação de pensamento.</p><p>Direção: Luis Puenzo. Europa Filmes:</p><p>Argentina, 2007.</p><p>Filme</p><p>Por mais que reivindiquemos uma abordagem avaliativa mais subs-</p><p>tancial e menos objetiva, parece que os velhos programas de vesti-</p><p>bulares ainda buscam provar o conhecimento do leitor com base em</p><p>questões de múltipla escolha, situação na qual a competência exigida</p><p>é apenas memorizar o conteúdo proposto pelo professor. Por uma vi-</p><p>são global, a avaliação em literatura ainda insiste em manter uma aula</p><p>transmissiva e não dialógica, fazendo do aluno uma simples tábula rasa</p><p>de armazenamento de conteúdos curriculares.</p><p>Ainda existe a crença de que, memorizando algo relacionado à vida</p><p>do autor, as circunstâncias ligadas ao enredo e à escola literária, assim</p><p>como as vanguardas artísticas que superam umas às outras, o aluno é ca-</p><p>paz de provar suas competências cognitivas. Algumas considerações do</p><p>autor William Cereja (2009, p. 54) nos ajudam no apoio de tal argumento:</p><p>Depois de anos de estudo de literatura, os jovens brasileiros</p><p>deixam o ensino médio sem terem desenvolvido suficiente-</p><p>mente certas habilidades básicas de análise e interpretação</p><p>de textos literários, tais como levantamento de hipóteses</p><p>interpretativas; rastreamento de pistas ou marcas textuais;</p><p>reconhecimento de recursos estilísticos e de sua função se-</p><p>mântico-expressiva; relações entre a forma e conteúdo do</p><p>texto; relações entre os elementos internos e os elementos</p><p>externos (do contexto sócio-histórico) do texto; relações</p><p>entre o texto e outros textos, no âmbito da tradição; relações</p><p>entre texto verbal e texto não verbal; etc.</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 79</p><p>Aquilo sobre o que reclama Cereja parece entrar em sintonia com o</p><p>resto da comunidade dos professores de Letras Brasil afora. O que está</p><p>em jogo não é o desfazer da didática de muitos professores, mas aler-</p><p>tar que, considerando a realidade da educação, cabe a nós, avaliadores,</p><p>simular uma melhor forma de trabalho com os alunos. Nesse sentido,</p><p>é na checagem desses protocolos – ocasionalmente já desgastados e</p><p>em total desuso – que o docente pode apresentar contra-argumentos</p><p>ao seu favor. Portanto, é tendo clareza sobre a origem dos problemas</p><p>avaliativos que a proposta de ensino será ao menos uma solução plau-</p><p>sível e coerente. É por meio das habilidades básicas estabelecidas que</p><p>supostamente formamos um leitor mais competente e crítico.</p><p>3.4 Interface da literatura com</p><p>as ciências humanas Vídeo</p><p>É possível iniciar o nosso raciocínio fazendo a seguinte pergunta: o</p><p>texto literário pode ser interpretado isoladamente, ou será que conse-</p><p>guimos realizar uma abordagem vazia de teoria? A resposta mais cabí-</p><p>vel e com a qual não corremos o risco de cometermos um equívoco é</p><p>não! A literatura não se interpreta por conta própria, e, por esse motivo,</p><p>as áreas correlatas às ciências humanas são devidamente exploradas</p><p>como chave de leitura de uma obra fictícia. Dessa maneira, longe de</p><p>ser apenas um formato retórico de preenchimento do texto literário, o</p><p>campo de análise ligado às humanas é o mais proeminente para uma</p><p>profícua análise textual fictícia. Em suma, ao interpretar um texto fictí-</p><p>cio com as estratégias conceituais formuladas pela área de humanas, o</p><p>texto se torna bastante atraente ao aluno, pois ele passa a observar o</p><p>diálogo existente com outras áreas.</p><p>No entanto, é interessante relatar que ainda cabe uma exceção em</p><p>relação à resposta concedida anteriormente. É interessante considerar</p><p>que a estrutura</p><p>do texto pode ser fator quase isolado de uma análise de</p><p>cunho humanístico. Assim, quando estamos falando de estrutura, nos</p><p>referimos à da narrativa – voltada a defender o texto pelo texto, isto é,</p><p>sua relação intrínseca com a estrutura textual esquematizada, as figu-</p><p>ras de estilo e de linguagem, no vocabulário, nas categorias textuais, no</p><p>formato e na voz autoral, no estilo da obra e da proposta estabelecida</p><p>pelo autor. Algumas dessas abordagens atestam que o texto, antes de</p><p>tudo, é um conjunto de palavras, expressões e frases condizentes com</p><p>80 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>a seleção autoral feita pelo escritor. Longe de ser um amontoado de</p><p>ideias, existe uma organização estrutural. Não queremos apenas pro-</p><p>blematizar, mas pensar como a linguagem pode ser um tanto comple-</p><p>xa para uma análise simplesmente estrutural. É cabível que a análise</p><p>estabelecida pelo docente em uma turma do terceiro ano do ensino</p><p>médio se atenha a esses aspectos de narrativa, estilo e linguagem devi-</p><p>do a uma escolha pessoal e tratativa pela estrutura do texto.</p><p>Devemos ter uma visão mais complexa sobre o campo das humani-</p><p>dades – além das relações com a literatura – e suas múltiplas vertentes</p><p>com as obras e os estilos de época. É sabido que praticamente todas as</p><p>áreas de formação humana se dão pela capacidade de pensar e ques-</p><p>tionar a vida como ela se encontra pronta. A crítica busca compreender</p><p>se há ou não uma crise ligada às humanidades.</p><p>Sobre essa questão, é possível observar, atualmente, uma tendência</p><p>em se afirmar que muitos cursos na área de humanas, como Filosofia,</p><p>História, Letras e Artes, não possuem uma utilidade prática imediata.</p><p>Como o retorno – nos sentidos financeiro e econômico – dessas áreas</p><p>não ocorre instantaneamente, o conhecimento das humanas muitas</p><p>vezes acaba sendo subjugado. Portanto, a principal discussão que pre-</p><p>tendemos fazer aqui está diretamente ligada ao investimento e à valo-</p><p>rização que esses cursos devem ter, além de ressaltar sua importância</p><p>para a sociedade; esse retorno virá em proporção diferente daquela</p><p>medida em números, virá no fomento de uma educação de qualidade.</p><p>É bastante condizente afirmar, então, que, para muitos pesquisa-</p><p>dores vinculados às ciências humanas (artes, filosofia, história, antro-</p><p>pologia, geografia, entre outras), é necessário ter a consciência de que</p><p>as disciplinas se relacionam e conseguem manter um formato inter-</p><p>disciplinar – bem conceituado na contemporaneidade. “Todas as ciên-</p><p>cias do homem, inclusive a História, estão contaminadas umas pelas</p><p>outras. Falam a mesma linguagem ou podem falá-la” (BRAUDEL, 2009,</p><p>p. 54). No campo da história, por exemplo, é fácil identificarmos vá-</p><p>rias alusões ao suporte literário como fator exemplificativo. Em outras</p><p>palavras, o pesquisador da área de história busca no artefato literário</p><p>o documento que ele não encontrou para justificar e respaldar o seu</p><p>argumento. Assim sendo, tanto a história como a literatura são discipli-</p><p>nas que participam de um amplo concurso cognitivo, cujo teor pode ser</p><p>explicado pelo uso das ciências humanas nos seus currículos.</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 81</p><p>A título de ilustração, no trato interdisciplinar entre a literatura e a</p><p>história (na grande área de ciências humanas), temos historiadores</p><p>brasileiros como Nicolau Sevcenko e Sidney Chalhoub tomando de em-</p><p>préstimo trechos literários para compor seus ensaios históricos. O pri-</p><p>meiro, com Literatura como Missão (1985), terá como fonte criativa a</p><p>leitura de escritores como Euclides da Cunha e Lima Barreto para ras-</p><p>trear as principais circunstâncias históricas do crescimento urbano da</p><p>cidade do Rio de Janeiro. Já o segundo, com a obra Machado de Assis</p><p>historiador (2003), faz uma interpretação histórica dos romances ma-</p><p>chadianos (Helena, Iaiá Garcia, Memórias Póstumas de Brás Cubas) para</p><p>comprovar alguns motes investigativos, advogando que o escritor ca-</p><p>rioca reescreve a história nacional. São eles: o período de hegemonia</p><p>do Projeto Saquarema, o debate sobre a Lei do Ventre Livre, a questão</p><p>da escravidão. Em relação ao último mote, curiosamente, o autor refu-</p><p>ta a tese do crítico Roberto Schwarz, segundo a qual os romances de</p><p>Machado não possuíam uma vertente escravagista.</p><p>Não é coincidência que muitos estudantes ingressos nos cursos de</p><p>mestrado e doutorado na área de Literatura sejam oriundos de cursos</p><p>ligados às humanidades. Supomos que o fator motivador seja o contato</p><p>com os livros de ficção ainda no ensino médio e, posteriormente, o gos-</p><p>to permanente pela leitura de textos durante a formação universitária.</p><p>Desse modo, na literatura, o diálogo com as outras áreas de cog-</p><p>nição é bastante presente. A literatura é apenas uma manifestação</p><p>da linguagem que, longe de uma interpretação estru-</p><p>tural, volta-se a outras cadeias interpretativas</p><p>de raciocínio. As vertentes duais se multi-</p><p>plicam: literatura e psicologia, literatura</p><p>e filosofia, literatura e história (confor-</p><p>me já abordamos), literatura e artes</p><p>visuais, literatura e cinema, literatura</p><p>e direito. Enfim, talvez sejam essas</p><p>as disciplinas e áreas afins com que</p><p>o texto literário pode dialogar. Quan-</p><p>do frisamos o vocábulo dialogar é de-</p><p>vido à necessidade de uma abordagem</p><p>mais dinâmica e interessante. Já tivemos</p><p>a chance de abordar o texto literário em</p><p>relação a outras manifestações ligadas às</p><p>Anastasios71/ Triff/ Jure Divich/Shutterstock</p><p>82 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>humanidades. Podemos incentivar o trabalho com as ciências huma-</p><p>nas utilizando alguns exemplos que se seguirão. Para fins didáticos,</p><p>tentaremos abordar essas indicações fazendo uso de alguns artigos</p><p>publicados sobre o tema. Em suma, a intenção é apenas explorar dois</p><p>exemplos de trabalhos com a grande área citada, sendo o primeiro rea-</p><p>lizado no terceiro ano do ensino médio e o segundo, em uma aula no</p><p>nono ano do ensino fundamental.</p><p>Começaremos tendo como base o artigo “Cyro dos Anjos, Lima</p><p>Barreto, Mário de Andrade: reflexos da psicanálise freudiana e</p><p>junguiana na literatura brasileira, publicado pela coleção Guias da</p><p>Psicanálise”. Utilizando uma abordagem psicanalítica realizada por</p><p>meio da leitura da tríade dos autores apontados, o autor faz uma</p><p>imersão para entender como algumas obras literárias – Amanuense</p><p>Belmiro, Cemitério dos Vivos e O Turista Aprendiz – vão em direção ao</p><p>sentido psicanalítico de leitura na área das humanas. Longe de nos</p><p>aprofundarmos por completo no assunto, apenas oportunizamos</p><p>um diálogo de caráter divulgador para quem deseja conhecer esse</p><p>tópico. Para que haja sintonia, extraímos trechos no qual percebe-</p><p>mos um frutífero diálogo com os teóricos Freud e Jung. No artigo em</p><p>questão, reproduz-se a ideia do crítico David Arriguci (2005), que re-</p><p>lata: “A psicanálise sempre teve, desde o início, contato estreito com</p><p>a literatura, pois, como se sabe e ficou dito aqui, Freud se serviu da</p><p>literatura como campo de provas da psicanálise.”</p><p>Diante do exposto, é possível que o leitor realize um trabalho de</p><p>pesquisa buscando sondar quais são os trechos das obras desses auto-</p><p>res cujo conteúdo dialoga com a psicanálise. É quase como um estudo</p><p>datado, pois tais obras literárias – no aspecto da sua dimensão criativa</p><p>– estão em consonância com a produção humanística de época. Não</p><p>basta realizar uma leitura ilustrativa ou casada com essa dualidade,</p><p>é necessário procurar novas formas de interpretar o texto literário. É</p><p>preciso que o leitor seja crítico e conjecture com a interface das huma-</p><p>nas um diálogo, estabelecendo uma nova forma de abordar o texto</p><p>literário. Ao tecer aproximações conceituais e literárias possíveis, o lei-</p><p>tor passa a verificar que o texto fictício não está solto no tempo e no</p><p>espaço, pois atesta que a sua natureza dialoga como se fosse um vaso</p><p>comunicante. Em resumo, a exemplo do que foi realizado no estudo,</p><p>o leitor também pode investigar como alguns trechos casam com as</p><p>ideias de Sigmund Freud e Carl Gustav Jung.</p><p>Literatura na escola:</p><p>tradição e vanguarda no ensino 83</p><p>Já por meio da interlocução ofertada pelo diálogo entre a história e a</p><p>literatura, o docente do ensino médio pode estabelecer algumas possí-</p><p>veis relações e intercâmbios comunicativos. Em uma vertente contem-</p><p>porânea, escritores como Rubem Fonseca, Ana Miranda, Godofredo</p><p>de Oliveira Neto e Ruy Tapioca investiram muito no lastro histórico de</p><p>suas narrativas. Fatos históricos como o suicídio de Vargas (Agosto), a</p><p>vida do ilustre e polêmico Gregório de Matos (Boca do Inferno), a Guerra</p><p>do Contestado (O bruxo do Contestado) e a chegada da família real por-</p><p>tuguesa (A República dos Bugres) podem facilmente manter uma espécie</p><p>de coexistência com os aspectos fictícios da obra.</p><p>Em sintonia com esses autores e outros de sua preferência, o pro-</p><p>fessor pode formar leitores críticos em relação ao conteúdo histórico</p><p>desenvolvido em alguns romances. Na grande maioria dos casos, a</p><p>ferramenta da história nacional se reconta por meio da própria des-</p><p>crição dos eventos. No romance histórico Agosto (de Rubem Fonseca),</p><p>por exemplo, temos o suicídio de Getúlio Vargas e as variadas circuns-</p><p>tâncias em torno do período político desse acontecimento. Para isso, é</p><p>importante que o docente defenda, do início ao fim, que é necessário</p><p>trabalhar a coexistência da história na literatura e vice-versa.</p><p>3.5 O ensino de literatura e a valorização</p><p>da cultura afro-brasileira e a</p><p>dos povos indígenas</p><p>Vídeo Ser negro ou indígena no Brasil não é tão fácil, pois ainda carrega-</p><p>mos muito dos preconceitos arraigados em uma sociedade formada</p><p>no contexto terrível da escravidão. Devido à nossa tardia abolição da</p><p>escravatura e dos moldes trabalhistas forçados durante o início do sé-</p><p>culo XX (pois os negros foram libertos, mas não estavam devidamente</p><p>habilitados para exercer uma profissão digna), ainda vivemos um ver-</p><p>dadeiro dilema que persiste no meio brasileiro contemporâneo e ainda</p><p>estamos bastante atrasados para lidar com tais questões. Desse modo,</p><p>as políticas públicas efetuadas a favor das minorias – tanto em relação</p><p>aos indígenas como aos negros – são cada vez mais essenciais à equi-</p><p>dade na cidadania. É na conscientização de que somos um país diverso</p><p>e bastante desigual que saberemos como lidar com os parâmetros pro-</p><p>porcionais de diferença racial.</p><p>84 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Durante muitas décadas de história do Brasil, a figura do negro</p><p>foi tratada com autoritarismo, sentimento de desprezo e descaso.</p><p>Inegavelmente, somos resultado dos patrimônios culturais africano</p><p>e indígena e, por isso e outros diversos motivos, precisamos valori-</p><p>zá-los à altura dessa importância. “A luta pela superação do racismo</p><p>e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educa-</p><p>dor, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença</p><p>religiosa ou posição política” (BRASIL, 2004, p. 16). Sabemos que, de-</p><p>vido à colonização europeia imposta, indígenas e negros foram po-</p><p>pulações forçadas ao trabalho manual e escravo durante décadas. É</p><p>por meio do ensino de literatura e história que podemos, enquanto</p><p>professores, recontar alguns episódios de outra forma, sem repe-</p><p>tir fórmulas dicotômicas já conhecidas – colonizador e colonizado,</p><p>senhor e escravo. Em outras palavras, faz-se necessário contar a</p><p>narrativa pelo olhar dos vencidos, aqueles que supostamente foram</p><p>esquecidos e marginalizados.</p><p>É importante que as instituições escolares vinculadas às secreta-</p><p>rias de educação de cada estado estimulem e criem expectativas para</p><p>o ensino da literatura e da cultura afro-brasileira e africana. Segundo</p><p>as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações</p><p>Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e</p><p>Africana, “o ensino sistemático de História e Cultura Afro-Brasileira e</p><p>Africana na Educação Básica, nos termos da Lei 10639/2003, refere-se,</p><p>em especial, aos componentes curriculares de Educação Artística, Lite-</p><p>ratura e História do Brasil” (BRASIL, 2004 p. 32). Datas festivas e tópicos</p><p>comemorativos buscam celebrar e reforçar a importância do papel do</p><p>negro na sociedade brasileira. Por essa e outras razões, buscando um</p><p>aprendizado melhor e inclusivo, professores buscam conscientizar os</p><p>estudantes. Nessas ocasiões, trabalhos de pesquisa e feiras de ciência</p><p>promovem a discussão sore o papel dessas culturas como forma de re-</p><p>pensar o Brasil contemporâneo. Assim, é operante que todo professor</p><p>de literatura, história e artes possa abordar temas ligados ao compor-</p><p>tamento do negro na sociedade. Em sintonia com a legislação vigente,</p><p>fazer diluir e, ao mesmo tempo, disseminar esses anseios ajuda a reer-</p><p>guer o conceito do que é ser brasileiro. Portanto, o esforço precisa che-</p><p>gar conjuntamente, atestando que, devido à escravidão, a sociedade</p><p>brasileira ainda possui uma enorme dívida com os movimentos negros</p><p>espalhados pelo Brasil afora.</p><p>No livro Sobre o au-</p><p>toritarismo brasileiro,</p><p>referência indispensável</p><p>para compreendermos a</p><p>história do autoritarismo</p><p>brasileiro, Lilia Moritz</p><p>Schwarcz disserta sobre</p><p>os diversos tipos de</p><p>autoridade às quais resis-</p><p>timos e enfrentamos ao</p><p>longo de várias décadas.</p><p>Dividido em dualidades</p><p>que funcionam como</p><p>vasos comunicantes –</p><p>escravidão e racismo,</p><p>mandonismo e patrimo-</p><p>nialismo, corrupção e</p><p>desigualdade social, entre</p><p>outras –, a obra propõe</p><p>uma profunda análise</p><p>sobre as desigualdades</p><p>econômico-sociais no</p><p>Brasil da atualidade.</p><p>SCHWARCZ, L. M. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 2018.</p><p>Livro</p><p>iof</p><p>ot</p><p>o/</p><p>Sh</p><p>utt</p><p>ers</p><p>tock</p><p>Se “naturalizar a desigualdade”, nas palavras da antropóloga Lilia</p><p>Schwarcz (2018), é uma expressão motora para que os governos au-</p><p>toritários reforcem a lógica da “manutenção do poder”, o papel do</p><p>professor de Literatura é inverter esse raciocínio para possibilitar o</p><p>reconhecimento das minorias. Ao identificar essa situação, o maior</p><p>problema é que, no Brasil, existe uma grande lacuna entre o que é re-</p><p>gistrado nos documentos e nos anais da história e uma possível aplica-</p><p>ção prática. E isso, fatalmente, afeta o universo das minorias: negros e</p><p>indígenas. Políticas públicas como as cotas nas universidades públicas</p><p>angariam uma maior igualdade, pois, como sabemos, eles precisam se-</p><p>guir suas vidas assim como os brancos também o fizeram. Conforme</p><p>esclarece o documento Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa-</p><p>ção das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura</p><p>Afro-Brasileira e Africana:</p><p>Políticas por reparações voltadas para a educação dos negros</p><p>devem oferecer garantias a essa população de ingresso, per-</p><p>manência e sucesso na educação escolar, de valorização do</p><p>patrimônio histórico-cultural afro-brasileiro, de aquisição das</p><p>competências e dos conhecimentos tidos como indispensáveis</p><p>para continuidade nos estudos, de condições para alcançar</p><p>todos os requisitos tendo em vista a conclusão de cada um dos</p><p>níveis de ensino, bem como para atuar como cidadãos responsá-</p><p>veis e participantes, além de desempenharem com qualificação</p><p>uma profissão. (BRASIL, 2004, p. 11)</p><p>A igualdade somente funciona quando temos as mesmas con-</p><p>dições para permanecermos com chances iguais junto a um deter-</p><p>minado contexto. Ainda que mantenhamos um diálogo forçado de</p><p>fingirmos que praticamos as políticas públicas necessárias, é inte-</p><p>ressante repensarmos se realmente contribuímos para elas.</p><p>Conforme muitos leitores experientes sabem, desde os primei-</p><p>ros romances publicados, a galeria das minorias (pobres, negros e</p><p>indígenas) na literatura brasileira é quase sempre representada</p><p>de modo audacioso e problemático. Apesar de não podermos</p><p>exemplificar todas, é necessário saber como podemos traba-</p><p>lhar algumas para repetir a mesma estratégia com as demais.</p><p>Para ilustrar, temos a personagem Macunaíma, do romance ho-</p><p>mônimo de Mário de Andrade; a protagonista Oribela, da obra</p><p>Desmundo, de Ana Miranda; a figura de Zé-do-Burro, do</p><p>clássico O pagador de promessas, de Dias Gomes; o rude</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 85</p><p>iofoto/Shutterstock</p><p>personagem Fabiano, de Vidas Secas, de Graciliano Ramos, dentre mui-</p><p>tos outros. É indispensável sabermos que a representação dos excluídos</p><p>atingiu várias escolas literárias, sendo que, no romance brasileiro do sé-</p><p>culo XX, ficaram limitados a uma constante figuração.</p><p>Assim, cabe ao professor de Literatura explorar devidamente algu-</p><p>mas temáticas minoritárias e marginais, dando fôlego às ações pratica-</p><p>das e como elas funcionam como motor à narrativa. Sabendo-se que</p><p>não se trata apenas de uma tendência literária, cabe também ao aluno</p><p>ter o devido interesse e maturidade para explorá-la por meio de outros</p><p>aspectos interpretativos.</p><p>Valorizar as culturas negra e indígena significa explorar temas literá-</p><p>rios que buscam uma maior efetividade de representação desses este-</p><p>reótipos durante o desenvolvimento da narrativa. “Reconhecer exige a</p><p>valorização e respeito às pessoas negras, à sua descendência africana,</p><p>sua cultura e história” (BRASIL, 2004, p. 12). Esse papel não pode ser</p><p>minado por um superficialismo latente, mas deve existir um compro-</p><p>misso por parte do docente.</p><p>Já é sabido que o grande propagador da representação do índio na</p><p>literatura brasileira do século XIX foi o escritor cearense José de Alen-</p><p>car. Nascido em Mecejana, no interior do estado do Ceará, sendo fi-</p><p>lho de um conceituado político de carreira, Alencar escreveu a tríade</p><p>de romances de linhagem indianista: O Guarani (1857), Iracema (1865)</p><p>e Ubirajara (1874). Naquele período de escrita e publicação, o fator</p><p>comum aos moldes dos escritos da valorização do indígena era usar</p><p>como cenário a realidade exuberante da flora e da fauna, levando no-</p><p>vos ventos ao imaginário brasileiro. O cenário era como que mitológi-</p><p>co, exaltando as belezas naturais do Brasil. De fato, o autor foi</p><p>um romancista inserido no século XIX que batalhou</p><p>de maneira viva e rigorosa pela construção de</p><p>uma realidade nacional.</p><p>Em termos relativos, a representação</p><p>das minorias na literatura tem sido alvo de</p><p>algumas investigações no âmbito acadê-</p><p>mico. Adentrando os aspectos semântico</p><p>e vocabular, tomamos como exemplo</p><p>apenas duas palavras: degredados e</p><p>marginalizados – que convergem em sig-</p><p>Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 87</p><p>nificados semelhantes. É sabido que suas raízes provêm das palavras</p><p>primitivas degredo e margem, descritas em muitos dicionários de língua</p><p>portuguesa. Falando mais didaticamente, a dualidade de palavras se</p><p>enquadra numa melhor designação da representação dos subalternos</p><p>em muitas narrativas da literatura brasileira, alimentando a existência</p><p>de outros desdobramentos, revelando o recontar da história por meio</p><p>do viés dos vencidos, conforme previa Walter Benjamin.</p><p>De acordo com o crítico Nicolau Sevcenko (1999, p. 21), a literatu-</p><p>ra seria “o testemunho triste, porém sublime, dos homens que foram</p><p>vencidos pelos fatos”. O leitor menos acostumado a narrativas nesses</p><p>modelos certamente pode acreditar que alguns escritores possuem</p><p>muitos preconceitos ao estereotipar alguns personagens. Ambos os</p><p>vocábulos – degredados e marginalizados – representam e podem alu-</p><p>dir ao contexto da literatura brasileira contemporânea 1 , incrementada</p><p>pioneiramente por Lima Barreto e em romances categorizados pela</p><p>crítica como enredos marginais: Malagueta, Perus e Bacanaço (1963), de</p><p>João Antônio; Feliz Ano Novo (1976), de Rubem Fonseca; Quarto de Des-</p><p>pejo (2013), de Carolina Maria de Jesus, entre outros. Em poucas pala-</p><p>vras, por meio de personagens subalternos e marginalizados, a missão</p><p>da literatura desses escritores citados foi dar voz a essas figuras e adi-</p><p>cioná-las à composição das narrativas.</p><p>Representando a figura do denominado “bom selvagem” de Jean</p><p>Jacques Rousseau, a imagem do índio sempre foi considerada como</p><p>símbolo do homem brasileiro em oposição ao europeu civilizado; índio</p><p>que recebeu sua chancela de símbolo maior do país, mas nem sempre</p><p>teve o seu reconhecimento ampliado para outras gerações de leitores.</p><p>Surpreendentemente, a problemática principal é a figura do indígena</p><p>ser bem pouco reconhecida nas letras nacionais. Com muita sede por</p><p>parte dos autores de transformá-lo em nossa figura nacional, o índio</p><p>exerceu a nossa identidade – latente de sentimentalismo, melancolia e</p><p>paixão. Os três vocábulos não estão apenas atribuindo adjetivação à</p><p>palavra identidade, mas expandindo o nosso olhar de reconhecimento</p><p>ao povo indígena como formador de uma personalidade nacional. A ín-</p><p>dia Iracema de Alencar não é somente uma personagem carregada de</p><p>beleza e sensualidade, mas também representa a desenvoltura com-</p><p>plexa do povo brasileiro.</p><p>Saindo da atmosfera do século XIX e indo em direção a um contexto</p><p>mais contemporâneo às letras nacionais, temos o romance Maíra, do</p><p>A obra Magia e técnica,</p><p>arte e política mostra</p><p>que, no ponto de vista</p><p>do filósofo alemão</p><p>Walter Benjamin (um dos</p><p>filósofos críticos da Escola</p><p>de Frankfurt), a história</p><p>oficial (a que pretende</p><p>narrar os fatos e acon-</p><p>tecimentos ocorridos)</p><p>deve ser analisada pelo</p><p>viés dos derrotados e</p><p>dos vencidos, e não dos</p><p>conquistadores ilustres.</p><p>BENJAMIN, W. 8. ed. Trad. de</p><p>Sérgio Paulo Rouanet. São Paulo:</p><p>Brasiliense, 2012.</p><p>Livro</p><p>É óbvio que, em outras literatu-</p><p>ras, a figura do marginalizado</p><p>também ajudou a acrescentar</p><p>outros desdobramentos investi-</p><p>gativos. A pesquisadora Ana Ma-</p><p>ria dos Santos Marques (2012)</p><p>alude à existência da figura do</p><p>personagem marginalizado na</p><p>prosa oitocentista histórica de</p><p>muitos autores.</p><p>1</p><p>88 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>autor Darcy Ribeiro. Resultado de uma vasta pesquisa sobre a cultura</p><p>indígena por parte do autor, o romance abocanha questões voltadas</p><p>ao meio místico que é parte do universo dos índios. Quase como em</p><p>um romance biográfico (em que o personagem principal é uma espé-</p><p>cie de alter ego de Darcy), o autor aproveita boa parte das pesquisas</p><p>antropológicas ensaiadas nas aldeias indígenas do Brasil para compor</p><p>um romance que buscasse representar uma espécie de caldeamento</p><p>das tribos. Obra hoje quase esquecida no ambiente acadêmico e nos</p><p>meios escolares do Brasil devido à importância de uma mais conhecida</p><p>– O povo brasileiro (1995) –, Maíra revela uma espécie de valorização da</p><p>cultura indígena amazonense.</p><p>Revelando a capacidade de desvendar um vasto panorama multi-</p><p>cultural brasileiro, Darcy “emprega seus conhecimentos para criar uma</p><p>obra com esferas culturais e vozes narrativas que se cruzam: dos índios,</p><p>dos não índios e dos seres sobrenaturais ou demiurgos” (THIEL, 2016,</p><p>s/p). Além disso, a obra possui temas variados para um rico trabalho</p><p>em sala de aula – trabalho que pode formar leitores conscientes em re-</p><p>lação aos costumes e hábitos indígenas. É, portanto, um romance que</p><p>também pode ser aproveitado de modo mais elaborado em uma aula</p><p>de exploração das camadas textuais e extratextuais, fazendo com que</p><p>o leitor possa explorar a dimensão criativa literária de Darcy Ribeiro.</p><p>No artigo A representação da mulata no conto “Um especialista”, de Lima Barre-</p><p>to, publicado pela revista Rascunhos, páginas 154 a 177, os autores Cristiano</p><p>Mello de Oliveira e André Rocha Haudenschild investigam como é figurada</p><p>a personagem Alicia (a mulata) no conto “Um especialista”, parte integrante</p><p>do livro Clara dos Anjos. O mote principal da leitura é investigar como alguns</p><p>trechos do conto podem se articular com a conceituação estabelecida por</p><p>teóricos de gênero e raça. O que está em jogo é provar que a figura da</p><p>mulata é condicionada a um tratamento de cobiça sexual – o qual se observa</p><p>em um café nas redondezas do largo da Carioca.</p><p>Acesso em: 16 abr. 2020.</p><p>https://revistarascunhos.ufms.br/files/2019/07/Rascunhos_v_9_n_18.pdf</p><p>Artigo</p><p>Já no âmbito de uma literatura mais histórica e documental, pou-</p><p>co afeita aos moldes fictícios, mencionamos o livro Escravidão (2019),</p><p>do jornalista Laurentino Gomes. Em linhas gerais, esse tipo de obra</p><p>pode ser facilmente trabalhado com uma turma do terceiro ano do en-</p><p>sino</p><p>médio nas aulas de literatura e história, mantendo o jogo tão rico</p><p>da interdisciplinaridade e do aprendizado histórico quanto aos fatos</p><p>O livro Os pobres na</p><p>literatura brasileira,</p><p>organizado por Roberto</p><p>Schwarz, é referência</p><p>fundamental sobre o</p><p>assunto das minorias</p><p>SCHWARZ, R. (org). São Paulo:</p><p>Brasiliense, 1983.</p><p>Livro</p><p>Para compreender me-</p><p>lhor sobre a importância</p><p>da literatura marginal,</p><p>indicamos a leitura do</p><p>artigo de Paulo Ricardo,</p><p>A literatura periférica: e o</p><p>porquê precisamos lê-la</p><p>e apoiá-la, publicado no</p><p>site Agência de Notícias</p><p>das Favelas (ANF).</p><p>Disponível em: https://www.anf.</p><p>org.br/a-literatura-periferica-e-o-</p><p>-porque-precisamos-le-la-e-apoia-</p><p>-la/. Acesso em: 16 abr. 2020.</p><p>Leitura</p><p>https://revistarascunhos.ufms.br/files/2019/07/Rascunhos_v_9_n_18.pdf</p><p>https://www.anf.org.br/a-literatura-periferica-e-o-porque-precisamos-le-la-e-apoia-la/</p><p>https://www.anf.org.br/a-literatura-periferica-e-o-porque-precisamos-le-la-e-apoia-la/</p><p>https://www.anf.org.br/a-literatura-periferica-e-o-porque-precisamos-le-la-e-apoia-la/</p><p>https://www.anf.org.br/a-literatura-periferica-e-o-porque-precisamos-le-la-e-apoia-la/</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 89</p><p>relacionados à escravidão. Por meio da abordagem historiográfica, o</p><p>professor de literatura também pode sondar meios informativos de co-</p><p>nhecer a realidade cruel daquilo que foi esse período no Brasil.</p><p>Pode-se dizer que dois fatores determinantes ocorrem no trato</p><p>das literaturas das minorias: o primeiro deles seria a equiparação dos</p><p>autores, situação que obriga o docente a igualar a quantidade de au-</p><p>tores brancos e negros a serem selecionados, assim como alguns per-</p><p>sonagens brancos e negros que também são figurados na trama das</p><p>narrativas. O trabalho com autores e personagens negros da literatura</p><p>brasileira pode deixar a aula mais consciente e crítica para o aluno. A</p><p>democracia literária inclusiva – isto é, o trato com textos diferentes do</p><p>cânone literário –, segundo alguns especialistas, é altamente recomen-</p><p>dável. Um segundo fator diz respeito ao fato de que, quando um do-</p><p>cente de literatura promove a equidade entre alguns autores brancos e</p><p>negros, podemos calcular que ele reconhece algumas necessidades de</p><p>trabalho diferenciadas, ou seja, ele consegue igualar nos pratos de uma</p><p>mesma balança (ampliando o leque de estratégias igualitárias) autores</p><p>importantes a serem trabalhados em sala de aula.</p><p>Já tivemos a oportunidade de comentar um pouco sobre o gênero</p><p>do romance histórico brasileiro. Ele se constitui como forte evidência</p><p>para atestarmos que as figuras das minorias (negro ou índio) podem</p><p>ser representadas tão bem no campo da narrativa quanto em outros</p><p>gêneros literários. Como exemplo, temos o romance histórico Rei</p><p>Branco, Rainha Negra (1990), do escritor mineiro Paulo Amador e que</p><p>pode fartamente ser trabalhado sob uma perspectiva histórica e ra-</p><p>cial. Baseado nas evidências históricas representadas pela negra escra-</p><p>va Chica da Silva, a narrativa recria a atmosfera cenográfica da cidade</p><p>de Diamantina (outrora Arraial do Tejuco) durante o ciclo frenético</p><p>do ouro. Em linhas gerais, ao dar voz aos despossuídos e excêntricos,</p><p>àqueles cujos projetos nunca se concretizaram na íntegra, àqueles que</p><p>estavam à margem dos acontecimentos históricos, alguns escritores</p><p>da literatura brasileira questionam representações raramente traba-</p><p>lhadas pelos historiadores tradicionais. Curioso e bastante enigmático</p><p>é notar, ainda, que a figura do índio (subalterno por várias questões)</p><p>não chega sequer a ser representada (esquecimento ou simplesmente</p><p>recusa) em muitos romances publicados pela nossa literatura.</p><p>Em síntese, mesmo com as considerações trabalhadas anterior-</p><p>mente, diversos outros fatores ainda prejudicam a abertura do currí-</p><p>Ao pesquisador mais</p><p>interessado sobre a re-</p><p>presentação das minorias</p><p>na literatura, indicamos</p><p>o livro Os excluídos</p><p>da história: operários,</p><p>mulheres e prisioneiros, de</p><p>Michelle Perrot, um estu-</p><p>do histórico proeminente</p><p>a respeito dessa questão.</p><p>PERROT, M. São Paulo: Paz e Terra,</p><p>2010.</p><p>Livro</p><p>90 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>culo escolar que vise à inserção do conteúdo destinado à literatura de</p><p>temas afrodescendentes e indígenas. São eles: a falta de preparo do</p><p>professor em relação aos temas, a escassez de obras que evidenciem</p><p>tal temática, a falta de uma maior abertura ideológica do profissional,</p><p>dentre outros. Cabe lembrar que esse tipo de consciência – se assim</p><p>podemos chamar – não depende apenas dos professores. “Os conteú-</p><p>dos referentes à história e cultura afro-brasileira e dos povos indígenas</p><p>brasileiros serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em</p><p>especial nas áreas de educação artística e de literatura e história brasi-</p><p>leira” (BRASIL, 2004, p. 19). É de extrema importância que tal proposta</p><p>seja feita em conjunção com o interesse geral do colegiado, por meio</p><p>de reuniões pedagógicas e da inserção do tema no projeto político pe-</p><p>dagógico da instituição.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Longe de termos atingindo um objetivo definitivo para abordarmos a</p><p>totalidade dos assuntos discutidos durante este capítulo, resta-nos inda-</p><p>gar sobre outras possibilidades de escrevê-los. Tomando emprestado o</p><p>conceito de obra aberta, do crítico italiano Umberto Eco, o certo é que todo</p><p>término de obra exige que a deixemos aberta para novas complemen-</p><p>tações. No tocante ao assunto metodológico tratado na primeira seção,</p><p>podemos considerar que deixamos algumas lacunas propositais (devido</p><p>à amplitude do tema) que podem servir de estímulo para que o leitor</p><p>as preencha. A principal provocação é não termos delineado de maneira</p><p>cronológica e por meio de detalhes – o que serve como incentivo para que</p><p>os leitores possam aprimorar os seus conhecimentos acerca das meto-</p><p>dologias tradicional e moderna ao longo das décadas. Sugerimos que tal</p><p>reflexão seja desvendada (de modo pormenorizado) por meio da pesqui-</p><p>sa das principais reformas pedagógicas ocorridas após o Manifesto dos</p><p>Pioneiros da Educação Nova, ocorrido em 1932. Escrever ou simplesmen-</p><p>te dar um ponto final à discussão aqui apresentada também não significa</p><p>interromper de forma definitiva o palco dos desdobramentos oferecidos.