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<p>CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI</p><p>MULTICULTURALISMO E DIREITOS HUMANOS</p><p>GUARULHOS – SP</p><p>2</p><p>SUMÁRIO</p><p>1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 4</p><p>2 CULTURA E MULTICULTURALISMO ................................................................ 5</p><p>2.1 CULTURA E TRADIÇÃO .................................................................................... 7</p><p>3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE ........................................ 9</p><p>3.1 SER HUMANO: PRODUTO E PRODUTOR DE CULTURA ............................. 11</p><p>3.2 PLURALISMO CULTURAL ............................................................................... 12</p><p>3.3 O DIÁLOGO E O RESPEITO ÀS DIFERENTES CULTURAS .......................... 13</p><p>4 A CULTURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE ............................................... 15</p><p>4.1 MANIFESTAÇÕES CULTURAIS NO DESENVOLVIMENTO EDUCACIONAL DA</p><p>HUMANIDADE 17</p><p>4.2 A RELAÇÃO ENTRE AS CULTURAS .............................................................. 19</p><p>4.3 UNIVERSALISMO, RELATIVISMO E MULTICULTURALISMO ....................... 20</p><p>4.3.1 UNIVERSALISMO ............................................................................................ 20</p><p>4.3.2 RELATIVISMO... ............................................................................................... 21</p><p>4.3.3 MULTICULTURALISMO ................................................................................... 22</p><p>4.4 AS MANIFESTAÇÕES CONCRETAS E OS ASPECTOS PRINCIPAIS DA</p><p>CULTURA 22</p><p>5 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA? ................................................. 24</p><p>5.1 CONCEITUANDO A IDEIA DE IDENTIDADE NACIONAL ............................... 26</p><p>5.2 REFLETINDO SOBRE A IDENTIDADE BRASILEIRA ...................................... 28</p><p>5.3 DIVERSIDADE CULTURAL .............................................................................. 30</p><p>5.4 CULTURA, MONOCULTURA, POLICULTURA E MULTICULTURALISMO NO</p><p>BRASIL 33</p><p>5.5 O ALARGAMENTO DAS DESIGUALDADES SOCIAIS NO BRASIL ............... 35</p><p>6 DESIGUALDADE, DIVERSIDADE E DIREITOS NO BRASIL</p><p>CONTEMPORÂNEO ................................................................................................. 38</p><p>6.1 A DESIGUALDADE NO ACESSO AOS DIREITOS NO BRASIL DO PONTO DE</p><p>VISTA HISTÓRICO ................................................................................................... 38</p><p>6.2 A CONQUISTA DE DIREITOS NO BRASIL ..................................................... 41</p><p>6.3 CONQUISTAS E RETROCESSOS NOS DIREITOS ........................................ 44</p><p>7 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ... 47</p><p>7.1 A CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS .............................................. 47</p><p>3</p><p>7.2 DIREITOS HUMANOS ...................................................................................... 50</p><p>7.3 DIREITOS HUMANOS E SENSO COMUM ...................................................... 52</p><p>8 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS .............................. 55</p><p>8.1 PRINCIPAIS GARANTIAS ................................................................................ 55</p><p>8.2 A IMPORTÂNCIA DA DECLARAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS ................ 57</p><p>8.3 A DECLARAÇÃO E A LEGISLAÇÃO EDUCACIONAL BRASILEIRA ............... 59</p><p>9 DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA ...................................................................... 62</p><p>9.1 DIREITOS CULTURAIS .................................................................................... 63</p><p>9.2 A TOLERÂNCIA EM UM MUNDO CADA VEZ MAIS CONECTADO ................ 65</p><p>10 CIDADANIA ...................................................................................................... 66</p><p>10.1 DIMENSÕES DA CIDADANIA .......................................................................... 66</p><p>11 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO ......................................................................... 70</p><p>11.1 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO DE QUALIDADE ............................................. 73</p><p>11.2 DIVERSIDADE NAS LEIS E SECRETARIAS ................................................... 76</p><p>11.3 PRÁTICAS DE DIVERSIDADES: ESCOLA, SOCIEDADE E CULTURA .......... 77</p><p>11.4 POLÍTICAS DE INCLUSÃO .............................................................................. 78</p><p>12 COMO PROMOVER UMA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL? .......................... 81</p><p>12.1 PRÁTICAS POSSÍVEIS PARA A SALA DE AULA ........................................... 81</p><p>REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 85</p><p>4</p><p>1 INTRODUÇÃO</p><p>Prezado aluno!</p><p>O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante</p><p>ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um</p><p>aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma</p><p>pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é</p><p>que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a</p><p>resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas</p><p>poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em</p><p>tempo hábil.</p><p>Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa</p><p>disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das</p><p>avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora</p><p>que lhe convier para isso.</p><p>A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser</p><p>seguida e prazos definidos para as atividades.</p><p>Bons estudos!</p><p>5</p><p>2 CULTURA E MULTICULTURALISMO</p><p>O estudo sobre a cultura e o multiculturalismo é fundamental para</p><p>compreendermos o ser humano, as suas interações e o seu desenvolvimento nas</p><p>diferentes sociedades. Como cultura, podemos identificar tudo aquilo que é produzido</p><p>pelo ser humano, entendido como ser cultural; já o multiculturalismo remete à</p><p>existência de diferentes culturas.</p><p>O que caracteriza o homem — o ser humano — e o diferencia dos demais</p><p>animais? Como podemos defini-lo? O aspecto cultural, a partir das interações e</p><p>manifestações humanas, é, sem dúvida, a sua principal característica. Mas o que é</p><p>cultura?</p><p>Segundo o autor François Laplantine, antropólogo francês, na obra Aprender</p><p>antropologia (1989), a cultura pode ser compreendida como o próprio social</p><p>considerado a partir das diferenças:</p><p>O social é a totalidade das relações (relações de produção, de exploração,</p><p>de dominação [...]) que os grupos mantêm entre si dentro de um mesmo</p><p>conjunto (etnia, região, nação [...]) e para com outros conjuntos, também</p><p>hierarquizados. A cultura, por sua vez, não é nada mais que o próprio social,</p><p>mas considerado dessa vez sob o ângulo dos caracteres distintivos que</p><p>apresentam os comportamentos individuais dos membros desse grupo, bem</p><p>como suas produções originais (artesanais, artísticas, religiosas [...])</p><p>(LAPLANTINE, 1989, p. 120)</p><p>Nesse sentido, o autor afirma que a cultura distingue o ser humano dos demais</p><p>seres, como, por exemplo, os animais. Enquanto sociedade, os animais também</p><p>podem conviver e ter sociabilidade, mas a produção cultural, a comunicação, a troca</p><p>e o trabalho são especificamente humanos, como citado a seguir:</p><p>[...] o que distingue a sociedade humana da sociedade animal, e até da</p><p>sociedade celular, não é de forma alguma a transmissão das informações, a</p><p>divisão do trabalho, a especialização hierárquica das tarefas (tudo isso existe</p><p>não apenas entre os animais, mas dentro de uma única célula!), e sim essa</p><p>forma de comunicação propriamente cultural que se dá através da troca</p><p>não mais de signos e sim de símbolos, e por elaboração das atividades rituais</p><p>aferentes a estes. Pois, pelo que se sabe, se os animais</p><p>uma monocultura pode ser considerada como uma unicultura.</p><p>Transpondo essa noção para a área das ciências sociais, não se pode afirmar que no</p><p>Brasil exista a monocultura, uma vez que o País é bastante rico em diversidade</p><p>cultural. Nele, há grande variedade de costumes, hábitos, crenças, enfim,</p><p>características que apontam para a existência da diversidade. Países como Japão e</p><p>China, por exemplo, adotam o monoculturalismo como forma de preservar a sua</p><p>cultura, excluindo influências externas. A adoção dessa estratégia se torna um pouco</p><p>mais fácil em sociedades mais homogêneas e com tendências nacionalistas, o que</p><p>não é o caso do Brasil.</p><p>O termo policultura, por sua vez, relaciona-se ao cultivo de vários tipos de</p><p>produtos em um mesmo terreno, técnica muito aceita entre os povos indígenas, que</p><p>a utilizavam para diversificar a sua produção. Além dos indígenas, há registros de que</p><p>os quilombolas utilizavam essa técnica. Outro conceito que se destaca nesse contexto</p><p>é o de multiculturalismo, contrário ao monoculturalismo. Ele pode ser entendido</p><p>como a existência de várias culturas em determinada região ou país, no entanto com</p><p>uma cultura predominante entre elas. Países como Canadá e Austrália adotam o</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>35</p><p>multiculturalismo. A crítica é que o multiculturalismo pode provocar desprezo e</p><p>indiferença por pessoas que não possuem as mesmas características e cultura e que</p><p>porventura residam em países que adotam esse sistema. Isso ocorre porque a</p><p>diversidade cultural passa a ser considerada uma ameaça para a identidade nacional.</p><p>Nas palavras de Santos e Nunes (2003, p. 26), o multiculturalismo representa</p><p>a “[...] coexistência de formas culturais ou de grupos caracterizados por culturas</p><p>diferentes no seio de sociedades modernas” e está associado a processos</p><p>emancipatórios e lutas pela afirmação das diferenças. Taylor (1997), por sua vez,</p><p>aponta que as sociedades estão se tornando cada vez mais multiculturais e</p><p>permeáveis, o que conduz à imposição de uma cultura sobre as outras. Falar em</p><p>multiculturalismo e no predomínio de uma cultura sobre outras implica pensar também</p><p>no papel do Estado perante essa questão. Ainda é preciso considerar que o</p><p>multiculturalismo exige tolerância, no que se refere a aceitar as diferenças e a aceitar</p><p>o outro de forma empática e com respeito. Quanto ao Estado, ele deve considerar a</p><p>diversidade cultural existente e lidar com ela a partir dos direitos humanos, do</p><p>reconhecimento da dignidade dos indivíduos e do respeito às diferenças.</p><p>Fonte: https://www.gestordesi.com.br/</p><p>5.5 O alargamento das desigualdades sociais no Brasil</p><p>Como você viu, o Brasil é um país de grande diversidade cultural. E o mesmo</p><p>vale para as desigualdades sociais. Há uma relação entre ambas, conforme destaca</p><p>Machado (2011, p. 147):</p><p>36</p><p>No Brasil, onde muito do que se identifica como riqueza da diversidade</p><p>cultural são tradições e saberes das populações mais pobres e, em grande</p><p>parte, apartadas do processo de crescimento econômico, tal realidade produz</p><p>uma dúvida incômoda. O preço da preservação desses bens imateriais seria</p><p>perpetuar os desníveis entre ricos e pobres, mantendo as populações</p><p>tradicionais protegidas da contaminação da informação ou do acesso ao</p><p>mercado de bens e serviços culturais? Além dessa, outra indagação</p><p>permanece como alerta para aqueles que formulam políticas de</p><p>reconhecimento ou de promoção da diversidade: se, no limite, a menor</p><p>unidade da diversidade é o próprio indivíduo, não estariam, assim, sendo</p><p>colocadas em risco conquistas históricas, objeto das lutas sociais que</p><p>serviram para consolidar o respeito ao interesse comum e ao espaço público</p><p>da cidadania? A defesa intransigente da diversidade cultural não estaria</p><p>levando mais à separação do que à aproximação entre as pessoas?</p><p>Você deve considerar que a maior parte das sociedades vivencia</p><p>desigualdades, que se apresentam de diversas formas: poder, renda, prestígio, entre</p><p>outras. Além disso, as origens dessas desigualdades são várias, assim como as suas</p><p>manifestações. As desigualdades sociais são construções sociais e não simples fatos</p><p>naturais; elas dependem em grande parte de escolhas políticas feitas ao longo do</p><p>tempo (SCALON, 2011). Segundo a autora, o Brasil é um exemplo de país em que as</p><p>desigualdades históricas permanecem em meio ao desenvolvimento acelerado,</p><p>especialmente pela elevada diferença de renda entre a população.</p><p>Na atualidade, muitos são os exemplos que caracterizam a desigualdade social</p><p>na sociedade brasileira. Por exemplo: a questão habitacional, com muitas pessoas</p><p>morando em condições precárias de habitabilidade, vivendo em áreas compostas por</p><p>favelas; e o saneamento básico, que resiste e atinge muitos lugares do País, o que</p><p>coloca até a saúde dos moradores em risco. Além disso, são desigualdades sociais:</p><p>alimentação inadequada (alguns desperdiçam e outros sequer têm o que comer),</p><p>educação e saúde precárias, assim como dificuldades de acesso a outros serviços</p><p>públicos essenciais.</p><p>As desigualdades sociais foram se intensificando ao longo do tempo. Para</p><p>compreender esse processo, é preciso considerar a época da colonização. Esse</p><p>período foi marcado pelas tentativas portuguesas de transformar os índios e negros</p><p>em escravos e vassalos, ou, em momentos distintos, fazer com que assimilassem</p><p>costumes europeus em detrimento de suas próprias tradições. Houve um momento,</p><p>por volta de 1700, em que portugueses tentaram homogeneizar a população por meio</p><p>de casamentos entre índios e portugueses, criando formas de valorização dos filhos</p><p>originários dessas relações. A questão portuguesa e indígena é apenas um exemplo</p><p>37</p><p>de como a desigualdade, em sua relação com a diversidade, afeta a vida dos</p><p>indivíduos.</p><p>Em um primeiro momento, pode-se supor que o contato entre os povos, a</p><p>tentativa de homogeneização e tantos outros aspectos favoreceram a diversidade</p><p>cultural do Brasil, especialmente no que diz respeito a práticas, costumes e valores.</p><p>Entretanto, é necessário lembrar que a escravidão vivenciada por negros e índios</p><p>trouxe consequências importantes para a formação da sociedade. Ela ampliou</p><p>distâncias entre as pessoas, divididas por classes sociais, e afastou os negros (em</p><p>alguns casos, pobres e marginalizados) do acesso aos bens e serviços, situação de</p><p>preconceito e discriminação presente até hoje. Não menos importante, houve o</p><p>avanço das desigualdades na sociedade capitalista, em que predominam os</p><p>interesses ligados ao capital e aos lucros, diminuindo o acesso da classe trabalhadora</p><p>aos bens e serviços produzidos, o que a coloca em situação de desvantagem.</p><p>Refletindo sobre a questão das desigualdades e diversidades, você deve notar</p><p>que a diferença entre as pessoas é uma das principais responsáveis por gerar</p><p>desigualdades (SCOTT; LEWIS; QUADROS, 2009). Se antes a diversidade indicava</p><p>apenas uma pluralidade de culturas humanas, hoje tem implicações políticas. Tais</p><p>implicações podem ser percebidas nas relações entre grupos cujas desigualdades são</p><p>evidentes, especialmente no que se refere a poder e resistência.</p><p>Silva, Guimarães e Moretti (2017) apontam que as desigualdades geradas pela</p><p>diversidade muitas vezes resultam em atitudes discriminatórias, no geral aparecendo</p><p>de forma sutil e velada, tendo como pano de fundo o discurso sobre tratamento</p><p>igualitário. Para os autores, quando determinadas características são identificadas e</p><p>pessoas ou grupos são rotulados, surgem os comportamentos segregadores. Se</p><p>estão em jogo pessoas ou grupos que já vivem em situação de desvantagem social,</p><p>é comum que eles também se sintam em condições de inferioridade, assumindo esse</p><p>papel. Assim, em vez de reagir a essa situação, acabam se sentindo em situação de</p><p>desvantagem.</p><p>Hobsbawm (2007, p. 11), por sua vez, considera a desigualdade como</p><p>resultado do mundo globalizado:</p><p>A globalização, acompanhada</p><p>de mercados livres, atualmente tão em voga,</p><p>trouxe consigo uma dramática acentuação das desigualdades econômicas e</p><p>sociais, no interior das nações e entre elas. Não há indícios de que essa</p><p>polarização não esteja prosseguindo dentro dos países, apesar de uma</p><p>38</p><p>diminuição geral da pobreza extrema. Este surto de desigualdade,</p><p>especialmente em condições de extrema instabilidade econômica, como as</p><p>que se criaram com os mercados livres globais desde a década de 1990, está</p><p>na base das importantes tensões sociais e políticas do novo século. O</p><p>impacto dessa globalização é mais sensível para os que menos se beneficiam</p><p>dela.</p><p>Existe uma relação intrínseca entre a diversidade e as desigualdades sociais,</p><p>o que fica evidente no Brasil, país tão grande quanto suas discrepâncias e</p><p>contradições. Ao longo do tempo, as desigualdades e diversidades foram se</p><p>acentuando. Na atualidade, romper com esse ciclo não é algo tão simples e requer</p><p>motivação individual, tolerância e conhecimento, além do apoio do Estado no</p><p>enfrentamento dessas questões.</p><p>6 DESIGUALDADE, DIVERSIDADE E DIREITOS NO BRASIL CONTEMPORÂNEO</p><p>A desigualdade sempre existiu na sociedade brasileira. Na atualidade, ela ainda</p><p>se mantém muito presente e expressiva. Além disso, se configura como algo</p><p>multidimensional, transversal e durável. Como você sabe, a desigualdade se</p><p>manifesta de diversas formas. Uma delas é no acesso aos direitos. Nos últimos anos,</p><p>muito se evoluiu em termos de garantias asseguradas constitucionalmente. No</p><p>entanto, considerando a baixa aplicabilidade dos direitos, legislações complementares</p><p>foram criadas a fim de preencher a lacuna entre o que está no papel e o que acontece</p><p>na prática.</p><p>6.1 A desigualdade no acesso aos direitos no Brasil do ponto de vista histórico</p><p>Do ponto de vista histórico, a desigualdade está intimamente relacionada ao</p><p>desenvolvimento da humanidade e às relações de poder. Inicialmente, os homens</p><p>utilizavam a força e a inteligência para se sobressair por meio de atitudes de liderança,</p><p>começando a estabelecer situações de desigualdade. Com o passar do tempo e a</p><p>evolução da humanidade, as relações também foram sofrendo alterações. As</p><p>desigualdades existentes passaram a refletir a forma como as sociedades se</p><p>organizam.</p><p>O tema ganhou mais complexidade com o advento do capitalismo e a</p><p>consolidação da industrialização. Você deve notar que até então a desigualdade</p><p>39</p><p>presente nas sociedades pautava-se, basicamente, nas relações entre os que</p><p>detinham o poder e aqueles que estavam em uma condição de subalternidade. Com</p><p>a industrialização (século XVIII), alteram-se essas relações, pois amplia-se o comércio</p><p>em nível mundial. Assim, se define uma condição bastante solidificada no mercado de</p><p>trabalho, que é a relação entre patrão e empregado.</p><p>Nessa perspectiva de industrialização, expandem-se o capitalismo e a</p><p>necessidade de acumular lucro e capital a todo custo. Então, se estabelecem</p><p>diferenças importantes entre os detentores do capital e os vendedores da força de</p><p>trabalho. Os trabalhadores possuem apenas a força de trabalho e pouco acesso à</p><p>renda, ficando na parte inferior da relação com os empregadores. A desigualdade</p><p>social fica evidente nesse contexto marcado pela diferença econômica, uma vez que</p><p>os trabalhadores não acessam o capital. Marx (1988) considera a desigualdade como</p><p>fruto da sociedade capitalista e da relação de classes. Nesse contexto, a classe</p><p>empregadora utiliza a condição gerada pelas desigualdades para estabelecer ainda</p><p>mais poder sobre a classe trabalhadora.</p><p>Como você viu, a desigualdade basicamente sempre existiu. Na atualidade, ela</p><p>é bastante expressiva, além de multidimensional, transversal e durável. Segundo</p><p>Scalon (2011), é por essas razões que discutir a desigualdade na sociedade atual é</p><p>essencial, considerando suas inúmeras dimensões e consequências. Ainda de acordo</p><p>com Scalon (2011, p. 50):</p><p>[...] sabemos que a desigualdade não é um fato natural, mas sim uma</p><p>construção social. Ela depende de circunstâncias e é, em grande parte, o</p><p>resultado das escolhas políticas feitas ao longo da história de cada</p><p>sociedade. Mas também sabemos que todas as sociedades experimentam</p><p>desigualdades e que estas se apresentam de diversas formas: como</p><p>prestígio, poder, renda, entre outras — e suas origens são tão variadas</p><p>quanto suas manifestações. O desafio não é apenas descrever os fatores e</p><p>componentes das desigualdades sociais, mas também explicar sua</p><p>permanência, e em alguns casos seu aprofundamento, apesar dos valores</p><p>igualitários modernos.</p><p>Scalon (2011) também diz que, no caso do Brasil, chama a atenção o fato de a</p><p>desigualdade resistir ao tempo e ao processo de modernização da sociedade. A</p><p>autora ainda esclarece que é preciso considerar a desigualdade como um problema</p><p>político que mantém relação direta com a democracia, a justiça social e a igualdade</p><p>de oportunidades. Nesse sentido, não haverá democracia se não houver uma atenção</p><p>mais focalizada para o problema das desigualdades sociais. Afinal, “[...] a igualdade</p><p>40</p><p>pode ser considerada um dos atributos básicos da cidadania, considerada em seu</p><p>sentido mais amplo como acesso a direitos” (SCALON, 2011, p. 51).</p><p>A igualdade está assegurada na Constituição Federal de 1988, entretanto “[...]</p><p>a lei só pode ser garantida de maneira eficiente quando sustentada pela igualdade</p><p>nas chances de vida, que assegura tanto a possibilidade como a liberdade de escolha</p><p>e a utilização plena das capacidades dos atores sociais” (SCALON, 2011). A grande</p><p>questão é que isso não acontece de fato, dada a dimensão que as desigualdades</p><p>sociais assumem no Brasil, impactando questões essenciais, como a efetivação da</p><p>democracia e da justiça social, e transitando por aspectos relacionados à ética e à</p><p>moral.</p><p>Faleiros (2014) destaca que, na sociedade capitalista, as demandas por</p><p>serviços sociais demonstram as desigualdades econômicas, as situações de</p><p>inclusões ou exclusões. Para o autor, essas:</p><p>[...] são demandas complexas tanto pela efetivação de direitos como por</p><p>cuidados específicos que exigem dos profissionais a análise das relações</p><p>gerais e particulares dessas condições e do poder de enfrentá-las, o que</p><p>implica trabalhar a correlação de forças (FALEIROS, 2014, p. 708)</p><p>Netto (2007) aponta que as desigualdades sociais se expressam basicamente</p><p>nas variadas manifestações da Questão Social, área da qual surgem as principais</p><p>atuações do Serviço Social. Do ponto de vista histórico, Netto (2007) registra que há</p><p>poucos países na América Latina e no mundo tão desiguais como o Brasil. O autor</p><p>afirma que, no Brasil, “[...] em 1999 os 10% mais ricos se apropriam de 47,4% da</p><p>renda nacional, cabendo aos 50% mais pobres apenas 12,6% dela e, particularmente,</p><p>que o 1% mais rico se apropria de mais que os 50% mais pobres” (NETTO, 2007, p.</p><p>140).</p><p>Ele ainda acrescenta outra informação:</p><p>[...] o panorama da propriedade fundiária é emblemático dos suportes da</p><p>desigualdade brasileira: há 10 anos, e este quadro não mudou em nada, 75</p><p>propriedades rurais detinham 7,3% [...] das terras totais do país, enquanto</p><p>75% das propriedades rurais permaneciam com somente 11% das terras</p><p>agricultáveis (NETTO, 2007, p. 140).</p><p>41</p><p>O autor destaca ainda que a desigualdade é um problema recorrente na maior</p><p>parte das sociedades. No entanto, ela apresenta características diferenciadas no</p><p>conjunto das sociedades capitalistas.</p><p>As desigualdades sociais há tempos estão presentes na sociedade brasileira.</p><p>Scalon (2011, p. 52) destaca a relação entre a desigualdade e a pobreza. Embora</p><p>tenham conceituações distintas, elas são fortemente relacionadas, “[...] na medida em</p><p>que as disparidades nas chances da vida acabam por determinar as possibilidades de</p><p>escapar de situações de privação e vulnerabilidade”. Scalon (2011) aponta ainda que</p><p>é ingenuidade acreditar que pobreza e desigualdade podem ser eliminadas</p><p>apenas</p><p>com “interesse político” ou mediante redistribuição de recursos entre ricos e pobres.</p><p>A melhor alternativa, segundo a autora, para enfrentar tais questões, é a educação,</p><p>pois somente ela permitiria o acesso a melhores condições de trabalho e melhor</p><p>remuneração.