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<p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007107107107107107</p><p>UMBANDA X QUIMBANDA: O ETERNO DILEMA ENTRE</p><p>A ‘ESQUERDA’ E A ‘DIREITA’</p><p>questão referente ao Bem e ao Mal e aos seus limites se coloca,</p><p>conforme toda religião, de alguma forma, moralizada, como ele-</p><p>mento central na umbanda. Esta não é, contudo, uma questão</p><p>teologicamente equacionada, como no universo simbólico cristão,</p><p>que é plenamente definida.</p><p>No universo cristão, o mal está configurado na figura do diabo,</p><p>personagem mítico essencial, pois sem ele a bondade divina seria</p><p>sem sentido. Bem e Mal, Deus e diabo, anjos e demônios existem,</p><p>opõem-se drasticamente e não comportam gradações entre si.</p><p>Na umbanda, inicialmente, não é bem assim. Se o bem é</p><p>inquestionável e identificado a Deus, os espíritos vistos aparente-</p><p>mente como “maléficos” não são necessariamente maus, eles po-</p><p>dem ser batizados, dogmatizados, doutrinados e evoluir nesta direção.</p><p>SULIVAN CHARLES BARROS</p><p>Resumo: este artigo parte da premissa de que o simbolismo ‘diabólico’ e transgressor</p><p>dos exus e das pombas-giras – entidades espirituais que pertencem ao</p><p>universo da quimbanda – constitui o cerne principal que dá sustenta-</p><p>ção e legitimidade aos rituais de quimbanda que fazem uso de deter-</p><p>minados símbolos de inversão e transgressão e acabam por se contrapor</p><p>e subverter àqueles claramente associados ao universo cristão.</p><p>Palavras-chave: violência, transgressão, quimbanda</p><p>A</p><p>A SIMBÓLICA DA VIOLÊNCIA</p><p>E DA TRANSGRESSÃO NO UNIVERSO</p><p>DA QUIMBANDA</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 108108108108108</p><p>Utilizando-se neste momento de literatura religiosa, pode-se perceber</p><p>que Kardec (1999), ao empreender seu trabalho de racionalização</p><p>do mundo dos espíritos, equacionou as diferenças do universo sa-</p><p>grado baseado na classificação dos espíritos em relação ao seu grau</p><p>de adiantamento, nas qualidades que adquiriram e nas imperfei-</p><p>ções de que ainda devam se livrar. Os espíritos admitem geral-</p><p>mente três categorias principais ou três grandes divisões:</p><p>• Espíritos puros: anjos, arcanjos e serafins: são espíritos que passa-</p><p>ram por todos os graus da escala e se libertaram de todas as impu-</p><p>rezas da matéria. Possuem superioridade intelectual e moral absoluta</p><p>em relação aos espíritos das outras ordens.</p><p>• Espíritos de segunda ordem ou bons espíritos: são espíritos que têm</p><p>ainda que passar por certas provas. Há a predominância do espírito</p><p>sobre a matéria; desejo do bem. Suas qualidades e poder para fazer o</p><p>bem estão em conformidade com o grau que alcançaram.</p><p>• Espíritos imperfeitos: são espíritos caracterizados pela arrogância,</p><p>orgulho e egoísmo. Há a predominância da matéria sobre o espíri-</p><p>to e, geralmente, são propensos ao mal (KARDEC, 1999).</p><p>O pensamento umbandista, de caráter acentuadamente dualista, estabe-</p><p>leceu um corte no segundo plano, simplificando esta hierarquia</p><p>mística: missionários do bem e missionários do mal. A essa divisão</p><p>dicotômica entre bem e mal, reino das luzes e reino das trevas,</p><p>direita e esquerda corresponde, no cosmos religioso, uma nova se-</p><p>paração: umbanda, prática do bem; quimbanda, prática do mal.</p><p>A umbanda se opõe desta forma à quimbanda, que opera (em princípio)</p><p>exclusivamente com espíritos imperfeitos que se situam nos con-</p><p>fins da escala espiritual. Entretanto, o mal é um dado da realida-</p><p>de, ele representa uma dimensão importante da vida cotidiana; o</p><p>pensamento umbandista deve, portanto, levá-lo em consideração.