</p><p>Conforme observamos, formar leitores, mesmo que seja uma tarefa</p><p>simples, acaba apresentando algumas dificuldades em vários aspectos</p><p>ligados a diversas situações. Sabemos que o fenômeno literário não se</p><p>interpreta levando em consideração uma matriz ligada ao senso comum</p><p>ou uma mera hermenêutica padronizada – algo que estimula uma com-</p><p>preensão rasa. Por essa e outras razões, observamos como podemos nos</p><p>Literatura na escola: tradição e vanguarda no ensino 91</p><p>munir de outras ciências, permitindo uma leitura mais acurada e necessá-</p><p>ria. Durante o caminho, atestamos, também, como o texto literário pode</p><p>dialogar com outras vertentes das ciências humanas – estimulando o de-</p><p>bate e o contraditório –, em especial no trato com a interdisciplinaridade.</p><p>A consideração do texto literário com o artefato tecnológico foi útil</p><p>para pensarmos como o fenômeno literário pode ser explicado de manei-</p><p>ra mais atraente e prazerosa. Utilizar recursos informatizados (laboratório</p><p>de computadores) também facilita pensar a literatura de modo mais or-</p><p>ganizado e sistematizado. Além disso, diagnosticamos como as matrizes</p><p>indígenas e negras de literatura podem ser ricamente trabalhadas em</p><p>sala de aula, gerando, frequentemente, uma abertura maior aos diálogos</p><p>fora dos textos rotulados pela instituição escolar. Ao longo do percurso,</p><p>verificamos como alguns tópicos entram em sintonia com outros, e nem</p><p>sempre estes mantêm o mesmo tom no diálogo.</p><p>ATIVIDADES</p><p>1. Ao longo da última seção, verificamos como a figura do negro</p><p>é representada em algumas obras literárias. Cite exemplos da</p><p>literatura brasileira (títulos, autores e trechos literários) que possuam</p><p>personagens negros convivendo com personagens brancos. Faça uma</p><p>interpretação do trecho, tecendo alguns comentários a respeito.</p><p>2. No percurso da seção 3.4, tecemos algumas relações do campo</p><p>literário com a grande área das ciências humanas. Você deve ter notado</p><p>que existem múltiplas possibilidades de se abordar um texto fictício.</p><p>Aponte exemplos, técnicas e abordagens que podem ser realizadas</p><p>pelo docente.</p><p>3. Sabemos que a tecnologia pode ser uma grande aliada no trato com</p><p>o fenômeno literário. É comum que docentes estabeleçam novos</p><p>métodos de abordagem utilizando ferramentas tecnológicas. De</p><p>acordo com o conteúdo estudado, explique como o docente, durante</p><p>uma aula no terceiro ano do ensino médio, pode trabalhar com uma</p><p>determinada obra, realizando o uso de algum artefato tecnológico.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BOSI, A. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2015.</p><p>BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. São Paulo: Perspectiva, 2009.</p><p>BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2018.</p><p>92 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>BRASIL. Secretaria Especial de Política da Igualdade Racial. Diretrizes Curriculares Nacionais</p><p>para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-</p><p>Brasileira e Africana. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2004. Disponível em: http://</p><p>portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a</p><p>+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o</p><p>+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-</p><p>8df3-4c2783f06386?version=1.2. Acesso em: 16 abr. 2020.</p><p>CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Itatiaia, 1997.</p><p>CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.</p><p>São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>DURÃO, F. A. O que é crítica literária?. São Paulo: Parábola, 2016.</p><p>ENTREVISTA com David Arriguci Jr. Revista Brasileira de Psicanálise, v. 39, n. 1, 2005.</p><p>HOLLANDA, A. B. Novo dicionário Aurélio de língua portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira,</p><p>1986.</p><p>JAPIASSÚ, H.; MARCONDES, D. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.</p><p>MARQUES, A. M. S. O Anacronismo no Romance Histórico Português Oitocentista. Porto: Edições</p><p>Afrontamento, 2012.</p><p>MOISÉS, M. Dicionário de termos literários. São Paulo: Cultrix, 1999.</p><p>MOISÉS, M. História da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix, 2006.</p><p>ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. São Paulo: Companhia das Letras, 1987.</p><p>THIEL, J. Dez obras para se conhecer a literatura indígena. Disponível em: https://www.</p><p>cartacapital.com.br/educacao/dez-obras-com-a-tematica-indigena/. Acesso em:</p><p>10/07/2020.</p><p>SEVCENKO, N. Literatura como missão. São Paulo: Brasiliense, 1999.</p><p>SCHWARCZ, L. M. Sobre o autoritarismo brasileiro. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.</p><p>ZIBERMANN, R. A leitura e o ensino da literatura. Curitiba: Ibpex, 2018.</p><p>http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-8df3-4c2783f06386?version=1.2</p><p>http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-8df3-4c2783f06386?version=1.2</p><p>http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-8df3-4c2783f06386?version=1.2</p><p>http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-8df3-4c2783f06386?version=1.2</p><p>http://portal.inep.gov.br/documents/186968/484184/Diretrizes+curriculares+nacional+para+a+educa%C3%A7%C3%A3o+das+rela%C3%A7%C3%B5es+%C3%A9tnico-raciais+e+para+o+ensino+de+hist%C3%B3ria+e+cultura+afro-brasileira+e+africana/f66ce7ca-e0c8-4dbd-8df3-4c2783f06386?version=1.2</p><p>Literatura e história 93</p><p>4</p><p>Literatura e história</p><p>O presente capítulo pretende delinear o comportamento que</p><p>a literatura tem na contemporaneidade. Não desejamos detalhar</p><p>exaustivamente o modo como uma tendência literária aparece, seja</p><p>ela de estilo ou gênero, ou pelo caráter do título ou do autor. Alguns</p><p>catálogos já dão conta dessa temática ano a ano, sintonizando o lei-</p><p>tor com os novos mecanismos fictícios de algumas obras. A ideia</p><p>principal, aqui, é abordar o trabalho de alguns autores, destinados a</p><p>promover dois temas polêmicos e distintos: a violência urbana e os</p><p>fatos históricos. Alguns estudos revelam que ambos são apresenta-</p><p>dos pelas tendências literárias trabalhadas no contemporâneo.</p><p>Dando sequência, apresentaremos o modo como houve a apro-</p><p>ximação do plano histórico de época com a literatura brasileira, ou</p><p>seja, se existiu, de fato, a importância de elevar o texto literário à</p><p>dimensão historiográfica. Assunto bastante problemático, o certo é</p><p>que muitos livros didáticos da educação básica ainda prezam por</p><p>esse acompanhamento linear da história, traduzindo o texto fictí-</p><p>cio como representação de um emaranhado de fatos históricos.</p><p>No capítulo anterior, tivemos a chance de dar algumas pinceladas</p><p>acerca de alguns romances que aproveitam artefatos históricos para</p><p>compor uma representação narrativa e, embora tenhamos debatido</p><p>tal proposta, neste capítulo, atestaremos como a interface histórica</p><p>pode ser trabalhada a modelo de uma metodologia que ajudará o</p><p>aluno a compreender o texto com maior prazer e facilidade.</p><p>Por fim, temos o acompanhamento das relações didáticas</p><p>possíveis no tratamento da história com a literatura, em especial a</p><p>abordagem de alguns romances históricos, que podem ser explo-</p><p>rados de forma curiosa.</p><p>94 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>4.1 Tendências literárias na contemporaneidade</p><p>Vídeo Para falarmos das tendências literárias na contemporaneidade, pre-</p><p>cisamos compreender o significado da palavra contemporâneo, que re-</p><p>lacionamos ao tempo de produção deste livro, por exemplo, ou mesmo</p><p>ao início da segunda década do século XXI.</p><p>Devido à quantidade de obras artísticas surgidas na atualidade, é</p><p>possível darmos conta da recém-produção de livros de ficção? A pro-</p><p>dução literária não se esgota da noite para o dia; ela é praticamen-</p><p>te infinita. Isso desencadeia, claramente, uma possível problemática:</p><p>como falar de algo que tenha produção infinita? Para isso, talvez, fosse</p><p>mais prudente travarmos uma conjectura temporal favorável à nossa</p><p>abordagem literária. Por esse motivo, falar de algo atual ou que esteja</p><p>em produção – ou na expressão inglesa work in progress – pode não</p><p>ser uma tarefa tão fácil para a nossa realidade, que está cada vez mais</p><p>cambiante e flutuante. No senso comum, contemporâneo nos remete</p><p>a algo atual, moderno e que esteja relacionado à vanguarda.</p><p>Se existem tendências, é porque há trocas casuais por outros mo-</p><p>delos literários ou por obras fadadas a “encalhar” nas prateleiras de</p><p>algumas livrarias. Outra problemática interessante é o fato de certas</p><p>tendências serem rotuladas como efêmeras e encaradas como propen-</p><p>sas a sumir do mapa cultural por um breve período. Para sabermos se</p><p>existem tendências ou não, um estudo mais aprofundado no mercado</p><p>editorial brasileiro é necessário. Sendo assim, a lista de livros mais ven-</p><p>didos (inclusos também os de não ficção) soa devidamente informativo</p><p>ao leitor mais apressado ou àquele que deseja tomar conhecimento</p><p>do “vai e vem” literário. Por meio dela, o leitor pode, sumariamente, ter</p><p>noção do que está sendo publicado e lido na atualidade. Não raro, os</p><p>livros de autoajuda e as biografias de famosos ainda lideram esse gran-</p><p>de cenário editorial (mesmo que sem muitas explicações estatísticas</p><p>realizadas com base em estudos científicos); este, de forma corriqueira,</p><p>a palavra literatura ga-</p><p>nhou espaço na cultura ocidental ao longo das décadas.</p><p>De acordo com o Dicionário de</p><p>termos históricos (2009), criado</p><p>pelo autor Edward Taylor, no</p><p>século XIX, o significado de</p><p>cultura é amplo e pressuposto</p><p>para qualquer área das ciências</p><p>humanas. Citamos apenas um</p><p>trecho: “O significado mais</p><p>simples desse termo afirma</p><p>que cultura abrange todas</p><p>as realizações materiais e os</p><p>aspectos espirituais de um povo.</p><p>Ou seja, em outras palavras,</p><p>cultura é tudo aquilo produzido</p><p>pela humanidade, seja no plano</p><p>concreto ou no plano imaterial,</p><p>desde artefatos e objetos até</p><p>ideias e crenças. Cultura é todo</p><p>o complexo de conhecimentos e</p><p>toda habilidade humana empre-</p><p>gada socialmente. Além disso,</p><p>é também todo comportamento</p><p>aprendido, de modo indepen-</p><p>dente da questão biológica”.</p><p>(SILVA; SILVA, 2009, p. 85)</p><p>Saiba mais</p><p>12 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Se alongássemos a lista de locuções linguísticas, cujo conteúdo</p><p>alude à carga semântica da palavra literatura, também teríamos varia-</p><p>das composições elocutórias. Boa parte dessas composições possui</p><p>filiação ao gosto e ao afeto pela palavra escrita, sendo esta de natu-</p><p>reza poética. De acordo com o Dicionário auxiliar de composição lite-</p><p>rária (2006), do autor Manif Zacharias, temos, a saber: “respeitante à</p><p>literatura”; “homem versado em literatura”; “letrado”; “profissional da</p><p>literatura”; “pessoa que cultiva a literatura”; “beletrista”; associação</p><p>literária”; “assembleia literária”; “produção literária ou artística”; entre</p><p>outras. Por um viés paralelo, é possível também apresentar as corre-</p><p>lações adjetivas que acabam sendo rotuladas e delimitadas ao objeto</p><p>ou ao respectivo fenômeno literário. São elas: “clássica”; “moderna”;</p><p>“contemporânea”; “histórica”; “científica”; “agradável”; “vulgar ou bara-</p><p>ta”; entre outras. Em suma, se delimitarmos a carga de sentidos que a</p><p>literatura abrange, também cercaremos os principais fenômenos que</p><p>ela pode nos proporcionar.</p><p>Volvendo o nosso olhar para um patamar devidamente artístico,</p><p>sabemos que a literatura impõe, em especial, grande apelo às artes,</p><p>cujas vertentes estéticas são variadas. Como é sabido, criar signifi-</p><p>ca exercer a imaginação criativa e, não raras vezes, artesanal, esca-</p><p>moteando o mero objetivismo utilitário. Conforme advoga o mestre</p><p>Antonio Candido: “a eficácia humana é função da eficácia estética, e,</p><p>portanto, o que na literatura age como força humanizadora é a pró-</p><p>pria literatura, ou seja, a capacidade de criar formas pertinentes”</p><p>(CANDIDO, 1970, p. 182). Consequentemente, você, estudante, sabe</p><p>muito bem que, no universo da arte, nada se cria, todavia reproduzi-</p><p>mos com base no que já foi feito e refeito.</p><p>Nesse viés, o bom e experiente autor de ficção navega o seu tex-</p><p>to em paralelo com outras manifestações artísticas – cinema, artes</p><p>plásticas, folclore, entre outras. Para ilustrarmos melhor, o escritor e</p><p>o artista plástico agem conforme as regras da arte, ou seja, conhecem</p><p>historicamente a relação das formas artísticas já produzidas com as da</p><p>atualidade. É quase inexplicável definirmos uma única concepção para</p><p>o conceito de criação ou da escrita criativa. Criamos objetos de arte e</p><p>apreciamos manifestações artísticas porque só a vida não basta, já di-</p><p>zia o poeta Ferreira Gullar.</p><p>Mesmo sendo árduo para definirmos o conceito de arte da palavra</p><p>escrita, o certo é que o apreço desta na França é vangloriado por boa</p><p>A literatura e o letramento literário 13</p><p>parte dos franceses, diferentemente do Brasil. Diversas livrarias com-</p><p>põem o mapa urbano da capital francesa – identificando que o povo</p><p>parisiense talvez seja o público leitor que possui maior acesso aos livros</p><p>no continente europeu. Imagens de escritores consagrados estampam</p><p>cartões postais e suvenires e ilustram calendários ano após ano.</p><p>Se caminhássemos pelas ruas do famoso e turístico bairro</p><p>Quartier Latin, em Paris, e visitássemos o Panteão, ficaríamos bo-</p><p>quiabertos pela valorização da cultura francesa em relação aos seus</p><p>escritores imortais. Naquele local, estão sepultados Victor Hugo,</p><p>Émile Zola e Alexandre Dumas, para citar alguns. Enquanto em ter-</p><p>ritório brasileiro, de forma relativa, sequer temos uma predisposição</p><p>para reconhecer quem são os grandes nomes da literatura. O que</p><p>tiramos dessa lição cultural? De forma relativa, é possível dizer que na</p><p>França a quantidade de leitores é muito maior que no Brasil. De certo</p><p>modo, isso justifica e amplia a lógica de que a nossa carga horária de</p><p>trabalho é excessiva e desgastante para desfrutarmos do ócio que o</p><p>fenômeno literário exige dos leitores.</p><p>M</p><p>is</p><p>te</p><p>rv</p><p>la</p><p>d/</p><p>Sh</p><p>ut</p><p>te</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>Monumento Panteão, no bairro francês Quartier Latin, onde estão sepultados importantes escritores franceses.</p><p>Fugindo da atmosfera cultural comparativa entre a França e o Brasil,</p><p>é importante relatarmos que é possível dizer que a contemplação e</p><p>14 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>a busca pelo sublime são o grande objetivo da criação artística. “Essa</p><p>defesa exacerbada dos sentimentos do leitor, ou da impossibilidade</p><p>de sua expressão, trata a leitura literária como uma experiência místi-</p><p>ca, uma epifania, daí sua intraduzibilidade” (COSSON, 2014, p. 30). Essa</p><p>experiência é compartilhada com outros escritores em um amplo sen-</p><p>tido de apropriação textual. Não raro, os artesões da palavra sabem</p><p>identificar as camadas intertextuais exercidas por diversos escritores e</p><p>pintores. Dessa forma, a apropriação de outros textos literários ocorre</p><p>muitas vezes de maneira inconsciente, pois é comum que o escritor</p><p>adquira um determinado estilo de escrita de tanto ler um determinado</p><p>autor, por exemplo, Graciliano Ramos. O autor de Vidas Secas, certa-</p><p>mente, deu luz a outros escritores iniciantes – favorecendo-os com o</p><p>íntimo desejo de se tornarem escritores profissionais e reconhecidos.</p><p>Escrever literariamente implica formular um texto belo, dando forma e</p><p>estrutura aos anseios artísticos.</p><p>Longe da exclusão social vigente em vários países e territórios, o</p><p>contato com a obra literária amplia a noção de amistosidade, afetivida-</p><p>de e alteridade para com o próximo. “A experiência literária não só nos</p><p>permite saber da vida por meio da experiência do outro, como tam-</p><p>bém vivenciar essa experiência” (COSSON, 2014, p. 32). Basicamente,</p><p>a literatura nega a existência de um universo pragmático e, por esse</p><p>motivo, vai ao encontro da subjetividade, característica tão inoperante</p><p>na atualidade devido à crise das Humanidades. Na busca por um hori-</p><p>zonte estável, muitos leitores buscam uma espécie de fortaleza imagi-</p><p>nária para se esconder da barbárie do dia a dia. Desse modo, identificar</p><p>comportamentos aderidos a um acontecimento do enredo ou a uma</p><p>determinada personagem nos leva a crer que isso ocorre também na</p><p>vida real. É a obra de arte contaminando a vida e vice-versa. “O próprio</p><p>da literatura é a análise das relações sempre particulares que reúnem</p><p>as crenças, as emoções, a imaginação e a ação, o que faz com que ela</p><p>encerre um saber insubstituível” (COMPAGNON, 2009, p. 47).</p><p>Recuando aos tempos da Grécia e Roma antigas, a literatura tinha</p><p>uma função de imitação da realidade vigente, ou seja, a capacidade de</p><p>mimetizar os afazeres e hábitos do cotidiano. As ações políticas que</p><p>eram representadas também perpassavam pelo imaginário de muitos</p><p>povos, constatando uma preocupação vigente com o período. Durante</p><p>muitos séculos, os povos gregos adoravam celebrar seus poemas (em</p><p>A literatura e o letramento literário 15</p><p>formas de cânticos) em locais públicos. Boa parte deles era cantada,</p><p>facilitando a memorização por levas de gerações. Não por acaso, os</p><p>gregos, por meio das lendas, da oratória e das tradições, narravam</p><p>batalhas e conquistas, visando registrar também a memória de vários</p><p>acontecimentos. Surgia o nascimento da antiga pólis, que era repre-</p><p>sentada na literatura. Desse modo, as tragédias e peças de teatro en-</p><p>cenadas nos grandes teatros de Atenas e Roma – por Ésquilo, Hesíodo,</p><p>Platão, Plutarco,</p><p>busca acompanhar também o perfil de alguns leitores promissores, ou</p><p>seja, que, possivelmente, tornem-se consumidores de livros.</p><p>Por mais que resolvêssemos falar das grandes tendências literárias</p><p>atuais, o certo é que não conseguiríamos resolver esse grande dilema</p><p>A obra O romance</p><p>histórico brasileiro</p><p>contemporâneo (1975-</p><p>2000), de Antonio</p><p>Roberto Esteves, é indis-</p><p>pensável para compreen-</p><p>dermos o fenômeno das</p><p>novas tendências sobre</p><p>o gênero novo romance</p><p>histórico. Desse modo,</p><p>indicamos a leitura da re-</p><p>senha Romance Histórico,</p><p>feita por Vicentônio Silva</p><p>e publicada na revista Em</p><p>Tese. Ao longo dessa lei-</p><p>tura, é possível perceber</p><p>que o trabalho de Esteves</p><p>foi fruto de uma longa ex-</p><p>periência nas pesquisas</p><p>sobres diversas narrativas</p><p>históricas.</p><p>SILVA, V. Belo Horizonte: Em tese,</p><p>2015. Disponível em: https://</p><p>estdaliteratura.files.wordpress.</p><p>com/2017/05/o-romance-ist-</p><p>c3b3rico-brasileiro.pdf. Acesso em:</p><p>6 maio. 2020.</p><p>Leitura</p><p>https://estdaliteratura.files.wordpress.com/2017/05/o-romance-istc3b3rico-brasileiro.pdf</p><p>https://estdaliteratura.files.wordpress.com/2017/05/o-romance-istc3b3rico-brasileiro.pdf</p><p>https://estdaliteratura.files.wordpress.com/2017/05/o-romance-istc3b3rico-brasileiro.pdf</p><p>https://estdaliteratura.files.wordpress.com/2017/05/o-romance-istc3b3rico-brasileiro.pdf</p><p>Literatura e história 95</p><p>cultural. No entanto, basta um olhar, para verificarmos que outro fator</p><p>considerável é que, ao escolher sobre quais obras falar, poderíamos</p><p>acabar eliminando livros que foram considerados uma verdadeira ten-</p><p>dência por outro autor ou pela crítica.</p><p>O que queremos dizer é que catalogar uma tendência literária é an-</p><p>titético em relação aos fatores relacionados ao gosto. Em outras pala-</p><p>vras, a seleção acaba sendo subjetiva e ideológica. A grande questão é:</p><p>o que é tendência para mim, certamente, não será para você e vice-ver-</p><p>sa. Razões e motivações à parte, o certo é que uma escolha demanda</p><p>preferência e simpatia. Nessa manobra, não devemos nos furtar de</p><p>que algumas tendências são carregadas de múltiplos fatores ligados</p><p>ao consumo e ao mercado editorial e nem sempre existe uma relação</p><p>de custo e benefício na aquisição de uma obra, e, sim, uma relação de</p><p>desejo e curiosidade. Em suma, ler uma obra é sempre uma disposição</p><p>ociosa apreciativa, pois quando decidimos ler um romance é porque</p><p>algo chamou a nossa atenção.</p><p>Percebemos que leitores comuns estão atrás da literatura provocada por jogos eletrônicos, filmes e séries,</p><p>isto é, leitura que desperta curiosidade e prende a atenção, do início ao fim. A título de ilustração, obras</p><p>como Harry Potter, de J. K. Rowling, O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, As crônicas de gelo e fogo, de George</p><p>R. R. Martin, As brumas de Avalon, de Marion Zimmer, Alice no país das maravilhas, de Lewis Caroll, O Hob-</p><p>bit, de J. R. R. Tolkien e Jogos Vorazes, de Suzzane Collin, entre outros, estimulam a imaginação e mesclam</p><p>ambientes fictícios fabulosos. Obras assim têm absorvido boa parte do tempo de muitos jovens leitores e</p><p>completam as estantes das diversas bibliotecas escolares Brasil afora. Mesmo sem muitos estudos que for-</p><p>mulam hipóteses sobre essa predileção de alguns leitores, podemos calcular que a conexão com o universo</p><p>das séries acaba, também, despertando um maior interesse de muitos jovens estudantes. Não estamos</p><p>querendo dizer que existe uma predileção temporária por esse modelo literário, mas uma tendência forte</p><p>de alguns leitores por esses novos formatos. Esse gênero de literatura dominou as prateleiras de biblio-</p><p>tecas e livrarias, permitindo, então, identificarmos um interesse bastante comum entre os jovens: a busca</p><p>pela fantasia e uma viagem ao universo da ficção como fontes de prazer cultural. Em suma, compreender</p><p>esse fenômeno não é apenas considerar o que está sendo produzido e publicado, mas estimular novos lei-</p><p>tores, ano após ano. Outro exemplo importante é que muitos leitores leem as obras do protagonista Harry</p><p>Potter, mas poucos conhecem a realidade de vida da autora J. K. Rowling. Embora não seja conveniente</p><p>confundir autor com obra, é importante que se conheça um pouco de suas fontes de leitura. Em algumas</p><p>entrevistas, ela afirma ter lido muitas obras do autor Júlio Verne e, de fato, isso teve forte impacto em sua</p><p>imaginação para compor o universo fantasioso de Potter.</p><p>O docente deve provocar no aluno um maior senso crítico, levando-o a discussões para além da obra. O</p><p>foco não deve ser apenas o mero entretenimento, mas um diálogo com a dimensão criativa do autor. Sa-</p><p>bemos que esse modelo de literatura é importante para o aluno, por isso, ele também precisa ter o devido</p><p>conhecimento das obras consideradas clássicas. Para esse fim, o professor de literatura deve ser o principal</p><p>indicador de obras substanciais, para a compreensão do fenômeno literário atual.</p><p>Para refletir</p><p>Indicamos o canal Ler</p><p>antes de morrer, de</p><p>Isabella Lubranno.</p><p>Formada em jornalismo</p><p>pela Universidade de</p><p>São Paulo, a youtuber</p><p>consegue disseminar a</p><p>paixão pela leitura do</p><p>texto fictício frente à atual</p><p>realidade brasileira, que</p><p>ainda é determinada pelo</p><p>pragmatismo televisivo.</p><p>Disponível em: https://www.</p><p>youtube.com/channel/UCTubb-</p><p>c8ei3JfOBbicSJYPfQ. Acesso em: 6</p><p>maio 2020.</p><p>Vídeo</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCTubbc8ei3JfOBbicSJYPfQ</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCTubbc8ei3JfOBbicSJYPfQ</p><p>https://www.youtube.com/channel/UCTubbc8ei3JfOBbicSJYPfQ</p><p>96 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>A nosso ver, o denominador comum de todo esse assunto é que</p><p>uma tendência se relaciona com o espírito de uma realidade nacio-</p><p>nal, porém, nem sempre esta é devidamente apreendida ou repre-</p><p>sentada, devido à grande efemeridade dos acontecimentos ocorridos.</p><p>De todo modo, a pergunta é: como o romancista brasileiro consegue</p><p>dar conta e representar uma realidade tão mutante e desorganizada</p><p>atualmente? Assuntos ligados à política poderiam se tornar um prato</p><p>cheio para alguns romancistas, como foi o caso daqueles inseridos no</p><p>período de ditadura militar brasileira. Acerca dessa problemática, o</p><p>crítico Karl Erik Schollhammer depõe (em tom generalista) que o ro-</p><p>mancista atual “parece estar motivado por uma grande urgência em</p><p>se relacionar com a realidade histórica, estando consciente, entretan-</p><p>to, da impossibilidade de captá-la na sua especificidade atual, em seu</p><p>presente” (SCHOLLHAMMER, 2009, p. 10). Ao que tudo indica, para</p><p>o crítico, com base nas formulações do italiano Giorgio Agamben, é</p><p>uma história que faça parte do presente, ou seja, aquela que o escri-</p><p>tor deseja dar conta, mesmo sabendo da impossibilidade de conferir</p><p>realidade ou verossimilhança.</p><p>Dentre os temas que mais fascinam o universo da ficção brasileira</p><p>na contemporaneidade, estão a violência e o trato com fatos históri-</p><p>cos de época. Diante de um público cada vez mais geral, existe uma</p><p>tendência por trás disso, que é representar os problemas nacionais</p><p>por meio da literatura. A nosso ver, romances considerados policiais</p><p>e históricos invadem as prateleiras, marcando algo que a literatura</p><p>nem sempre alcançou: uma grande tiragem, além da participação ati-</p><p>va do público leitor nas feiras literárias. Como anuncia Schollhammer</p><p>(2009), existe uma fome de representação do real e certa dificuldade</p><p>de apreender tal tendência fictícia. O que estamos desejando tecer é</p><p>que não é possível representar uma totalidade dos eventos dentro</p><p>de uma narrativa, sendo que apenas uma parcela é registrada. Desse</p><p>modo, o que mais chama atenção do atual leitor é a representação da</p><p>realidade na literatura, ou seja, existe uma busca desenfreada pela</p><p>realidade, seja ela momentânea ou pouco remota. Ao que tudo indica,</p><p>quando um escritor ativa as referências extraliterárias representadas</p><p>no enredo da obra, esta passa a ter maior significância ao leitor, sen-</p><p>do ele especializado ou não.</p><p>Para saber mais a respei-</p><p>to dos livros produzidos</p><p>durante o período militar</p><p>brasileiro, indicamos a</p><p>obra Protesto e o Novo</p><p>Romance Brasileiro.</p><p>SILVERMAN, M. Porto Alegre:</p><p>UFRGS,</p><p>1995.</p><p>Livro</p><p>Literatura e história 97</p><p>Para ilustrarmos melhor, podemos tomar como parâmetro dois</p><p>escritores brasileiros que resolveram fazer das literaturas produzi-</p><p>das a principal razão de viver. Residentes na cidade do Rio de Janeiro,</p><p>aproveitaram-se de uma matéria orgânica urbanística para compor</p><p>parte dos seus romances. Os autores são Luiz Alfredo Garcia-Roza e</p><p>Ruy Reis Tapioca.</p><p>Inseridos no contexto das grandes capitais brasileiras, o palco</p><p>desses escritores é representado por uma parcela de acontecimentos</p><p>policiais e históricos. A moeda corrente desses escritores é saber lidar</p><p>com ingredientes fascinantes no meio literário brasileiro: o conheci-</p><p>mento dos episódios históricos e o suspense detetivesco.</p><p>Garcia-Roza inaugurou sua carreira com o romance O silêncio da</p><p>chuva (1997), ganhador do prêmio Nestlé de Literatura, que suposta-</p><p>mente despertou novos leitores em território nacional. Nessa obra,</p><p>o autor formula uma trama policial acerca do assassinato de um exe-</p><p>cutivo em um edifício-garagem, em pleno centro do Rio de Janeiro.</p><p>Após a execução, ocorre uma série de prerrogativas criminais que,</p><p>juntas, somam aquele ar misterioso de um clássico romance policial</p><p>à moda tupiniquim. Para revelar um pouco mais sobre o crime, o</p><p>autor elabora um suspense sobre o paradeiro do mandante, assim</p><p>como do assassino.</p><p>Ruy Reis Tapioca, apreciador confesso do estilo literário de José</p><p>Saramago e de Graciliano Ramos, buscou no gênero romance histórico</p><p>uma melhor audiência para a sua arte escrita. Em suma, o intelectual</p><p>baiano conseguiu traçar um panorama do caráter do brasileiro, captan-</p><p>do a realidade dos principais problemas históricos que afligem o povo,</p><p>despertando para uma consciência de nação, fato bem comprovado,</p><p>de acordo com nossa leitura, na maioria dos seus livros.</p><p>Luiz Alfredo Garcia-Roza nasceu no</p><p>Rio de Janeiro, em 16 de setembro</p><p>de 1936 e faleceu, na mesma</p><p>cidade, em 16 de abril de 2020.</p><p>O autor era psicanalista de</p><p>formação e atuou como professor</p><p>universitário por um longo tempo;</p><p>teve grande destaque por seus</p><p>romances policiais de linhagem</p><p>contemporânea, nos quais aborda-</p><p>va, não raras vezes, o violento pano</p><p>de fundo do bairro de Copacabana,</p><p>berço do turismo e da boemia</p><p>carioca. Ele foi casado com Lívia</p><p>Garcia-Roza, também escritora.</p><p>Ambos resolveram residir no bairro</p><p>que é berço da sua ficção policial.</p><p>Biografia</p><p>Ruy Reis Tapioca, pai de duas filhas,</p><p>casado e morador do bairro da</p><p>Tijuca, estreou nas letras nacionais</p><p>no ano de 1999, com a obra A</p><p>República dos Bugres. Autor de sete</p><p>romances, o intelectual, curioso,</p><p>apresenta as incongruências da na-</p><p>ção brasileira via ficção e, segundo</p><p>seu próprio depoimento, não faz</p><p>questão de aparecer nas grandes</p><p>feiras literárias que compõem o</p><p>cenário cultural nacional. Baiano</p><p>de carteirinha, Ruy Tapioca reside</p><p>no Rio de Janeiro desde 1965,</p><p>local onde decidiu ser funcionário</p><p>público da Eletrobras. Quando se</p><p>aposentou, iniciou a atividade de</p><p>romancista.</p><p>Biografia</p><p>4.2 A conquista da historiografia literária</p><p>Vídeo A palavra conquista implica uma luta pelo sucesso, correto? Será</p><p>que o substantivo historiografia já conseguiu se prevalecer diante do</p><p>adjetivo literário? Ou seja, será que essa qualidade está devidamen-</p><p>te posicionada? Para sabermos isso, ou ao menos explorarmos essa</p><p>98 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>questão evolutiva, é interessante dialogarmos com alguns teóricos e</p><p>conceituadores sobre como a história da literatura tem se promovi-</p><p>do ao longo de algumas décadas. Se, de fato, houve uma conquista,</p><p>é necessário que saibamos como ela é condicionada aos fatores da</p><p>crítica literária. Se houve uma derrota, também devemos tomar co-</p><p>nhecimento ou, ao menos, inverter a lógica conceitual. Sendo assim,</p><p>ao movermos o nosso raciocínio em torno desse tema, é importante</p><p>que formulemos um debate profícuo e que possamos atestar como tal</p><p>debate se desdobrou ao longo de alguns anos. A fim de delimitarmos</p><p>os horizontes especulativos da nossa expectativa conceitual, é indis-</p><p>pensável conhecermos o significado da palavra historiografia ou, pelo</p><p>menos, uma expressão similar; assim, quais são seus reais objetivos e</p><p>funcionalidades?</p><p>A História da Literatura, por seu turno, a partir de uma pretensa</p><p>objetividade a ser alcançada, organizava o acervo literário segundo</p><p>conceitos como os de período e grupos, desconsiderando a nature-</p><p>za estética das obras literárias, ficando restrita ao que poderíamos</p><p>chamar de uma estética da produção. (BAUMGARTEN, 2014, p. 9).</p><p>Partindo para uma análise menos conceitual, e se fôssemos optar</p><p>pela desestruturação literal da palavra, poderíamos facilmente dividi-</p><p>-la em duas: história e grafia. Para facilitar o entendimento, certamen-</p><p>te teríamos, portanto, uma escrita da história, que ficou muito bem</p><p>conhecida como a forma de se fazer a história oficial, ou seja, uma</p><p>base documental. Na sequência, tivemos algumas modificações so-</p><p>bre o próprio processo de escrita da história. O ranço positivista (de</p><p>se contar os fatos sem algum tipo de questionamento) perdera o seu</p><p>valor com o surgimento de outros modelos. Dentro desse raciocínio,</p><p>podemos ilustrar como “divisor de águas” a Escola de Annales, esta-</p><p>belecida na França, nos anos de 1928 e 1929, e formulada por dois</p><p>pensadores importantes: Lucien Febvre e Marc Bloch. Se tivéssemos a</p><p>capacidade de explorar apenas sob a ótica evolutiva, teríamos outros</p><p>fatores importantes a serem levados em conta, como a sequência e</p><p>a cronologia. Conforme observamos, o conceito da historiografia se</p><p>refere, com maior frequência, a uma tradição literária de explorar a</p><p>literatura pelo viés do estudo sincrônico, ou seja, algo relacionado ao</p><p>seu avanço e também retrocesso. Antes de tudo, devemos salientar</p><p>a importância de que alguns movimentos literários também possuam</p><p>engajamento pelo fator inerente à dimensão estética, esta ligada aos</p><p>movimentos artísticos de outras manifestações.</p><p>Para conhecer sobre</p><p>a Escola de Annales,</p><p>indicamos a leitura do</p><p>livro A Escola dos Annales</p><p>(1929-1989): a Revolução</p><p>Francesa da Historiografia.</p><p>BURKE, P. São Paulo: Fundação</p><p>Editora da UNESP, 1997.</p><p>Livro</p><p>Literatura e história 99</p><p>A bem da verdade, delinear as escolas literárias nos espaços geográ-</p><p>ficos português e brasileiro, o que muitos livros didáticos representam</p><p>pedagogicamente, é, de fato, resumi-las pelo caráter cronológico, isto</p><p>é, exige um raciocínio de estética e de estilo condicionado aos fatores</p><p>históricos da nação. Desse modo, a palavra historiografia se resumi-</p><p>ria ao pressuposto de que existem escolas literárias cercadas por</p><p>questões espaciais e lineares. São elas:</p><p>1189-1418</p><p>1418-1527</p><p>1500-1601</p><p>1527-1580</p><p>1601-1768</p><p>1881-1922</p><p>(Continua)</p><p>1768-1836</p><p>1836-1881</p><p>1881-1922</p><p>Trovadorismo</p><p>Humanismo</p><p>Quinhentismo</p><p>Classicismo</p><p>Barroco</p><p>Naturalismo</p><p>Arcadismo</p><p>Romantismo</p><p>Realismo</p><p>Al</p><p>ek</p><p>sa</p><p>nd</p><p>r B</p><p>ry</p><p>lia</p><p>ev</p><p>/S</p><p>hu</p><p>tte</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>100 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>1922-1950</p><p>1902-1922</p><p>1893-1922</p><p>1882-1922</p><p>Modernismo</p><p>Pré-Modernismo</p><p>Simbolismo</p><p>Parnasianismo</p><p>Não devemos ignorar o fato de que muitas são escalonadas de</p><p>forma gradual, remetendo à ideia de uma historiografia relacionada</p><p>também aos outros movimentos artísticos, em especial os ligados às</p><p>artes plásticas. Para isso, é interessante que as estudemos, a fim de</p><p>tirarmos melhores proveitos relacionais. Em particular, não tivemos</p><p>uma literatura anterior ao que chamamos de Quinhentismo, pois esse</p><p>período está relacionado ao contexto português. É óbvio que algumas</p><p>particularidades entram e saem do cenário brasileiro, como é o caso</p><p>do regionalismo ou do romance da geração de 1930. Posteriormente,</p><p>teremos, também, os romances produzidos durante a ditadura militar</p><p>no Brasil e a literatura após a abertura política de 1985, que é denomi-</p><p>nada contemporânea.