</p><p>6.2 A conquista de direitos no Brasil</p><p>O Brasil possui um aparato legal que busca assegurar os direitos de todos os</p><p>indivíduos residentes no território nacional. No entanto, o tema direitos é ainda</p><p>bastante controverso, especialmente na sociedade neoliberal, marcada pela</p><p>diversidade e pela desigualdade. Analisando o contexto histórico, se pode inferir que</p><p>os direitos, mais especificamente os direitos humanos, têm sua origem nas lutas</p><p>burguesas, com a Revolução Francesa, considerada o marco cronológico desses</p><p>direitos.</p><p>A Revolução Francesa é um marco para o advento do capitalismo. Ela</p><p>representa a luta da burguesia pela liberdade, no sentido exclusivo de comprar e</p><p>vender produtos com mais liberdade. Assim, os direitos que surgem estão vinculados</p><p>à ideia de liberdade e de propriedade, em consonância com o sistema neoliberal. A</p><p>liberdade defendida pelos burgueses não era para toda a sociedade, e sim limitada</p><p>aos considerados cidadãos. Os direitos dessa época fazem parte da primeira</p><p>geração de direitos e ficaram conhecidos como direitos individuais.</p><p>No percurso histórico, mudanças foram ocorrendo no sistema capitalista. Com</p><p>a Revolução Industrial, os trabalhadores também começaram a lutar pelos seus</p><p>direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma classe. Nessa perspectiva,</p><p>42</p><p>surge a segunda geração dos direitos humanos, os chamados direitos sociais e</p><p>políticos. É o caso de direito à moradia, ao voto, à participação na vida pública, entre</p><p>outros.</p><p>Mediante o acirramento da luta de classes, os trabalhadores começaram a lutar</p><p>por direitos mais específicos, aqueles das chamadas “minorias sociais”, ou seja,</p><p>grupos considerados em situação mais desfavorecida. Como exemplos de minorias,</p><p>você pode considerar: mulheres, pessoas com deficiências, grupos LGBT e outros.</p><p>Tais grupos necessitavam que suas necessidades fossem, de fato, asseguradas. Os</p><p>direitos das minorias são os mais discutidos na atualidade, recebendo uma atenção</p><p>mais específica.</p><p>Os direitos não são pensados e construídos de uma única vez. Eles ganham</p><p>forma conforme a sociedade humana vai se desenvolvendo e suas necessidades,</p><p>surgindo. Assim, para compreender o significado que os direitos têm na atualidade, é</p><p>essencial verificar como foram observados em épocas passadas.</p><p>Isso posto, considere agora a evolução da legislação brasileira, tomando como</p><p>ponto de partida a Constituição Federal de 1988, que apresenta os direitos e deveres</p><p>dos cidadãos e pauta-se em valores de equidade e direitos universais. Além disso, a</p><p>Constituição reafirma conquistas transformadas em direitos sociais nas áreas de</p><p>saúde, assistência social, educação, previdência, trabalho, entre outras (PIANA,</p><p>2009). Conhecida como Constituição Cidadã, recebeu essa denominação:</p><p>[...] em virtude da inclusão, como direitos fundamentais, de uma série de</p><p>direitos sociais que a colocaram em contemporaneidade com os anseios da</p><p>sociedade brasileira, após 42 anos de vigência da Constituição Federal de</p><p>setembro de 1946, última promulgada sob regime democrático (OLIVEIRA,</p><p>2011, p. 6).</p><p>Ainda segundo o autor:</p><p>Criticada por uns, pelo detalhismo de suas disposições, justifica-se essa sua</p><p>característica pela tradição de alto grau de descumprimento da legislação</p><p>ordinária no país, a exemplo do que ocorre com a legislação trabalhista criada</p><p>nas décadas de 1930 e 1940 e inscrita na Consolidação das Leis do Trabalho</p><p>— CLT —, cujo cumprimento ainda é motivo de frequentes demandas</p><p>judiciais por parte dos trabalhadores (OLIVEIRA, 2011, p. 6)</p><p>Isso evidencia que o País possui um aparato legal muito completo e detalhado.</p><p>No entanto, boa parte das leis ainda não são aplicadas como deveriam e como está</p><p>expresso na Carta Magna. Por isso, tem-se verificado, nos últimos tempos, a</p><p>43</p><p>necessidade de estabelecer leis complementares para garantir direitos já previstos na</p><p>Constituição. Os avanços na legislação somente foram possíveis graças à</p><p>organização e à mobilização de vários segmentos da sociedade, desde a década de</p><p>1970 (OLIVEIRA, 2011).</p><p>Vários grupos mereceram atenção na legislação posterior à Constituição</p><p>Federal de 1988, mas destaca-se aqui a situação dos trabalhadores. Para esse</p><p>grupo, foi criada a Consolidação das Leis do Trabalho (BRASIL, 1988) e outros direitos</p><p>sociais assegurados constitucionalmente. É o caso do direito contra a dispensa</p><p>injustificada (partindo do princípio de que o empregador possui superioridade em</p><p>relação ao trabalhador), do seguro-desemprego, do fundo de garantia por tempo de</p><p>serviço e outros. Recentemente, algumas mudanças foram realizadas na legislação</p><p>trabalhista, nem todas favoráveis ao trabalhador.</p><p>Ao longo do tempo, outros grupos foram tendo seus direitos esmiuçados em</p><p>leis complementares, mediante luta e mobilização dos grupos sociais. A Lei nº 8.069,</p><p>de 13 de julho de 1990, é um exemplo de lei complementar, que detalha o art. 227 da</p><p>Constituição Federal. Essa lei define os direitos das crianças e adolescentes,</p><p>indicando quem deve aplicá-los e como são efetivados na prática. Assim, trata-se de</p><p>um conjunto de normas que busca assegurar a proteção integral da criança e do</p><p>adolescente. Entende-se como criança a pessoa com até 12 anos de idade</p><p>incompletos, e adolescente, aquela que tem entre 12 e 18 anos de idade. Em seu art.</p><p>3º, o Estatuto da Criança e do Adolescente assegura que a criança e o adolescente</p><p>gozem de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana (assegurados</p><p>na Constituição Federal), mas sem os prejuízos da proteção integral de que trata essa</p><p>lei. Isso implica dizer que crianças e adolescentes devem ser protegidos pelo Estado,</p><p>pela família e pela sociedade com absoluta prioridade (BRASIL, 1990).</p><p>Ao segmento idoso também foi assegurada atenção especial e houve evolução</p><p>dos direitos ao longo do tempo. O Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741, de 1º de outubro</p><p>de 2003) foi criado para regular os direitos das pessoas com 60 anos ou mais. Além</p><p>de estabelecer os direitos e as responsabilidades na efetivação da proteção dos</p><p>direitos dos idosos, o Estatuto assegura a prioridade do atendimento em órgãos</p><p>públicos e privados, estabelecendo prioridade especial aos maiores de 80 anos. De</p><p>forma geral, o Estatuto estabelece que o idoso goze de todos os direitos fundamentais</p><p>44</p><p>da pessoa humana, sem prejuízo dos demais direitos previstos na lei (BRASIL,</p><p>2003a).</p><p>O Brasil também avançou na promoção dos direitos das pessoas com</p><p>deficiência, por meio de políticas que as valorizam enquanto cidadãs, respeitando</p><p>suas características e sua condição. Um desses avanços está materializado no</p><p>Estatuto da Pessoa com Deficiência, a Lei Brasileira de Inclusão (Lei nº 13.146, de 6</p><p>de julho de 2015). Essa lei se destina “[...] a assegurar e promover, em condições de</p><p>igualdade, o exercício dos direitos e das liberdades fundamentais por pessoa com</p><p>deficiência, visando à sua inclusão social e cidadania” (BRASIL, 2015, documento on-</p><p>line). Para tanto, se considera pessoa com deficiência:</p><p>[...] aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental,</p><p>intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras pode</p><p>obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de</p><p>condições com as demais pessoas (BRASIL, 2015, documento on-line).</p><p>6.3 Conquistas e retrocessos nos direitos</p><p>No que se refere aos direitos relacionados às diferentes etnias, você pode</p><p>considerar que houve um avanço importante na legislação, especialmente no que se</p><p>refere aos direitos dos negros e índios. Quanto aos negros, é preciso considerar as</p><p>situações vivenciadas pelos seus antepassados</p><p>na época da escravidão, bem como</p><p>todo o sofrimento e as situações de precariedade enfrentadas. Somente séculos</p><p>depois algo de efetivo começou a ser feito para essa população. Nesse sentido, Vieira</p><p>(2013, p. 1) aponta:</p><p>A situação da população negra na sociedade brasileira, vitimada em especial</p><p>pela violência do preconceito histórico-cultural, pela discriminação sócio-</p><p>racial e pela exclusão econômica na sua interação com os outros segmentos</p><p>da população brasileira, se baseia na hipótese de que as posturas racistas</p><p>ainda existentes em nossa sociedade foram e ainda são reforçadas pelo</p><p>desconhecimento da formação e das origens históricas, sociais e culturais</p><p>que fundaram o Estado brasileiro e, sobretudo, do esquecimento por parte do</p><p>Estado em relação à população negra brasileira.</p><p>Nessa perspectiva, pequenos passos começaram a ser dados com a</p><p>Constituição Federal de 1988, que assegura o direito à igualdade de condições de</p><p>vida e de cidadania. Além disso, ela garante igual direito às histórias e culturas que</p><p>compõem a nação brasileira, bem como o direito de acesso às diferentes fontes da</p><p>45</p><p>cultura nacional a todos os brasileiros (BRASIL, 1988). Algumas legislações</p><p>posteriores, especialmente na área da educação, buscam oferecer uma resposta à</p><p>demanda da população afrodescendente por meio do desenvolvimento de ações</p><p>afirmativas para reparar possíveis prejuízos sofridos ao longo do tempo, reconhecer</p><p>e valorizar a sua história, a sua cultura e a sua identidade.</p><p>Nessa perspectiva, a Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, estabelece a</p><p>obrigatoriedade do ensino de história e cultura afrodescendente na educação básica</p><p>(BRASIL, 2003b). Tal iniciativa se faz necessária para que o Estado e a sociedade</p><p>adotem medidas para ressarcir os descendentes de africanos negros dos danos</p><p>psicológicos, sociais, materiais, políticos e educacionais vivenciados no regime</p><p>escravista. Sem a intervenção do Estado, dificilmente as desigualdades e injustiças</p><p>seriam rompidas. Elas permaneceriam fundadas em preconceitos e na manutenção</p><p>de privilégios para poucos.</p><p>Situação semelhante à vivenciada pela população negra é a da população</p><p>indígena, que sofreu com o processo de colonização e até hoje se encontra muito à</p><p>margem da sociedade e do acesso aos direitos. A Constituição Federal de 1988</p><p>reconhece o respeito às formas de organização próprias dos povos indígenas, além</p><p>de suas crenças, costumes, usos e tradições. Além disso, reconhece os direitos</p><p>originários dos povos indígenas sobre suas terras. Além da Constituição Federal de</p><p>1988, o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, da Organização Internacional do</p><p>Trabalho, assegura o direito à autonomia dos povos indígenas no sentido de garantir</p><p>o respeito às formas diferenciadas de vida, de gestão e de desenvolvimento de seus</p><p>territórios (BRASIL, 2004).</p><p>Entre homens e mulheres, as diferenças no acesso aos direitos também</p><p>existem. Embora o texto constitucional assegure a igualdade entre eles, na prática</p><p>não é isso o que acontece. O trabalho é um dos setores em que homens e mulheres</p><p>ainda hoje são tratados com diferença. Culturalmente, o trabalho é associado à</p><p>identidade do homem, na sua função de garantir o sustento da casa, proteger e cuidar</p><p>da família. Assim, muitas vezes, ainda que a mulher exerça a mesma função que o</p><p>homem e tenha a mesma qualificação, ela recebe remuneração inferior e ambos nem</p><p>sempre possuem a mesma valorização.</p><p>Esse cenário trata-se, na verdade, de um dos grandes retrocessos, ou de uma</p><p>dificuldade em avançar na conquista do direito das mulheres de serem respeitadas</p><p>46</p><p>em sua condição, sua dignidade e suas possibilidades de trabalho, em situação de</p><p>igualdade com os homens. Você pode considerar ainda que homens e mulheres têm</p><p>direito à inviolabilidade da sua integridade e nem sempre mulheres são respeitadas,</p><p>sendo alvo de comportamentos inadequados. Haveria muitas situações a serem</p><p>descritas em que direitos de homens e mulheres não são igualmente respeitados, mas</p><p>o que você deve considerar é que essa condição ainda requer muita luta para que</p><p>ambos estejam em condição de igualdade.</p><p>Você deve ter em mente também que existem muitas discussões e</p><p>mobilizações populares a favor de outros grupos em situação de vulnerabilidade e/ou</p><p>desigualdade. Exemplos são as mobilizações a favor da população LGBT, que ainda</p><p>luta e discute questões como casamento, adoção e tantos outros assuntos que ainda</p><p>aguardam regulamentação legal. Esse ponto é importante, uma vez que há uma série</p><p>de projetos a serem votados no Congresso que continuam parados, como</p><p>criminalização da LGBTfobia, casamento homoafetivo, alteração de nome, entre</p><p>outros. A maioria dos direitos dessa população não possui legislação específica.</p><p>Assim, as pessoas interessadas precisam recorrer ao Poder Judiciário para que as</p><p>solicitações sejam avaliadas caso a caso. (OLIVEIRA, 2018).</p><p>Fonte: https://jornalggn.com.br/</p><p>47</p><p>7 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS</p><p>Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo conforme os contextos</p><p>históricos. Eles se adequaram e foram construídos com base nas necessidades de</p><p>cada momento. Em linhas gerais, os direitos humanos são direitos inerentes a todos</p><p>os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outra</p><p>forma de distinção. O que se tem observado na atualidade é um movimento contrário</p><p>à atuação dos defensores dos direitos humanos. Tal movimento é propagado pela</p><p>mídia e por líderes políticos e governantes que possuem interesse em que a</p><p>população desconheça ou desvalorize a importância de direitos dessa natureza.</p><p>7.1 A constituição dos direitos humanos</p><p>Para começar, considere o Brasil Colônia. O povo daquela época não possuía</p><p>autonomia enquanto nação e sofria uma intensa exploração (VINAGRE; PEREIRA,</p><p>2008). Já na época do Império (1822–1889), se registraram violações importantes aos</p><p>direitos humanos, especialmente no que se refere ao genocídio a que foram</p><p>submetidos os índios e negros. Nesse aspecto, uma primeira conquista ocorreu em</p><p>1888, com a abolição da escravatura. Para Vinagre e Pereira (2008, p. 35), “[...] a</p><p>escravidão é uma das maiores violações dos direitos humanos, posto que se refere à</p><p>apropriação total do produto do trabalho da pessoa a esse regime, sendo, também,</p><p>apropriação do seu corpo, da sua vida e do seu destino”. Com o fim da escravidão, os</p><p>negros adquiriram direitos civis, pois teoricamente deixaram de ser propriedade do</p><p>senhor e de ser considerados mercadorias.</p><p>Ao longo da história de violação de direitos, sempre houve resistência e</p><p>enfrentamento. Um exemplo de movimento organizado e desenvolvido pela</p><p>resistência negra foi a experiência bem-sucedida do Quilombo de Palmares. No</p><p>entanto, apesar da resistência, essas vivências não eram favoráveis à efetivação de</p><p>direitos, uma vez que muitas pessoas ainda eram forçadas a realizar trabalhos em</p><p>grandes propriedades rurais, em que os proprietários determinavam limites ao próprio</p><p>Estado. Vinagre e Pereira (2008, p. 36) complementam:</p><p>[...] no que se refere aos direitos políticos, estes eram restritos a uma elite; e</p><p>dos direitos sociais, ainda não se falava, uma vez que a garantia dos mínimos</p><p>sociais ficava a cargo da filantropia privada e da Igreja Católica,</p><p>prevalecendo, pois, o caldo cultural clientelista e patrimonialista.</p><p>48</p><p>No período destacado, além dos negros, outros setores também</p><p>desfavorecidos se mobilizaram na busca por direitos. Datam desse período a Revolta</p><p>dos Alfaiates, a Revolução Farroupilha, a Guerra de Canudos e outros movimentos.</p><p>Na luta por direitos, merece destaque o movimento pelo voto das mulheres, após a</p><p>Revolução de 1930. Destaque também para o movimento operário e a sua luta por</p><p>direitos civis e políticos, reivindicando o direito ao trabalho, à organização sindical e</p><p>aos direitos trabalhistas (VINAGRE; PEREIRA,</p><p>2008).</p><p>Na Primeira República, Vinagre e Pereira (2008) destacam que os primeiros</p><p>avanços em termos de direitos ocorreram após a entrada do Brasil na Organização</p><p>Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Então, houve avanços na área de direitos</p><p>relacionados ao trabalho, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),</p><p>de 1943. Os direitos políticos foram sendo efetivados de acordo com cada período</p><p>histórico. No período da ditadura, por exemplo, direitos como a liberdade de expressão</p><p>e de organização política ficaram bastante restritos. Sobre isso, Vinagre e Pereira</p><p>(2008, p. 37) consideram:</p><p>No contexto ditatorial pós-golpe militar de 1964, os direitos civis e políticos</p><p>foram brutalmente subtraídos pelas medidas de repressão mais sombrias da</p><p>história do país. Com amparo em “instrumentos legais” — os atos</p><p>institucionais —, foram cassados os direitos políticos de lideranças sindicais</p><p>e partidárias, de artistas e intelectuais; foram fechadas as sedes das</p><p>organizações estudantis e dos trabalhadores. O direito de opinião e</p><p>organização foi restringido e adotada a censura nos meios de comunicação.</p><p>Práticas de prisões arbitrárias, torturas e execuções sumárias de opositores</p><p>do regime eram frequentes. Direitos tais como a inviolabilidade do lar e da</p><p>correspondência eram sistematicamente desrespeitados, assim como o</p><p>direito à vida e à integridade física, em nome da ideologia da “segurança</p><p>nacional”, que legitimava a autonomização do aparato policial, inclusive frente</p><p>ao Estado.</p><p>Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou</p><p>para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez,</p><p>foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres,</p><p>operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar</p><p>pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos,</p><p>alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à</p><p>vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos</p><p>outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os</p><p>direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008).</p><p>49</p><p>O Brasil passou a adotar ainda determinações internacionais (declarações,</p><p>tratados, cartas) na área de defesa dos direitos humanos, comprometendo-se com o</p><p>Sistema Internacional de Direitos Humanos (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Em termos</p><p>mundiais, os direitos humanos têm como marco a Segunda Guerra Mundial, momento</p><p>em que essa questão atinge níveis internacionais. Destaca-se, nesse período, a</p><p>criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a Declaração</p><p>Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Esse documento reuniu valores éticos</p><p>universais, mas com sinais dos projetos societários em disputa naquela época</p><p>(VINAGRE; PEREIRA, 2008). Veja:</p><p>Ainda que sob a égide da moral liberal, a Declaração de 1948 avança em</p><p>relação a textos dos séculos XVIII e XIX, posto que lança a inovação dos</p><p>princípios da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos,</p><p>acrescentando direitos civis e políticos, da Declaração dos Direitos do</p><p>Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa de 1789), a defesa dos</p><p>direitos econômicos, sociais e culturais (como os direitos à educação, à</p><p>saúde, a justas condições de trabalho e ao acesso à cultura), reivindicados</p><p>desde as lutas operárias dos séculos XIX e XX e, em especial, após a</p><p>Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de Janeiro de</p><p>1918, advinda da Revolução Russa (VINAGRE; PEREIRA, 2008, p. 41).</p><p>Para Barroco (2008, p. 2):</p><p>[...] a origem da noção moderna dos DH é inseparável da ideia de que a</p><p>sociedade é capaz de garantir a justiça — através das leis e do Estado — e</p><p>dos princípios que lhes servem de sustentação filosófica e política: a</p><p>universalidade e o direito natural à vida, à liberdade e ao pensamento.</p><p>O autor ainda afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma</p><p>forma de confirmar, na prática, algo que até então não era reconhecido por toda a</p><p>sociedade.</p><p>Fonte: https://nnadiamarinho87.jusbrasil.com.br/</p><p>50</p><p>7.2 Direitos humanos</p><p>Após alguns acontecimentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, foi</p><p>elaborada e aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela representa</p><p>uma tentativa de contribuir com a luta da sociedade contra situações de discriminação,</p><p>preconceito e opressão, valorizando a noção de igualdade entre todos os indivíduos</p><p>e a dignidade humana. É dessas questões que tratam os chamados “direitos</p><p>humanos”. Eles garantem a vida, a liberdade, o trabalho, a saúde, a educação, a</p><p>dignidade, o respeito, entre outros direitos que buscam assegurar ao cidadão uma</p><p>vida digna. Destaca-se o fato de que a Declaração foi proposta por meio de acordos</p><p>internacionais, ratificada por meio de cartas, convenções e pactos. Isso assegura o</p><p>seu caráter universal e representa o consentimento de toda a comunidade</p><p>internacional envolvida. A proposta de que os direitos humanos sejam resguardados</p><p>é feita por meio do Conselho de Segurança da ONU, que colabora com os países</p><p>tanto na implantação desses direitos quanto no controle da sua violação.</p><p>Os direitos humanos foram evoluindo ao longo do tempo conforme os contextos</p><p>históricos, adequando-se e sendo construídos com base nas necessidades surgidas</p><p>em cada momento. Para melhor representar essa evolução, utiliza-se uma</p><p>classificação dos direitos humanos por meio de “gerações”, que, na verdade, situam</p><p>as categorias propostas no momento histórico de sua construção. A primeira</p><p>classificação, conhecida como primeira geração, está associada ao século XVIII, à</p><p>independência dos Estados Unidos, em 1787, e à Revolução Francesa, dois anos</p><p>depois. Essa geração traz ideias de liberdade relacionadas especialmente aos direitos</p><p>civis e políticos. Você deve considerar que nessa época se registrava uma luta da</p><p>burguesia por melhores condições de comércio (liberdade). Portanto, os direitos</p><p>conquistados restringiam-se a determinados indivíduos e não eram aplicados a toda</p><p>a sociedade. Nessa geração, o Estado deveria limitar sua intervenção na ação</p><p>humana, considerando o direito à liberdade de todos. São exemplos de direitos</p><p>assegurados a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à privacidade,</p><p>entre outros. (ONU, 2009).</p><p>Já os direitos humanos considerados de segunda geração têm como marco</p><p>oficial a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), crescendo paralelamente à ideologia</p><p>do estado de bem-estar social. Nesse percurso histórico, os trabalhadores também</p><p>começam a lutar pelos seus direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma</p><p>51</p><p>classe. Nessa lógica, a proposta é que os direitos até então limitados a uma classe</p><p>sejam expandidos para todos os indivíduos por meio de políticas públicas que</p><p>garantam saúde, trabalho, moradia, direito ao voto e a participar da vida pública, entre</p><p>outros. Nessa geração, fica evidente a necessidade de se exigirem do Estado</p><p>condições iguais para todos, com a finalidade de que tenham uma vida mais digna.</p><p>A terceira geração de direitos surge na década de 1960 e tem como foco</p><p>principal os ideais de solidariedade e fraternidade. Mediante o acirramento da luta de</p><p>classes, os trabalhadores começam a lutar por direitos mais específicos, aqueles das</p><p>chamadas “minorias sociais”, ou seja, grupos considerados em situação mais</p><p>desfavorecida. É o caso de mulheres, pessoas com deficiências e outras que</p><p>precisavam que seus direitos fossem mais detalhados, a fim de que suas</p><p>necessidades fossem de fato asseguradas. Além da proteção aos grupos mais</p><p>vulneráveis, inclui-se nessa proposta a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há</p><p>discussões entre os intelectuais sobre a inclusão de uma quarta geração de direitos,</p><p>que envolve informática e bioética, mas eles ainda divergem</p><p>opiniões e tal geração</p><p>não está de fato estabelecida.</p><p>Marco (2006, p. 47) destaca que “[...] os avanços tecnológicos e as descobertas</p><p>científicas colocam o mundo em perplexidade com os valores sociais e éticos das três</p><p>gerações de direitos até aqui delineadas”, trazendo à tona a necessidade de</p><p>considerar outra geração de direitos. Assim, ainda que esta não esteja de fato</p><p>consolidada entre os intelectuais, considerando a intensidade de discussões a</p><p>respeito do tema e sua viabilidade, falam-se hoje nos “direitos de quarta geração”.