</p><p>O problema que se coloca é o de como interpretá-lo no quadro</p><p>religioso. Segundo Ortiz (1984; 1999), a oposição entre reino das</p><p>luzes e reino das trevas vai encontrar, assim, uma solução interes-</p><p>sante no seio da linguagem sagrada.</p><p>Em relação ao domínio da direita (quase) não há polêmica: agrupa os orixás,</p><p>guias de luz ou mentores espirituais inquestionavelmente bons, apesar</p><p>de diferenciados em termos de graus quanto à evolução espiritual.</p><p>Neste domínio convivem caboclos, pretos-velhos, crianças.</p><p>Entidades espirituais como os boiadeiros, marinheiros, ciganos, baianos</p><p>e malandros podem ser identificadas também como de direita,</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007109109109109109</p><p>embora suas características sejam de seres pouco moralizados, im-</p><p>pedindo-os de uma convivência mais estreita com caboclos, pre-</p><p>tos-velhos e crianças. Em geral, dizem que estes personagens fazem</p><p>parte de uma linha mista ou intermediária.</p><p>Não se duvida de que estes possam praticar o bem, mas acredita-se que</p><p>boiadeiros, marinheiros, ciganos, baianos e malandros devam ser</p><p>doutrinados e controlados, evitando que bebam, falem palavrões</p><p>etc., ao menos em excesso.</p><p>Os exus e as pombas-giras, independentemente de onde possam traba-</p><p>lhar, são sempre entidades de esquerda. Jamais poderiam ser de</p><p>direita, embora lá possam estar; no máximo, na linha mista, inter-</p><p>mediária, na meia-esquerda, pois indubitavelmente fazem ou po-</p><p>dem fazer o mal (NEGRÃO, 1996).</p><p>Dessa forma, a quimbanda passa a ser definida, pelos umbandistas, como</p><p>a linha ritual da umbanda que pratica a magia negra. Ela só traba-</p><p>lha com exus e pombas-giras, que são representações do mundo da</p><p>sombra, entidades telúricas cuja disponibilidade para o mal su-</p><p>planta as intenções de auxílio fraterno. Mediante encomendas, estas</p><p>entidades realizam feitiços ou contra-feitiços, visando favorecer ou</p><p>prejudicar determinadas pessoas.</p><p>A zona da quimbanda aparece como fonte potencial de distúrbios; os</p><p>exus, agindo no mundo, ameaçam a ordem umbandista. Os pró-</p><p>prios adjetivos que qualificam o substantivo exu evocam a dimen-</p><p>são sinistra da magia negra: corcunda, capa, caveira, “tranca rua,</p><p>come fogo, meia noite, encruza, cemitério. Uma primeira aproxi-</p><p>mação dos exus ao universo do estranho, do oculto, do maléfico</p><p>realiza-se, assim, no nível do semântico (ORTIZ, 1999).</p><p>A quimbanda passa a ser apresentada como a dimensão oposta da umbanda.</p><p>Ela é sua imagem invertida, “tudo que se passa no reino das luzes</p><p>tem seu equivalente negativo no reino das trevas” (ORTIZ, 1999,</p><p>p. 88). Diante da realidade insofismável do mundo dos homens, o</p><p>mal é considerado um “mal necessário”, ele é a contrapartida do</p><p>bem, fonte e justificação da miséria humana.</p><p>Esta oposição entre luz versus trevas corresponde a domínios e situações</p><p>sociais e não simplesmente um universo moral. Os pedidos para os</p><p>espíritos são singulares. Por exemplo, somente os exus e as pombas-</p><p>giras podem atender as necessidades conotadas como imorais ou</p><p>impróprias: a morte de alguém, o desejo sexual, os pedidos finan-</p><p>ceiros que impliquem na ruína de outros (fraude, roubo etc.). Isto</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 110110110110110</p><p>mostra que as entidades sobrenaturais cultuadas na umbanda estão</p><p>em consonância com a ideologia da sociedade global brasileira.