</p><p>Se as obras se articulam como formas estilísticas e geracionais de</p><p>uma superar ou solapar a outra, o certo é que cabe ao professor sa-</p><p>ber trabalhar esses processos de ruptura</p><p>e continuidade, conectando</p><p>os motivos e as razões estéticas e históricas. Já tivemos a chance de</p><p>comentar, no primeiro capítulo, sobre a formação docente, cujo teor</p><p>deve ser cada vez mais investigativo e menos assertivo. Um exemplo é</p><p>a rapsódia Macunaíma, de Mário de Andrade, que não apenas rompeu</p><p>com a escola estética parnasiana do fim do século XIX, ligada aos mol-</p><p>des do escrever pomposo e floreado, mas foi considerado um romance</p><p>fora dos padrões comuns da literatura brasileira.</p><p>Como para toda regra existe exceção, desse modo, existe uma van-</p><p>tagem trabalhada nessa tradição repetitiva da valorização da historio-</p><p>Literatura e história 101</p><p>grafia, pois, ao explicar com certa propriedade o movimento contínuo</p><p>das escolas literárias, o aluno também pode compreender como isso é</p><p>exposto nas variações de leituras nas obras de diferentes períodos.</p><p>Para Antonio Candido, “as obras se articulam no tempo, de modo</p><p>a se poder discernir uma certa determinação na maneira por que</p><p>são produzidas e incorporadas ao patrimônio de uma civilização”</p><p>(CANDIDO, 2000, p. 29). Ao falar da importância da articulação lite-</p><p>rária historicista, a que incorpora análise junto ao contexto histórico</p><p>das obras, Candido compreende que o “fenômeno literário” exige tirar</p><p>proveito do contexto histórico.</p><p>Como podemos observar, essas tentativas de definição – e outras</p><p>semelhantes que já foram numerosas – identificam, sem dúvida, for-</p><p>mas conceituais presentes nas obras de alguns autores. Em contraste a</p><p>essas considerações, a própria historiografia literária, denominada pelo</p><p>autor, também pode ser desdobrada no que é uma história da literatu-</p><p>ra, ou seja, no grau de acompanhamento dimensional do contexto da</p><p>obra literária seguido pela história oficial. Como é de se notar, toda arte</p><p>fictícia é acompanhada de seu contexto de produção histórica, isto é,</p><p>os meios culturais, os eventos históricos acompanhados de ruptura e</p><p>do questionamento sobre universo real. Ao tomarmos como parâmetro</p><p>que toda obra literária pode ser facilmente acompanhada pelo contex-</p><p>to de produção do autor, é muito interessante refletirmos sobre como</p><p>esse intelectual pode ser um membro de uma sociedade, seja ela letra-</p><p>da ou não. Novamente, o crítico Antonio Candido salienta que o escritor</p><p>inserido em uma sociedade seria aquele capaz de desempenhar “um</p><p>papel social, ocupando uma posição relativa ao seu grupo profissional e</p><p>correspondendo a certas expectativas dos leitores ou auditores” (CAN-</p><p>DIDO, 2000, p. 74).</p><p>Uma das grandes limitações de muitos estudos literários é negar</p><p>que a literatura possui uma vertente do social e do panorama de vida</p><p>do autor. Por mais que Candido formule uma generalização filosófica</p><p>sobre o tema, o curioso é que todo escritor almeja uma dimensão cria-</p><p>tiva e histórica para a sua obra. Ao produzir um romance, o romancista</p><p>fica condicionado ao anseio histórico vigente, sendo, a todo o momen-</p><p>to, influenciado pelos acontecimentos e pelos fatos. Obviamente, sua</p><p>experiência de vida e o seu contexto de origem serão aproveitados em</p><p>benefício da produção da obra. Um exemplo nítido foi o que ocorreu</p><p>na obra O que é isso, companheiro? (1984), do autor Fernando Gabeira,</p><p>102 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>classificada pela crítica literária como romance-reportagem. Buscan-</p><p>do resgatar os acontecimentos da luta armada na década de 1970,</p><p>Gabeira, trabalhando como jornalista no antigo Jornal do Brasil (sede</p><p>no Rio de Janeiro), acaba aproveitando acontecimentos políticos de</p><p>época para compor o recheio dramático do romance. Desse modo, o</p><p>que queremos dizer é que ele possui uma matriz ideológica pertinente</p><p>à sua formação, seja esta relacionada à sua bagagem histórica ou às</p><p>suas crenças e opiniões. Dessa forma, é realmente problemático dizer-</p><p>mos que um escritor é neutro em seu discurso, pois toda ação intelec-</p><p>tual impõe uma condição sócio-histórica.</p><p>Se a dimensão criativa, como vimos, persegue muitos escritores, o certo</p><p>é que a historiografia também é amarrada ao tradicionalismo de muitos</p><p>livros didáticos. Se resolvêssemos realizar uma rápida consulta a eles, en-</p><p>contraríamos, fartamente, muitas referências escolares que insistem em</p><p>uma abordagem da literatura pela dimensão histórica. Não observamos</p><p>isso apenas como um problema, pois o maior entrave é quando a relação</p><p>estética de outros movimentos artísticos (pintura, artes em geral etc.) se</p><p>encontram apartados da obra. Certamente, se resolvêssemos problemati-</p><p>zar a tradição historiográfica, a qual a literatura quase sempre se encontra</p><p>inserida, observaríamos que, ainda hoje, ela é uma marca recorrente tam-</p><p>bém nos estudos literários. Longe de ser uma tarefa dispensável, o texto</p><p>literário acaba seguindo rótulos classificativos, julgando gostos e aptidões</p><p>comuns. O autor William Cereja se posiciona polemicamente a esse respei-</p><p>to: “um dos problemas da historiografia clássica é a pretensão de abarcar</p><p>todos os textos e autores considerados importantes e quase sempre obe-</p><p>decendo a critérios de cânone discutíveis e mutáveis” (CEREJA, 2009, p. 142).</p><p>Se desejássemos arrolar as obras ou os compêndios que sumariam</p><p>os estilos de época na literatura, com base na dimensão histórica linear,</p><p>ou seja, numa perspectiva historiográfica, teríamos uma brevidade de</p><p>trabalhos a serem conhecidos. Desse modo, muitos desses materiais</p><p>serviram de apoio a diversos docentes ano a ano, abalizando o trabalho</p><p>didático e metodológico feito com a literatura. Devidamente inseridos</p><p>em um determinado contexto histórico, alguns manuais abordam tex-</p><p>tos literários pouco conhecidos por alguns estudantes e professores. A</p><p>ideia não é comentá-los, mas dar o direto de o leitor conhecer algumas</p><p>dessas importantes referências que, supostamente, não podem faltar</p><p>na estante de muitos professores de literatura e língua portuguesa. São</p><p>Literatura e história 103</p><p>várias a publicações: Estudos de literatura brasileira (1901-1907) e Histó-</p><p>ria da literatura brasileira (1916), de José Veríssimo; História da literatu-</p><p>ra brasileira – seus fundamentos econômicos, de Nelson Werneck Sodré;</p><p>Formação da literatura brasileira (1959), de Antonio Candido; História da</p><p>literatura ocidental (1958), de Otto Maria Carpeaux; História da literatura</p><p>brasileira – prosa de ficção (1870-1920) (1950), de Lúcia Miguel Pereira;</p><p>e A crítica literária no Brasil (1952), de Wilson Martins, não enxugando</p><p>a longa lista trabalhada pelo autor. Portanto, cabe ao estudioso mais</p><p>curioso adquirir tais obras, visando comparar alguns aspectos das es-</p><p>colas literárias frente ao comportamento da dimensão historiográfica.</p><p>Saindo da atmosfera dos compêndios, é muito comum que, na</p><p>educação básica, muitos professores façam uso de materiais didáticos</p><p>cujo teor possui forte apelo explicativo ligado a um movimento retilí-</p><p>neo com a produção histórica. Por mais que seja compreendido como</p><p>determinista, esse professor segue à risca o conteúdo do livro sem ao</p><p>menos questioná-lo ou inverter a lógica vigente. A nosso ver, isso se</p><p>torna algo um pouco prejudicial, pois, quando mergulhado na falta de</p><p>tempo e no marasmo da burocracia escolar, acaba caindo na rotina</p><p>pedagógica do livre aceite do que é imposto e regulado. Infelizmente,</p><p>eles apenas atestam que os estilos de época e o conjunto de escritores</p><p>possuem vínculos com a dimensão histórica e nem sempre levam em</p><p>conta a estética, ou seja, os eventos e as circunstâncias históricas que</p><p>cercam a própria produção da obra. Em suma, muitos autores de livros</p><p>didáticos também possuem uma forte vertente positivista, e, não raro,</p><p>quando produzem alguns materiais, buscam representar o fenômeno</p><p>literário como se fosse um plano cartesiano, com início, meio e fim. No-</p><p>vamente, teremos as considerações de Cereja a esse respeito:</p><p>Os professores, ao abordarem historicamente a literatura, ou ao</p><p>fazerem a opção por este ou aquele manual didático que orga-</p><p>niza seus conteúdos por uma perspectiva historiográfica, nem</p><p>sempre têm consciência das divergências teóricas existentes</p><p>na</p><p>crítica e na historiografia; ou, se têm consciência, nem sempre as</p><p>consideram relevantes. (CEREJA, 2009, p. 141)</p><p>Em síntese, por mais que tenham consciência ou não, o problemá-</p><p>tico é que o embasamento crítico acaba se ausentando, devido à carga</p><p>horária puxada de muitos professores e a possíveis lacunas na forma-</p><p>ção acadêmica, dentre outros longos fatores. Ainda somos reféns de</p><p>104 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>uma didática tradicional ocupada em apenas transmitir o conteúdo,</p><p>sem ao menos poder ter a chance de ajustá-los a nosso favor. Na busca</p><p>de um maior conhecimento e de uma maior bagagem cultural com as</p><p>outras manifestações artísticas correspondentes (pintura, artes gerais,</p><p>cinema, música etc.), é possível relacionarmos semelhanças e diferen-</p><p>ças estéticas produzidas ao longo das décadas.</p><p>Acreditamos que isso, certamente, fortalecerá alguns anseios didá-</p><p>ticos no âmbito escolar, em especial nas turmas do ensino médio, em</p><p>que muitos alunos já são devidamente maduros no trato interdiscipli-</p><p>nar de algumas disciplinas afins. Desse modo, o potencial da literatura</p><p>com as outras manifestações que regem cada disciplina, com certeza,</p><p>enriqueceria o manejo do tratamento ofertado com a historiografia.</p><p>Por um ângulo semelhante, a sentença “deslocar a atenção de mode-</p><p>los” (RESENDE, 2008, p. 15) revela a importância de adquirirmos esse</p><p>caráter híbrido da ficção brasileira, seja ela de potencial histórico ou</p><p>não, estabelecida no começo do século XXI. A nosso ver, a hibridez que</p><p>ela aponta é atravessada por características estéticas conjugadas por</p><p>vários gêneros literários. São eles: trechos filosóficos, documentos de</p><p>época, trechos de cartas, trechos de livros de história, entre outros. Por</p><p>essa razão e outras, a hibridez textual ainda será a marca tendenciosa</p><p>de muitos autores de linha contemporânea, atendendo, em maior ou</p><p>menor grau, diversos tipos de gêneros.</p><p>4.3 A interface histórica como metodologia</p><p>no trabalho com literatura</p><p>Vídeo É louvável que muitos professores encontrem fórmulas metodoló-</p><p>gicas no trato da história como ensino de literatura, pois ambas cami-</p><p>nham lado a lado. A historicidade de um texto literário é quase sempre</p><p>uma excelente ferramenta de análise. Se resolvêssemos tomar como</p><p>parâmetro a linguagem utilizada pelo autor, já teríamos uma profunda</p><p>relação com a história da própria língua, que muda ano após ano.</p><p>A título de ilustração, quando lemos obras de Machado de Assis,</p><p>atestamos que a forma de traduzir a realidade do Brasil (em especial, a</p><p>do Rio de Janeiro) para uma linguagem representativa é quase sempre</p><p>ocupada pelo uso de palavras, expressões e ditados daquela época.</p><p>Não raro, é possível que muitos leitores na atualidade sintam alguma</p><p>Literatura e história 105</p><p>dificuldade para compreendê-lo, pois é necessário um grau de sensibi-</p><p>lidade maior para lemos o autor de Dom Casmurro. Caso resolvêssemos</p><p>também investigar quais são as relações de aproximação com os fatos</p><p>e costumes da época, Machado de Assis também se insere, facilmente,</p><p>em uma espécie de tradição histórica. Portanto, acima de tudo, o autor</p><p>é considerado por muitos historiadores como um cronista de época,</p><p>no resgate de diversas tradições e hábitos; isso leva alguns leitores a</p><p>compreender a história oficial por meio de suas narrativas.</p><p>Diante do exposto – e frente a esse novo desafio –, é cabível que o</p><p>professor de literatura especule um modo possível de explicar alguns</p><p>acontecimentos históricos por meio da obra de certos escritores inse-</p><p>ridos no século XIX. Aqui, continuaremos com o nome de Machado de</p><p>Assis. Questões da realidade nacional ganharam vulto, permanecendo</p><p>na consciência de muitas pessoas décadas adiante. Vivendo a realidade</p><p>de época e por ter tido uma vida bastante longeva, o escritor observou</p><p>grandes eventos do passado, como a Guerra do Paraguai (1864-1870) e</p><p>a Abolição da escravatura (1888), que culminou na transição política do</p><p>Império para a República em 1889. Ler a obra machadiana implica um</p><p>reconhecimento familiarizado das referências extratextuais deixadas</p><p>pela história oficial. Acima de tudo, significa ler atrelado a um posicio-</p><p>namento crítico, estabelecendo conexões, também, com os aconteci-</p><p>mentos pertinentes ao século XXI. Em suas obras, ao falar da eterna</p><p>confusão (o chamado conluio) entre o público e o privado, praticado</p><p>por muitos políticos na cidade do Rio de Janeiro (antiga capital federal),</p><p>Machado pode ser considerado profético, pois até hoje somos feridos</p><p>por esse problema.</p><p>Somando algumas teorias no eixo dual da literatura com a história,</p><p>o crítico Antoine Compagnon, em O demônio da teoria (2006), também</p><p>tece algumas considerações acerca da permeabilidade de ambos os</p><p>discursos. É curioso notarmos que seu livro é dividido didaticamente,</p><p>buscando ensejar um discurso teórico que compreenda o fazer literá-</p><p>rio: a literatura; o autor; o mundo; o leitor; o estilo; a história; e o valor.</p><p>Em particular, o penúltimo nos interessa em grau maior. Desse modo, é</p><p>sobre ele que Compagnon (2006, p. 222) perfaz uma arguta análise: “A</p><p>história é uma construção, um relato que, como tal, põe em cena tanto</p><p>o presente como o passado; seu texto faz parte da literatura”.</p><p>Você deve ter percebido</p><p>que já citamos algumas</p><p>vezes a obra do autor</p><p>William Roberto Cereja.</p><p>Agora, queremos que</p><p>você estude o capítu-</p><p>lo 4: “Historicidade e</p><p>Historiografia Literárias”</p><p>(p. 127-160), da obra</p><p>Ensino de Literatura. Uma</p><p>proposta dialógica para</p><p>o trabalho com literatura,</p><p>e ateste a dissertação</p><p>do autor sobre o modo</p><p>como alguns fatores con-</p><p>dicionam o texto literário</p><p>aos meios temporais e</p><p>espaciais. Longe de ser</p><p>um receituário pragmá-</p><p>tico, ao ler essa obra,</p><p>você, certamente, terá</p><p>um maior engajamento</p><p>didático a respeito do</p><p>que também desenvol-</p><p>vemos nos capítulos do</p><p>livro didático.</p><p>CEREJA, W. R. São Paulo: Saraiva,</p><p>2009.</p><p>Livro</p><p>106 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Concordamos com as reflexões do autor, que subtrai de forma alu-</p><p>siva aquelas às quais os teóricos Michel Foucault, Hayden White, Paul</p><p>Veyne e Jacques Rancière também já esboçaram em seus ensaios,</p><p>conforme alerta o próprio Compagnon. Por meio de tais formulações,</p><p>percebemos que este comunga com alguns teóricos da historiografia,</p><p>especificamente com o fato de acreditar que a atitude de escrever a</p><p>história é baseada nas circunstâncias às quais determinado escritor</p><p>está diretamente vinculado. Seguindo o mesmo raciocínio, Compagnon</p><p>escreve: “a objetividade ou a transcendência da história é uma mira-</p><p>gem, pois o historiador está engajado nos discursos através dos quais</p><p>ele constrói o objeto histórico” (COMPAGNON, 2006, p. 223). Como po-</p><p>demos observar, o discurso do historiador perpassa outras vozes, per-</p><p>suadindo na técnica, mas sendo impossível de atingir uma densidade</p><p>original, uma vez que sua escrita está enraizada num amálgama de tex-</p><p>tos já lidos em outras ocasiões. Em suma, Compagnon compartilha da</p><p>articulação entre passado e presente, promovendo a escrita da história</p><p>ou da ficção, assim como do discurso polifônico aos moldes de Mikhail</p><p>Bakhtin, que abrange qualquer discurso linguístico.</p><p>Já tivemos a devida oportunidade de comentar algumas obras lite-</p><p>rárias que, supostamente, podem ampliar o leque histórico do leitor</p><p>acerca de determinados acontecimentos históricos representados no</p><p>Brasil durante o século XIX. A partir de agora, tentaremos, de forma di-</p><p>versa e integrativa, compartilhar algumas experiências vantajosas das</p><p>relações perturbadoras entre a literatura e a história. É interessante</p><p>pensarmos como as duas disciplinas se aproximam e se distanciam</p><p>no plano escolar. Essa relação é bastante marcada por escritores do</p><p>século XIX e autores atuais. Para isso, daremos algumas pinceladas im-</p><p>portantes que nos ajudarão a compreender essa grande ferramenta</p><p>didática de ensino.</p><p>Remando nesse sentido, é possível, também, que o professor possa</p><p>ofertar aos seus alunos outras discussões estabelecidas por teóricos do</p><p>romance</p><p>histórico 1 e, assim, servir de mananciais teóricos para futuros</p><p>projetos de pesquisas em classe e feiras de ciências, aprofundando as</p><p>temáticas propostas e disseminando outros trabalhos. Acima de tudo,</p><p>devemos lembrar que teoria e conceituação são condições indispensá-</p><p>veis para compreendermos a matriz do gênero e os primeiros romances</p><p>históricos publicados no mundo.</p><p>Sem atender à ordem de</p><p>publicação, teremos, por</p><p>exemplo: Antônio Roberto</p><p>Esteves, com “Novo Romance</p><p>Histórico”, em seu livro O</p><p>romance histórico brasileiro</p><p>contemporâneo (1975-2000)</p><p>(2010); o pesquisador Alcmeno</p><p>Bastos, com “Matéria de</p><p>extração histórica”, em seu</p><p>livro Introdução ao Romance</p><p>Histórico (2007); a pesquisa-</p><p>dora Marilene Weinhardt, com</p><p>“Ficção Histórica”, em seu livro</p><p>Ficção Histórica e Regionalismo:</p><p>Estudos sobre os romances do sul</p><p>(2004); a pesquisadora Linda</p><p>Hutcheon, com “Metaficção</p><p>Historiográfica”, em seu livro</p><p>Poética do Pós-Modernismo.</p><p>História, Poesia, Ficção (1991);</p><p>o pesquisador Seymour</p><p>Menton, com “Nueva Novela</p><p>Histórica”, em seu livro La Nueva</p><p>Novela Histórica de La América</p><p>Latina, 1979-1992 (1993); a</p><p>pesquisadora Celia Fernández</p><p>Prieto, com“História poética”,</p><p>em seu livro Historia y novela:</p><p>poética de la novela histórica</p><p>como género literario (2003).</p><p>Acreditamos que essas sete</p><p>referências são suficientes para</p><p>dirimir a problemática que a</p><p>terminologia contemporânea</p><p>enfrenta, embora existam outros</p><p>estudos que também abordam</p><p>o romance de natureza histórica</p><p>contemporânea.</p><p>1</p><p>Literatura e história 107</p><p>Pai da teoria do romance histórico, o húngaro György Lukács versa</p><p>que, na vasta obra literária do escritor escocês Walter Scott, é possível</p><p>notar a presença de várias personalidades históricas (Ricardo Coração</p><p>de Leão, Luís XI, Mary Stuart, Cromwell, entre outros). No seu estu-</p><p>do O Romance Histórico (2010), Lukács consegue construir uma sólida</p><p>base de argumentação/interpretação da obra de Walter Scott. O autor</p><p>compara a estrutura da obra Filosofia da História, de Hegel, com alguns</p><p>episódios dos romances de Scott. De acordo com Lukács (2010, p. 66),</p><p>“assim, Scott humaniza seus heróis históricos, porém evita aquilo que</p><p>Hegel chama de psicologia do criado de quarto, isto é, a análise minu-</p><p>ciosa de pequenas qualidades humanas que não possuem nenhuma</p><p>relação com a missão histórica do homem em questão”.</p><p>Te</p><p>od</p><p>or</p><p>La</p><p>za</p><p>re</p><p>v/</p><p>Sh</p><p>ut</p><p>te</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>Monumento ao autor Walter Scott na cidade de Edimburgo - Escócia.</p><p>Se desejarmos conhecer um pouco mais sobre as raízes do gêne-</p><p>ro romance histórico, é importante mencionarmos a extensa obra</p><p>do escritor escocês. Algumas obras marcaram uma geração de lei-</p><p>tores, como Wanwerley (1814), Rob Roy (1817) e Ivanhoé (1819). No</p><p>caso brasileiro, temos o romancista José de Alencar com As minas de</p><p>prata (1865-1866), Guerra dos Mascates (1873) e Alfarrábios (1873).</p><p>Angariando um número de leitores durante as primeiras décadas</p><p>do século XIX, os seis romances ampliaram novos formatos cultu-</p><p>108 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>rais na Europa Ocidental e no Brasil. Fantasiando historicamente</p><p>os contextos escocês e brasileiro, ambos os escritores, cada um ao</p><p>seu modo, foram capazes de criar cenários, enredos e personagens.</p><p>Dessa forma, eles representaram episódios históricos e nacionalis-</p><p>tas nos seus respectivos países. Walter Scott engrandeceu as raízes</p><p>folclóricas dos países do Reino Unido e José de Alencar partiu para</p><p>valorização dos episódios do passado, diagnosticando as questões</p><p>soberanas ligadas ao homem nativo e rústico, seja ele do campo ou</p><p>da corte, nesse caso, a cidade do Rio de Janeiro. Ambos tiveram a</p><p>oportunidade, por meio do registro de suas narrativas, de testemu-</p><p>nhar os principais acontecimentos nacionais, que foram frutos de</p><p>batalhas, conquistas e perseguições. Portanto, tanto Scott quanto</p><p>Alencar, com mais de três romances históricos cada um, sugeriram</p><p>observações sobre o passado remoto, cujo assunto poucos escrito-</p><p>res tiveram a coragem de representar.</p><p>É bem propenso que a disciplina de história ligada com a literatura</p><p>almeje um compromisso mais do que didático e pedagógico. Alguns ro-</p><p>mancistas, assim como a crítica literária vigente, afirmam que não exis-</p><p>te uma mera relação de dependência entre as regras da história e da</p><p>literatura, reiterando que toda obra literária passa a ser independente</p><p>quando publicada e não apela para uma mera cópia da realidade da</p><p>época. Se a literatura deseja apenas o conteúdo histórico para compor</p><p>as suas obras, pode-se afirmar o mesmo também da história, pois ela</p><p>utiliza fontes literárias para testemunhar algum acontecimento. O trato</p><p>da interface didática da história com a literatura, como havíamos co-</p><p>mentado anteriormente, pode ser trabalhado de diversas formas. Por</p><p>exemplo, uma interessante atividade seria relacionar o uso da escrita</p><p>dos romances históricos Boca do Inferno (1989) e Desmundo (1996), am-</p><p>bos de Ana Miranda, com o contexto histórico e político de época (sé-</p><p>culos XVIII e XIX), possibilitando ampliar os horizontes não esclarecidos</p><p>nos livros didáticos.</p><p>Curiosamente, é também importante que se crie um diagnóstico de</p><p>como esses romances históricos podem ser lidos na atualidade, pro-</p><p>vocando uma discussão entre passado e presente. Outro aparato im-</p><p>portante é tentar estabelecer um possível diálogo entre a linguagem</p><p>dos romances com a linguagem cinematográfica. Após tais etapas, é</p><p>possível que o docente de literatura, com o auxílio do docente de histó-</p><p>ria, atinja algumas competências indispensáveis ao trato da interface.</p><p>Literatura e história 109</p><p>É interessante, também, reconhecer as contribuições históricas, polí-</p><p>ticas e linguísticas deixadas nos romances históricos de Ana Miranda.</p><p>Portanto, compreender, analisar e aplicar o gênero do romance históri-</p><p>co brasileiro como composição estilística interdisciplinar entre história</p><p>e literatura será tarefa essencial ao professor que deseja colocar em</p><p>prática algumas atividades importantes no trato interdisciplinar.</p><p>Variedade de recomendações didáticas à parte, o certo é que o trato</p><p>interdisciplinar e dialógico enriquece as aulas e amplia alguns horizon-</p><p>tes metodológicos sobre o conteúdo trabalhado. Imagine que um dia</p><p>seja necessário criar uma aula para o terceiro ano do ensino médio</p><p>e, nela, o docente possa explorar a capacidade didática por meio do</p><p>modo como a leitura da obra pode ser contextualizada nos episódios</p><p>do passado. Por meio dela, o professor de história do ensino médio</p><p>poderá aplicar uma leitura dramatizada do romance Boca do Inferno</p><p>(1989), focalizando os principais fragmentos que evidenciem alguns</p><p>eventos históricos; a saber: a vida desregrada da personagem literária</p><p>Gregório de Matos, a representação da cidade de Salvador, a figuração</p><p>linguística investigada e representada pela autora, os acontecimentos</p><p>que circunstanciam a vida de Gregório de Matos e os efeitos da coloni-</p><p>zação dos primeiros portugueses no Brasil. Por último, por meio da es-</p><p>colha de alguns fragmentos retirados da própria obra, o corpo discente</p><p>poderá criar uma peça de teatro, envolvendo encenações que contem-</p><p>plem a temática escolhida. A montagem do figurino, do cenário e do</p><p>roteiro corrobora a contemplação do aspecto lúdico do aprendizado.</p><p>4.4 Literatura e história: aproximações</p><p>didáticas de ensino</p><p>Vídeo Podemos começar esta seção com a seguinte afirmação: atire a</p><p>primeira pedra o leitor que nunca observou como o texto literário se</p><p>apropria do conteúdo histórico ou vice-versa. É impossível replicarmos</p><p>a frase anterior com uma simples resposta pragmática, pois muitos</p><p>escritores, desde a antiguidade, ainda utilizam muitos artefatos histó-</p><p>ricos para compor as suas narrativas. Na dimensão criativa de muitos</p><p>escritores, a história sempre foi um fator determinante para que estes</p><p>conseguissem formular enredos mais atrativos ao leitor. Como assinala</p><p>a escritora portuguesa Agustina Bessa-Luís (2004, p. 351), “a literatu-</p><p>110 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>ra navega na História como Ulisses na sua barca, saído da rotina dum</p><p>reinado para a aventura do desconhecido”. Podemos crer que desde a</p><p>Antiguidade Clássica (período grego e romano), com as obras Ilíada e</p><p>Odisseia, do filósofo grego Homero, com as linhas históricas dos versa-</p><p>dos historiadores Heródoto, Tucídides, Júlio César ou Xenofonte, os ver-</p><p>sos literários casaram com os elementos representativos da história.</p><p>Dado o exposto, é sabido que a história deseja um compromisso</p><p>com a ciência e com a verdade dos fatos; por outro lado, a literatu-</p><p>ra nem sempre estabelece esse tipo de valoração para compor seus</p><p>trabalhos. Enquanto a história se mantém vocacionada para relatar os</p><p>episódios e os acontecimentos com forte base na documentação exis-</p><p>tente, a literatura terá um formato mais sublime e estético de versar</p><p>sobre uma narrativa imaginária e verossímil. Grosso modo, muitos ro-</p><p>mancistas dirão que a literatura é totalmente independente da história,</p><p>pois cada uma possui o seu estatuto próprio, assim como seus forma-</p><p>tos autônomos de escrita e publicação.</p><p>Sobre a relação ou o distanciamento entre literatura e história, leia o artigo</p><p>Fronteiras da Ficção: diálogos da história com a literatura, da pesquisadora</p><p>Sandra Pesavento. Publicado no XX Simpósio Nacional da ANPUH, História:</p><p>Fronteiras, o trabalho pressupõe que a questão da verdade no texto</p><p>histórico está imbricada ao meio contemporâneo, mantendo forte diálogo</p><p>da literatura com a história e, consequentemente, diluindo suas fronteiras</p><p>disciplinares. Ao defender o discurso das relações disciplinares que se conta-</p><p>minam entre si, a autora promove um resgate, indispensavelmente praticado</p><p>no ambiente universitário atual, da necessidade e da valorização dessas</p><p>articulações na prática docente.</p><p>Acesso em: 7 maio. 2020.</p><p>https://digitalis-dsp.uc.pt/bitstream/10316.2/41745/1/Fronteiras_da_ficcao.pdf</p><p>Artigo</p><p>Com efeito, seria um pouco árduo dissertarmos sobre a dualidade</p><p>disciplinar entre literatura e história sem mencionar o nome do filósofo</p><p>Aristóteles. Sua obra A Poética oferece uma indispensável reflexão so-</p><p>bre a possibilidade ou não de diferenciar o conteúdo que cerca o ofício</p><p>do ficcionista e o do historiador. O certo é que no trato didático da</p><p>literatura com a história, é interessante que o docente possa estudar</p><p>as formulações estabelecidas por Aristóteles, pois ele foi o primeiro a</p><p>polemizar tais questões. Não basta mitigar a atividade a uma leitura</p><p>rasa de algumas passagens, mas saber que ela será útil, caso se resolva</p><p>trabalhar com o gênero do romance histórico em sala de aula. É de</p><p>Literatura e história 111</p><p>bom grado que o professor busque situar suas ideias no tratamento</p><p>literário ofertado pelos romancistas históricos recentes, atestando em</p><p>que medida essas formulações se somam ou se subtraem. Pelo viés</p><p>do filósofo Aristóteles, muitos escritores buscaram embasamento no</p><p>trabalho com a literatura e com a história. Ainda para o filósofo, perma-</p><p>nece aquele conceito clássico de que:</p><p>O historiador e o poeta não se distinguem um do outro, pelo fato</p><p>de o primeiro escrever em prosa e o segundo em verso (pois,</p><p>se a obra de Heródoto fora composta em verso, nem por isso</p><p>deixaria de ser obra de História, figurando ou não o metro nela).</p><p>Diferem entre si, porque um escreveu o que aconteceu e o outro</p><p>o que poderia ter acontecido. (ARISTÓTELES, 1980, p. 252)</p><p>O que essa passagem pode nos levar a interpretar é que Aristóteles</p><p>move o seu olhar no sentido de ajustar a poeticidade de ambos os ofí-</p><p>cios, justificando a própria ficção, que se mantém nas duas profissões,</p><p>desdobrando esse diluir dos limites. Devemos lembrar que essa</p><p>passagem vai desmobilizar uma série de pensadores posteriormente,</p><p>pois muitos desejavam aproximar tais discursos como se fosse algo</p><p>supostamente engajado nessa formulação. Ao que tudo indica, exis-</p><p>tem várias ressonâncias com o romance de natureza histórica, pois o</p><p>pensamento de Aristóteles é renovado de acordo com a necessidade</p><p>de algum romancista. Para finalizar, o autor conclui que “por tal moti-</p><p>vo a poesia é mais filosófica e de caráter mais elevado que a História,</p><p>porque a poesia permanece no universal e a História estuda apenas o</p><p>particular” (ARISTÓTELES, 1980, p. 252).</p><p>Conforme nos referimos, outros teóricos e autores resolveram se</p><p>debruçar sobre o assunto supracitado, adicionando uma nova rou-</p><p>pagem, reescrevendo as considerações expostas por Aristóteles. Se a</p><p>poesia permanece no campo do universalismo, soando a algo perpé-</p><p>tuo, a história revela os acontecimentos numa proposta mais particu-</p><p>lar. Em relação à verdade, como podemos depositar nossas ações e</p><p>pensamentos, acreditando numa narrativa com base na história? Em</p><p>uma perspectiva mais atual, podemos citar as importantes formula-</p><p>ções de Erich Auerbach. No ensaio Mímesis, a representação da verdade</p><p>na Literatura Ocidental (2003), ele disserta sobre como muitos clássicos</p><p>fingiram uma ideia de verossimilhança que nem sempre foi atingida. A</p><p>estrutura do livro se desdobra sobre as reflexões dos cânones analisa-</p><p>dos: Virgílio, Dante, Cervantes e Stendhal, para citar alguns.</p><p>112 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Uma passagem é importante para compreendermos as profundas re-</p><p>lações entre a literatura e a história, em especial a literatura clássica grega,</p><p>tão escamoteada pela crítica de época. No primeiro ensaio, A Cicatriz de</p><p>Ulisses, “a exprobração frequentemente levantada contra Homero, de que</p><p>ele seria um mentiroso, nada tira da sua eficiência; ele não tem necessi-</p><p>dade de fazer alarde da verdade histórica do seu relato, a sua realidade é</p><p>bastante forte; emaranha-nos, apanha-nos em sua rede, e isto lhe basta”</p><p>(AUERBACH, 2003, p. 10). O que se observa é que suas interpretações acer-</p><p>ca da literatura ocidental são paradigmáticas e afrontam alguns estatutos</p><p>pouco questionados. Em suma, é difícil que um jovem leitor questione as</p><p>obras de Homero como algo que esteja associado à história oficial ou não,</p><p>em razão de que o seu enredo já se encontra hermético e cristalizado.</p><p>O que estamos desejando frisar é que o trato com o texto literário</p><p>que representa trechos oficiais ou não da história do Brasil requer uma</p><p>pressuposta explicação por parte do docente. Quando o diálogo da li-</p><p>teratura com a história é requerido, faz-se necessário um jogo de com-</p><p>binação de fatores. Por exemplo: a mútua cooperação das disciplinas;</p><p>um acordo entre os docentes da instituição; o aprendizado com as es-</p><p>tratégias de leitura e o conhecimento dos eventos históricos por parte</p><p>do aluno; o contrato estabelecido pelo colegiado; e o conselho escolar. É</p><p>por meio desses pilares que o docente fortalecerá alguns anseios impor-</p><p>tantes a serem estabelecidos. Habilidades didáticas de trabalho docente</p><p>requerem iniciativas formativas acima de tudo. É necessário perceber</p><p>onde residem algumas deficiências no contexto da leitura. Assim, é indis-</p><p>pensável lermos, interpretarmos e analisarmos alguns romances históri-</p><p>cos com a finalidade de identificar algumas características pertinentes ao</p><p>seu formato atual. Desse modo, deve-se conseguir assimilar as possíveis</p><p>relações interdisciplinares existentes entre o texto ficcional e o artefato</p><p>histórico contido nesse tabuleiro didático, identificando em que medida</p><p>essas relações conflituosas podem configurar novos formatos de leitura.</p><p>No final, é interessante, ainda, que o docente de literatura compreen-</p><p>da, também, como funcionarão os objetivos que podem ser alcançados</p><p>pelos alunos. Nessa manobra, é importante que se trace uma justificativa</p><p>e um plano de ação, requisitos fundamentais para encaixarmos as peças</p><p>do quebra-cabeça; isto é, a motivação de analisar que a relação história/</p><p>literatura deve ser clara, pois devemos pensar que o romance de natureza</p><p>histórica já leva, por si só, muitos alunos a conhecerem eventos históricos</p><p>da realidade nacional. Se motivos não faltam, é necessário que o professor</p><p>Literatura e história 113</p><p>provoque os alunos logo na introdução da aula, criando</p><p>uma espécie de</p><p>problemática a ser resolvida ao longo da exposição. Dentre esses fatores,</p><p>podemos elencar: capacitar o corpo de alunos a conhecer, panoramica-</p><p>mente, o contexto dos principais romances históricos da literatura bra-</p><p>sileira; instigar o interesse pela dualidade literária e histórica no campo</p><p>das pesquisas interdisciplinares; compreender as principais articulações</p><p>da obra dos autores com outras obras da historiografia literária; dialogar</p><p>sobre a obra desses escritores, relacionando-a com o pano de fundo his-</p><p>tórico, sociológico, artístico, tanto brasileiro quanto europeu, tornando a</p><p>temática mais instigante e atraente aos alunos.