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Formação Econômica do Brasil Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira AUTORA Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira ● Doutora em Administração Estratégica pela PUC/PR (2018). ● Mestre em Teoria Econômica pela Universidade Estadual de Maringá (2005). ● Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Londrina (2002). ● Coordenadora do curso a distância de Economia, Gestão Financeira e Comércio Exterior da Kroton Educacional S/A. Atua como docente de Economia/Finanças há 13 anos. No ano de 2013 foi Pro- fessora Colaboradora na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Campus CP). Por dois anos foi coordenadora dos Cursos Superiores de Tecnologia em Gestão Pública e Negócios Imobiliários no NEAD - UniCesumar. Atuou como Coordenadora Geral e Coor- denadora do Curso Superior de Tecnologia em Processos Gerenciais e Coordenadora do projeto de pesquisa Consultoria Júnior na Faculdade de Tecnologia e Ciências do Norte do Paraná - UniFatecie (2008 - 2011). Área acadêmica de atuação: Economia e todas as subáreas e Administração Fi- nanceira/Empresarial. Link lattes: http://lattes.cnpq.br/7783844445395674 http://lattes.cnpq.br/7783844445395674 APRESENTAÇÃO DO MATERIAL Seja muito bem-vindo(a)! Prezado(a) aluno(a), é com imenso prazer que lhe apresento nosso material de estudos da disciplina de Formação Econômica do Brasil. Ao longo desta apostila você terá um contato profundo com conteúdo de formação histórica, imprescindível para que você, enquanto aluno(a), construa uma base cultural indispensável à expressão de um posiciona- mento reflexivo, crítico e comparativo, acerca da formação econômica do Brasil. Ao final da apostila você terá desenvolvido competências e habilidades que lhe permitirão compreender as diferentes fases da economia brasileira e seu processo de formação econômica, desde a economia colonial, passando pela formação do estado nacional, pela economia escravista, pelo início da formação do capital industrial, até a crise de 1929 e a revolução de 1930. Na Unidade I começaremos nosso bate-papo analisando o contexto mundial diante do período chamado Grandes Navegações. Serão apresentados a você os principais as- pectos da empresa agrícola no período colonial e como essa obteve êxito. O processo de colonização e o estabelecimento de colônias espanholas e portuguesas serão debatidos no intuito de demonstrar sua importância no processo de ocupação territorial brasileiro e suas consequências econômicas. O processo de desenvolvimento da indústria açucareira e o uso da mão-de-obra escrava será também tema central desta unidade, para, por fim, abordarmos a pecuária como atividade de subsistência. Já na Unidade II você irá saber mais sobre a expansão da colonização. Primeira- mente você conhecerá mais sobre o funcionamento do sistema administrativo na colônia, para, em seguida, compreender o processo de formação do complexo econômico nordesti- no. Em seguida veremos a respeito do período chamado era do ouro, quando a descoberta de metais preciosos fez deslocar o centro dinâmico da economia do nordeste para a região centro-sul. Ainda nesta unidade será abordado o renascimento da agricultura e o fim da era colonial. Na sequência, na Unidade III falaremos a respeito do processo de transição da economia escravista para a economia de trabalho assalariado. O primeiro assunto da uni- dade será o chamado passivo colonial, que foram as dívidas deixadas por Portugal que acabaram por gerar crise financeira e instabilidade política. Veremos então o que levou ao declínio da renda na primeira metade do Século XIX, bem como os problemas ocasiona- dos pela falta de mão-de-obra e a pressão abolicionista internacional. Quanto à segunda metade do século XIX, veremos como a transição para a economia assalariada levou a um crescimento e à geração de um fluxo de renda. A atividade cafeeira surge nessa unidade, como destaque no processo de avanço econômico. Em nossa Unidade IV vamos finalizar o conteúdo dessa disciplina, com aspectos da transição para o sistema industrial. Primeiramente, veremos como a crise cafeeira preju- dicou o processo de desenvolvimento da economia brasileira e quais foram os mecanismos de defesa adotados. A crise de 1929, que levou ao período chamado de Grande Depressão, também será vista nesta unidade. Por fim, veremos como se deu o processo de transição da economia brasileira para os primeiros sinais de industrialização. Com tudo isso que veremos, poderemos interpretar e analisar a evolução da eco- nomia brasileira, centradas nas transformações ocorridas na estrutura econômica do país entre o período colonial até o final dos anos de 1930. Convido você a mergulhar no processo de formação da economia brasileira, para que possa compreender como chegamos onde estamos nos dias de hoje. Desejo sucesso profissional e pessoal para você. Obrigada e bons estudos! SUMÁRIO UNIDADE I ...................................................................................................... 6 Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial UNIDADE II ................................................................................................... 27 Expansão da Colonização UNIDADE III .................................................................................................. 52 Economia de Transição para o Trabalho Assalariado UNIDADE IV .................................................................................................. 70 Economia de Transição para um Sistema Industrial 6 Plano de Estudo: ● Grandes navegações e ocupação territorial do continente americano; ● O processo de ocupação territorial brasileiro; ● Fatores de êxito da empresa agrícola; ● Colônias Espanholas x Colônias Portuguesas; ● As Colônias de Povoamento do Hemisfério Norte; ● Economia Escravista de Agricultura Tropical; ● Capitalização e Nível de Renda na Colônia Açucareira; ● Projeção da Economia Açucareira: a Pecuária. Objetivo de Aprendizagem: ● Fornecer subsídios necessários aos alunos para a montagem de um referencial teórico-histórico sobre a evolução das forças capitalistas na formação socioeconômica brasileira até o período de predominância do capitalismo industrial. UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira 7UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial INTRODUÇÃO Olá, caro(a) aluno(a)! Dando início a nossa primeira unidade da disciplina de Forma- ção Econômica do Brasil, abordaremos questões que nos levem a compreender o mundo durante o período das grandes navegações e como se deram as ocupações territoriais. As grandes viagens marítimas feitas pelos europeus, no final do século XV, nos despertam in- teresse e curiosidade quanto aos métodos e desafios enfrentados pelos navegadores, que, mesmo com pouca tecnologia e ferramentas ainda primitivas, enfrentaram o mar, ainda em parte desconhecido, movidos por questões econômicas, políticas, religiosas e até mesmo pelo fascínio que ele despertava. Além de abordarmos alguns aspectos do período das grandes navegações, vamos buscar compreender como se deu o processo de povoamento do hemisfério norte, pas- sando pelas colônias espanholas e portuguesas, pelo período da economia escravista de agricultura tropical, pelo processo de capitalização e nível de renda na colônia açucareira e sua projeção até a pecuária. A primeira unidade apresentará, então, inicialmente uma análise do período que vai do pré-colonial a meados do século XVI, abordando o processo de ocupação territorial das Américas em busca de compreender como se deu a evolução econômica do Brasil pré-colonial ao período colonial. Em seguida, poderemos constatar,ao longo da unidade, que o início do período colonial foi marcado pelo estabelecimento de colônias portuguesas de exploração, que tiveram o açúcar como principal produto durante décadas, e mão-de- -obra escrava. Por fim, buscaremos compreender de que maneira a indústria açucareira influenciou no surgimento da pecuária. Na próxima unidade exploraremos a expansão da colonização, abordando o sis- tema político e administrativo na colônia, formação do complexo econômico nordestino, a mineração e a ocupação no centro-sul, o renascimento da agricultura até o fim da era colonial, em 1822. Nas duas últimas unidades do livro, estudaremos, então, a economia de transição para o trabalho assalariado, bem como para o sistema industrial. 8UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial 1 GRANDES NAVEGAÇÕES E A OCUPAÇÃO TERRITORIAL DO CONTINENTE AME- RICANO Monarcas e nobres competiam por poder e recursos na Europa do século XV. Uma sociedade com pouca oferta de mão de obra, que ainda sofria perturbações econômicas e sociais causadas pelas devastações da Peste Negra. Ao mesmo tempo, tratava-se de uma sociedade que tinha desejo por objetos de luxo, iguarias exóticas e de ouro que permitisse comprar esses artigos do Oriente com quem ela tinha um saldo comercial permanentemen- te desfavorável (ELLIOT, 2004). O autor destaca ainda que a sociedade europeia se sentia ameaçada em suas fronteiras orientais pela presença hostil do Islã e pelo avanço dos turcos otomanos. Com o incremento do comércio interno durante o século XV e as invasões Otomanas dificultando em certa parte o fluxo de mercadorias do Oriente, restou às nações europeias buscar novas fronteiras para seu desenvolvimento econômico. O desenvolvimento de novas técnicas de cartografia e o surgimento da bússola forneceram aos navegadores ferramentas que possibilitaram a exploração do Atlântico. Segundo Koshiba & Pereira (1996), instrumentos de navegação, como embarcações mais resistentes e modernas, a ampulheta, a balestilha, o astrolábio, a bússola, o quadrante etc., há muito tempo conhecidos no oriente, foram, nesse período, bastante divulgados entre os europeus e aperfeiçoados por eles. Esse período ficou conhecido como Expansão Comercial Europeia e deu início às grandes navegações. Países como Portugal e Espanha se lançaram ao mar em busca de 9UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial novas riquezas e nesse processo descobriram as Américas. Segundo Di Carlo (2015), tal feito acabou inserindo o reino espanhol no processo de expansão marítimo-comercial que, desde o início daquele século, já havia propiciado significativas conquistas para o Império português ao longo de todo século XV. O clima de disputa entre portugueses e espanhóis se acirrou com a ascensão dos espanhóis na exploração de novas terras. Nesse contexto, o papa Alexandre VI assinou, em 1493, a Bula Inter Coetera, que buscava estabelecer os limites de exploração colonial entre as duas nações, evitando, assim, um conflito de maiores proporções. Segundo Pinto (1979), Portugal buscava garantir primeiramente seu monopólio na costa africana e a Es- panha preocupava-se em legitimar a exploração nas terras localizadas a oeste. No ano de 1494, o rei português Dom João II exigiu a revisão do primeiro acordo assinado pelo papa Alexandre VI, pois, segundo ele, tal divisão não satisfazia os interesses lusitanos. Alguns historiadores relatam que havia fortes indícios de que os portugueses tinham conhecimento de outras terras localizadas na porção sul do continente descoberto, o que veio a ser confirmado por documentos encontrados séculos mais tarde. Para evitar o desgaste de um conflito militar, os espanhóis aceitaram a revisão dos acordos com uma nova intermediação do papa. Pouco tempo depois do Tratado de Tordesilhas (1494) ser assinado, nações eu- ropeias incipientes no processo de expansão marítima, questionavam sua legitimidade, por ser um acordo restrito aos países ibéricos (Portugal e Espanha). O sucesso de na- vegadores como Cristóvão Colombo e Pedro Álvares Cabral forneceu as duas nações, Portugal e Espanha, terras a serem exploradas. A descoberta das novas terras não gerou, no entanto, uma ação imediata das duas nações no intuito de colonizar os territórios, os portugueses, por exemplo, não ocuparam imediatamente o extenso território de que tinham tomado posse. Segundo Prado Júnior (1981), até quase meados do século XVI, portugueses e franceses traficavam ativamente na costa brasileira o pau-brasil. Era uma exploração rudimentar que não deixou traços apreciáveis, a não ser na destruição impiedosa e em larga escala das florestas nativas de onde se extraía a preciosa madeira. Não se criaram estabelecimentos fixos e definitivos. Limitaram-se a organizar algumas expedições e a erguer construções precárias em alguns pontos do litoral, as feitorias, para organizar a extração e o embarque de pau-brasil para a Europa (BERNAND; GRUZINSKI, 1997). Este foi o primeiro produto explorado em nosso território. 10UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial Para darmos sequência ao nosso estudo, é importante que você compreenda como se deu o processo de evolução da economia brasileira, analisando a Tabela 1. Tabela 1 - Períodos da história do Brasil e principais produtos produzidos Fonte: a autora. A partir da Tabela 1 você pode compreender a cronologia dos fatos associando-a à evolução histórica econômica do Brasil. A tabela apresenta os principais fatos e produtos explorados desde o período pré-colonial até o período republicano. Em especial até a era do café, cuja crise se deu em meados dos anos de 1930. 1.1 Processo de Ocupação Territorial Brasileiro Segundo Furtado (2007), o início da ocupação econômica do território brasileiro é em boa medida uma consequência da pressão política exercida sobre Portugal e Espanha pelas demais nações europeias. A França, por exemplo, organizava suas expedições marítimas ao Brasil como forma de questionar o Tratado de Tordesilhas, argumentando que a legitimação da exploração colonial deveria se basear no princípio da posse útil, ou seja, que as terras deveriam estar sendo exploradas economicamente. A ocupação se fazia necessária, portanto, para garantir a posse e a questão econômica passou a ter também caráter político. Os espanhóis eram capazes de financiar a defesa de tais áreas com o sucesso da exploração de metais preciosos nos novos territórios descobertos e a Portugal, que ainda não havia encontrado metais preciosos em suas terras, restou buscar alternativa à mineração e através da exploração agrícola fomentar a defesa de seus territórios. Para 11UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial executar tal plano, Portugal envia ao Brasil Martim Afonso de Sousa, para fundar a primeira colônia de exploração, em 1530. Para proteger a extensa costa brasileira de outros povos europeus que desembarca- vam no Brasil, a coroa portuguesa implantou, em 1534, o sistema de capitanias hereditárias. Para Prado Júnior (1981), o plano, em suas linhas gerais, consistia no seguinte: dividiu-se a costa brasileira (o interior, por enquanto, era para todos os efeitos desconhecido) em doze setores lineares, com extensões que variavam entre 30 e 100 léguas. Tratava-se de um sistema no qual as terras eram cedidas a donatários, pessoas de confiança do rei de Portugal, que se comprometiam a povoar a terra com portugueses e fomentar a atividade econômica. Mesgravis (2015) destaca que as obrigações e direitos dos donatários para com a Coroa estavam definidos emum documento chamado Regimento, que acompanhava a Carta de Doação assinada pelo rei. Tal documento preservava os privilégios do rei, ou seja, a Coroa mantinha a autoridade final sobre todos os assuntos coloniais e o donatário tinha obrigações militares e econômicas. REFLITA Você sabia que nesse sistema, os donatários podiam distribuir lotes de terras denomina- dos sesmarias, criar vilas, cobrar tributos e escravizar indígenas? Em troca eram obriga- dos a pagar ao governo português um décimo de tudo o que produzissem e ganhassem. Na realidade, as capitanias pertenciam ao rei e não aos donatários, porém eram heredi- tárias, pois passavam de pai para filho. Fonte: a autora. https://escola.britannica.com.br/artigo/tributo/482640 12UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial Segundo Nieuhof (1981), eram 15 capitanias em que o território brasileiro foi dividido e que foram doadas para 12 donatários, sendo que alguns receberam mais de uma. Eram elas: Maranhão (dois quinhões, isto é, duas porções), Ceará, Rio Grande, Itamaracá (mais tarde recriada com o nome de Paraíba), Pernambuco, Baía de Todos-os-Santos, Ilhéus, Porto Seguro, Espírito Santo, São Tomé, São Vicente (dois quinhões, um dos quais, mais tarde, foi rebatizado como Rio de Janeiro), Santo Amaro e Santana. Podemos observar tal divisão por meio da Figura 1, que apresenta as capitanias definidas a partir da linha imaginária do tratado de Tordesilhas. Figura 1 – Capitanias Hereditárias do Brasil Fonte: Cintra (2013). Historiadores destacam alguns dos obstáculos ao sistema de capitanias hereditárias que levaram a seu fracasso. Mattos, Innocentini e Benelli (2012) citam que a maioria dos donatários não tinham recursos para investimentos, e alguns não demonstravam interesse em ocupar suas terras. Outro fator levado em conta era a distância entre a colônia e a me- trópole portuguesa, que dificultava o transporte de pessoas para a povoação dos territórios. 13UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial A falta de produtos de abastecimento, o clima e os frequentes ataques indígenas reagindo contra a escravização e a invasão de suas terras dificultavam ainda mais o desenvolvimento das capitanias hereditárias. Segundo Mattos, Innocentini e Benelli (2012), apenas as capitanias de Pernambu- co e de São Vicente se firmaram, com a produção açucareira e a criação de gado, e nelas foram fundados povoados. Estabelecida em 1532 por Martim Afonso de Sousa, dois anos antes até de a capitania ser criada e ele se tornar seu donatário, São Vicente foi a primeira cidade fundada no Brasil. Ao constatarem que o sistema de capitanias não estava alcançando seu propósito, em 1549 Portugal implanta uma outra forma de governo, que centralizava as decisões políticas e econômicas. No chamado governo-geral a coroa portuguesa passa, então, a retomar o controle sobre as capitanias, dando origem às províncias, que passaram a cons- tituir os atuais estados brasileiros. https://escola.britannica.com.br/artigo/cana-de-a%C3%A7%C3%BAcar/483152 https://escola.britannica.com.br/artigo/gado/480928 https://escola.britannica.com.br/artigo/Martim-Afonso-de-Sousa/483570 14UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial 1.2 Fatores do Êxito da Empresa Agrícola Quase 30 anos após a descoberta de Pedro Álvares Cabral o Brasil ainda desper- tava pouco interesse em Portugal, que se concentrava no comércio de especiarias vindas da Índia. A redução do comércio com as Índias coincidiu com os ataques que passaram a acontecer na costa Brasil. O surgimento da empresa agrícola açucareira vem da necessida- de de Portugal financiar a defesa dos novos territórios. Ao contrário da Espanha que obteve resultados imediatos com o ouro e a prata, Portugal dependia do sucesso das empresas coloniais para a ocupação e financiamento da defesa das áreas. Os fatores de sucesso estão relacionados com uma grande demanda por açúcar vindo da Europa, e parcerias com nações como Holanda, que dominavam toda navegação comercial da época. Segundo Furtado (2007), um conjunto de fatores particularmente favoráveis tomou possível o êxito dessa primeira grande empresa colonial agrícola europeia. Os portugueses haviam já iniciado há algumas dezenas de anos a produção, em escala relativamente gran- de, nas ilhas do Atlântico, de uma das especiarias mais apreciadas no mercado europeu: o açúcar. Essa experiência resultou ser de enorme importância, pois, além de permitir a solução dos problemas técnicos relacionados com a produção do açúcar, fomentou o de- senvolvimento, em Portugal, da indústria de equipamentos para os engenhos açucareiros. Esse conhecimento foi preponderante para a montagem dos novos engenhos na colônia, bem como para a produção de todo o maquinário necessário. 15UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial É importante salientar que os esforços iniciais da coroa portuguesa foram pre- ponderantes para o sucesso da empresa agrícola. Portugal reconhecia que a ocupação e torná-los viáveis economicamente eram as únicas maneiras de garantir tais territórios. Outro fator que deve ser observado é a exploração de escravos, no princípio nativos e posteriormente vindos da África, que forneceram a mão-de-obra para os engenhos e que, sendo não remunerada, viabilizava e aumentava em muito a lucratividade do negócio. Todavia de nada adiantava produzir muito açúcar e não ter mercados para escoar tal produto. Inicialmente a superprodução gerou uma queda de preço no mercado interna- cional, tendo em vista a dificuldade de encontrar mercados para consumir tais volumes. Nesse ponto, os holandeses foram fundamentais, pois já dominavam o comércio dentro da Europa e conseguiram os mercados que Portugal necessitava para o seu produto. Segundo Furtado (2007), os holandeses contribuíram não somente com sua experiência comercial. Parte substancial dos capitais requeridos pela empresa açucareira viera dos Países Baixos. Existem indícios abundantes de que os capitalistas holandeses não se limitaram a financiar a refinação e comercialização do produto. Tudo indica que capitais flamengos participaram no financiamento das instalações produtivas no Brasil, bem como no da importação da mão-de-obra escrava. O êxito da empresa agrícola açucareira foi o que proporcionou aos portugueses se fixar nas longas extensões de terra que possuíam nas Américas, de tal maneira que no século seguinte, quando o Tratado de Tordesilhas passou a ser mais fortemente questiona- do por outras nações, Portugal já estava fixado de tal maneira nestas áreas que dificultava muito possíveis invasões. 16UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial SAIBA MAIS Como você imagina que funcionavam os engenhos de açúcar no período colonial? O historiador Jefferson Evandro Machado Ramos descreve as etapas do processo de produção de açúcar no Brasil Colônia com base nos trabalhos de Furtado (2005) e Skid- more (2003). 1º - A cana-de-açúcar era plantada, pelos escravos, em extensos canaviais. 2º - Os escravos cortavam a cana-de-açúcar e carregavam em carros de bois até a moenda, que ficava na parte interior do engenho. 3º - Nas moendas (grandes máquinas movidas por moinho d’água, força humana ou por bois), a cana-de-açúcar era esmagada. O caldo de cana era obtido nessa etapa. 4º - O caldo de cana era colocado em grandes caldeiras para passar por um processo de fervura. O resultado, depois de horas, era um caldo bem grosso (pastoso). 5º - O caldo grosso era levado até a casa de purgar, onde era colocado em recipientes de barro, em formato de cone, com um furo na parteinferior. Esse furo possibilitava o escorrimento do restante da água. O caldo ficava nesse local de 3 a 5 dias, até que toda água escorresse. 6º - No final da etapa anterior, o resultado era uma espécie de bloco de açúcar, em for- mato de cone e de cor amarelada. Esses “pães de açúcar”, como eram chamados, eram transportados para a Europa, local em que seriam clareados (refinados) e vendidos aos comerciantes locais e consumidores finais. Fonte: Ramos (2010). Para mais informações leia: FERLINI, V. L. A. A civilização do açúcar. São Paulo: Brasiliense, 1994. 17UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial 1.3 Colônias Espanholas x Colônias Portuguesas A principal diferença entre as colônias espanholas e portuguesas é que a Espanha encontrou, em seus territórios, povos altamente desenvolvidos, com sistemas de hierarquia e conhecimentos profundos acerca de seus mundos, tais como os Incas e Astecas. Portugal, no entanto, encontrou uma população nativa muito mais dispersa, que ainda não apresen- tava uma organização social tão elaborada. Outra grande diferença eram os números de habitantes. As colônias espanholas possuíam muito mais população nativa que a Espanha pôde utilizar como mão-de-obra na mineração, através de acordos com as elites nativas. O grande sucesso da indústria açucareira portuguesa poderia ter despertado nos espanhóis algum interesse em replicar tal empreendimento em seus domínios que tinham um solo melhor que o do litoral brasileiro e gozavam de posição geográfica mais próxima da Europa que o Brasil, o que facilitaria a exportação. O grande sucesso obtido na mineração de metais preciosos, no entanto, fez com que os espanhóis não se voltassem para tal atividade. O sucesso espanhol na exploração de metais preciosos acabou gerando problemas internos na economia da Espanha, pois a riqueza trazida com o ouro e a prata gerou uma forte inflação. Setores produtivos de manufatura também foram afetados, pois a população local preferia viver direta ou indiretamente de subsídios fornecidos pelo governo. Isto fez com que a Espanha tivesse que passar a importar cada vez mais produtos, o que afetou diretamente a balança comercial espanhola. Tudo isto combinado gerou grande crise inter- na que teve também desdobramentos políticos e impactou na administração das colônias. Todos esses problemas internos que afetaram a Espanha e a administração de suas colônias fez com que não se tornassem um concorrente ao açúcar brasileiro. Se as 18UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial colônias espanholas tivessem se concentrado também na produção de açúcar e gerado uma concorrência para as colônias portuguesas isso poderia ter um impacto muito profundo no empreendimento português. 1.3.1 As colônias de povoamento do hemisfério Norte O acontecimento mais impactante para o Brasil no século XVII foi o surgimento de uma forte concorrência para os produtos que o Brasil produzia. Inicialmente, países como França, Holanda e Inglaterra invadiram e passaram a estabelecer colônias nas Anti- lhas e Caribe, com o objetivo de ocupar posições estratégicas para uma possível invasão das colônias espanholas da América Central e do Sul, que passavam por uma forte crise junto com a coroa. Plano que nunca chegou a se concretizar devido às rivalidades entre Inglaterra e França. Por conta do caráter político de tais ocupações, o sistema adotado foi o de pequenas propriedades cedidas a europeus. A Inglaterra teve mais facilidade que a França para povoar, pois tinha um excedente interno de população desocupada, resultado de mudanças na agricultura, que acabou por gerar uma forte turbulência política, religiosa e social, de tal modo que alguns grupos preferiam encarar o desafio de uma vida nova nas Américas. Segundo Furtado (2007), as tentativas de colonização da América do Norte ha- viam sido um fracasso, pois o clima propiciava a produção dos mesmos produtos que se produziam na Europa, tendo em conta o custo de transporte de tais produtos para os mercados consumidores e a mão-de-obra barata que a Europa dispunha à época, ficava economicamente inviável manter tais colônias. Nas Antilhas e Caribe, no entanto, devido ao clima, era possível produzir uma gama muito maior de produtos, sobretudo usando peque- nas propriedades. Produtos como café, anil, tabaco e algodão tinham grande potencial de mercado na Europa e geraram grandes lucros para as companhias colonizadoras. Esse sucesso comercial de tais produtos passou a demandar um número cada vez maior de mão-de-obra europeia e isso se tornou uma grande dificuldade, mesmo usando o sistema de servidão temporária, em que condenados poderiam substituir sua condenação por trabalhos em tais colônias, não foi o suficiente para suprir toda a necessidade. Para solucionar tal problema, a ideia foi introduzir escravos vindos da África, mas isso alterou também os produtos produzidos e até mesmo as propriedades, desta forma, elas passaram a se dividir em dois tipos: as pequenas propriedades, que empregavam europeus, e as grandes propriedades, que empregavam escravos. Desta maneira, surge uma grande concorrência entre as pequenas propriedades produtoras de produtos tropicais e as grandes propriedades que empregavam mão-de-obra 19UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial escrava. O aumento da produção ocasionou também redução no preço de tais produtos no mercado internacional, o que gerou uma crise e impactou diretamente no modelo de colonização dessa região. A partir desse momento o Brasil passa também a ser impactado, o modelo inicial de colonização do Caribe e Antilhas com pequenas propriedades garan- tia ao Brasil quase que um monopólio na produção do açúcar, que dependia de grandes propriedades para ser produzido. Com as novas grandes propriedades, que utilizavam mão-de-obra escrava, viabilizou-se a produção de açúcar no Caribe e Antilhas. Um fator que acelerou este processo foi a expulsão dos holandeses do território brasileiro em Pernambuco, detentores de técnicas e equipamentos para a produção. Após a expulsão eles preferiram se associar a ingleses e franceses já instalados a montarem suas próprias propriedades. Dessa maneira, apenas uma década após a expulsão dos ho- landeses do Brasil uma pujante economia açucareira se estabeleceu na região. Isto gerou uma outra consequência, que foi a migração dos povos de origem europeia, tanto ingleses quanto franceses, para dar lugar aos escravos, que foram em sua maioria para colônias no Hemisfério Norte, que, como citamos foram inicialmente um fracasso, porém com o aumento da população o mercado interno se fortaleceu, se tornando quase auto suficiente e dependendo minimamente de importações. A recente monocultura açucareira estabelecida nas Ilhas do Caribe fez com que alguns produtos agrícolas deixassem de ser produzidos e passassem a ser importados. Isso beneficiou as colônias da América do Norte, que passaram a fornecer tais suprimentos. Mas não eram só de suprimentos básicos que necessitavam as Ilhas, era preciso madeira para encaixotar o açúcar, bem como animais para mover as moendas dos engenhos etc. Para fazer o transporte de todas estas mercadorias entre América do Norte e Caribe eram necessários muitos navios e isso fez florescer uma indústria naval no Norte. Tudo isso fortaleceu a região que detinha um forte mercado interno e que ainda possuía um grande cliente nas Antilhas e Caribe para as suas exportações. Com isso inicia-se a terceira etapa da exploração das Américas. Na primeira etapa temos viagens extrativistas se utilizando de mão-de-obra nativa, visando metais preciosos e produtos como o Pau-Brasil, emsegundo momento se estabelecem grandes empresas agrícolas, utilizando força de trabalho escrava importada. Já na terceira etapa, sobretudo no Hemisfério Norte, temos o surgimento de uma economia mais próxima do que era a economia europeia, focada primeiramente no mercado interno e sem uma separação clara entre as atividades para exportação e para o mercado interno. 20UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial 2 ECONOMIA ESCRAVISTA DE AGRICULTURA TROPICAL Encontrar toda força de trabalho necessária para tocar a colonização foi o grande problema encontrado pelos colonos portugueses no início. O clima hostil para os padrões europeus, as condições precárias e todas as incertezas ligadas a tal aventura afugentava um número maior de portugueses. Dentro desse cenário os colonos utilizaram como primei- ra alternativa a captura e escravização de nativos. Essa atividade foi tão importante que algumas comunidades tinham como principal atividade econômica a captura e comercialização de indígenas. Os nativos tiveram papel fundamental nessa primeira etapa, auxiliando na instalação dos engenhos e construindo as bases do que viria a ser a indústria açucareira no Brasil. Os escravos africanos são introduzidos posteriormente em um momento em que os engenhos já funcionavam e eram capazes de arcar a importação e compra de escravos. Prado Júnior (1981) cita que o processo de substituição do índio pelo negro pro- longou-se até o fim da era colonial. Contra o escravo negro havia um argumento muito forte: seu custo. Não tanto pelo preço pago na África, mas em consequência da grande mortalidade a bordo dos navios que faziam o transporte. Mal alimentados, acumulados de forma a haver um máximo de aproveitamento de espaço, suportando longas semanas de confinamento e as piores condições higiênicas, somente uma parte dos cativos alcançavam seu destino. Calcula-se que, em média, apenas 50% chegavam com vida ao Brasil, destes 21UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial muitos estropiados e inutilizados. O valor dos escravos foi, assim, sempre muito elevado, e somente as regiões mais ricas e florescentes podiam suportá-lo. Essa estrutura de agricultura tocada por escravos foi a base do início da colonização do Brasil. Com mão-de-obra sem custos de salário e em grande quantidade, era possível operar as fazendas e os engenhos que dependiam de um número alto de funcionários e o não pagamento de salários maximizava ainda mais os lucros e tornava a atividade altamente rentável. 2.1 Capitalização e Nível de Renda na Colônia Açucareira Passada a dificuldade inicial em se estabelecer, a indústria açucareira tem cresci- mento vertiginoso no final do século XVI com um investimento de cerca de 1,8 milhão de libras esterlinas e um acréscimo de 20 mil escravos trazidos da África. Segundo Furtado (2007), não se pode afirmar com precisão sobre a renda gerada por essa economia, mas estima-se que podia chegar até 2 milhões de libras em anos favoráveis, o que representava muito para uma população de aproximadamente 30 mil habitantes europeus que viviam na colônia. Mas cabe destacar que toda essa riqueza era concentrada nas mãos dos proprietários de engenho. A atividade açucareira se mostrava tão rentável que chegava a fornecer um retorno de aproximadamente 90% ao senhor do engenho, o que é facilmente explicado pelo baixo custo de produção. Segundo Furtado (2007), apenas 5% eram gastos com o pagamento de transporte e armazenamento, 2% eram pagos para alguns assalariados: homens de vários ofícios e supervisores do trabalho dos escravos e outros 3% eram gastos na compra de gado para tração e de lenha para as fornalhas. Os dados apresentados demonstram a grande capacidade de geração de renda da atividade açucareira no final do século XVI. Furtado (2007) cita que os ganhos com a produção açucareira eram capazes de promover uma duplicação em sua capacidade de produção a cada dois anos. Havia também um grande volume de absorção da produção de açúcar pelos mercados demandantes, o que evitou uma crise de superprodução. 22UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial REFLITA Se a plena capacidade de autofinanciamento da indústria açucareira não era utilizada, que destino tomaram os recursos financeiros que sobravam? Fonte: a autora. Nas palavras de Furtado (2007), é óbvio que os recursos advindos do açúcar não eram utilizados dentro da colônia, onde a atividade econômica não-açucareira absorvia ínfimos capitais. O autor supõe então que parte do capital investido na economia açuca- reira pertencesse aos comerciantes europeus e que grande parte da renda gerada com tal atividade retornava para a Europa, pois era advinda de um capital que pertencia aos comerciantes europeus. Sitima (2014) relata que a atividade açucareira tinha dimensões suficientes para in- fluenciar o desenvolvimento de outras regiões da colônia, porém esse potencial sempre foi desviado para o exterior por decisões políticas de evitar uma concorrência com o mercado metropolitano. 23UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial SAIBA MAIS Plantation é o nome dado a um modelo de exploração econômica em que se destacam como aspectos principais: a concentração da propriedade da terra, a monocultura, con- trole de grande número de trabalhadores escravos e produção voltada para o mercado externo. Durante o período colonial brasileiro, esse foi o modelo adotado em larga es- cala, sendo a cana-de-açúcar o principal produto cultivado até meados do século XVIII. Fonte: Diégues Júnior (1958). 2.2 Projeção da Economia Açucareira: a Pecuária Na segunda metade do século XVI a atividade agrícola para exportação tomou tamanho vulto que um mercado paralelo se formou para abastecer as grandes fazendas de suas necessidades. Os lucros com o açúcar eram tão elevados que inclusive a própria pro- dução para subsistência foi abandonada por muitas delas, pois era antieconômico destinar áreas de produção de cana a tal fim. Furtado (2007) destaca que era no setor de bens de produção que o suprimento local encontrava maior espaço para expandir-se, pois as duas principais fontes de energia dos engenhos – a lenha e os animais para tração – podiam ser supridas localmente com grande vantagem. Sendo assim, o autor cita que a separação das duas atividades (açuca- reira e criatória) no Nordeste foi que impulsionou a criação de gado na região e promoveu a penetração e ocupação do interior do território brasileiro. De acordo com Prado Júnior (1981), a pecuária se destinava a satisfazer as ne- cessidades alimentares da população. Mas a pecuária, apesar da importância relativa que atinge e do grande papel que representa na colonização e ocupação de novos territórios, continuava sendo uma atividade visivelmente secundária e acessória, tendo sempre um lugar se segundo plano, estando subordinada às atividades principais da grande lavoura e sofrendo de grande incerteza. 24UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial CONSIDERAÇÕES FINAIS O objetivo desta unidade foi o de fornecer a você, aluno(a), a capacidade de desenvolver um referencial teórico-histórico sobre a evolução das forças capitalistas na formação socioeconômica brasileira até o período de avanço da economia açucareira, para a pecuária. Para tal, primeiramente abordamos o processo de colonização do território bra- sileiro, bem como o sucesso da empresa agrícola neste contexto. As colônias espanholas e portuguesas foram destacadas como fundamentais ao avanço da atividade econômica. Ao abordarmos acolonização do hemisfério norte, vimos como um processo que havia fracassado no começo obteve sucesso posteriormente devido à criação de um merca- do interno fortalecido, e clientes externos, como a indústria açucareira das Antilhas. Desta forma, pudemos conhecer as primeiras três etapas da colonização americana, focadas primeiramente na economia extrativista, em seguida na indústria agrícola e, por fim, no fortalecimento do mercado interno, com um sistema econômico mais parecido com o que estava em vigor na Europa. Em seguida, foram apresentados aspectos da economia escravista de agricultura tropical, em que as rendas geradas nos engenhos de açúcar se mostravam expressivas, mas que não foram suficientes para gerar um reinvestimento que levasse ao desenvol- vimento econômico. O surgimento da atividade pecuária foi o último tópico abordado na unidade, considerando ser esta uma atividade de subsistência, sendo fonte quase única de alimentos e de matéria-prima (couro) que se utilizava praticamente para tudo. Na próxima unidade exploraremos a expansão da colonização, abordando o siste- ma político e administrativo na colônia, a formação do complexo econômico nordestino, a mineração e a ocupação no centro-sul, até o fim da era colonial, em 1822. 25UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial LEITURA COMPLEMENTAR Para complementar os assuntos discutidos ao longo da primeira unidade, acesse os conteúdos a seguir: Título: Capitanias Hereditárias e desenvolvimento econômico: herança colo- nial sobre desigualdade e instituições Autor(es): Enlinson Mattos Thais Innocentini Yuri Benelli Resumo: Este trabalho tem como objetivo analisar os eventuais efeitos da heran- ça colonial na formação dos municípios brasileiros sobre suas condi- ções atuais de desigualdade de distribuição de terra e renda e sobre a qualidade das instituições. Em particular, empregam-se área, latitude, longitude e a data de fundação para identificar os municípios perten- centes aos territórios das Capitanias Hereditárias (CHs). Em seguida, busca-se estimar se essa característica histórica dos municípios está correlacionada com suas instituições atuais, considerando diversos controles, tais como: área proporcional da capitania; haver pertencido aos ciclos da cana e do ouro; estar no litoral; sua distância em relação a Portugal; tipo de solo; quantidade de chuva; altitude; temperatura média; e as variáveis socioeconômicas municipais. Os resultados su- gerem de forma robusta que o município que pertenceu à área des- tinada às CHs (um aumento de um desvio-padrão) está associado a uma concentração maior de terras (Censo Agrícola de 1996), medida pelo índice de Gini (aumento de meio desvio-padrão), a menores gas- tos públicos locais e a menor persistência política. No entanto, não se encontrou associação robusta sobre os seguintes indicadores dos municípios brasileiros: desigualdade de renda, Produto Interno Bruto (PIB) municipal per capita, número de agências bancárias públicas, de cartórios e empresas públicas no município, nem na governança local e no acesso à justiça local. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/5081 Título: Economia brasileira: uma visão histórica Autor(es): Eustáquio José Reis Resumo: Esta resenha sobre Economia Brasileira: uma visão histórica reúne ar- tigos sobre uma enorme variedade de temas da história econômica brasileira. Exceto por uma contribuição de demógrafos e duas outras de historiadores, as demais são assinadas por economistas. Apesar das contribuições que alguns dos artigos trazem para a pesquisa e o ensino da nossa história econômica, o livro deixa a desejar pelas defi- ciências e negligências no trabalho de organização e editoração. Disponível em: http://repositorio.ipea.gov.br/handle/11058/7129 26UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO Título: História do Brasil Colônia Autor: Laima Mesgravis Editora: Contexto Sinopse: Escravidão, exploração colonial, choque de culturas, pau-brasil, cana-de-açúcar, minas de ouro, bandeirantes, jesuí- tas... São muitos os temas associados ao Brasil no período colo- nial. Todos eles estão presentes neste livro, pequeno apenas em extensão, uma vez que é rico em informações e interpretações. A historiadora Laima Mesgravis, da USP, consegue a proeza de ser sucinta e abrangente, utilizando como base textos de cronistas, religiosos e autoridades da época, além de trabalhos históricos produzidos nos séculos XX e XXI. O leitor atento ficará surpreso ao encontrar, já na Colônia, traços da diversidade do povo brasileiro, assim como a base de nosso sistema hierárquico. É no passado colonial que podemos encontrar os melhores e piores traços da nossa cultura. Obra destinada a professores e estudantes da área, assim como a todos que se interessam pelas nossas raízes pro- fundas. FILME/VÍDEO Título: Vermelho Brasil Autor: Sylvain Archambault Ano: 2014 Sinopse: A história da expedição de Villegagnon ao Brasil por volta de 1555 e sua luta para criar uma colônia, a chamada França Antártica, nas terras conquistadas pelos portugueses. Filmado em Paraty, no Rio de Janeiro, o filme comete deslizes, entre eles, ser falado em inglês (e não em francês, a língua dos invasores). A brasileira Giselle Motta vive a índia Paraguaçu e Pietro Mário, brasileiro de origem italiana, aparece em dois papéis: o de um marinheiro e o de um francês que vive entre os índios. O ator por- tuguês Joaquim de Almeida interpreta João da Silva, um lusitano já perfeitamente integrado com os indígenas e que representa o seu país colonizador. Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=6IAcEAV7hAM 27 Plano de Estudo: ● Sistema Político e Administrativo colonial; ● O estabelecimento do Governo-Geral; ● Formação do complexo econômico nordestino; ● Expansão territorial; ● A Mineração e a Ocupação no Centro-Sul; ● O Renascimento da Agricultura; ● O fim da era colonial; ● A independência do Brasil. Objetivos de Aprendizagem: ● Contextualizar a evolução do sistema político e administrativo da colônia, desde as capitanias hereditárias até a instauração do Governo-Geral; ● Estabelecer a importância da mineração no processo de ocupação no centro-sul e a mudança do centro econômico do Nordeste para Minas Gerais; ● Fazer com o que o(a) aluno(a) compreenda como se deu o ressurgimento da agricultura pós crise da mineração e como se deu o fim da era colonial. UNIDADE II Expansão da Colonização Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira 28UNIDADE II Expansão da Colonização INTRODUÇÃO Daremos início aqui ao conteúdo da segunda unidade da disciplina de Formação Econômica do Brasil. Nesta unidade poderemos aprofundar nossos conhecimentos acerca do processo de expansão da colonização brasileira. Cabe lembrar que o projeto de colo- nização surgiu efetivamente devido às pressões dos outros países europeus, que também estavam em busca de nossas riquezas. Na unidade I vimos que o sistema de capitanias hereditárias, que até então comandava a administração da colônia, havia fracassado de- vido à grande extensão territorial para administrar (e suas obrigações), a falta de recursos econômicos e os constantes ataques indígenas. Nesta unidade veremos, então, que o fim desse sistema foi marcado pelo estabelecimento do Governo Geral no ano de 1548, cujo objetivo era centralizar a administração, tendo mais controle da Coroa Portuguesa. Veremos também nesta unidade a necessidade que os portugueses tinham de encontrar ouro e prata, a exemplo da Espanha, pois apenas o comércio de especiarias no Oriente já não era suficiente para a obtenção de receitas. Veremos também como a desco- berta do ouro alterou o centroeconômico da colônia do Nordeste, para a região centro-sul. Você verá também que, ao longo da história brasileira, ciclos sucessivos de cres- cimento econômico antes da industrialização, como a produção de cana-de-açúcar no Nor- deste no século XVII, o ciclo do ouro em Minas Gerais no século XVIII, e a produção do café no Sudeste nos séculos XIX e XX, foram criados e deixaram características importantes do subdesenvolvimento brasileiro: baixa produção e falta de diversidade de exportação, bem como estrutural heterogeneidade, especificamente, um vasto setor subempregado existente lado a lado com um setor moderno de alta produtividade. Abordaremos então o estabelecimento do governo-geral, para, em seguida, constatarmos como se deu o proces- so de colonização do centro-sul, em especial com a descoberta do ouro. Por fim, o término da era colonial será abordado na última seção, a partir da chegada da família Real ao Brasil, seu estabelecimento, até o processo de independência do Brasil, no ano de 1822. https://www.infoescola.com/historia/governo-geral-do-brasil/ 29UNIDADE II Expansão da Colonização 1 EXPANSÃO DA COLONIZAÇÃO 1.1 Sistema Político e Administrativo da Colônia Para analisarmos como se deu processo de desenvolvimento do sistema político e administrativo no Brasil colonial, vamos relembrar alguns fatos importantes vistos na primeira Unidade da disciplina. Cabe lembrarmos que embora a Coroa Portuguesa tenha declarado rapidamente a sua posse do novo território nos termos do Tratado de Tordesilhas, ela não mostrou, no início, desejo de incorrer em quaisquer despesas para criar uma administração colonial ou para imitar a Espanha e embarcar em uma grande missão civilizatória no Novo Mundo. Segundo Prado Junior (2012), nessas condições, colonizar ainda era entendido como aquilo que dantes se praticava: fala-se em colonização, mas o que o termo envolve não era mais do que o estabelecimento de feitorias comerciais, como os italianos vinham de longa data praticando no Mediterrâneo. Apesar da atitude geral de indiferença, no entanto, vimos que o Brasil não foi com- pletamente negligenciado. Embora não houvesse ouro e prata de fácil acesso, a monarquia portuguesa reconheceu que lucros respeitáveis poderiam ser obtidos a partir do comércio. Como havia sido a prática na África Ocidental, a maioria das despesas decorrentes da montagem de navios e realização de comércio foram arcadas por indivíduos privados. Isso era conseguido pelas concessões da corte para criar feitorias e negociar com a população local. Segundo Furtado (2007), em troca, os comerciantes concordavam em pagar uma 30UNIDADE II Expansão da Colonização parte fixa de seus lucros à Coroa e manter a estação comercial como um posto avançado do império português. Em 1502, foi dado o monopólio do comércio de madeira brasileira ao novo comer- ciante cristão, Fernando de Noronha, que se comprometeu a organizar a defesa do litoral e enviar novas missões exploratórias. Feitorias foram estabelecidas ao longo da costa, mas os comerciantes portugueses tinham pouco incentivo para avançar para o interior. Em contraste com a América Espanhola, não havia sinais da proximidade de metais preciosos nem populações nativas numerosas ou civilizações avançadas. Além disso, o avanço para além do litoral foi seriamente impedido pela proximidade de floresta e selva densas, altas cadeias de montanhas além de rios com fortes corredeiras. Além disso, havia a ameaça de índios hostis, animais selvagens, insetos venenosos e cobras. As feitorias no Brasil provaram, portanto, ser precárias e inicialmente não tiveram muita importância. O descuido da Coroa Portuguesa em relação ao Brasil foi afetado pela invasão de concorrentes franceses que também foram atraídos pela disponibilidade e potencial econômico do comércio de madeira no Brasil. Um navio francês teria chegado à costa brasileira em 1504, mas eles não costumavam estabelecer feitorias em terra, e faziam negócios diretamente com os índios. Isso não só representava um desafio para a reivindi- cação portuguesa de monopolizar o comércio de madeira no Brasil, como também levou a um aumento no fornecimento para a Europa, o que ocasionou redução nos preços e nos lucros portugueses. Segundo Smith (2002), o Rei português denunciou os comerciantes franceses como piratas e enviou navios para patrulhar as águas brasileiras. Consciente de que o rei da França não reconhecia as reivindicações portuguesas e espanholas previstas no Tratado de Tordesilhas, o Rei João III (1521 a 1557) decidiu antecipar possíveis inter- ferências de outras nações, afirmando seu próprio controle sobre o Brasil. Para isso, no entanto, exigiu a provisão de uma presença militar e civil portuguesa permanente no novo território. Foi então que deu início à primeira tentativa da Coroa portuguesa de organizar a ocupação e colonização do Brasil, por meio do sistema de capitanias que vimos na Unidade I. Você lembra que em tal sistema, havia um acordo semelhante a um pacto feudal, feito entre o rei e cada donatário no qual este último e seus herdeiros recebiam a terra (carta de doação) e em troca se comprometiam não só a pagar impostos ao rei, mas também a estabelecer e desenvolver a terra e a prover sua defesa contra os índios e invasores es- trangeiros? Com os arrendamentos para o comércio de madeira brasileira, os donatários e seus herdeiros assumiram todos os custos para estabelecer as capitanias. O donatário, no 31UNIDADE II Expansão da Colonização entanto, exercia poderes de jurisdição civil e criminal e também foi autorizado a subdividir sua capitania em lotes menores e separados de terras não cultivadas conhecidas, como sesmarias. Inicialmente havia tanta terra disponível que algumas sesmarias individuais eram enormes. O maior variou de 40 a 100 milhas quadradas e estabeleceu um precedente para a criação de grandes propriedades que seriam uma característica proeminente da futura distribuição de terras no Brasil. Logo ficou evidente que o sistema de capitania era muito ambicioso e impraticável. Não havia aristocratas, comerciantes ou camponeses portugueses suficientes dispostos a emigrar para um país tão vasto e subdesenvolvido como o Brasil. Em contraste, a África e a Índia ainda permaneciam mais atraentes e destinos menos perigosos. Smith (2002) cita que apenas as capitanias de São Vicente e Pernambuco foram inicialmente bem-sucedidas. As outras capitanias estavam em estado de caos. Segundo historiadores, donatários enviavam súplicas ao Rei João III, em 1548, dizendo que se o Rei não ajudasse as capitanias, perderia suas terras. No entanto o sucesso da indústria açucareira em São Vicente e Pernambuco demonstrou potencial para produzir renda regular e bons lucros (SMITH, 2002). O sonho de encontrar metais preciosos também permaneceu. SAIBA MAIS Nenhum representante da grande nobreza se incluía na lista dos donatários, pois os negócios na Índia, em Portugal e nas ilhas atlânticas eram, por essa época, bem mais atrativos. A atribuição de doar sesmarias deu origem à formação de vastos latifúndios. A sesma- ria foi conceituada no Brasil como uma extensão de terra virgem, cuja propriedade era doada a um sesmeiro, com a obrigação – raramente cumprida – de cultivá-la no prazo de cinco anos e de pagar o tributo devido à Coroa. A herança dos sistemas de capitanias hereditárias pode ser sentido até hoje através do coronelismo e das famílias que seguem mantendo o poder em certos estados. Fonte: Fausto (1996, p. 25). 32UNIDADE II Expansão da Colonização 1.2 O Estabelecimento do Governo-Geral O rei João III reconheceu que a intervenção real era oportuna e necessária para evitar o colapso do sistema de capitanias e a possível perda de seu império americano para rivais estrangeiros. Em 1548 anunciou a nomeaçãode Tomé de Sousa como governador- -geral residente da colônia. A capitania da Bahia também foi reivindicada como terra real. Tomé de Sousa chegou ao Brasil em março de 1549 com uma poderosa frota de seis navios e mais de 1.000 soldados. Segundo Araújo (2000), Salvador surgiu com o foro de cidade – uma prerrogativa exclusiva do rei de Portugal –, e a sua construção foi ordenada por D. João III em 1548, no regimento dado a Tomé de Souza, que iniciou as obras da cidade. Também por determi- nação regimental, Salvador foi erguida em outro lugar, no alto de uma colina e mais para dentro da baía de Todos os Santos, onde hoje se encontra o Centro Histórico. Embora algumas capitanias individuais tenham sobrevivido até o século XVIII, a fundação de Salvador como capital da colônia e sede do novo governo central marcou a afirmação direta e visível da autoridade real pela primeira vez no Brasil e, consequentemen- te, significou o abandono do sistema de capitania como o modelo preferido da Coroa de governo colonial. Na verdade, os donatários foram obrigados a abrir mão de seus poderes exclusivos em relação à arrecadação de impostos, administração da justiça e defesa do território. O envio de reforços militares mostrou-se sensato, porque Sousa e seus suces- sores, mais notavelmente Mem de Sá, que foi governador-geral de 1558 a 1572, tiveram que combater as tentativas francesas de tomar posse do território brasileiro. Prado Júnior (2012) relata que durante mais de dois séculos despejaram na América todo o resíduo das lutas político-religiosas da Europa. A ameaça mais grave surgiu em 1555, quando uma frota francesa comandada pelo almirante Nicolas Durand de Villegagnon entrou na Baía de Gua- nabara e, em aliança com os índios Tamoios, fundou uma pequena comunidade conhecida como “Antártica Francesa” na Ilha de Sergipe. O objetivo ostensivo era estabelecer um refúgio para os Huguenotes franceses1. A resposta portuguesa ao empreendimento brasi- leiro de Villegagnon foi intransigente. Após uma série de ataques das forças portuguesas a partir de 1565, os franceses foram finalmente expulsos em 1567. Operações militares dirigidas contra os franceses resultaram então no estabeleci- mento de novos assentamentos portugueses ao longo do litoral brasileiro que se estende 1 Huguenotes era o nome dado aos protestantes franceses durante as guerras religiosas na França. 33UNIDADE II Expansão da Colonização de São Vicente até o Vale do Amazonas. Nesse processo houve conflito frequente com índios locais, resultando em sua submissão e expulsão. Esforços foram feitos, no entanto, para converter os índios ao cristianismo. Na verdade, seis jesuítas chegaram com a frota de Tomé de Sousa em 1549. Liderados pelo padre Manoel da Nóbrega, desempenharam um papel importante na promoção da política de pacificação e no aculturamento dos índios. Nas palavras de Fausto (1996), vieram com o governador-geral os primeiros jesuítas – Manuel da Nóbrega e seus cinco companheiros –, com o objetivo de catequizar os índios e disciplinar o ralo clero de má fama existente na Colônia A autoridade e influência da Igreja foi consideravelmente reforçada pela criação da diocese da Bahia em 1551. Na segunda metade do século XVI, as atitudes portuguesas em relação ao Brasil haviam mudado significativamente. Embora o vasto interior ainda permanecesse praticamente inexplorado e desconhecido para os europeus, o Brasil não era mais apenas uma coleção de feitorias, mas uma colônia contendo vários assentamen- tos fortificados permanentes, um governo central e uma diocese localizada no capital de Salvador e o início de uma indústria açucareira fluorescente. SAIBA MAIS O que foi a União Ibérica, conhecida também como Dupla Monarquia? A chamada União Ibérica ocorreu após a crise dinás- tica iniciada com a morte do rei D. Sebastião de Por- tugal, na famosa Batalha de Alcácer-Quibir, em 4 de agosto de 1578. Com a debilidade do último dos Avis, D. Enrique, e com a agressiva reclamação ao trono feita pelo rei espanhol Felipe II (1555-1598), bem res- paldado por seu exército sob o comando do duque de Alba (1507-1582), tem início a maior “união de rei- nos” da história moderna. Durante 60 anos, Portugal e Espanha deram novo sentido à Monarquia Católica, controlando, além das possessões europeias, gran- des áreas ultramarinas na América, África e Ásia. As- sim, nas primeiras duas décadas do século XVII o objetivo central da burocracia hispa- no-lusa era assegurar a posse das imensas regiões de ultramar, nas quatro partes do mundo conhecido, constantemente ameaçadas pelos concorrentes oceânicos: França, Inglaterra e principalmente Holanda. No caso do Estado do Brasil essa política iria tra- duzir-se na criação de novas unidades administrativas que desembocariam na criação do Estado do Maranhão e Grão-Pará em 1621. Fonte: Cardoso (2011). 34UNIDADE II Expansão da Colonização O excelente porto e a localização estratégica da Baía de Guanabara levaram os portugueses a estabelecer uma nova cidade que se chamava (São Sebastião do) Rio de Janeiro. Embora as ameaças francesas persistissem, especialmente no Norte, onde Daniel de La Touche2 fundou o assentamento de São Luís, em 1612, eles nunca foram militarmente poderosos o suficiente para minar o controle português do Brasil. Straforini (2008) cita em seus estudos sobre a formação territorial brasileira nos dois primeiros séculos de colonização, que a criação do Estado do Maranhão, em 1621, não impediu a consolidação e avanço dos portugueses pelo vale do rio Amazonas, pois, durante o período da Monarquia Dual (União Ibérica), a administração do Brasil e do Ma- ranhão, na prática, cabia ao conselho formado pelo clero e pela aristocracia lusitana, logo, pelos portugueses. Apesar da tentativa de centralização do governo colonial em Salvador e São Luís, um sistema descentralizado permaneceu firme durante a maior parte do período colonial, pois a distância geográfica e as dificuldades de comunicação fizeram com que a capacida- de do governador-geral de interferir nos assuntos locais fosse muito limitada. Além disso, o Brasil colonial proporcionou um contraste acentuado com a América Espanhola ao não desenvolver grandes cidades e centros administrativos, como a Cidade do México e Lima, de onde irradiavam poder real e autoridade. De fato, historiadores relatam que, principalmente por razões econômicas e de se- gurança, a população do Brasil preferiu se reunir em municípios compostos por pequenas cidades e vilas, muitas das quais estavam localizadas próximas a grandes plantações de açúcar. Os municípios eram, portanto, o foco do governo local. Os poderosos latifundiários e plantadores locais conhecidos como “homens bons” serviram como conselheiros (vereado- res) no Senado ou câmara municipal que era o equivalente ao cabildo3 hispano-americano. A composição exata dos conselhos variava, mas eram geralmente presididas por um juiz ordinário que também atuava como oficial de justiça permanente. 1.3 Formação do Complexo Econômico Nordestino No Nordeste brasileiro duas atividades se destacavam: a açucareira e a pecuária. Ambas tinham sistemas de produção que não sofriam grandes modificações, isso fazia com 2 Daniel de La Touche, sob o título de Senhor de La Ravardière, foi um experiente Lugar-tenente General da Marinha Francesa do século XVII. Nobre, de religião protestante, liderou a expedição francesa que, em 1612, deu início as pretensões de colonização no Norte do Brasil. 