</p><p>Assim, para dar melhor suporte a este argumento, utilizo aqui os frag-</p><p>mentos das entrevistas realizadas com dois pais-de-santo da cida-</p><p>de de Codó, no Maranhão, em que eles afirmaram trabalhar, naquela</p><p>época, tanto na linha da direita (magia branca) quanto na linha da</p><p>esquerda (magia negra). Ambos pais-de-santo explicitam a exis-</p><p>tência de uma dicotomia entre umbanda e quimbanda:</p><p>Na umbanda você só procura praticar o bem, fazer o que é bom. E na</p><p>quimbanda não, você só trabalha com forças diabólicas. Cada um</p><p>tem um ponto de vista. Agora só tem uma coisa, o trabalho da quimbanda</p><p>também ajuda. Ele ajuda porque a gente às vezes tá com uns fluídos</p><p>pesados e você na umbanda, você é difícil conseguir fazer sua ‘limpeza’.</p><p>Então essa atividade é justa. Faz um despacho e aquilo alivia rapidamente.</p><p>A quimbanda tem isso também. Ela prejudica e tem um fim, mas ela</p><p>tem um ponto positivo também, ela tem (Pai-de-santo M., entrevista,</p><p>Codó(MA), ago. 1999).</p><p>O lado da esquerda é o seguinte, pega pro bem e pega pro mal. Que se</p><p>uma pessoa procura lhe atrair, pelo um progresso de sua vida, de seus</p><p>trabalhos, de seus negócios. Aí a gente tem que pegar um frango preto</p><p>pra cortar em cima do teu nome e do nome daquela pessoa pra cortar</p><p>a intimidade dela pro teu lado. Deixar a tua vida viver</p><p>em paz. E o</p><p>que nós queremos é paz, sossego e tranqüilidade pelo estabelecimento</p><p>da nossa vida, dos nossos trabalhos e dos nossos negócios. E é isso que</p><p>pedimos pra Deus. Mas Deus deixou que essa pessoa que procura atrair,</p><p>e esse não é da parte de Deus, esse é da parte do diabo. Então nós temos</p><p>que entrar com a magia negra. Que é pra mode que nós podemos</p><p>vencer. Porque ele pode ser cruel, porque tem gente de muita natureza.</p><p>Tem uma d’uma natureza boa e tem outra da natureza miserável que</p><p>procura só mesmo nos atrair. Então nós temos que fazer um corte pra</p><p>cortar ele da nossa frente. É justamente isso, pois é (Pai-de-santo J.</p><p>R., entrevista, Codó(MA), ago. 1999).</p><p>Segundo a fala desses dois interlocutores, a separação entre umbanda/</p><p>magia branca e quimbanda/magia negra apresenta dimensões ba-</p><p>seadas geralmente na distinção entre práticas do bem e práticas do</p><p>mal, da parte de Deus e da parte do diabo. Contudo, essas duas</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007111111111111111</p><p>dimensões fazem parte de um mesmo fenômeno e estão intima-</p><p>mente interligadas. Se a umbanda é sempre vista como benéfica,</p><p>na ótica de seus praticantes, a quimbanda é, na maioria das vezes,</p><p>condenada porque se acredita nos seus poderes maléficos.</p><p>Dependendo das circunstâncias, a magia negra, mesmo relacionada a for-</p><p>ças diabólicas, que na visão de outra mãe-de-santo, “é aquela que</p><p>deixa Deus prum canto” (Mãe-de-santo R. F., entrevista, Codó (MA),</p><p>ago. 1999), em determinadas ocasiões, pode ser vista como justa,</p><p>positiva, “pega pro mal”, mas também é aquela que “pega pro bem”.</p><p>Dependendo da situação, o uso da magia negra, para esses interlocutores</p><p>torna-se necessário e o único meio eficaz para o restabelecimento</p><p>da vida do indivíduo que necessita de seus préstimos.</p><p>A grande maioria de pais e mães-de-santo entrevistados ao longo</p><p>destes quase dez anos de pesquisa alega utilizar os serviços dos exus</p><p>apenas para a prática do bem. No máximo, admitem apelar a essas</p><p>entidades com finalidades defensivas e contra-defensivas. “Eles fa-</p><p>zem, nós desfazemos”, esta é a frase mais comum ouvida por eles.</p><p>Defendendo seus clientes e seus próprios terreiros dos ataques e da</p><p>inveja dos demais, os exus são tidos como seus principais guardiões.</p><p>Partindo para a análise e interpretação do cosmos religioso, é possível</p><p>notar que às sete linhas rituais da umbanda correspondem as sete</p><p>linhas rituais da quimbanda, comandadas pelos seguintes exus:</p><p>Exu 7 Encruzilhadas, Exu Pomba-Gira, Exu Tiriri, Exu Gira-Mundo,</p><p>Exu Tranca-Ruas, Exu Marabô, Exu Pinga Fogo.