</p><p>Com a leitura de alguns romances históricos selecionados pelo</p><p>professor de língua portuguesa, literatura brasileira ou história, um se-</p><p>minário abordando algumas categorias, tais como a multiplicidade de</p><p>narradores e pontos de vista sobre a história narrada ou a questão da</p><p>representação da linguagem, dentre outros, pode ser apresentado. Logo</p><p>após, os alunos poderão atestar como funciona a interseção entre o ar-</p><p>tefato literário e o histórico e como os diálogos estruturantes serão tra-</p><p>balhados, diagnosticando, desse modo, em que medida as formulações</p><p>e os conceitos do romance histórico podem ser aplicados na leitura de</p><p>fragmentos extraídos de alguns enredos. Por um viés alusivo, é importan-</p><p>te fazer com que o leitor apresente uma proposta de interface didática</p><p>entre o ensino da literatura e da história, identificando uma prática coe-</p><p>rente com estudantes do ensino médio da rede pública de ensino. Por</p><p>conseguinte, os estudantes podem averiguar como se operam os con-</p><p>ceitos matrizes do novo romance histórico, que são: intertextualidade,</p><p>paródia, metaficção historiográfica, biblioteca particular, anacronismo e</p><p>meta-história (ou seja, o fazer histórico). Por fim, deve-se examinar em</p><p>que medida a representação dos personagens-sujeitos estão à margem</p><p>da história narrada e como os excluídos são figurados no enredo dos ro-</p><p>mances, satisfazendo, assim, alguns requisitos do novo romance histórico.</p><p>É importante perceber, ainda, que formular ações didáticas de tra-</p><p>balho com o texto literário (seja ele o romance histórico ou não) implica</p><p>a capacidade de ter iniciativa pessoal pela pesquisa e ter curiosidade</p><p>sobre os temas trabalhados. Acima de tudo, os professores precisam</p><p>manter o aspecto inovador, caso queiram desdobrar assuntos já solidi-</p><p>ficados. Por meio da observação e da vasta experiência, é comum que</p><p>qualquer docente (seja ele de qualquer disciplina) possa sondar possí-</p><p>veis mudanças na sua práxis do magistério. Sabemos que educar não é</p><p>114 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>somente acumular o conteúdo exposto na apostila ou no livro didático.</p><p>Ao longo desse raciocínio, o docente de literatura deve postular uma</p><p>prática que envolva o aluno, atiçando sua curiosidade intelectual por</p><p>meio de alguns questionamentos. É importante pensarmos em uma</p><p>política de criatividade com o próprio conteúdo e, por iniciativa pessoal,</p><p>buscarmos uma melhor capacitação docente, ou seja, preparo cultural,</p><p>conhecimento adquirido por conta própria. Com base nesse pressu-</p><p>posto, resolvemos apresentar cinco ações que podem ajudar a forma-</p><p>ção do trabalho docente na área de literatura nos diferentes âmbitos</p><p>de ensino. São elas:</p><p>1. Crie e faça uso da sua biblioteca particular.</p><p>2. Mantenha muitos encontros com órgãos, instituições e</p><p>agências; enfim, todos correlatos a pesquisas.</p><p>3. Participe de congressos, seminários, semanas acadêmicas.</p><p>Organize sua agenda e esteja certo de que vale a pena</p><p>investir economias durante tais eventos.</p><p>4. Leia bastante diversos gêneros: jornais, artigos, romances,</p><p>dissertações, teses, entre outros.</p><p>5. Assista a muitos filmes, em especial, os clássicos e o cinema</p><p>cult de vanguarda.</p><p>Como é possível observarmos, o docente de literatura que já está fa-</p><p>miliarizado com as temáticas recorrentes do gênero romance histórico</p><p>pode propor, ao aluno do ensino médio, uma espécie de mostra cultu-</p><p>ral, vinculando ideias que possam ser apresentadas na feira de ciências</p><p>do colégio. Sabemos que é no contexto de uma inovação científica, ou</p><p>ao menos uma apresentação entre os seus pares, que muitos alunos</p><p>podem amadurecer novas ideias acerca de uma disciplina. Nesse caso,</p><p>é importante que o docente estimule a criação científica na área dos es-</p><p>tudos literários, pois muitos alunos desejam saber como se investiga al-</p><p>gumas obras, alguns autores e a própria linguagem literária por meio de</p><p>um enredo histórico. A nosso ver, uma tendência de pesquisa como essa</p><p>pode substanciar o peso que a área de ciências humanas perde com</p><p>o mercado de trabalho ou o chamado utilitarismo liberal, pregado por</p><p>tantos filósofos conservadores ingleses. Ao enxergar um novo horizonte</p><p>para o estudo da arte escrita, você pode fazer com que o aluno veja um</p><p>novo potencial a ser trabalhado nas relações entre a literatura e a his-</p><p>Literatura e história 115</p><p>tória. Nos modelos literários da autora Ana Miranda, apresentados na</p><p>seção anterior, visamos dar conta dessa hipotética abordagem, que pu-</p><p>demos especular com algumas sugestões necessárias. Resolvemos, en-</p><p>tão, citar, por meio de tópicos, apenas 5 modelos de incentivo à ciência.</p><p>1. Investigar como os efeitos linguísticos da paródia, da</p><p>intertextualidade, do pastiche e da biblioteca particular da</p><p>autora Ana Miranda operam nos romances históricos Boca</p><p>do Inferno (1989) e Desmundo (1996).</p><p>2. Quais são os fragmentos que Ana Miranda (delegados ao</p><p>seu narrador e seus personagens) utiliza em ambos os</p><p>romances, para compor uma crítica, em relação à colonização</p><p>portuguesa, à história colonial no Brasil?</p><p>3. Investigar como são representados os personagens</p><p>marginalizados e excêntricos nos romances Boca do Inferno</p><p>(1989) e Desmundo (1996).</p><p>4. Analisar como a autora Ana Miranda representa o cenário</p><p>histórico nos romances Boca do Inferno (1989) e Desmundo</p><p>(1996).</p><p>5. Analisar como a autora promove a representação das</p><p>personagens Gregório de Matos e Oribela nos romances</p><p>mencionados.</p><p>Em síntese, é por meio dessa abordagem metodológica que o docen-</p><p>te deve, preliminarmente, delinear, aos alunos, as etapas estratégicas</p><p>necessárias para justificar a empreitada de aprendizagem. Verificamos,</p><p>também, que a quantidade de enfoques nem sempre pode fugir do</p><p>destino para o qual a atividade é planejada. Cabe ao docente, ainda,</p><p>realizar um breve mapeamento das relações teóricas entre os campos</p><p>da literatura e da história, complementando alguns tópicos a serem es-</p><p>tabelecidos. É óbvio que tais formas de trabalho devem ser dialogadas</p><p>junto à equipe pedagógica e ao colegiado da instituição.</p><p>A fim de explanar o que ocorrerá na feira, conforme atividade su-</p><p>gerida, o docente deve reunir os grupos de alunos, dando o direito de</p><p>todos opinarem como acontecerá o trabalho. É desse momento em</p><p>diante que entra em cena a metodologia colaborativa capaz de cons-</p><p>truir a troca de experiências dos alunos; juntamente com o próspero</p><p>engajamento de todos, ela pode ser colocada em prática para o futuro</p><p>116 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>do trabalho. Como de praxe, em toda feira de ciências é necessária a</p><p>montagem de um pequeno estande, onde todos possam fixar cartazes</p><p>e apresentar aos outros colegas a maneira como o trabalho de lite-</p><p>ratura foi formulado. Em suma, é no compartilhamento dos recursos</p><p>didáticos e das estratégias traçadas que o discente terá o tão cobiçado</p><p>sentimento de pertencimento, estabelecendo uma maior relação entre</p><p>o artefato literário e a tão propagada formação de leitores.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Observamos como as novas tendências literárias são frequentes e</p><p>difíceis de serem decodificadas em uma atual realidade cada vez mais</p><p>transitória e frenética. Podemos especular que uma questão ainda ficou</p><p>suspensa no ar: sobre como o escritor atual pode “apreender” a realidade</p><p>cada vez mais efêmera e mutante. Em linhas gerais, exploramos breve-</p><p>mente as literaturas produzidas pelos</p><p>autores Luiz Alfredo Garcia-Roza</p><p>e Ruy Reis Tapioca, aludindo aos seus principais estilos estéticos: o da</p><p>violência urbana e do histórico nacional.</p><p>Avaliamos também como os jovens estão lendo obras da literatura</p><p>imaginativa, ou seja, as de caráter fantasioso, por meio de obras que des-</p><p>cortinam uma nova etapa editorial ligada ao século XXI. Aliás, vimos que,</p><p>por meio dos propagadores de livros (booktubers, comentadores de livros)</p><p>e a sua interação com o público, há a formação dos leitores de diver-</p><p>sas gerações. Ao longo desse percurso, atestamos como a historiografia</p><p>literária manteve a tradição de condicionar a obra no seu tempo e no</p><p>seu espaço cronológico, fugindo das reais tentações estéticas pujantes</p><p>relacionadas aos outros formatos de manifestações artísticas. Talvez isso</p><p>explique o real incômodo para muitos especialistas dizerem que houve</p><p>apenas uma “estética da produção”, conforme afirma Baumgarten (2014),</p><p>e não um paralelismo com a estética de época.</p><p>Na sequência, diagnosticamos como a interface da literatura com a</p><p>história pode ser atrativa ao professor de literatura, no que tange aos</p><p>aspectos ligados aos romances de natureza histórica, como os de Walter</p><p>Scott e José de Alencar. Foi importante observamos, também, que algu-</p><p>mas teorias da história (em especial, as do romance histórico) podem ser</p><p>úteis no trabalho interdisciplinar em sala de aula. Dada a natureza diversa</p><p>do gênero, frisamos que é sempre importante uma capacitação mais for-</p><p>mativa por parte do corpo docente interessado a desenvolver esse traba-</p><p>lho em sala de aula. Por meio de algumas dicas sugestivas, encaminhamos</p><p>também algumas atividades didáticas importantes, as quais igualmente</p><p>Literatura e história 117</p><p>podem ser desdobradas e renovadas pelo professor de literatura ou de</p><p>história. Não é à toa que tais propostas devem servir apenas como mate-</p><p>rial exemplificativo, exigindo, por parte do professor, a capacidade criativa</p><p>de diagnosticá-las para futuros trabalhos de investigação, em uma feira de</p><p>ciências, por exemplo. Portanto, longe de atingirmos um ponto-final, ain-</p><p>da paira no ar a nossa tão sonhada missão inclusiva, que é formar novos</p><p>leitores no ambiente escolar e dar conta de uma realidade cada vez mais</p><p>diversa e menos tolerante ao diferente nos dias atuais.</p><p>ATIVIDADES</p><p>1. Você deve ter percebido que este capítulo abordou bastante o romance</p><p>histórico. Com base nisso, escolha um autor da literatura brasileira,</p><p>cuja obra seja marcada por fatos históricos que perpassam a narrativa,</p><p>e comente, brevemente, as relações históricas representadas nela,</p><p>sugerindo um modo de se ter uma leitura mais familiarizada com os</p><p>acontecimentos de época.</p><p>2. O que você compreende pelo termo historiografia literária?</p><p>3. Explique, com suas palavras, o que significa um trabalho didático entre</p><p>a literatura e a história.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>ARISTÓTELES. A poética. São Paulo: Abril Cultural, 1980.</p><p>AUERBACH, E. Mimesis. A representação da realidade na literatura ocidental. São Paulo:</p><p>Perspectiva, 2003.</p><p>BAUMGARTEN, C. A historiografia literária brasileira: experiências contemporâneas. Revista</p><p>Todas as Letras X. v. 16, n. 2, p. 27-38, nov. 2014. Disponível em: http://editorarevistas.</p><p>mackenzie.br/index.php/tl/article/view/7363/5034. Acesso em: 8 maio 2020.</p><p>BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da Historiografia. São</p><p>Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997.</p><p>CANDIDO, A. Formação da literatura brasileira. Belo Horizonte: Itatiaia, 1997.</p><p>CEREJA, W. R. Ensino de literatura: uma proposta dialógica para o trabalho com literatura.</p><p>São Paulo: Saraiva, 2009.</p><p>COMPAGNON, A. O demônio da teoria. Belo Horizonte: UFMG, 2006.</p><p>ESTEVES, A. R. O romance histórico brasileiro contemporâneo (1975-2000). Assis: UNESP. 2010.</p><p>GARCIA-ROZA, A. O silêncio da chuva. São Paulo: Cia das Letras, 1997.</p><p>HENRIQUE, L. L. S. de. Romance policial contemporâneo: o retrato do personagem</p><p>Espinosa. Florianópolis, 2016. 142 p. Dissertação (mestrado em literatura) – Centro de</p><p>Comunicação e expressão, Programa de Pós-graduação em Literatura da Universidade</p><p>Federal de Santa Catarina. Disponível em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/</p><p>handle/123456789/167852/339464.pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 8 maio 2020.</p><p>LUÍS, A. B. O mosteiro. Lisboa: Guimarães, 2004.</p><p>118 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>OLIVEIRA, C. M. de. O novo romance histórico em travessias: uma leitura dos romances A</p><p>República dos Bugres e Conspiração Barroca, de Ruy Reis Tapioca. Florianópolis, 2016. 432</p><p>p. Tese (doutorado em literatura) – Centro de Comunicação e expressão, Programa de</p><p>Pós-graduação em Literatura da Universidade Federal de Santa Catarina. Disponível</p><p>em: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/bitstream/handle/123456789/173266/343687.</p><p>pdf?sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 8 maio 2020.</p><p>PESAVENTO, S. J. Fronteiras da ficção: diálogos da história com a literatura. In: NODARI, E.;</p><p>PEDRO, J. M.; LOKOI, Z. M. G. (Orgs). Histórias fronteiras. Anais do XX Simpósio da Associação</p><p>Nacional de História. Florianópolis, jul. 1999.</p><p>RESENDE, B. Contemporâneos. Expressões da Literatura Brasileira no século XXI. Rio de</p><p>Janeiro: Casa da Palavra, 2008.</p><p>SCHOLLHAMMER, K. E. Ficção brasileira contemporânea. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,</p><p>2009.</p><p>SILVERMAN, M. Protesto e o novo romance brasileiro. Porto Alegre: UFRGS, 1995.</p><p>TAPIOCA, R. Conspiração barroca. Lisboa: Saída de Emergência, 2008.</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 119</p><p>5</p><p>A legislação educacional</p><p>sobre o ensino de literatura</p><p>No presente capítulo, discutiremos a legislação educacional</p><p>para o campo de ensino da literatura na educação básica. Aqui,</p><p>pretendemos debater os principais fragmentos das diretrizes (que</p><p>serão selecionados criteriosamente) e dialogarmos com a realida-</p><p>de do ensino de literatura em sala de aula.</p><p>Daremos sentido aos parâmetros sugeridos no ensino funda-</p><p>mental (em especial oitavo e nono anos), na tentativa de estabelecer</p><p>um paralelo com as questões debatidas com base nas realidades</p><p>vistas em sala de aula. Os exemplos de títulos literários (analisados</p><p>por uma breve abordagem) serão demonstrados ao longo do per-</p><p>curso, cujo teor interpretativo fortalecerá os nossos argumentos.</p><p>Dando maior consistência ao debate, é necessário discutirmos um</p><p>pouco sobre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), acres-</p><p>centando ideias e refletindo sobre alguns direcionamentos.</p><p>Veremos, também, como se comportam algumas passa-</p><p>gens dos parâmetros extraídos do ensino fundamental e médio.</p><p>Novamente, a ideia é debatê-los pelo ângulo do ilustrativo – enca-</p><p>deando exemplos de sucesso numa abordagem menos sistêmica</p><p>e mais prazerosa. Por fim, ilustraremos, de forma prática, o nosso</p><p>percurso em um projeto de ensino que dê conta da formação e da</p><p>motivação de novos leitores na educação básica, respaldado pela</p><p>Base Nacional Comum Curricular (BNCC).</p><p>5.1 Breve abordagem dos Parâmetros</p><p>Curriculares Nacionais</p><p>Vídeo</p><p>Debater e discutir sobre os parâmetros curriculares nacionais na</p><p>área de literatura é basicamente dialogar com alguns pressupostos</p><p>e algumas premissas que, juntos, podem direcionar o docente a um</p><p>120 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>melhor trabalho em sala de aula. No entanto, acreditamos que, para</p><p>além de ter conhecimento dos parâmetros elaborados, o docente deve</p><p>adquirir a sua própria voz didática. Isso faz com que ele tenha, ao me-</p><p>nos, uma proficiência na transmissão do conhecimento ao trabalhar</p><p>com o texto literário. Naturalmente, espera-se que ele já possua algum</p><p>gosto pelas obras literárias e, ao mesmo tempo, uma relativa dose de</p><p>autonomia frente ao ensino de literatura. Desse modo, os parâmetros</p><p>serão um guia, pois os desdobramentos de ensino serão conquistados</p><p>pelo cotidiano na sala de aula.</p><p>Considerado como um guia dos direcionamentos regulamenta-</p><p>res, falar e tomar conhecimento dos parâmetros requer também um</p><p>bom conhecimento do formato curricular da disciplina. Estimulando</p><p>e</p><p>expandindo formulações trabalhadas na Lei de Diretrizes e Bases da</p><p>Educação (1996), os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) são o de-</p><p>talhamento por tópicos do que se fará na prática de ensino. Não à toa,</p><p>o domínio do conteúdo é indispensável ao lidar com as regras norma-</p><p>tivas e seus desdobramentos no cotidiano da escola. Por esse moti-</p><p>vo, podemos calcular que os professores que nem sequer dominam o</p><p>conteúdo da matéria certamente terão dificuldades em acompanhar o</p><p>desenvolvimento das regras normativas. Em suma, a baixa produtivi-</p><p>dade do professor no conteúdo desenvolvido é fator prejudicial para o</p><p>debate dos parâmetros curriculares.</p><p>É bom lembrarmos que o currículo e as competências adquiridas</p><p>pelos alunos são categorias básicas do aprendizado na escola. Eles</p><p>se repetem ao longo das legislações de forma exaustiva. Existe uma</p><p>tendência em acreditarmos que o currículo é apenas algo estático, en-</p><p>gessado e isolado, mas ele é também uma forma de expandirmos o co-</p><p>nhecimento científico da disciplina. Se o conhecimento avança, é óbvio</p><p>que o conteúdo também pode ser diagnosticado e desdobrado, visan-</p><p>do atender às expectativas da sociedade. Devido ao amadurecimento</p><p>de algumas pesquisas no campo dos estudos literários, é comum que</p><p>muitas grades curriculares sejam modificadas ao longo dos anos.</p><p>Atualmente, a abordagem do texto fictício tem seguido novos for-</p><p>matos pedagógicos e boa parte deles, por exemplo, é aliada às novas</p><p>tecnologias implantadas no campo do ensino. De fato, criou-se nos úl-</p><p>timos anos uma forte tendência de articular os estudos da literatura</p><p>com o campo da tecnologia, propondo, não raras vezes, a leitura de</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 121</p><p>obras com o auxílio de algumas plataformas digitais. Portanto, o assun-</p><p>to currículo no campo educacional sempre será um tema importante a</p><p>ser debatido e comentado.</p><p>Ainda sobre a importância do desdobramento de alguns conteúdos</p><p>trabalhados na literatura, os quais supostamente podem ser ensinados</p><p>por meio de algumas plataformas, é importante que façamos uma bre-</p><p>ve reflexão. É de bom grado presumirmos que muitos docentes ainda</p><p>insistem na relação do texto literário com o aparato tecnológico.</p><p>A despeito disso, é polêmico ainda reconhecermos que muitos pro-</p><p>fessores ensinem uma disciplina durante anos sem ao menos debater</p><p>a importância de tal conteúdo. É a partir daí que caímos naquela condi-</p><p>ção de professores desmotivados e acomodados. No decorrer do tem-</p><p>po, raramente discutimos o sentido do conteúdo; tendemos a tê-los</p><p>por respondidos e damos-lhes algumas atribuições caracterizadas pelo</p><p>senso comum. Então, uma questão surge: o que pode ser considerado</p><p>um currículo na área de literatura? Quais referências serão utilizadas?</p><p>Como podemos discuti-lo e melhorá-lo no trabalho escolar?</p><p>Sabemos que essas indagações jamais podem ser consideradas</p><p>retóricas, porque o currículo é o pressuposto de qualquer matéria. A</p><p>hipótese é que o currículo seja formulado em conjunto com outros</p><p>professores com o mesmo interesse: melhorar a capacidade de expan-</p><p>dir o conhecimento por meio de novas abordagens. A princípio, todo</p><p>currículo possui uma grade de habilidades e competências impostas</p><p>a serem obtidas durante uma formação escolar. Portanto, nessa linha</p><p>de pensamento, falar de currículo é ter noção das competências afins à</p><p>ementa que se deseja ensinar.</p><p>Um dos problemas dos PCN é a falta de exemplos relacionados ao</p><p>conteúdo de textos literários e a falta de diagnóstico de trabalho com a</p><p>literatura contemporânea. Desse modo, podemos voltar a insistir que</p><p>algumas formulações funcionam meramente como manifesto docu-</p><p>mental acerca do trato da Língua Portuguesa como matéria funcional,</p><p>ou seja, elas acabam ficando apenas na teoria. Em contraponto, o en-</p><p>sino da literatura deve ser explorado como um formato dinâmico de</p><p>conhecimento de mundo. Sobre isso, o que devemos ressaltar é que</p><p>os documentos não devem prever mudanças, mas se manter pela ob-</p><p>servância delas, procurando adequar os currículos conforme as novas</p><p>demandas literárias apareçam, gradativamente.</p><p>A título de ilustração, no</p><p>curso de Letras da Universidade</p><p>Federal de Santa Catarina</p><p>(UFSC), temos a disciplina</p><p>Teoria do Verso, ministrada</p><p>pelo professor Dr. Alckmar dos</p><p>Santos, que vem desenvolvendo</p><p>projetos nas diversas interfaces</p><p>entre literatura e meio digital. No</p><p>ambiente universitário da UFSC,</p><p>foi possível percebermos que</p><p>a disciplina teve forte apelo e</p><p>grande interesse dos estudantes</p><p>focados no conhecimento</p><p>da literatura, por meio de</p><p>ferramentas tecnológicas. Fato</p><p>curioso: a cadeira é uma variante</p><p>pioneira no ensino do estudo da</p><p>metrificação e da escansão dos</p><p>versos via plataforma digital.</p><p>Nela, o estudante da graduação</p><p>e da pós-graduação em Letras</p><p>pode revisar trechos inteiros de</p><p>poemas, inserindo comentários e</p><p>tecendo novas leituras.</p><p>Disponível em: http://nupill.ufsc.</p><p>br/. Acesso em: 15 jun. 2020.</p><p>Site</p><p>http://nupill.ufsc.br/</p><p>http://nupill.ufsc.br/</p><p>122 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Por mais que esse tipo de crítica seja necessária, o certo é que o do-</p><p>cumento acaba passando um pouco longe da função da literatura como</p><p>objeto sublime e prazeroso. A dualidade apontada jamais pode ser des-</p><p>cartada, porque o básico do texto literário é fazer com que o leitor se sin-</p><p>ta interessado pelo aspecto lúdico e prazeroso. Ao longo desse percurso,</p><p>tentaremos parafrasear tal debate. Com a finalidade de dialogarmos um</p><p>pouco mais sobre os parâmetros, resolvemos expor alguns trechos dos</p><p>PCN, os quais podem ser ilustrados por meio de um rico diálogo sobre a</p><p>experiência de trabalho em sala de aula. De acordo com o documento,</p><p>é importante que o trabalho com o texto literário esteja incorpo-</p><p>rado às práticas cotidianas da sala de aula, visto tratar-se de uma</p><p>forma específica de conhecimento. Essa variável de constituição</p><p>da experiência humana possui propriedades compositivas que</p><p>devem ser mostradas, discutidas e consideradas quando se trata</p><p>de ler as diferentes manifestações colocadas sob a rubrica geral</p><p>de texto literário. (PCN, 1998, p. 29)</p><p>Conforme prevê a abordagem normativa, o ato de não customi-</p><p>zarmos as direções estabelecidas é interessante. Ao que tudo indi-</p><p>ca, é necessário conduzir alguns anseios práticos em sala de aula da</p><p>melhor forma. Digamos que o “mantra” das normas é quase sempre</p><p>seguir à risca o conteúdo da legislação vigente, sem dar brechas às</p><p>alterações. Como podemos observar, a palavra variável não é utili-</p><p>zada de forma pomposa, tampouco subtrai a reflexão de algo cons-</p><p>tante; esta nos direciona a enquadrar a nossa experiência como algo</p><p>mutante e transformativo. É interessante ajustarmos alguns modelos</p><p>já estabelecidos, objetivando estabelecer os direcionamentos apon-</p><p>tados. Como é possível notar, cada texto literário é um novo artefato</p><p>cultural que precisa ser expandido e encaixado aos moldes da legisla-</p><p>ção vigente, caso tenhamos de colocar em prática com o dia a dia da</p><p>educação. Em suma, ler ficção não implica apenas identificar empiri-</p><p>camente trechos do enredo, cujo conteúdo possa ser direcionado ao</p><p>contexto do mundo utilitário e real.</p><p>A literatura não é cópia do real, nem puro exercício de linguagem,</p><p>tampouco mera fantasia que se asilou dos sentidos do mundo e</p><p>da história dos homens. Se tomada como uma maneira particu-</p><p>lar de compor o conhecimento, é necessário reconhecer que sua</p><p>relação com o real é indireta. (PCN, 1998, p. 30)</p><p>A título de exemplo, quando lemos os contos urbanos do escritor</p><p>Rubem Fonseca, é possível atestarmos que os cenários utilizados no</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 123</p><p>enredo fazem parte de um contexto único e real. Não é arriscado frisar-</p><p>mos que existe um laboratório humano que se atualiza durante o ato</p><p>de leitura. Inventor de um estilo urbano e violento, o autor da coletâ-</p><p>nea de contos Feliz Ano Novo (2004) pode ser considerado transmissor</p><p>de uma representação literária, cujo aporte possui relação com a</p><p>rea-</p><p>lidade urbana do Rio de Janeiro. Provavelmente, a escrita detetivesca</p><p>da escritora Agatha Christie serviu como mote inspirativo para Fonseca</p><p>ao adquirir uma voz narrativa, situação esta que pudesse dar conta do</p><p>potencial fictício da violência estabelecida nas grandes capitais.</p><p>Ao figurar aspectos da realidade carioca por meio de um estilo pró-</p><p>prio e ousado, o autor consegue angariar muitos leitores para sua li-</p><p>teratura. Sua obra descortina um verdadeiro espaço de produção de</p><p>conhecimento dual – realidade versus ficção, ricos versus pobres, vio-</p><p>lência versus pacificação, dentre outros que podem ser explorados pelo</p><p>docente de literatura. Mas, quando um escritor utiliza o universo real</p><p>para compor a sua trama, é problemático dizer que isso não pode ser</p><p>o único expediente crítico que valida sua obra dentro do campo da</p><p>estética. Enfim, de acordo com os parâmetros, na atitude desse tipo</p><p>de reconhecimento, ou não, que também podemos especular com a</p><p>nossa vivência, “a questão do ensino da literatura ou da leitura literária</p><p>envolve, portanto, esse exercício de reconhecimento das singularida-</p><p>des e das propriedades compositivas que matizam um tipo particular</p><p>de escrita” (PCN, 1998, p. 30).</p><p>O reconhecimento das especificidades textuais, conforme alerta o</p><p>trecho, corresponde, essencialmente, ao tratamento ofertado pelo do-</p><p>cente de literatura durante suas aulas. Cabe a ele ensinar ao aluno esse</p><p>tipo particular de escrita, que por ora remonta a uma matriz já definida</p><p>e programada pelo autor, ou seja, a essência da escrita literária daque-</p><p>le autor e como ele apresenta os sentidos, para além da relação que a</p><p>obra tem com a realidade.</p><p>Ao que tudo indica, as características compositivas estão relacio-</p><p>nadas ao conteúdo proposto por cada matéria. Estas ganham signifi-</p><p>cado real quando são ligadas aos componentes de aprendizagem de</p><p>literatura. Podemos supor, então, que se o texto fictício utiliza as figu-</p><p>ras de linguagem já conhecidas na língua portuguesa, o aluno passa</p><p>a fazer uso delas, seja durante o ato de leitura, seja na própria escrita</p><p>redacional. Essa especificidade atende à formação dos leitores – algo</p><p>essencial na composição deste livro. Sabemos que a linguagem lite-</p><p>124 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>rária é figurativa, simbólica e quase impossível de registrarmos numa</p><p>realidade ampla e totalmente descritiva. Nessa mesma esteira, o que</p><p>importa para o texto fictício é dar conta de uma singularidade da vida</p><p>de uma personagem relacionada à sua trama, ou seja, um recorte</p><p>dramático de um simples acontecimento.</p><p>Aliás, o tipo de texto literário que abrange temas triviais relaciona-</p><p>dos à vida do cidadão comum merece mais espaço. E isso é o que ocor-</p><p>re com certa frequência na literatura extraída de temas urbanos. Um</p><p>exemplo interessante é o romance Passageiro do fim do dia (2010), do</p><p>escritor carioca Rubens Figueiredo. Nessa obra, o autor seleciona um</p><p>assunto bastante trivial: a árdua e dramática viagem de um passagei-</p><p>ro comum de ônibus, do centro à periferia de uma cidade grande e</p><p>violenta. No decorrer do trajeto, existe uma fermentação psicológica</p><p>(conflitos internos ocorrem durante a viagem) à maneira de um mo-</p><p>nólogo elaborado pelo protagonista. O enredo ganha forma quando a</p><p>personagem imagina o quanto é simples ensaiarmos algumas atitudes</p><p>da vida frente a alguns obstáculos. Portanto, tratar de temas triviais e</p><p>ler sobre eles é, de fato, enriquecedor também para o leitor, porque ele</p><p>acaba sentindo prazer em notar que alguns acontecimentos do cotidia-</p><p>no também servem de matéria-prima para o ambiente literário. Reco-</p><p>nhecer isso pode sumariar o trabalho docente, substanciando novos</p><p>formatos de ensino e “valorizar a leitura como fonte de informação, via</p><p>de acesso aos mundos criados pela literatura e possibilidade de fruição</p><p>estética, sendo capazes de recorrer aos materiais escritos em função</p><p>de diferentes objetivos (PCN, 1998, p. 33).</p><p>Sim, conforme alerta o documento, é possível obter conhecimento</p><p>teórico e prático com a literatura. Não desejamos afirmar que essa seja</p><p>a sua principal finalidade, mas conjecturamos que muitos romances</p><p>e contos conseguem formular ensinamentos úteis às diversas catego-</p><p>rias de leitores, os quais buscam apenas o lado utilitário de algumas</p><p>obras lidas. Desse modo, existe um duplo ganho: o estético, ligado ao</p><p>sublime, e o conhecimento de mundo, por meio de textos literários.</p><p>Conforme apontam alguns especialistas, outro fator importante é que</p><p>a leitura de textos literários aprimora distintas competências no campo</p><p>da memória dos eventos e de alguns acontecimentos, situação a qual</p><p>um texto informativo não chega tão próximo. A título de exemplo, o</p><p>romance histórico pode ser usado como fonte de aprendizagem his-</p><p>tórica, ou seja, ele possui uma função didática de ensino. Muitos espe-</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 125</p><p>cialistas defendem essa teoria, afirmando que muitas lacunas e vazios</p><p>não preenchidos pela história oficial foram demasiadamente tratados</p><p>em muitos romances de natureza histórica.</p><p>Formar um leitor competente supõe formar alguém que com-</p><p>preenda o que lê; que possa aprender a ler também o que não</p><p>está escrito, identificando elementos implícitos; que estabeleça</p><p>relações entre o texto que lê e outros textos já lidos; que saiba</p><p>que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que consi-</p><p>ga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de ele-</p><p>mentos discursivos. (PCN, 1998, p. 41)</p><p>Conforme alerta o fragmento, a formação do leitor literário deman-</p><p>da uma dimensão completa, criativa e orgânica. Não deve ser apenas</p><p>um ganho, mas uma conquista. É importante que, devido às condições</p><p>variadas de leitura, as diretrizes expostas pelos PCN não se tornem</p><p>algo pragmático e litúrgico aos moldes de um manual de instruções</p><p>a ser devidamente seguido. Desse modo, deverá existir uma espécie</p><p>de “negociação”, a ser diagnosticada por parte do docente, buscando</p><p>sintonizar o leitor com algumas técnicas formativas.</p><p>Assim, não existe leitura apartada das condições conectivas, ou seja,</p><p>da ligação experiente com o contexto referencial, da bagagem extra de</p><p>leituras absorvidas durante anos e da bagagem cultural etc. que en-</p><p>volvem o leitor, porque seu contexto de familiaridade com os signos</p><p>dissolve o aspecto individualista da obra. Sabemos que a realidade de</p><p>vida, de familiarização com as referências e inferências e de compreen-</p><p>são de mundo podem facilitar a compreensão textual.</p><p>Conforme defende a autora Leyla Perrone-Moisés, “levar o aluno a</p><p>melhor entender o que a obra diz é tanto abrir seus significados quanto</p><p>mostrar como eles são criados, na linguagem do autor” (MOISÉS, 2018,</p><p>p. 81), situação que deve ser aprimorada dia após dia. Ler implica co-</p><p>nhecimento das referências externas ao texto, autorizando algo mais</p><p>dinâmico e prazeroso e dando margem ao aluno para familiarização</p><p>com o mundo externo. No trecho seguinte, teremos novamente o di-</p><p>lema tratado no Capítulo 1 deste livro, o qual insiste no exemplo do</p><p>professor como modelo de leitor a ser seguido pelo aluno.</p><p>Principalmente quando os alunos não têm contato sistemático</p><p>com bons materiais de leitura e com adultos leitores, quando não</p><p>participam de práticas onde ler é indispensável, a escola deve</p><p>oferecer materiais de qualidade, modelos de leitores proficientes</p><p>e práticas de leitura eficazes. Essa pode ser a única oportunidade</p><p>126 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>de esses alunos interagirem significativamente com textos cuja</p><p>finalidade não seja apenas a resolução de pequenos problemas</p><p>do cotidiano. (PCN, 1998, p. 42)</p><p>É importante que se frise esse assunto, porque ainda encontramos</p><p>uma forte carência de uma boa formação em relação à leitura com os</p><p>nossos professores. Conforme já tivemos a oportunidade de comentar,</p><p>a formação de um bom leitor depende, também, do exemplo e das refe-</p><p>rências de seu professor e da escola; estes serão os melhores modelos. O</p><p>desejo de buscar essa</p><p>entre outros – foram responsáveis por traduzir as an-</p><p>gústias e vozes da população local.</p><p>Ler ou assistir a uma peça</p><p>teatral na época do Império</p><p>romano ou da civilização</p><p>grega condicionava o leitor</p><p>ou o espectador a enveredar</p><p>pelas circunstâncias de época,</p><p>e, implicitamente, isso favore-</p><p>cia a própria compreensão.</p><p>Nas entrelinhas de muitas</p><p>tragédias, autores articula-</p><p>vam muitas lições de moral.</p><p>Sabemos que obra e autor</p><p>são questões próximas uma</p><p>da outra, e o leitor de hoje talvez não seja ca-</p><p>paz de ter o conhecimento daquela época para conseguir apreender</p><p>o conteúdo de uma tragédia clássica como Édipo Rei, de Sófocles, uma</p><p>das obras mais contundentes da literatura universal, não sendo à toa</p><p>que o próprio filósofo grego Aristóteles – na sua Poética, entre outros</p><p>escritos – tenha a referenciado dezenas de vezes. Preliminarmente, o</p><p>enredo dessa obra tem como prelúdio a narrativa de uma paixão an-</p><p>tinatural entre Laio e Crísipo (filho de Pêlops) – considerada a primei-</p><p>ra relação homossexual da literatura, de acordo com alguns autores</p><p>gregos. Algum tempo depois, sentindo muito amor pelo parceiro, Laio</p><p>acaba sequestrando-o, porém é amaldiçoado por Pêlops, que deseja</p><p>a Laio o eterno castigo de não deixar descendentes. Anos se passa-</p><p>ram quando Laio se casou com Jocasta, com quem teve o filho Édipo.</p><p>Para vitimar ainda mais a maldição, um suposto oráculo anuncia que,</p><p>caso Laio tivesse um filho, Laio o mataria.</p><p>Antigo teatro grego, em Atenas.</p><p>r Aerial-motion/Shutterstock</p><p>16 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Polêmicas à parte, alguns estudos de psicanálise tentam esclarecer se a</p><p>relação homosexual entre eles foi consentida ou não. Sobre isso, leia o artigo</p><p>Édipo Rei além do romance familiar: um estruturador social, de Nilton Olivei-</p><p>ra, prublicado no site da Sociedade Brasileira de Psicanálise Moderna.</p><p>Acesso em: 20 jul. 2020.</p><p>http://www.psicanalisemoderna.com.br/artigos/edipo-rei-alem-romance-familiar-um-estruturador-social/</p><p>Artigo</p><p>1.2 O que é um texto literário?