</p><p>Trata-se de uma geração que surgiu para acompanhar o desenvolvimento da</p><p>humanidade e ajudar o direito a encontrar soluções e impor limites para responder a</p><p>eventuais questionamentos decorrentes das inovações tecnológicas e do</p><p>aprimoramento genérico. Fazem parte dessa geração os direitos à democracia, à</p><p>informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 1996 apud MARCO, 2006).</p><p>Isso posto, é importante você conhecer um pouco do conteúdo da Declaração</p><p>Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, esse documento elenca alguns dos</p><p>objetivos que levaram à sua elaboração. O primeiro deles refere-se ao</p><p>reconhecimento de que a dignidade e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos</p><p>constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Assim, o</p><p>desconhecimento sobre os direitos origina responsáveis por atos de barbárie, que</p><p>52</p><p>revoltam por seu elevado grau de crueldade. A Declaração possui 30 artigos. Entre</p><p>eles:</p><p>Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e</p><p>direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns</p><p>aos outros com espírito de fraternidade.</p><p>Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as</p><p>liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer</p><p>espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra</p><p>natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra</p><p>condição. [...]</p><p>Artigo III Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança</p><p>pessoal.</p><p>Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e</p><p>o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas.</p><p>Artigo V Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo</p><p>cruel, desumano ou degradante.</p><p>Artigo XVIII Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento,</p><p>consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou</p><p>crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela</p><p>prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular.</p><p>Artigo XIX Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão;</p><p>este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar,</p><p>receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e</p><p>independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS,</p><p>2009, documento on-line)</p><p>Como você pode observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos</p><p>envolve a proteção do indivíduo e o respeito à sua dignidade, de forma bastante</p><p>ampla. Diante disso, você pode considerar que se trata de um marco na história dos</p><p>direitos na sociedade. No entanto, é necessário o conhecimento da sociedade acerca</p><p>desses direitos e de sua importância para que eles sejam de fato assegurados e para</p><p>que se possam evitar violações.</p><p>7.3 Direitos humanos e senso comum</p><p>Na atualidade, têm ocorrido importantes distorções no que se refere aos direitos</p><p>humanos, especialmente vindas de setores sociais mais conservadores. Vários</p><p>fatores contribuem para essa situação. Entre eles, destaca-se a mídia, que se</p><p>encontra a serviço da classe dominante e, em razão disso, deixa de lado a sua função</p><p>de informar com responsabilidade para disseminar notícias de forma sensacionalista.</p><p>Nessa perspectiva, a relação entre os defensores dos direitos humanos e a mídia</p><p>nunca seguiu um caminho tranquilo e sem embates. Sempre houve tensões. Em</p><p>muitos casos, a mídia tem a função de servir à classe dominante, visando ao lucro.</p><p>53</p><p>Isso, como você deve imaginar, acaba impactando negativamente a sociedade</p><p>(COSTA, 2017).</p><p>Por outro lado, as distorções sobre os direitos humanos também acontecem.</p><p>Nem todos os indivíduos possuem acesso às informações e aos direitos de forma</p><p>correta. Isso gera críticas infundadas e que trazem como consequência prejuízos à</p><p>coletividade.</p><p>Costa (2017) aponta que a mídia atua com um discurso diferente a cada</p><p>momento histórico. Ela ora se posiciona a favor dos defensores dos direitos humanos,</p><p>ora se coloca contra eles, tratando-os como se fossem defensores de bandidos. O</p><p>autor acrescenta que a tentativa de construir um senso comum a respeito de direitos</p><p>humanos intensificou-se a partir dos anos 1980, quando o Brasil buscava se adequar</p><p>aos tratados e convenções que firmavam a necessidade de que esses direitos fossem</p><p>assegurados em todo o País (OLIVEIRA, 2009 apud COSTA, 2017).</p><p>Considere ainda o seguinte:</p><p>A mídia em geral, e em particular a imprensa, gosta de investir no senso</p><p>comum para manter a audiência e assegurar a manutenção do status quo,</p><p>poucas vezes se preocupando em buscar novo enfoque diante de situação</p><p>recorrente, mesmo quando os fatos apontam em outra direção e a conjuntura</p><p>sugere a necessidade de se buscar nova abordagem. Muitos estereótipos e</p><p>preconceitos arraigados na sociedade são decorrência dessa perseverança</p><p>de atuar em sintonia com o senso comum, como ocorre com os movimentos</p><p>sociais e, particularmente, os de defesa dos Direitos Humanos, sempre</p><p>associados à defesa “de bandidos” quando atuam em prol de vítimas de maus</p><p>tratos ou arbitrariedades das autoridades policiais ou judiciárias (FREITAS,</p><p>2010 apud COSTA, 2017, p. 27).</p><p>Costa (2017) afirma também que a mídia muitas vezes coloca seus interesses</p><p>ligados à audiência e ao capital em primeiro lugar, em detrimento dos interesses</p><p>coletivos. Assim, ela deixa de atender à sua responsabilidade com o que é repassado</p><p>para a sociedade. São condutas dessa natureza que contribuem para a criação de</p><p>estereótipos e preconceitos que acabam sendo disseminados e aceitos na sociedade.</p><p>A tentativa da grande mídia ou até mesmo de personalidades ligadas à política</p><p>de desqualificar os direitos humanos, assim como aqueles que os defendem,</p><p>apresenta como pano de fundo os interesses de determinados grupos. Viola (2008</p><p>apud COSTA, 2017) aponta são opositores aos direitos humanos: os governos</p><p>militares ditatoriais; o grande capital; os setores dos meios de comunicação de massa</p><p>e jornalistas que combatem direitos humanos. Essa perspectiva de análise remonta</p><p>54</p><p>inicialmente aos anos da ditadura, em que os militares exerciam forte poder na</p><p>sociedade. Contudo, atualmente, o que mais tem influenciado é a questão dos</p><p>interesses do grande capital, que “[...] proporciona uma verdadeira violência nas</p><p>relações sociais, contribuindo para a concentração de renda e para o aumento das</p><p>desigualdades na sociedade brasileira” (COSTA, 2017, p. 30).</p><p>Você deve considerar, então, que no contexto do capitalismo não é possível</p><p>conciliar a lógica da acumulação de riquezas, de capital e da exploração do</p><p>trabalhador com as lutas a favor da garantia dos direitos humanos. Isso acontece pois,</p><p>de acordo com essa lógica, os interesses pelo capital são individuais ou referem-se a</p><p>uma classe específica, o que não ocorre com os direitos humanos, que buscam</p><p>atender indistintamente a todos os indivíduos, sem discriminação de nenhum tipo.</p><p>Assim, como você viu, a sociedade brasileira vive situações que requerem a</p><p>defesa dos direitos humanos há muitos séculos. Sua história é marcada por</p><p>exploração, discriminação e violência contra muitos grupos. Nesse sentido, os direitos</p><p>humanos surgem para proteger e garantir a igualdade entre todos os indivíduos. No</p><p>entanto, a defesa desses direitos nem sempre é vista como algo favorável. É por isso</p><p>que a população</p><p>deve conhecer o verdadeiro valor desses direitos, para que possa</p><p>lutar por eles e valoriza-los. A mídia, enquanto importante instrumento de</p><p>comunicação de massa, pode contribuir para que isso ocorra. No entanto, são</p><p>necessárias instituições de fato comprometidas com a disseminação de informações</p><p>corretas e com a sociedade.</p><p>Fonte: http://www.unama.br/</p><p>55</p><p>8 DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um dos principais documentos</p><p>que discorrem sobre as condições mínimas de dignidade humana. Ela foi criada após</p><p>a Segunda Guerra Mundial, o que a torna ainda mais profunda e permeada de</p><p>significados humanos, já que decorre das atrocidades vividas durante a guerra.</p><p>Na atualidade, como você sabe, o tema dos direitos humanos está retornando</p><p>com potência. Afinal, mesmo que o mundo se modernize e fique mais tecnológico,</p><p>ainda é preciso lutar pela dignidade e pelas liberdades fundamentais. (OLIVEIRA,</p><p>2018).</p><p>8.1 Principais garantias</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) é um dos principais</p><p>documentos acordados e assinados por vários países e é traduzido em mais de 500</p><p>línguas. No entanto, para estudar e compreender a profundidade e a magnitude desse</p><p>documento, você deve considerar algumas premissas, tais como seu contexto</p><p>histórico de criação, a sua relevância e as suas garantias.</p><p>O mundo contemporâneo presenciou as duas grandes guerras mundiais, que</p><p>abalaram toda a humanidade. A Primeira Guerra Mundial, que parecia um conflito</p><p>rápido, desestabilizou a Europa e massacrou muitos povos, gerando pobreza,</p><p>sentimento de vingança e revanche em outras nações. A Segunda Guerra Mundial foi</p><p>ainda mais avassaladora, com destruições de cidades inteiras, armas químicas,</p><p>envolvimento de vários países, combates por terra e pelos ares, mortes por todos os</p><p>lados. Ao final da Segunda Guerra, o que se encontrava em quase toda a Europa era</p><p>morte, destruição e muita pobreza. Além disso, todas as formas de direitos humanos</p><p>foram desrespeitadas.</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, é uma resposta às</p><p>atrocidades que aconteceram durante a Segunda Guerra Mundial. Mas sua origem</p><p>não é marcada apenas por esse grande fato. Sua primeira premissa é associada a</p><p>questões religiosas e culturais. Conforme essa premissa antiga, existe uma moral</p><p>entre os povos, em seus acordos internos e externos. De forma sistêmica, as</p><p>diferentes nações buscam viver e garantir os direitos e deveres dos indivíduos para o</p><p>convívio em sociedade. A segunda premissa provável tem origem na Revolução</p><p>56</p><p>Francesa, que, com base no progresso e no debate filosófico, resultou na Declaração</p><p>dos Direitos do Homem e do Cidadão, promulgada em 26 de agosto de 1789, na</p><p>França. Se você comparar o primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e</p><p>do Cidadão, de 1789, com o primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos, de 1948, vai perceber uma semelhança significativa.</p><p>Declaração dos Direitos do Homem e do</p><p>Cidadão (1789)</p><p>Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos (1948)</p><p>“Os homens nascem e permanecem livres e</p><p>iguais em direitos. As distinções sociais só</p><p>podem fundar-se na utilidade comum”.</p><p>“Todos os homens nascem livres e iguais em</p><p>dignidade e direitos. São dotados de razão e</p><p>consciência e devem agir em relação uns aos</p><p>outros com espírito de fraternidade”.</p><p>Fonte: Adaptado de Organização das Nações Unidas no Brasil (2018).</p><p>O primeiro texto se refere principalmente a direitos e igualdades políticas; não</p><p>fala das questões sociais. O primeiro artigo da Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos, de 1948, também garante que todos os homens nascem livres e iguais em</p><p>direitos. Além disso, acrescenta a dignidade. No decorrer do documento, são</p><p>mencionados outros direitos, que abrangem a política, a educação, as questões</p><p>sociais, entre outras.</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos é um documento essencial na</p><p>história dos direitos humanos. Foi elaborado por representantes de diferentes origens</p><p>jurídicas e culturais de todas as regiões do mundo. A Declaração foi proclamada pela</p><p>Assembleia Geral das Nações Unidas em Paris, em 10 de dezembro de 1948, por</p><p>meio da Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral, como uma norma comum a ser</p><p>alcançada por todos os povos e nações. Ela estabelece, pela primeira vez, a proteção</p><p>universal dos direitos humanos (DORNELLES, 2007).</p><p>Com 30 artigos, a Declaração descreve os direitos básicos de todo ser humano,</p><p>garantindo vida digna para todos, ou seja, liberdade, educação, saúde, cultura,</p><p>informação, alimentação, respeito e tudo que for preciso para uma vida com o mínimo</p><p>de dignidade (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2018). Na época</p><p>da criação da Declaração, alguns países não a assinaram e outros tratados foram</p><p>criados em conjunto, tais como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e</p><p>seus dois protocolos opcionais (sobre procedimento de queixa e sobre pena de morte)</p><p>57</p><p>e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais e seu protocolo</p><p>opcional, que formam a chamada Carta Internacional dos Direitos Humanos (ONU).</p><p>Os acordos internacionais e esses documentos apresentados foram criados</p><p>para garantir e ampliar a efetivação da Declaração Universal dos Direitos Humanos.</p><p>Outra forma de se garantir o cumprimento da Declaração é por meio do poder público.</p><p>Esse documento serve como guia para muitos países organizarem as suas obrigações</p><p>frente a todos os humanos. Os artigos servem como amparo legal, assim como ocorre</p><p>com diversos tratados e acordos internacionais sobre essa temática. No Brasil, o dia</p><p>12 de agosto é o Dia Nacional dos Direitos Humanos.</p><p>Você sabia que a Constituição Federal de 1988, por meio do artigo 4º, concede</p><p>a prevalência dos direitos humanos sobre os demais, num contexto de cooperação</p><p>entre os povos para o progresso da humanidade? A ideia é reconhecer e reproduzir</p><p>os princípios e direitos estipulados na Declaração Universal dos Direitos Humanos.</p><p>Assim, na Constituição brasileira, a Declaração Universal dos Direitos Humanos é um</p><p>marco regulatório e priorizado.</p><p>Talvez no cotidiano brasileiro você observe que alguns artigos do documento</p><p>não são efetivados pelo governo. Isso transparece na situação de brasileiros que</p><p>vivem na miséria, abaixo da linha da pobreza, sem moradia, sem educação, alguns</p><p>em regime de trabalho escravo. Além disso, transparece na situação de pessoas</p><p>presas que não recebem o direito de defesa. Como você sabe, há diversos outros</p><p>exemplos que são noticiados, infelizmente, com frequência.</p><p>Diante dessa realidade, é muito importante refletir e discutir a importância da</p><p>Declaração dos Direitos Humanos para a humanidade e para o Brasil.</p><p>8.2 A importância da Declaração dos Direitos Humanos</p><p>Há muito tempo, o tema dos direitos humanos está sendo tratado</p><p>mundialmente, com intensidade e preocupação pela maioria dos governos. Isso é</p><p>notável porque alguns fatos de desrespeito aos direitos humanos abalam o mundo,</p><p>tanto que o próprio documento foi elaborado após a Segunda Guerra Mundial. Seu</p><p>intuito, portanto, é regulamentar e internacionalizar acordos para preservar e garantir</p><p>a dignidade humana. (REALE, 2002).</p><p>A temática da Declaração dos Direitos Humanos está em evidência social e tem</p><p>se tornado, cada vez mais, um estudo antropocêntrico de interesse, tanto de áreas</p><p>58</p><p>científicas e governamentais como da sociedade civil. É possível perceber um</p><p>interesse intenso pela valorização da existência humana no meio social, na busca da</p><p>garantia dos direitos mínimos e fundamentais.</p><p>Um dos diferenciais da Declaração dos Direitos Humanos é a ampliação dos</p><p>direitos políticos e a garantia dos direitos civis. Se você ler e analisar os 30 artigos da</p><p>Declaração dos Direitos Humanos, vai perceber que ela possui oito valores que</p><p>desafiam todos os povos.</p><p>Fonte:</p><p>Adaptada da Organização das Nações Unidas do Brasil (2018).</p><p>Além dos valores que a Declaração dos Direitos Humanos propõe, ela é</p><p>sistematizada e caracterizada com base na noção de que os direitos humanos são</p><p>imprescindíveis e inalienáveis. A grande importância desse documento está no seu</p><p>caráter de coletividade. Além disso, ele estabelece as diferenças a partir do relativismo</p><p>cultural e universal. Assim, está em jogo uma perspectiva de alteridade, o que</p><p>influencia diretamente as relações sociais entre os povos de uma mesma cultura e,</p><p>universalmente, de forma intercultural (REALE, 2002).</p><p>O documento propõe que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo</p><p>sempre em mente a Declaração, se esforce, por meio do ensino e da educação, para</p><p>59</p><p>promover o respeito aos direitos e liberdades. Por meio da adoção de medidas</p><p>progressivas de caráter nacional e internacional, a ideia é assegurar o reconhecimento</p><p>e a observância universais e efetivos dos direitos e liberdades, tanto entre os povos</p><p>dos próprios países-membros quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.</p><p>Dada a importância desse documento, você pode analisar seus fundamentos</p><p>no contexto da Constituição Federal de 1988. O artigo 5º possui um forte viés social e</p><p>determina a garantia de direitos individuais e coletivos, que teoricamente oportunizam</p><p>condições de vida digna a todos os brasileiros. Mas você percebe a efetivação de</p><p>todos os direitos humanos, inclusive das condições mínimas de dignidade humana?</p><p>Infelizmente, isso não é uma realidade no Brasil. Como você pode perceber, o Estado</p><p>tem feito pouco para efetivar a legislação.</p><p>Então, será que de nada serviram os esforços de todos os documentos</p><p>internacionais? O que restou dessa história? Qual é a importância da Declaração</p><p>Universal de Direitos Humanos de 1948? O documento apresenta a sua contribuição</p><p>histórica, mas, além disso, também contribui para a construção de um conceito de</p><p>“comunidade internacional”, na busca por minimizar ou erradicar situações intoleráveis</p><p>e inaceitáveis quanto à dignidade humana.</p><p>Na atualidade, há uma imensa campanha para que os direitos humanos sejam</p><p>respeitados, com base no processo histórico do Brasil, com um amplo acervo de</p><p>acertos e erros em diferentes lugares do País. Uma das principais contribuições da</p><p>Declaração dos Direitos Humanos foi delimitar direitos inalienáveis e determinar que</p><p>há alguns sofrimentos que podem ser diminuídos pela ação coletiva e pela efetivação</p><p>desse documento no dia a dia. (REALE, 2002).</p><p>8.3 A Declaração e a legislação educacional brasileira</p><p>Sem dúvida, um elemento fundamental para o respeito aos direitos humanos é</p><p>o investimento em educação formal e o desenvolvimento da cultura no meio social. É</p><p>por meio deles que se consegue desenvolver uma consciência crítica nas pessoas,</p><p>de modo a torná-las mais respeitosas diante de um mundo multicultural e com diversas</p><p>manifestações sociais. (REALE, 2002).</p><p>A educação é um instrumento que possibilita ao indivíduo reconhecer-se como</p><p>um sujeito ativo capaz de agir no mundo e sobre o mundo, podendo ser promotor dos</p><p>60</p><p>direitos humanos ou não. Para os direitos humanos, a educação é um fator a ser</p><p>desenvolvido a longo prazo; não se tem um retorno imediato, mas se contribui com</p><p>estratégias para as gerações futuras.</p><p>A Declaração Universal dos Direitos Humanos revela que seus idealizadores</p><p>identificaram que a educação não é neutra — isso pode ser observado no preâmbulo</p><p>do documento. O art. 26 destaca que a educação tem objetivos políticos inevitáveis,</p><p>mas ignora conceitos ideologicamente rígidos, substituindo-os por diversas metas</p><p>positivas (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO BRASIL, 2018).</p><p>O texto do art. 26 determina que o direito à educação deve se vincular a três</p><p>objetivos específicos:</p><p> pleno desenvolvimento da personalidade humana e fortalecimento do</p><p>respeito aos direitos do ser humano e às liberdades fundamentais;</p><p> promoção da compreensão, da tolerância e da amizade entre todas as</p><p>nações e todos os grupos raciais e religiosos;</p><p> incentivo às atividades da ONU para a manutenção da paz.</p><p>Veja o que afirma o art. 26 da Declaração:</p><p>1. Todo ser humano tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo</p><p>menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será</p><p>obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como</p><p>a instrução superior, está baseada no mérito.</p><p>2. A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da</p><p>personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos</p><p>humanos e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a</p><p>compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e grupos</p><p>raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol</p><p>da manutenção da paz.</p><p>3. Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que</p><p>será ministrada a seus filhos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS DO</p><p>BRASIL, 2009, documento on-line).</p><p>Inicialmente, é possível perceber a presença da Declaração em vários artigos</p><p>da Constituição de 1988, principalmente quando se trata dos direitos fundamentais,</p><p>sociais e humanos. É o caso da seção I do capítulo III, que trata da educação, da</p><p>cultura e do desporto. Entretanto, existem outros artigos da Constituição que</p><p>apresentam questões relacionadas à educação. Veja a seguir (BRASIL, 1988,</p><p>documento on-line).</p><p>Art. 22, inciso XXIV, que trata da competência privativa da União em legislar</p><p>sobre as diretrizes e bases da educação nacional.</p><p>61</p><p>Art. 23, inciso V, que coloca sob competência da União, estados, Distrito</p><p>Federal e municípios a tarefa de proporcionar os meios de acesso à cultura,</p><p>à educação e à ciência.</p><p>Art. 205, que assegura que a educação, direito de todos e dever do Estado e</p><p>da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,</p><p>visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício</p><p>da cidadania e sua qualificação para o trabalho.</p><p>Art. 206, que trata da igualdade de condições para o acesso e a permanência</p><p>na escola; da liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o</p><p>pensamento, a arte e o saber; do pluralismo de ideias e de concepções</p><p>pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; da</p><p>gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; e da gestão</p><p>democrática do ensino público.</p><p>Art. 208, que determina que o dever do Estado com a educação será</p><p>efetivado mediante as seguintes garantias: educação básica obrigatória e</p><p>gratuita dos 4 aos 17 anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita</p><p>para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; progressiva</p><p>universalização do ensino médio gratuito; atendimento educacional</p><p>especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede</p><p>regular de ensino; educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças de</p><p>até 5 anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa</p><p>e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino</p><p>noturno regular, adequado às condições do educando.</p><p>Art. 214, que trata de uma espécie de pacto nacional pela educação, dando</p><p>espaço para a criação do Plano Nacional de Educação e para a articulação</p><p>entre os sistemas de ensino, entre outras determinações, visando</p><p>especialmente: à erradicação do analfabetismo; à universalização do</p><p>atendimento escolar; à melhoria da qualidade do ensino; à formação para o</p><p>trabalho; à promoção humanística, científica e tecnológica do País.</p><p>Na Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394, de 20 de</p><p>dezembro de 1996, também é possível perceber a influência da Declaração Universal</p><p>dos Direitos Humanos. Veja o que diz o art. 1º da LDB (BRASIL, 2010, art. 1):</p><p>Art. 1º A educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na</p><p>vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições</p><p>de ensino</p><p>e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas</p><p>manifestações culturais.</p><p>§ 1º Esta Lei disciplina a educação escolar, que se desenvolve,</p><p>predominantemente, por meio do ensino, em instituições próprias.</p><p>§ 2º A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática</p><p>social.</p><p>Outros artigos também são apoiados na Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos, como os arts. 2º e 3º, que tratam dos princípios e fins da educação nacional.</p><p>Além das duas legislações citadas, ainda é possível elencar algumas</p><p>legislações educacionais que tiveram como base a Declaração Universal dos Direitos</p><p>Humanos. Veja a seguir:</p><p> Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, que dispõe sobre o Estatuto da Criança</p><p>e do Adolescente e dá outras providências.</p><p>62</p><p> Parecer CNE/CP nº 8/2012, que estabelece as Diretrizes Nacionais para a</p><p>Educação em Direitos Humanos.