</p><p>Cada Exu, no seu plano espiritual, comanda sete chefes de legiões; por</p><p>outro lado, eles se comunicam com as linhas da umbanda, o que</p><p>torna mais complexa a rede de mensagens divinas. A existência do</p><p>mundo das trevas, habitado por exus e pombas-giras, é funda-</p><p>mental para a existência do mundo das luzes.</p><p>Montero (1985), ao afirmar que se esses dois universos opõem-se pela sua</p><p>natureza, demonstra também que eles permanecem intimamente</p><p>ligados, uma vez que um existe em função do outro: o Bem só o é à</p><p>medida que tem como meta combater o Mal; este, por sua vez, só</p><p>ganha sentido sendo a inversão de uma ordem definida como Bem.</p><p>As representações coletivas embutidas na construção das personagens dos</p><p>exus e pombas-giras explicitam o compromisso dessas entidades</p><p>com a área urbana marginal. Dizem respeito à imagem social de</p><p>insubmissos, criminosos e vagabundos que em vida foram seres</p><p>anônimos e ao morrerem tornaram-se deuses.</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 112112112112112</p><p>Freqüentemente os exus são associados ao estereótipo do malandro (em-</p><p>bora se tenha também uma categoria mítica própria para estes),</p><p>tipo social que se caracteriza pela astúcia com que utiliza, em pro-</p><p>veito próprio, de artimanhas mais ou menos ilícitas. Representam</p><p>o avesso da civilização, das regras, da moral e dos bons costumes.</p><p>Sua versão feminina, a pomba-gira, representa o estereótipo da</p><p>prostituta ou de mulheres de conduta moral condenável e sua se-</p><p>xualidade se manifesta, sobretudo, no nível da linguagem.</p><p>Em oposição aos chamados espíritos de luz ou de direita, os exus e as</p><p>pombas-giras constituem a esquerda. Isso significa que, ao contrá-</p><p>rio daqueles, exus e pombas-giras são vistos como perigosos e maus</p><p>ou ao menos potencialmente capazes de atuar maleficamente.</p><p>Constituem a categoria mítica mais controversa para os umbandistas e</p><p>a mais instigante para os pesquisadores. Exus e pombas-giras são</p><p>entidades mais próximas das fraquezas humanas e as aceitam sem</p><p>constrangimentos. Estes são considerados a escória da sociedade</p><p>astral.</p><p>De acordo com a divisão do trabalho espiritual1, quando há um pedido</p><p>equívoco do ponto de vista moral a ser feito, exus e pombas-giras</p><p>são os guias apropriados. Um agrado os satisfaz e amortece suas</p><p>consciências em processo de formação. São problemas concretos</p><p>do cotidiano que são tratados por eles. Sem terem sido doutrina-</p><p>dos, isto é, carentes de consciência moral, os exus realizam o que</p><p>lhes pedirem, em troca de bebidas e comidas.</p><p>Nos terreiros em que existem as práticas de quimbanda se usam os exus</p><p>para práticas maléficas contra desafetos, desde aquelas conside-</p><p>radas mais brandas, como terem os caminhos fechados na sua</p><p>vida pessoal e profissional ou prejuízos materiais, até aquelas con-</p><p>sideradas mais graves, como acidentes, doenças e até mesmo a</p><p>morte.</p><p>Analisando os tipos de demandas que os homens endereçam aos espíri-</p><p>tos, observa-se que a morte forma uma categoria à parte, podendo</p><p>somente ser considerada pelos exus. Jamais um fiel ousaria pedir a</p><p>morte de alguém a uma entidade de luz; ele se arriscaria certa-</p><p>mente a ela se indispor e a ser punido. Ora, um exu, mediante</p><p>certas oferendas e donativos, pode realizar tais desejos.