</p><p>Vídeo O estudante deve perceber que existe uma forma de ambiguidade</p><p>ou mera invasão de sentidos entre o que é literatura e o que pode</p><p>ser considerado texto literário. A dificuldade de se conseguir um con-</p><p>senso acerca do significado conceitual do vocábulo literatura já foi ta-</p><p>refa apontada pelo crítico Massaud Moisés. Definir o que é um texto</p><p>literário nem sempre comporta um olhar stricto sensu e ao mesmo</p><p>tempo pragmático a um único sentido. Diversos críticos se debruça-</p><p>ram sobre esse conceito, porém poucos conseguiram “dar conta” de</p><p>forma satisfatória. Na esteira de alguns dicionaristas competentes e</p><p>usufruidores de certo status acadêmico, a palavra literatura denota</p><p>novos formatos de escritura ano após ano. Desse modo, mesmo com</p><p>o passar das décadas, não chega a ganhar um caráter significativo</p><p>definitivo. “É de crer que continue a oferecer resistência, na medida</p><p>em que a própria atividade literária segue um incessante progresso</p><p>cumulativo”. (MOISÉS, 1999, p. 310).</p><p>A expressão progresso cumulativo utilizada por Moisés jamais pode</p><p>ser raciocinada de forma retórica ou vazia, pois, conforme menciona-</p><p>do anteriormente, a literatura é quase uma arte infinita, que a cada</p><p>dia preenche de forma estimulante e gradativa as estantes de diversas</p><p>livrarias espalhadas pelo país afora, gerando um fluxo econômico grati-</p><p>ficante no mercado editorial. Trocando em miúdos, enquanto tivermos</p><p>escritores capazes de transformar a experiência vivida, ou mesmo a</p><p>vivenciada (como é o caso dos memorialistas), e, junto a isso, formar</p><p>um público leitor assíduo, a literatura tende a ser eternamente escrita</p><p>e reescrita. Conforme comentaremos adiante, esse último aspecto será</p><p>sempre utilizado por razões não necessariamente óbvias, pois todo</p><p>texto literário é fruto de outras releituras realizadas. Portanto, as estra-</p><p>A literatura e o letramento literário 17</p><p>tégias de escrita, como a paródia, a apropriação e a intertextualidade,</p><p>são marcas operacionais do fazer literário.</p><p>Surge uma indagação pertinente na cabeça do leitor: quais as di-</p><p>ferenças de um texto literário para um não literário e como é possível</p><p>identificar o texto literário? A resposta não é fácil nem de explicação</p><p>simplória, pois demanda raciocínio em relação ao conceito do que é</p><p>ou não estético. Embora seja amarrada às teorias críticas do belo, a for-</p><p>mulação de juízo estético é sempre um critério de gosto pessoal. Acima</p><p>de tudo, é generalizante dizermos que quem escreve um texto sempre</p><p>objetiva comunicar algo. Quem escreve de forma utilitária almeja che-</p><p>gar a um determinado resultado; por outro lado, escrever de forma</p><p>artística significa delinear a linguagem com floreios estéticos e rodeios</p><p>poéticos, conforme mencionaremos adiante. Diferenciar o uso e a utili-</p><p>zação da linguagem em um sentido artístico ou simplesmente utilitarista</p><p>é tarefa indispensável ao professor de literatura. Conforme nos explica</p><p>Compagnon: “o uso cotidiano da linguagem é referencial e pragmático, o</p><p>uso literário da língua é imaginário e estético” (COMPAGNON, 2009, p. 40).</p><p>Sabendo que o uso é estético e literário, conforme anuncia o autor</p><p>Antoine Compagnon, outra questão poderia ser desmembrada: quan-</p><p>tos adjetivos o substantivo literatura ganhou ao longo dos anos? Con-</p><p>forme já mencionamos, ganhando novos sentidos: a função sempre foi</p><p>a de delimitar o aspecto deliberativo da liberdade do substantivo. A tí-</p><p>tulo de exemplos variados: literatura médica, literatura jurídica e crimi-</p><p>nal, literatura farmacêutica, literatura litúrgica, literatura turística, entre</p><p>outras. A esse respeito, Moisés (1999) assevera que, devido ao condi-</p><p>cionamento, desde a sua existência, com a letra escrita, a literatura</p><p>passou a sofrer com sua amplitude semântica. Dessa forma, a compo-</p><p>sição desses adjetivos mencionados serve para delimitar o substantivo</p><p>anterior, especificando a sua carga semântica – limitando o horizonte</p><p>de assuntos tratados pela especialidade. Portanto, seja por problemas</p><p>de linguagem ou de definição de sentido, o certo é que nem sempre</p><p>fica bem esclarecido que a literatura de ficção não se define apenas</p><p>pelo seu adjetivo, mas pela eficácia de sua função estética e sublime.</p><p>O conceito de literatura praticado durante o século XIX, cuja noção</p><p>de tempo era diferente da de nossa atualidade, era refém de propagar</p><p>um modelo de nacionalismo. Nesse sentido, a característica temporal</p><p>era ligada aos moldes tradicionais em que o movimento retilíneo, li-</p><p>near e lento (em relação à construção do texto literário – enredo, per-</p><p>Escrito pelo autor italiano</p><p>Ítalo Calvino, Por que</p><p>ler os clássicos? é uma</p><p>espécie de manifesto</p><p>saudosista na busca de</p><p>uma leitura desinteressa-</p><p>da dos grandes clássicos</p><p>da literatura universal. Em</p><p>uma linguagem descon-</p><p>traída e bem humorada,</p><p>Calvino traz à tona a leitu-</p><p>ra de autores – Robinson</p><p>Crusoé, Denis Diderot,</p><p>Stendhal, Liev Tolstói, en-</p><p>tre outros – para iluminar</p><p>questões ligadas à cultura</p><p>local de cada nação. Para</p><p>quem não leu os grandes</p><p>clássicos, a obra desper-</p><p>tará bastante curiosidade</p><p>no leitor atual.</p><p>CALVINO, Í. São Paulo: Cia das Letras,</p><p>2002.</p><p>Livro</p><p>18 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>sonagens e, principalmente, espaço) era amarrado ao próprio contexto</p><p>pacato. Ligada às questões de formação de nação, a literatura era uti-</p><p>lizada para reforçar a identidade do povo brasileiro. Daí os vários mo-</p><p>delos icônicos das Letras nacionais. Machado de Assis e José de Alencar</p><p>foram os principais percursores do romantismo e da exaltação das be-</p><p>lezas naturais do Brasil. Ainda de acordo com Moisés (1999), o uso da</p><p>palavra literatura, sem apontar o ano especificamente do seu emprego,</p><p>foi feito de forma mais contundente durante o século XIX. O autor tra-</p><p>balha também a questão da amplitude que a palavra significava para</p><p>conceituar o discurso das Ciências Humanas. Ainda de acordo com o</p><p>autor, o uso da palavra era abrangente, pois abarcava todas as mani-</p><p>festações escritas: as de utilização científica</p><p>formação, no entanto, deve ser por interesse pró-</p><p>prio, não ligado a uma simples funcionalidade, mas sim ao compromis-</p><p>so proativo com a leitura. Caso tenhamos a ambição de formar leitores</p><p>contumazes, é necessário construirmos uma rede colaborativa de atenção</p><p>aos educadores. Isso pode ser feito por meio de uma comunidade estabe-</p><p>lecida em plataformas ou aplicativos, como Facebook e WhatsApp. Uma</p><p>sugestão é construirmos uma equipe comprometida com a formação de</p><p>novos leitores, ora discutindo o livro em rodas de conversas, ora partici-</p><p>pando ativamente da reunião de professores.</p><p>Para tornar os alunos bons leitores — para desenvolver, muito</p><p>mais do que a capacidade de ler, o gosto e o compromisso com a</p><p>leitura —, a escola terá de mobilizá-los internamente, pois apren-</p><p>der a ler (e também ler para aprender) requer esforço. Precisará</p><p>fazê-los achar que a leitura é algo interessante e desafiador, algo</p><p>que, conquistado plenamente, dará autonomia e independência.</p><p>(PCN, 1998, p. 43)</p><p>Em última análise, para que possamos chegar a uma conclusão</p><p>definitiva sobre esse assunto, é importante que façamos a tarefa de</p><p>casa na formação de novos leitores: recriarmos um vínculo entre a</p><p>instituição escolar e o processo de incentivo à leitura. Essa dualidade</p><p>apresentada parece ser óbvia e paradoxalmente mal aproveitada, po-</p><p>rém, sempre deve ser lembrada sobre a sua real necessidade. Como</p><p>se observa, formar leitores é quase uma obrigação para o aprendizado</p><p>de todas as outras matérias. Quem ainda duvida, por exemplo, que a</p><p>filosofia ou a geografia não fazem uso de textos fictícios para compor</p><p>o seu conhecimento está prestes a ficar ultrapassado. Por isso, é fator</p><p>indispensável eliminarmos algumas barreiras ainda pouco discutidas:</p><p>a que a leitura de textos fictícios seja dispendiosa e inútil. Dessa forma,</p><p>muitos estudantes deverão construir um laço com a instituição, não</p><p>importando apenas ler de forma interessada, ou seja, para ganhar uma</p><p>nota visando à sua aprovação.</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 127</p><p>5.2 PCN do ensino fundamental</p><p>Vídeo Nas considerações tecidas anteriormente, verificamos como alguns</p><p>trechos selecionados dos PCN sumariam determinadas questões de</p><p>comportamento pedagógico relacionado ao desempenho escolar na</p><p>educação básica. Porta de entrada para o ensino médio, as séries ini-</p><p>ciais e finais do ensino fundamental são planejadas para fundamentar</p><p>as bases de ensino de todas as disciplinas, e a linguagem não pode ser</p><p>desconsiderada. Com o objetivo principal de priorizar algumas ações</p><p>regulamentárias no que tange o ensino, os PCN abrangem propostas</p><p>de trabalho do quinto ao nono ano; ou seja, a linguagem percorrerá os</p><p>diversos campos da ciência e do aprendizado (seja este dentro ou fora</p><p>da escola), porque é por meio dela que tam-</p><p>bém registraremos o planejamento da disci-</p><p>plina e o próprio plano de aula. Ainda</p><p>teremos a chance de comentar um pouco</p><p>sobre tais quesitos. Parece-nos ilógico afir-</p><p>mar que os PCN de Língua Portuguesa e Lite-</p><p>ratura indiquem apenas algumas diretrizes</p><p>informativas acerca do trabalho pedagógico,</p><p>pois eles também conjugam fatores ligados</p><p>ao processo da formação do leitor crítico e</p><p>efetivo nas suas leituras.</p><p>O texto literário constitui uma forma</p><p>peculiar de representação e estilo em</p><p>que predominam a força criativa da</p><p>imaginação e a intenção estética. Não</p><p>é mera fantasia que nada tem a ver</p><p>com o que se entende por realidade,</p><p>nem é puro exercício lúdico sobre as</p><p>formas e sentidos da linguagem e da</p><p>língua. (PCN, 1998, p. 26)</p><p>No campo da linguagem, a intenção es-</p><p>tética é primordial no texto fictício e não po-</p><p>demos negociar muito esse valor intrínseco.</p><p>Sobre isso, é possível que o docente faça uso</p><p>da sua imaginação, visando, também, a uma</p><p>espécie de dramatização do texto em sala de</p><p>aula. Ao construir um mundo fictício, o texto</p><p>No filme Sociedade dos</p><p>Poetas Mortos (1989), é</p><p>possível observarmos um</p><p>necessário engajamento</p><p>do professor frente à</p><p>realidade educacional</p><p>vivenciada. Diante de</p><p>uma escola extrema-</p><p>mente conservadora</p><p>(Welton Academy) aos</p><p>moldes de aprendizagem,</p><p>o recém-contratado</p><p>professor (interpretado</p><p>pelo ator Robin Williams)</p><p>consegue inverter a lógica</p><p>pedagógica. Ele estimula</p><p>todas as turmas a refleti-</p><p>rem diante do fenômeno</p><p>literário. A proposta do</p><p>professor é transformá-</p><p>-los em alunos críticos e</p><p>questionares dos grandes</p><p>clássicos.</p><p>Direção de: Peter Weir. EUA: Walt</p><p>Disney Studios, 1989.</p><p>Filme</p><p>128 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>literário desconstrói a realidade nua e crua, aquela voltada ao óbvio e às</p><p>práticas não inovadoras. Na condição de professores ou mediadores de</p><p>leitura, devemos abdicar de fazer da fruição da ficção um mero produto</p><p>utilitário, ou seja, um cenário em que o aluno seja avaliado para fazer um</p><p>exame futuramente. Dessa forma, a leitura desinteressada, ociosa, que</p><p>busca a fluidez e o prazer, fica em segundo plano. A melhor sugestão</p><p>é que o princípio do prazer e da gratuidade da leitura do texto literá-</p><p>rio resgatado pelo docente possa ser reelaborado de forma sublime, e</p><p>a escola deve comprar essa ideia. O professor precisa solucionar esse</p><p>dilema, indo do utilitário ao não utilitário, do produtivo ao não produti-</p><p>vo, insistindo no principal mote da literatura, que é aprimorar algumas</p><p>emoções por meio do fenômeno literário. Nesse terreno, sabemos que</p><p>muitos alunos-leitores buscam outras significações ao ler um texto fictí-</p><p>cio e que nem sempre agem de forma acrítica e passiva.</p><p>Não é por acaso que o ensino de literatura durante o ensino funda-</p><p>mental deve ter como vantagem o conhecimento real e a familiaridade</p><p>de vida do estudante. Sabemos que a linguagem poética foge aos pa-</p><p>drões utilitários insistidos pela sociedade de consumo e cabe ao docen-</p><p>te conscientizar os alunos. Quando tratamos o fenômeno poético como</p><p>algo subserviente ao trato utilitário, estamos condicionados a criar inú-</p><p>meros erros. Como sabemos, a linguagem informativa petrifica a pala-</p><p>vra, raramente dando margem para outros significados e contextos de</p><p>uso. Já a linguagem poética cria neologismos, novas metáforas, faz vasto</p><p>uso das figuras de linguagem, permitindo atribuir sentido ao território</p><p>isolado. O romancista ou poeta faz surgir uma nova realidade, fantasia</p><p>emoções e dramas pessoais, cria personagens de diferentes matizes psi-</p><p>cológicas, exigindo do leitor apenas maturidade para lidar com o diferen-</p><p>te. Em suma, por esse motivo, é função do docente de literatura cativar</p><p>os alunos para esses aspectos, visando a despertá-los para uma melhor</p><p>interpretação e uso do código poético nas manifestações culturais.</p><p>Nem sempre esse código é recheado de significados diretos ao</p><p>significante. Falar por analogia, alusão, simbologia, alegoria ou me-</p><p>táfora já virou estratégia de muitos escritores – em especial, os con-</p><p>temporâneos. Voltando ao tema das figuras de linguagem, o aluno do</p><p>oitavo ou do nono ano deve ter noção delas, sabendo utilizá-las e inter-</p><p>pretá-las em diversas ocasiões. Parte dos PCN insiste um pouco nesse</p><p>requisito de conteúdo, frisando que é papel da escola remeter maior</p><p>atenção aos aspectos da linguagem poética.</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 129</p><p>Suponhamos que você tenha a missão de ministrar uma aula de li-</p><p>teratura brasileira para alunos do nono ano sobre alguns clássicos que</p><p>possam servir de alicerce durante o ensino médio. Uma temática inte-</p><p>ressante é a caracterização do espaço, do cenário ou da ambientação</p><p>em alguns romances. Nessa manobra, o ângulo de leitura observará</p><p>como se constrói a parte descritiva espacial (trabalhada por alguns ro-</p><p>mancistas e contistas) no campo das referências ligadas ao mapa urba-</p><p>no de algumas cidades do Brasil. Nesse caso, uma excelente sugestão</p><p>é o trabalho com os contos do escritor Lima Barreto. Por meio deles,</p><p>é possível abordar descrições realísticas da cidade do Rio de Janeiro</p><p>durante o final do século XIX.</p><p>Ao ler alguns desses contos, o leitor se sentirá fisicamente</p><p>trans-</p><p>portado para as ruas, vielas, avenidas e praças da capital fluminense. A</p><p>paisagem urbana é configurada para atingir ao máximo o jogo realísti-</p><p>co com o potencial histórico de época. Em linhas gerais, são quadros vi-</p><p>vos da realidade daquele período, tornando-se apreciativos no sentido</p><p>épico da própria palavra. Desse modo, com a existência real e física, o</p><p>autor de Triste Fim de Policarpo Quaresma aproveita as leituras de livros</p><p>e compêndios históricos para ficcionalizar o palco topográfico (regis-</p><p>trando também as múltiplas alterações arquitetônicas decorrentes da</p><p>evolução do próprio mapa urbano), cujo conteúdo se torna simbólico</p><p>ao longo do enredo.</p><p>Ao longo de nossa leitura dos contos, o espaço e o cenário são cons-</p><p>tituídos de forma surpreendente por meio de um detalhamento real,</p><p>situação que raramente encontraríamos nos livros de grandes histo-</p><p>riadores. Na ocasião, você terá de preparar os alunos, selecionando</p><p>uma lista de contos do escritor carioca, a fim de criar chaves de leitura</p><p>relacionadas às representações urbanas figuradas, atestando em que</p><p>medida elas são trabalhadas, guiando-os com as ferramentas adequa-</p><p>das de leitura. Vejamos uma sugestão:</p><p>Averiguar os espaços e os ambientes (descrição de espaços históricos</p><p>públicos e privados da cidade do Rio de Janeiro), marcadamente</p><p>referenciais, que são apresentados na prosa de Lima Barreto,</p><p>atestando em que sentido o autor toma de empréstimo</p><p>historiadores ou fotografias de época que fixam o instante</p><p>(que supostamente alimenta o ponto de partida da</p><p>descrição feita pelo autor), de modo a verificar em que</p><p>medida esses espaços dão vida à narrativa histórica.</p><p>1</p><p>Passageiro do fim do dia</p><p>(2010) conta com um en-</p><p>redo narrado em terceira</p><p>pessoa e é uma obra</p><p>com poucos diálogos. O</p><p>narrador atrasa bastante</p><p>a narrativa, realizando</p><p>várias alusões ao cotidia-</p><p>no de Pedro e Rosane. O</p><p>romance não é dividido</p><p>em capítulos e subtítulos.</p><p>A estrutura do enredo</p><p>segue uma linearidade de</p><p>acontecimentos, embora</p><p>seja possível notarmos</p><p>várias digressões. O espa-</p><p>ço narrativo do romance</p><p>é apresentado em uma</p><p>cidade grande, sem mui-</p><p>tas referências quanto</p><p>ao nome e às ruas, e as</p><p>personagens que apa-</p><p>recem são planas, sem</p><p>muitas descrições físicas</p><p>e psicológicas. A obra se-</p><p>gue à risca uma estrutura</p><p>bem elaborada do ponto</p><p>de vista formal. O espaço</p><p>da obra é descrito de</p><p>forma pormenorizada, ao</p><p>representar os subúrbios</p><p>do espaço citadino.</p><p>FIGUEIREDO, R. São Paulo: Cia das</p><p>Letras, 2010.</p><p>Livro</p><p>(Continua)</p><p>130 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Investigar quais foram as principais mutações urbanísticas e</p><p>arquitetônicas dos cenários representados no período em</p><p>questão, em especial as mudanças de nomenclatura</p><p>urbanas e arquitetônicas ocorridas nos logradouros</p><p>descritos nos romances históricos.</p><p>2</p><p>Observar como essa cenografia histórica figurada (espaço e</p><p>tempo funcionam como condições cronotrópicas orgânicas)</p><p>altera o comportamento das personagens (ação e</p><p>desencadear dos acontecimentos) na trama narrativa.</p><p>3</p><p>Conforme apontamos, após o cotejamento desses tópicos, o</p><p>professor pode solicitar trabalhos de pesquisa que envolvam os</p><p>objetivos de leitura definidos anteriormente. Não engessando o tex-</p><p>to literário do autor carioca a uma leitura bastante direcionada, o</p><p>professor também pode solicitar que os alunos aprimorem o trabalho</p><p>escrito por meio de uma roda expositiva de leitura em grupos. Esse</p><p>modelo de diagnóstico pode ser utilizado para melhorar o campo da</p><p>formação dos leitores.</p><p>Saindo da atmosfera do projeto proposto, ainda podemos dizer que</p><p>é um tanto problemático compreendermos as reais contribuições dos</p><p>parâmetros curriculares no campo do ensino da literatura nas séries</p><p>finais do ensino fundamental. Conforme alertamos, um traço caracte-</p><p>rístico ainda se impõe na forma como muitos professores encaram os</p><p>parâmetros, isto é, a forma instrutiva e pedagógica em suas classes.</p><p>Ainda temos o receio de considerarmos que, no campo da lingua-</p><p>gem, poucos estudos revelam os efeitos dos resultados e das contri-</p><p>buições deixadas em sala de aula. O problemático é sabermos que na</p><p>busca por respostas, alguns especialistas ainda afirmam que poucos</p><p>estudiosos se deram conta de levantar as reais estratégias deixadas</p><p>pelas diretrizes estabelecidas. Dessa forma, fica difícil garantirmos uma</p><p>proposta mais segura sobre a eficácia dos parâmetros junto à discipli-</p><p>na a ser trabalhada. Não raras vezes, quando o docente consegue dar</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 131</p><p>conta do plano pedagógico institucional na íntegra, acaba desenvolven-</p><p>do alguns conteúdos com aquilo que o aluno deseja ou simplesmente</p><p>tem afinidade, desprezando, assim, o alinhamento com as diretrizes</p><p>estabelecidas pelos parâmetros.</p><p>Como representação de um modo particular de dar forma às ex-</p><p>periências humanas, o texto literário não está limitado a critérios</p><p>de observação fatual (ao que ocorre e ao que se testemunha),</p><p>nem às categorias e relações que constituem os padrões dos</p><p>modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/</p><p>conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes</p><p>planos da realidade (o discurso científico). (PCN, 1998, p. 26)</p><p>Para finalizarmos, suponhamos que este capítulo, por exemplo,</p><p>fosse apenas uma discussão acerca da legislação em torno do eixo</p><p>do aprendizado de literatura em sala de aula. Isso nos faz pensar</p><p>que certamente teríamos uma atitude apenas positivista e prag-</p><p>mática acerca do trabalho com o texto em sala de aula. Mas não</p><p>é exatamente essa restrição que damos ao discutir temas tão am-</p><p>plos, como é o caso das normativas formuladas por diversos autores</p><p>de diferentes matizes ideológicos e históricos. Portanto, também é</p><p>necessário realizarmos um trabalho interpretativo que vá além das</p><p>linhas elaboradas. Sob o enfoque da prática em sala de aula, o leitor</p><p>desse documento deve agregar sua experiência de vida, contrace-</p><p>nando com algumas formulações de determinados especialistas na</p><p>área da educação. Basicamente, a leitura não pode ser transversal e</p><p>pragmática, mas dialógica e interativa. Então, poderíamos começar</p><p>separando o que discutiríamos sobre os aspectos normativos, inter-</p><p>calando questões ligadas ao artefato literário.</p><p>5.3 PCN do ensino médio</p><p>Vídeo O conteúdo disposto pelas PCN no ensino médio se dispõe a um</p><p>formato de aforismos ou máximas (indicativas e interpretativas) capa-</p><p>zes de sustentar o conhecimento em torno do duplo eixo: tecnologias</p><p>e linguagens. Conforme a nossa leitura, o documento sustenta a tese</p><p>de que a linguagem é a base de todas as outras disciplinas ligadas à</p><p>área de ciências humanas. Logo de início, devemos salientar que o</p><p>documento possui como pressuposto principal a LDB e o Parecer do</p><p>Conselho Nacional de Educação Básica 15/1998.</p><p>132 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Por mais que se frise a importância de os professores e a equipe pe-</p><p>dagógica conhecerem as diretrizes por partes, ainda é muito comum que</p><p>alguns trechos sejam completamente esquecidos. Um deles é o plano</p><p>de trabalho relacionado ao conteúdo que será ministrado pelo docente.</p><p>Com vistas à organização do processo pedagógico na escola, o plano de</p><p>trabalho docente deve ser elaborado pelo professor para cada disciplina.</p><p>Esse documento objetiva organizar os processos de ensino e aprendiza-</p><p>gem, os quais devem ser estruturados sistematicamente. Com a função</p><p>básica de registrar os objetivos de aprendizagem, ou seja, as estratégias</p><p>e as metodologias de trabalho, o plano deve ser indispensável ao tra-</p><p>balho escolar. Nele também é necessário planejar o funcionamento do</p><p>sistema de avaliação, registrando quais serão os encaminhamentos me-</p><p>todológicos, os objetivos gerais e específicos, a justificativa, as compe-</p><p>tências que serão alcançadas e os recursos que serão utilizados. Desse</p><p>modo, o professor, mesmo ciente do Projeto Político Pedagógico desen-</p><p>volvido pela escola, deve esboçar o seu plano, o qual, certamente, terá</p><p>a marca de</p><p>sua autoria. Portanto, sendo elaborado em conjunto com a</p><p>equipe pedagógica, o plano de aula é uma ferramenta de trabalho do</p><p>professor, cuja proposta deve entrar em sintonia com as competências e</p><p>contribuições trabalhadas na educação básica.</p><p>Outro requisito similar ao plano de trabalho é o plano de aula. Em-</p><p>bora seja destinado à organização do conteúdo que será trabalhado</p><p>pelo docente, o plano objetiva os reais aprendizados do aluno no fi-</p><p>nal do período. Sendo assim, é importante que o docente tenha em</p><p>mente quais são as estratégias trabalhadas no plano, pois ele fará com</p><p>maior garantia a formulação, embasando o conteúdo que os estudan-</p><p>tes realmente necessitam. Como esclarece Lima, “o plano de aula é um</p><p>documento que sistematiza o planejamento do trabalho pedagógico,</p><p>organizando-o por temática ou aula, descrevendo os objetivos, o tem-</p><p>po, os procedimentos metodológicos, os recursos e o processo de ava-</p><p>liação” (LIMA, 2013, p. 51). Caso haja algum atraso de conteúdo durante</p><p>o ano escolar, o professor terá a responsabilidade de retomar algo que</p><p>ficou para trás. Obviamente, o processo de retomada deverá ser regis-</p><p>trado no plano, tendo em vista que se trata de um documento compro-</p><p>batório do conteúdo trabalhado em sala de aula. Em suma, com base</p><p>na BNCC, o docente deve formular e ajustar o seu plano, cujo conteúdo</p><p>será criteriosamente selecionado, objetivando atingir as aprendizagens</p><p>e as competências necessárias à formação do aluno.</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 133</p><p>Com a função de estabelecer algumas direções construtivas por</p><p>meio de bases críticas e modelos ajustados, os parâmetros do ensi-</p><p>no médio somam esforços para integrar um movimento teórico, assim</p><p>como uma suposta garantia de melhor eficiência em sala de aula. No</p><p>decorrer do documento, é possível notar uma forte preocupação com</p><p>trabalhar as diversas linguagens como fonte de aprendizagem discur-</p><p>siva e dinâmica. Com algumas ações norteadoras, o professor direcio-</p><p>nará atividades voltadas ao campo da linguagem. Em linhas gerais, a</p><p>principal meta do documento é fazer com que o aluno seja capaz de</p><p>atuar por meio de uma metodologia que reforce o caráter reflexivo, a</p><p>criatividade e a formulação de juízo crítico, o entendimento da lingua-</p><p>gem – verbal e escrita – em sua amplitude e diferença. Em outras pala-</p><p>vras, alguém que possa estudar os meios de linguagem existentes, no</p><p>que tange aos aspectos ligados à leitura, à redação e à reestruturação</p><p>de textos em diferentes gêneros.</p><p>Em uma situação de ensino, a análise da origem de gêneros e</p><p>tempos, no campo artístico, permite abordar a criação das esté-</p><p>ticas que refletem, no texto, o contexto do campo de produção,</p><p>as escolhas estilísticas, marcadas de acordo com as lutas discur-</p><p>sivas em jogo naquela época/local, ou seja, o caráter intertextual</p><p>e intratextual. (PCN, 2000, p. 18)</p><p>Conforme aponta o documento, cabe ao docente de literatura ter a</p><p>noção de intercalar os diversos tipos de linguagem, agindo por compa-</p><p>ração, angariando novos formatos de abordar o conteúdo. Ao concreti-</p><p>zar uma nova forma de abordagem do texto literário, o docente passa</p><p>a diagnosticar como a obra literária pode ser trabalhada com interfaces</p><p>diferenciadas. Como sabemos, a literatura pode ser fartamente traba-</p><p>lhada por meio de outras manifestações artísticas, em especial o mo-</p><p>vimento da pintura. Embora seja também suficiente abordar algumas</p><p>possíveis estéticas e alguns estilos que atuam no texto, é importante</p><p>verificar como estes podem ajudar na interpretação e na construção</p><p>de novos contextos. É por meio do diálogo com o texto literário, em pa-</p><p>ralelo com os meios artísticos de época, que o docente amplia o leque</p><p>historiográfico da obra, exigindo, não raras vezes, a familiarização do</p><p>leitor ou do professor com as questões do período representado pela</p><p>obra. Por exemplo, caso o professor de literatura resolva incremen-</p><p>tar o quadro Operários (1933), da pintora paulista Tarsila do Amaral, e</p><p>compará-lo com o movimento poético do poema XIV (1924), do escritor</p><p>134 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>paulistano Mário de Andrade, em relação aos aspectos da industriali-</p><p>zação, ele deve formular um interessante diálogo sobre as questões</p><p>contextuais da literatura e das artes plásticas.</p><p>Dar espaço para a verbalização, para a representação social e</p><p>cultural é um grande passo para a sistematização da identida-</p><p>de de grupos que sofrem processos de deslegitimação social.</p><p>Aprender a conviver com as diferenças, reconhecê-las como le-</p><p>gítimas e saber defendê-las em espaço público fará com que os</p><p>alunos reconstruam a autoestima. (PCN, 2000, p. 20)</p><p>Como podemos observar, a leitura deve ser realizada de forma</p><p>plural e amistosa, atuando na construção das distintas formas de en-</p><p>xergarmos grupos marginalizados ou não. Eis a chave da proposta: tra-</p><p>balhar textos de natureza fictícia diversa, nos quais o professor possa</p><p>inverter a lógica limitadora imposta pela padronização dos costumes e</p><p>hábitos. Dessa forma, o docente deve insistir na indicação de obras lite-</p><p>rárias cujo conteúdo (enredo, personagens, tipos de narradores, espa-</p><p>ço) possa modificar algumas ações preestabelecidas pelos alunos. Não</p><p>é tão fácil lidar com a alteridade, porque ela enfrenta muita resistência</p><p>dos jovens leitores, em especial aqueles acostumados ao formato da</p><p>narrativa padronizada.</p><p>Não adianta mitigarmos a representação das minorias no cam-</p><p>po literário, pois elas estão lá desde o início do século XX. Dessa</p><p>forma, a literatura marginalizada ou a destinada a trabalhar com a</p><p>representação dos homens e das mulheres à margem deve ser usa-</p><p>da para questionar alguns valores impostos pela sociedade. Outra</p><p>resistência importante relacionada ao ensino do texto literário tra-</p><p>balhado pelo docente é que este nem sempre tem uma linguagem</p><p>conotativa, ou seja, algo ligado ao referencial.</p><p>Exemplo notório de jogo com a linguagem é o romance Grande</p><p>Sertão: Veredas (2006), do autor mineiro João Guimarães Rosa. Nes-</p><p>sa obra, o autor faz vasto uso de apropriações linguísticas (de co-</p><p>munidades locais) para representar a fala rústica das personagens</p><p>Riobaldo e Diadorim. Nesse tipo de situação, ainda é comum que</p><p>muitos alunos mantenham um tipo de dificuldade compreensiva.</p><p>Devemos salientar que muitos textos ainda usam e abusam das figu-</p><p>ras de linguagem, do jogo dúbio linguístico, das variadas metáforas,</p><p>características imanentes ao texto fictício.</p><p>Uma entonação de voz pode transformar o sentido de um</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 135</p><p>texto. A simples inversão de um adjetivo modifica o signifi-</p><p>cado de uma frase. O texto literário se apropria desse jogo</p><p>do possível com maestria. A propaganda faz o mesmo. A am-</p><p>biguidade da linguagem faz os juristas provarem o dito pelo</p><p>não dito e vice-versa. (PCN, 2000, p. 21)</p><p>Como podemos notar, a prerrogativa de lidar com a linguagem</p><p>poética permite à literatura inovar nos jogos linguísticos. A sua maté-</p><p>ria-prima está sempre em constante movimento e imperfeição. Esse</p><p>movimento nem sempre se encaixa em um modelo linear, o qual é ar-</p><p>quitetado com o objetivo de ligar ações perdidas no tempo e no espaço.</p><p>Fazendo o possível e o impossível, o universo literário é, antes de tudo,</p><p>uma prerrogativa para viajarmos na imaginação, fugindo, dessa forma,</p><p>do pragmatismo tão cruel e monótono do cotidiano. Lapidando pala-</p><p>vras, inserindo frases, cortando trechos mal elaborados, o autor conse-</p><p>gue dar vida a seres, inserindo-os num espaço criado a seu bel-prazer.</p><p>Para terminarmos esta seção, é importante que se reconheça os</p><p>múltiplos aspectos da linguagem poética e não se subestime o que dela</p><p>pode ser usado na formulação de um enredo. Em poucas palavras, a</p><p>literatura cria e recria o seu próprio mundo, independentemente do</p><p>mundo autônomo em que vive o seu criador (o autor), reproduzindo</p><p>uma entidade representativa na função de convencer o leitor.</p><p>5.4 Projeto de leitura (com base nas Orientações</p><p>Curriculares) no ensino médio</p><p>Vídeo Projetar algo implica planejar estratégias e metas para o futuro.</p><p>No campo da literatura, formar novos leitores significa formatar no-</p><p>vas políticas de ingresso deles às obras literárias. Como todos sabem,</p><p>uma obra literária somente pode cumprir o seu papel quando é com-</p><p>pletamente desvendada pelo leitor, ou seja, lida e interpretada nas</p><p>suas minúcias. Quem antes lia o escritor carioca Lima Barreto tam-</p><p>bém pode ler o paulistano João Antônio; este era desconhecido, já</p><p>aquele virou um grande clássico. Caso permaneça na estante, a obra</p><p>literária ainda se mantém enigmática e hermética. Assim, tirar o véu</p><p>da invisibilidade é papel de qualquer formador de leitores, pois é por</p><p>meio do desconhecido que ele pode conquistar um leitor. E, como é</p><p>de praxe, todo enredo literário possui uma trama ou uma problemáti-</p><p>ca a ser diagnosticada e seguida. Para que se defina uma leitura mais</p><p>136 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>produtiva, é indispensável a criação de uma chave de interpretação</p><p>da obra, e o professor será o principal agente desse movimento inter-</p><p>pretativo. Em outros termos, é interessante diagnosticar um ângulo</p><p>de leitura que possa ser desmembrado ao longo do enredo.</p><p>Já ficou provado para muitos professores que o ensino de literatu-</p><p>ra pela literatura, ou seja, uma leitura estruturalista, apenas linguísti-</p><p>ca, gramatical e metaliterária, não é sempre viável. Ler um romance,</p><p>um conto, um poema ou uma crônica implica a capacidade de traba-</p><p>lharmos signos plurissignificativos, os quais serão interpretados por</p><p>vários tipos de leitores. Surge uma questão: quantos de nós leitores</p><p>não temos na memória passagens e trechos dos romances que mar-</p><p>caram a nossa forma de pensar a vida? Talvez, a melhor resposta seja:</p><p>leitor e autor são cúmplices quando o assunto é memória literária,</p><p>seja ela recente ou não.</p><p>Como consequência de uma memória literária, personagens e es-</p><p>paços cenográficos se tornam lendas, permanecendo no imaginário do</p><p>autor e do leitor durante anos. A familiaridade do leitor com as obras</p><p>lidas se torna uma espécie de memória livresca saudosista, uma deno-</p><p>minação por ora espontânea, porém fácil de ser associada aos enre-</p><p>dos lembrados. Pensamos, por exemplo, na condição do migrante em</p><p>busca de condições melhores de vida na obra Vidas Secas (2002), de</p><p>Graciliano Ramos; nos moleques de rua que praticam pequenos fur-</p><p>tos na cidade de Ilhéus na Bahia em Capitães de Areia (2008), de Jorge</p><p>Amado; na forte temática econômico-social, narrada pela grande seca</p><p>nordestina que ocorrera no ano de 1915, em O Quinze (2005), de Raquel</p><p>de Queiroz, dentre outros.</p><p>Em linhas gerais, as matrizes de estereótipos de enredo criados</p><p>anteriormente reforçam ainda mais a nossa lembrança literária com</p><p>outros livros. Algumas temáticas são insistentes e desafiam escrito-</p><p>res a repetirem fórmulas trabalhadas por outros autores. Devemos</p><p>lembrar que no movimento artístico literário uma tendência acom-</p><p>panha a outra, inovando e recriando novos formatos de transformar</p><p>o objeto artístico. É de praxe sabermos que a estratégia da paródia é</p><p>conhecida e reconhecida quando um autor se encanta com a genia-</p><p>lidade de outro. Quem nunca leu um romance identificando caracte-</p><p>rísticas comuns a outras obras? Isso não é algo de se estranhar. Se</p><p>lemos o romance Doidinho (2006), de José Lins do Rego, pela temática</p><p>Nascido e criado no subúrbio de</p><p>São Paulo, o autor João Antônio</p><p>Ferreira Filho (1937-1996) ficou</p><p>conhecido pelo estilo literário</p><p>ligado a temas marginais e</p><p>violentos. Ele foi jornalista e es-</p><p>critor; criou o conto-reportagem</p><p>no jornalismo brasileiro. Em boa</p><p>parte de sua obra, ele também</p><p>representa os proletários e mar-</p><p>ginais que habitam as periferias</p><p>das grandes cidades. Ferreira</p><p>Filho ficou conhecido pela</p><p>coletânea de contos Malagueta,</p><p>Perus e Bacanaço, publicada</p><p>em 1963.