</p><p> Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos.</p><p> Lei nº 13.185, de 6 de novembro de 2015, que institui o Programa de</p><p>Combate à Intimidação Sistemática (bullying).</p><p> Decreto nº 5.296, de 2 de dezembro de 2005, que define normas gerais e</p><p>critérios básicos para a promoção da acessibilidade das pessoas portadoras de</p><p>deficiência ou com mobilidade reduzida.</p><p> Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003, que altera a Lei nº 9.394, que</p><p>estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial</p><p>da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileira”.</p><p> Base Nacional Comum Curricular.</p><p>Além de analisar o quanto a Declaração Universal dos Direitos Humanos</p><p>fundamenta a legislação educacional brasileira, você ainda pode refletir sobre a</p><p>importância de educar para os direitos humanos. (GOMES, 2014).</p><p>9 DIVERSIDADE E TOLERÂNCIA</p><p>Os direitos culturais, incluídos na nova geração de direitos humanos, são a</p><p>garantia de que todos os povos têm o direito de expressar a sua forma de viver diante</p><p>do mundo, ou seja, a sua cultura. Nesse sentido, a manifestação cultural dos povos,</p><p>em uma sociedade cada vez mais conectada, desafia o convívio social sob a ótica da</p><p>diversidade. Nessa ótica, encaixa-se o respeito e a tolerância para com o diferente.</p><p>Fonte: https://www.ofm.org.br/</p><p>63</p><p>9.1 Direitos Culturais</p><p>O reconhecimento e a valorização de múltiplas práticas culturais são</p><p>disposições presentes em muitos estatutos de organismos internacionais, como a</p><p>Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). A</p><p>Unesco apresenta os direitos culturais como um enquadramento propício para a</p><p>diversidade cultural, como pode ser analisado a seguir, na Declaração Universal sobre</p><p>a Diversidade Cultural:</p><p>Os direitos culturais são parte integrante dos direitos humanos, que são</p><p>universais, indissociáveis e interdependentes. O desenvolvimento de uma</p><p>diversidade criativa exige a plena realização dos direitos culturais, tal como</p><p>os define o Artigo 27 da Declaração Universal de Direitos Humanos e os</p><p>artigos 13 e 15 do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e</p><p>Culturais. Toda pessoa deve, assim, poder expressar-se, criar e difundir suas</p><p>obras na língua que deseje e, em particular, na sua língua materna; toda</p><p>pessoa tem direito a uma educação e uma formação de qualidade que</p><p>respeite plenamente sua identidade cultural; toda pessoa deve poder</p><p>participar na vida cultural que escolha e exercer suas próprias práticas</p><p>culturais, dentro dos limites que impõe o respeito aos direitos humanos e às</p><p>liberdades fundamentais (UNESCO, 2002, documento on-line).</p><p>O Brasil é signatário de importantes atos normativos da Unesco, como é o caso</p><p>da Declaração Universal sobre a Diversidade Cultural (UNESCO, 2002) e a</p><p>Convenção sobre a Proteção e a Promoção da Diversidade e das Expressões</p><p>Culturais (2005). O país reconhece os direitos culturais na Constituição Federal de</p><p>1988, no art. 215: “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais</p><p>e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a</p><p>difusão das manifestações culturais” (BRASIL, 1988, documento on-line).</p><p>Os posicionamentos da Unesco e do Brasil evidenciam que os direitos culturais</p><p>são cada vez mais reconhecidos como parte da nova geração de direitos humanos,</p><p>bem como dos Estados democráticos. Assim, é importante conhecer o sentido de</p><p>cultura e diversidade como expressão de cidadania e respeito pelo diferente; esses</p><p>conceitos são associados e definem as relações sociais na contemporaneidade.</p><p>Para Sodré (2012), cultura pode ser definida como a totalidade das</p><p>manifestações e formas de vida que caracterizam um povo. A diversidade é o</p><p>reconhecimento do diferente, do diverso, do outro que não se assemelha a mim, ou</p><p>seja, o reconhecimento da cultura do outro. Segundo o referido autor, a interpretação</p><p>objetiva da cultura do outro requer alguns posicionamentos, como:</p><p>64</p><p> rejeição do binarismo simplista das oposições radicais (direita/esquerda,</p><p>culpa/inocência, etc.) porque essas posições limitam as formas abrangentes de</p><p>compreensão do mundo;</p><p> as posições divergentes são aspectos diferenciados da mesma razão, vistos</p><p>como contraditórios à primeira vista;</p><p> reconhecimento da cultura de um povo na produção de conhecimento, seja</p><p>pela literatura, pela arte, pela música, entre outros aspectos.</p><p>Nesse sentido, a cultura deve ser entendida como algo dinâmico, com</p><p>constantes processos de mudanças. Para Barroso (2017), os processos culturais são</p><p>mudanças pelas quais as culturas passam, assimilando ou abandonando certos</p><p>costumes, hábitos ou valores que identificam determinado povo. Os processos</p><p>culturais também são resultados de interações diretas ou indiretas com outras</p><p>culturas. Segundo Barroso (2017, p. 60), por meio dessas interações, “[...]</p><p>aperfeiçoam-se elementos através de invenções e descobertas, copiam-se elementos</p><p>culturais de outras sociedades, abandonam-se aspectos culturais considerados</p><p>inadequados ao novo contexto e esquece-se de traços culturais aprendidos por meio</p><p>das gerações”.</p><p>É importante observar que as mudanças ou interações culturais não ocorrem</p><p>de forma neutra, mas são determinadas por relações de poder. Ou seja, uma cultura</p><p>dominante pode impor sua forma de organização a uma cultura dominada ou com</p><p>exercício de poder menor. Nesse sentido, a diversidade cultural é um conceito</p><p>característico das sociedades modernas, que influenciam diretamente nos processos</p><p>culturais, fazendo necessárias constantes reflexões sobre sua prática.</p><p>Para Gomes (2014), a partir daí, instaura-se o multiculturalismo, que se apoia</p><p>no apelo à tolerância e ao respeito para com a diversidade. Frente a isso, coloca-se</p><p>um desafio: como trabalhar com as identidades culturais e a diversidade,</p><p>incorporando-as, ao aceitar e conviver com as diferenças? Como lidar com</p><p>manifestações culturais que não se encaixam?</p><p>A diversidade cultural, em síntese, é a diversidade de formas de ser humano.</p><p>O único valor capaz de referenciar a diversidade cultural é a humanidade. Para Sodré</p><p>(2017), é lógico que os indivíduos são diferentes, o problema está em aceitar o diverso</p><p>no espaço de convivência e dar-se conta da percepção de valor que o outro traz como</p><p>ser humano.</p><p>65</p><p>9.2 A tolerância em um mundo cada vez mais conectado</p><p>O reconhecimento da diversidade cultural, em espaços temporais distintos, é</p><p>uma marca da sociedade contemporânea. O que se experimenta hoje é a</p><p>intensificação de se fazer visível a diversidade, por exemplo, nos diversos gostos e</p><p>costumes e nos diversos modos de pensar e propagar valores. Essa visibilidade do</p><p>diverso se apresenta no cotidiano e desafia a convivência no que tange à tolerância.</p><p>Tolerância é um termo originário do latim tolerare que significa suportar,</p><p>aceitar. No sentido moral, político e religioso, pressupõe a atitude de aceitar os</p><p>diferentes modos de pensar,</p><p>de agir e de se manifestar do outro. Em síntese, é o</p><p>reconhecimento e o respeito pelo outro como um sujeito de direitos. Portanto, a ideia</p><p>da tolerância assume valor ético e político, e, com base nela, todas as pessoas</p><p>deveriam ser reconhecidas de forma igual e tratadas sem discriminação e violência,</p><p>conforme apontam Carvalho e Faustino (2015).</p><p>Para os referidos autores, organismos internacionais como a Organização das</p><p>Nações Unidas (ONU) e a Unesco tornaram-se responsáveis por políticas públicas,</p><p>com base nos direitos humanos, de tolerância e respeito às diferenças culturais. Esses</p><p>organismos internacionais recomendam em suas declarações métodos sistemáticos</p><p>e racionais de ensino da tolerância.</p><p>A tolerância é um dos temas que ocupa a mesa dos debates urgentes no</p><p>contexto do convívio social. Temos presenciado uma sociedade mais conectada e</p><p>com mais acesso a informações, se comparada a outros tempos; porém, os níveis de</p><p>informações falsas têm contribuído para aumentar os níveis de intolerância em</p><p>relação ao outro. Fontes (2015) afirma que, para enfrentar a intolerância no contexto</p><p>mundial, que chega ao seu ápice com as guerras, é necessário diálogo intercultural e</p><p>compromisso da ONU, para, assim, eliminar todas as formas de autodestruição da</p><p>humanidade.</p><p>Nesse sentido, as conexões em rede oferecem enormes possibilidades de</p><p>incrementar a participação cidadã e gerar maior diálogo entre a humanidade. Os</p><p>meios de comunicação, responsáveis por conectar as pessoas e difundir informações,</p><p>possuem o papel fundamental de favorecer o diálogo com debates livres e abertos.</p><p>Com o intuito de propagar valores como a tolerância, o diálogo e o respeito, os meios</p><p>de comunicação devem também ressaltar os riscos da indiferença e da expansão das</p><p>ideologias e dos grupos intolerantes.</p><p>66</p><p>A educação tem um papel importante no sentido de conduzir ao diálogo e a</p><p>tolerância. Ela é decisiva para aproveitar as imensas oportunidades que a conexão</p><p>permanente e o acesso à base de dados oferecem. Isso pode se aplicar a todos os</p><p>âmbitos da vida cotidiana. Trata-se de uma educação que forma pessoas com</p><p>capacidade mental e autonomia para processar informações e aplicá-las a cada tarefa</p><p>e projeto de vida, conforme leciona Fontes (2015).</p><p>10 CIDADANIA</p><p>O Brasil é um país que enfrenta grandes desafios sociais relacionados ao</p><p>aumento da pobreza e das desigualdades sociais, bem como da criminalidade e da</p><p>violência. O tráfico de drogas é o grande responsável pela superlotação dos</p><p>estabelecimentos prisionais e parece adquirir cada vez mais força, sobretudo por</p><p>recrutar crianças e jovens da periferia para executarem tarefas em troca de dinheiro</p><p>rápido e “fácil”. Embora a maioria dos brasileiros conheça o conceito de cidadania e</p><p>saiba que têm direitos e deveres, a preocupação com o social e as possibilidades de</p><p>intervenção ainda são muito pequenas e, em alguns casos, incipientes.</p><p>10.1 Dimensões da Cidadania</p><p>O conceito de cidadania no Brasil ganhou impulso a partir das discussões que</p><p>ocorreram no final do Regime Militar. Nesse período, buscava-se a redemocratização</p><p>do País, o que se consolidou com a escrita da Constituição Federal de 1988, chamada</p><p>de Constituição Cidadã. Como você pode imaginar, o conceito de cidadania é</p><p>complexo. Ele é definido historicamente a partir dos processos e interações que</p><p>ocorrem em sociedade.</p><p>O primeiro autor que definiu as múltiplas dimensões do conceito de cidadania</p><p>foi Marshall (1967), sociólogo britânico que dividiu o conceito em três direitos: civis,</p><p>políticos e sociais. Analisando como esses direitos surgiram na Inglaterra, o autor</p><p>destacou que seguiram esta sequência: começaram com os direitos civis, associados</p><p>à liberdade individual dos homens, seguidos pelos direitos políticos e pela</p><p>necessidade de os sujeitos participarem das decisões de ordem do governo da nação</p><p>e, posteriormente, pelos direitos sociais, entre eles o emprego e a educação popular</p><p>como prioridade.</p><p>67</p><p>Já no Brasil, o processo histórico não seguiu a mesma sequência. De acordo</p><p>com Carvalho (2008, p. 11), o País apresentou duas principais diferenças:</p><p>A primeira refere-se à maior ênfase em um dos direitos, o social, em relação</p><p>aos outros. A segunda refere-se à alteração na sequência em que os direitos</p><p>foram adquiridos: entre nós o social precedeu os outros. Como havia lógica</p><p>na sequência inglesa, uma alteração dessa lógica afeta a natureza da</p><p>cidadania. Quando falamos de um cidadão inglês, ou norte-americano, e de</p><p>um cidadão brasileiro, não estamos falando exatamente da mesma coisa.</p><p>É importante você notar que o conceito de cidadania está sempre atrelado ao</p><p>conceito de Estado-nação. Dessa forma, cabe ao Estado prover aos cidadãos tais</p><p>direitos a partir dos órgãos e instituições nacionais, entre elas a própria escola. Com</p><p>a crise atual do Estado-nação, há desconfiança em relação à sua capacidade de</p><p>prover esses direitos. Além disso, ocorre a hegemonia mundial do neoliberalismo.</p><p>Nesse contexto, a cidadania vai ampliar a sua dimensão novamente, uma vez que a</p><p>própria sociedade é convocada a participar da resolução de conflitos e problemas</p><p>sociais existentes.</p><p>Para analisar as relações do Estado com as dimensões da cidadania,</p><p>acompanhe o quadro a seguir:</p><p>Dimensões Características Ponto principal</p><p>Direitos civis</p><p>São os direitos fundamentais à vida, à liberdade, à</p><p>propriedade e à igualdade perante a lei. Incluem o</p><p>direito de ir e vir, escolher o trabalho, manifestar o</p><p>pensamento, organizar-se, ter respeitada a</p><p>inviolabilidade do lar e da correspondência, não ser</p><p>preso a não ser por autoridade competente e de</p><p>acordo com a lei e não ser condenado sem processo</p><p>regular.</p><p>Liberdade individual</p><p>Direitos políticos</p><p>Dizem respeito à participação do cidadão no governo</p><p>da sociedade. Normalmente, limitam-se a uma</p><p>parcela da população e relacionam-se com a</p><p>capacidade de fazer demonstrações políticas, de</p><p>organizar partidos, de votar e ser votado.</p><p>Direito ao voto</p><p>Direitos sociais</p><p>Enfatizam a participação de todos na riqueza</p><p>coletiva. Incluem o direito à educação, ao trabalho,</p><p>ao salário justo, à saúde, à aposentadoria.</p><p>Justiça social</p><p>68</p><p>Dependem do Poder Executivo e, em sociedades</p><p>politicamente organizadas, permitem a redução das</p><p>desigualdades produzidas pelo capitalismo e um</p><p>mínimo de bem-estar a todos.</p><p>Fonte: Adaptado em Carvalho (2008).</p><p>De acordo com Oliveira (2018, documento on-line), “[...] a cidadania</p><p>multicultural assinala uma preocupação geral com a reconciliação do universalismo</p><p>de direitos e da associação de membros em Estados-nações liberais com o desafio</p><p>da diversidade étnica e demais aspirações de identidade atribuídas [...]”. Nesse</p><p>sentido, é preciso considerar que os grupos étnicos diversos possuem suas histórias,</p><p>que podem apresentar favorecimentos e prejuízos a alguns deles, o que implica o</p><p>cidadão ali presente. Ser cidadão afrodescendente, por exemplo, é diferente de ser</p><p>cidadão “branco”. Afinal, existe todo um processo histórico e social que precisa ser</p><p>resgatado, positivado e corrigido no caso dos afrodescendentes, inclusive no</p><p>ambiente escolar. É o mesmo processo que ocorre quando os mais diversos</p><p>movimentos sociais buscam seus direitos específicos relacionados às suas</p><p>identidades culturais. Nesse caso, eles estão exercendo a sua cidadania multicultural.</p><p>Taylor (2004, p. 5), ao estudar o conceito de cidadania e as suas</p><p>reconfigurações, reforça a ideia de que ela não deve estar restrita ao Estado:</p><p>O que nós propomos é que não se insista mais sobre uma cidadania</p><p>abordada através da educação cívica ou da instrução cívica, mas que se</p><p>reinvente, como condição prévia à realização de uma cidadania multicultural,</p><p>uma educação popular (por outras palavras, uma educação autenticamente</p><p>do povo, pelo povo e para o povo) visando a coabitação cultural.</p><p>Outro aspecto interessante do conceito</p><p>são capazes de</p><p>muitas coisas, nunca se viu algum soprar as velas de seu bolo de aniversário</p><p>(LAPLANTINE, 1989, p. 121).</p><p>6</p><p>O ser humano é cultural, pois há uma comunicação que é cultural, isto é,</p><p>produzida pelos homens e entre eles, que transforma a natureza, o seu meio,</p><p>aperfeiçoa meios de sobrevivência, desenvolve técnicas, como o direito, a arquitetura,</p><p>a tecnologia, a música, a ciência, a arte, entre outros, por meio do uso da razão, do</p><p>trabalho e da lógica. O desenvolvimento da cultura e do homem como ser cultural se</p><p>dá, eminentemente, por meio da interação, das manifestações culturais, da</p><p>linguagem, do processo de ensino e das tradições, que são passados entre gerações</p><p>e grupos em um determinado contexto social.</p><p>Várias formas de diferença e desigualdade convivem na sociedade</p><p>contemporânea. Ao longo de suas trajetórias de vida, os indivíduos se</p><p>identificam e se diferenciam dos outros das mais diversas maneiras. [...]. Os</p><p>marcadores sociais da diferença são sistemas de classificação que</p><p>organizam a experiência ao identificar certos indivíduos com determinadas</p><p>categorias sociais (ZAMBONI, 2015, p. 13).</p><p>Diversas ciências se ocupam do estudo do homem enquanto ser cultural, das</p><p>suas manifestações, distinções, interações e dos seus comportamentos, como é o</p><p>caso da antropologia, da sociologia e da psicologia. Outras áreas — como arquitetura,</p><p>letras, pedagogia e Direito — têm como objeto manifestações próprias do ser humano,</p><p>como a linguagem escrita e falada, o processo de ensino e aprendizagem, o</p><p>desenvolvimento de técnicas, estruturas e ocupação, bem como o universo jurídico,</p><p>tomando o Direito como manifestação de uma cultura e sociedade, que se modifica</p><p>ao longo do tempo. No campo de estudo da antropologia, que é uma ciência que</p><p>considera o homem em todas as suas dimensões, há uma área, ou ramo específico,</p><p>que se ocupa de estudar as manifestações culturais dos seres humanos. Trata-se da</p><p>antropologia cultural, que estuda as características que distinguem as condutas dos</p><p>seres humanos e os faz identificar ou pertencer a uma mesma cultura, considerando</p><p>os diferentes tempos e espaços de presença humana.</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>7</p><p>Fonte: http://www.justificando.com/</p><p>2.1 Cultura e tradição</p><p>A partir da compreensão do ser humano como ser cultural, verificamos que o</p><p>conceito de cultura é de fundamental importância, assim como o de tradição. Isso</p><p>porque ambos se relacionam no que diz respeito à transmissão de conhecimento,</p><p>práticas e comportamentos entre gerações. No entanto, há diferenças conceituais</p><p>importantes na forma como se compreende cada categoria e as suas manifestações.</p><p>(Barroso, 2018).</p><p>O Quadro a seguir elucida a distinção entre cultura e tradição.</p><p>CULTURA TRADIÇÃO</p><p>O QUE É</p><p>Do latim cultura, culturae, que</p><p>significa “ação de tratar”, “cultivar” ou</p><p>“cultivar a mente e os</p><p>conhecimentos”. A palavra culturae</p><p>se originou a partir de outro termo</p><p>latino: colere, que quer dizer “cultivar</p><p>as plantas” ou “ato de plantar e</p><p>desenvolver atividades agrícolas”.</p><p>A palavra tradição é mais dinâmica</p><p>do que parece à primeira vista.</p><p>Traditio, em latim, é a ação de</p><p>entregar, de transmitir algo a alguém,</p><p>de confiar algo valioso a outra</p><p>pessoa. Uma pessoa tradicional é</p><p>aquela que recebeu (e precisar</p><p>transmitir depois) um conhecimento,</p><p>uma herança ou uma</p><p>responsabilidade do passado.</p><p>COMO PODE SE</p><p>MANIFESTAR</p><p>Com o passar do tempo, a palavra</p><p>cultura foi colocada de modo análogo</p><p>entre o cuidado na construção e</p><p>tratamento do plantio, com o</p><p>desenvolvimento das capacidades</p><p>A tradição revela um conjunto de</p><p>costumes, crenças, práticas,</p><p>doutrinas, leis, que são transmitidos</p><p>de geração em geração, em dado</p><p>grupo social, e que permite a</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>8</p><p>intelectuais e educacionais das</p><p>pessoas. Cultura popular, cultura</p><p>organizacional e antropologia</p><p>cultural.</p><p>continuidade de uma cultura ou de</p><p>um sistema social. No direito, a</p><p>tradição consiste na entrega real de</p><p>uma coisa para efeitos da</p><p>transmissão contratual da sua</p><p>propriedade ou da sua posse entre</p><p>pessoas vivas. A situação jurídica</p><p>resulta de uma situação de fato: a</p><p>entrega. Entretanto, a tradição</p><p>poderá não ser material, mas apenas</p><p>simbólica. Tradição religiosa.</p><p>Fonte: Carolina Bessa Ferreira de Oliveira, SAGAH – Soluções Educacionais Integradas, 2018.</p><p>A relação entre cultura e tradição coloca-se a partir de uma visão de</p><p>manifestação humana e comportamento tipicamente do homem, como as lendas, as</p><p>crenças e os costumes. Os elementos da tradição — como formas de se vestir, ritos</p><p>de passagem, organização de trabalhos, cerimônias e religiões — podem passar a</p><p>fazer parte de uma dada cultura. Por isso, a cultura se refere, de modo geral, aos</p><p>modos de vida de uma sociedade ou grupo, pois inclui tanto os aspectos materiais e</p><p>tangíveis (como símbolos, objetos e tecnologias) quanto imateriais ou intangíveis</p><p>(como crenças, valores e ideias).</p><p>Além disso, o costume é considerado uma fonte do Direito, ao lado de outras,</p><p>como a lei e a jurisprudência, lembrando que o Direito se modifica à medida que a</p><p>sociedade e o homem também são modificados. Assim, no campo do Direito, os</p><p>fatores culturais e da tradição estão relacionados à evolução do Direito e às suas</p><p>fontes.</p><p>De acordo com Sergio Cavalieri Filho (2015), ao considerar a concepção</p><p>sociológica do Direito como produto de múltiplas influências sociais, vivenciamos</p><p>regras sujeitas a constantes modificações, porque se originam dos grupos sociais, que</p><p>também se transformam ao longo do tempo. Assim, entre os principais fatores que</p><p>concorrem para a evolução do direito, o autor elenca:</p><p> fatores econômicos;</p><p> fatores políticos;</p><p> fatores culturais;</p><p> fatores religiosos.</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>9</p><p>Em relação aos fatores culturais, o autor afirma que:</p><p>Cada povo tem sua peculiaridade, sua tendência ou dom natural. A Grécia,</p><p>por exemplo, notabilizou-se pela arte, pela cultura; os hebreus pela religião;</p><p>os fenícios pela navegação; Roma pelo direito. Pois o direito de cada um</p><p>desses povos reflete o aspecto cultural em que mais se desenvolveram, e</p><p>quando a cultura de um é colocada em contato com a do outro, há influências</p><p>recíprocas sobre o direito de cada um. A conquista da Grécia, como é sabido</p><p>por todos, exerceu influência decisiva, não apenas nas artes e na literatura</p><p>romanas, mas também nas suas instituições jurídicas. [...] A maior evidência</p><p>de ser o Direito uma manifestação de cultura social, um fenômeno cultural,</p><p>está no fato de surgirem novos ramos do Direito à medida que se expande o</p><p>mundo cultural do povo. Falamos hoje em Direito Espacial, Nuclear, das</p><p>Telecomunicações etc. [...] (CAVALIERI FILHO, 2015, p. 56-57).</p><p>3 MULTICULTURALISMO E INTERCULTURALIDADE</p><p>A sociabilidade e a socialização são dois temas clássicos da Sociologia, mas</p><p>que são muito importantes para compreender como o ser humano se relaciona com a</p><p>sociedade na qual está inserido e com a cultura dessa sociedade. Logo, também é</p><p>uma preocupação da Antropologia compreender como o ser humano estabelece</p><p>relações sociais. A sociabilidade é uma característica intrínseca ao ser humano, sendo</p><p>quase uma necessidade para se viver em sociedade. É graças à sociabilidade que</p><p>temos essa ânsia pela vida em grupo, já que o ser humano não é dado ao isolamento.</p><p>No entanto, é a socialização que nos integra à cultura em que nascemos, inculcando-</p><p>nos os valores e hábitos dela, que adotamos como nossos, por meio dos diversos</p><p>agentes de socialização. São esses agentes de socialização que nos transmitem as</p><p>normas que regem a nossa vida.</p><p>A sociabilidade e a socialização são responsáveis pela característica dos</p><p>seres humanos enquanto seres sociais e pela necessidade da vida em grupo. Nesse</p><p>sentido, considerando a nossa vida social, é importante destacar que, embora outros</p><p>animais (como os lobos, os</p><p>de cidadania é que hoje é possível, a</p><p>partir da revolução das comunicações e informações digitais, via internet, a cidadania</p><p>cosmopolita. Tal cidadania busca a construção de um sentido comum em relação aos</p><p>cidadãos globais. Esse conceito desloca os problemas sociais locais, de uma nação</p><p>específica, para reconhecer que eles ocorrem em todas as nações, buscando</p><p>alternativas para minimizar tais problemas de forma global.</p><p>Oliveira (2018, documento on-line) comenta que a cidadania cosmopolita</p><p>defende “[...] o forte senso do coletivo e responsabilidade individual para com o mundo</p><p>como um papel de suporte para desenvolver as efetivas instituições globais a fim de</p><p>69</p><p>aliviar a pobreza e a desigualdade, a degradação do meio ambiente e a violação aos</p><p>direitos humanos [...]”