3 Cabildo era uma corporação municipal instituída na América Espanhola durante o período colonial que se encarregava da administração geral das cidades coloniais. 35UNIDADE II Expansão da Colonização que não houvesse investimentos para aumentar produtividade ou reduzir custos. Porém, devido ao baixo investimento e custos baixos, tais atividades se adaptavam muito bem aalterações no preço de seus produtos. Era lucrativo continuar produzindo mesmo que o preço caísse muito. A atividade canavieira dependia da compra de equipamentos e importação de mão-de-obra, já a pecuária não, nela o aumento do rebanho acontecia de forma natural, assim como a incorporação de terras e a mão de obra, pois considerando que a atividade era capaz de prover alimento em abundância, isso causava um aumento ainda maior da população nestas atividades. A queda no preço do açúcar na segunda metade do século XVII reduziu a lucra- tividade do setor, mas não a ponto de torná-lo inviável, a atividade continuou operando mesmo vendo seus lucros caírem fortemente. A situação, porém, se complicou ainda mais no século XVIII com o aumento do preço dos escravos e a transferência de parte da força de trabalho para as minas de ouro em Minas Gerais. No caso da pecuária, a redução da demanda de seus produtos não parou a proliferação do rebanho e mão-de-obra, seja a que crescia naturalmente no seu entorno ou a que abandonava os engenhos que passavam por dificuldades, sempre encontrava trabalho. Mesmo que fossem atividades limitadas à subsistência. Toda essa redução na lucratividade da indústria açucareira e, por consequência, na pecuária que era fornecedora dos engenhos, fez com que a renda diminuísse na região Nordeste a ponto de ter início algumas atividades de manufatura local, destinadas a forne- cer produtos que em outras épocas eram importados. Nesse cenário, o couro teve papel importante como matéria-prima. Fica claro, no entanto, que do fim século XVII até começo do século XIX a economia nordestina passou por um processo no qual as atividades mais especializadas e industriais foram dando lugar a uma economia de subsistência que causou um retrocesso em relação ao nível de renda e desenvolvimento. De toda forma, houve um grande aumento popula- cional devido às atividades de subsistência, uma população cada vez maior e com renda cada vez mais baixa ou inexistente. Esse processo de crescimento e empobrecimento do Nordeste brasileiro tem consequências que podemos observar até os dias de hoje quando pensamos em todos os problemas financeiros que a região atravessa. 36UNIDADE II Expansão da Colonização 2 EXPANSÃO TERRITORIAL A União Ibérica facilitou a exploração territorial e a colonização do Brasil, porque retirou as restrições de fronteira que dividiam o continente que havia sido estabelecido pelo Tratado de Tordesilhas em 1494. Mas o principal motivo para a exploração europeia no interior ainda era a busca por metais preciosos. Soma-se a isso o desejo de capturar índios para trabalhar como escravos nas plantações de açúcar em rápida expansão. As expedições mais celebradas foram as organizadas pelos bandeirantes de São Paulo. Os bandeirantes eram uma combinação de índios e europeus, muitos dos quais eram uma mistura de origem branca e indígena, conhecidos como mamelucos. Eles ganharam seu nome a partir das bandeiras distintas que eles carregavam para identificar a si mesmos. Percorrendo enormes distâncias a pé por semanas, meses e até anos, os bandeirantes adquiriram uma reputação formidável e heroica. Um padre jesuíta comentou: “Eles vão sem Deus, sem comida, nus como os selvagens, e sujeitos a todas as perseguições e misérias do mundo. Os homens se aventuram por 200 ou 300 léguas no sertão, servindo ao diabo com um martírio tão incrível, a fim de negociar ou roubar escravos” (SKIDMORE, 2002, p. 15). Expedições variavam muito em tamanho e duração. Uma expedição em 1628 incluiu 69 brancos, 900 mamelucos e 2.000 índios. Os bandeirantes foram pioneiros implacáveis, cujas incursões ajudaram a disseminar o domínio e a autoridade portuguesa e, assim, estimularam mais assentamentos e o desenvolvimento comercial do interior. 37UNIDADE II Expansão da Colonização A exploração e o assentamento também foram influenciados pela preocupação de impedir que outras nações europeias invadissem o território português, especialmente ao longo do litoral norte. Pontos fortificados foram fundados na Filipeia (atual João Pessoa), em 1585, Natal, em 1599 e Fortaleza, em 1611. São Luís foi resgatada dos franceses em 1614 e tornou-se a primeira capital do Estado do Maranhão, criada em 1621. Uma importante base militar foi criada em Belém, em 1616, para controlar a foz do rio Amazonas. Uma expedição organizada por Pedro Teixeira saiu de Belém em 1637 e passou dois anos navegando pelo vasto rio. Embora Portugal tenha reivindicado a soberania sobre todo o Vale do Amazonas, o assentamento português foi restringido durante grande parte do sé- culo XVII às cidades de São Luís e Belém. Além das cidades costeiras, a autoridade real foi representada pelo estabelecimento de postos militares e pelas atividades missionárias das Ordens Religiosas. Franciscanos, jesuítas e carmelitas estabeleceram aldeias nas quais comunidades de índios locais foram reunidas para fins de conversão ao cristianismo e aculturação. No Nordeste, a maior parte da população europeia estava localizada próxima às plantações de açúcar, localizadas na faixa litorânea. Como vimos na Unidade I, a crescente exigência de alimentos e de transporte para a indústria açucareira estimulou o desenvol- vimento da pecuária. Durante o século XVII, os rebanhos de gado gradualmente se espa- lharam para além do litoral e para as pradarias circundantes do interior ou “sertão”, e mais especificamente na Bahia e em Pernambuco. A expansão para o interior foi desencorajada pela falta de estradas e trilhas, pelo clima extremamente seco e pela hostilidade dos índios. Foi só na descoberta do ouro em Minas Gerais, no final do século XVII, que houve um grande e sustentado movimento de pessoas vindas do litoral para o sertão. Mais ao sul da colônia, a cidade do Rio de Janeiro aproveitou suas excelentes instalações portuárias naturais para se desenvolver como um grande porto. São Paulo também emergiu como uma importante base para o intercâmbio comercial e ponto de partida para os bandeirantes organizarem suas expedições ao interior. Poucos europeus se aventuraram mais ao sul. As exceções foram missões jesuítas criadas para proteger e aculturar os índios e alguns pontos fortificados, como Laguna, em Santa Catarina, e Colônia do Sacramento, no Rio da Prata, que foram destinados principalmente postos militares para afirmar reivindicações portuguesas para posse do território. 38UNIDADE II Expansão da Colonização 2.1 A Mineração e a Ocupação no Centro-Sul Os portugueses sempre se interessaram por metais preciosos. Eles queriam, acima de tudo, encontrar o ouro, a moeda mais suprema no comércio mercantilista da Europa. Em 1695 foram descobertas reservas de ouro em Minas Gerais, e depois de quase dois séculos de exploração infrutífera de metais preciosos, parecia que o Brasil finalmente havia se tornado outro el dorado4. A fronteira da mineração atraiu um enorme fluxo de migrantes que buscavam fazer fortunas. A descoberta do ouro desencadeou uma corrida imediata de migrantes de todo o Brasil, especialmente do Nordeste, já que Minas Gerais rapidamente se tornou a região que mais crescia no Brasil do século XVIII. Prado Júnior (2012) relata que as primeiras desco- bertas positivas de ouro no centro de Minas Gerais ocorreram em meados de 1696. Houve também um aumento repentino nos recém-chegados de Portugal. Essa saída da juventude portuguesa tornou-se tão grande que, em 1705, a Coroa até tentou (sem sucesso) retardar o fluxo. Em décadas, o Brasil tornou-se o maior produtor de ouro do mundo. Na década de 1720, o Brasil também começou a produzir diamantes. Finalmente, Portugal poderia desfrutar do tipo de bonança que a Espanha havia ganhado séculos antes. Essa produção de ouro e diamante teve um resultado muito positivo, financiandoo surgi- mento de uma rica cultura no Centro-Sul do Brasil. Depois de ser praticamente desabitada pelos europeus, a população mineira subiu de 30.000, em 1709, e para 300.000, em 1775, um número que equivalia a 20% da popula- ção estimada da colônia. As cidades mineiras do século XVIII viram a construção de igrejas cristãs em um estilo barroco brasileiro único. Antonio Francisco Lisboa (“Aleijadinho”) se destacou pelas igrejas que projetou em Ouro Preto, Sabará e São João Del-Rei, e por suas esculturas em tamanho real dos profetas em Congonhas do Campo. Ele superou o estigma de sua cor, sem mencionar a hanseníase, para se tornar um dos gigantes da história da arte brasileira. 4 El dorado é uma antiga lenda indígena da época da colonização da América que atraiu muitos aventureiros europeus. A lenda falava de uma cidade que foi toda feita de ouro maciço e puro. 39UNIDADE II Expansão da Colonização SAIBA MAIS No fim de sua vida, Aleijadinho realiza as 12 esculturas intituladas Os Profetas na pe- quena cidade de Congonhas do Campo. O material usado é a pedra-sabão, caracterís- tica em muitas obras do escultor. Executadas entre 1796 e 1805, momento em que o artista está debilitado por sua doença, são feitas com ajuda de outros artesãos subordi- nados a Aleijadinho, o que explica as diferenças entre seus estilos e leva a crer que nem todas foram feitas pelo próprio escultor. Todos os profetas têm cabelos encaracolados, cobertos por turbantes, e olhos levemente puxados – traço recorrente nas esculturas do artista. Os profetas, localizados no adro do Santuário de Bom Jesus de Matosinhos, têm caráter monumental e mesclam “realismo e caricatura”, como ressalta o historiador da arte inglês John Bury. Fonte: Bury (2006, p. 39). O grande crescimento demográfico refletiu o fato de Minas Gerais ter deslocado do Nordeste o centro econômico da colônia. Minas Gerais também foi usada como base para exploração e assentamento à medida que os garimpeiros se mudaram para fazer novas descobertas de ouro e diamantes em Mato Grosso, em 1719, e Goiás, em 1725. Inicialmente, a maioria dos garimpeiros viajou para a região mineira em árduas viagens que duravam semanas e meses pelas rotas interiores de São Paulo ou ao longo do rio São Francisco, mas a rota preferida e mais rápida passou a ser a “Estrada Nova” do centro administrativo de mineração de Ouro Preto até o porto do Rio de Janeiro. Isso aumentou muito a crescente importância geográfica e econômica do Rio de Janeiro e contribuiu para a decisão de transferir a capital de Salvador para o Rio de Janeiro, em 1763. A abertura de novas áreas no interior resultou em uma grande reorganização do governo colonial e na vigorosa afirmação da autoridade real. O envio de um grande número 40UNIDADE II Expansão da Colonização de oficiais e soldados reais mostrou-se necessário para garantir a cobrança de impostos, a prevenção do contrabando e a manutenção da lei e da ordem em uma região que expe- rimentou frequente escassez de alimentos e violência endêmica. Uma causa particular da agitação social foi a atitude dos paulistas, que compunham a maior parte da primeira leva de garimpeiros. O conflito resultou em um breve período de hostilidade aberta e violência conhecida como a “Guerra dos Emboabas” – um confronto travado de 1707 a 1709 pelo direito de exploração das recém-descobertas jazidas de ouro na região do atual estado de Minas Gerais, no Brasil. A perturbação forneceu à Coroa uma justificativa para impor sua autoridade na região mineira. Estradas foram construídas para o transporte seguro de ouro e foram guar- dadas por uma rede de tropas militares. A interferência direta dos funcionários reais foi mais acentuada em suas tentativas de supervisionar e registrar a produção de ouro, a fim de garantir o pagamento do imposto conhecido como quinto (“o quinto real”). Segundo Prado Júnior (2012), o sistema estabelecido era o seguinte: para dirigir a mineração, fiscalizá-la e cobrar tal tributo, criou-se uma administração especial, a Inten- dência de Minas, sob a direção de um superintendente. Tal sistema deveria vigorar em cada capitania onde fosse descoberto o ouro, sendo que tais intendências independiam inteiramente de governadores e quaisquer outras autoridades da colônia, sendo subordina- das unicamente ao governo metropolitano de Lisboa. O ressentimento local se transformou em uma breve revolta armada na (Vila Rica do) Ouro Preto, em 1720, que foi brutalmente reprimida. A autoridade real foi ainda mais rigorosa no Distrito Diamantina, no norte de Minas Gerais. Considerando que a Coroa tinha sido reativa em sua política para os ataques sobre o ouro, agiu rapidamente ao saber da descoberta de diamantes em 1729. O Distrito de Diamantina foi declarado propriedade real e foram impostas restrições ao movimento de pessoas que entravam e saíam da área. A extração e venda de diamantes foram estritamente regulamentadas. A indústria foi declarada como um monopólio real em 1771. No entanto o contrabando não podia ser eliminado e era frequentemente conduzido com o conluio das autoridades locais. Em contraste com a habitual aplicação frouxa do domínio português no Brasil, no entanto, a indústria de diamantes deu um exemplo da ten- tativa de implementação do sistema mercantilista no qual o tesouro foi extraído da colônia em benefício do país-mãe. As minas de ouro e diamante, como as plantações, dependiam do trabalho escravo africano — necessitando de uma mudança de escravos africanos de outros lugares do Bra- 41UNIDADE II Expansão da Colonização sil, bem como de novas entregas do comércio de escravos do Atlântico Sul. O que o boom da mineração não fez foi mudar o padrão básico do desenvolvimento econômico colonial brasileiro. Assim como os produtos agrícolas tropicais (como açúcar, algodão e tabaco), a mineração de ouro e diamante não estimulou o crescimento econômico amplamente neces- sário para a industrialização. As riquezas minerais foram para Portugal, onde resgataram um reino em declínio. Portugal estava com um déficit constante no seu comércio com a Inglaterra, e grande parte do ouro brasileiro foi para cobrir as dívidas portuguesas com a Inglaterra. Esse ouro também foi para manter o estilo de vida da corte real e as ordens religiosas. A capacidade de produção limitada das jazidas, a falta de aprimoramento da ati- vidade e a falta de preparo técnico foram os principais elementos que contribuíram para o rápido esgotamento das minas. Além disso, as ações políticas adotadas pelos portugueses contribuíram ativamente para a crise da atividade mineradora. Incidentes entre minerado- res e autoridades portuguesas começam a acontecer devido ao aumento da fiscalização e a cobrança de impostos, a medida que os metais começam a faltar. Foi assim que em 1789 ocorreu o fato chamado Inconfidência Mineira, um levante anticolonialista que marcou efetivamente a crise da atividade mineradora no Brasil. SAIBA MAIS A Inconfidência Mineira foi abordada por estudiosos de várias maneiras diferentes. Há quem a defina como um movimento que buscava a liberdade da colônia portuguesa frente à metrópole. Outros já esboçam contornos mais regionais atribuindo sua “quase” eclosão ao descontentamento da população de Minas para com o excesso da carga tributária imposta pelo governo português. Teremos ainda pesquisadores que tomam os interesses particulares como propulsores do movimento. É fácil perceber que o tema é, ainda hoje, polêmico, principalmente no que diz respeito ao papel de cada um dos envolvidos. Fonte: Almeida (s.d.). Após a crise do ouro, no final do século XVIII, ressurgem as atividades agrícolas. Produtos como açúcar, algodão e tabaco voltam a ser valorizados, principalmente devido ao advento da revolução industrial. 42UNIDADE II Expansão da Colonização 2.2 O Renascimento da AgriculturaVocê já sabe que o açúcar esteve até o final do século XIII entre os principais produtos de exportação depois que a madeira do Brasil foi praticamente extinta, sendo cultivado em grande parte dentro da zona úmida no litoral nordestino e exportado para o comércio europeu, dominado pelos holandeses. Os preços internacionais do açúcar caíram entre 1670 e 1680, à medida que o aumento da produção nas Antilhas cortou a participação de mercado mundial do Brasil. Porém, a busca portuguesa pelo ouro foi finalmente satisfeita no início da década de 1690 e, como vimos na seção anterior, os achados (que mais tarde incluíam diamantes) foram localizados nos atuais estados de Minas Gerais, Mato Grosso, Goiás e sul da Bahia. Ainda durante o período colonial, no século XVIII, o Brasil passou por uma fase de transição entre a mineração e o advento do café. Na realidade, a passagem da colônia para o Estado Nacional, surgiu com a independência do Brasil, em 1822. Nessa fase, que abrange o final do século XVIII e as primeiras décadas do século XIX, a mineração entrou em crise, ao mesmo tempo em que a economia colonial se reorganizava com base na grande lavoura mercantil exportadora, dando origem ao renascimento agrícola. A Figura 1 apresenta informações sobre os principais produtos de exportação da colônia nos séculos XVII e XVIII. Como podemos observar, o açúcar prevalece como prin- cipal produto de exportação até a segunda metade do XVIII. Quanto ao ouro, ganha sua importância no século XVIII e já aponta seu declínio na participação do mercado externo, no início do século XIX, quando ressurge a agricultura. Figura 1 – Exportações da colônia - 1600 a 1800 Fonte: Blog do ENEM (2018). 43UNIDADE II Expansão da Colonização Com o declínio da mineração, ressurgiu, então, novamente a agricultura, que voltou a ocupar a posição dominante que prevaleceu nos dois primeiros séculos da colonização. Mas segundo Prado Júnior (2012), o que estimulou a volta para o cultivo da terra não foi apenas a crise do ouro, mas novos mercados para seus produtos que surgiram com o incremento das atividades econômicas e das relações comerciais, com o advento da Revolução Industrial. 