</p><p>Biografia</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 137</p><p>do internato colegial de meninos, por exemplo, certamente, vamos</p><p>ligá-lo ao enredo da obra O Ateneu (2004), de Raul Pompeia. Em suma,</p><p>a familiaridade literária ou a biblioteca particular do autor e do leitor</p><p>são ativadas, objetivando reconhecer outras formas de associações</p><p>durante o ato da leitura literária.</p><p>Se nas primeiras páginas da leitura de um romance temos a bre-</p><p>ve descrição de uma paisagem urbana, sem antes o narrador citar o</p><p>nome da cidade, devemos ativar a nossa memória quando a descri-</p><p>ção aparece de forma mais detalhada no segundo capítulo. Embora</p><p>a atividade de leitura seja um ato solitário, ler literatura não pode ser</p><p>uma atitude passiva. Como muitos sabem, o texto literário exige do</p><p>leitor uma espécie de formação de sentido durante o desenrolar da</p><p>narrativa, construindo idas e vindas, necessitando o preciso encadea-</p><p>mento das ações e do entendimento da trama. Por esse viés, muito se</p><p>tem questionado a respeito de como podemos angariar leitores ou, ao</p><p>menos, como atraí-los para o encontro do sublime ao qual o fenômeno</p><p>literário se incorpora.</p><p>Por mais que a ambientação do romance seja neutra e opaca, de-</p><p>vemos saber que isso simboliza algo a ser interpretado e resolvido. Se</p><p>fôssemos falar de representação, teríamos que explicar também qual</p><p>é a força da ficção ligada ao mundo real. O sentido não é arrolarmos</p><p>uma longa lista, mas fornecer meios ilustrativos que possam subsidiar</p><p>o trabalho docente em sala de aula. Por exemplo: quando lemos Cinzas</p><p>do Norte (2008), do escritor Milton Hatoum, conseguimos compreender</p><p>como é a vida no espaço geográfico do interior da Amazônia; mas, an-</p><p>tes, necessitamos reativar a nossa memória acerca da condição local</p><p>e da vida dos moradores dessa região, lembrando como é a cultura, a</p><p>culinária, o folclore e o jeito de falar das pessoas de Manaus. Boa parte</p><p>dos romances de Hatoum exige um leitor medianamente informado</p><p>acerca do regionalismo local da cidade de Manaus e de seus arredores.</p><p>Já ficou célebre dizer que muitos leitores sentem prazer em enve-</p><p>redar por muitos caminhos de um enredo meramente desconhecido.</p><p>Navegar por meio de novos labirintos narrativos, conforme projetava o</p><p>autor argentino Jorge Luís Borges, sempre foi fator essencial para mui-</p><p>tos leitores desavisados. Qual leitor nunca ficou enfurnado no próprio</p><p>quarto aguardando o término daquele romance que lhe deixou muito</p><p>curioso? Quando lemos uma boa ficção, encantamo-nos de várias for-</p><p>mas, esquecendo do tempo no relógio até terminarmos a obra. A per-</p><p>138 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>gunta “quais títulos de obras literárias e autores você levaria para uma</p><p>ilha deserta?”, famosa e clássica, pode ser fator crucial para elencar as</p><p>obras que o docente de literatura indicaria aos seus alunos, seguindo</p><p>os horizontes das orientações curriculares? É óbvio que, para plane-</p><p>jarmos um bom projeto, é necessário sabermos como as orientações</p><p>curriculares podem esclarecer, e ao mesmo tempo, subsidiar novas</p><p>sanções didáticas e pedagógicas.</p><p>Devido à quantidade de escolas temáticas, das quais muitas funcio-</p><p>nam como formato didático no âmbito do ensino da literatura, suge-</p><p>rimos ao docente um projeto que abranja determinada temática. No</p><p>trabalho com turmas do terceiro ano do ensino médio, é importante</p><p>que o professor faça um apanhado de narrativas cujo teor possa ser</p><p>debatido, em sala de aula, de forma polêmica e curiosa. A partir desse</p><p>ponto, ele pode verificar algo mais atual e tendencioso, que suposta-</p><p>mente possa ser explorado, insistindo na capacidade de formar novos</p><p>leitores. Assim, a temática servirá como um chamariz para conquistar a</p><p>curiosidade, e a leitura deve ser uma atividade prazerosa e espontânea.</p><p>Conforme nos alerta a autora Leila Perrone-Moisés (2018), porém,</p><p>o que define um texto fictício não é apenas o tipo de assunto ou a au-</p><p>toria do texto, e sim a forma como ele é trabalhado pelo autor. Cabe</p><p>ao professor trabalhar de forma mais dinâmica, insistindo numa abor-</p><p>dagem explicativa sobre os assuntos tratados nas obras. Desse modo,</p><p>podemos perguntar: o que existe</p><p>em comum nas narrativas (publica-</p><p>das durante as décadas de 1960 e 1970) de Carlos Heitor Cony, Antô-</p><p>nio Callado, Ivan Ângelo, Fernando Gabeira e Lygia Fagundes Telles?</p><p>Ao experiente e informado leitor, logo passará na cabeça a imagem da</p><p>resistência frente ao regime político da ditadura militar no Brasil. Em</p><p>suma, partindo para uma análise de cunho temático, o professor pode</p><p>sistematizar o que deve ser explorado, direcionando os alunos numa</p><p>suposta chave de leitura a ser desenvolvida.</p><p>Como podemos perceber, já que a resistência ao regime militar fora</p><p>forte nos grandes centros urbanos e serviu de palco para muitas narra-</p><p>tivas, o certo é que esse potencial temático pode ser discutido na for-</p><p>ma de um projeto de leitura. Conforme estamos defendendo, a leitura</p><p>consolidada por meio de um plano pode ser explorada de forma pro-</p><p>blematizada e crítica. Em tese, a leitura deve provocar algumas reações,</p><p>seja essas de estranhamento ou projeção de inquietação e, a nosso ver,</p><p>temas ligados à violência armada militar podem suprir essa abordagem.</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 139</p><p>Por esse ângulo, o docente pode substanciar um melhor trajeto a</p><p>ser definido durante as etapas da narrativa. Na busca de uma atividade</p><p>mais promissora e, ao mesmo tempo, enriquecedora, o professor pode</p><p>montar um seminário de pesquisa cujo tema pode estar relacionado ao</p><p>modo de se ofertar a representação da personagem (como ela aparece</p><p>nos romances dos autores citados) frente à luta armada durante a dita-</p><p>dura militar. A ideia principal é verificar como o protagonista do enredo</p><p>se desenvolve (modificando as ações e os acontecimentos) em um es-</p><p>paço mais hostil e menos harmônico. Portanto, é interessante que se</p><p>monte uma pauta de leitura seguindo uma determinada ementa.</p><p>Em síntese, a relevância desse exercício integrador pode ser des-</p><p>tacada. Primeiro, pelo significado de integração do grupo inteiro de</p><p>professores; segundo, pelo artefato final das obras literárias e os no-</p><p>vos formatos de aprendizagem que formarão o acervo escolar, cuja</p><p>proposta se encontrará mais tranquila se ela já possui uma biblioteca;</p><p>terceiro, por seu compromisso humano e cívico ao oportunizar e privi-</p><p>legiar nossos leitores futuros. Além disso, cabe ao professor, de forma</p><p>amistosa, estabelecer grupos de literatura que supostamente terão o</p><p>melhor benefício: o prazer pelo texto literário e o conhecimento do fe-</p><p>nômeno. Outros benefícios virão no decorrer das próximas séries ou</p><p>mesmo na entrada do estudante na Universidade. Nessa fase, ele terá</p><p>maior base de leitura para enfrentar a carreira escolhida, aproveitando</p><p>com mais vantagem aqueles cursos em que a leitura seja mais bem</p><p>utilizada, como é o caso das licenciaturas. Portanto, é por meio desse</p><p>breve projeto que o leitor pode ao menos satisfazer algumas temáticas</p><p>de leitura, situação que, por ora, pode ser um tanto desafiadora e, ao</p><p>mesmo tempo, interessante.</p><p>5.5 Projeto de leitura com base na BNCC</p><p>Vídeo É sempre importante lembrar que todo planejamento na formula-</p><p>ção de um projeto destinado à ampliação do número de leitores envol-</p><p>ve uma percepção madura referente ao público leitor e às obras que</p><p>serão selecionadas. Desse modo, surge uma questão: como podemos</p><p>transpor esse planejamento para a educação básica? O trajeto, do am-</p><p>biente escolar até o palco do projeto, que é o próprio leitor, envolve a</p><p>preparação do projeto por parte do autor, a seleção do público-alvo,</p><p>a curadoria das obras e dos autores, a curadoria dos palestrantes, a</p><p>140 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>reunião com os membros envolvidos, a publicidade do evento, a pre-</p><p>paração do espaço e do ambiente, dentre outros fatores logísticos.</p><p>O primeiro quesito talvez seja o mais importante, pois devemos levar em</p><p>conta vários aspectos de ordem financeira e pessoal; isso é o que tenta-</p><p>remos realizar aqui: um movimento que se conjecture como um formato</p><p>de projeto de formação de leitores e que tenha afinidade com a Base Na-</p><p>cional Comum Curricular. Parece um pouco estranho, mas conhecer tais</p><p>etapas implica também o conhecimento da montagem de um projeto</p><p>que envolva uma espécie de atração da obra junto ao leitor.</p><p>Falando da BNCC, é necessário frisar que o texto literário vem per-</p><p>dendo o seu espaço de atuação na contemporaneidade. A principal</p><p>queixa do documento é especular (de forma culposa) que, devido à</p><p>pressa na transmissão de alguns conteúdos, o texto literário acaba per-</p><p>dendo espaço para biografia de autores, para a leitura rasa de alguns</p><p>resumos, as características de época, dentre outros. É indispensável</p><p>crermos que tais queixas não devem ocupar o centro da atenção, mas</p><p>devem ser conjugadas (na busca de uma resolução) para somar esfor-</p><p>ços durante a aprendizagem. Em razões da ampla concorrência que</p><p>nasce no bojo da simplificação de alguns conteúdos mais abrangentes</p><p>do texto literário feito pelos livros didáticos, a BNCC aponta que cabe à</p><p>instituição escolar explorar essa prerrogativa que “têm relegado o texto</p><p>literário a um plano secundário do ensino. Assim, é importante não só</p><p>(re) colocá-lo como ponto de partida para o trabalho com a literatura,</p><p>como intensificar seu convívio com os estudantes” (BNCC, 2018, p. 499).</p><p>Em relação a isso, para a realização de um projeto eficiente, a expe-</p><p>riência no magistério (em especial, o contato com os livros) também</p><p>é importante, pois, caso a proposta seja implantada numa instituição,</p><p>esta contará com a maturidade do professor.</p><p>Se usados da melhor forma, incentivar e formar são dois verbos</p><p>que podem garantir uma espécie de destinação aos melhores leitores.</p><p>Incentivo faz muito sentido ao gosto, à fruição e ao prazer que a lei-</p><p>tura de ficção pode nos proporcionar. Nenhum leitor consegue obter</p><p>uma formação integral, pois esta é conquistada ao longo da vida. O</p><p>importante é sabermos que o tratamento ofertado à literatura, de for-</p><p>ma quantitativa, também não pode ser comparado ao trato qualitativo.</p><p>Conforme defendemos algumas vezes, ler acarreta uma atitude de ócio</p><p>não domesticada e jamais disciplinada. É importante ler e ter curiosida-</p><p>Uma excelente sugestão é que o</p><p>docente entre voluntariamente</p><p>em uma espécie de cápsula do</p><p>tempo, ora resgatando livros</p><p>lidos na adolescência e na</p><p>infância, ora inserindo tais expe-</p><p>riências no campo da formação</p><p>do leitor. Ao que tudo indica,</p><p>voltar aos tempos de escola e</p><p>manter a lembrança das leituras</p><p>disseminadas na época é função</p><p>colaborativa ligada à plena</p><p>formação de novos leitores.</p><p>Dica</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 141</p><p>de durante a leitura, por sabermos que um livro sempre fala de outro</p><p>livro, conforme frisava o crítico italiano Umberto Eco.</p><p>Nas aulas de literatura, o espaço na sala de aula pode se tornar pro-</p><p>pício para o aprendizado de temas ligados à história pela ficção. Nesse</p><p>sentido, o interesse e a motivação dos leitores por romances históricos</p><p>já fora discutido por alguns pesquisadores citados. Fruto de algumas</p><p>especulações teóricas, o certo é que o gênero se sobressai por tratar</p><p>de ensinar a história das nações e dos mártires pelo ângulo criativo da</p><p>literatura. O mais curioso é que o tema é espinhoso por natureza, e, de</p><p>fato, o romance acaba angariando novos leitores pela sua forma quase</p><p>que experimental de lidar com o enredo, o espaço e a linearidade tem-</p><p>poral. Além disso, o caráter interdisciplinar e híbrido do gênero roma-</p><p>nesco histórico, geralmente, acaba satisfazendo o leitor menos avesso</p><p>às formalidades narrativas de qualquer ficção. Ao criar um modelo mo-</p><p>tivacional de leitura (durante as aulas de língua portuguesa) o profes-</p><p>sor deve ser criativo para abordar alguns assuntos didaticamente, não</p><p>deixando a aula chata e inócua.</p><p>Embora criar um modelo de incentivo signifique, basicamente, fazer</p><p>aproximar os alunos das obras literárias e dos autores, a leitura sempre</p><p>deve ser tratada de forma prazerosa e estimulante. Existe uma relação</p><p>intrínseca e orgânica de mantermos essa dualidade, situação</p><p>que deve</p><p>ser explorada pelo docente de literatura. Uma proposta interessante é</p><p>significarmos o horizonte do conhecimento literário, fazendo com que</p><p>o aluno enxergue enredos pouco comuns ao gosto literário padrão. A</p><p>diversidade da leitura do romance sendo vista como gênero híbrido por</p><p>natureza; ela deve ser provocada pelo ângulo das temáticas diferentes</p><p>no ensino médio. Muitas obras literárias causam algum tipo de estra-</p><p>nhamento no leitor e isso deve ser levado em conta na formulação de</p><p>um projeto. Dessa forma, enredos e histórias propícios à discussão e</p><p>ao debate ensejam uma nova forma de encarar o fenômeno literário.</p><p>Dessa forma, temáticas pouco comuns são aquelas que conquistam</p><p>o estudante, estabelecendo vínculos diferenciados, como o romance de</p><p>natureza histórica. Esse gênero pode ser curioso por abarcar um mo-</p><p>delo de leitura interdisciplinar remetendo a uma característica plural e</p><p>dinâmica de conhecimento. Se escolhêssemos, por exemplo, trabalhar</p><p>com turmas do terceiro ano do ensino médio, certamente, teríamos</p><p>resultados melhores. Nessa manobra, a ligação por sinal é o fato ou</p><p>142 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>o acontecimento pretérito que faça o estudante aprender um pouco</p><p>mais sobre o passado, seja este nacional ou não. Se o gênero policial</p><p>ou a ficção científica já sugou a rotina pouco interessada do leitor ou</p><p>o fez enjoar de uma estrutura quase sempre tediosa, o certo é que</p><p>inovar na seleção dos romances é sempre tarefa primordial. A recor-</p><p>rência a matérias afins, como é o caso da história, será uma necessi-</p><p>dade metodológica, assim como o incentivo ao pensamento crítico</p><p>do leitor. Para fins avaliativos, o professor pode propor a montagem</p><p>de um seminário de pesquisa em que possa estimular o aluno para</p><p>a montagem redacional do tema e, posteriormente, para o debate</p><p>(grupos em roda) em sala de aula. É indispensável que façamos o co-</p><p>tejo desse tipo de modelo, para que, juntos, possamos compreender</p><p>como o projeto pode ser delineado, seguindo, em especial, algumas</p><p>orientações (divididas por tópicos).</p><p>Delineie o perfil do público</p><p>leitor (idade, gostos, afinidade</p><p>literária etc.).</p><p>Faça uma enquete sobre quais</p><p>romances históricos eles terão</p><p>maior preferência de leitura.</p><p>Faça um apanhado dos principais</p><p>eventos históricos no Brasil e</p><p>quais serão condizentes com</p><p>uma abordagem narrativa e</p><p>interpretativa.</p><p>Durante a leitura, os leitores podem</p><p>escolher uma chave de leitura para</p><p>interpretação da obra e, possivelmente,</p><p>selecionar fragmentos condizentes com</p><p>o desenvolvimento do aprendizado.</p><p>A avaliação do projeto também pode</p><p>ser composta de formulação de um</p><p>simples seminário proposto pelo</p><p>docente, no qual o aluno possa relatar</p><p>alguns aspectos gerais da obra.</p><p>Após o diagnóstico dessas etapas, é importante que se faça o cote-</p><p>jamento das ações e das contribuições deixadas por todos os leitores</p><p>envolvidos. Esse modelo de diagnóstico pode ser utilizado para fins de</p><p>melhoramento no campo da formação dos leitores. Visando estabe-</p><p>lecer os critérios avaliativos durante a apresentação do seminário, o</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de literatura 143</p><p>professor pode formular uma tabela de pontuação (funcionando como</p><p>um barema de cálculo), avaliando os seguintes aspectos: dicção (tom</p><p>de voz) do leitor no momento de apresentação; postura metodológica;</p><p>gesticulação; e explicação dos itens cobrados na leitura. Suponhamos</p><p>que os leitores tenham selecionado os fragmentos que envolvem a</p><p>questão temática das guerras regionais (Guerra do Contestado, Guerra</p><p>dos Farrapos, Guerra do Paraguai, dentre outras) estabelecidas nessa</p><p>época, é importante que se reforce um diálogo mais profundo entre</p><p>elas. Por fim, o professor pode solicitar aos alunos, também, a entrega</p><p>de um fichamento de leitura.</p><p>Em última análise, o ideal desse projeto descrito está no fato de</p><p>que a base para conquistar novos leitores é a forma com que o pro-</p><p>fessor cativa seus alunos. Embora muitos professores problematizem</p><p>que existe um fosso muito grande entre a universidade e a educação</p><p>básica, podemos atestar que muitos estudos e muitas investigações</p><p>(projetos de extensão, como foi o caso) podem ser desdobrados tran-</p><p>quilamente. Dessa maneira, longe de atingir um patamar de leitores</p><p>contumazes, o certo é que o fator motivador pode ser um diferencial</p><p>na hora da tão esperada leitura. Conforme nos alerta novamente o</p><p>autor Rildo Cosson, “o sucesso inicial do encontro do leitor com a obra</p><p>depende de boa motivação” (COSSO, 2005, p. 35). É óbvio que, ao for-</p><p>mular um modelo de motivação ou incentivo à formação de leitores, o</p><p>professor deve, primeiramente, conhecer um pouco da realidade das</p><p>políticas de formação planejadas e ajustadas pelo Ministério da Edu-</p><p>cação. Conforme vimos, é desafiador colocar em prática o modelo de</p><p>motivação citado e nem sempre temos tempo para refletirmos sobre</p><p>algumas estratégias de formulação.</p><p>CONSIDERAÇÕES FINAIS</p><p>Não foi nosso intuito debater todas as considerações descritivas uti-</p><p>lizadas pelos PNC, mas informar, ao longo do debate, as mais pertinen-</p><p>tes ao contexto, selecionando apenas os trechos cujo conteúdo condiz à</p><p>aprendizagem da literatura e da leitura. A ideia principal foi retirar alguns</p><p>trechos da “zona de conforto” e iluminá-los com algumas ideias atuais,</p><p>demonstrando como podem ser úteis à questão principal deste livro: a</p><p>formação novos leitores e a ampliação desse grupo na educação básica.</p><p>144 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>A partir do momento que lermos os trechos deste livro por lentes não</p><p>habituais, seremos capazes, também, de explorar por outros vieses não des-</p><p>gastados e em desuso. Por meio deste capítulo, comprovamos também que</p><p>os PCN precisam ser relidos e reinterpretados sempre, buscando desvendar</p><p>algumas conjunturas criadas nos bastidores da classe docente.</p><p>Neste capítulo, retomamos o papel da tecnologia no campo de ensino</p><p>dos estudos literários, enfatizando como ela pode ser atraente e ao mesmo</p><p>tempo didática. Basicamente, o aparato tecnológico oxigena o currículo de</p><p>Letras e supostamente alimenta novos formatos de ensino com sua inser-</p><p>ção. Vimos que ela enfatiza as inovações tão importantes no currículo esco-</p><p>lar ou nas aulas de graduação no curso de Letras.</p><p>Ao longo do percurso, conseguimos colocar em xeque algumas ques-</p><p>tões sobre os procedimentos pedagógicos, como currículo, plano de ensi-</p><p>no, plano de aula e projeto político pedagógico, adotados pelo professor</p><p>do magistério. O fato de não encararmos os parâmetros como uma espé-</p><p>cie de catequese (algo dogmático) já é uma condição indispensável ao tra-</p><p>tamento das regras em sala de aula. Antes de tudo, a ideia foi conjugá-los</p><p>a favor de uma discussão mais abrangente e sistêmica, parafraseando o</p><p>que nos poderia ser útil nessa discussão.</p><p>Alguns exemplos literários entraram em cena, nosso objetivo era</p><p>assimilar teoria e prática em sala e aula. Demos sequência aos projetos</p><p>de formação de leitores na educação básica, buscando compreender</p><p>como eles podem trazer novos elementos pedagógicos com apoio na</p><p>BNCC lançada recentemente. Observamos, também, como é possível</p><p>trabalhar o diálogo entre o texto literário e os meios artísticos de épo-</p><p>ca, a fim de fazer com que o docente amplie o leque historiográfico da</p><p>obra. O interessante é que podemos desdobrar a literatura por meio</p><p>de outras interfaces (numa dimensão temporal e espacial artística) e</p><p>essas devem servir a uma justa causa: a diversificação de outros meios</p><p>de interpretação da obra literária. Exemplificamos, então, com as obras</p><p>de Tarsila do Amaral, visando ampliar o leque de estratégias didáticas</p><p>no ensino da literatura brasileira.</p><p>Por fim, podemos ainda deixar esta pergunta em aberto para que você</p><p>fique ainda mais curioso em ler o próximo capítulo: como o professor de</p><p>literatura, responsável e amante da sua disciplina, pode formular práticas</p><p>de organização, planejamento e execução de atividades ligadas ao con-</p><p>A legislação educacional sobre o ensino de</p><p>literatura 145</p><p>teúdo do texto literário? A resposta, possivelmente, você encontrará no</p><p>próximo movimento, que rastrearemos a seguir.</p><p>ATIVIDADES</p><p>1. Algumas atividades desenvolvidas no ensino médio, no campo da</p><p>literatura, podem substanciar o trabalho com o texto literário. O texto</p><p>aponta algumas atividades sobre a representação do cenário ou do</p><p>espaço no enredo da narrativa. Cite alguma e comente um pouco</p><p>sobre como esse trabalho pode ser feito pelo docente.</p><p>2. Leia a citação extraída dos Parâmetros Curriculares Nacionais e</p><p>interprete, por meio de uma resposta reflexiva (ou uma paráfrase</p><p>explicativa), a seguinte proposta: “Formar um leitor competente supõe</p><p>formar alguém que compreenda o que lê; que possa aprender a ler</p><p>também o que não está escrito, identificando elementos implícitos;</p><p>que estabeleça relações entre o texto que lê e outros textos já lidos;</p><p>que saiba que vários sentidos podem ser atribuídos a um texto; que</p><p>consiga justificar e validar a sua leitura a partir da localização de</p><p>elementos discursivos” (PCN, 1998, p. 41).</p><p>3. Relate brevemente, com suas palavras, como é possível montar</p><p>um projeto de leitura que pode ser aplicado no ensino médio com</p><p>respaldo na Base Nacional Comum Curricular.</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>AMADO, J. Capitães de Areia. Rio de Janeiro: Record, 2008.</p><p>BRASIL. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. 2018. Brasília: Ministério da Educação.</p><p>Secretária de Educação Básica, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.</p><p>br/. Acesso em: 15 jun. 2020.</p><p>BRASIL. Orientações curriculares para o ensino médio. Brasília: Ministério da Educação.</p><p>Secretária de Educação Básica, 2006. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/</p><p>arquivos/pdf/book_volume_01_internet.pdf. Acesso em: 15 jun. 2020.</p><p>BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas</p><p>tecnologias. Brasília: Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica, 2000.</p><p>Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/14_24.pdf. Acesso em: 15 jun.</p><p>2020.</p><p>BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental.</p><p>Língua portuguesa. Brasília: Ministério da Educação. Secretária de Educação Básica, 1998.</p><p>Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/portugues.pdf. Acesso em: 15</p><p>jun. 2020.</p><p>BRASIL. PCN + Ensino Médio. Linguagens, códigos e suas tecnologias. Brasília: Ministério</p><p>da Educação. Secretária de Educação Básica. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/</p><p>arquivos/pdf/linguagens02.pdf. Acesso em: 15 jun. 2020.</p><p>146 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>COSSON, R. Letramento literário. São Paulo: Contexto, 2014.</p><p>FIGUEIREDO, R. Entrevista concedida à Revista Terceira Margem da Universidade Estadual do</p><p>Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: UERJ, 2011.</p><p>FIGUEIREDO, R. Passageiro do fim do dia. São Paulo: Cia das Letras, 2010.</p><p>FONSECA, R. Feliz Ano Novo. São Paulo: Cia das Letras, 2004.</p><p>HATOUM, M. Cinzas do Norte. São Paulo: Cia das Letras, 2005.</p><p>OLIVEIRA, C. M. de. A tradição de narrar acabou? Uma releitura no conto “Feliz Ano Novo”,</p><p>de Rubem Fonseca. Ponta Grossa: Uniletras – UEPG, 2009.</p><p>PERRONE-MOISÉS, L. Mutações da literatura no século XXI. São Paulo: Cia das Letras, 2018.</p><p>POMPEIA, R. O Ateneu. Rio de Janeiro: José Olympio, 2004.</p><p>QUEIROZ, R. O Quinze. Rio de Janeiro: José Olympio, 2005.</p><p>RAMOS, G. Vidas Secas. Rio de Janeiro: Record, 2002.</p><p>REGO, J. L. do. Doidinho. Rio de Janeiro: José Olympio, 2006.</p><p>ROSA, G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.</p><p>UFSC – Universidade Federal de Santa Catarina. Núcleo de Pesquisa em Informática,</p><p>Literatura e Linguística – NUPIL. Florianópolis - SC. Disponível em: http://nupill.ufsc.br/.</p><p>Acesso em: 15 jun. 2020.</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 147</p><p>6</p><p>Organização, planejamento</p><p>e execução de atividades</p><p>O presente capítulo aborda algumas práticas de organização,</p><p>planejamento e execução de atividades ligadas ao conteúdo do</p><p>texto literário, com o objetivo de dar conta do diálogo da literatura</p><p>com a instituição escolar e os futuros leitores. É no planejamento</p><p>sistêmico de algumas atividades – aquelas responsáveis pela ilu-</p><p>minação do nosso palco pedagógico, ou seja, a realidade da sala</p><p>de aula –, que podemos construir estratégias didáticas melhores.</p><p>É importante que o docente tenha consciência, por razões quase</p><p>óbvias, de que ele é o principal agente da literatura e da transfor-</p><p>mação do jovem leitor. Ao empreender atividades com o texto lite-</p><p>rário, tornando isso uma ação desinteressada e, ao mesmo tempo,</p><p>prazerosa, o leitor ganha em dois sentidos: na curiosidade pelo</p><p>texto fictício e na desmitificação de que a literatura é uma forma</p><p>de leitura atrasada.</p><p>De início, compreenderemos quais são as etapas necessárias</p><p>para selecionar os textos literários, exemplificando o que é um tex-</p><p>to canônico e um texto comum ao gosto de todos os leitores. Por</p><p>mais que o cânone se destaque enquanto formato literário supe-</p><p>rior e diferenciado em relação aos padrões normais, ressaltamos</p><p>que a apreciação do texto literário comum também se faz neces-</p><p>sária, tendo em vista que o leitor precisa ter contato com a diversi-</p><p>dade literária. É por meio da abordagem de alguns conceituadores</p><p>da teoria literária que podemos verificar como cada um defende o</p><p>seu posicionamento, para, com isso, gerar os melhores debates.</p><p>Atestaremos, ainda, como se oferta a importância da literatu-</p><p>ra de massa e do cânone literário. Na sequência, debateremos o</p><p>uso dos diferentes gêneros literários em sala de aula. Por último,</p><p>partiremos para a verificação de como se operam a formação e a</p><p>ampliação do número de leitores.</p><p>148 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>6.1 Seleção de textos literários</p><p>Vídeo Selecionar textos literários implica diretamente o gosto e a apre-</p><p>ciação daquelas obras que fizeram parte da nossa vida como leitores</p><p>e usufruidores de literatura. O melhor efeito dessa seleção pode apon-</p><p>tar que a precocidade de lermos durante a juventude pode ser, su-</p><p>postamente, aproveitada nessa ocasião. Na frente de batalha, muitos</p><p>professores-leitores contumazes possuem o hábito de selecionar obras</p><p>já lidas durante a sua infância e juventude. Esse tipo de atitude é de-</p><p>sempenhada em razão da memória dedicada aos personagens, ao nar-</p><p>rador, ao espaço e ao enredo, a qual fica registrada durante décadas e,</p><p>ao retomar essa leitura, realizando a mediação entre os alunos, preci-</p><p>sa ser reativada e relembrada. Possivelmente, naquele período em que</p><p>esses professores ainda eram leitores prematuros, eles tiveram acesso</p><p>aos livros indicados, também, por seus professores. O saudosismo de</p><p>relembrar algumas obras durante a fase adulta pode estar associado ao</p><p>simples conforto de não se arriscar em algumas mudanças.</p><p>Em linhas gerais, a competência de selecionar textos fica mais bem</p><p>condicionada pela experiência juvenil de leitor do próprio professor.</p><p>Obviamente que todo crivo de obras é atravessado por critérios, a sa-</p><p>ber: ideológico, político, religioso, cultural, natureza geográfica, dentre</p><p>outros. Não existe uma seleção neutra; essa acaba perpassando as</p><p>fronteiras do que é bom para um leitor e ruim para outro. Se levás-</p><p>semos em conta que todo leitor constrói uma rede de gostos comum</p><p>durante a leitura, o mais coerente seria considerarmos que o docente</p><p>trabalhasse os clássicos da literatura ocidental. Foi por meio dos clássi-</p><p>cos que outros escritores (de linhagem contemporânea) conseguiram</p><p>formular os seus enredos, dando maior margem para raciocinar a litera-</p><p>tura de maneira mais gradual e prazerosa. Já abordamos a importância</p><p>da bagagem literária do formador de leitores, o que gera sempre um</p><p>viés vantajoso a qualquer incentivador de livros. Portanto, conhecer a</p><p>biografia de alguns autores, títulos de obras, editoras publicadas, tira-</p><p>gens, questões de vendagem e recepção do público leitor e questões da</p><p>crítica universitária são fatores indispensáveis ao melhor crivo docente.</p><p>Saindo dessa questão de preferência pelos clássicos e renomados</p><p>escritores, uma excelente sugestão para montar uma lista de obras in-</p><p>teressantes, atendendo ao gosto do aluno da educação básica, é acom-</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 149</p><p>panhar os catálogos de leitura de naturezas diversas. Nessa manobra,</p><p>é possível que o docente possa adquirir cadernos de leitura ou, sim-</p><p>plesmente, catálogos de editoras conhecidas no mercado. Atualmente,</p><p>o gosto efêmero de muitos jovens leitores acaba sendo consignado aos</p><p>livros ligados às plataformas de streaming e games. Talvez seja por isso</p><p>que o docente de literatura deve não somente confiar na sua memória</p><p>de leitor juvenil, mas também se manter atualizado com as questões</p><p>contemporâneas citadas. Digamos que esse é um gosto efêmero, por-</p><p>que muitos jovens seguem as tendências da moda vigente. Assim, quem</p><p>assistiu ao filme O menino do pijama listrado, possivelmente, terá curio-</p><p>sidade de ler o romance homônimo, do autor John Boyne. Embora haja</p><p>muitos filmes adaptados, que alavanquem um público espectador mui-</p><p>to mais fiel do que fazem algumas obras literárias densas e lentas de</p><p>dramaticidade, o leitor deve saber diferenciar o olhar, compreendendo</p><p>que obras e filmes são linguagens distintas por natureza.</p><p>Quem ainda não conhece o romance O menino do pijama listrado, campeão de ven-</p><p>das (publicado em mais de 20 países), do autor John Boyne, não sabe o que está</p><p>perdendo! A obra conquistou jovens leitores de várias partes do mundo. O contexto</p><p>histórico (década de 1940) da obra abrange a Segunda Guerra Mundial e, conse-</p><p>quentemente, os campos de concentração nazista. O enredo conta a história do jo-</p><p>vem protagonista Bruno, de oito anos de idade, e sua amizade com Schmuel, um</p><p>menino de mesma idade, mas de origem judaica.</p><p>Uma atividade interessante é verificar como a obra foi adaptada para o cinema, toman-</p><p>do um viés temático a ser estudado – isto é, como o foco da amizade de ambos os</p><p>rapazes é mantido no romance e no filme. Por fim, diferenciando as duas linguagens, a</p><p>literária e a cinematográfica, o professor de literatura pode promover um breve debate</p><p>(em formato de seminário) para os alunos do terceiro ano do ensino médio.</p><p>BOYNE, J. O menino do pijama listrado. São Paulo: Cia das Letras, 2015.</p><p>(Continua)</p><p>150 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>O menino do pijama listrado. Direção: Mark Herman. EUA: Imagem Filmes, 2008.</p><p>Além dos catálogos editoriais, as feiras literárias, como a de Paraty e</p><p>a do Recife, também são uma boa fonte de conhecimento e atualização</p><p>do universo dos livros, pois angariam um diferente modelo de público</p><p>leitor: aquele determinado em encontrar novas obras, que lhe tragam</p><p>um novo olhar para o fenômeno literário. A autora Leila Perrone-Moisés</p><p>(2018) observa uma espécie de mal-estar nesses eventos, pois muitos</p><p>leitores os frequentam como apenas caçadores de autógrafos ou meros</p><p>espectadores. Por mais que sejam apenas visitantes curiosos pelo sim-</p><p>ples passeio, conforme assevera a autora, é certo que, por meio disso,</p><p>pode surgir a seguinte ideia: frequentar uma feira de livros se assemelha</p><p>a uma visitação de divertimento, equivalente a ir a um enorme parque</p><p>de diversões. Por fim, uma dica preciosa: o professor pode, também,</p><p>acompanhar outras tendências, realizando a tarefa de levar os seus alu-</p><p>nos a uma feira de livros, como a Bienal – evento bastante conhecido,</p><p>principalmente nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.</p><p>Embora seja uma tarefa dispendiosa de tempo e de recursos finan-</p><p>ceiros (locomoção, entrada e aquisição de alguns livros), visitar feiras de</p><p>livros induz o leitor de modo indispensável: promove o interesse pelo</p><p>prazer da leitura de um bom livro. No meio da multidão de leitores,</p><p>o aluno, guiado pelo docente, pode perceber que a leitura, apesar de</p><p>ser um ato isolado, nem sempre se isola quando a paixão é um requi-</p><p>sito comum tratado nas grandes feiras. Dessa forma, selecionar livros</p><p>passa do difícil ao prazeroso, pelo simples fato de conhecer diferentes</p><p>obras e leitores em um mesmo local. Cabe lembrar que o interessante</p><p>da visitação não é simplesmente o ato de poder tocar ou comprar um</p><p>livro preferido, mas, também, de ter contato com escritores de nature-</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 151</p><p>zas diversas, ampliando, dessa forma, o interesse pelo consumo e pela</p><p>leitura do livro. Portanto, um expediente como esse deve funcionar</p><p>como matéria extracurricular na educação básica, impulsionando os</p><p>leitores a terem maior curiosidade pela leitura, de maneira prazerosa e</p><p>desinteressada, de diferentes obras.</p><p>Se o expediente de visitação a uma feira ficar exaustivo e comprome-</p><p>tido, o professor pode optar por uma visita a uma biblioteca pública da</p><p>sua cidade. A essa altura, a seleção de obras ainda precisa ser consoli-</p><p>dada ou, ao menos, conhecida por parte dos alunos. Alguns desses lo-</p><p>cais já realizam uma pré-seleção de livros cobrados nos vestibulares das</p><p>grandes universidades, como é o caso da Biblioteca Pública do Paraná</p><p>(sediada em Curitiba) e da Biblioteca Parque do Rio de Janeiro (sediada</p><p>no centro do Rio de Janeiro), facilitando o contato visual e o empréstimo</p><p>por parte de alguns leitores. É importante lembrarmos que esses locais</p><p>prezam por uma ambientação propícia ao envolvimento com os livros,</p><p>sendo silenciosos, bem iluminados e arejados. Em última instância,</p><p>além dessas bibliotecas citadas, em muitas outras capitais e cidades es-</p><p>palhadas, o docente pode agendar uma visita escolar, visando garantir</p><p>o contato maior com os estudantes e sair da rotina. Muitas bibliotecas</p><p>públicas investem em várias atividades culturais – como rodas de leitu-</p><p>ras, conversa com escritores renomados, prêmios literários, palestras</p><p>e entrevistas com escritores conhecidos e cursos sobre escrita criativa</p><p>–, potencializando o conhecimento das obras por parte dos alunos e,</p><p>consequentemente, criando um espírito crítico seletivo.