. Existem inúmeras iniciativas de organizações e voluntários</p><p>baseadas nesse conceito de cidadania cosmopolita. Tais iniciativas procuram assumir</p><p>ações que anteriormente eram vistas como obrigações estatais. Morin (2000), ao</p><p>formular os saberes necessários à educação do futuro, enfatiza um conceito que se</p><p>assemelha ao de cidadania cosmopolita. Veja:</p><p>A compreensão é ao mesmo tempo meio e fim da comunicação humana. O</p><p>planeta necessita, em todos os sentidos, de compreensões múltiplas. Dada a</p><p>importância da educação para a compreensão, em todos os níveis educativos</p><p>e em todas as idades, o desenvolvimento da compreensão necessita da</p><p>reforma planetária das mentalidades; esta deve ser a tarefa da educação do</p><p>futuro de cidadania planetária (MORIN, 2000, p. 104).</p><p>Dessa forma, o conceito de cidadania se refere à capacidade pessoal e coletiva</p><p>de comunicação, interação e análise das racionalidades e mentalidades existentes e</p><p>atuantes que envolvem a formação dos sujeitos sociais contemporâneos. Como você</p><p>pode imaginar, a educação é uma ferramenta primordial para o desenvolvimento</p><p>dessa capacidade. Ser um cidadão contemporâneo significa ser ativo, participante,</p><p>envolvido com as tramas sociais cotidianas.</p><p>Significa buscar uma sociedade melhor, não se aquietar diante de injustiças</p><p>sociais, da violência, da criminalidade, do desemprego e de outras mazelas sociais</p><p>que existem no Brasil (e no mundo) atual. Embora a maioria dos brasileiros conheça</p><p>o conceito de cidadania, saiba que têm direitos e deveres, a preocupação com o social</p><p>e sua possibilidade de intervenção ainda é muito pequena e, em alguns casos,</p><p>incipiente.</p><p>Fonte: https://pequenosmochileiros.com.br/</p><p>70</p><p>11 DIVERSIDADE E EDUCAÇÃO</p><p>Para começar a pensar sobre diversidade, precisamos compreender, antes de</p><p>qualquer coisa, o que esse conceito significa, para, posteriormente, aprofundarmo-</p><p>nos nos debates sobre educação, legislação, cultura e sociedade. Entende-se por</p><p>diversidade tudo aquilo que é abundante, mas não igual. A palavra remete a múltiplos</p><p>elementos, que formarão um conjunto de atributos, de aglomerados ou de</p><p>nomeações. Falar sobre diversidade, então, é falar sobre diversas coisas, contextos</p><p>e condições que interagem ou não entre si.</p><p>Para pensarmos mais densamente essa questão, nos fundamentamos em</p><p>Paula (2013), que faz uma retomada do percurso de globalização que homogeneíza,</p><p>ou seja, torna semelhante, as relações entre sujeitos, mesmo que não sejam iguais.</p><p>Ao mesmo tempo, acaba deixando evidente, nessa mesma tentativa de igualar, as</p><p>diferenças entre os sujeitos.</p><p>Globalização refere-se ao momento em que as fronteiras do mundo estão mais</p><p>flexíveis, em que capitais, ideias e mercadorias rodam os países de forma mais rápida</p><p>e mais direta, ou seja, é uma rede de conexões que envolve política, economia e</p><p>cultura. A globalização extrapola as relações comerciais e financeiras, e a tecnologia</p><p>é uma de suas marcas mais fortes, sobretudo quando pensamos sobre o acesso à</p><p>internet e aos computadores de forma cada vez mais massiva, caracterizando uma</p><p>forma rápida de se conectar com pessoas, conhecendo aspectos culturais e sociais</p><p>do mundo todo. Cada vez mais, as tecnologias se mostram como uma grande</p><p>potência, capaz de transpor as barreiras territoriais, ligando pessoas e ideias, tendo</p><p>essa função como parte das dinâmicas sociais.</p><p>Contudo, há alguns pontos da globalização que são complexos e críticos, como</p><p>um massivo domínio de algumas culturas como base para transpor as barreiras, o</p><p>predomínio da língua inglesa e também o avanço do capitalismo de forma desregrada</p><p>e descontrolada. Nesse sentido, pensando sobre diversidade, a autora afirma que:</p><p>Atualmente, podemos perceber que a diversidade está na ordem do dia, em</p><p>pauta. Por que isso acontece se uma das características da sociedade</p><p>globalizada são os paradigmas mais homogeneizantes? As diferenças</p><p>agregam múltiplos processos de pertencimento – étnico, de gênero,</p><p>geracional, geográfico, religioso, etc. – que têm sido hierarquizados e</p><p>convertidos inadvertidamente em desigualdades. A ruptura desse ciclo</p><p>implica em compreendermos a multiplicidade e a complexidade das relações.</p><p>71</p><p>Tal compreensão nos leva a incorporar a ideia de que somos uma rede de</p><p>subjetividade formada em inúmeros contextos cotidianos [...] (SANTOS, 1995</p><p>apud PAULA, 2013, p. 20.).</p><p>Vale ressaltar que, assim como aponta a autora, as questões de raça e etnia,</p><p>gênero, geração, religião, entre outros marcadores da diferença, são caras ao debate</p><p>sobre diversidade e serão aprofundadas posteriormente ao longo dos estudos. O</p><p>importante, aqui, é que sejamos capazes de perceber a necessidade dessa ruptura</p><p>com uma percepção homogeneizante da sociedade e de enxergar a complexidade e</p><p>a multiplicidade dessas relações em nosso contexto.</p><p>Paula (2013) também nos aponta um importante documento que marca o</p><p>advento da discussão de diversidade no mundo: a Conferência Geral da Organização</p><p>das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura na sua 31ª sessão, no dia 2</p><p>de novembro de 2001, de onde saiu a Declaração Universal sobre a Diversidade</p><p>Cultural. Esse documento trata os aspectos da diversidade a partir da cultura, e, nele,</p><p>o tema que aqui tratamos é colocado como fundamental, e não só central, em debates</p><p>sobre humanidades. Na referida declaração, a entidade afirma que “[...] a difusão da</p><p>cultura e a educação da humanidade para a justiça, a liberdade e a paz são</p><p>indispensáveis à dignidade humana e constituem um dever sagrado que todas as</p><p>nações devem cumprir com espírito de assistência mútua [...]” (ORGANIZAÇÃO DAS</p><p>NAÇÕES UNIDAS PARA A EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E CULTURA, 2001).</p><p>Já no relatório Investindo na diversidade cultural e no diálogo intercultural</p><p>(UNESCO, 2009), há uma série de propostas, dividida em capítulos que abordam a</p><p>diversidade cultural, como o documento acima, mas também educação, criatividade,</p><p>entre outros, trazendo, em especial, a proposta de compreensão de diálogo</p><p>intercultural.</p><p>Esses dois documentos apresentam uma série de preceitos para se pensar a</p><p>diversidade, como a educação justa, a conquista da paz, a diversidade cultural,</p><p>elementos fundamentais para a dignidade humana, isto é, para a atuação livre de</p><p>indivíduos com suas particularidades, dentro de seus contextos. A UNESCO também</p><p>convoca que todos os Estados devem cumprir com esses preceitos da dignidade</p><p>humana, ou seja, cada nação soberana deve contribuir para a diversidade dentro do</p><p>seu território (UNESCO, 2009).</p><p>Dentro dos Estados, além de declarações oficiais que falem sobre diversidade,</p><p>temos a atuação de outros grupos e instituições. Com as conquistas de diversos</p><p>72</p><p>movimentos sociais, antes pouco vistos ou contemplados, legal, discursiva e</p><p>institucionalmente, o tema da diversidade passa a ser fundamental para entender e</p><p>explicar a sociedade. Com o reforço e o advento dos diversos movimentos sociais,</p><p>como o movimento negro, o movimento feminista e os movimentos de direitos</p><p>humanos, além de atuações de organizações não- -governamentais, a diversidade</p><p>passa a ser uma pauta de combate</p><p>à discriminação e à exclusão social de diversos</p><p>sujeitos.</p><p>Dessa forma, a escola, por exemplo, é um dos lugares das disputas simbólicas</p><p>de poder e de verdades, assim como espaços médicos, prisionais e religiosos,</p><p>espaços onde os temas referentes à diversidade e aos direitos humanos serão</p><p>pautados e normatizados, assim como em outros espaços e momentos serão</p><p>refletidos, ampliados e considerados. A escola é um espaço que nem sempre</p><p>promoveu a diversidade, pois, durante muito tempo, teve seus muros fechados para</p><p>uma pequena elite de iguais, produzindo um conteúdo que buscava homogeneizar os</p><p>sujeitos, acreditando, assim, que teria um resultado igual para todos. No entanto, essa</p><p>homogeneização se mostrava uma impossibilidade, pois, mesmo entre sujeitos</p><p>similares, ainda havia particularidades que a escola acabava por suprimir ou rejeitar,</p><p>causando uma defasagem nos saberes.</p><p>Para complementar essa introdução ao tema da diversidade, Paula (2013) nos</p><p>lembra por que são fundamentais uma educação e uma sociedade comprometidas</p><p>com a diversidade:</p><p>Somos, portanto, diferentes com características singulares. Essa</p><p>constatação, infelizmente, não impediu que proporções cada vez maiores de</p><p>tipos homofóbicos, racistas, fanáticos, machistas, xenófobos, fossem</p><p>produzidos pelo mundo. Todos esses tipos têm em comum a ideia de</p><p>superioridade, em nome da qual a humanidade sofre vítimas de guerras,</p><p>genocídios, holocaustos, ditaduras, apartheids. A história apresenta</p><p>exemplos de violências cometidas contra os diferentes: as “minorias”, como</p><p>negros, mulheres, crianças, idosos, etc. Essa diferença, ao ser traduzida</p><p>como desigualdade, tem propiciado e justificado práticas cada vez mais</p><p>violentas. (PAULA, 2013, p. 19-20).</p><p>A citação da autora nos traz questões fundamentais para esse ponto de partida,</p><p>falar em diversidade é, muitas vezes, complexo, pois precisamos compreender as</p><p>formas de exclusão, segregação e violência que grupos marginalizados vivem ou</p><p>viveram, ou seja, ao falarmos de diversidade também falamos de exclusão:</p><p>73</p><p>Sob o manto da diversidade, o reconhecimento das várias identidades e/ou</p><p>culturas é atravessado pela questão da tolerância, tão em voga, já que pedir</p><p>tolerância ainda significa manter intactas as hierarquias do que é considerado</p><p>hegemônico. Além disso, a diversidade é a palavra-chave da possibilidade de</p><p>ampliar o campo do capital, que penetra cada vez mais em subjetividades</p><p>antes intactas. Vendem-se produtos para as diferenças e, nesse sentido, é</p><p>preciso incentivá-las. Ou seja, a diversidade foi entendida como uma forma</p><p>de governamento exercido pela política pública no campo da cultura, como</p><p>uma estratégia de apaziguamento das desigualdades e de esvaziamento do</p><p>campo da diferença, tendo como função borrar as identidades e quebrar as</p><p>hegemonias. (RODRIGUES; ABRAMOWICZ, 2013, p. 18).</p><p>Para trabalhar a diferença, existem dois grandes modelos:</p><p>1. a diferença pode ser vista como um subtema dentro da diversidade,</p><p>remetendo-se diretamente a ela como uma parte que a constitui, sendo a partir da</p><p>multiplicidade de diferenças que se debate diversidade (essa perspectiva é a mais</p><p>utilizada na educação);</p><p>2. abordar diretamente as diferenças como um tema próprio, uma perspectiva</p><p>que traz à tona os conflitos e a impossibilidade de apagamento das multiplicidades,</p><p>deixando claro que há diferenças e que estas devem ser debatidas e entendidas como</p><p>tal, diferenciando-se da primeira perspectiva, que trabalha de modo mais coletivo.</p><p>Os documentos anteriormente citados da UNESCO e da ONU trazem</p><p>importantes reflexões para seus contextos. Todavia, a manutenção das ordens</p><p>estabelecidas, das desigualdades, é claramente percebida, visto que, embora</p><p>convoquem os países a se mover pela diversidade, pouco trazem de iniciativas</p><p>efetivas de combate ao preconceito e de um debate direto sobre desigualdades e</p><p>violência.</p><p>11.1 Diversidade e educação de qualidade</p><p>Quando pensamos no contexto da diversidade, uma das instituições de maior</p><p>importância, mas também de maiores disputas discursivas, é a escola. Por ser um</p><p>espaço de formação e de debates, as diversas instituições de ensino, sejam as</p><p>escolas ou as universidades, sempre foram espaços de disputas entre diferentes</p><p>discursos, e, nas questões das diferenças, não é diferente. Justamente por ser o</p><p>espaço de formação por excelência, a educação se tornou uma área privilegiada para</p><p>falar em igualdade, diversidade e combate a preconceitos e desigualdades. Muitos</p><p>autores, autoras e intelectuais veem na educação a possibilidade de uma mudança</p><p>cultural e social. Nas palavras de Freire (1996, p. 14):</p><p>74</p><p>O educador tem que trabalhar com os educandos a rigorosidade metódica</p><p>com que devem se aproximar dos objetos cognoscíveis (que se pode</p><p>conhecer). Ensinar não se esgota no tratamento do objeto ou do conteúdo,</p><p>mas se alonga à produção de condições em que aprender é possível,</p><p>exigindo a presença de educadores e educandos criativos, investigadores e</p><p>inquietos, rigorosamente curiosos, humildes e persistentes. Nas condições de</p><p>verdadeira aprendizagem, os educandos e educadores vão se transformando</p><p>em reais sujeitos da construção e reconstrução do saber ensinado.</p><p>Assim, fica claro para o autor a importância de se considerar os diferentes</p><p>aspectos que envolvem as condições sociais dos indivíduos, identificados em</p><p>marcadores, como classe social, raça, gênero, etc., para que se possa pensar um</p><p>processo de ensino-aprendizagem realmente produtivo e criativo, capaz de</p><p>desenvolver no estudante a construção de um pensamento crítico e conectado com</p><p>sua realidade.</p><p>Ao falarmos das diferenças na perspectiva da escola, estamos falando em</p><p>possibilidades de acesso e de permanência de todos os grupos dentro do espaço de</p><p>formação e dentro das salas de aula, com segurança e direitos garantidos. Além disso,</p><p>estamos pensando em combater a evasão de grupos antes negligenciados e abordar</p><p>temas para além da chave universalizante caracterizada pelas narrativas: masculina,</p><p>branca, heterossexual, europeia, cristã. Os marcadores da diferença influenciarão as</p><p>narrativas históricas e as perspectivas culturais dentro da instituição educacional de</p><p>forma geral.</p><p>Pensando nisso, é justamente quando a educação se torna um projeto</p><p>universal e de acesso aos direitos de todos e todas que começam a aparecer as</p><p>principais dificuldades em lidar com turmas e culturas não mais homogêneas. Muitas</p><p>vezes, os docentes, profissionais da educação e a própria estrutura da escola não</p><p>estavam preparados para lidar com a diversidade, pois não havia uma boa</p><p>preparação, nem histórica, nem de docentes, nem dos livros didáticos, que falasse de</p><p>cultura e de sociedade para além dos marcos já mencionados.</p><p>É importante ressaltar que, por um longo período da história brasileira, a</p><p>educação não foi um direito de todos. Na verdade, foi uma das formas de distinção</p><p>social de classes, na qual só ricos tinham acesso à uma educação ampla e de</p><p>qualidade. É somente na história mais recente do nosso país que a educação torna-</p><p>se um direito universal de todos os cidadãos. Vale destacar, por exemplo, a</p><p>Constituição Federal de 1988, ao afirmar que: “A educação, direito de todos e dever</p><p>do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da</p><p>75</p><p>sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o</p><p>exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988, art.</p><p>205º).</p><p>É a partir desse momento, de uma educação inclusiva e que faz parte dos</p><p>direitos básicos, que se toma uma nova ótica para entender e estender o ensino e as</p><p>instituições educacionais. Contudo, a diversidade, enquanto perspectiva da tolerância,</p><p>só aparecerá muitos anos depois, especialmente com a criação da LDB, em meados</p><p>de 1996 (BRASIL, 1996).</p><p>Assim, o debate que ascende e que vai tomando formato e força dentro da</p><p>educação é a ideia</p><p>de que, por meio da diversidade, deve-se exercer a tolerância ao</p><p>diferente. A tolerância pautou e ainda pauta uma série de políticas públicas e</p><p>educacionais, porém traz diversos problemas de invisibilização e de não</p><p>enfrentamento, pois, como vimos anteriormente, a tolerância não exige respeito e</p><p>pode implicar em ignorar as diferenças ou simplesmente aguentar os limites da</p><p>diferença para cada sujeito.</p><p>Dessa forma, o tema da diversidade pela tolerância vai ficando cada vez mais</p><p>defasado, provando que, embora tenha um impacto na educação, torna- -se cada vez</p><p>menos eficiente. Diversos educadores e acadêmicos, ao pensar a diversidade,</p><p>aderem à ideia de diferença, uma vez que aqui está uma das possibilidades de saída</p><p>de um estado letárgico que a tolerância pode gerar. Nas palavras de Michaliszyn</p><p>(2012, p. 66-67):</p><p>[...] “a homogeneidade é uma utopia. Ela é um parente próximo da</p><p>unanimidade e a unanimidade é inibidora da dúvida, da crítica e, portanto, do</p><p>crescimento” (ROSA, 1998, p. 45). Por isso, consideramos que não cabe à</p><p>escola sustentar os princípios e as ideias que fundamentam a estrutura social</p><p>em vigor, da mesma forma como imaginamos e desejamos uma escola</p><p>comprometida com a mudança social e a transformação de estruturas sociais</p><p>injustas e desumanas em modelos em que igualdade e a justiça social se</p><p>façam presentes.</p><p>A década de 90 é considerada um marco para esse debate, pois foi nesse</p><p>período que diversas perspectivas se afirmaram. Embora hoje já se tenha uma crítica</p><p>bem desenvolvida e bem pautada como essencial ao debate sobre diversidade e</p><p>diferença, por muito tempo tal ideia foi pioneira e conseguiu destacar a necessidade</p><p>de se falar sobre as diferenças. Contudo, o processo brasileiro para inclusão dessas</p><p>perspectivas deu-se também por uma pressão internacional para que o país</p><p>compreendesse em sua perspectiva educacional uma relação mais justa.</p><p>76</p><p>Assim, as dificuldades com a escolarização em massa, como a aprendizagem</p><p>pouco efetiva e o abandono da escola, entre outros problemas, passaram a ser</p><p>compreendidas dentro do debate da diversidade a partir de uma perspectiva social de</p><p>inclusão. Para conseguir contemplar esses debates, a década de 90 foi um marco</p><p>significativo, pois encontramos mudanças fundamentais, principalmente com a Lei de</p><p>Diretrizes e Bases, homologada em 1996 (BRASIL, 1996).</p><p>11.2 Diversidade nas leis e secretarias</p><p>A Lei de Diretrizes e Bases (LDB) é importantíssima para pensar as relações</p><p>da educação com o contexto social e os parâmetros da escola, e, dessa forma, nos</p><p>aprofundaremos em compreender um pouco mais de nosso tema dentro da lei e das</p><p>iniciativas do Estado. Como um marco na educação, assim como os Parâmetros</p><p>Curriculares Nacionais (PCNs), a LDB deve ser entendida como um avanço no debate</p><p>da educação, pois consegue, por meio de seu documento, pautar diretrizes modernas</p><p>para o exercício da docência, bem como para os programas escolares e educacionais</p><p>(BRASIL, 1996).</p><p>A Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, é um documento outorgado para</p><p>âmbito nacional que prevê detalhadamente todos os aspectos da escolarização e da</p><p>educação no Brasil; foi uma reafirmação ao direto de educação universal e como</p><p>direito inalienável a todos e todas. É importante ressaltar que, dentro da</p><p>universalização do ensino, prevê-se a obrigatoriedade do ensino fundamental (até o</p><p>novo ano) por meio do acesso gratuito, inclusive para aqueles e aquelas que não</p><p>concluíram essa etapa em fase etária prevista. Já para o ensino médio, propõe-se</p><p>também a universalidade e o acesso gratuito, mas não mais obrigatório (BRASIL,</p><p>1996).</p><p>Para este capítulo, o Art. 3° da LDB merece ser destacado:</p><p>I — igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;</p><p>II — liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o</p><p>pensamento, a arte e o saber;</p><p>III — pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas;</p><p>IV — respeito à liberdade e apreço à tolerância;</p><p>V — coexistência de instituições públicas e privadas de ensino;</p><p>VI — gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;</p><p>VII — valorização do profissional da educação escolar;</p><p>VIII — gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da</p><p>legislação dos sistemas de ensino;</p><p>77</p><p>IX — garantia de padrão de qualidade;</p><p>X — valorização da experiência extraescolar;</p><p>XI — vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas sociais.</p><p>XII — consideração com a diversidade étnico-racial. (Incluído pela Lei nº</p><p>12.796, de 2013). (BRASIL, 1996, documento on-line)</p><p>Previsto em lei, é imprescindível que, em cursos ligados à área da educação,</p><p>seja pela pedagogia, seja pelas licenciaturas, se trate dos assuntos acima citados e</p><p>se aborde as diferenças. Entretanto, descarta-se a perspectiva da tolerância, como já</p><p>apontado anteriormente, prevendo um melhor uso teórico do debate a partir dos</p><p>dissensos e da possibilidade de demonstrar os limites da inclusão por meio da</p><p>obrigatoriedade, sem contexto ou sem auxílio efetivo da instituição e dos profissionais</p><p>envolvidos:</p><p>O sistema escolar, assim como a nossa sociedade, vai avançando para esse</p><p>ideal democrático de justiça e igualdade, de garantia dos direitos sociais,</p><p>culturais, humanos para todos. Mas ainda há indagações que exigem</p><p>respostas e propostas mais firmes para superar tratos desiguais, lógicas e</p><p>culturas excludentes. (BRASIL, 2007, p. 14).</p><p>A citação do Ministério da Educação serve como base legal e institucional para</p><p>compreendermos ainda mais a importância dos temas que aqui estão sendo</p><p>trabalhados, pois entender como se estruturam as diferenças e como são</p><p>naturalizadas é uma parte fundamental desse processo, assim como entender as</p><p>iniciativas que buscam erradicar ou diminuir as desigualdades (BRASIL, 2007).</p><p>11.3 Práticas de diversidades: escola, sociedade e cultura</p><p>Tal perspectiva é aquela trabalhada na chave da diversidade para a tolerância,</p><p>que expõe no seu cerne que todos são iguais acima das diferenças e, assim, não</p><p>contempla os conflitos. Já a visão de cultura como parte significativa, fundamental e</p><p>problemática das diferenças, entende que todos somos diferentes em nossas</p><p>particularidades, por isso cada política ou conceituação precisa levar em conta os</p><p>conflitos, e não buscar captar todas as diferenças em grandes conceitos</p><p>universalizantes.</p><p>Nesse sentido, a visão de que a globalização nos aproxima não cabe dentro</p><p>desse conceito de cultura pelas diferenças, visto que, como abordado anteriormente,</p><p>a globalização nublou as fronteiras, mas tem como parte de si uma Homogeinização</p><p>78</p><p>a partir do apagamento das diferenças e do massivo aumento de uma cultura do norte</p><p>global, como Estados Unidos e Europa, como a cultura “certa” a ser seguida. Dessa</p><p>forma, a globalização se mostra como um grande fator de conflito quando traz consigo</p><p>um modo de aculturação.</p><p>Nesse sentido, a cultura não é o que nos une em um lugar comum, mas é aquilo</p><p>que pauta sentido, ora normatiza, ora particulariza, ora exclui, ora inclui, de um modo</p><p>que coloca os sujeitos dentro de uma esfera de inteligibilidade, ou os exclui desta. A</p><p>cultura nos ajuda, então, a compreender a realidade social. Dessa forma, a cultura</p><p>levada a cabo aqui, aparece como parte dos processos de normatização discursiva</p><p>das práticas de diferenciação, e não como o suporte que nos une em um lugar comum,</p><p>mas sim como parte dos processos que explicam o social. Assim, o conceito de cultura</p><p>passa a ser algo enraizado, sentido e trabalhado por nós:</p><p>[...] é o que significa dizer que devemos pensar as identidades sociais como</p><p>construídas no interior da representação, através da cultura, não fora dela.</p><p>Elas são o resultado de um processo de identificação que permite que nos</p><p>posicionemos no interior das definições que os discursos culturais (exteriores)</p><p>fornecem ou que nos subjetivemos (dentro deles). Nossas chamadas</p><p>subjetividades</p><p>são, então, produzidas parcialmente de modo discursivo e</p><p>dialógico. Portanto, é fácil perceber porque nossa compreensão de todo este</p><p>processo teve que ser completamente reconstruída pelo nosso interesse na</p><p>cultura; e por que é cada vez mais difícil manter a tradicional distinção entre</p><p>“interior” e “exterior”, entre o social e o psíquico, quando a cultura intervém</p><p>(HALL, 1997, p. 9, tradução nossa).</p><p>Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo</p><p>que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com</p><p>sua realidade, a alteridade, assim como nossa cultura não deve ser um processo de</p><p>expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, sendo, por isso, tão importante a</p><p>compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora. Assim se formula</p><p>a diferença, dada a partir do outro e de nossas próprias limitações, que serão sempre</p><p>tensionadas.