</p><p>Questões de amor, sexo e de amarração constituem-se, contudo, no cam-</p><p>po específico de atuação das pomba-giras. Se Exu é em parte dia-</p><p>bólico e animalesco, a pomba-gira, vista pelos umbandistas como</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007113113113113113</p><p>a mulher de exu ou exu fêmea, é a estereotipia da “meretriz, mu-</p><p>lher da zona, mulher do mundo, dona de mil nomes e de mil</p><p>amantes” (Mãe-de-santo M. J., entrevista, Brasília(DF), set. 2000).</p><p>Por ter tido uma vida passada que espelha certamente uma das mais</p><p>difíceis condições humanas, a prostituição é a condição que dis-</p><p>pensa à pomba-gira um total conhecimento e domínio de uma</p><p>das áreas mais complicadas da vida das pessoas comuns, que é a</p><p>vida sexual e o relacionamento humano fora dos padrões sociais de</p><p>comportamento aceitos e recomendados.</p><p>A um pedido sempre corresponde algum tipo de oferenda. Veja-se, a</p><p>título de ilustração, um caso contado por uma interlocutora, de</p><p>um trabalho feito por uma pomba-gira, em que um homem deseja</p><p>despertar o interesse sexual de uma conhecida:</p><p>Fui no quintal, fiz o ponto da pomba-gira, chamei ela, que ela vem</p><p>no redemoinho, meu filho. Eu amostro a qualquer pessoa. Eu fiz o</p><p>serviço. Comprei o material do jeito que ela mandou: meio metro de</p><p>pano vermelho, meio metro de pano preto, sete caixas de fósforos, sete</p><p>velas vermelhas, sete velas pretas, sete velas brancas. Uma garrafa de</p><p>cachaça pra banhar ele. Foi só isso que ela mandou eu fazer e chamar</p><p>ela na hora (Dona M. J., entrevista, Codó(MA), ago. 1999).</p><p>Descobrir qual é a oferenda certa para agradar a exus e pombas-giras e</p><p>assim conseguir os favores almejados representa sempre um gran-</p><p>de desafio para pais e mães-de-santo que presidem os cultos. O</p><p>prestígio de muitos deles vem da fama que alcançam por ser con-</p><p>siderados por seus seguidores e clientes bons conhecedores das</p><p>fórmulas corretas para esse agrado.</p><p>Segundo Negrão (1996), a quase universalidade da presença dessas enti-</p><p>dades deve-se a uma razão bastante simples: são eles os agentes</p><p>preferenciais para desfazerem os males provocados por eles própri-</p><p>os, mediante um pagamento mais compensador. Desfazer o traba-</p><p>lho realizado significa reverter sobre quem os pediu os malefícios</p><p>pretendidos.</p><p>Apesar de ser essa reação considerada moralmente</p><p>justificável, os guias</p><p>de direita têm seus escrúpulos. Apela-se então aos exus e às pom-</p><p>bas-giras doutrinados ou batizados para os serviços de contra-ma-</p><p>gia da esquerda.</p><p>Apenas os exus devem defrontar-se com os próprios exus, sobretudo quando</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 114114114114114</p><p>estes, ao agirem maleficamente, revelam ausência de elevação espi-</p><p>ritual, sendo incompatíveis, portanto, com os guias de luz. Por</p><p>outro lado, exus e pombas-giras entram em locais que, pela sua</p><p>santidade, são vedados às outras entidades: cemitérios e encruzi-</p><p>lhadas. E há a necessidade de adentrá-los, pois é somente ali que</p><p>se pode desfazer o mal, no mesmo local engendrado.</p><p>Na interação entre orixás, caboclos e exus, um ponto que reflete as dife-</p><p>renças entre o culto a cada um está na relação praticante e entida-</p><p>de. Enquanto se zelam pelos orixás, caboclos, pretos-velhos e demais</p><p>entidades espirituais, cuidam-se dos exus e das pombas-giras.</p><p>Estes comportamentos não podem ser entendidos apenas em uma pers-</p><p>pectiva semântica, mas por meio da prática cotidiana de propriação</p><p>religiosa. Segundo Caroso e Rodrigues (2001), para com as pri-</p><p>meiras entidades citadas, pode-se manter um relacionamento di-</p><p>reto e pessoal, isto é, cotidiano e amigável. O zelar, neste caso,</p><p>corresponde a uma expectativa de reciprocidade positiva, paulati-</p><p>namente, a uma espécie de devoção.