</p><p>Suponhamos que no papel de professor você precise selecionar</p><p>obras numa biblioteca de determinada escola, partindo do princípio de</p><p>que se deve escolher livros fundamentais para engradecer o espírito de</p><p>leitor de um aluno da educação básica. Por mais que você monte uma</p><p>lista de obras, ela precisa ser coerente à idade, ao ano letivo, ao pro-</p><p>jeto político pedagógico da instituição, ao conteúdo programático da</p><p>disciplina, ao crivo pedagógico, ao plano de ensino da disciplina e, por</p><p>último, ao plano de aula. Para você se sair bem nessa situação, é inte-</p><p>ressante montar uma tabela indicativa com os requisitos mencionados,</p><p>planejando-os à medida que forem sendo atendidos. Sugerimos que</p><p>você mantenha sempre o seu radar ligado, porque muitas bibliotecas</p><p>escolares ainda não se atentam aos critérios de catalogação ou divisão</p><p>dos temas e gêneros literários. Em uma biblioteca escolar, os clássicos</p><p>O crime do padre Amaro, de Eça de Queiroz, ou Memórias póstumas de</p><p>As bibliotecas citadas</p><p>contam com uma agenda</p><p>de visitação escolar em</p><p>fluxo contínuo, exceto</p><p>em feriados e dias</p><p>cívicos. O professor pode</p><p>estabelecer uma espécie</p><p>de parceria, caso deseje</p><p>agendar uma visita. É</p><p>óbvio que isso deve estar</p><p>previsto no seu conteúdo</p><p>programático, via auto-</p><p>rização hierárquica da</p><p>instituição escolar.</p><p>Biblioteca Pública do Paraná.</p><p>Agendamentos para escolas e</p><p>instituições. Disponível em: http://</p><p>www.bpp.pr.gov.br/Pagina/</p><p>Agendamentos-para-escolas-e-</p><p>outras-instituicoes. Acesso em: 01</p><p>jul. 2020.</p><p>Dica</p><p>http://www.bpp.pr.gov.br/Pagina/Agendamentos-para-escolas-e-outras-instituicoes</p><p>http://www.bpp.pr.gov.br/Pagina/Agendamentos-para-escolas-e-outras-instituicoes</p><p>http://www.bpp.pr.gov.br/Pagina/Agendamentos-para-escolas-e-outras-instituicoes</p><p>http://www.bpp.pr.gov.br/Pagina/Agendamentos-para-escolas-e-outras-instituicoes</p><p>152 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Brás Cubas, de Machado de Assis, são colocados quase na mesma es-</p><p>tante, sendo lidos pelo mesmo viés de temática. Por isso, é na observa-</p><p>ção desses itens que você poderá discernir o livro a ser indicado na sua</p><p>lista. Portanto,</p><p>realizando uma orientação de qualidade, apoiada em</p><p>valores intrínsecos aos indicados, você pode construir uma base sólida</p><p>de avanço ao conhecimento literário.</p><p>Após seguir as orientações definidas, o professor pode sumariar</p><p>uma lista – dando uma melhor forma à construção de um projeto cuja</p><p>temática amplie o número de leitores. Suponhamos que a série esco-</p><p>lhida seja o terceiro ano do ensino médio e que os itens seguintes já</p><p>passaram pelo crivo de uma suposta reunião pedagógica. Nesse con-</p><p>texto, uma sugestão é incluir obras que estabeleçam um apanhado his-</p><p>tórico com as escolas literárias de época, sendo que estas devem ser</p><p>representantes de um grande período artístico. Por exemplo, partindo</p><p>do início do século XX, o professor pode selecionar livros de períodos</p><p>marcantes – pré-modernismo, modernismo, romance de 30 e de 45</p><p>(geração de 45 ou terceira geração modernista), romances publicados</p><p>durante a Ditadura Militar, romances publicados durante a abertura</p><p>política etc. Assim, a seleção deve seguir para um prisma temático,</p><p>alcançando movimentos históricos paralelos, articulando eventos de</p><p>época e focando o prazer sublime da leitura. Para justificar essa se-</p><p>leção, poderíamos citar alguns livros e autores, os quais remam em</p><p>paralelo ao conteúdo histórico e estético de época: A alma encantadora</p><p>das ruas, de João do Rio; A república 3000, de Paulo Menotti del Picchia;</p><p>Menino do engenho, de José Lins do Rego; Grande Sertão: Veredas, de</p><p>João Guimarães Rosa; Quarup, de Antônio Callado; entre outros.</p><p>Dos romances mencionados, podemos conjecturar que os de José Lins do Rego e João Guimarães</p><p>Rosa sejam mais conhecidos por parte de alguns alunos leitores. Já os outros, podemos sumariar</p><p>por meio de uma breve resenha.</p><p>(Continua)</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 153</p><p>A obra A alma encantadora das ruas consiste numa coletânea de 37 crônicas, nas quais o autor João do Rio</p><p>representa algumas partes da cidade do Rio de Janeiro. O mote das crônicas é apresentar o lastro moderno</p><p>da capital fluminense, mostrando ao leitor a chegada da luz elétrica pela companhia inglesa Light, os cafés</p><p>e as lojas de roupas, ruas e vielas. Nesse cenário, figuram e povoam a cidade: transeuntes desocupados,</p><p>mendigos, vendedores ambulantes, trabalhadores braçais, meninos de rua etc. Para quem ainda não leu, vale</p><p>a pena pelo deleite e sublime conhecimento urbano da cidade do Rio de Janeiro.</p><p>DO RIO, J. A alma encantadora das ruas. 2. ed. São Paulo: Martin Claret, 2013.</p><p>O romance A república 3000, do escritor paulistano Paulo Menotti del Picchia, resgata o potencial do</p><p>universo fantástico. O enredo da obra gira em torno de um grupo de militares, incumbidos de realizarem</p><p>uma missão pela Floresta Amazônica em busca de uma civilização utópica perdida. Para ler o romance,</p><p>é importante que o leitor possa se munir do espírito de aventura, aguardando algumas condições do</p><p>desconhecido e do fantástico. A narrativa se desdobra em fases de aventura, acompanhadas de muita</p><p>ação e emoção.</p><p>DEL PICCHIA, M. A república 3000. Edições de ouro, 1975.</p><p>O romance Quarup narra a história do protagonista Nando. O contexto histórico é o período ditatorial no</p><p>Brasil. Em linhas gerais, o enredo tem início no governo de Vargas e perpassa a década de 1960, com o fundo</p><p>apocalíptico da ditadura. Diante de tantas incongruências na sua vida religiosa, Nando não se conforma com</p><p>o regime militar instalado no país. Padre de formação teológica forte, ele reside em um mosteiro católico. No</p><p>decorrer dos acontecimentos, o protagonista recebe uma missão para ir até o Alto Xingu, região central do</p><p>Brasil. Em suma, a leitura da obra vale a experiência da busca pelo conhecimento histórico via ficção.</p><p>CALLADO, A. Quarup. 24. ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2014.</p><p>154 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>Em última análise, rejeitar o desconhecido no campo das escolhas</p><p>de obras literárias pode ser prejudicial, visto que conjugarmos o que</p><p>já são nossos hábitos a uma leitura desinteressada ou voltada ao des-</p><p>conhecido pode ser um fator favorável. Boa parte das nossas opções</p><p>se dá, geralmente, quando lemos um livro pela simples curiosidade do</p><p>seu enredo ou de uma boa história. Sem cairmos em rótulos ou recei-</p><p>tas, ler literatura implica estarmos conscientes de que ela também nos</p><p>traz ensinamentos de mundo, do contato com o outro, do estranha-</p><p>mento e da vontade inerente de conhecermos outras realidades. Dessa</p><p>forma, pegar um livro na estante ou comprar um livro numa livraria</p><p>de bairro, ao simples acaso, ainda pode ser considerada uma situação</p><p>disposta pela paixão ao artefato literário.</p><p>6.2 Literatura de massa e literatura canônica</p><p>Vídeo Podemos começar esta seção realizando algumas perguntas: o que</p><p>é uma literatura de massa? Por que existem livros ligados ao gosto mas-</p><p>sivo dos leitores? O que diferencia a literatura massiva da canônica?</p><p>Cada uma dessas questões corresponde a uma inquietação quase se-</p><p>melhante: sabermos o que motiva o leitor na hora de ler um livro, seja</p><p>ele massivo, seja ele canônico, na busca de sempre despertar o prazer</p><p>pela literatura. Ao longo desse raciocínio, é sempre importante lembrar-</p><p>mos o quanto a literatura promove o conhecimento relacionado ao re-</p><p>ferencial e sensorial, abastecendo o leitor com um novo olhar sobre a</p><p>realidade que imita ou distorce. Talvez por esse motivo a leitura do texto</p><p>fictício possa iluminar muitas questões subjacentes ao comportamento</p><p>humano. Podemos afirmar que a principal contribuição desta seção é</p><p>deixar um alerta para a formação de novos leitores, reforçando que es-</p><p>ses precisam ler de tudo para compreender as relações estabelecidas</p><p>pelos diversos tipos de textos, pois é no contato com a diversidade de</p><p>textos que se amplia o lastro sensorial do gosto estético.</p><p>Como o próprio nome diz, a literatura de massa é aquela que agra-</p><p>da ao leitor mediano, cujo propósito é apenas buscar um mero entro-</p><p>samento divertido ou um entretenimento trivial, como uma atividade</p><p>para passar o tempo. Geralmente, é mais procurada a literatura de</p><p>massa do que os clássicos. A nosso ver, a causa principal para ler esse</p><p>tipo de literatura é o afastamento das coisas ruins do cotidiano (o cha-</p><p>No romance Doidinho, do escritor José</p><p>Lins do Rego, temos um trecho que</p><p>pode servir como exemplo de leitura</p><p>desinteressada para uma finalidade</p><p>prática. Em linhas gerais, o enredo</p><p>principal do romance é contar um</p><p>pouco da vida de um jovem rapaz</p><p>chamado Doidinho – morador de um</p><p>internato, numa cidade no interior de</p><p>Alagoas. Numa determinada altura da</p><p>obra, o narrador, em primeira pessoa,</p><p>tece uma espécie de monólogo: “a</p><p>literatura começava a me seduzir com</p><p>ares assim de deboche. Era o primeiro</p><p>livro que lia do começo ao fim por</p><p>gosto, sem a obrigação da lição”</p><p>(REGO, 2004, p. 161).</p><p>Saiba mais</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 155</p><p>mado escapismo). Obras massivas são encaradas como objetos de con-</p><p>sumo, uma vez que elas criam um sentimento de pertencimento a uma</p><p>comunidade leitora. Para comentar com os nossos melhores amigos,</p><p>quantos de nós não fomos impulsionados a ler os livros do escritor</p><p>norte-americano Dan Brown? O romance O Código da Vinci não se tor-</p><p>nou popular por um simples interesse do leitor em saber o que houve</p><p>com o desaparecimento da obra icônica do pintor italiano Leonardo da</p><p>Vinci, mas, sim, o que motivava tantos leitores a falarem de sua trama.</p><p>Obras como essa, dentre muitas outras, entregam o drama de manei-</p><p>ra fácil e “mastigada” (mesmo algumas que possuem um suspense de</p><p>natureza comezinha), ou seja, raramente exigem do leitor uma melhor</p><p>dissolução para alguns acontecimentos inesperados. Os leitores mas-</p><p>sivos são motivados pela leitura mais dinâmica, efêmera e fácil, entre-</p><p>gues ao comum acordo do texto com a diversão.</p><p>Por incrível que pareça, esse dinamismo citado garante, também,</p><p>um jogo desenfreado de folhear a obra com a curiosidade em sa-</p><p>ber um pouco mais sobre o que virá pela frente. O chamado thriller</p><p>se torna cada vez mais sedutor na literatura de massa. Ingredientes</p><p>como suspenses, palavras que denotam tecnologia, acontecimentos</p><p>ligados ao jogo detetivesco, ações efêmeras, diálogos diretos e frios e</p><p>falta de psicologismo nas atitudes das personagens são algumas das</p><p>técnicas prediletas para compor romances dessa natureza. A autora</p><p>Perrone-Moisés (2018, p. 59) defende que o jovem leitor não pode se</p><p>ater somente à cultura de massa, pois ele corre o risco de se privar de</p><p>uma riquíssima herança que a leitura dos clássicos deixa.</p><p>Na maioria das vezes, o fio condutor de alguns enredos está con-</p><p>dicionado à resolução imediata (gerando uma sucessão de cenas dra-</p><p>máticas) de um simples problema vazio de condições circunstanciais, o</p><p>qual surge do nada, sem motivo real aparente. Normalmente, ele possui</p><p>um enredo retilíneo (início, meio e fim), sem grandes saltos temporais,</p><p>e, logo no começo, “pega carona” para fisgar o leitor mais preparado</p><p>para grandes desafios narrativos. Isso significa que o romance para um</p><p>público massivo deve funcionar como um jogo de xadrez, deixando o</p><p>leitor cada vez mais motivado em saber o final da intriga.</p><p>Com base nessas considerações, tudo leva a crer que, quando o lei-</p><p>tor é fisgado já nas primeiras páginas, é um sinal de que as ações do</p><p>romance massivo conseguiram abocanhar o que virá nos demais capítu-</p><p>los. Alguns leitores precisam de uma espécie de chamariz dramático nas</p><p>Na obra Mutações da</p><p>literatura no século XXI,</p><p>a autora se propõe a</p><p>debater, por meio de</p><p>uma proposta crítica, as</p><p>principais nuances da li-</p><p>teratura contemporânea.</p><p>Essa obra é indispensável</p><p>para compreendermos</p><p>os efeitos transforma-</p><p>tivos da literatura no</p><p>século XXI, pois a autora</p><p>promove um profundo</p><p>debate a respeito de</p><p>algumas tendências</p><p>literárias importantes.</p><p>PERRONE-MOISÉS, L. Companhia</p><p>das letras, 2016.</p><p>Livro</p><p>156 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>primeiras páginas, o qual funciona como um ingrediente narrativo eficaz</p><p>na condução dos demais acontecimentos. Não é à toa que Dan Brown, o</p><p>autor norte-americano, nos fornece outras maneiras de pensarmos em</p><p>algumas formas dramáticas de manter a fidelidade do leitor contempo-</p><p>râneo. Dessa vez, temos o enredo de Inferno (título que faz alusão ao</p><p>clássico A divina comédia, de Dante Alighieri), que, logo no primeiro capí-</p><p>tulo (coberto de ações dramáticas), conquista o leitor para as ações pos-</p><p>teriores, revelando um “prato cheio” para um enredo de boa qualidade.</p><p>Certamente, uma leitura lenta de dramaticidade perderia o foco na</p><p>ação – situação comprometedora para o romance de natureza massiva.</p><p>Outro fator considerável na carga de invenção narrativa é a presença de</p><p>ações imprevisíveis e surreais, que devem ser apresentadas por uma rá-</p><p>pida abordagem descritiva. Por um viés semelhante, o espaço deve ser</p><p>pouco detalhado ou diluído na ação, visando apenas a manutenção de</p><p>uma referência rasa sobre a localidade. Embora não seja um receituário</p><p>para outros romances, é fato que boa parte de alguns enredos utiliza</p><p>essa mesma técnica fictícia. Portanto, em termos relativos, quando essa</p><p>receita funciona, temos um bom motivo para ler uma história intrigante,</p><p>carregada por um desfecho dramático e significativo.</p><p>Não é uma regra, mas escritores de literatura massiva cumprem o pa-</p><p>pel de serem excelentes divulgadores de suas obras literárias. Quando</p><p>contratam um agente literário, o que ocorre na maioria das vezes, eles</p><p>sabem que o grande mérito da obra é angariar um número maior de lei-</p><p>tores em pouco tempo. Ao publicarem seus livros fictícios, eles também</p><p>sonham em se tornar uma figura pública e, por isso, querem uma rápida</p><p>aparição na mídia. Embora seja difícil que se tornem escritores reclu-</p><p>sos, eles buscam sair do anonimato, porque já enfrentaram o período</p><p>isolado para escrever a obra. Hoje, quando o assunto é uma proposital</p><p>aparição em público, o escritor virou uma espécie de estrela.</p><p>Uma crítica ferrenha que ainda impera no âmbito da literatura massi-</p><p>va é a de que ela não contribui para o pensamento crítico do leitor, pois</p><p>não exige uma interpretação mais dialógica a respeito da obra. Assim,</p><p>a literatura de cunho massivo entrega o seu enredo facilmente e exige</p><p>poucas camadas de interpretação por parte do leitor, uma vez que não</p><p>requer um embasamento linguístico, como ocorre na literatura canônica.</p><p>Em termos relativos, o que basicamente diferencia a literatura mas-</p><p>siva da canônica é a falta de reconhecimento, visto que, enquanto esta</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 157</p><p>possui característica permanente e de consagração, aquela é identificada</p><p>pelo lastro efêmero, passageiro e mutante. Dessa forma, o efeito dessa</p><p>mutação é a constante troca de experiências, de modo transitório – situa-</p><p>ção mais agradável ao leitor menos preparado para densas narrativas.</p><p>O público da literatura massiva são as massas de leitores comuns;</p><p>já o da canônica costuma ser os leitores mais experientes ou profi-</p><p>cientes. Conforme citamos, quem leu Inferno, de Dan Brown, dificil-</p><p>mente terá paciência para ler a densa obra Divina Comédia, de Dante</p><p>Alighieri. Cabe lembrar que os leitores letrados nem sempre são os</p><p>estudados, mas aqueles devidamente familiarizados com o signo lite-</p><p>rário. Desse modo, uma literatura abocanha o leitor menos avisado e</p><p>a outra exige uma conquista diária, preocupada em ganhar uma ga-</p><p>rantia de fidelidade e confiança. Em suma, se a primeira foi feita para</p><p>o consumo imediato, a segunda foi elaborada para reflexão e perma-</p><p>nência na história; se a massiva ganha o público pela mídia televisiva</p><p>e radiofônica, a canônica conquista o seu público nas universidades</p><p>e instituições culturais creditadas pela chancela canônica. Por mais</p><p>que essas diferenças sejam relativas (conforme o tempo e o espaço</p><p>de publicação de algumas obras), elas podem ao menos garantir uma</p><p>noção de percepção crítica em torno do objeto literário.</p><p>A escola deveria promover a leitura de livros ligados à fantasia e ao</p><p>sobrenatural, buscando melhorar o debate ao gosto de alguns estu-</p><p>dantes. Circunstâncias à parte, a literatura massiva já conquistou mui-</p><p>tos leitores e continuará desempenhando seu papel quando o quesito</p><p>for tratar de temas fantasiosos e curiosos, fatores que nem sempre</p><p>casam com os que estamos mencionando ao longo do texto. A lua de</p><p>mel da literatura de fantasia com alguns leitores (em especial, os jo-</p><p>vens) já conquistou um número de fãs interessados – situação que nem</p><p>sempre pode ser criticada pela fácil leitura e nem desmerecer o talento</p><p>de muitos autores. Portanto, leitores sensatos costumam treinar suas</p><p>leituras, preparando um novo olhar para quando forem enfrentar de-</p><p>safios de literatura pela frente. A crítica acadêmica, seja ela construtiva</p><p>ou destrutiva, já foi capaz de assinalar uma possível problemática exis-</p><p>tente nessa breve comparação.</p><p>Saindo da atmosfera da literatura massiva, o que ainda não ficou</p><p>muito claro foi a tentativa de estabelecermos como e quem elege a lite-</p><p>ratura canônica ou a qualifica como cânone. Concordamos com a auto-</p><p>ra Marisa Lajolo (2018) quando nos fala que a existência de “canais de</p><p>158 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>competência” – tais como instituições, eventos, publicações, titulações</p><p>– servem para chancelar algumas obras como canônicas ou clássicas.</p><p>Por mais que insistamos no repertório acadêmico para explicar a sua</p><p>legitimidade, o fato é que esse tipo de diálogo não pode gerar uma es-</p><p>pécie de reducionismo explicativo; uma justificativa ainda mais ampla</p><p>precisa ser debatida e avaliada. A ocorrência mais cômoda é continuar</p><p>afirmando que a academia acaba sendo a principal avaliadora desse</p><p>tipo de literatura, formulando critérios críticos com a finalidade de ge-</p><p>rar uma possível aceitação. Caso resolvêssemos descer alguns degraus,</p><p>para uma explicação mais ligada ao senso comum, poderíamos dizer</p><p>que a crítica literária séria também tem promovido esse tipo de ava-</p><p>liação. Por consequência, a generalização de algumas</p><p>e, também, filosófica.</p><p>Como é sabido, escrever literariamente implica escrever de forma</p><p>artística. É saber estruturar uma frase nos parágrafos remetendo a</p><p>ela um novo sentido. Não à toa, a polissemia e a ambiguidade são</p><p>características linguísticas de uma boa escrita literária. Compreen-</p><p>dem redigir um texto poético – coberto de figuras de linguagem e</p><p>expressões, assim como de palavras simbólicas. Em que pese o con-</p><p>teúdo disponível nas nossas gramáticas, as estratégias linguísticas</p><p>(uso das figuras de linguagem) são diversas e variadas: sinédoque,</p><p>metonímia, metáfora, epíteto, sinestesia, entre outras. Na maior parte</p><p>das vezes, tais recursos plásticos e artísticos são incrementados pelo</p><p>escritor por meio de ritmos, pausas e repetições de vocábulos. Como</p><p>afirmam vários críticos, escrever esteticamente implica conseguir en-</p><p>treter e comover a sensibilidade humanística do leitor. Assim como o</p><p>pintor que mescla tintas diferenciadas para alcançar um bom resulta-</p><p>do, o escritor também pode ser considerado um artesão das palavras,</p><p>por sinalizar as que melhor consigam expressar o sentido desejado.</p><p>Conforme comenta historicamente o crítico Massaud Moisés: “primi-</p><p>tivamente, o vocábulo designava o ensino das primeiras letras. Com</p><p>o tempo passou a significar ‘artes das belas letras’ e, por fim, ‘arte</p><p>literária’” (MOISÉS, 1999, p. 311).</p><p>A arte literária, conforme nos informa o crítico Moisés, é antes de</p><p>qualquer coisa uma forma de também causar estranheza, inquietação,</p><p>perplexidade e sublimidade, assim como revelar sentimentos. Não por</p><p>acaso, o escritor, ao redigir um texto literário, tentará comover o leitor</p><p>de diferentes formas. Ora, é por esse motivo e outros não tão aparen-</p><p>tes que a obra literária se torna diferente e audaciosa. Uma das princi-</p><p>A literatura e o letramento literário 19</p><p>pais estratégias é fazer com que o texto possa causar uma espécie de</p><p>inquietação momentânea e ao mesmo tempo perturbar o leitor de for-</p><p>ma permanente. Qual leitor não ficou inculcado ao terminar o romance</p><p>Dom Casmurro, do escritor carioca Machado de Assis? A mais famosa</p><p>pergunta da literatura brasileira talvez seja: Capitu traiu ou não o pro-</p><p>tagonista Bentinho? E qual leitor não ficou completamente estarrecido</p><p>ao saber que a coadjuvante Diadorim perfilava certo comportamento</p><p>masculino e mantinha uma aproximação amorosa e platônica com o</p><p>protagonista Riobaldo, ambos do romance Grande Sertão: Veredas, do</p><p>escritor mineiro Guimarães Rosa?</p><p>Estranheza ou não, o certo é que, longe de ser uma arte voltada às</p><p>elites culturais, a literatura também foi dita e pensada por muitos grupos</p><p>ancestrais. Desse modo, produzir literatura não é somente tarefa para</p><p>muitos escritores aclamados, pois as sociedades ágrafas também formu-</p><p>lavam histórias repletas de tradições. Certamente, isso não vai ao encon-</p><p>tro das ideias estabelecidas pelos críticos René Wellek e Austin Warren</p><p>(2001, p. 21) quando advogam que uma das formas de compreender o</p><p>que é literatura é como sendo tudo que se encontra em “letra de forma”.</p><p>Entretanto, registrar os textos por meio da escrita passa a ser categoria</p><p>fundamental para que eles ainda possam ser lidos por gerações futuras.</p><p>A título de ilustração, na cidade de Atenas ainda é possível adentrarmos</p><p>em muitos museus e, junto a isso, verificarmos como os atenienses utili-</p><p>zavam folhas de papiros para memorizar o que era narrado pelos poetas</p><p>e filósofos em praça pública. O crítico Antoine Compagnon nos revela</p><p>como o conceito de literatura pôde ser expandido para novos horizontes</p><p>devido ao contexto romântico de época: “o sentido moderno de litera-</p><p>tura (romance, teatro e poesia) é inseparável do romantismo, isto é, da</p><p>afirmação da relatividade histórica e geográfica do bom gosto, em opo-</p><p>sição à doutrina clássica da eternidade e da universalidade do cânone</p><p>estético” (COMPAGNON, 2009, p. 32).</p><p>Sem definir exatamente o que é literatura, o que nos revela o crítico</p><p>Compagnon é que o romantismo sempre aderiu a uma causa maior</p><p>em relação à questão literária. Espaço e tempo são praticamente for-</p><p>matos indissociáveis ao significado mais abrangente do vocábulo lite-</p><p>ratura – implicando, não raras vezes, um anseio ligado ao contexto de</p><p>época. Desse modo, a tríade apontada (romance, teatro e poesia) por</p><p>Compagnon pode esclarecer perfeitamente o uso da palavra literatura</p><p>como algo associado às questões culturais – ao sentido mais contem-</p><p>20 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>porâneo do termo. Por esse motivo, é impossível usarmos a palavra</p><p>literatura em um contexto no qual ela ainda não existia, podendo soar</p><p>estranhamente anacrônica. Nessa manobra, o ensejo do apelo estético</p><p>pela literatura não pode ser considerado banal, trivial ou vulgar, pois</p><p>ela sempre guardou características ligadas ao bom gosto.</p><p>Daí, poderíamos indagar: e os povos ágrafos não praticavam litera-</p><p>tura ou simplesmente não possuíam histórias de natureza verbal, que</p><p>eram contadas de geração para geração? Voltando o nosso olhar para</p><p>as comunidades não literárias ou simplesmente àquelas cujo arcabou-</p><p>ço letrado seja escasso, podemos sumariar algumas hipóteses. Parte</p><p>da comunidade acadêmica ignora ou faz pouco caso, mas a pesqui-</p><p>sa e o arquivamento das linguagens populares e indígenas já foi fru-</p><p>to de especulação teórica por vários autores. Você pode imaginar que</p><p>muitos povos não fizeram parte do registro literário, estimulando uma</p><p>espécie de marginalização do código de escrita canônica ou letrada.</p><p>Muitos pesquisadores se debruçaram para registrar esse anseio lite-</p><p>rário – no registro do fazer literário das camadas populares e ágrafas.</p><p>Nem precisamos ir muito longe para dar alguns exemplos, a saber: a</p><p>poética estabelecida pelo autor modernista Mário de Andrade, na sua</p><p>obra Gramatiquinha, que pôde reerguer o conceito do falar popular (da</p><p>proximidade do intelectual com o povo) como valorização da escrita;</p><p>já para o famoso linguista Mattoso Câmara, o importante foi realizar</p><p>um levantamento das línguas dos variados grupos indígenas e deixá-lo</p><p>arquivado no Museu Nacional do Rio de Janeiro.</p><p>Obviamente que um texto para ser considerado literário não</p><p>pode ser apenas caracterizado como algo ficcional ou simplesmente</p><p>artístico, ou seja, algo ligado ao cunho estético. Fique sabendo que</p><p>existe uma flexibilidade conceitual que pode ser ampliada e usu-</p><p>fruída por muitos escritores e leitores. Atualmente, a pluralidade de</p><p>textos (biografias, narrativas testemunhais, diários, cartas amoro-</p><p>sas, livros-reportagens, livros religiosos) possui forte apelo do teor</p><p>literário – que é produzido pelo fazer artístico da linguagem verbal e</p><p>também comporta olhares polêmicos e desafiadores. Por exemplo, a</p><p>literatura de cordel, muito praticada na região nordestina do Brasil, é</p><p>uma espécie de corrente em que o popular ganhou e reformulou um</p><p>discurso erudito e que contribuiu notoriamente com a criatividade e</p><p>reescrita de autores como Ariano Suassuna ou João Cabral de Melo</p><p>Neto. A nosso ver, o afrouxamento conceitual do que é considerado li-</p><p>A literatura e o letramento literário 21</p><p>terário ou não pode ser dialogado a partir da questão da não exclusão</p><p>de outros meios escritos elaborados, pois estes também funcionam</p><p>a partir da imaginação do autor. Portanto, é quase consensual que,</p><p>quando visitamos uma livraria de uma capital, identificamos que mui-</p><p>tas obras literárias se misturam a outras não literárias.</p><p>Saindo da atmosfera da problemática popular e erudita, o apelo à lin-</p><p>guagem beletrista como importante característica do bom texto literário</p><p>também conjuga olhares inquietantes no que se refere à seguinte ques-</p><p>tão: o que é uma literatura esteticamente satisfatória? Sumariamente,</p><p>queremos dizer que era o modelo de escrita cujo propósito era agradar</p><p>grandes elites cultas do Rio de Janeiro e de Paris, outrora capitais da arte</p><p>literária durante o século XIX. É sabido que o período da literatura brasi-</p><p>leira cujo conteúdo foi predominantemente marcado pelo culto às belas</p><p>letras foi o movimento</p><p>circunstâncias</p><p>relacionadas ao cânone não traz muitas contribuições. Diante disso,</p><p>estudos científicos já foram realizados na busca de identificar tais pre-</p><p>ceitos. Portanto, para melhorar o debate, é importante que façamos</p><p>um breve cotejamento das autoridades ligadas à literatura canônica,</p><p>especulando quais são os seus principais conceitos.</p><p>Em linhas gerais, o lado desvantajoso de criarmos o hábito de ler</p><p>obras de linhagem massiva é não termos a capacidade de conhecer</p><p>outras obras, as quais circunstanciam outros meios culturais. No en-</p><p>tanto, não podemos generalizar afirmando que as obras massivas</p><p>não podem ser consideradas literatura de segunda categoria ou, ao</p><p>menos, uma subliteratura. Uma leitura apartada de algumas dessas</p><p>obras não favorece um olhar mais crítico e não nos torna conhece-</p><p>dores de outros meios literários, indispensáveis à boa formação do</p><p>leitor. Com o surgimento de muitos comentadores de livros, como</p><p>nos canais do YouTube, é problemático sabermos que nem sempre</p><p>os critérios de gostos opinativos podem contribuir para uma reflexão</p><p>mais embasada. Conforme já afirmamos, leitores em expansão de</p><p>gosto não devem ser reféns de critérios fechados em relação às obras</p><p>literárias. A título de ilustração, quando lemos uma obra literária de</p><p>um autor argentino, como Jorge Luís Borges, ampliamos o nosso co-</p><p>nhecimento sobre a cultura argentina; certamente, aprendemos mais</p><p>sobre a realidade local, expandindo o nosso olhar aos fatores ligados</p><p>à história e aos povos de língua espanhola. Ao fecharmos os olhos</p><p>para algumas obras canônicas, infelizmente, caímos no critério do co-</p><p>modismo e rotulamos, pelo senso comum, alguns tipos de autores.</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 159</p><p>A essa altura, é indispensável comentarmos que, ao gerarmos uma</p><p>ampliação do gosto literário, estamos condicionados ao reconhecimen-</p><p>to do outro. Escritores possuem afinidades com outros pares e quase</p><p>sempre buscam imitar os mesmos estilos. Não raramente, é comum</p><p>observarmos que as estratégias da intertextualidade e da paródia agem</p><p>a favor daquele escritor motivado a cultivar o hábito da paixão pelos</p><p>clássicos, repetindo a matriz do objeto cobiçado: o seu livro predileto.</p><p>Quantos de nós, leitores, não nos apaixonamos pelo fenômeno literário</p><p>praticado por outros escritores? Ao ler um romance, diferentes autores</p><p>ficam apaixonados pela genialidade e destreza artística da obra, bus-</p><p>cando ter uma espécie de cobiça escamoteada em relação ao conteú-</p><p>do. O enredo canônico de uma obra literária se repete numa outra de</p><p>criatividade semelhante, atribuindo maior ênfase àqueles enredos que</p><p>estão na preferência do autor. Situação curiosa e profunda de razões</p><p>comerciais ocorreu, por exemplo, com os livros de literatura massiva de</p><p>E. L. James, autora das obras Cinquenta Tons de Cinza e Cinquenta Tons</p><p>mais escuros. Reconhecida por inovar na literatura de linhagem erótica,</p><p>a autora criou a temática de seus trabalhos com base na leitura das</p><p>obras clássicas do escritor francês Marquês de Sade.</p><p>6.3 Por que ler os clássicos?</p><p>Vídeo Antes de ler esta seção, pense um pouco a respeito do que pode ser</p><p>considerado um clássico. De acordo com Lajolo (2018), o significado da</p><p>palavra clássico está ligado ao derivado do vocábulo classis, oriundo do</p><p>latim, que possui carga semântica ligada à classe de escola. Ainda nas</p><p>palavras da autora, “no tempo em que a escola mandava seus alunos</p><p>lerem apenas autores latinos e gregos, esses autores começaram a ser</p><p>chamados de clássicos por ser sua leitura recomendada às classes, isto</p><p>é, por serem adotados nas escolas” (LAJOLO, 2018, p. 29).</p><p>Se você é amante de literatura ou das artes em geral, provavelmen-</p><p>te já deve ter entrado em contato com algum tipo de clássico, seja na</p><p>fase juvenil, adolescente ou no início da adulta. Dessa forma, o mais</p><p>curioso é que muitos de nós, quando éramos jovens leitores ingênuos,</p><p>líamos sem muito critério, sem estabelecimento de indicações, bem</p><p>como sem conhecimento de causa e motivo. Assim, sem justificativa</p><p>alguma, pegávamos uma obra literária qualquer e nos esforçávamos</p><p>160 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>para terminar a leitura. Quando éramos jovens impulsivos, fomos se-</p><p>duzidos pela mente curiosa, ansiosa e inquieta por novos saberes; ra-</p><p>ramente compreendíamos o mundo do adulto, voltado ao universo do</p><p>trabalho e ao sofrido ganha pão de cada dia. Além disso, líamos para</p><p>encontrar os signos ainda pouco descobertos pela realidade, e os clás-</p><p>sicos estavam lá para serem descobertos.</p><p>Quem nunca se encantou com as obras densas da literatura uni-</p><p>versal e os seus escritores imortais, como: Júlio Verne (Vinte Mil Léguas</p><p>Submarinas), Antoine de Saint-Exupéry (O Pequeno Príncipe), Gustave</p><p>Flaubert (Madame Bovary), Miguel de Cervantes (Dom Quixote de La</p><p>Mancha), Daniel Defoe (Robinson Crusoe) , Edgar Allan Poe (Os assassina-</p><p>tos da rua Morgue); ou com as da literatura brasileira, com Machado de</p><p>Assis (Dom Casmurro), José de Alencar (Senhora), Jorge Amado (Capitães</p><p>de Areia), Raquel de Queiroz (O Quinze), Lima Barreto (Clara dos Anjos),</p><p>Mário de Andrade (Macunaíma), entre outros. Podemos reforçar que</p><p>o clássico ficou na nossa memória, habitando o nosso imaginário du-</p><p>rante muitas leituras na escola. Nos grandes clássicos, identificávamos</p><p>personagens, tramas e ações humanizadas durante décadas de leitura</p><p>e releitura. Conscientemente ou não, é possível conjecturarmos que</p><p>muitos escritores escreveram grandes clássicos por motivos mais do</p><p>que óbvios: serem reconhecidos na posteridade e manterem os aspec-</p><p>tos imortais durante décadas e séculos.</p><p>Uma pergunta se faz coerente: você já imaginou como leremos os</p><p>clássicos escritores citados nas próximas décadas? Por mais que bus-</p><p>quemos algumas respostas, é interessante lembrarmos que obras</p><p>clássicas sempre preencheram as principais estantes de qualquer bi-</p><p>blioteca e, consequentemente, muitos gestores tiveram a preocupação</p><p>em manter os seus leitores bem informados.</p><p>Durante nossa juventude, líamos de maneira impulsiva e inconse-</p><p>quente. No fôlego de leitores vorazes, sem sabermos ou ao menos</p><p>termos alguma indicação de algum professor ou amigo, o clássico en-</p><p>trava na lista de leitura porque era por meio dele que conheceríamos</p><p>a realidade de outras gerações de autores e obras. Sem sair de casa</p><p>ou viajarmos para outros países, tínhamos a capacidade de conhecer</p><p>destinos, ainda pouco explorados, por intermédio da literatura. Desse</p><p>modo, um clássico sempre foi aquela obra guardada a “sete chaves” e</p><p>respeitada pela comunidade escolar e acadêmica. Durante a leitu-</p><p>Organização, planejamento e execução de atividades 161</p><p>ra, por exemplo, do grande clássico Dom Quixote de La Mancha, de</p><p>Miguel de Cervantes, éramos direcionados a conhecer a realidade</p><p>da nação espanhola, seu folclore, sua cultura, sua geografia e sua</p><p>história. Além de ter sido traduzido em diversos idiomas, esse livro</p><p>se tornou um clássico, visto que inúmeros leitores, espalhados pelo</p><p>mundo, também tiveram acesso e leram a essa obra, conferindo a</p><p>ela um estatuto de obra perene e imortal. Desse modo, ler a obra de</p><p>Cervantes é conferir aspectos de ficção com a realidade local – cida-</p><p>des espanholas de Córdoba, Sevilha e Granada foram palcos urba-</p><p>nos da intensa peregrinação entre as personagens cômicas de Dom</p><p>Quixote e Sancho Pança.