</p><p>11.4 Políticas de inclusão</p><p>As políticas de inclusão social e educacional não datam de hoje, são políticas</p><p>públicas reconhecidas como basilares na sociedade brasileira. Em 1961, a antiga</p><p>LDB, conhecida pela sigla LDBEN, já abordava a educação especial, mas de forma</p><p>79</p><p>altamente aquém ao que encontramos hoje. A LDB de 1961 afirmava que: “A</p><p>Educação de excepcionais, deve, no que for possível, enquadrar-se no sistema geral</p><p>de Educação, a fim de integrá-los na comunidade [...]” (BRASIL, 1961, documento on-</p><p>line). É importante ressaltar alguns trechos desta já mencionada legislação, como o</p><p>uso de “excepcionais”, termo comum na época, mas que não é mais usado para</p><p>categorizar pessoas com deficiências. Também devemos ressaltar que a lei não</p><p>obrigava as escolas a tomarem medidas eficazes, deixando em aberto com “no que</p><p>for possível”.</p><p>É com a Constituição Federal de 1988 que as políticas de inclusão começam a</p><p>tomar novo formato, especialmente quando observamos o Art. 205º que rege, dizendo:</p><p>“[...] a Educação como um direito de todos, garantindo o pleno desenvolvimento da</p><p>pessoa, o exercício da cidadania e a qualificação para o trabalho [...]” (BRASIL, 1988).</p><p>A importância desse trecho se destaca com o relato anterior, de 1961, pois não mais</p><p>deixa espaços para a obrigação ou não da inclusão e inserção de alguns, passa a ser</p><p>imposta constitucionalmente essa condição.</p><p>Isso não quer dizer que o ano de 1988 mudou as relações sociais de diferença</p><p>há muito colocadas no Brasil, porém foi um primeiro passo para as políticas que se</p><p>seguiram, e ainda seguem, em processo de implantação. Pensar a educação para</p><p>todos e todas foi uma mudança impactante, sendo que a uma parte significativa da</p><p>população o acesso à educação não era garantido ou efetivamente pensado.</p><p>É só em 2001, contudo, que o Plano Nacional de Educação implanta uma letra</p><p>de lei mais eficaz e inclusiva, que aborda as deficiências como parte da educação</p><p>escolar, colocando “[...] a garantia de vagas no ensino regular para os diversos graus</p><p>e tipos de deficiência [...]” (BRASIL, 2001). O modelo mais próximo do que</p><p>encontramos hoje, em termos de políticas de inclusão. Em 2005, o Ministério da</p><p>Educação publicou um documento que pensava as políticas de inclusão, onde dizia:</p><p>Uma política efetivamente inclusiva deve ocupar-se com a</p><p>desinstitucionalização da exclusão, seja ela no espaço da escola ou em</p><p>outras estruturas sociais. Assim, a implementação de políticas inclusivas que</p><p>pretendam ser efetivas e duradouras deve incidir sobre a rede de relações</p><p>que se materializam através das instituições já que as práticas</p><p>discriminatórias que elas produzem extrapolam, em muito, os muros e</p><p>regulamentos dos territórios organizacionais que as evidenciam. (PAULON,</p><p>2005, p. 8).</p><p>80</p><p>O texto de Paulon (2005) nos deixa algumas pistas para compreender como a</p><p>inclusão era trabalhada na perspectiva institucional. A autora está pensando</p><p>justamente o papel das diferentes instituições em excluir os cidadãos de seus</p><p>processos sociais, como a escola, já relatada, um dos espaços de exclusão por</p><p>excelência. Para Paulon (2005), é necessário combater as próprias hierarquias</p><p>institucionais feitas para segregar os sujeitos.</p><p>As políticas públicas de inclusão visam a pensar o acesso de alunos e alunas,</p><p>mas também precisam (re)pensar as educadoras e educadores dentro das redes de</p><p>ensino. Trabalhar com as diferenças geracionais entre professoras e alunos e com as</p><p>diferenças de sujeitos portadores de deficiência exige compreender como incluí-los. É</p><p>necessário descolonizar o ideal de como tratar os sujeitos diferentes, assim como em</p><p>todas as outras categorias.</p><p>Contudo, embora se reconheça aqui os importantes avanços das políticas de</p><p>inclusão, é importante tecer algumas críticas, algumas já feitas em outros momentos</p><p>deste texto. As políticas de inclusão não conseguem fazer os embates que as</p><p>diferenças implicam e questionar os preconceitos, ficando estagnadas na mesma</p><p>perspectiva da tolerância colocada pela diversidade.</p><p>Assim, é importantíssimo entendermos a nossa própria relação com o mundo</p><p>que nos cerca, mas também entender que cada pessoa terá diferentes relações com</p><p>sua realidade. A alteridade, assim como nossa cultura, não deve ser um processo de</p><p>expectativa em cima de outros sujeitos e contextos, por isso é tão importante a</p><p>compreensão de que a diversidade é conflitiva, e não agregadora.</p><p>Fonte: https://www.promoview.com.br/</p><p>81</p><p>12 COMO PROMOVER UMA EDUCAÇÃO MULTICULTURAL?</p><p>Educação multicultural se refere à proposta educacional que prioriza a</p><p>diversidade étnico-racial e inclui regularmente as perspectivas de diversos grupos</p><p>culturais. Os defensores da implementação desse modelo de educação entendem que</p><p>crianças pertencentes a grupos étnicos não hegemônicos e marginalizados devem ser</p><p>habilitadas pelas instituições de ensino. A educação multicultural beneficiaria todos os</p><p>estudantes, promovendo, dessa forma, a eliminação das diferenças de desempenho</p><p>escolar entre os alunos de grupos étnico-raciais minoritários (SANTROCK, 2009;</p><p>CAMPOS; GRANDO; PASSOS, 2015).</p><p>O termo habilitar é entendido, no campo da educação, como sendo a proposta</p><p>de capacitar os estudantes em níveis intelectual e de competição (SANTROCK, 2009).</p><p>A habilitação desses estudantes tem como objetivo aumentar a possibilidade de</p><p>indivíduos de grupos étnicos não hegemônicos se inserirem no mercado de trabalho,</p><p>proporcionando oportunidades iguais a toda a sociedade.</p><p>O ensino multicultural, quanto disciplina a ser ensinada, deve levar em conta</p><p>questões como status socioeconômico, etnicidade e gênero, tendo como diretriz a</p><p>justiça social. Dessa forma, os objetivos a serem focados são redução de preconceitos</p><p>e pedagogia de equidade. A redução de preconceitos seria a supressão de visões</p><p>estereotipadas do outro, enquanto que a pedagogia de equidade se caracteriza pela</p><p>transformação do ensino, incorporando materiais e estratégias de aprendizagem mais</p><p>apropriadas para o manejo tanto de meninos quanto de meninas, nos diversos grupos</p><p>étnicos.</p><p>Existem diversas propostas educacionais que visam à diminuição da diferença</p><p>acadêmica entre os alunos. A seguir, listamos algumas dessas possibilidades que os</p><p>educadores podem tentar implementar em suas salas de aula.</p><p>12.1 Práticas possíveis para a sala de aula</p><p>O programa Quantum, desenvolvido pela Fundação Ford, nos Estados Unidos,</p><p>em 1995 (CARNEGIE CONCIL ON ADOLESCENT DEVELOPMENT, 1995) tratou-se</p><p>de uma experiência estadunidense na qual os estudantes eram assessorados por</p><p>mentores particulares e recebiam um benefício em dinheiro ao se aplicarem em</p><p>determinadas atividades. Para ter acesso ao programa, exigia-se que os estudantes</p><p>82</p><p>realizassem determinadas atividades fora do seu período de aula, as quais poderiam</p><p>ser:</p><p> atividades acadêmicas fora do período escolar, podendo incluir leitura,</p><p>redação, matemática, ciências, estudos sociais, monitoria a colegas e informática;</p><p> participação em serviços comunitários no território, incluindo monitoria de</p><p>alunos de primeiro a quarto ano, limpeza das redondezas e trabalho voluntário em</p><p>hospitais, casas de repouso e bibliotecas;</p><p> atividades de conhecimento cultural e desenvolvimento pessoal, incluindo</p><p>testes de aptidão, conhecimento sobre os cursos de formação superior que melhor se</p><p>encaixam com seu perfil, habilidades para a vida, como cozinha e cálculo,</p><p>planejamento familiar e de carreira.</p><p>A avaliação final do programa Quantum constatou que 63% dos alunos que</p><p>contavam com mentores concluíram o ensino médio, contra apenas 42% dos</p><p>estudantes que não fizeram parte do programa; 42% dos estudantes que contavam</p><p>com mentores estavam matriculados num curso superior, contra apenas 16% dos</p><p>outros alunos; os estudantes que não participaram do programa Quantum também</p><p>dependiam duas vezes mais da assistência social do que o grupo acompanhado de</p><p>mentores; o índice de detenções também era maior entre os estudantes não</p><p>participantes. A educadora Nieto (2005), ao descrever práticas que auxiliam a</p><p>multiculturalizar a escola, deu as recomendações a seguir.</p><p> A escola, sua equipe técnica e o currículo pedagógico devem ser claramente</p><p>contra qualquer tipo de discriminação sócio-racial e, também, devem propiciar um</p><p>espaço seguro para que os estudantes possam discutir sobre esses temas.</p><p> A educação multicultural deve fazer parte intrínseca da escola, desde o</p><p>currículo, os quadros de avisos, nos refeitórios, as reuniões de pais e mestres, até</p><p>suas atitudes fora de sala de aula. Assim sendo, todo o estudante deve ser exposto à</p><p>multiculturalidade. Isso inclui fazer com que todos sejam bilíngues e estudem</p><p>diferentes perspectivas culturais.</p><p> Os estudantes devem conseguir problematizar e ter conscientização acerca</p><p>de suas próprias culturas. Isso envolve torná-los mais capacitados para analisar</p><p>culturas e mais atentos aos fatores históricos, políticos e sociais que moldam sua visão</p><p>sobre cultura e etnicidade. A meta é de que, ao serem expostos a essas discussões,</p><p>os alunos se motivem a trabalhar por justiça econômica e política.</p><p>83</p><p>Conhecer a comunidade onde a escola está situada e de onde provêm os</p><p>alunos é muito importante para se criar um currículo pedagógico que faça sentido para</p><p>aqueles estudantes e melhore o entendimento da bagagem étnica e cultural deles.</p><p>Santrock (2009) também dá algumas dicas de como os professores podem</p><p>atuar de forma a promover uma educação multicultural em suas salas de aula. Ele cita</p><p>alguns tópicos relevantes, os quais são apresentados a seguir:</p><p> O ensino culturalmente relevante é um aspecto importante da educação</p><p>multicultural — ou seja, deve buscar conexões entre os conteúdos de aula e os</p><p>cotidianos fora da escola da origem dos alunos.</p><p> A abordagem de recursos do conhecimento fala que os professores e</p><p>educadores devem fazer visitas às residências dos alunos, no intuito de desenvolver</p><p>relacionamentos sociais com seus familiares e aprender mais sobre a origem cultural</p><p>e étnica deles — isso ajuda a melhor incorporar esse conhecimento em suas aulas.</p><p> A educação centrada em análise de problemas é outra característica</p><p>essencial da educação multicultural, pois os alunos são estimulados a problematizar</p><p>sistematicamente questões que envolvem equidade e justiça social — isso implica em</p><p>maior contato dos estudantes com seus valores, assim como na possibilidade de</p><p>análise de alternativas e consequências de suas atitudes.</p><p>A sala de aula quebra-cabeça é uma prática educativa que envolve ter</p><p>estudantes de diversas origens culturais, socioeconômicas e étnicas, realizando</p><p>cooperativamente diferentes partes de determinada atividade acadêmica para</p><p>alcançar um objetivo comum.</p><p>Contato pessoal positivo com outros alunos de diferentes origens culturais,</p><p>projetos curriculares com enfoque em questões étnicas, grupos mistos de trabalho e</p><p>educadores e diretores incentivadores e aliados ajudaram a melhorar as relações</p><p>entre indivíduos (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976). Ao conversar sobre</p><p>questões pessoais, preocupações, interesses, etc., os estudantes tendem a aumentar</p><p>o reconhecimento do outro como indivíduo, ao invés de pertencer a um grupo apenas.</p><p>Com essa aproximação, há uma descoberta importante para o relacionamento</p><p>interpessoal e o rompimento de barreiras étnicas — mesmo com diferentes origens,</p><p>as pessoas compartilham sentimentos, esperanças, preocupações.</p><p>Para o aumento da empatia com relação aos outros, os estudantes precisam</p><p>adquirir perspectiva. Proporcione práticas, exercícios e projetos que os façam entrar</p><p>84</p><p>em contato e colocar-se a partir da perspectiva de outras culturas — isso ajuda a</p><p>combater o preconceito e aumenta a flexibilidade cognitiva.</p><p>O pensamento crítico sobre as relações interétnicas e a inteligência emocional</p><p>refletem positivamente na redução do preconceito em relação aos outros. Em</p><p>contrapartida, aqueles estudantes que apresentam pensamento mais raso acerca</p><p>dessas questões, em geral, são também mais preconceituosos. Quando se aprende</p><p>a fazer perguntas e pensar nas questões de forma crítica, substituindo a resposta</p><p>automática que posterga o julgamento, os estudantes se tornam menos</p><p>preconceituosos e mais abertos. (FOREHAND; RAGOSTA; ROCK, 1976).</p><p>Algumas ferramentas que podem ajudar a reduzir, lidar ou, até mesmo, eliminar</p><p>seu preconceito são:</p><p> trabalhar com imagens de crianças de diversos grupos culturais e étnicos —</p><p>por meio da seleção de textos e histórias para os alunos também refletiram essa</p><p>diversidade multicultural;</p><p> priorizar materiais didáticos que valorizem e dissertem acerca do</p><p>entendimento cultural e étnico — por meio do uso de dramatização para ilustrar papéis</p><p>e famílias não estereotipados de diversas origens;</p><p> ajudar os estudantes a desconstruir as ideias estereotipadas que têm de</p><p>determinadas culturas — por meio da criação de uma regra rígida e clara na qual não</p><p>serão toleradas nenhuma brincadeira de mau gosto ou exclusão de qualquer</p><p>estudante devido à sua etnia;</p><p> conversar com os pais sobre a importância da educação multicultural na</p><p>sociedade — por meio da ajuda na compreensão das origens dos preconceitos e das</p><p>ideias estereotipadas para que eles também possam promover uma educação</p><p>multicultural em seus domicílios.</p><p>Para aumentar a tolerância, promova discussões seguras para todas as</p><p>opiniões e permita que seus alunos expressem as suas perspectivas culturais sobre</p><p>determinados temas, salientando que o consenso sempre é a melhor estratégia. A</p><p>escola e a comunidade devem ser vistas como uma equipe. A melhor maneira de se</p><p>ter acesso aos estudantes, à sua cultura e ao seu cotidiano é fazendo com que a</p><p>escola se torne parceira da comunidade. Dessa forma, os estudantes vão se sentir</p><p>mais motivados para aprender, pois conseguirão enxergar onde os conteúdos vistos</p><p>em sala de aula podem ser aplicados no seu dia a dia.</p><p>85</p><p>REFERÊNCIAS</p><p>BIBLIOGRAFIA BÁSICA</p><p>ATHAYDE, A.; IKEDA, D. Diálogos: direitos humanos no século XXI. Tradução de</p><p>Masato Ninomiya. RJ: Record, 2000.</p><p>CANDAU, V. M. Multiculturalismo: diferenças culturais e práticas pedagógicas.</p><p>Vozes, 2018.</p><p>LEITE, G. S.; FERRAZ, C. V. Direito a diversidade. São Paulo: Atlas, 2015.</p><p>SEMPRINI, A. Multiculturalismo. Tradução de Laureano Pelegrin. Bauru/SP:</p><p>EDUSC, 1999.</p><p>TUVILLA RAYO, J. Educação em direitos humanos: rumo a uma perspectiva global.</p><p>2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2003.</p><p>BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR</p><p>BARROCO, M. L. O significado sócio-histórico dos direitos humanos e o serviço</p><p>social. 2008. Disponível em: Acesso em: 12 nov. 2018.</p><p>COSTA, F. C. F. S. O senso comum acerca dos direitos humanos no Brasil.</p><p>Revista Brasileira de Direitos e Gestão Pública, v. 4, n. 1, p. 26-34, jan./dez., 2017.</p><p>Disponível em: Acesso em: 12 nov. 2018</p><p>BRASIL. Constituição. (1988). Constituição da República</p><p>Federativa do Brasil.</p><p>1988. Disponível em: Acesso em: 31 jan. 2018.</p><p>GOMES, N. L. Alguns termos e conceitos presentes no debate sobre relações</p><p>raciais no Brasil: uma breve discussão. 2012. Disponível em: Acesso em: 31 jan.</p><p>2018.</p><p>GOMES, W. W. A diversidade cultural e o direito a igualdade e a diferença.</p><p>Revista Observatório da Diversidade Cultural, v. 1, nº. 1, p. 141- 151, 2014. Disponível</p><p>em: Acesso em: 18 jan. 2019.</p><p>86</p><p>ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Artigo 1: Todos os seres humanos</p><p>nascem livres e iguais. 2018. Disponível em: Acesso em: 12 dez. 2018.</p><p>ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS NO BRASIL. Declaração Universal dos</p><p>Direitos Humanos. 2009. Disponível em: Acesso em: 11 dez. 2018</p><p>RIBEIRO, D. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. São Paulo:</p><p>Companhia das Letras, 1995.</p><p>UNESCO. Convenção sobre a proteção e promoção da diversidade das</p><p>expressões culturais. Paris, 20 out. 2005. Disponível em: Acesso em: 18 jan. 2019.</p><p>ZAMBONI, M. Marcadores sociais. 2015. Disponível em: Acesso em: 31 jan. 2018.</p><p>WOLKMER, A. C.; LEITE, J. R. M. Os “novos” direitos no Brasil: natureza e</p><p>perspectivas. São Paulo: Saraiva, 2003.</p><p>macacos, as formigas e as abelhas) também sejam</p><p>considerados animais sociais, pois vivem em grupos, “[...] somente os seres humanos</p><p>têm culturas completamente elaboradas — tradições e costumes específicos</p><p>transmitidos pela aprendizagem e pela linguagem ao longo de gerações”, conforme</p><p>leciona Kottak (2013, p. 43).</p><p>10</p><p>Nesse sentido, o conceito de cultura se torna fundamental tanto para a</p><p>Antropologia quanto para a Filosofia, pois nos possibilita compreender melhor os</p><p>seres humanos e a sua vida social. Você, provavelmente, está se perguntando: afinal,</p><p>qual é o conceito de cultura? Bem, o antropólogo, escritor e ex-ministro da educação,</p><p>Darcy Ribeiro (1999), com muita simplicidade, afirma que a cultura é tudo o que resulta</p><p>do trabalho humano, tudo o que é feito pelos homens ou resulta do trabalho deles e</p><p>dos seus pensamentos.</p><p>Temos também a definição amplamente citada de cultura enquanto objeto da</p><p>Antropologia, elaborada por Tylor (2000, p. 1, grifo nosso): “A cultura [...] é o todo</p><p>complexo que inclui conhecimentos, crenças, artes, regras morais, leis, costumes e</p><p>quaisquer outras capacidades e hábitos adquiridos pelo homem como membro da</p><p>sociedade”. Ou seja, para Tylor (2000), a cultura trata daquilo a que o ser humano</p><p>está exposto por crescer em determinada sociedade, ficando exposto a uma tradição</p><p>cultural específica. Por exemplo, os indivíduos que nascem no Rio Grande do Sul são</p><p>apresentados aos elementos de sua cultura, aquilo que é da tradição gaúcha.</p><p>Portanto, o indivíduo poderá ou não aprender a tomar chimarrão, falar “bah” ou “tchê”,</p><p>etc. Ao ser exposto a determinada cultura, ao nascer, o ser humano adquire seus</p><p>hábitos e costumes, e, portanto, estes passam a ser seus hábitos e suas culturas.</p><p>De acordo com Kottak (2013, p. 44): “Enculturação é o processo pelo qual</p><p>uma criança aprende sua cultura”. O processo de enculturação é possibilitado pela</p><p>facilidade de aprendizagem das crianças. Acerca disso, Kottak (2013, p. 44) afirma:</p><p>“A facilidade com que as crianças absorvem qualquer tradição cultural reside na</p><p>capacidade humana singularmente sofisticada de aprender”</p><p>Outra definição de cultura bastante conhecida e referenciada é a do</p><p>antropólogo Clifford Geertz. Para Geertz (1981), as culturas se caracterizam como um</p><p>conjunto de mecanismos de controle — planos, receitas, regras, instruções, aquilo</p><p>que os engenheiros de informática chamam de programas para comandar o</p><p>comportamento. Logo, a cultura é por ele definida como ideias baseadas na</p><p>aprendizagem e nos símbolos culturais. Essas ideias são passadas não apenas às</p><p>crianças, embora elas assimilem e aprendam de forma mais fácil; mas nós, adultos,</p><p>podemos também receber novos hábitos e costumes — isso se dá a partir dos fatos</p><p>sociais. A cultura também é aprendida por meio da observação, segundo Kottak. As</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>11</p><p>crianças observam os adultos e acabam repetindo os seus hábitos. Cabe ressaltar</p><p>que essa aprendizagem nem sempre se dá de forma consciente.</p><p>Fonte: CRStudio/Shutterstock.com.</p><p>3.1 Ser humano: produto e produtor de cultura</p><p>Como vimos anteriormente, a cultura pode ser definida como tudo aquilo que o</p><p>ser humano produz ou que sofre a sua intervenção, de forma que, segundo Ribeiro</p><p>(1999), até uma galinha pode ser considerada cultura. Portanto, tudo o que vemos ao</p><p>olhar ao nosso redor é cultural e foi produzido pelo ser humano, pois a realidade, como</p><p>afirmou Freire, é a realidade humana, produzida pelo ser humano.</p><p>Você deve concordar que o trabalho é muito importante para o ser humano,</p><p>pois lhe dignifica, o torna útil e capaz de modificar a realidade, desde que não seja um</p><p>trabalho em que seja explorado. Logo, não há exagero nenhum em dizer que o ser</p><p>humano é produtor de cultura. Além disso, somos seres sociais que vivem em grupo,</p><p>dotados de sociabilidade, ou seja, uma necessidade intrínseca de viver em grupo e/ou</p><p>comunidades, pois não somos dados ao isolamento. Ainda, nossa educação, ou seja,</p><p>as nossas aprendizagens, desenvolvidas ao longo da vida, são fruto dos processos</p><p>de socialização que estabelecemos nos diferentes grupos sociais que integramos ao</p><p>longo da nossa vida. Há também a enculturação, como vimos, por meio da qual</p><p>aprendemos os hábitos da nossa cultura e tradição.</p><p>Segundo a professora Aranha (2010), o processo de socialização tem início</p><p>pela influência da comunidade sobre os indivíduos. É conhecida a história das</p><p>12</p><p>meninas-lobo encontradas na Índia, em 1920, vivendo em uma matilha. O</p><p>comportamento delas em tudo se assemelhava ao dos lobos: andavam de quatro,</p><p>comiam carne crua ou podre, uivavam à noite, não sabiam rir nem chorar. Só iniciaram</p><p>o processo de humanização quando foram encontradas e passaram a conviver com</p><p>pessoas. O mundo cultural é, dessa forma, um sistema de significados já</p><p>estabelecidos por outros, de modo que, ao nascer, a criança encontra um mundo de</p><p>valores dados, onde ela se situa. A língua que aprende, a maneira de se alimentar, o</p><p>jeito de sentar, andar, correr, brincar, o tom de voz nas conversas, as relações sociais,</p><p>tudo, enfim, se acha estabelecido em convenções. Até a emoção, que é uma</p><p>manifestação espontânea, sujeita-se a regras que dirigem de certa maneira a sua</p><p>expressão. A condição humana resulta, pois, da assimilação de modelos sociais: a</p><p>humanização se realiza mediada pela cultura.</p><p>Se, como afirma Aranha (2010) no excerto acima, a humanização se realiza</p><p>mediada pela cultura, não é possível dissociar a sociabilidade e a socialização da</p><p>cultura e dos processos de enculturação, pois é por meio delas que nos tornamos</p><p>quem somos. É claro que não cabe exclusivamente ao processo de enculturação nos</p><p>definir; somos constituídos pelos grupos sociais dos quais fazemos parte, pelas</p><p>experiências que vivenciamos e por aquelas culturas com as quais temos contato.</p><p>3.2 Pluralismo Cultural</p><p>O multiculturalismo, ou pluralismo cultural, dá-se por meio da convivência com</p><p>diferentes grupos sociais de diferentes culturas em um mesmo território. Por meio do</p><p>contato com outros grupos culturais, ocorre o processo de aculturação. A aculturação</p><p>é o processo pelo qual os sujeitos adquirem traços ou se adaptam às outras culturas</p><p>com as quais têm contato. O processo de aculturação permite o sincretismo cultural e</p><p>religioso, uma vez que, a partir do contato com outras culturas e religiões, o sujeito</p><p>acaba adquirindo os hábitos e costumes daquela sociedade ou grupo social, dando</p><p>origem, muitas vezes, a novos hábitos e novas práticas culturais.</p><p>No Brasil, a aculturação permitiu às culturas indígenas e africanas adquirirem</p><p>traços das outras culturas. Houve também a aculturação religiosa, por meio da qual</p><p>as religiões de matriz indígena e africana adquiriram traços das outras religiões. Essa</p><p>troca entre as culturas é conhecida também como interculturalidade, que nada mais</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>13</p><p>é do que o intercâmbio cultural entre as sociedades — é quando sociedades com</p><p>culturas diferentes interagem, e uma acaba assimilando os hábitos da outra, sem</p><p>perder os seus hábitos culturais. Alguns autores trabalham o conceito de</p><p>interculturalidade como sinônimo de multiculturalismo. (ARANHA, 2018).</p><p>Em uma sociedade globalizada como esta em que vivemos, é comum que</p><p>exista o que os antropólogos chamam de assimilação, que nada mais é do que o</p><p>processo de mudança que um grupo étnico pode experimentar quando se muda para</p><p>um país no qual uma outra cultura é dominante. Porém, essa mudança não é inevitável</p><p>e nem necessária, desde que o grupo não se sinta ameaçado ou constrangido por agir</p><p>conforme a sua cultura. (ARANHA, 2018).