44UNIDADE II Expansão da Colonização 3 O FIM DA ERA COLONIAL 3.1 A Chegada da Família Real ao Brasil Depois de durar três séculos, as colônias portuguesas e espanholas, impérios no Novo Mundo, entraram em colapso no início do século XIX. Enquanto a libertação das colônias espanholas envolveu 15 anos de guerra civil de 1810 a 1825, o mesmo resultado no Brasil foi obtido de forma muito menos traumática, em apenas um ano de luta. Foi uma transição relativamente pacífica e rápida que se deveu muito à influência das forças diplo- máticas e militares na Europa, começando com a inesperada vinda da família real portu- guesa para o Brasil. Napoleão Bonaparte, imperador francês, impôs o Bloqueio Continental que visava proibir todo o comércio entre a Europa continental e a Grã-Bretanha, sendo que Portugal também recebeu um ultimato para cumprir, mas postergou sua execução. A resposta caracteristicamente indecisa de Dom João refletia um medo da França misturado com relutância em prejudicar a estreita relação comercial que tinha com a Grã-Bretanha. Em retaliação, as forças francesas sob o comando do general Andoche Junot, invadiram Portugal em novembro de 1807. Diante da perspectiva iminente de captura pelo exército invasor francês, Dom João optou por deixar Lisboa e buscar exílio temporário no Brasil. A ideia da família real residente nos trópicos parecia radical, mas não era inteiramente nova. No século XVIII, o diplomata veterano Luís da Cunha, havia previsto que a importância econômica e política do Brasil 45UNIDADE II Expansão da Colonização acabaria resultando na realocação da sede do governo real para o Novo Mundo. De re- pente, a ideia tornou-se realidade em 1807, por uma questão de conveniência, ao invés de um cuidadoso planejamento. A evacuação também foi fortemente apoiada pelos ingleses, tradicionais, parceiros comerciais de Portugal. O embarque foi marcado por grande confusão. Muitas dificuldades foram encon- tradas durante a viagem, como uma tempestade que dividiu a frota. Navios superlotados ficaram sem comida e água. Uma infestação de piolhos exigia que as mulheres raspassem suas cabeças. Em 22 de janeiro de 1808, parte da frota em que o príncipe regente viajou chegou à Bahia. Quando Dom João desembarcou em Salvador, ele foi o primeiro monar- ca europeu a colocar os pés no solo do Novo Mundo. Sua curta estadia em Salvador foi memorável devido à assinatura de um importante ato comercial para o Brasil. O príncipe regente emitiu um decreto em 28 de janeiro, abrindo os portos do Brasil para comercializar com nações amigas. A medida foi importante, pois significava o fim oficial do sistema mer- cantilista que havia impactado o Brasil por três séculos, indo em direção a uma economia mais liberal, sob influência dos ingleses. Apesar de Dom João ter ficado grato com a ajuda britânica, o decreto não foi so- mente um agradecimento aos comerciantes britânicos, pois a decisão de abrir os portos foi, em grande parte, uma resposta de emergência, influenciada pela necessidade eminente de aumentar receita proveniente de direitos aduaneiros e impedir comerciantes locais de pra- ticar contrabando em larga escala. Além disso, a medida foi agradável para os interesses brasileiros, especialmente aqueles que produziram açúcar e algodão para o comércio de exportação. Dom João finalmente chegou ao Rio de Janeiro, em 7 de março de 1808. Os mem- bros do tribunal e os funcionários do governo viajaram com o príncipe regente, para que ficasse evidente que o Rio de Janeiro se tornaria instantaneamente a capital e o centro do império português. Os ministérios do governo foram rapidamente estabelecidos juntamente com um exército, academia, faculdade de medicina, imprensa e instituições financeiras. O crescente prestígio e importância do Brasil ficou evidente em dezembro de 1815, quando Dom João criou o Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves que alterava o status do Brasil de colônia para reino. Isso colocava Brasil e Portugal em pé de igualdade. Apesar de seus privilégios políticos e econômicos, muitos portugueses cortesãos e especialmente Carlota Joaquina ansiavam por retornar a Portugal. Expressaram abertamen- te seu desprezo pelo Brasil e pelos brasileiros e provocaram o sentimento anti-português em todos os níveis da sociedade brasileira. Nenhum brasileiro nato foi nomeado ministro do 46UNIDADE II Expansão da Colonização governo ou membro do Conselho, o órgão de prestígio que assessorou o rei em questões de estado. Ressentimento contra a arrogância e a influência portuguesa foi uma característica da Revolução Pernambucana, a única revolta separatista que ocorreu durante o período de Dom João. A rebelião começou em Recife, em março de 1817, com a proclamação de uma república que exigia maior autonomia local, incluindo a expulsão de todos os portugueses da província. O movimento atraiu amplo apoio da elite, incluindo alguns oficiais do exército, proprietários de terras, comerciantes e muitos sacerdotes, razão pela qual ficou conhecida como a “revolução dos sacerdotes”. A repressão foi violenta com várias mortes e prisões, e o receio português era de que revoltas similares fossem incentivadas por Pernambuco. A vinda da família real para o Brasil sempre foi vista como uma medida temporária. A perspectiva de um retorno seguro a Portugal começou a se tornar possível a partir de 1811, quando as tropas francesas foram forçadas a recuar da região da Península Ibérica. Mesmo após a derrota final de Napoleão, em 1815, e apesar dos desejos de muitos dos seus cortesãos, Dom João relutava pessoalmente em empreender a longa viagem marítima do Rio de Janeiro a Lisboa.Dom João temia, no entanto, perder seu trono se ele não retornasse a Portugal, sobretudo após as revoltas do Porto em 1820, quando se estabeleceram as chamadas Cortes Constituintes. Em face disso, Dom João partiu do Brasil em 26 de abril de 1821, deixando seu filho Pedro, de 23 anos, como príncipe regente. Dom João acreditava que o Brasil logo buscaria a independência. O retorno do rei a Lisboa, em julho de 1821, não desviou a determinação das Cortes em restaurar a relação colonial entre Portugal e Brasil. As Cortes votaram para privar o Brasil de seu status de reino e exigir que o herdeiro do trono, o príncipe Pedro, re- tornasse a Portugal. Antecipando a resistência colonial, foram preparadas tropas para envio ao Rio de Janeiro e Pernambuco. A obediência às Cortes se asseguraria colocando todas as províncias sob o controle de um governador militar que seria diretamente responsável pelas instruções de Lisboa. 47UNIDADE II Expansão da Colonização REFLITA Qual a importância da vinda da família real para o Brasil, em seu processo de indepen- dência? Fonte: A autora, 2020. 3.2 A Independência do Brasil A atitude de confronto adotada pelas Cortes despertou o criticismo e oposição no Brasil. A elite brasileira, representada pelos grandes proprietários de terras, principais plantadores e comerciantes urbanos, teve posicionamento igual aos vizinhos da América espanhola ao se opor à tentativa de restabelecimento de áreas metropolitanas ao controle da Europa. Eles temiam a restauração de privilégios para os europeus e o restabelecimento de monopólios comerciais anteriores. A estadia da Corte no Rio de Janeiro não apenas elevou o prestígio e status do Brasil, mas também proporcionou benefícios econômicos que a elite brasileira relutava em perder. A recusa em submeter-se à autoridade das Cortes, no entanto, fez surgir a ideia de separação de Portugal e do estabelecimento de um Brasil independente. A resistência brasileira à legislação aprovada em Lisboa foi influenciada pela lenti- dão nas comunicações causadas pela distância geográfica e pela incapacidade de Portugal em ameaçar o Brasil com uma força militar forte o suficiente. Também pesou a presença real no Brasil do príncipe Pedro, membro da realeza e herdeiro do trono. A elite brasileira, que liderou o movimento pela independência, pediu que ele rejeitasse a exigência das Cortes de que ele deveria regressar a Portugal. Em famosa declaração, feita em 9 de janeiro de 1822, Pedro recebeu uma petição do Conselho Municipal do Rio de Janeiro, pedindo que ele ficasse no Brasil, o que resultou no conhecido “Dia do Fico”. Embora nascido em Portugal e preferindo a companhia dos portugueses a brasileiros para cargos do governo, Dom Pedro agradou aos brasileiros ao indicar José Bonifácio de Andrada e Silva, nascido no Brasil, para atuar como seu principal consultor político, com o título de Ministro do Reino. Educado na Universidade Coimbra 48UNIDADE II Expansão da Colonização e um estadista de considerável intelecto e discernimento político, José Bonifácio ficaria conhecido como o “Patriarca da Independência”. Guiado por José Bonifácio, o príncipe decretou, em maio, que nenhum ato das Cortes teria força legal no Brasil sem a sua aprovação. Dom Pedro também assumiu o título de Defensor Perpétuo do Brasil. O título foi significativo e teve importância o uso do termo “perpétuo”, pois implicava que o príncipe pretendia permanecer no Brasil. No dia 7 de setembro, a caminho de Santos para São Paulo, ele recebeu notícias que as Cortes o con- sideravam um traidor e insistiam em seu imediato regresso a Portugal. Uma carta de José Bonifácio explicou ao príncipe que o compromisso era impossível e disse ele: “de Portugal só podemos esperar escravidão e horror, volte e tome uma decisão” (SMITH, 2002). Nesse cenário foi que Dom Pedro sacou sua espada e, desafiadoramente, deu sua resposta às Cortes com o grito de “independência ou morte”. O “Grito do Ipiranga” proclamou a inde- pendência do Brasil depois de mais de três séculos como colônia de Portugal. A data de 7 de setembro seria comemorada a partir daí, anualmente, como o Dia da Independência do Brasil. 49UNIDADE II Expansão da Colonização CONSIDERAÇÕES FINAIS A economia colonial brasileira começou, como discutido no início da unidade, como uma série de postos comerciais, conhecidos como feitorias, espalhados pelo litoral brasileiro. Quando o aumento do compromisso português na década de 1530 deu origem às capitanias, vimos que a principal cultura foi o açúcar, cultivado em enormes plantações, com economias de escala. Com o fracasso das capitanias hereditárias, vimos que Portugal implantou o chamado Governo-Geral, que marcou a afirmação direta e visível da autoridade real pela primeira vez no Brasil, significando, então, o abandono do sistema de capitania como modelo preferido da Coroa Portuguesa. Em seguida, vimos como o Nordeste chegou a ser o centro econômico da colônia, com a atividade açucareira sendo foco para exportação e a pecuária se desenvolvendo como atividade secundária e de subsistência. Posterior a isso, abordamos a chamada era do ouro e vimos como a fase da mineração alterou o centro dinâmico da economia para a região centro-sul do Brasil. Foi destacado também que, assim como os produtos agrícolas tropicais (como açúcar, algodão e tabaco), a mineração de ouro e diamante não estimulou o crescimento econômico suficientemente necessário para a industrialização. Nesse contex- to, abordamos como ocorreu o ressurgimento da agricultura, após o declínio da atividade mineradora. Por fim, vimos nesta unidade que a vinda da família real alterou a vida no Brasil colônia e também o status do Brasil, que passou a ser reconhecido como reino. Vimos em seguida que, em face das pressões vindas de Portugal, Dom João decide retornar a Lisboa, deixando seu filho Dom Pedro como príncipe regente. Após a partida da família real, as exigências vindas de Portugal desagradavam os brasileiros e geravam medo de que antigas práticas, como o monopólio e cobranças de impostos, retornassem. Tudo isso fez nascer rapidamente o desejo de se separar de Portugal. Pesava ainda o fato de Dom Pedro ter tomado partido na causa brasileira e se rebelado contra Portugal. Com o apoio de José de Bonifácio, o Patriarca da Independência, homem de grande intelecto e brasileiro nato, declarou a Independência do Brasil 1822. 50UNIDADE II Expansão da Colonização LEITURA COMPLEMENTAR Brasil 500 anos Para complementar seus estudos, acesse o canal “Brasil 500 anos” do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística que apresenta um breve panorama sobre o processo de ocupação do território brasileiro, com ênfase nas contribuições prestadas por distintos grupos étnicos. Acesse: https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv6687.pdf A FORMAÇÃO TERRITORIAL BRASILEIRA NOS DOIS PRIMEIROS SÉCULOS DE COLONIZAÇÃO Resumo A leitura da formação territorial brasileira nos dois primeiros séculos de colonização sempre esteve pautada nos tratados de fronteira e/ou nos ciclos econômicos, produzindo a compreensão de que a sua principal característica foi uma ocupação filiforme e em ar- quipélago. Torna-se necessário superar essa compreensão, uma vez que novos estudos têm evidenciado intensa articulação política, econômica e social entre os primeiros núcleos coloniais, entre esses com a metrópole, com a bacia do Rio da Prata e com África, num processo de solidariedade espacial (territorial). Palavras-chave: Formação territorial, Brasil Colônia, ocupação em arquipélago Leia o artigo completo em: https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/geouerj/article/view/1379/1169 51UNIDADE II Expansão da Colonização MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO • Título: Boa Ventura! A corrida do ouro no Brasil (1697-1810)• Autor: Lucas Figueiredo • Editora: Amazon • Sinopse: Lucas Figueiredo traz à vida, pela primeira vez, a trajetória dura e demorada em direção à descoberta de nossas riquezas minerais — e suas consequências. A América Portuguesa estava entre as nove províncias gemológicas do mundo. Com um solo impregnado de pedras preciosas, sobretudo, diamantes. Mas foram mais de dois séculos até a Coroa ver algum sinal de riqueza. E apenas a metade do tempo para dilapidar esses recursos. Em cem anos, Portugal torrava mais de metade do metal precioso pro- duzido no mundo naquele período. Uma sucessão de monarcas perdulários, administradores corruptos e sonegadores de impostos desfilam nas páginas de Boa Ventura com a familiaridade nascida da boa pesquisa. Lucas, com vários Prêmios Esso na bagagem, segue as pegadas fincadas nas picadas da mata por gerações de aventureiros. E traça um painel da grande transformação brasileira: estimulada pela corrida do ouro, a imigração contribuiu para transformar uma colônia esquálida de 300 mil habitantes em robusta colônia de 3,6 milhões. A busca pelo metal ajudou a ocu- par e proteger as fronteiras do Brasil, a desenvolver a agricultura e até mesmo as artes. Só uma coisa não restou desse período... Seu principal protagonista: o ouro brasileiro. Pulverizado por toda Europa. FILME/VÍDEO • Título: República Guarani • Ano: 1982 • Sinopse: Através de imagens de arquivos e depoimentos de cé- lebres historiadores das mais diversas nacionalidades e linhas de pesquisa, Sylvio Back remonta os passos das missões jesuíticas que aportaram no Brasil e na América do Sul no século dezessete para compreender as formações e os costumes das antigas co- munidades indígenas nativas que foram dizimadas pelo homem branco. • Link do vídeo: https://www.youtube.com/watch?v=2lW528AXLKI 52 Plano de Estudo: ● Passivo Colonial - Crise financeira e instabilidade política; ● Declínio a longo prazo do nível de renda na primeira metade do século XIX; ● Economia cafeeira; ● Problemas de mão de obra; ● Nível de renda e ritmo de crescimento na segunda metade do século XIX; ● Fluxo de renda na economia de trabalho assalariado. Objetivos de Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o passivo colonial e o período de crise financeira; ● Abordar o surgimento da economia cafeeira e os problemas ocasionados pela falta de mão-de-obra; ● Estabelecer a importância do rompimento do trabalho escravo e os incrementos de renda do trabalho assalariado. UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira 53UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado INTRODUÇÃO Nesta unidade poderemos analisar o chamado passivo colonial que nada mais é do que uma dívida externa portuguesa que foi transferida para o Brasil. Junto a isso, co- nheceremos um pouco mais sobre a crise financeira enfrentada pelo Brasil e a instabilidade política do início do Século XIX. A estagnação nas exportações e os gargalos internos que impediam o Brasil de alcançar progresso técnico e econômico serão analisados ao longo da unidade. O surgi- mento da indústria cafeeira também será abordado, levantando aspectos importantes deste ciclo econômico de destaque. Outro ponto importante que será visto ao longo da unidade está relacionado ao processo de transição da economia escravista para assalariada, o que veio a gerar maior dinamismo para a economia, aumentando seu fluxo de renda. Veremos porque esse siste- ma econômico voltado ao mercado externo, possibilitado pela geração de renda do trabalho assalariado no mercado interno, acabou levando a um desequilíbrio externo. Na próxima unidade veremos as causas dessa tendência ao desequilíbrio externo, bem como a concentração de renda gerada. Em seguida estudaremos a crise cafeeira e seus mecanismos de defesa, até a chegada da Grande Depressão e o início do processo de industrialização brasileiro. 54UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado 1 ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA O TRABALHO ASSALARIADO 1.1 Passivo Colonial - Crise Financeira e Instabilidade Política No fim do século XVIII e começo do século XIX, a Europa passava por uma grande efervescência política e econômica, isso fortaleceu, de certa forma, os movimentos políticos no Brasil, enquanto europeus resolviam seus problemas internos. De toda forma, tudo isso também prolongou a instabilidade financeira que havia se iniciado com o começo da crise do ouro. Essa crise iniciou-se por volta de 1785, quando as minas de ouro, após anos de intensa mineração, começaram a se esgotar. Outro ponto para o Brasil eram os acordos assinados em 1808 e 1810. A Abertura dos Portos em 1808, assinado por D. João VI, em Salvador, depois de fugir de Portugal, permitiu que outras nações pudessem fazer negócios diretamente com produtores bra- sileiros e, assim, quebrava o monopólio português. Em 1810, o Tratado de Cooperação e Amizade fortaleceu essa posição e ampliou benefícios dos ingleses, também mostrou uma mudança de rumo em direção a uma política econômica mais liberal substituindo o mercantilismo. Esses tratados retiraram poder de influência de Portugal sobre a colônia e iniciaram o processo que culminou com a Independência. Segundo Furtado (2007), esses acontecimentos, em uma perspectiva ampla, dei- xam mais ou menos evidente que os privilégios concedidos à Inglaterra constituíram uma consequência natural da forma como se processou a independência. Não houve pagamen- 55UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado tos para Portugal, mas devia o Brasil assumir a responsabilidade de parte do passivo que portugueses contraíram para sobreviver como potência colonial, isso é o que chamamos de Passivo Colonial. Apesar do rumo supostamente liberal que portugueses sob influência dos ingleses tentaram estabelecer na economia do Brasil, ficava claro que esse não foi o caso, pois, mesmo com os privilégios que ingleses detinham para os seus produtos, eles não se preo- cuparam em abrir mercado para os produtos brasileiros, como o açúcar, que concorria com o açúcar inglês produzido nas Antilhas. Tal fato trouxe problemas para a economia brasileira, pois os ingleses tentavam, de todas as formas, proibir a importação de escravos africanos que barateavam a produção dos produtos brasileiros. Além disso, os ingleses ansiavam por mercados consumidores para seus produtos oriundos da Revolução Industrial. Isso colocou em confronto a classe dominante brasileira que eram os grandes produtores agrícolas e os ingleses. Segundo Fausto (1996), é comum associar essa tendência antiescravista ao interesse britânico em ampliar mercados, que conseguiram vantagens sobre os concorrentes com a Revolução Industrial. Entretanto essa associação contém apenas parte da verdade. O movimento abolicionista tem influência também dos novos movimentos surgidos nos países mais avan- çados da Europa, influenciados pelo pensamento ilustrado e até religioso, como é o caso da Inglaterra. A isso se soma, no caso francês, a revolta de negros libertos e escravos nas Antilhas. Em fevereiro de 1794, a França, durante a Revolução Francesa, decretou o fim da escravidão em suas colônias; a Inglaterra fez o mesmo em 1807. Segundo Furtado (2007), é impossível afirmar se o Brasil teria tido melhores resul- tados se tivesse mais liberdade, de qualquer forma os benefícios oferecidos aos ingleses atrapalharam em muito a economia brasileira. A estagnação do mercado interno gerou uma redução no volume de importações e era taxando essas importações que o estado arre- cadava boa parte dos seus recursos. Desta forma surgiu o dilema de taxar as exportações e atingir os senhores da grande agricultura. Diante disso debateram sobre aumentar os impostos sobre as importações ou ver seus lucros reduzidos, taxandoas exportações. Com toda essa dificuldade financeira o recém-criado governo brasileiro vê seu po- der diminuir em uma época em que as insatisfações surgiam de todas as partes do país, no Norte e Nordeste havia crise com a queda do preço do açúcar e do algodão que caiu ainda mais. A região Sul passava também por dificuldades com o declínio do ouro, tendo em vista que era o ouro que criava mercado para a produção de bovinos do Sul. Isso despertou várias revoltas armadas no Norte e uma longa guerra civil no Sul. 56UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado Nesse contexto conturbado surge um novo produto agrícola com potencial para es- timular a enfraquecida economia brasileira, o café, que será visto mais a fundo nas próximas seções. A partir de 1820 a produção de café se concentrou no entorno da capital e sede do Império e isso fortaleceu o governo contra as revoltas políticas que vinham acontecendo no Norte e no Sul. Apesar disso, o governo não conseguia equacionar as suas contas. Apesar de após a independência o novo governo ter conseguido aumentar a arreca- dação sem ter que destinar parte destes recursos a Portugal, ainda assim havia um enorme déficit entre o que o governo arrecadava e o que necessitava para manter o recém-criado aparato de estado. Havia