</p><p>Por outro lado, a interação entre a pessoa que cuida de um exu e a enti-</p><p>dade cuidada é mediada muitas vezes de modo tenso por uma</p><p>espécie de contrato. Por pertencerem ao escalão mais baixo do de-</p><p>senvolvimento espiritual e, sobretudo, porque as vias de ascensão</p><p>social estão para eles de antemão bloqueadas, os exus podem per-</p><p>mitir-se trilhar atalhos que levem ao êxito com maior eficácia que</p><p>aqueles pautados na lógica da caridade, do conformismo e da hu-</p><p>mildade. O cuidado para com exus e pomba-giras talvez possa ser</p><p>melhor entendido muito mais como proteção ou precaução pessoal,</p><p>espiritual e social que como devoção religiosa.</p><p>O caráter ambíguo de trickster e de demônio atribuídos a essas entidades</p><p>é assim expresso por esta mãe-de-santo:</p><p>Eles são bem brincalhão. É por isso que a gente gosta. Mas eu acho que</p><p>eles são um pouco zangado, né?. Porque se não fizer direito, eles se</p><p>zangam e as coisas ficam mais pesadas. [...] Eu considero eles todos,</p><p>porque eu preciso deles também. Pra mim eu considero eles também.</p><p>Tá certo que eles são da parte do outro [diabo]. Mas eu também não</p><p>posso dizer que eles não são da parte de Deus. Nós tamos sabendo que</p><p>eles são outro povo, né? Mas tudo também é deixado por Deus, porque</p><p>se Deus não querendo, nada acontece. Não é não? (Mãe-de-santo</p><p>M.S., entrevista, Codó (MA), ago. 1999).</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007115115115115115</p><p>Com o fragmento do discurso acima, é possível perceber sentimentos</p><p>contraditórios dos adeptos para com essas entidades. As pessoas</p><p>ligadas aos cultos afro-brasileiros expressam admiração e respeito,</p><p>aliados a um certo temor a tudo que se encontra relacionado aos</p><p>exus e às pombas-giras.</p><p>Essas entidades invariavelmente aparecem associadas ao diabo, na acepção</p><p>cristã, do qual são destacados seus aspectos negativos como divin-</p><p>dades promotoras e veiculadoras do mal, daí advinda a capacidade</p><p>de proporcionar ganhos para alguns às custas de perdas muito al-</p><p>tas para outros, por meio dos trabalhos de magia.</p><p>Se exus e pombas-giras têm o poder de interferir na vida das pessoas, tanto</p><p>positiva quanto negativamente, não resta escolha àqueles que eles</p><p>escolhem senão buscar obter efeitos favoráveis dessa interferência.</p><p>Segundo Caroso e Rodrigues (2001, p. 354), “esta tentativa é ex-</p><p>pressa no cuidado ritual para com estas entidades que significa, para</p><p>os adeptos, encontrar a justa medida entre as exigências dela e as</p><p>compensações materiais e simbólicas resultantes”.</p><p>No mundo do santo, geralmente as pessoas têm medo dos exus ou pelo</p><p>menos dizem que têm. Mesmo representando entidades de baixo</p><p>nível hierárquico de religiões de baixo prestígio social, sua presen-</p><p>ça no imaginário extravasa os limites de seus seguidores para se</p><p>fazer representar no pensamento das mais diversas classes sociais</p><p>do país. Assim, estabelecem-se as relações de reciprocidade entre</p><p>exus e seus adeptos, que favorecem aos segundos com resultados</p><p>proveitosos e aos primeiros com perpetuação de seu culto.</p><p>Exus e Pombas-Giras: conhecendo um pouco mais os reis e as</p><p>rainhas da quimbanda</p><p>Difícil falar em exu sem comentar a controvertida face do mal que se</p><p>formou no imaginário popular. Não há quem ignore a força e o</p><p>perigo potencial atribuídos pela umbanda aos exus. Eles repre-</p><p>sentam, antes de tudo, o outro lado da civilização, o lado mar-</p><p>ginal, caótico e ambíguo, aquele que deve ser eliminado,</p><p>esquecido.