</p><p>Em situações em que as pessoas são pressionadas ou questionadas acerca</p><p>dos seus hábitos e culturas, é mais comum que exista a assimilação cultural, até como</p><p>uma forma de autodefesa. Uma sociedade multicultural não só socializa os indivíduos</p><p>na cultura dominante (nacional),</p><p>mas também cria uma cultura étnica e permite, assim,</p><p>a compreensão das semelhanças e diferenças entre as culturas, sem fazer qualquer</p><p>julgamento. Contudo, em uma sociedade tão plural culturalmente, é necessário</p><p>aumentar a vigilância contra os preconceitos e as intolerâncias. E, para isso, o diálogo</p><p>e o respeito são imprescindíveis.</p><p>3.3 O diálogo e o respeito às diferentes culturas</p><p>Nos cenários atuais, temos várias culturas convivendo em um mesmo território,</p><p>graças à globalização, e as pessoas interagem via redes sociais com pessoas de</p><p>diferentes culturas, tanto do seu próprio país como dos demais. Alertar para a</p><p>necessidade do diálogo e do respeito às diferentes culturas se torna ainda mais</p><p>necessário. Segundo Kottak (2013, p. 62):</p><p>O termo globalização abarca uma série de processos que operam em nível</p><p>transnacional para promover transformações, em um mundo no qual as</p><p>nações e as pessoas são cada vez mais interligadas e mutuamente</p><p>dependentes. Promovendo a globalização estão as forças econômicas e</p><p>políticas, juntamente com modernos sistemas de transporte e comunicação.</p><p>Como já vislumbrava o Papa João Paulo II, em sua Encíclica Redemptoris</p><p>Missio (JOÃO PAULO II, 1990, documento on-line):</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>14</p><p>Encontramo-nos hoje diante de uma situação religiosa bastante diversificada</p><p>e mutável: os povos estão em movimento; certas realidades sociais e</p><p>religiosas, que, tempos atrás, eram claras e definidas, hoje evoluem em</p><p>situações complexas. Basta pensar em fenômenos tais como o urbanismo,</p><p>as migrações em massa, a movimentação de refugiados, a descristianização</p><p>de países com antiga tradição cristã, a influência crescente do Evangelho e</p><p>dos seus valores em países de elevada maioria não cristã, o pulular de</p><p>messianismos e de seitas religiosas. É uma alteração tal de situações</p><p>religiosas e sociais, que se torna difícil aplicar em concreto certas distinções</p><p>e categorias eclesiais, a que estávamos habituados.</p><p>As redes sociais, ao mesmo tempo que aproximam as pessoas das diferentes</p><p>culturas, familiarizando-as com as práticas culturais dos diferentes povos que estão</p><p>presentes nessa grande aldeia global ou casa comum que é a Terra, acaba</p><p>distanciando-as também, devido à incompreensão e à falta de diálogo e respeito. A</p><p>cada dia, vemos as pessoas se sentindo autorizadas a escreverem e dizerem o que</p><p>querem, como se as redes sociais fossem uma “terra de ninguém”. Talvez, aqui, o</p><p>ponto nevrálgico seja que as pessoas escrevem e dizem o que pensam. Portanto,</p><p>cabe questionar: como mudar esse pensamento? Como diminuir ou mesmo erradicar</p><p>a intolerância, a falta de respeito, a falta de empatia e de alteridade com relação ao</p><p>outro? Esse outro que é estranho a mim, mas que, ao mesmo tempo, é meu irmão e</p><p>criado por Deus também.</p><p>A atitude de julgar a cultura e os hábitos do outro a partir da minha própria</p><p>cultura é o que os antropólogos chamam de etnocentrismo. O etnocentrismo pode</p><p>ser compreendido como uma visão do mundo na qual a própria cultura é tomada como</p><p>superior e se aplicam os próprios valores culturais no julgamento dos comportamentos</p><p>e das crenças de pessoas de outras culturas. No plano intelectual, pode ser visto como</p><p>a dificuldade de pensarmos a diferença; no plano afetivo, ocorre na forma de</p><p>sentimentos de estranheza, medo, hostilidade, etc. Como alternativa aos</p><p>comportamentos etnocêntricos, há quem defenda a perspectiva do relativismo</p><p>cultural, que é a visão de que o comportamento de uma cultura não pode ser julgado</p><p>pelos padrões culturais de outra, conforme aponta Kottak (2013).</p><p>O problema com o relativismo cultural é que ele pode nos conduzir ao</p><p>relativismo moral, fazendo com que tenhamos de abrir mão de alguns valores e</p><p>princípios fundamentais porque não podemos julgar as práticas culturais e religiosas</p><p>das outras sociedades. Nesse sentido, para evitar esse relativismo moral, se existe</p><p>alguma atitude a ser tomada, ela envolve sempre o diálogo e o respeito, pois se tratam</p><p>de questões complexas e polêmicas, como o caso do infanticídio em tribos indígenas,</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>15</p><p>a mutilação de mulheres na África, a proibição ou não do aborto e tantas outras</p><p>questões.</p><p>De acordo com Dupré (2015, p. 210), “O relativismo em ética ou relativismo</p><p>moral é a perspectiva de que o acerto ou o erro das ações é determinado pela cultura</p><p>e pelas tradições (ou relativo a elas) de comunidades ou grupos sociais específicos”.</p><p>Assim, como recomendou o Papa João Paulo II (1990, documento on-line), é</p><p>importante que a Igreja atue como missionária e que tenha uma missão ad gentes.</p><p>Torna-se necessário, porém, precaver-se contra o risco de nivelar situações</p><p>muito diferentes, e reduzir ou até fazer desaparecer a missão e os</p><p>missionários ad gentes. A afirmação de que toda a Igreja é missionária não</p><p>exclui a existência de uma específica missão ad gentes, assim como dizer</p><p>que todos os católicos devem ser missionários não impede — pelo contrário,</p><p>exige- -o — que haja missionários ad gentes, dedicados por vocação</p><p>específica à missão por toda a vida.</p><p>Nesse sentido, talvez seja importante, em vez de “relativizar”, dialogar sobre</p><p>essas práticas culturais e religiosas que são distintas das nossas. Deve-se buscar</p><p>encontrar uma forma de manter não apenas a memória e a história dos povos, mas</p><p>seus adeptos, com uma visão mais atual e compreensiva acerca da humanidade e,</p><p>também, não ferindo os direitos humanos. Isso, de fato, é bem difícil.</p><p>4 A CULTURA NA HISTÓRIA DA HUMANIDADE</p><p>Desde os primórdios da história, o homem e a mulher se confrontam com a</p><p>necessidade de conhecer, a fim de explicar os fatos e fenômenos, dominar a natureza</p><p>ou facilitar sua existência. A humanidade construiu conhecimentos a partir dos</p><p>desafios necessários à sua sobrevivência. O conhecimento surgiu e foi acumulado em</p><p>decorrência das experiências vividas (FREIRE, 1984).</p><p>A dimensão histórica e social do tempo permite a compreensão da história</p><p>como produção do ser humano, na dinâmica das relações sociais e de diferentes</p><p>conjunturas, em épocas diferentes. Trabalhar a noção de tempo nessa dimensão</p><p>possibilita analisar o contexto de diferentes épocas e localizar, no tempo, o modelo de</p><p>sociedade no qual está inserido; permite ao indivíduo o esclarecimento da sociedade</p><p>atual como uma evolução histórica de um processo político, social, cultural e</p><p>16</p><p>econômico que se originou no passado e que continua a ser construído no seu dia a</p><p>dia, por meio da ação dos sujeitos na história.</p><p>De acordo com Freire (1999), o homem cria a cultura na medida em que,</p><p>integrando-se nas condições de seu contexto de vida, reflete sobre ela e dá respostas</p><p>aos desafios que encontra pelo caminho. A construção da Cultura é todo resultado da</p><p>atividade humana, do esforço criador e recriador do homem e da mulher, de seu</p><p>trabalho por transformar e estabelecer relações de diálogo com outros homens e</p><p>mulheres.</p><p>Nessa expectativa, cultura é tudo que resulta da criação humana, o sujeito cria,</p><p>transforma e é afetado por essas transformações. O sujeito, ao produzir cultura,</p><p>produz-se a si mesmo, ou seja, ele se autoproduz. Logo, não há cultura sem o sujeito,</p><p>como não há sujeito sem cultura. A cultura, pois, não somente envolve o sujeito, mas</p><p>penetra-o, modelando sua identidade, personalidade, maneira de ver, pensar e sentir</p><p>o mundo.</p><p>Para Brandão (2002), a cultura existe nas diversas maneiras por meio das quais</p><p>criamos e recriamos os tecidos sociais de símbolos e de significados que atribuímos</p><p>a nós próprios, às nossas vidas e aos nossos mundos. Criamos os mundos sociais</p><p>em que vivemos e só sabemos viver nos mundos sociais que criamos ou onde</p><p>reaprendemos a viver, para sabermos criarmos com os outros os seus outros mundos</p><p>sociais – e isso é a cultura que criamos para viver e conviver.</p><p>A cultura não é, pois, algo que existe fora do sujeito; ela faz parte</p><p>do seu íntimo.</p><p>Se somos o que somos é porque temos contato com outros seres humanos, dentro</p><p>de uma realidade específica que se torna nossa verdade, mas que se desenvolve</p><p>apenas na interação entre os indivíduos. O ser humano não nasce “ser social”, ele se</p><p>torna um “ser social” em contato com outras pessoas (DALLARI, 1984).</p><p>O grande desafio da escola, hoje, é contribuir para a formação de cidadãos</p><p>críticos, conscientes e atuantes (TRINDADE, 2000). Trata-se de uma tarefa complexa</p><p>que exige da escola um movimento que ultrapasse temas, conteúdos e programas.</p><p>Nessa realização, percebemos o verdadeiro sentido da palavra cidadania.</p><p>17</p><p>Fonte: https://factrem2s.com.br/</p><p>4.1 Manifestações culturais no desenvolvimento educacional da humanidade</p><p>A cultura é histórica; pensar em cultura é pensar em conhecimento, significado</p><p>e formas de interpretar o mundo e nosso cotidiano. A construção de uma cultura é</p><p>baseada no que fomos agregando ao longo da história para transformar e transmitir</p><p>nosso pensamento, nossas formas de ser e sentir. Conhecer, aprender, ver as</p><p>diferenças, como somos e como nos relacionamos é se apropriar do conhecimento.</p><p>Para entender o conhecimento, tem-se que refletir sobre os inúmeros fatores</p><p>pelos quais somos influenciados, tais como: o que assistimos na TV, o que temos</p><p>como hábito de leitura, de saberes adquiridos, de técnicas corporais incorporadas,</p><p>entre outros.</p><p>As manifestações culturais se apresentam de diversas formas. De uma forma</p><p>clara e objetiva, a cultura pode se manifestar de diferentes maneiras, ela é complexa</p><p>e dinâmica e pode ser compreendida de acordo com a origem de quem a produz.</p><p>Podemos conhecê-la como, conforme Coelho (1986):</p><p> Cultura erudita: é produto da leitura, do estudo e da pesquisa. É a cultura</p><p>aprendida nos ambientes formais de educação. Para que se produza cultura erudita,</p><p>é necessário que se tenha vasto conhecimento sobre um determinado assunto.</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>18</p><p> Cultura de massa: é a cultura produzida e /ou transmitida pelos meios de</p><p>comunicação a um grande número de pessoas, por meio de intermédios impressos</p><p>ou eletrônicos, como jornais, revistas, televisão e internet.</p><p> Cultura popular: pode ser compreendida como a soma dos valores</p><p>tradicionais de um povo, expressos em forma artística, como danças, ou em crendices</p><p>e costumes gerais. A cultura popular é coletiva, marcada pelo anonimato.</p><p>O conceito de cultura é amplo, de maneira que é interessante estabelecer</p><p>conhecimento entre os conceitos de cultura erudita, de massa e popular. Essa</p><p>diferenciação tem objetivos apenas didáticos, até mesmo porque existem articulações</p><p>e relações entre os “tipos culturais”, e estabelecemos contato com elas o tempo todo,</p><p>pois são mutáveis e dinâmicas, ou seja, as manifestações acompanham as</p><p>sociedades onde se expressam, transformando-se, permanecendo ou adaptando-se</p><p>a cada realidade.</p><p>Outro aspecto importante a destacar é que convivemos com as diferentes</p><p>manifestações culturais, pois a cultura é variável no tempo e vai transformando-se na</p><p>vivência e no processo de comunicação e transmissão de sua existência. Elementos</p><p>como modo de agir, vestir, caminhar, comer se alteram diante das novas</p><p>necessidades constituídas entre as gerações, localizadas em um tempo e espaço de</p><p>vivência, produzindo bem-estar para alguns e, para outros, uma metamorfose imposta</p><p>e, portanto, de grande violência simbólica.</p><p>Ribeiro (1987) insiste na ideia de que, embora a cultura seja um produto da</p><p>ação humana, ela é regulada pelas instituições de modo que se lapida a ideia a ser</p><p>manifestada segundo os interesses ou valores de crenças de determinado grupo</p><p>social. A cultura, para Ribeiro (1987), também é uma herança que se resume a um</p><p>conjunto de saberes que são passados a partir das gerações, saberes manifestados</p><p>e experimentados pelo ancestral.</p><p>Quando se trata de cultura e educação, podemos dizer que são esses</p><p>fenômenos intrinsecamente ligados, a cultura e a educação, que, juntos, tornam-se</p><p>elementos socializadores, capazes de modificar a forma de pensar dos educandos e</p><p>dos educadores; quando adotamos a cultura como uma aliada no processo de ensino-</p><p>aprendizagem, estamos permitindo que cada indivíduo que frequenta o ambiente</p><p>escolar se sinta participante do processo educacional, pois ele nota que seu modo de</p><p>ser e vestir não é mais visto como “antiético” ou “imoral”, mas sim como uma forma</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>Olívia</p><p>Destacar</p><p>19</p><p>de ele socializar com os demais colegas. Alguns autores defendem a ideia de que a</p><p>educação não pode sobreviver sem a cultura e nem a cultura sem a educação.</p><p>Candau (2003, p. 160) afirma que: “A escola é, sem dúvida, uma instituição cultural</p><p>[...]”</p><p>4.2 A relação entre as culturas</p><p>O avanço das tecnologias permite ultrapassar fronteiras de modo mais rápido</p><p>e em maior frequência. Se você for de São Paulo a Porto Alegre de ônibus, o percurso</p><p>levará por volta de 24 horas, mas se você for de avião, a duração da viagem é menor</p><p>do que duas horas, o que facilita e oportuniza o deslocamento. Ainda que diferentes</p><p>lugares do mundo estejam mais acessíveis, em grandes metrópoles, você pode</p><p>escolher conhecer culturas que estão mais próximas, e isso não significa que elas</p><p>sejam tão semelhantes às suas.</p><p>Esse contato pode evidenciar elementos culturais que você considere</p><p>estranhos, causando certo estranhamento sobre o modo de vida do outro. Às vezes,</p><p>pode até mesmo achar engraçado o modo como as pessoas de outras sociedades</p><p>falam, se vestem ou mesmo dançam. Estranhar, em um primeiro momento, é como</p><p>não entender direito o porquê a pessoa age de determinada forma, fala diferente ou</p><p>mesmo come algum tipo de prato típico da região.</p><p>A diferença entre as culturas acarreta em diferenças conceituais.</p><p>Fonte: Ruas (2012).</p><p>Isso acontece por que somos etnocêntricos, ou seja, entendemos que o nosso</p><p>modo de vida é o certo, correto, adequado, já que, para nós, é a nossa cultura e o que</p><p>20</p><p>faz sentido nela é o que está no centro do nosso entendimento. Assim, a referência</p><p>do que é certo e errado é dada pela cultura na qual nascemos. Então, podemos dizer</p><p>que nascemos etnocêntricos e, com o passar do tempo, podemos aprender a</p><p>relativizar o que temos como referência. Nesse sentido, o comportamento etnocêntrico</p><p>pode até ser depreciativo em relação aos padrões culturais diferentes dos seus,</p><p>julgando-os como imorais, aberrações ou equívocos. (BARROSO, 2018).</p><p>Deste modo, temos de cuidar para que não apreendamos atitudes</p><p>discriminatórias de diferentes ordens com a cultura do outro. Entendemos que, em um</p><p>mundo que possibilita cada vez mais encontros, temos de saber conviver, relativizar</p><p>e entender os diferentes modos de vida. Nem todos vão ter o mesmo certo e o mesmo</p><p>errado, e, então, para que sejamos respeitados nos nossos pensamentos é preciso</p><p>que respeitemos o certo e o errado do outro. Com o tempo e com o convívio cultural,</p><p>o que era diferente pode se tornar compreensível quando analisado a partir de outros</p><p>modos de vida. O meu certo e meu errado podem ser diferentes do certo e do errado</p><p>do outro. Por isso, o nosso contato pode permitir uma negociação de sentidos,</p><p>entendimentos e leituras sobre a sociedade que nos possibilite ampliar a formas de</p><p>ver o mundo. (BARROSO, 2018).</p><p>4.3 Universalismo, relativismo e multiculturalismo</p><p>Temos algumas correntes de pensamento que elucidam possibilidades de</p><p>encontrar acordos universais, e outras que entendem que esses acordos devem</p><p>considerar as diferenças culturais. Vamos tentar entender o que propaga cada uma</p><p>delas e como podemos nos apropriar de suas discussões, para pensarmos a relação</p><p>entre as culturas.</p><p>4.3.1 Universalismo</p><p>Em um cenário pós-segunda guerra, depois das crueldades cometidas pelo</p><p>nazismo, o Movimento do Direito Internacional dos Direitos Humanos</p><p>se organizou</p><p>para instituir alguns parâmetros éticos da ordem internacional. Coube, assim,</p><p>evidenciar alguns direitos considerados universais que perpassassem a condição</p><p>geral da pessoa humana, independente de especificidades culturais. Desse modo, a</p><p>Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, foi o documento adotado pela</p><p>21</p><p>Organização das Nações Unidas (ONU) e que reconheceu a dignidade humana de</p><p>todos os seres humanos, sem levar em consideração as diferenças entre as culturas.</p><p>A partir deste contexto histórico, o universalismo ganhou adeptos,</p><p>principalmente, através de um discurso de proteção do homem, como diz Silva e</p><p>Pereira (2013, p. 500):</p><p>Com a universalização, portanto, buscou-se proteger o indivíduo</p><p>simplesmente por ser um ser humano, independe de seu país, de sua cultura.</p><p>Apenas a condição de ser humano é que interessa ao universalismo cultural,</p><p>já que tais direitos decorrem inescusavelmente da própria dignidade humana,</p><p>entendida como valor indissociável da condição de ser humano.</p><p>É delicado o tema de adoção de princípios universalistas para que não seja</p><p>tomada de forma radical, impondo que alguns países possam decidir pelos outros o</p><p>que é considerado universal ou não. Ainda mais em um contexto de imperialismo, de</p><p>globalização e de disputa por hegemonia econômica o argumento universalista pode</p><p>ser utilizado como um pretexto para interferência nas práticas culturais diversas</p><p>visando a dominação e até a aculturação dos povos.</p><p>4.3.2 Relativismo</p><p>O relativismo cultural aposta na manutenção das diferenças culturais,</p><p>preservando as identidades e a diversidade das inúmeras sociedades existentes.</p><p>Neste pensamento, cabe considerar como parâmetro o respeito à autonomia de cada</p><p>nação ou povo para definir sua forma de vida, conforme seus valores e crenças. E</p><p>assim, opõe-se à criação de um parâmetro do universalismo, porque entendem que,</p><p>se defini-lo como tal, pode buscar se sobrepor aos princípios e fundamentos de</p><p>sociedades que não consideram esse parâmetro como legítimo. A intepretação de</p><p>Silva e Pereira (2013, p. 506) sobre os relativistas é que, para eles:</p><p>[...] assim como há diversas culturas, há diversos sistemas morais, pelo que</p><p>restaria impossível o estabelecimento de princípios morais de validade</p><p>universal que comprometam todas as pessoas de uma mesma forma</p><p>(PIOVESAN, 2006, p. 45). Ou seja, os que aderem a esta posição, a cultura</p><p>é a única fonte válida do direito e da moral, capaz de produzir seu próprio e</p><p>particular entendimento sobre os direitos fundamentais.</p><p>22</p><p>Logo, não haveria como propor um princípio universal entre os povos e</p><p>sociedades existentes. A cultura torna-se preponderante para acessar, conhecer e até</p><p>questionar práticas culturais consideradas absurdas.</p><p>4.3.3 Multiculturalismo</p><p>Para sair dessas correntes de pensamentos dicotômicos, uma nova proposta</p><p>se apresenta: o multiculturalismo. Esse conceito entende que deve haver harmonia na</p><p>convivência da pluralidade cultural. Boaventura de Sousa Santos (1997, p. 19) propõe</p><p>uma definição mais aprofundada:</p><p>O multiculturalismo, tal como eu entendo, é pré-condição de uma relação</p><p>equilibrada e mutuamente potenciadora entre a competência global e a</p><p>legitimidade local, que constituem os dois atributos de uma política contra-</p><p>hegemônica de direitos humanos no nosso tempo.</p><p>Deste modo, deve-se levar em consideração os princípios de igualdade e o</p><p>reconhecimento das diferenças, para pensar em uma concepção de direitos humanos</p><p>aglutinadora, híbrida e agregadora. Assim, não se deseja opor universalismo e</p><p>relativismo, mas compor um diálogo entre essas teorias para defesa dos direitos</p><p>humanos, sem descaracterizar as particularidades das diversas culturas.</p><p>4.4 As manifestações concretas e os aspectos principais da cultura</p><p>O antropólogo Mércio Pereira Gomes (2008, p. 36) nos ensina que:</p><p>[...] cultura é o modo próprio de ser do homem em coletividade, que se realiza</p><p>em parte consciente, em parte inconsciente, constituindo um sistema mais ou</p><p>menos coerente de pensar, agir, fazer, relacionar-se, posicionar-se perante o</p><p>absoluto, e, enfim, reproduzir-se.</p><p>Durante muito tempo, lidou-se com a ideia de que era a capacidade de</p><p>desenvolver trabalho que distinguia o ser humano como produtor de cultura; no</p><p>entanto, animais desenvolvem essa atividade e alguns grupos realizam trabalhos de</p><p>alta complexidade. Por outro lado, as sociedades humanas desenvolveram uma</p><p>capacidade sofisticada de linguagem — que não se repete nas demais espécies</p><p>animais — marcada por reprodução instintiva no decurso de sua existência.</p><p>23</p><p>A linguagem constitui um sistema simbólico, sendo o ser humano o único</p><p>animal capaz de produzir símbolos e, por isso, cultura. Desse modo, devido ao amplo</p><p>universo da linguagem, o aparato cultural é formado tanto por elementos tangíveis,</p><p>que são materiais (caso das máquinas, galpões, automóveis, geladeiras, entre tantos</p><p>outros que fazem parte da vida material de uma sociedade), quanto intangíveis, ou</p><p>seja, imateriais e abstratos (como o próprio sistema simbólico de uma sociedade, a</p><p>arte e os sistemas de valores, entre outros).</p><p>Diante de uma gigantesca profusão de aspectos e práticas culturais, elencá-los</p><p>seria deveras extensivo, de modo que se optou aqui por reproduzir uma lista enxuta e</p><p>muito eficaz elaborada por Reinaldo Dias (2004), em um texto didático e fluente: a</p><p>cultura é transmitida pela herança social e compreende a totalidade das criações</p><p>humanas; é exclusiva das sociedades humanas e interfere no modo de ver o mundo;</p><p>trata-se, portanto, como já dito, de um mecanismo de adaptação.</p><p>Dentro de um gigantesco e incontável número de manifestações concretas da</p><p>cultura, destacamos alguns, tendo como eixo o mundo da estética, tal qual a arte, a</p><p>arquitetura e a moda. A moradia constitui uma manifestação subordinada à</p><p>organização da vida material de uma sociedade. Tomemos como exemplo a cozinha</p><p>da casa brasileira: se no início do período colonial, em São Paulo, a cozinha</p><p>bandeirante em geral se localizava apartada do corpo da casa, no Brasil</p><p>contemporâneo, esse cômodo ganhou centralidade, funcionando como lócus de</p><p>convívio e integração socioespacial.</p><p>A estética, ou seja, os conceitos do belo, corresponde a uma das manifestações</p><p>mais fundamentais da cultura. Assim, a fachada de uma edificação, por exemplo, é</p><p>diferenciada ao longo do tempo e do espaço, estando associada a variáveis como</p><p>economia, natureza e praticidade. O conteúdo estético, porém, que é intangível, faz-</p><p>se sempre presente. (DIAS, 2004).</p><p>Hábitos alimentares são traços culturais constitutivos e distintivos das</p><p>sociedades humanas. Em tempos de globalização, com o aumento e a diversificação</p><p>da produção do alimento, em virtude de recursos tecnológicos, surgem cozinhas high-</p><p>tech, ocorrendo uma “gourmetização” da prática social de se produzir o alimento.</p><p>Além de se tratar de um traço cultural fundamental, a arte é uma manifestação</p><p>que, de algum modo, permeia todas as sociedades. Trata-se de uma prática</p><p>complexa, carregada de materialidade e imaterialidade, a qual, ao mesmo tempo,</p><p>24</p><p>sofre modulações no tempo e no espaço, sendo uma manifestação estética por</p><p>excelência — a despeito de seu conteúdo técnico e tecnológico, a própria arquitetura</p><p>contempla a arte em sua constituição.</p><p>Outra manifestação cultural muitíssimo significativa é a vestimenta, um hábito</p><p>social recorrente na esmagadora maioria das sociedades. A prática é embasada por</p><p>diversos fatores, como os julgamentos morais, no caso do sentimento de pudor (no</p><p>Brasil, o “atentado ao pudor” é uma atitude desviante socialmente); o fator estético-</p><p>mercadológico, no caso da moda, e o psicossocial, no caso de tratar-se de uma forma</p><p>de ser externada a individualidade — vale a pena lembrar que, no caso da moda, o</p><p>corte de cabelo ou a maquiagem são desdobramentos práticos da manifestação</p><p>estética da cultura.