pouco espaço para aumento de arrecadação de tributos antes que todos os acordos com a Inglaterra deixassem de estar em vigor, todavia isso só aconteceria em 1844. A alternativa encontrada foi imprimir mais dinheiro para financiar o Império. Isso teve efeito na moeda brasileira, que viu o seu câmbio se desvalorizar em relação às moedas estrangeiras, o que causou o encarecimento de importações e impactou diretamente uma economia que ainda dependia da importação para fornecimento de muitos produtos. Essa consequência foi mais sentida pelas populações urbanas, os grandes produtores rurais conseguiam ser quase que autossuficientes e não eram tão atingidos pelo aumento de preços nas importações. Segundo Furtado (2007), os efeitos se concentravam sobre as populações das ci- dades compostas de pequenos comerciantes, servidores públicos e do comércio, militares etc. Como consequência, a inflação causou um empobrecimento dessas classes, o que ajuda a entender a origem urbana das revoltas da época e o aumento da animosidade con- tra os portugueses, os quais, sendo boa parte dos comerciantes, eram responsabilizados pelos males que o aumento dos preços causava para o povo. 57UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado 1.2 Declínio a Longo Prazo do Nível de Renda na Primeira Metade do Século XIX Um aumento das exportações era a condição básica para o desenvolvimento da economia brasileira na primeira metade do século XIX, segundo Furtado (2007). Sem apoio para ampliar sua capacidade de importação, seria impossível o Brasil fomentar sua industrialização, devido a total carência de base técnica. Ou seja, para que o Brasil tivesse se desenvolvido no mesmo ritmo que os EUA, precisaria de uma demanda intensa de exportações, mas, no entanto, o Brasil não possuía uma indústria desenvolvida para tal. Nesse processo de busca pelo desenvolvimento e pela industrialização brasileira, Dom João VI tentou estabelecer uma indústria siderúrgica, que, não por falta de protecio- nismo, fracassou, pois o mercado para tais produtos era praticamente nulo e nenhuma indústria criaria mercado para si mesma, nas palavras de Furtado (2007). Simonsen (2005) destaca que o declínio da mineração levou o Centro-Sul à sua primeira grande crise por falta de uma produção rica e exportável, em uma sociedade atra- sada, com baixa capacidade técnica, em que a alta proporção da população escrava não permitia um comércio interno suficientemente rico para o seu progresso. Para que houvesse o processo de industrialização, este deveria ter início na pro- dução de produtos que já tinham um considerável mercado, como os tecidos, por exemplo, que eram a única manufatura que até mesmo a população escrava tinha acesso. Porém a queda nos preços dos tecidos ingleses tornou praticamente impossível a defesa da indús- tria local, não fosse pelo estabelecimento de cotas de importação, o que não seria viável, 58UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado pois reduziria substancialmente a renda real da população, que já passava por grandes dificuldades. O Brasil estava sobrevivendo essencialmente da produção e do consumo interno, pois os ciclos econômicos estavam em decadência. Nesse sentido, Furtado (2007) destaca que o principal motivo do declínio da economia foi a queda no volume de exportações. Du- rante esse período, a taxa de crescimento médio anual do valor em libras das exportações brasileiras não excedeu 0,8%, enquanto a população crescia a uma taxa anual de cerca de 1,3%. Levando em consideração qualquer margem de erro, o autor considera que este foi o período em que a renda per capta foi a mais baixa em todo o período da colônia. O mesmo autor considera ainda que a principal causa do grande atraso relativo da economia brasileira na primeira metade do século XIX pode ser considerado o estancamento das exportações. 59UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado 2 A ECONOMIA CAFEEIRA A exaustão das minas de ouro e diamante na segunda metade de século XVIII tor- nou a economia brasileira novamente dependente de exportações agrícolas, com algodão e agora complementando com tabaco e açúcar. Em 1830, um novo produto havia surgido: o café, uma exportação que abasteceria a economia exportadora do Brasil pelos próximos 140 anos. O café foi comercializado pela primeira vez com sucesso no final do século XVIII, no Brasil, na província do Rio de Janeiro, onde o solo era altamente adaptável ao mato de café. Nas décadas de 1830 e 1840, essa província se tornou o centro do cultivo de café, com a cidade do Rio como centro de exportação. O Rio de Janeiro abrigava bancos, corre- toras e docas que ligavam o Brasil ao mercado mundial de café na Europa Ocidental e na América do Norte. Os escravos eram a principal fonte do trabalho necessário para plantar os pés de café, cultivá-los e colher o que se tornariam os grãos de café. Alguns escravos foram adquiridos do tráfico de escravos, que, embora tecnicamente ilegal desde 1826, continuou até 1850. Outros foram comprados nas plantações de açúcar menos rentáveis, especialmente no Nordeste. Os solos da província do Rio de Janeiro foram progressivamente esgotados com o cultivo intensivo de café, pois a topografia montanhosa ajudou a acelerar a erosão do solo. Mas o Brasil não tinha escassez de terras não utilizadas (ou subutilizadas). Embora a produção no Rio tenha permanecido alta, em meados do século XIX, o centro de cultivo de café estava se movendo para o sul e oeste do Rio, espalhando-se por São Paulo e Minas Gerais, onde o solo mostrou-se tão produtivo ou melhor que o solo do Rio. A marcha do café para o sul e o rápido aumento da produção brasileira geraram uma demanda crescente por mão-de-obra. Com o fim do comércio de escravos em 1850, os produtores de café foram forçados a comprar de escravos dentro do Brasil. Isso criou uma mudança demográfica para o Sudeste, semelhante (embora em menor escala) à mudança do século XVIII em direção a Minas Gerais durante o boom da mineração. Os fazendeiros nordestinos que venderam seus escravos receberam pagamento. Fato que não impediu os políticos nordestinos de denunciarem a “perda” de sua força de trabalho que migrou para o sul mais próspero. 60UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado 2.1 Os Problemas da Mão-de-Obra Em 1830, o Brasil era a maior economia escravista do mundo, com mais escravos do que pessoas livres. Mas a população escrava do Brasil não se sustentava, exigindo que o Brasil dependesse fortementedas importações de escravos. Segundo Furtado (2007), pela metade do século XIX, a força de trabalho da economia brasileira estava basicamente constituída por uma massa de escravos que talvez não alcançasse 2 milhões de indivíduos. O primeiro censo demográfico realizado em 1872 indicava que existiam, no Brasil, aproxi- madamente 1,5 milhão de escravos. Considerando que no começo do século havia pouco mais de 1 milhão de escravos no Brasil, e que nos primeiros 50 anos do século XIX se importou muito provavelmente mais de meio milhão, conclui-se que a taxa de mortalidade era superior à de natalidade. Skidmore (1999) cita que havia basicamente três razões principais para essa dependência brasileira da importação de mão-de-obra. Primeiro era que devido à sua dependência histórica do tráfico de escravos, havia muito mais homens do que mulheres escravas no Brasil. Segundo, os escravos brasileiros eram mantidos em condições de vida tão sombrias que sua saúde era comprometida, reduzindo ainda mais a taxa de natalidade dos escravos. E, por fim, a expectativa de vida de um brasileiro escravo era de apenas dois terços da expectativa de um homem branco brasileiro, em contraste com os Estados Unidos, no período escravista, em que um escravo chegava a alcançar 90% da expectativa de vida de seus senhores. Cabe destacar que qualquer empreendimento que se pretendesse realizar no Bra- sil teria de enfrentar a inelasticidade da oferta de trabalho, sendo que a necessidade de importações brasileiras de mão-de-obra no decorrer do século chegaram a ser três vezes maiores do que as norte-americanas. 61UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado SAIBA MAIS As pressões abolicionistas europeias Os britânicos, como os outros colonos europeus do Novo Mundo, tinham, é claro, lu- crado com a escravidão africana por séculos através de suas colônias de escravos na América do Norte e no Caribe. Eles também lucraram com investimentos no comércio de escravos em si. E foi um distinto político ou clérigo britânico que encontrou qualquer lógica moral convincente contra a escravização antes do século XVIII. No final do século XVIII, no entanto, a opinião pública britânica em geral havia se tornado abolicionista. As ideias iluministas levaram a novas atitudes sobre às relações humanas, onde a redução dos seres humanos ao status subumano para ganho econômico começou a despertar oposição apaixonada na Grã-Bretanha como princípio imoral e anticristão. Essa mudança moral tornou-se tão poderosa que em 1833 o Parlamento britânico proi- biu a escravidão nas colônias atlânticas britânicas. A opinião pública também pressiona- va o governo britânico a suprimir o florescente comércio de escravos da África Ocidental para o resto do Novo Mundo. A principal motivação para a ação britânica era de fato moral e ideológica, mas uma dimensão econômica também entrou no cálculo político. Os Estados Unidos já haviam proibido o comércio em 1807. Isso deixou as Colônias do Caribe sem comércio de escravos, colocando-as em um ambiente de desvantagem competitiva devido aos custos de mão-de-obra, em relação às economias escravistas, como Cuba e Brasil. Acabar com o comércio de escravos em todo o mundo teria a van- tagem coincidente de corrigir esse desequilíbrio competitivo. Então, os britânicos pressionaram cada vez mais o Brasil, o que foi sentido de várias maneiras. Primeiro, em 1826, a Grã-Bretanha pressionou o Brasil a assinar um tratado concordando em acabar com o comércio de escravos dentro de três anos. Embora não houvesse apoio a essa medida entre a elite brasileira, eles dificilmente poderiam resistir explicitamente aos britânicos, a quem eles estavam fortemente endividados, politica- mente e financeiramente. Os sucessivos governos brasileiros lidaram com o problema simplesmente negligenciando a aplicação do tratado de 1826. Negligenciaram também uma lei de 1831 que declarou que todos os escravos entrando no Brasil estariam auto- maticamente livres. Navios escravos continuaram descarregando suas cargas humanas na costa brasileira, desafiando abertamente a proibição legal. A Marinha Real britânica, a principal força naval do mundo, partiu interceptar os navios negreiros e libertar as cargas negras. Embora eles tenham tido algum sucesso, um fluxo maciço continuou a chegar entre os anos de 1830 e 1840. Apesar da indignação expres- sa na imprensa e no parlamento ingleses, cerca de 712.000 novos escravos invadiram o Brasil durante esses dois décadas, com média de 35.000 por ano. (Como o comércio era tecnicamente ilegal após 1831, esses números são apenas estimativas). Fonte: Skidmore (1999, p. 67-72). 62UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado A pressão britânica para acabar com o comércio de escravos acabou agravando uma situação já precária, e com a impossibilidade de imigração africana, o déficit de mão- -de-obra precisava ser sanado o mais rápido e possível. A mão-de-obra disponível além da escrava era advinda de uma complexa relação entre proprietário de terras, trabalhadores livres e economia de subsistência. Para sanar os problemas enfrentados pelos produtores de café, quanto à escassez de mão-de-obra, a alternativa que parecia mais possível seria a imigração europeia. Sabendo-se que a ausência de mão-de-obra seria um grande empecilho para o desenvolvimento da economia cafeeira e o governo sozinho não daria conta de sanar esse problema, a classe dirigente desta economia resolveu buscar soluções, sendo assim, em 1842 o senador Vergueiro decidiu ir diretamente à Europa contratar imigrantes para tra- balharem em suas terras (SITIMA, 2014). Com o sucesso das primeiras iniciativas, outros fazendeiros resolveram seguir seu exemplo. Portanto, fica visível que essa nova estrutura que atraía europeus, logo se transformaria em um regime de semiescravidão. Com efeito, o custo real da imigração corria totalmente por conta do imigrante, que era a parte financeiramente mais fraca. O Estado financiava a operação, o colono hipotecava o seu futuro e o de sua família, e o fazendeiro ficava com todas as vantagens. O colono devia firmar um contrato pelo qual se obrigava a não abandonar a fazenda antes de pagar a dívida em sua totalidade. É fácil perceber até onde poderiam chegar os abusos de um sistema desse tipo nas condições de isolamento em que viviam os colonos, sendo o fazendeiro praticamente a única fonte do poder político (FURTADO, 2007, p. 185). REFLITA A forma como os imigrantes europeus vieram ao Brasil para trabalhar nas plantações de café pode ser considerado um regime de semiescravidão devido a suas características? Fonte: a autora. 63UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado SAIBA MAIS Leia a dissertação de mestrado intitulada: A substituição da mão-de-obra escrava e a opção pela grande imigração no estado de São Paulo. Esta dissertação constitui um estudo sobre o processo de substituição da mão-de-obra escrava pela mão-de-obra livre no Estado de São Paulo. Para tanto se propõe a discutir o problema enfrentado pelos fazendeiros de café, a quem, a iminente perda da mão-de- -obra escrava constituía-se num verdadeiro desastre do ponto de vista operacional das fazendas, na medida em que estes empresários dependiam inteiramente deste modo de produção não-remunerado para auferir o lucro previsto nas suas fazendas. Pare- ceu-nos muito intrigante a opção feita pelos fazendeiros e pelo governo do Estado de São Paulo em buscar uma alternativa aparentemente mais cara e logisticamente mais difícil, qual seja, de financiar e trazer trabalhadores europeus, lançando mão da valo- rização da mão-de-obra livre nacional. Os motivos que levaram a esta opção serão o alvo desta dissertação. Para efeito didático dividimos este trabalho em quatro capítulos. No primeiro capítulo faremos um breve estudo sobre as origens do Estado de São Pau- lo, mostrando sua conjunturade poucas oportunidades na segunda metade do século XVIII e início do século XIX. No segundo capítulo estudaremos os trabalhadores livres nacionais, veremos como encontravam saída para sobrevivência no sistema binomial da colônia, bem como, entraremos um pouco no seu convívio social, muitas vezes vio- lento e de constante desejo de afirmação por meio da força. No terceiro capítulo entra- remos no estudo da legislação trabalhista, estudaremos as leis trabalhistas do período imperial de 1830, 1837 e 1879, com isso, mostraremos que a questão legal foi mais um subterfúgio para elites paulistas imporem seu desejo pela vinda do europeu. No quarto capítulo capítulo abordaremos a questão do imigrante nas fazendas de café do Estado de São Paulo; os sistemas de trabalho empregados, os problemas enfrentados pelos constantes endividamentos dos imigrantes, os conflitos gerados pelos maus-tratos dos fazendeiros, o aumento das populações e a ocupação do interior do Estado, e por fim, o impacto financeiro trazido para o caixa de São Paulo com a imigração subsidiada. Nas considerações finais apresentaremos uma síntese das conseqüências geradas com a opção pelo imigrante, enfatizando que esta opção teria um impacto econômico funda- mental nos anos que se seguiram, não apenas no Estado de São Paulo, mas no país inteiro. Leia na íntegra em: https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/9346/1/Thiago%20de%20Novaes%20Franca.pdf https://tede2.pucsp.br/bitstream/handle/9346/1/Thiago%20de%20Novaes%20Franca.pdf 64UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado 3 NÍVEL DE RENDA E O RITMO DE CRESCIMENTO NA SEGUNDA METADE DO SÉCULO XIX O principal motor da economia brasileira na segunda metade do século XIX eram as exportações. Nesse período, segundo Furtado (2007), a economia brasileira estava dividida em três setores principais. O primeiro era formado pelo açúcar e algodão e pela vasta zona de economia de subsistência a eles ligado no Norte. O segundo, formado pela economia principalmente de subsistência do sul do país. O terceiro, tendo como centro a economia cafeeira na região Sudeste. O primeiro setor era formado pelo Nordeste e ia do Maranhão a Sergipe, sendo que na área litorânea estavam localizadas as grandes propriedades produtoras de açúcar para exportação e no entorno as áreas de subsistência (a Bahia não está incluída, pois estava vivendo uma situação particular com o aparecimento do cacau e do fumo). Na região Nor- deste, Furtado (2007) descreve um aumento populacional de 80% ante a um incremento de 54% no faturamento com as exportações. Tendo em vista esse crescimento despropor- cional entre população e renda, fica claro que para se manter a renda per capita na região na segunda metade do século XIX, em relação à primeira metade, era necessário haver um aumento significativo da produção de subsistência, o que é sabido que não ocorreu. De tal forma que fica claro que houve, apesar do aumento em volume das exportações, uma redução na renda per capita dessa região. 65UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado No segundo setor, o de subsistência no Sul do país, houve um aumento considerá- vel de população. O aumento das exportações em outras regiões do Brasil criava mercado interno para os produtos produzidos nessa região e atraía população. No Paraná, o sur- gimento da cultura da erva-mate e a sua exportação contribuíram para um incremento de renda, mais ao Sul a dinâmica atividade pecuária tinha grande mercado interno e externo para a carne em forma de charque. De tal forma que houve um considerável aumento na renda per capita dessa região. O terceiro setor no Sudeste era o cafeeiro que passou por um aumento substancial das exportações durante esse período e viu o preço do café subir no mercado internacional, o que gerou diversas transformações e fez a cafeicultura ser uma atividade determinante economicamente para o Brasil a partir desse ponto. Tudo isso causou um aumento na renda per capita dessa região. Havia também duas regiões que devemos mencionar. A primeira é a Bahia, que encontrou no cacau um novo produto para exportação, todavia o mercado para tal produto ainda era pequeno. Outro produto que produziu resultados melhores para os baianos na segunda metade século XIX foi o fumo. De qualquer forma, o sucesso de algumas áreas se contrastava com o empobrecimento de outras, o que faz com que, de forma geral, não houvesse um aumento de renda per capita. A última região e que ganhou extrema im- portância, sobretudo, no fim do século foi a Amazônia, onde a produção de látex a partir das seringueiras passou a representar, segundo Furtado (2007), em 1890, cerca de 15% do volume em dinheiro gerado pelas exportações brasileiras. Boa parte desse dinheiro era gasto em importações, pois a produção de borracha causava o abandono de certas produções locais, o que levava a importar um grande número de artigos que antes eram feitos ali, mesmo assim a renda per capita na Amazônia aumentou substancialmente. Com exceção do Nordeste, a maioria das regiões do Brasil experienciou um au- mento na renda per capita, se analisarmos os números totais para o país, veremos que também foram positivos. Tivesse o Brasil mantido o mesmo ritmo de crescimento no século XX, teríamos nível de desenvolvimento comparável às nações europeias. 