</p><p>Podemos afirmar que leitores jovens, quando se tornam leitores as-</p><p>síduos dos grandes clássicos, desenvolvem um senso crítico mais agu-</p><p>çado. Por meio dos clássicos, o leitor juvenil ganha conhecimento de</p><p>mundo e, além disso, torna-se um cidadão mais sensível ao sublime e</p><p>ao estético. Imagine que, ao lermos o clássico Dom Quixote de La Man-</p><p>cha, teremos a experiência de saber como eram os moinhos de vento,</p><p>sem ter a necessidade de viajar para a Espanha. Durante a leitura, po-</p><p>demos conhecer como eram as tradições dos séculos XVI e XVII, sem</p><p>ter vivido naquela época, ou como era a culinária local espanhola, sem</p><p>experimentar os tipos de comida daquele</p><p>chamado Parnasianismo. Naquele período, a lite-</p><p>ratura ingressava no exagero do esteticismo, sendo que o ideário esté-</p><p>tico era o falar bonito e pomposo, uma escrita bem elaborada e criativa</p><p>e a árdua e criteriosa seleção vocabular erudita, isto é, o desejo intenso</p><p>de atingir uma espécie de perfeccionismo. Todavia, esse tipo de escola</p><p>literária, se assim podemos dizer, não chegou a ir tão longe. Já naquele</p><p>período, estaríamos adentrando no movimento vanguardista das artes</p><p>literárias: conhecido como Pré-Modernismo. A título de curiosidade, os es-</p><p>critores Lima Barreto e Graça Aranha capitanearam o fio condutor desse</p><p>movimento bastante audacioso.</p><p>Sendo a escrita feita de forma pomposa ou não, o certo é que boa</p><p>literatura não depende apenas desse aspecto. Não à toa, é comum de-</p><p>clamarmos que muitos leitores não usufruem do conforto estético da</p><p>leitura, pois colocam a culpa na falta de utilidade da literatura de ficção.</p><p>Ora, nem sempre a literatura impõe uma leitura interessada em ter-</p><p>mos de utilização pragmática. Existe, por trás do texto literário, o gozo</p><p>e o encantamento pelo sublime e o estético. Para o crítico búlgaro Tz-</p><p>vetan Todorov, “a literatura amplia o nosso universo, incita-nos a ima-</p><p>ginar outras formas de concebê-lo e organizá-lo” (TODOROV, 2009, p.</p><p>23). Nem sempre fazemos tudo na vida em função de uma utilidade,</p><p>pois a funcionalidade da arte (se é que existe) é também despertar uma</p><p>melhor consciência das ações praticadas em nossas vidas. Poderíamos</p><p>registrar a seguinte indagação: é possível fazer com que a literatura se</p><p>torne útil e ao mesmo tempo prazerosa em relação ao sublime e ao</p><p>estético? Os críticos René Wellek e Austin Warren arriscam uma res-</p><p>De acordo com o crítico Alfredo</p><p>Bosi, “o nome da escola Parna-</p><p>siana vinha de Paris e remontava</p><p>a antologias publicadas a partir</p><p>de 1866, sob o título de Parnasse</p><p>Contemporain, que incluíam</p><p>poemas de Gautier, Banville e</p><p>Leconte de Lisle. Seus traços</p><p>de relevo: o gosto da descrição</p><p>nítida (a mimese pela mimese),</p><p>concepções tradicionalistas sobre</p><p>metro, ritmo e rima e, no fundo,</p><p>o ideal da impessoalidade que</p><p>partilhavam com os realistas do</p><p>tempo”. (BOSI, 2015, p. 233)</p><p>Curiosidade</p><p>22 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>posta: “quando uma obra literária exerce com êxito a sua função, os</p><p>dois fatores referidos – prazer e utilidade – devem não só coexistir, mas</p><p>fundir-se” (WELLEK; WARREN, 2001, p. 33).</p><p>Ao lermos Shakespeare ou Machado de Assis, adquirimos aprendi-</p><p>zagem humanista, espiritual e filosófica contida na experiência de vida</p><p>desses autores. Isto é, o prazer e a utilidade realizam uma espécie de</p><p>junção, conforme apontam os críticos anteriormente citados. Como</p><p>já delineamos, ler literatura implica observar a vida de forma desin-</p><p>teressada, e não utilitária; significa também identificar que a lingua-</p><p>gem literária não está sozinha, sendo que ela interpreta a realidade e,</p><p>consequentemente, representa a vida diária. Ao usufruirmos do fenô-</p><p>meno literário – situação bastante corriqueira aos adeptos da leitura</p><p>e das questões sensíveis –, tornamo-nos sujeitos humanizados. Não</p><p>por acaso, o sentimento do outro passa também a nos pertencer e,</p><p>consequentemente, o leitor passa a ser uma espécie de solucionador</p><p>de algum tipo de conflito. Por meio da literatura, aprendemos como</p><p>era o estilo de vida de um determinado período, tanto na Londres de</p><p>Shakespeare quanto no Rio de Janeiro de Machado. A literatura huma-</p><p>niza o escritor e também o leitor, pois eles passam a manter certa rela-</p><p>ção de cumplicidade. Conforme as palavras do crítico Tzvetan Todorov,</p><p>“longe de ser um simples entretenimento, uma distração reservada às</p><p>pessoas educadas, ela permite que cada um responda melhor à voca-</p><p>ção de ser humano” (TODOROV, 2009, p. 24).</p><p>Resumidamente, poderíamos, diante da citação de Todorov, dizer que</p><p>a literatura também influencia nossa capacidade de aprimorarmos o ela-</p><p>borar da sensibilidade humana. Caso resolvêssemos ler um livro de Lima</p><p>Barreto, escritor carioca, mulato e modernista, autor do clássico Triste fim</p><p>de Policarpo Quaresma, acompanharíamos melhor a natureza política da</p><p>cidade do Rio de Janeiro no início da Belle Époque (assim como as refor-</p><p>mas urbanísticas do prefeito Pereira Passos); se lemos as obras de João do</p><p>Rio, autor de diversas crônicas sobre a cidade do Rio de Janeiro, também</p><p>aprimoramos o nosso senso de visão geográfica sobre as antigas ruas e</p><p>vielas da capital fluminense; pela leitura dos contos do autor paranaense</p><p>Dalton Trevisan, certamente, conjugamos um novo olhar sobre os cos-</p><p>tumes e hábitos das famílias da cidade de Curitiba. Portanto, a literatura</p><p>pode facilmente aguçar o nosso conhecimento empírico de mundo e nos</p><p>possibilitar outras experiências, as quais não teríamos tempo suficiente</p><p>para vivenciar, devido à brevidade de nossa existência.</p><p>Fruto da longa expe-</p><p>riência do autor como</p><p>professor secundário na</p><p>França e, posteriormente,</p><p>um dos acadêmicos mais</p><p>respeitados no mundo, A</p><p>literatura em perigo revela</p><p>uma profunda paixão</p><p>pela leitura e pelos livros.</p><p>Citando referências</p><p>literárias e conceituais</p><p>na área de humanas,</p><p>Todorov argumenta que</p><p>o fenômeno literário deve</p><p>ser usufruído ao longo de</p><p>toda a vida acadêmica.</p><p>Sua leitura é indispensá-</p><p>vel para compreender o</p><p>valor da literatura e do</p><p>trabalho com ela como</p><p>fator humanizador na</p><p>sala de aula.</p><p>TODOROV, T. São Paulo: Difel, 2009.</p><p>Livro</p><p>A literatura e o letramento literário 23</p><p>1.3 A literatura como fruição estética</p><p>e a formação do educando</p><p>Vídeo Você, como um provável amante da leitura, já deve ter ficado horas</p><p>e horas ou simplesmente passou a noite inteira para terminar aquele</p><p>romance tão interessante, não foi? Qual é o sentimento de se lembrar</p><p>da obra de ficção que você leu pela primeira vez e tentou recontá-la a</p><p>um amigo de infância? Podemos calcular que, no folhear das páginas</p><p>noite adentro, você se encantou tanto pelo enredo, personagens e es-</p><p>paço representados quanto pelos conflitos; essa situação fez com que</p><p>você mal se levantasse para ir ao banheiro ou beber um simples copo de</p><p>água. Como descrito, ler com a finalidade de se encantar com o enredo,</p><p>o narrador, o espaço e as personagens de um</p><p>romance é considerado tarefa fundamental</p><p>ao suposto decálogo de um bom leitor. Sabe-</p><p>mos que não podemos explicar tal decálogo</p><p>neste momento, por se tratar de algo supos-</p><p>tamente engessado, mas compreendemos que a situação de um bom</p><p>leitor se faz muito pela curiosidade e parcimônia.</p><p>Como já frisamos, ler textos literários</p><p>pode ser tão gratificante para construir-</p><p>mos uma personalidade mais humanísti-</p><p>ca que muitos jovens leitores são capazes</p><p>de abandonar o videogame ou os jogos de</p><p>futebol de rua para lerem dias e dias. Em</p><p>termos atuais, é comum observarmos que</p><p>a literatura contagiou exponencialmente o</p><p>cotidiano de muitos adolescentes isolados</p><p>nas grandes cidades. Ao compararmos a</p><p>vida de algumas personagens emblemá-</p><p>ticas da literatura brasileira – Bentinho,</p><p>Diadorim, Leonardinho Pataca, Policarpo</p><p>Quaresma, Quincas Borba, entre outras –,</p><p>somos capazes de reproduzir tais experiên-</p><p>cias na própria vida real. É de hábito bas-</p><p>tante comum que, ao seguirmos os passos</p><p>dessas personagens, verifiquemos hábitos,</p><p>decálogo: conjunto de dez</p><p>normas e princípios.</p><p>Glossário</p><p>Sobre nossa capacidade</p><p>de falarmos sobre estó-</p><p>rias, obras e escritores</p><p>os quais não lemos,</p><p>indicamos a leitura do</p><p>livro Como falar dos livros</p><p>que não lemos?</p><p>BAYARD, P. São Paulo: Objetiva,</p><p>2006.</p><p>Livro</p><p>24 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>atitudes e costumes para agregarmos aos nossos ou simplesmente</p><p>imitarmos. Ao manter o interesse “pelo destino das personagens,</p><p>ao confrontá-lo com situações inéditas, o leitor modificará seu olhar</p><p>sobre as coisas” (JOUVE, 2002, p. 108). Portanto, é com quase certeza</p><p>que agimos por imitação da vida artística – a arte imita a vida e vice-</p><p>-versa, como muitos costumam dizer.</p><p>Embora muitos leitores consigam falar dos livros que não leram</p><p>ou</p><p>em que sequer passaram os olhos, a construção de um bom</p><p>leitor não se oferta de forma momentânea; tampouco com prazos</p><p>específicos: requer muita paciência e força de vontade. Assim, a lei-</p><p>tura como função ligada ao sublime ou ao bem-estar pessoal requer</p><p>nada menos que uma atitude desinteressada. “É só nas leituras de-</p><p>sinteressadas que pode acontecer deparar-se com aquele que se</p><p>torna o seu livro” (CALVINO, 2002, p. 13). Para fins de ilustração, o</p><p>poeta paulista Mário de Andrade, autor do polêmico Macunaíma,</p><p>sempre pregou pelo não utilitarismo das artes. Em outras palavras,</p><p>a arte literária ou as outras manifestações artísticas são produções</p><p>sem função utilitária aparente. Em linhas gerais, quem busca objeti-</p><p>vidade ou função na arte acaba se tornando um sujeito frustrado e</p><p>automaticamente ignorante. Em suma, o homem sensível busca na</p><p>arte uma espécie de renovação ou escapismo à realidade vigente.</p><p>Tal fuga se constitui em uma espécie de desapego ligado ao utili-</p><p>tarismo e ao consumismo tão celebrados na sociedade capitalista.</p><p>É indispensável frisarmos que a fruição nem sempre pode ser</p><p>condicionada ao esteticismo ou às características do belo; devido</p><p>a parâmetros literários diversos, são basicamente situações dife-</p><p>renciadas e opostas. Cabe lembrar que a fruição também pode ser</p><p>construída pelo gosto ou hábito comum aos livros de terror ou do</p><p>universo fantástico, por exemplo, no qual o lastro estético passa</p><p>bem longe. É a partir daí que o leitor se torna uma pessoa devi-</p><p>damente preparada (nesse caso, maduro como receptor de obras</p><p>artísticas) para conseguir atingir diversos níveis de leitura. Para fins</p><p>de exemplificação, muitos leitores não abandonaram o romance</p><p>A metamorfose, do escritor tcheco Franz Kafka, porque tiveram uma</p><p>espécie de repulsa, por não acreditarem que um sujeito comum</p><p>tenha sido transformado em um inseto – nesse caso, uma barata.</p><p>Algo extraordinário para um leitor inexperiente pode causar tama-</p><p>nha estranheza, assim como aconteceu com visitantes das galerias</p><p>A literatura e o letramento literário 25</p><p>de arte em Paris na metade do século XIX, que observavam pela</p><p>primeira vez os quadros expostos dos impressionistas.</p><p>“Ao ler, estou abrindo uma porta entre meu mundo e o mundo do</p><p>outro. O sentido do texto só se completa quando esse trânsito se efeti-</p><p>va, quando se faz a passagem de sentidos entre um e outro” (COSSON,</p><p>2014, p. 20). Com essa frase emblemática, o crítico Rildo Cosson deixa</p><p>nítido que o fenômeno literário é capaz de funcionar como um espe-</p><p>lho, cujo reflexo amplia e desencadeia um conjunto de sentimentos no</p><p>leitor mais sensível. A via de mão dupla, conforme argumenta o autor,</p><p>faz-se necessária porque toda leitura tem como pressuposto uma con-</p><p>dição de reconhecimento e autonomia. Conforme anuncia o autor, todo</p><p>texto literário é carregado de sentidos e, não raras vezes, conseguimos</p><p>interpretá-los em uma primeira leitura. A cada nova leitura, o “trânsito</p><p>se efetiva”, ampliando a relação de novos significados, diagnosticando</p><p>a nossa maturidade intelectual. Em suma, o que nos revela o autor é</p><p>o sentimento de alteridade que o leitor possivelmente assimila – iden-</p><p>tificando no outro uma suposta diferença, que se complementa pela</p><p>diferença de personalidade do leitor.</p><p>Em linhas gerais, a formação do educando se dá pela quantidade</p><p>e qualidade das obras literárias lidas ao longo de sua vida escolar e</p><p>acadêmica. Quem consegue transitar facilmente por obras literárias</p><p>distintas, por meio do uso de diversos gêneros, também terá maior</p><p>facilidade em tecer comparações e realizar juízos argumentativos. “As</p><p>obras precisam ser diversificadas porque cada uma traz apenas um</p><p>olhar, uma perspectiva, um modo de ver e de representar o mundo”</p><p>(COSSON, 2014, p. 30). Dessa forma, a estratégia de um bom leitor é</p><p>tentar realizar conexões com a sua experiência cotidiana – situação na</p><p>qual a vida real é a mais rica e pertinente. Quem viaja bastante com cer-</p><p>teza tem mais facilidade para ler determinadas obras literárias, pois já</p><p>visitou cidades que serviram de espaço geográfico ou cenário para mui-</p><p>tos enredos. Curiosamente, o leitor que já foi à Itália e visitou a região</p><p>da Sicília (e percorreu o território citadino local) se sentirá mais confor-</p><p>tável ao ler o clássico romance italiano O leopardo, do escritor Tomasi di</p><p>Lampedusa. Em suma, para formar um bom leitor, depende-se muito</p><p>do incentivo pedagógico que cada professor oferece. É por meio da</p><p>bagagem de leituras de algumas obras que o leitor amplia o leque de</p><p>experiência – deixando de lado muitos preconceitos advindos de uma</p><p>leitura pouco quantitativa, rasa e inócua.</p><p>inócuo: incapaz de produzir o</p><p>efeito negativo.</p><p>Glossário</p><p>26 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>ka</p><p>va</p><p>le</p><p>nk</p><p>av</p><p>a/</p><p>Sh</p><p>ut</p><p>te</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>Província de Palermo, na Sicília, Itália.</p><p>Sabemos que muitas obras literárias nos ajudaram a compreender</p><p>o mundo e a forma de pensar das pessoas. Ao falarmos sobre um de-</p><p>terminado assunto, nem sempre somos objetivos, pois buscamos in-</p><p>ventar situações e preencher as lacunas com a nossa imaginação. Você</p><p>deve saber que a nossa memória literária e o nosso subconsciente fic-</p><p>tício são forçados quando desejamos falar algo com menor intensidade</p><p>verídica ou pragmática. Advoga a pesquisadora Tiphaine Samoyault que</p><p>“o texto aparece então como o lugar de uma troca entre pedaços de</p><p>enunciados que ele redistribui ou permuta, construindo um texto novo</p><p>a partir dos textos anteriores” (SAMOYAULT, 2008, p. 18). Não por acaso,</p><p>quando dizemos que determinado amigo possui um amor platônico 1</p><p>por uma pessoa, desejamos dizer que esse amor é assíduo; quando um</p><p>cidadão possui comportamento maquiavélico 2</p><p>Adjetivo relacionado ao autor</p><p>italiano Nicolau Maquiavel.</p><p>Considerado o grande imortal do</p><p>clássico político O Príncipe.</p><p>2</p><p>significa que tal pessoa</p><p>possui atitude psicológica maldosa; quando dizemos que um amigo</p><p>possui uma atitude quixotesca 3</p><p>Adjetivo relacionado ao perso-</p><p>nagem Dom Quixote – atitude</p><p>sonhadora, imaginária, alguém</p><p>desligado da realidade.</p><p>3</p><p>com um determinado estudo também</p><p>estamos atestando o nosso conteúdo livresco; quando falamos que um</p><p>ciúme por determinada pessoa é dantesco 4</p><p>Adjetivo em alusão ao escritor</p><p>italiano Dante Aliguieri, autor do</p><p>clássico A divina comédia.</p><p>4 é porque o ciúme é forte</p><p>e pegajoso. Portanto, sem alongar a longa lista de exemplificações, já</p><p>foi possível notar que a literatura sempre impregna a nossa imaginação</p><p>quando somos leitores contumazes.</p><p>No seu livro Literatura e sociedade (2000, p. 140), o crítico Antonio</p><p>Candido defende que a literatura manifesta uma espécie de atitude coleti-</p><p>va com certa associação de formas expressivas, mobilizando características</p><p>sentimentais capazes de agrupar homens no tempo e no espaço. Ao que</p><p>tudo indica, existe uma presunção teórica em defini-la pela contextuali-</p><p>zação histórica, ou seja, fazer com que a manifestação literária seja mais</p><p>intrínseca aos sentimentalismos e ideologias vigentes. Lembremos que o</p><p>Adjetivo em alusão ao filósofo</p><p>grego Platão. Sua obra mais</p><p>importante, A República, é um</p><p>clássico em várias áreas das</p><p>Humanidades.</p><p>1</p><p>A literatura e o letramento literário 27</p><p>autor sempre defendeu um olhar enviesado da literatura em comum acor-</p><p>do com a sociedade que a circunstancia – agindo como algo dimensional</p><p>à existência do próprio autor. Ainda de acordo com Candido, a literatura</p><p>exige uma espécie de “congregação espiritual e formal”, cuja criação é des-</p><p>tinada a um grupo e, consequentemente, a um determinado estilo. Assim,</p><p>ela deve criar um “sistema de valores que enforme a sua produção e dê</p><p>sentido a sua atividade” (CANDIDO, 2000, p. 140), para que possa elevar a</p><p>capacidade criativa dos homens que a produz.</p><p>É possível também dissertarmos que leitores em formação são</p><p>sujeitos mais propícios ao aprendizado de línguas não maternas.</p><p>Línguas estrangeiras são aperfeiçoadas e colocadas em prática no</p><p>sentido que elas permitem usufruir do texto sem a necessidade de</p><p>uma suposta fruição estética. Explica o autor Vincent Jouve: “elas</p><p>são também objetos de linguagem que – pelo fato de exprimirem</p><p>uma cultura, um pensamento e uma relação com o mundo – mere-</p><p>cem que nos interessemos por elas” (JOUVE, 2012, p. 135). Ao lermos</p><p>frases e diálogos estabelecidos pelo texto literário, somos capazes</p><p>também de imitar e simular uma determinada situação real. Qual se-</p><p>ria o principal motivo ou argumento? A resposta é simples: leitores</p><p>são também bons falantes e oradores – ou seja, cidadãos capazes de</p><p>intervir na vida cívica –, atuantes nos diferentes papéis que a socie-</p><p>dade impõe. Portanto, aprender e aperfeiçoar uma determinada lín-</p><p>gua e compreender as razões do seu funcionamento pode melhorar</p><p>o nosso desempenho em vários fatores.</p><p>Por meio da literatura universal, leitores aprendizes de uma se-</p><p>gunda língua ganham aprendizado em outros idiomas, como é o caso</p><p>da língua inglesa. Se o cenário for internacional, basta observarmos a</p><p>quantidade de escritores renomados e imortalizados no Reino Unido.</p><p>A título de exemplificação e ilustração, podemos atestar que muitos</p><p>leitores aficionados pelos romances do escritor irlandês James Joyce</p><p>tenham vasculhado a cidade de Dublin na busca pelas localidades</p><p>espaciais visitadas pelos protagonistas ou seus coadjuvantes. Desse</p><p>modo, a região irlandesa (da cidade de Dublin) conhecida como Tem-</p><p>ple Bar (talvez o pub mais antigo da capital), é repleta de referências</p><p>espaciais onde as diversas personagens coadjuvantes perambularam</p><p>por meio do enredo de Joyce. A paixão pelas personagens, por suas</p><p>ações e por seus destino é sempre tarefa primordial para um leitor</p><p>mais fanático. Na concepção do crítico Vicent Jouve (2002, p. 20), o lei-</p><p>28 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>tor se prende a uma personagem porque observa nela um ato emotivo</p><p>e fascinante de leitura. Em suma, existem grupos de leitores aficiona-</p><p>dos pelos seus autores prediletos, cujo mote principal das reuniões é a</p><p>realização de discussões a respeito da obra.</p><p>Sendo o idioma estrangeiro ou não, o certo é que o uso da literatura</p><p>em sala de aula pode ser um ato digno de ampliar o repertório e o pra-</p><p>zer do estudante pela fruição do texto literário. Assim, fruição estética</p><p>implica prazer pelo ato sublime, questão nem sempre alcançada facil-</p><p>mente. “Negar a fruição da literatura é mutilar a nossa humanidade”</p><p>(1971, p. 178), já dizia o autor Antonio Candido. Por alusão, quando vi-</p><p>sitamos alguns museus – no Brasil ou na Europa –, deparamo-nos com</p><p>grandes obras de arte e, certamente, não podemos ter pressa para</p><p>usufruir de uma espécie de êxtase catártico. Já imaginou termos pressa</p><p>para desfrutarmos o ato sublime de vermos a tela da Batalha dos Gua-</p><p>rarapes, de Victor Meirelles, no Museu de Belas Artes no Rio de Janeiro,</p><p>ou de visualizarmos a obra Monalisa, do gênio Leonardo da Vinci, no</p><p>Museu do Louvre em Paris? Frente a frente com a tela de pintura do seu</p><p>artista preferido ou na leitura do seu romancista, o visitante do museu</p><p>ou o leitor, juntos, ajudam na formulação de um melhor significado às</p><p>obras. O crítico Tzvetan Todorov (2009, p. 51) assevera que muitos qua-</p><p>dros tinham funções diferenciadas nas igrejas e nos palácios, antes de</p><p>serem expostos em uma única sala de galeria ou museu, cuja proposta</p><p>é a apreciação e contemplação dessas obras.</p><p>Lu</p><p>an</p><p>R</p><p>ez</p><p>en</p><p>de</p><p>/S</p><p>hu</p><p>tte</p><p>rs</p><p>to</p><p>ck</p><p>Imagem interna do Museu de Belas Artes, no Rio de Janeiro.</p><p>A literatura e o letramento literário 29</p><p>1.4 O letramento literário e seus</p><p>desdobramentos em sala de aula</p><p>Vídeo O conceito de letramento, à primeira vista, parece dispensar qualquer</p><p>comentário. Ao que tudo indica, ter letramento ou intuir suas causas e</p><p>seus motivos é algo óbvio ao suposto sentido da palavra. Já listar as suas</p><p>contribuições pode ser considerado árduo, devido às suas reais circuns-</p><p>tâncias históricas. Quando se diz que um cidadão é letrado, supõe-se</p><p>que ele saiba bem a Língua Portuguesa ou se comunique muito bem.</p><p>Mas, como toda exceção tem as suas regras impostas, o conceito de</p><p>letramento foge das designações estimuladas pelo senso comum. Caso</p><p>saíssemos das generalizações impostas e ousássemos por uma sim-</p><p>ples curiosidade intelectual ao buscar o significado do vocábulo letra-</p><p>mento nos livros de linguística mais conhecidos da pesquisadora Magda</p><p>Soares, encontraríamos uma série de determinações conceituais indis-</p><p>pensáveis ao tratamento do termo. De acordo com a estudiosa: “letra-</p><p>mento é, pois, o resultado da ação de ensinar ou de aprender a ler ou</p><p>escrever: o estado ou a condição que adquire um grupo social ou um</p><p>indivíduo como consequência de ter-se apropriado da escrita” (SOARES,</p><p>2009, p. 8). Por mais que desejemos parafrasear todo o percurso his-</p><p>tórico do conceito de letramento, situação contextual muito bem feita</p><p>pela autora, faz-se necessário indagarmos como o letramento literário</p><p>(que a autora pouco menciona) nos ajuda a pensar em melhores condi-</p><p>ções de aplicabilidade didática com o texto literário.</p><p>Você pode ter calculado que adquirir letramento literário significa</p><p>ter a capacidade de utilizar a língua falada e escrita em diversas fun-</p><p>ções sociais. Todavia, essa assertiva não esclarece muito bem como</p><p>podemos fazer uso dessa estratégia – situação que merece um melhor</p><p>tratamento. Caso aceitássemos tal consideração, o conceito de letra-</p><p>mento literário seria basicamente a sujeição do aluno aos diversos tipos</p><p>de leituras de textos fictícios e o constante aperfeiçoamento da leitura</p><p>na prática diária. Diz o autor Tery Eagleton: “A literatura transforma</p><p>e intensifica a linguagem comum, afastando-se sistematicamente da</p><p>fala cotidiana” (EAGLETON, 2001, p. 2). Conforme discutíamos na seção</p><p>anterior, a utilização do letramento literário por parte do professor de</p><p>Letras comporta o verdadeiro interesse do trabalho com os diversos</p><p>gêneros textuais – novela, conto, poema, poesia, romance, entre ou-</p><p>30 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>tros. Concernente aos diversos gêneros trabalhados em sala de aula</p><p>pelo docente, o aluno passa a ter maior domínio do arcabouço literá-</p><p>rio. Em suma, ampliando as potencialidades da linguagem existente, o</p><p>professor pode incentivar algumas estratégias de leitura, cujo objetivo</p><p>é capacitar o aluno em diversas situações do cotidiano.</p><p>Faz-se indispensável relatarmos que a questão do letramento lite-</p><p>rário também pode influenciar leitores e escritores de outras especia-</p><p>lidades profissionais. É curioso afirmarmos que muitos profissionais</p><p>ligados às ciências da computação ou estudiosos da inteligência artifi-</p><p>cial são pessoas aficionadas pela literatura de ficção científica. Devido à</p><p>retórica verbal e profética, o subgênero foi responsável por influenciar</p><p>uma série de estudiosos e pesquisadores – em especial aqueles que</p><p>desejavam persuadir os seus leitores por meio da série de recursos</p><p>tecnológicos alcançados. Dessa forma, autores como George Orwell,</p><p>Júlio Verne, H. G. Wells, Isaac Asimov, entre outros, reformularam a for-</p><p>ma de pensar de alguns outros profissionais. Não por acaso, o formato</p><p>enunciativo textual, a seleção vocabular, a estrutura frasal, as estra-</p><p>tégias argumentativas ou até mesmo a estilística verbal dos autores</p><p>mencionados são características das quais o estudioso pode fazer bom</p><p>uso. A título de ilustração, Vinte mil léguas submarinas (1870), do escritor</p><p>Júlio Verne, romance que narra viagens ao redor do mundo por meio</p><p>de um submarino, fez muito sucesso na época. No tocante aos gêneros</p><p>de viagens ou ficção científica, muitos críticos afirmam que a forma de</p><p>narrar os locais visitados elaborada pelo autor francês ajudou outros</p><p>viajantes e estudiosos na formulação de técnicas de escrita.</p><p>Se chamássemos você para um debate, seria possível perceber que</p><p>uma das atividades humanas de maior interesse em quase todos os ní-</p><p>veis de educação é o processo de aquisição do conhecimento por meio</p><p>da leitura. Em quase todas as disciplinas ligadas ao contexto escolar – Lín-</p><p>gua Portuguesa, Literatura,</p><p>Filosofia, Geografia, Ciências, História –, o le-</p><p>tramento literário se faz indispensável para a formação de nossos alunos.</p><p>Basicamente tudo passa pela construção do registro da escrita – seja na</p><p>sua forma de dar conta do conhecimento humano já trabalhado, seja pelo</p><p>avanço do conhecimento inserido. A construção e o aprimoramento da es-</p><p>crita via letramento nada mais é que a forma social pela qual estabelece-</p><p>mos o seu uso em diversos meios escolares. Nesse sentido, atividades de</p><p>leitura que conseguem mesclar o letramento literário com o aprendizado</p><p>do uso social da escrita sempre são incentivadas: rodas de leitura, oficinas</p><p>No romance histórico</p><p>Farenheit 451, do roman-</p><p>cista norte-americano</p><p>Ray Bradbury, baseado</p><p>em fatos reais, o contexto</p><p>histórico se baseia em</p><p>uma Alemanha pós-guer-</p><p>ra (10 de maio de 1933),</p><p>onde (paradoxalmente)</p><p>muitos bombeiros</p><p>receberam ordens para</p><p>queimar todos os livros</p><p>que estavam sendo</p><p>lidos pelos moradores</p><p>locais. Naquele período,</p><p>os nazistas perseguiram</p><p>freneticamente todos os</p><p>intelectuais que faziam</p><p>apologia crítica ao siste-</p><p>ma político. A metáfora</p><p>do fogo é fator exponen-</p><p>cial para deixar claro que</p><p>as pessoas não poderiam</p><p>usufruir de nenhum tipo</p><p>de informação contra o</p><p>poder naquele período,</p><p>em especial as famílias</p><p>judaicas. Assim, o pensa-</p><p>mento crítico e reflexivo</p><p>seria abolido por todos</p><p>os interessados em uma</p><p>postura contra o sistema.</p><p>Vale a leitura!</p><p>BRADBURY, R. São Paulo: Biblioteca</p><p>Azul, 2014.</p><p>Livro</p><p>A literatura e o letramento literário 31</p><p>de leitura, narrações de histórias, cafés literários, palestras com autores,</p><p>intervenções didáticas com escritores, entre outras formas. Portanto, não</p><p>faltarão desculpas para o aprimoramento da leitura via atividades, as quais</p><p>podem ser previamente formuladas pela equipe pedagógica e por parte</p><p>dos professores envolvidos.</p><p>Você já deve ter imaginado o quanto a literatura está presente no</p><p>dia a dia de cada cidadão, não é mesmo? Explicar os “porquês” da sua</p><p>aparição tão frequente não é mais uma forma de justificar sua presen-</p><p>ça, mas, sim, a sua própria importância e pertinência. “O conceito da</p><p>linguagem diária não é uniforme: incluem largas variedades, como a</p><p>linguagem coloquial, a linguagem do comércio, a linguagem oficial, a</p><p>linguagem da religião, o calão dos estudantes” (WELLEK; WARREN, 2001,</p><p>p. 25). Basta uma simples caminhada pelas ruas das grandes cidades do</p><p>Brasil para nos depararmos com anúncios e letreiros de diversas moda-</p><p>lidades. Embora nem sempre o texto utilitário (fixado em vitrines e ade-</p><p>rido em propagandas e cartazes) seja usado de forma estética e poética,</p><p>as figuras de linguagem – entonando uma forma mais descontraída de</p><p>comunicação – quase sempre aparecem nos grandes anúncios. Ao que</p><p>tudo indica, isso resume que o texto escrito para fins objetivos, não ra-</p><p>ras vezes, também é usado de forma poética, buscando cativar o leitor</p><p>menos assíduo a propagandas objetivas e pragmáticas.</p><p>Não devemos esquecer que o ensino de literatura por meio do letra-</p><p>mento literário é capaz de fazer o leitor raciocinar sobre a língua de outra</p><p>maneira. Desse modo, podemos conjecturar que o sujeito leitor que usa</p><p>e abusa do fenômeno literário seja supostamente crítico e capaz de for-</p><p>mular enunciados comunicativos e estratégicos ligados ao contexto social</p><p>e político. “O bom leitor, portanto, é aquele que agencia com os textos</p><p>os sentidos do mundo, compreendendo que a leitura é um concerto de</p><p>muitas vozes e nunca um monólogo” (COSSON, 2014, p. 20). Apreciar e</p><p>utilizar a literatura como forma de letramento significa expandir os meios</p><p>expressivos que a linguagem é capaz de representar. O aluno, leitor con-</p><p>tumaz, não se conforma em observar o mundo fragmentado, mudo e mo-</p><p>nossilábico. Ele passa a ganhar com o conhecimento empírico ofertado</p><p>pela literatura – a experiência das personagens e seus hábitos e costumes</p><p>passam a ser compartilhados no ato da leitura. Quando lemos, por exem-</p><p>plo, o romance Lucíola, do cearense José de Alencar, somos levados a com-</p><p>preender as razões da proteção feminina em relação ao bom casamento.</p><p>Hábitos e costumes da sociedade carioca do século XIX são revelados –</p><p>32 Fundamentos da formação do leitor literário</p><p>não à toa, muitos historiadores consideram a literatura como forma de</p><p>documento social de uma determinada época.</p><p>É de bom grado que o professor evite a prática de letramento literá-</p><p>rio estimulando o estudante à retenção de informações memorativas</p><p>em relação à obra analisada. A busca pelo texto literário perfeito (no</p><p>tocante aos requisitos gramaticais) também não condiciona o aluno ao</p><p>bom letramento. A autora Ângela Kleiman (2004, p. 21) defende a ideia</p><p>de que o texto literário pode fugir do universo da escrita, que é quase</p><p>sempre rotulado, estabelecido e institucionalizado. A título de exemplo,</p><p>para ilustrar o pensamento da autora, remetemos ao diário Quarto de</p><p>despejo, da escritora Carolina de Jesus (autora negra e favelada), que</p><p>pode ser utilizado para compreender a literatura diante de diferentes</p><p>contextos. Nesse livro, seminal para a época e o contexto de Carolina,</p><p>ela expõe a vida árdua e difícil em uma comunidade periférica de São</p><p>Paulo. Não por acaso, o texto traz muita bagagem oral (relato em pri-</p><p>meira pessoa) para ser trabalhado pelo professor – creditando a potên-</p><p>cia que a literatura pode ter como fator de letramento literário diante</p><p>de contextos meramente opostos ou não ao leitor. Diante do exposto,</p><p>é possível observarmos que de nada adianta trabalhar a obra como es-</p><p>pelho de uma receita tradicional aos moldes gramaticais perfeitos, pois</p><p>é necessário fazer com que o estudante reflita como essa obra literária</p><p>iluminará o seu contexto social.</p><p>Fica patente dizermos que o letramento literário não pode ser ape-</p><p>nas reduzido ao aspecto metodológico junto ao tratamento simplório e</p><p>raso em relação ao texto literário, como fichamento de obras literárias,</p><p>memorização exacerbada de informações sobre o autor e a obra, es-</p><p>quemas e esboços de anotações, leitura de resumos, entre outras es-</p><p>tratégias mecânicas. Conforme explica o autor Rildo Cosson: “são aulas</p><p>essencialmente informativas nas quais abundam dados sobre autores,</p><p>características de escolas e obras, em uma organização tão impecável</p><p>quanto incompreensível aos alunos” (COSSON, 2014, p. 40). Pela lei-</p><p>tura informativa e memorativa dos fatos e acontecimentos, o aspecto</p><p>didático fica praticamente nevrálgico quando o texto literário passa a</p><p>ser trabalhado dessa forma. Não obstante, é função do professor de</p><p>literatura ou mediador de leitura a prática de identificar o texto literário</p><p>como algo além do pragmatismo pedagógico voltado às questões ava-</p><p>liativas (que são importantes, mas não imprescindíveis ao letramento),</p><p>voltando o texto para uma análise de cunho argumentativo, opinativo</p><p>Novamente temos as reflexões do</p><p>autor Rildo Cosson: “o professor</p><p>é o intermediário entre o livro e</p><p>o aluno, seu leitor final. Os livros</p><p>que ele lê ou leu são os que</p><p>terminam invariavelmente nas</p><p>mãos dos alunos. Isso explica,</p><p>por exemplo, a permanência de</p><p>certos livros no repertório escolar</p><p>por décadas. É que tendo lido</p><p>naquela série ou naquela idade</p><p>aquele livro, o professor tende a</p><p>indicá-lo para seus alunos e as-</p><p>sim, sucessivamente, do professor</p><p>para o aluno que se fez professor”.</p><p>(COSSON, 2014, p. 33)</p><p>Saiba mais</p><p>A literatura e o letramento literário 33</p><p>e comparativo. Uma excelente sugestão é estabelecer uma espécie de</p><p>diálogo com outros textos literários, por exemplo, em que ponto os</p><p>romances do escritor Lima Barreto conseguem dialogar com os do es-</p><p>critor João Antônio e vice-versa.</p><p>A esta altura, é importante que tratemos também das formas didá-</p><p>tica e pedagógica de como podemos trabalhar o letramento literário</p><p>junto aos alunos da educação básica. É a partir daí que novas tendên-</p><p>cias se reinventam e reformulam o pensar pedagógico, reorganizan-</p><p>do o fazer docente e partindo para um ajuste didático, conforme nos</p><p>alerta o autor Rildo Cosson.</p>

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