</p><p>Fonte: https://www.netmundi.org/</p><p>5 O QUE É IDENTIDADE DE UMA CULTURA?</p><p>No planeta em que vivemos, somos todos diferentes. Porque cada um de nós</p><p>ocupa um espaço no mundo, tanto geograficamente como socialmente. E isso nos</p><p>permite acessar certos elementos culturais que, se estivéssemos em outro lugar de</p><p>outra forma, não acessaríamos. Assim, vamos construindo a nossa identidade na</p><p>sociedade, e nos percebendo como parte da cultura, ao mesmo tempo em que</p><p>alimentamos essa própria cultura.</p><p>Para o sociólogo Manuel Castells (2008), a identidade é fonte de significados</p><p>e experiências de um povo, de uma nação, de uma etnia, de um grupo social que se</p><p>arquitetam por meio de atributos culturais partilhados, como, por exemplo: língua,</p><p>25</p><p>dança, música, alimentação, crenças, valores, entre outros. Todos esses elementos</p><p>configuram o modo de um grupo social ser e se apresentar para o mundo, podendo</p><p>ter algumas características específicas os quais caracterizam ou ainda mesmo</p><p>dividem alguns desses elementos com outras sociedades.</p><p>Portanto, a identidade se refere à como você é identificado em uma</p><p>determinada cultura, ou seja, ela apresenta suas características em termos do seu</p><p>reconhecimento no mundo. Deste modo, você é percebido pelos outros a partir dos</p><p>elementos culturais que manifesta ao mundo, e, por isso, você é reconhecido.</p><p>Assim, não é sempre que temos o controle sobre como as pessoas nos rotulam.</p><p>Podemos dizer que esses rótulos são dados a partir de características as quais os</p><p>outros reconhecem em nós. Em relação a um time, a um gosto musical ou mesmo a</p><p>estilo de vestimenta, podemos tomar decisões conscientemente de como gostaríamos</p><p>de ser reconhecidos, entretanto, em relação a outras características nossas, como a</p><p>altura, a cor da pele ou mesmo condição social, talvez não tenhamos o mesmo</p><p>controle. Muitas vezes, não vamos simpatizar com os rótulos que são identificados em</p><p>nós.</p><p>Ao mesmo tempo, a identidade pode ser partilhada com quem vive da mesma</p><p>forma que você, seja quando assuma certas posições, seja por conviver em uma</p><p>mesma situação de faixa etária, de gênero, ou mesmo vivenciando a mesma</p><p>enfermidade. Essa partilha se realiza por meio dos elementos culturais que o indivíduo</p><p>divide, conscientemente ou não, com a sociedade a qual ele pertence. Assim, a</p><p>identidade individual se constrói em meio a identidade coletiva e vice-versa.</p><p>Conceituando cada termo, podemos dizer que a identidade individual alude aos</p><p>aspectos culturais aos quais cada pessoa se reconhece como tal, seja por gosto</p><p>musical, religioso, profissional, entre outros. Esses aspectos podem ser definidos</p><p>pelas próprias pessoas ou serem percebidos pelos outros como algo que a diferencia</p><p>do restante da sociedade. Portanto, um conjunto de pessoas pode constituir uma</p><p>identidade coletiva, uma vez que se reconheçam com algo em comum, seja por ter</p><p>nascido no mesmo estado, por partilhar a mesma língua ou por gostar do mesmo time.</p><p>De qualquer modo, compreende-se que identidade de uma etnia, de um povo,</p><p>de um grupo social é sempre relacional, como nos lembra Barth (1998). Pois o que é</p><p>construído em uma nação se dá a partir de elementos culturais aceitos ou negados</p><p>26</p><p>em relação a identificação de outros grupos, podendo modificar-se com o tempo ou</p><p>até mesmo como é percebido em relação a outros indivíduos ou grupos.</p><p>Assim, podemos dizer que a identidade de uma sociedade se dá justamente na</p><p>relação que ela tem com outros grupos sociais a sua volta. Pois, dependendo de quem</p><p>está por perto, são escolhidas características culturais para evidenciar como essa</p><p>sociedade pode ser localizada, percebida e analisada. Pode-se destacar um prato</p><p>típico, uma culinária específica, uma dança tradicional, componentes linguísticos</p><p>próprios, as formas de se vestir, entre outros.</p><p>Logo, os elementos que definem a identidade podem ser variados e complexos,</p><p>de modo que o conjunto deles é que modelam e identificam os grupos e os indivíduos,</p><p>como reforça Castells (2008, p. 23):</p><p>A construção de identidades vale-se da matéria-prima fornecida pela história,</p><p>geografia, biologia, instituições produtivas e reprodutivas, pela memória</p><p>coletiva e por fantasias pessoais, pelos aparatos de poder e revelações de</p><p>cunho religioso. Porém, todos esses materiais são processados pelos</p><p>indivíduos, grupos sociais e sociedades, que organizam seu significado em</p><p>função de tendências sociais e projetos culturais enraizados em sua estrutura</p><p>social, bem como em sua visão tempo/espaço.</p><p>Assim, mostra-se que a identificação por meio da identidade se dá por um</p><p>composto de elementos que, conjuntamente, definem aspectos culturais dos</p><p>indivíduos ou grupos sociais. Ao mesmo tempo, alguns aspectos culturais que</p><p>conformam a identidade podem ser modificados com o passar dos tempos pela</p><p>dinamicidade em questão, como povos indígenas originários de determinado lugar e</p><p>que mudam de local de moradia devido à escassez de alimento.</p><p>5.1 Conceituando a ideia de identidade nacional</p><p>Falando mais especificamente das nações e da construção de identidade</p><p>nacional, podemos dizer que o sentimento de um povo é construído com base em</p><p>suas lutas sócio-históricas, evidenciando suas conquistas e os melhores feitos diante</p><p>de disputa com outras nações como produto de uma memória coletiva e seletiva de</p><p>fatos vividos que orgulhem seu povo. Esse sentimento de identidade de um povo une</p><p>os membros de um mesmo grupo social, reproduzindo e reforçando suas práticas</p><p>sociais, que os identificam entre outras partes do mundo.</p><p>27</p><p>Assim, a língua, o local e a história podem consolidar a imagem que se tem de</p><p>uma nação, fazendo com que os indivíduos que lá estão se sintam parte integrante de</p><p>uma sociedade ou nação. Como nos lembra Reinheimer (2007, p. 166), “[...] a</p><p>identidade nacional precisa ser observada a partir das situações específicas nas quais</p><p>ela foi acionada como forma de escapar à naturalização e à reificação que o conceito</p><p>pode acarretar.”. Ou seja, para pensar em identidade nacional, temos de pensar em</p><p>que sentido ela foi acionada e como podemos elucidar os componentes que</p><p>identificam a nação, de modo que os membros da sociedade em questão se</p><p>reconheçam através desses elementos.</p><p>Também podemos dizer que a identidade também pode ser disputada, já que</p><p>o modo como as indivíduos e grupos são reconhecidos no mundo permitem diferentes</p><p>acessos ao que está disponível no mundo. Ou seja, ser percebido como uma nação</p><p>rica, segura e poderosa pode facilitar relações comerciais com outros países,</p><p>enquanto que, ser considerada uma nação violenta e pobre, pode não ter a mesma</p><p>facilidade. Todavia, como a identidade não é estática, a nação rica tem que continuar</p><p>se esforçando para manter o modo como é vista, e a nação desfavorecida vai tentar</p><p>transformar a forma como é percebida pelas outras sociedades.</p><p>Interessa para Barth (1998) pensar essas “fronteiras étnicas” de um grupo</p><p>social com o objetivo de compreender as dinâmicas do grupo que estão,</p><p>constantemente, em interação com outros grupos, pois é por meio desse contato que</p><p>a sua identidade é definida. Nesse sentido, cada grupo evidencia o que é diferente</p><p>entre eles a fim de caracterizar e explicitar a especificidade que compartilha entre seus</p><p>membros. Assim, essas características são como uma marca que rotulam o indivíduo</p><p>ou grupo social.</p><p>Para além da questão econômica, há um conjunto de sentimentos que fazem</p><p>com que seus membros se identifiquem com o seu país, favorecendo a integração</p><p>nacional enquanto território reconhecido pela nação como tal. Nesse sentido, a união</p><p>das partes territoriais integradas favorece que seus habitantes tenham consciência de</p><p>unidade. Esse amálgama decorrente da convivência no mesmo território evidencia a</p><p>nação. Como diz Moreno (2014, p. 18), a nação seria:</p><p>[...] uma “comunidade imaginada” – como o são todas</p><p>as sociedades,</p><p>necessariamente, uma estrutura social e um artifício de imaginação</p><p>(Balakrishnan, 2000, p. 216) – e alicerçada sobre as transformações geradas</p><p>por novas relações sociais de produção que despontam com a modernidade.</p><p>28</p><p>Nesse sentido, o que se entende por nação não é algo homogêneo e pronto,</p><p>mas perpassa conquistas, disputas e contestações que o próprio povo vivenciou a</p><p>favor da constituição e da construção de uma identidade comum. Também não quer</p><p>dizer que todos os membros tenham uma identidade única. Eles partilham sobre o que</p><p>é seu patrimônio cultural, os seus hábitos e modos de vida, o território em que estão</p><p>aglutinados, entretanto, podem ter diferenças claras no que refere à gênero, raça e</p><p>classe. Desse modo, vemos que um povo destaca sua semelhança quando é preciso</p><p>lutar pelo bem comum, mas que os seus membros podem ser diferentes e ocupar</p><p>posições sociais desiguais.</p><p>Importa como falam de sua nação e como constroem a sua identidade nacional</p><p>a partir do que tem em comum. Dependendo do que viverem juntos, esse discurso</p><p>pode ser modificado, alterado e até mesmo corrompido. Logo, para refletir sobre</p><p>identidade nacional, devemos analisar como diz Moreno (2014, p. 27-28):</p><p>Na atualidade, há, portanto, que se considerar uma longa trajetória de</p><p>discursos de identidade nacional, veiculados no decorrer do tempo, que</p><p>funcionam como uma história incorporada a qual não se pode desprezar. [...]</p><p>A eficácia discursiva, simbólica e política de novas representações</p><p>identitárias dependerá do diálogo estabelecido com elementos de</p><p>permanência de longo prazo, dentro das condições e limites dados por</p><p>conjunturas específicas.</p><p>5.2 Refletindo sobre a identidade brasileira</p><p>No Brasil, a identidade nacional vem acompanhada de um sentimento comum</p><p>entre os brasileiros. São aproximadamente 200 milhões de pessoas habitando um dos</p><p>26 estados ou o Distrito Federal. Apesar das especificidades regionais, esses</p><p>habitantes dividem a mesma língua, a mesma história e alguns aspectos culturais,</p><p>como vamos caracterizar adiante.</p><p>A identidade brasileira é compartilhada entre quem habita, ou possui laços, com</p><p>a cultura vivenciada no Brasil. Também aqueles nascidos no país e que imigram para</p><p>outras partes do mundo se reconhecem como brasileiros, ou ainda estrangeiros que</p><p>vieram para cá e compartilham da identidade dos brasileiros, por estarem aculturados.</p><p>O território brasileiro foi ocupado pela colonização portuguesa a partir de 1500,</p><p>em meio a disputas do espaço com povos indígenas e outros países que tentaram</p><p>colonizar o local, como a Espanha, Holanda e França. Diante do poderio de armas de</p><p>29</p><p>fogo dos portugueses e da organização político-econômica, escravizou-se os povos</p><p>indígenas e ainda trouxeram negros escravizados do Continente Africano. Assim, a</p><p>formação do povo brasileiro foi constituída por povos dessas três origens: indígenas,</p><p>europeus e africanos.</p><p>Entre disputas e conquistas, cada povo que firmou morada no Brasil colaborou</p><p>na conformação do que hoje é entendido como o povo brasileiro, contribuindo, assim,</p><p>com diversos elementos culturais que, atualmente, identificam a nossa cultura e a</p><p>nossa identidade. Seja através da língua que falamos, da comida que comemos, do</p><p>modo como nos vestimos, das religiões que temos, das músicas que escutamos, dos</p><p>esportes que praticamos, partilhamos e dividimos aspectos comuns da cultura.</p><p>Inúmeros exemplos podem definir o que faz o brasileiro um brasileiro,</p><p>entretanto, podemos evidenciar alguns aspectos que Roberto Da Matta (1986, p. 14)</p><p>elucida em um dos seus textos iniciais sobre o tema:</p><p>Sei, então, que sou brasileiro e não norte-americano, porque gosto de comer</p><p>feijoada e não hambúrguer; porque sou menos receptivo a coisas de outros</p><p>países, sobretudo costumes e ideias; porque tenho um agudo sentido de</p><p>ridículo para roupas, gestos e relações sociais; porque vivo no Rio de Janeiro</p><p>e não em Nova York; porque falo português e não inglês; porque, ouvindo</p><p>música popular, sei distinguir imediatamente um frevo de um samba; porque</p><p>futebol para mim é um jogo que se pratica com os pés e não com as mãos;</p><p>porque vou à praia para ver e conversar com os amigos, ver as mulheres e</p><p>tomar sol, jamais para praticar um esporte; porque sei que no carnaval trago</p><p>à tona minhas fantasias sociais e sexuais; porque sei que não existe jamais</p><p>um “não” diante de situações formais e que todas admitem um “jeitinho” pela</p><p>relação pessoal e pela amizade; porque entendo que ficar malandramente</p><p>“em cima do muro” é algo honesto, necessário e prático no caso do meu</p><p>sistema; porque acredito em santos católicos e também nos orixás africanos;</p><p>porque sei que existe destino e, no entanto, tenho fé no estudo, na instrução</p><p>e no futuro do Brasil; porque sou leal a meus amigos e nada posso negar a</p><p>minha família; porque, finalmente, sei que tenho relações pessoais que não</p><p>me deixam caminhar sozinho neste mundo, como fazem os meus amigos</p><p>americanos, que sempre se veem e existem como indivíduos!</p><p>Logo, é preciso dizer que não precisamos partilhar de todos elementos da</p><p>cultura nacional para termos uma identidade brasileira. Não é por que somos</p><p>brasileiros que gostamos de carnaval ou mesmo de futebol, mas ao compartilharmos</p><p>nossa história, nossa língua e aspectos da cultura partilhamos de um sentimento</p><p>nacional, de um discurso específico, de uma sensação comum que nos torna</p><p>pertencentes a identidade brasileira. (BARROSO, 2018).</p><p>A identificação e a valorização dessa identidade estabelecem uma integração</p><p>nacional pela qual seus membros lutam e defendem suas fronteiras. Na escola, somos</p><p>30</p><p>estimulados a cantar o hino nacional e a ter respeito pela bandeira que nos representa.</p><p>Então, de forma consciente e inconsciente, vamos aderindo e adorando a pátria.</p><p>A identidade individual é perpassada pela identidade nacional, de modo que,</p><p>enquanto construímos a nossa identidade, estamos construindo essa identidade</p><p>coletiva também. Assim, quando vamos para outros países, carregamos conosco a</p><p>identidade nacional, e mesmo que não sejamos iguais a todos os brasileiros,</p><p>reconhecemos elementos culturais comuns entre aqueles que tenham habitado</p><p>qualquer parte do Brasil. (BARROSO, 2018).</p><p>Fonte: https://baurutv.com/</p><p>5.3 Diversidade Cultural</p><p>O Brasil é um país extremamente marcado por diversidades culturais. Tais</p><p>diversidades são observadas não apenas na população como um todo, mas também</p><p>nas várias regiões do território nacional. Ao lado das diversidades culturais, há</p><p>situações de desigualdade social, também muito evidentes no País.</p><p>A diversidade cultural tem sido considerada uma marca da sociedade brasileira.</p><p>Desde os tempos mais remotos até hoje, estudiosos se deparam com questões como</p><p>esta: é possível ser igual em uma sociedade em que as pessoas são tão diferentes?</p><p>A definição de diversidade está associada aos conceitos de pluralidade e</p><p>heterogeneidade. Em síntese, a diversidade remete à multiplicidade de fatores.</p><p>31</p><p>A diversidade tem sua origem na colonização do Brasil, com a chegada dos</p><p>portugueses, associada à presença do índio e do negro nas terras brasileiras. Holanda</p><p>(1995, p. 43) aponta que os portugueses foram os pioneiros na missão de colonizar o</p><p>Brasil, sendo os “[...] portadores naturais dessa missão”. Os portugueses que aqui</p><p>vieram tentaram impor aos habitantes desta terra seus costumes, sua religião e suas</p><p>tradições. No entanto, o autor aponta ainda que “pouca coisa se conservou entre nós</p><p>que não tivesse sido modificada ou relaxada pelas condições adversas do meio”.</p><p>Contudo, manteve-se “[...] a obrigação de irem os ofícios embandeirados, com suas</p><p>insígnias, às procissões reais, o que se explica simplesmente pelo gosto do aparato e</p><p>dos espetáculos coloridos, tão peculiar à sociedade colonial” (HOLANDA, 1995, p.</p><p>43).</p><p>Destaca-se, portanto, o fato de que não apenas os portugueses, como também</p><p>os holandeses</p><p>e outros povos deixaram suas marcas no País, fornecendo elementos</p><p>constituintes da cultura brasileira. Ainda é necessário considerar que também</p><p>permaneceram características próprias, religiões, festividades e costumes específicos</p><p>de cada povo. Portanto, essa mistura de raças, etnias e todos os valores e tradições</p><p>deram origem à diversidade cultural da sociedade brasileira, que o passar do tempo</p><p>só fez intensificar.</p><p>A Declaração Universal da Diversidade Cultural, de 2001, em seu art. 1º, aponta</p><p>que a cultura “[...] adquire formas diversas através do tempo e do espaço. Essa</p><p>diversidade se manifesta na originalidade e na pluralidade de identidades que</p><p>caracterizam os grupos e as sociedades que compõem a humanidade” (UNESCO,</p><p>2002, p. 2). A referida Declaração foi aprovada por 185 Estados-membros e é o</p><p>primeiro documento que busca promover a diversidade cultural dos povos e a</p><p>comunicação entre eles. A elaboração do documento deve-se principalmente à</p><p>necessidade de se preservarem riquezas culturais, ainda que no contexto da</p><p>globalização, que, dadas as suas características, acaba distanciando as culturas ao</p><p>aproximar os povos exageradamente.</p><p>Alves (2010) aponta que o crescimento dos mercados mundiais trouxe a ampla</p><p>sensação de que o mundo estaria vivendo um processo de homogeneização cultural.</p><p>Nessa perspectiva, foram feitos apelos no sentido de promover a diversidade e as</p><p>identidades locais, marcadas por grande variedade de línguas, crenças, costumes,</p><p>tradições. Segundo o autor, na América Latina, o receio de uma unificação de culturas</p><p>32</p><p>fez com que profissionais se organizassem, juntamente a movimentos sociais, a fim</p><p>de pressionar os governos locais para a defesa e a promoção da identidade regional.</p><p>Ortiz (1999, p. 83) aponta que “[...] afirmar o sentido histórico da diversidade</p><p>cultural é submergi-la na materialidade dos interesses e conflitos sociais (capitalismo,</p><p>socialismo, colonialismo, globalização). A diversidade cultural se manifesta em</p><p>situações concretas”.</p><p>Assim, você pode considerar que a diversidade cultural são os diferentes</p><p>aspectos que compõem uma cultura: tradições, costumes, linguagens, formas de</p><p>organização familiar, política, religião, culinária, entre outras características próprias</p><p>de determinado grupo em determinada época. No entanto, de acordo com Ortiz (1999,</p><p>p. 82), é preciso ir além das diferenças:</p><p>[...] a diversidade cultural não pode ser vista apenas como uma diferença, isto</p><p>é, algo que se define em relação a, que remete a alguma outra coisa. Toda</p><p>“diferença” é produzida socialmente, ela é portadora de sentido simbólico e</p><p>de sentido histórico. Uma análise tipo hermenêutica que considere</p><p>unicamente o sentido corre o risco de isolar-se num relativismo pouco</p><p>consequente.</p><p>Ortiz (1999) aponta ainda que, em alguns casos, a diversidade esconde</p><p>também relações de poder. É importante reconhecer os momentos em que ela oculta</p><p>questões como a desigualdade. Para o autor, “[...] se as diferenças são produzidas</p><p>socialmente isso significa que à revelia de seus sentidos simbólicos elas serão</p><p>marcadas pelos interesses e pelos conflitos definidos fora do âmbito do seu círculo</p><p>interno” (ORTIZ, 1999, p. 85). Nesse sentido, complementa que a diversidade cultural</p><p>é ao mesmo tempo desigual e diferente, pois ela é permeada por relações de poder e</p><p>legitimidade — países fortes versus fracos; governo nacional versus internacional,</p><p>entre outros. Dessa forma, não é possível falar em “unidade na diversidade”,</p><p>especialmente quando se tratar de problemas para os quais ainda não há respostas.</p><p>A expressão “diversidade cultural” busca compreender as diferenças entre as várias</p><p>culturas existentes, que fazem parte do que se chama “identidade cultural” (ORTIZ,</p><p>1999).</p><p>Nesse aspecto, o Brasil é extremamente rico. É um país marcado, desde suas</p><p>origens, por diversidade em vários aspectos. Cada civilização que aqui chegou trouxe</p><p>um pouco de sua cultura, suas formas de viver, se organizar e ver o mundo, o que</p><p>contribui para a heterogeneidade presente na atualidade. Entretanto, Ortiz (1999)</p><p>33</p><p>aponta que a diversidade presente no mundo antes do século XV era maior do que a</p><p>existente hoje. Muitas culturas, línguas, economias e costumes foram desaparecendo</p><p>com a expansão do colonialismo, do imperialismo e da industrialização. Não se pode</p><p>deixar de mencionar que a diversidade cultural no Brasil é bastante evidente também</p><p>entre as diferentes regiões do País. Norte, Nordeste, Sul, Sudeste, Centro-Oeste:</p><p>cada Estado tem características próprias, que envolvem valores, costumes,</p><p>linguagens, diferenças climáticas e nível de desenvolvimento.</p><p>Machado (2011, p. 149) afirma que a diversidade deve ser vista “[...] como um</p><p>fenômeno dinâmico e multidimensional. O que deve ser preservado, portanto, não é</p><p>um dado estado dessa diversidade, mas a possibilidade de direito a ela”. O autor</p><p>aponta também que a diversidade deve ser fonte de criatividade e base para</p><p>transformações cabíveis. Ainda menciona que não se devem “relativizar direitos</p><p>humanos sobre o pretexto do respeito à diversidade”. O autor cita como exemplo que</p><p>não se devem “[...] violar direitos das mulheres sob o pretexto de convicções religiosas</p><p>ou práticas enraizadas culturalmente” (MACHADO, 2011, p. 149).</p><p>Todos esses apontamentos direcionam para um conceito equilibrado de</p><p>diversidade, que a define como algo positivo, desde que as atitudes colaborem com o</p><p>desenvolvimento de competências e habilidades abertas às diferenças (MACHADO,</p><p>2011). Para o autor, não é o caso de reconhecer as pessoas apenas em suas</p><p>diferenças, mas de valorizar trocas, reconhecimento, curiosidade e interesse em</p><p>conhecer o outro.</p><p>5.4 Cultura, monocultura, policultura e multiculturalismo no Brasil</p><p>A cultura ocupa lugar de destaque na atualidade, embora não se possa deixar</p><p>de considerar também sua relevância em outros momentos históricos. Entre suas</p><p>múltiplas conceituações, a cultura pode ser pensada a partir de um conhecimento</p><p>complexo que envolve arte, moral, crenças, costumes e leis adquiridas pelo ser</p><p>humano ao longo do tempo. Miguez (2011, p. 18) aponta que:</p><p>Esta afirmação ganha sentido, contudo, quando voltamos o olhar para a</p><p>constituição da sociedade moderna, tendo em conta o papel que a cultura</p><p>desempenhou nesse processo. Ou seja, se à modernidade correspondeu,</p><p>como uma de suas mais importantes características, a emergência de um</p><p>campo da cultura (relativamente) autônomo em relação a outros campos,</p><p>como o da religião, na circunstância contemporânea, a cultura transbordou</p><p>34</p><p>seu campo específico, alcançando outros campos da vida social, a exemplo</p><p>dos campos político e econômico.</p><p>O autor reforça essa análise afirmando que a cultura “invadiu” outros setores</p><p>da vida em sociedade, o que não representa o fim da cultura como uma área</p><p>específica, mas sua definição como uma área transversal, que atravessa muitos</p><p>outros campos. Miguez (2011) aponta que a cultura deixou de ser algo específico de</p><p>ciências como a sociologia ou a antropologia e passou a fazer parte de pesquisas de</p><p>várias áreas do conhecimento. Também comenta que a cultura passou a servir como</p><p>um recurso a ser utilizado no desenvolvimento de programas assistenciais que têm</p><p>como focos a inclusão social, a transferência de renda, a geração de empregos, etc.</p><p>Dessa forma, você pode inferir que “cultura” é um termo que pode assumir</p><p>várias definições, sendo a mais conhecida àquela ligada à antropologia e à sociologia,</p><p>que envolve conhecimentos, crenças, costumes e hábitos adquiridos ao longo do</p><p>tempo. Contudo, esse termo pode assumir significados diversos conforme a área de</p><p>interesse. Assim, as palavras “monocultura”, “policultura” e “multiculturalismo” também</p><p>assumem significados diversos dependendo da área à qual estão vinculados.</p><p>O termo monocultura, por exemplo, está associado à produção de um único</p><p>produto. Assim,</p>

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