3.1 Fluxo de Renda na Economia de Trabalho Assalariado A partir do fim do sistema escravocrata, nos últimos 20 anos do século XIX, cresce relativamente o setor assalariado, que pode ser considerado o principal acontecimento na economia da segunda metade do século XIX. Para que possamos compreender as trans- 66UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado formações estruturais que levariam o Brasil a se tornar uma economia de mercado interno na primeira metade do século XX, é preciso analisar o mecanismo de geração de renda promovido pelo novo sistema de trabalho assalariado. Sistema esse que apresenta muitas diferenças da anterior economia de subsistência, que era estável e sem dinamismo. A nova economia cafeeira baseada no trabalho remunerado também era constituída por diversas unidades produtoras ligadas ao mercado externo. Segundo Furtado (2007), o processo de fluxo de renda começava a partir do momento em que a produção é vendida ao exportador. Essa renda cobriria a depreciação do capital e a remuneração dos demais fatores de produção (terra e trabalho, essencialmente). O autor divide, então, a análise em dois tipos de renda: a do assalariado e a do proprietário. Tal fluxo de renda acontecia da seguinte maneira: a renda dos assalariados era revertida praticamente apenas para seu autossustento e a renda dos proprietários, cujo excedente era destinado ao acúmulo de capital. Desta forma, o fluxo de renda gerado pelo setor exportador impulsiona de forma ampla a economia interna. Furtado (2005, p. 153) explica que os gastos de consumo [...] vê constituir a renda dos pequenos produtores, comerciantes e etc. [...] a soma de todos esses fatos terá necessariamente de exceder de muito a renda monetária criada pela atividade exportadora. [...] Crescendo a massa de salários pagos, aumentaria automaticamente a procura de artigos de consumo . Sendo assim, um aumento no impulso externo levava a um aumento de ganhos salariais e, consequentemente, no aumento de itens de consumo movimentando ainda mais a economia. Ou seja, os salários seriam o núcleo da economia de mercado interno. Na próxima unidade entenderemos o porquê desse sistema baseado em exportações ter provocado uma tendência ao desequilíbrio externo. 67UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado CONSIDERAÇÕES FINAIS Nesta unidade pudemos ver como a economia brasileira se desenvolveu desde a independência; como os acordos com os ingleses que ficaram como passivode Portugal dificultaram a economia brasileira; as quedas de exportações na primeira metade do sé- culo e o agravamento da crise que havia se iniciado com o declínio do ciclo do ouro; os movimentos abolicionistas que europeus abraçaram, baseados em um pensamento mais esclarecido e motivos religiosos tentaram interromper a escravidão no Brasil. Após anos conseguiram interromper a importação de escravos e forçar o Brasil a buscar mão-de-obra assalariada. Vimos como o nível de renda aumentou em quase todo país, com exceção do Nordeste, com o fortalecimento do café, ciclo do látex na Amazônia e fortalecimento da Região Sul. Abordamos também como a renda do trabalho assalariado era destinada a des- pesas de sustento, enquanto proprietários de terra destinavam recursos para acumulação de capital. Na próxima unidade abordaremos como essas características levaram a um dese- quilíbrio externo e a concentração de renda. Estudaremos a crise da economia cafeeira e seus mecanismos de defesa e, por fim, abordaremos a crise de 1929 e a sua consequência na formação econômica do Brasil. 68UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado LEITURA COMPLEMENTAR Capitalismo, escravidão e a economia cafeeira no Brasil no longo século XIX Autor: Rafael de Bivar Marquese Resumo: O artigo examina as descontinuidades das relações entre a economia- -mundo capitalista e a escravidão negra nas Américas a partir do exame da economia do café no longo século XIX. No período de 1790 a 1888, é possível identificar três momentos distintos nessas relações, nos quais as interações entre forças globais e forças locais pas- saram por transformações substantivas. O primeiro momento (décadas de 1790 a 1820) foi marcado pela crise da economia cafeeira construída na base caribenha durante o século XVIII; o segundo momento (décadas de 1820 a 1860) testemunhou o arranque do comple- xo cafeeiro no Brasil, diretamente conectado à consolidação da nova ordem industrial no Atlântico Norte; o terceiro momento foi travejado pela crise da economia escravista cafeeira brasileira, resultante da Guerra Civil norte-americana (1861-1865) e da reorganização da economia-mundo capitalista durante a chamada Grande Depressão (1873-1896) Leia na íntegra acessando: http://periodicos.ufpb.br/ojs/index.php/srh/article/view/19825 69UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO • Título: 1822 • Autor: Laurentino Gomes • Editora: Globo Livros • Ano: 2015 • Sinopse: Em 1822 o escritor compara diferentes relatos sobre o dia 7 de setembro, que redefiniu os rumos do nosso país. Mais do que desmistificar o grito da independência às margens do Ipiranga, o escritor analisa como D. Pedro conseguiu, apesar de todas as dificuldades, fazer do Brasil uma nação de proporções monumen- tais. Laurentino observa como as mudanças provocadas pela fuga da família real portuguesa, em 1808, deram início a um processo de maior autonomia, que pressionou o príncipe regente a declarar a independência do Brasil. O autor mostra como as Guerras Na- poleônicas, a Revolução Francesa e a independência dos Estados Unidos influenciaram as ideias de brasileiros que defendiam o fim da submissão à metrópole, formando um ambiente favorável à criação de um novo país. No entanto declarar a independência foi apenas o começo. Com os cofres brasileiros esvaziados por D. João VI em seu retorno a Portugal, D. Pedro se viu diante do desafio de reduzir os gastos do governo, construir a ideia do que é “ser brasileiro” e reprimir as revoltas internas. Para alguns bra- sileiros, era necessário romper radicalmente com os portugueses e proclamar a república, enquanto outros não viam motivo para ser parte do país que estava surgindo. Além das proporções con- tinentais representarem uma dificuldade ao projeto de preservar a unidade do território colonial, em 1822 o Brasil já apresentava um cenário de extrema desigualdade. Enquanto cidades como Rio de Janeiro e Salvador contavam com uma população urbana, uni- versidades e instituições governamentais, em outras regiões era praticada apenas a agricultura de subsistência. Foi necessário um esforço de vários personagens para estabelecer uma nova nação. Laurentino une a pesquisa a um texto leve e saboroso, que trata história como um assunto cativante, que nos leva a compreender melhor as origens do Brasil e como problemas estruturais ainda influenciam a nossa realidade. Vencedor do Prêmio Jabuti de Melhor Reportagem e aclamado como Livro do Ano de Não Ficção, 1822 é uma leitura essencial para todos que desejam compreender melhor o nosso país. FILME/VÍDEO • Título: Independência ou Morte • Ano: 1972 • Sinopse: Tendo como ponto de partida o dia da abdicação de D. Pedro I (Tarcísio Meira), é traçado um perfil do monarca desde quando ainda menino veio da Europa, enquanto sua família fugia das tropas napoleônicas, até sua ascensão à Príncipe Regente, quando D. João VI (Manoel da Nóbrega) retorna para Portugal. Em pouco tempo a situação política torna-se insustentável e o regente proclama a independência, mas seu envolvimento extraconjugal com a futura Marquesa de Santos (Glória Menezes) provoca oposi- ção em diversos setores, gerando um inevitável desgaste político. 70 Plano de Estudo: ● As tendências ao desequilíbrio externo, nível de emprego e concentração de renda no final do século XIX; ● A crise da economia cafeeira; ● Mecanismos de defesa e a crise de 1929; ● As raízes da industrialização. Objetivos de Aprendizagem: ● Conceituar e contextualizar o processo de desequilíbrio das contas externas e seus impactos para a economia; ● Compreender as causas da crise da economia cafeeira; ● Entender as causas da crise de 1929 e qual foi o impacto no processo de industrialização brasileiro. UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial Professora Doutora Ariane Maria Machado de Oliveira 71UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial INTRODUÇÃO Relembrando a última unidade, vimos aspectos econômicos como renda, oferta de mão-de-obra, exportações, relacionadas à economia brasileira do século XIX. O surgimento da economia cafeeira foi abordado, bem como a dinâmica da economia de trabalho assala- riado e o fluxo circular da renda. Nesta unidade abordaremos inicialmente as características que levaram a um desequilíbrio externo e à concentração de renda no Brasil. Em seguida veremos como foi o processo que levou à crise cafeeira e de que maneira mecanismos de defesa criados pelo setor causaram uma superprodução de café a longo prazo. Abordaremos também como a crise de 1929 foi o golpe final para o período de altos preços do café. Analisaremos como a crise de 1929 atingiu o Brasil e de que maneira o café, já com preços mais baixos ainda assim foi capaz de fomentar a retomada da economia. Para finalizar, veremos como se deu o início do processo de industrialização do Brasil. 72UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial 1 ECONOMIA DE TRANSIÇÃO PARA UM SISTEMA INDUSTRIAL 1.1 As Tendências ao Desequilíbrio Externo no Final do Século XIX Na unidade anterior vimos a dinâmica de funcionamento da economia brasileira na segunda metade do século XIX, em que o trabalho assalariado passou a ser o motor do crescimento e da geração de renda. Vimos também como se propagava o fluxo de renda criado pelas exportações. Esse novo sistema econômico porém, apresentava alguns problemas, dentre eles estava a dificuldade em atender as regras do padrão-ouro, que era um princípio da economia internacional, em que cada país deveria dispor de uma reserva metálica suficientemente grande para cobrir os déficits ocasionais de sua balança de pa- gamentos (FURTADO, 2007). Nesse processo de financiamento das trocas internacionais, cada país deveria contribuir de acordo com suaparticipação no comércio internacional e da extensão das flutuações de sua balança comercial. SAIBA MAIS Você sabe o que é Balança Comercial e para que ela serve? E o que significa superávit e déficit na balança comercial, você sabe? Balança comercial é um registro econômico que representa as importações e exporta- ções de bens entre os países. Dizemos que a balança comercial de um determinado país está com superávit quando ele exporta mais do que importa. Quando o país importa mais do que exporta, dizemos que a balança comercial está com déficit, negativa ou desfavorável. Fonte: a autora. 73UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial O problema de tal sistema era que o Brasil era exportador de produtos primários, ou seja, tínhamos uma elevada participação no mercado internacional, mas uma renda monetária com tal comércio, relativamente baixa. Nas palavras de Furtado (2007), seu intercâmbio per capita era relativamente muito maior que sua renda monetária per capita. Como nossa necessidade de importação também era elevada, tal desequilíbrio abalava nossa economia, pois exigia uma retirada significativa de circulação monetária do mercado interno. O problema do desequilíbrio externo se agravou com a crise que se instalou nos centros industriais, em que os preços caíram no mercado externo, diminuindo em muito a entrada de divisas no país. 1.1.1 Nível de emprego e concentração de renda Nesse novo sistema com mão-de-obra assalariada, a economia de subsistência se transformava em economia exportadora, o que beneficiava os cafeicultores, que re- vertiam o lucro em seu favor. O aumento do salário médio no país refletia o aumento de produtividade que se ia alcançando através da transferência de mão-de-obra da economia de subsistência para a economia exportadora. Nesse contexto, o empresário podia reter as melhoras de produtividade obtidas nas exportações, pois não havia pressão alguma no sistema que os forçasse a transferir renda aos assalariados. O proprietário da terra precisava aperfeiçoar seus processos de cultivo ou inten- sificar a capitalização para que conseguisse aumentar sua produtividade física, seja de mão-de-obra ou de terra, aplicando maior quantidade de capital por unidade de fator de produção. O empresário não tinha estímulos para aumentar a produtividade de terra ou mão-de-obra devido às condições em que se desenvolvia a cultura do café. Essa era a forma racional de crescimento de uma economia em que existia capacidade ociosa de terra e mão-de-obra, e onde era escasso o capital. Por sua própria natureza, a plantação de café significa uma inversão a longo prazo com grandes imobilizações de capital. [...] O abandono da plantação de café significaria para o empresário um grande prejuízo, dado o montante do capital imobilizado. [...] Dada a natureza da atividade econômica, a única for- ma de lograr, a curto prazo, aumentos de produtividade física seria cortando na folha de salários, o que não constituía uma solução do ponto de vista do conjunto da coletividade (FURTADO, 2005, p. 168). Nesse sentido, em períodos de crise o mais importante era manter os níveis estáveis de empregabilidade, com a consequente geração de renda e aquecimento da economia. 74UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial 2 A CRISE DA ECONOMIA CAFEEIRA Ao final do século XIX e começo do século XX uma série de fatores acabou por criar um ambiente extremamente favorável à economia cafeeira. Um dos primeiros fatores foi a falta de oferta no mercado externo. Produtores asiáticos, sobretudo do Ceilão, atual Sri Lanka, passavam por uma grande crise após verem suas lavouras serem devastadas pela ferrugem-do-café, fungo que matava as plantas. O problema da mão-de-obra já estava resolvido com os imigrantes que procuravam trabalho no Brasil. Outro fator importante foi a Proclamação da República, que, ao descentralizar o poder e dar mais poder aos estados, deu também mais poder e autonomia para os produtores de café que controlavam a política de seus estados. O fato da grande maioria da produção mundial de café no final do século XIX ter se concentrado no Brasil deu aos cafeicultores brasileiros a oportunidade de controlar o mercado internacional. Bastaria reserva financeira para reter parte da produção e diminuir a oferta no mercado internacional e, assim, forçar a alta do preço. Porém, em 1893, a crise da economia americana, que era destino de boa parte do café do Brasil, acabou por causar uma queda no preço internacional da mercadoria, essas quedas de preço eram compensadas para os produtores através da desvalorização da moeda nacional, alterar o câmbio fazia com que os cafeicultores recebessem os mesmos valores se considerarmos a moeda nacional ao valorizar as moedas estrangeiras. Isso não foi capaz de absorver todas 75UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial perdas, pois causava, todavia, o encarecimento das importações e em uma economia sub- desenvolvida gerava também pressão inflacionária. Após a crise de 1893 outro problema se estabelece, a superprodução. Contando com uma vasta área de terras para ser explorada, abundância de oferta de mão-de-obra e a alta lucratividade da atividade, a expansão das culturas foi uma consequência lógica. Sem poder controlar o câmbio e com um excesso de produto no mercado interno, isso poderia derrubar os preços no mercado externo. Diante desse cenário, a oligarquia cafeeira dotada de todo poder conquistado com o sucesso financeiro e com os fundamentos da República que dava autonomia aos estados, reúne-se em 1906 no Convênio de Taubaté para definir um plano de assistência à economia cafeeira. O resultado desse encontro foi resumido nas quatro diretrizes estabelecidas: 1. Ficou acertado que o governo compraria e armazenaria o excedente da produ- ção a fim de reduzir a oferta no mercado mundial. 2. Definiu-se que o governo financiaria essas compras com empréstimos interna- cionais. 3. O pagamento dos juros e amortização desses empréstimos ocorreria com di- nheiro proveniente de um novo imposto indexado em ouro sobre a exportação do café. 4. Que os governos estaduais das regiões produtoras desestimulariam a abertura de novas áreas de produção a fim de conter o aumento de oferta. O acordo demonstrou a força dos cafeicultores e fez com esse acordo vigorasse até a grande crise de 1929. A efetividade do sistema matinha o preço do café sempre alto, mas isso ocasionava um outro problema constante, a lucratividade alta atraía cada vez mais investimentos em produção que, por consequência, aumentavam cada vez mais a produção. Apesar do Convênio de Taubaté ter estabelecido que uma das medidas era coibir a criação de novas lavouras na prática, tal medida era impossível de ser cumprida pelos estados, pois estes não eram capazes de oferecer alternativas de investimento que se equiparavam aos lucros obtidos com o café. No fim da década de 20 a exportação era capaz de absorver apenas 2/3 da produ- ção nacional. Os mecanismos de proteção criados pelos cafeicultores, como o de Taubaté, eram tão eficientes que mantinham os preços sempre altos, isso atraía mais investidores. Caliari e Bueno (2010) mencionam que a situação piorou depois de 1922, quando as novas medidas de estímulo eliminaram as políticas (que não já eram ineficientes) de redução 76UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial da área plantada. Com isso, se produzia cada vez mais num círculo vicioso, que tornou impraticável absorver 1/3 de uma produção tão grande. A procura por café aumentava de maneira lenta e constante, mas não a ponto de demandar tais volumes de produção durante a década de 20, mesmo com todo crescimento da economia americana. Ficava evidente que todo café comprado e estocado pelo governo não tinha grandevalor, pois não havia mercado para tal, a partir de 1927 um grande volume de capital privado vindo exterior começa a entrar no Brasil, da mesma maneira entravam empréstimos para o governo para comprar a grande produção excedente. Já passando por uma crise interna causada pela superprodução de café, o Brasil e o mundo são atingidos pela Depressão de 1929. Com ela todo o capital privado que tinha ingressado no Brasil desapareceu, levando todas as reservas em ouro obtidas através de empréstimos que davam lastro ao dinheiro. O país encontrava-se endividado e sem reservas, toda essa crise resultou na Revolução de 1930. SAIBA MAIS Você sabe o que é Balança Comercial e para que ela serve? E o que significa superávit e déficit na balança comercial, você sabe? Balança comercial é um registro econômico que representa as importações e exporta- ções de bens entre os países. Dizemos que a balança comercial de um determinado país está com superávit quando ele exporta mais do que importa. Quando o país importa mais do que exporta, dizemos que a balança comercial está com déficit, negativa ou desfavorável. Fonte: a autora. 77UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial 2.1 Mecanismos de Defesa e a Crise de 1929 Em meio à crise mundial, a produção de café se encontrava em altos níveis e continuava crescendo devido às grandes plantações de 1927-1928. Porém, segundo Fur- tado (2007), era impossível obter crédito no exterior para financiar a retenção de novos estoques, pois o mercado internacional de capitais se encontrava em profunda depressão e o crédito do governo havia desaparecido com o fim das reservas. Nesse contexto, não seria justo abandonar os cafezais e, então, a classe dirigente cafeeira optou pela baixa no preço do produto, sendo que todos juntos assumiriam a perda. A estratégia lógica encontrada foi a da destruição dos excedentes de produção, como já vimos, pois a demanda se mantinha menor do que a oferta. Além disso, os preços do café baixavam seguidamente nos anos 30, enquanto outros produtos primários tendiam a aumentar. As estratégias que o Brasil adotava foram consideradas eficientes, chegando a ser melhores do que as de países mais avançados. Segundo Sitima (2014), a renda nacional em 1933 já dava sinais de recuperação, enquanto que nos EUA os sinais de melhoras só começaram a aparecer em 1934. Furtado (2007) explica, em sua obra, como funcionava o mecanismo clássico de defesa através da taxa cambial. A acumulação de estoques de 1929, a ligeira liquidação das reservas metálicas brasileiras e as precárias perspectivas de financiamento das grandes safras previstas para o futuro aceleraram a queda do preço internacional do café, que havia começado com a de todos os produtos primários em fins de 1929. 78UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial Essa queda assumiu proporções catastróficas, pois, de setembro de 1929 a esse mesmo mês de 1931, a baixa foi de 22,5 centavos de dólar por libra para 8 centavos. Dadas as características da procura do café, cujo consumo não baixa durante as depressões nos países de elevadas rendas, essa tremenda redução de preços teria sido inconcebível sem a situação especial que se havia criado do lado da oferta. Basta ter em conta que o preço médio pago pelo consumidor norte-americano, entre 1929 e 1931, baixou apenas de 47,9 para 32,8 centavos por libra (FURTADO, 2005, p. 184). Furtado (2007) afirma que o preço do café era dado por fatores da oferta e não da procura, uma vez que ele observa que os preços, durante a década de 30, se mantiveram sem variações, apesar da recuperação dos países industrializados. Além disso, o consumo de café por esses países também se manteve constante. A garantia do preço mínimo de compra do café era ao mesmo tempo garantia de manutenção da taxa de emprego no setor cafeeiro e nos setores ligados a este. Grandes colheitas evitavam a queda da renda no setor, mesmo com a desvalorização da moeda nacional. Esses dois fatores, combinados, evitavam pressões de desemprego em cenários de preços em queda, como foi entre 1931 e 1939. A política de defesa do setor cafeeiro fun- cionou como um verdadeiro programa de fomento da renda nacional anticíclica e colaborou para amenizar as quedas de inversões da economia brasileira no começo da década de 30. Em 1933, período de maior colheita, por exemplo, as receitas brasileiras foram de 1 milhão de contos, mas, por conta dos estoques de café, que somavam 1,1 milhão de contos, o total foi de 2,1 milhões, valor próximo aos 2,3 milhão de 1929. Sendo assim, Furtado (2007) conclui que a recuperação da crise internacional se deu por esses fatores internos. REFLITA Será que os estímulos oferecidos pelo governo para a produção de café beneficiaram ou prejudicaram a economia brasileira no final do século XIX, início do século XX? Fonte: a autora. 79UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial 3 AS RAÍZES DA INDUSTRIALIZAÇÃO O Brasil já criava sua indústria em pequena escala desde o início do século XIX. Sua tática era fabricar para consumo doméstico aqueles produtos cujos custos eram inferiores às importações concorrentes. Em geral, eram produtos cujo valor era baixo proporcional- mente ao seu peso – tornando o preço das importações particularmente exorbitante em relação ao seu verdadeiro valor. Sabão, materiais de construção e bebidas foram os princi- pais exemplos. Os têxteis eram outra área para a industrialização precoce, uma vez que o equipamento de capital necessário era relativamente barato para importação. A maioria dos bens de capital e produtos intensivos em tecnologia – como trilhos de trem, locomotivas, turbinas e artilharia de campo – continuaram sendo importados por muitos anos, pagos pelos ganhos de exportação, principalmente de café e borracha natural. A industrialização ocorreu em grande parte sem o apoio do governo até 1930, a maioria da elite política acreditava que a industrialização era contra os interesses econômi- cos de longo prazo do Brasil. Aqui eles estavam repetindo as doutrinas de seus credores na Europa e na América do Norte, que ainda eram instruídas nas doutrinas do liberalismo de Manchester – isto é, uma crença na economia de mercado livre, com intervenção mínima do governo e uma dependência do livre comércio. As tarifas brasileiras, por exemplo, tinham como objetivo principal produzir receitas e não proteger a indústria doméstica (aproximadamente 70% da receita federal vinha de impostos de importação entre 1890 e 1910). Segundo Villela (2009), durante a Primeira República o comércio internacional teve um peso significativo para a economia brasileira. O total de exportações e importações chegou a atingir 36% do PIB no ano de 1895, com a média de 28% entre 1889 e 1930. Ainda segundo Villela (2009), em termos absolutos, as exportações partiram de 28,5 milhões de libras, em 1889 e alcançaram 65,7 milhões de libras, em 1930, com um pico de 117,4 milhões de libras, em 1919. Já as importações au- mentaram de 24 milhões de libras para 53,6 milhões de libras entre 1889 e 1930, atingindo seu maior valor em 1928 (97,4 milhões de libras). Além da crença liberal, não havia uma forte burguesia industrial para pressionar suas reivindicações junto aos políticos. Mesmo quando presidentes como Floriano Peixoto, na década de 1890, ou Afonso Pena, no início do século XX, se engajavam em retórica pró-indústria, estavam longe de estar prontos para adotar medidas abrangentes, como, por exemplo, uma política monetária forte, necessária para efetivação de seus discursos. 80UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial Apesar das crenças doutrinárias, no entanto, a industrialização prosseguiu, ainda que modestamente, em grande parte como consequência não intencional de outras políti- cas governamentais(especialmente sobre taxas de câmbio), as quais, embora usualmente projetadas para proteger o setor de exportação de bens primários, ajudavam as indústrias domésticas. É verdade que uma tarifa ostensivamente alta foi instituída em 1895, seguida por uma tarifa mais modesta em 1900, que permaneceu em vigor até 1930. Mas as tarifas nunca foram destinadas a pôr em risco a “vocação agrícola e cultural” do Brasil, como gostavam os cafeicultores e seus apologistas. Uma política ambiciosa de industrialização exigiria muito mais do que tarifas mais altas. Exigiria amplo crédito, um sistema financeiro eficiente, incentivos à importação de bens de capital e aumento do investimento em capital humano (especialmente educação) e infraestrutura. Uma política tão abrangente, que a Alemanha e o Japão estavam seguindo, nunca foi um questionamento para a grande maio- ria da elite brasileira. No entanto, em 1910, São Paulo, por exemplo, estava no caminho que o tornaria, na década de 60, o maior parque industrial do mundo em desenvolvimento. Como líder em modernização, São Paulo também está na vanguarda, medida por esses critérios de modernização, como educação pública, instalações sanitárias e transpor- te. Isso deu aos paulistas um senso de superioridade em relação ao resto do Brasil. De fato, porém, outras partes do Brasil estavam progredindo lentamente na frente da industrializa- ção, principalmente os estados do Centro-Sul, do Rio de Janeiro e Minas Gerais, e algumas regiões fora dessa área, principalmente a Bahia, no Nordeste. Cano (2012) considera que a década de 20 representa para o Brasil um processo de transição econômica e social, a partir do chamado modelo primário exportador, rumo a novo padrão de acumulação – o do crescimento para dentro –, que seria desencadeado a partir da Crise de 1929 e da Revolução de 1930. Até então, o setor exportador era o centro dinâmico da economia; adicionalmente, apresentava alta rentabilidade e especializava-se em um número reduzido de produtos, tendo como característica o plantation (latifúndio, mão de obra escrava, monocultura e ex- portação). A atividade industrial reduzida, juntamente com o setor agrícola de subsistência, era incapaz de dar à economia interna um dinamismo próprio. As razões que levaram à substituição desse modelo pelo “modelo de industria- lização por substituição de importações” decorrem da Crise norte americana de 1929 e coincide com o colapso da economia cafeeira, decorrente da ocorrência de uma sequência de supersafras ao final da década de 1920/início de 1930, provocando a queda de 2/3 dos preços internacionais do produto. 81UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial O novo modelo adotado de industrialização por substituição de importação, consis- tia na produção interna de um bem antes importado. Setores industriais são desenvolvidos especificamente para o atendimento do mercado interno, sem preocupação nenhuma com exportação, e são protegidos da concorrência internacional através de medidas típicas de proteção da indústria nacional. SAIBA MAIS Para melhor compreender o processo de industrialização brasileiro, leia o artigo intitula- do: O processo de industrialização no Brasil: um retrospecto a partir da dinâmica da dualidade brasileira Ana Paula Camilo Pereira, Márcio Rogério Silveira O artigo é composto de algumas considerações sobre o processo de industrialização brasileira. Para isso, contextualizamos a industrialização e organização do espaço bra- sileiro em articulação com as fases expansivas e recessivas da economia mundial, a partir dos ciclos de Kondratieff e de Juglar, bem como dos pactos de poder estabeleci- dos no País. Consideramos, para tanto, as análises de Ignácio Rangel sobre a econo- mia brasileira, tendo como parâmetro a dinâmica da dualidade brasileira e a proposta de retomada do crescimento econômico a partir do planejamento e do princípio da con- cessão de serviços públicos à iniciativa privada, ou seja, a transferência de recursos destinados às empresas que dispõem de capacidade produtiva excedente para setores estrangulados da economia e que necessitam de investimentos. Dessa forma, o artigo analisa o contexto histórico e econômico do Brasil admitindo a evolução e o desenvolvi- mento industrial, a atuação estatal e as repercussões atuais para a economia brasileira. Fonte: Pereira, A. P. C.; Silveira, M. R. O processo de industrialização no Brasil: um retrospecto a partir da dinâmica da dualidade brasileira. Revista Ensaios FEE. v. 31, n. 2, p. 321-344, dez. 2010. Disponível em: https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/2229 https://revistas.fee.tche.br/index.php/ensaios/article/view/2229 82UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos ao longo desta unidade que a explosão na produção de café que causou o boom da economia brasileira em meados do final do século XIX se transformou em um problema no início do século XX, quando o mercado mundial de café teve um excesso de oferta, principalmente por conta da superprodução brasileira. O lucro das exportações declinou com a queda dos preços do café no exterior, um declínio que foi agravado por um aumento desde 1898 no valor câmbio da moeda brasileira (devido ao aumento da entrada de capital estrangeiro). Como o Brasil era de longe o maior produtor mundial de café (75% da produção mundial em 1900-1901), era natural que os brasileiros usassem seu poder de mercado para tentar manipular o preço. O termo usado para isso era “valorização”. Vimos que os cafeicultores estabeleceram sistemas de estímulo à cafeicultura, mas esses mesmos estímulos forçaram uma superprodução e que, com a crise de 1929, ficou insustentável manter o preço alto como estava. Vimos também como a crise causou a fuga de capital estrangeiro e o fim das reservas e como as novas políticas de estímulo à cafeicultura ajudaram o país a se recuperar da crise. Por fim, abordamos aspectos iniciais sobre o processo de industrialização brasileiro e como nossa economia passou de um modelo primário exportador rumo ao novo padrão de acumulação. 83UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial LEITURA COMPLEMENTAR A MODERNIDADE REPUBLICANA Maria Tereza Chaves de Mello Professora do Departamento de História da PUC/RJ Resumo A difusão de uma cultura democrática e científica no final do Império criou uma disponibilidade mental e afetiva à idéia de república no Brasil. Este termo, por sua vez, permitiu aos contemporâneos experimentar o processo histórico, já que nele se congregava uma oposição ao passado e a expectativa social de futuro. Leia o artigo na íntegra em: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413-77042009000100002&script=sci_arttext DA DÉCADA DE 1920 À DE 1930: TRANSIÇÃO RUMO À CRISE E À INDUS- TRIALIZAÇÃO NO BRASIL Wilson Cano Professor Titular do Instituto de Economia da Unicamp, São Paulo, Brasil Resumo O artigo discute a transição econômica e social pela qual passa o Brasil na década de 1920, quando prevalecia o modelo primário exportador em direção a novo padrão de acumulação, com a industrialização e a urbanização, iniciado após a “Crise de 1929” e da Revolução de 1930. A análise das principais transformações econômicas e sociais é acompanhada por um tópico que trata da importante – e controversa – questão teórica de Base e Superestrutura, expondo algumas das limitações deste enfoque teórico. Leia o artigo na íntegra em: https://anpec.org.br/revista/vol13/vol13n3bp897_916.pdf 84UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial MATERIAL COMPLEMENTAR LIVRO • Título: O Romance do Café • Autor: Beatriz Garcia • Editora: Alfa Ômega • Sinopse: O Romance do Café, de Beatriz Garcia, resultado de um trabalho que durou dez anos, é um livro histórico-literário, que aborda a origem, aevolução da cafeicultura no Vale do Paraíba fluminense e paulista, a Depressão Periférica, o Nordeste Pau- listano e o Planalto Ocidental, Estado de São Paulo. Analisa a importância econômica e sociocultural do ciclo dessa planta, que sacudiu a estrutura da sociedade brasileira no limiar do século XIX até os primeiros anos da Era Vargas, quando na conturbada vida nacional ocorreram o processo de estatização da economia brasileira e a crise agrícola, com a decadência da rubiácea, assim como o fenômeno que hoje se repete: a queda do preço da terra. Apaixonada pela terra, Beatriz Garcia envereda pelos caminhos da geografia e do ecossistema das regiões abordadas antes do período cafeicultor, para, em seguida, abordar o conteúdo socioe- conômico, chegando à conclusão de que a agricultura monocul- tora, como a do café, voltada para o comércio exterior, traz como consequência grandes dificuldades para o País, que – segundo a autora – necessita de “uma agricultura diversificada, voltada para o mercado interno e externo, com o homem assentado à terra, com uma agricultura viável, pois a terra não vale apenas pelo dinheiro, mas, muito mais, pelo que produz. Afinal, terra é sempre terra!” A Editora Alfa-Omega – coerente com seus 25 anos de luta por um Brasil mais reflexivo – sente-se honrada ao lançar este livro que se tornará imprescindível na biblioteca de quem se preocupa com as pungentes questões brasileiras. Este livro, o segundo lançamento de Beatriz Garcia, apresenta consistente bibliografia sobre o período cafeeiro. Seu primeiro livro – Uma História de Amor Entre-Guerras – recebeu o prêmio literário da Secretaria da Cultura de Ribeirão Preto. FILME/VÍDEO • Título: Revolução de 30 • Ano: 1980 • Sinopse: Documentário que reúne mais de trinta documentários e filmes de ficção, fotografias e registros sonoros mostrando os momentos que antecederam o conflito, seu desenrolar e conse- quências. Seu fio condutor é o documentário Pátria Redimida, rea- lizado, na época, por João Batista Groff, com cenas filmadas em zonas de combate: Itararé, Ribeira e Catiguá. Inclui comentários críticos de Boris Fausto, Edgar Carone e Paulo Sérgio Pinheiro. A trilha sonora traz antigas gravações de discursos e músicas do período, algumas compostas especialmente para celebrar a revolução: hinos a João Pessoa, a Miguel Costa e Juarez Távora. Direção de Sylvio Back. Brasil, 1980. 85UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial WEB Como o foco desta apostila foi o de abordar a formação econômica do Brasil, cabe também destacarmos fatos históricos importantes para a compreensão e absorção do conteúdo. A seguir estão alguns fatos importantes para você pesquisar e conhecer mais! ♦ O Primeiro Reinado (1822 – 1831) ♦ Constituição de 1824 ♦ Abdicação de Dom Pedro I ♦ O Período Regencial (1831 – 1840) ♦ Reformas institucionais ♦ O Segundo Reinado (1840 – 1889) ♦ Guerra do Paraguai ♦ Crise do Segundo Reinado ♦ A Primeira República (1889 – 1930) ♦ A Revolução de 1930 Conheça mais sobre o assunto lendo o livro: FAUSTO, B. A História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1996. Disponível em: https://mizanzuk.files.wordpress.com/2018/02/boris-fausto-historia-do-brasil.pdf 86UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial REFERÊNCIAS ALMEIDA, R. R. A inconfidência mineira de 1789. s.d. 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Política tarifária no II Reinado: evolução e impactos, 1850-1889. Nova Economia, v. 15, n. 1, jun. 2009. 88UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial CONCLUSÃO Prezado(a) aluno(a), Neste material observamos de que forma se deu a formação da economia brasileira até os anos 30. Para tanto, abordamos como se deu a descoberta e o início da exploração territorial brasileira. No início vimos também que as atividades extrativistas formavam a única atividade econômica brasileira no início do período colonial. Vimos como a cobiça por parte de outras nações europeias pelo território brasileiro forçou Portugal a colonizar o Brasil e ocupar as terras descobertas. Aprendemos que a primeira estratégia de Portugal foi a de estabelecer as capitanias hereditárias para a ocupação e exploração econômica do território brasileiro. Porém vimos que esse modelo fracassou, o que forçou a coroa portuguesa a estabelecer o Governo-geral, em que o estabelecimento de uma capital e a presença de uma autoridade real transformaram o Brasil, de fato, em uma colônia e não apenas uma simples área de exploração. Com isso, observamos o nascimento da indústria açucareira, que foi uma das mais importantes atividades econômicas para o Brasil até o final do século XVIII. Destacamos também que o sucesso da indústria açucareira alimentou outras ati- vidades a sua volta, como a pecuária. Observamos que a expulsão dos holandeses do território brasileiro criou nas Antilhas e Caribe um outro polo produtor de açúcar que passou a concorrer com o açúcar brasileiro, causando uma queda no preço do produto no mercado internacional. Essa queda gerou uma mudança na dinâmica da economia nordestina, fa- zendo aumentar a atividade de subsistência e causando uma desindustrialização da região. Tudo isso associado a um aumento populacional que causou uma queda na renda per capita, sendo que os efeitos dessa crise e o empobrecimento da população nordestina podem ser sentidos até os dias de hoje. Acompanhamos também, ao longo da apostila, o processo de descoberta e de crescimento da mineração no final do século XVII. Vimos então como essa descoberta alterou o fluxo de mão-de-obra escrava no Brasil, trazendo para Minas Gerais muitos es- cravos africanos que se encontravam nas lavouras açucareiras do nordeste. Esse processo alterou o centro dinâmico da economia brasileira para o Sudeste. Porém a exploração 89UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial desenfreada e sustentada pela fartura de mão-de-obra escrava fez esgotar as jazidas já no final do século XVIII, fazendo com que a agricultura voltasse a ser novamente a principal fomentadora da economia brasileira. Por fim, vimos como a chegada da família real portuguesa ao Brasil, fugindo de guerras napoleônicas, mudou o status do Brasil de colônia para reino, dando início então ao fim da era colonial. Vimos também, ao longo da apostila, como a crise do ouro e o renascimento da agricultura, em especial com o aparecimento do café, levaram a um novo impulso de crescimento da economia brasileira na primeira metade do século XIX, com o Brasil já independente. Em seguida vimos como o sucesso da agricultura cafeeira gerou uma carência de mão-de-obra, o que se agravou com as pressões abolicionistas europeias, que, impulsionadas por novas ideologias e pensamentos religiosos, lutavam contra a es- cravidão. Eis que surge a mão-de-obra assalariada, formada em sua maioria por imigrantes que buscavam, no Brasil, novas oportunidades. Finalmente, analisamos como o sucesso da indústria cafeeira, no final do sécu- lo XIX, gerou um excesso de produção e de que maneira acordos estabelecidos entre cafeicultores e governo brasileiro acabou por estimular ainda mais a produção, gerando, junto com a crise de 1929, a chamada crise da economia cafeeira. Essa crise faz cair a oligarquia cafeeira que comandava a política brasileira até então, com a revolução de 1930. O Brasil passa então a focar em desenvolver sua atividade industrial, buscando modernizar a economia do país. UNIDADE I Contextualização Mundial – O Mundo Durante o Período das Grandes Navegações e Ocupação Territorial UNIDADE II Expansão da Colonização UNIDADE III Economia de Transição para o Trabalho Assalariado UNIDADE IV Economia de Transição para um Sistema Industrial