</p><p>São cinco as características principais dos exus que aparecem nos depoi-</p><p>mentos dos meus interlocutores, nos pontos de saudação a essas</p><p>entidades e em suas próprias falas por intermédio de seus cavalos:</p><p>para muitos, eles são vistos como perigosos e maus, são os repre-</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 116116116116116</p><p>sentantes em potencial da esquerda. A controvérsia principal é:</p><p>eles são ou não são demônios?</p><p>Os exus, a gente tem que tomar o maior cuidado com eles. Eles são bem</p><p>perigosos, podem até matar alguém porque eles são da ‘esquerda’. Todo</p><p>o cuidado com eles é pouco, tá entendendo? (R. N., entrevista,</p><p>Brasília(DF), ago.2003).</p><p>Eu tenho por mim, que eles foram espíritos muito maus, entende? E</p><p>eles vem pra se vingar. Os crentes dizem que eles são os demônios, mas</p><p>sobre isto eu não posso dizer nada. Mas é muito bom a gente tomar</p><p>cuidado com eles, né? Damos a comidinha, a bebidinha deles e aí não</p><p>carece de ter problema não (A., entrevista, Brasília(DF), ago. 2003).</p><p>Alguns de seus pontos cantados demonstram a proximidade dos exus</p><p>com a figura do diabo:</p><p>Meu Santo Antonio pequenino</p><p>amansador de touro bravo</p><p>Quem mexer com exu</p><p>Tá mexendo com o diabo.</p><p>Satanás, Satanás</p><p>Lúcifer é Satanás</p><p>Satanás, Satanás</p><p>É um exu, é Satanás,</p><p>Lúcifer é Satanás.</p><p>Em entrevista, uma entidade que se apresenta como da linha de exu</p><p>faz a seguinte afirmação, quando manifestada no corpo de seu</p><p>cavalo:</p><p>Eu sou ruim, eu sou maldoso. Eu quero matar, eu quero ver os outros</p><p>no chão2.</p><p>Outros, entretanto, demonstram que os exus devem ser vistos como a</p><p>“polícia de choque” da umbanda, isto é, são eles os responsáveis</p><p>por “cobrar o que tem de ser cobrado”, não havendo nenhuma</p><p>ligação dos exus com a figura do demônio. Alguns pais e mães-de-</p><p>santo falam o seguinte a esse a respeito:</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007117117117117117</p><p>Exu não é demônio. Isso de pensar que exu é demônio. Isto tudo é</p><p>ignorância das pessoas. Eu não acredito nisso. Porque nós trabalhamos</p><p>com exus que ajudam as pessoas, curam, abrem os caminhos, e, se fosse</p><p>demônios, eles não fariam tudo isso, né verdade? (Pai-de-santo A.,</p><p>entrevista, Brasília(DF), ago.2003).</p><p>Olha, os exus são muito bons. Eles têm uma missão religiosa a cumprir.</p><p>Eles são os espíritos mais próximos da gente, aqueles que sofreram muito</p><p>na vida quando encarnados. Por conhecerem bastante esse lado da dor,</p><p>da tristeza, das coisas ruins, eles são a nossa ‘polícia de choque’. Eles são</p><p>os únicos que podem entrar em cemitérios, encruzilhadas e outros lugares</p><p>de energia negativa pra desfazer o mal feito por espíritos sem luz, como</p><p>é o caso dos exus pagãos e dos quiumbas, que são espíritos muito atrasados,</p><p>sem nenhum tipo de luz. Estes sim, estes não têm consciência do que estão</p><p>fazendo e são muito maus. Então os nossos exus, que já são batizados,</p><p>evoluídos, eles já têm responsabilidade, já tem conhecimento e eles vão</p><p>cobrar o que tem que ser cobrado. Porque tudo o que a gente faz aqui</p><p>nessa Terra, a gente tem que pagar. E eles também são da justiça porque</p><p>ninguém passa na vida por aquilo que não é de seu merecimento, não é</p><p>verdade? (Mãe-de-santo C., entrevista, Brasília(DF), set. 1996).</p><p>Um cavalo incorporado com o seu exu afirma o seguinte:</p><p>Eu ajudo as</p><p>pessoas boas e destruo as pessoas ruins. [...] Eu faço apenas</p><p>o que tem que ser feito, sem nenhum tipo de arrependimento. Eu sou</p><p>da justiça e se pra isso acontece de eu ter que matar, eu mato3.</p><p>Um ponto de saudação ao Exu Tranca Ruas, importante figura da umbanda,</p><p>fala a respeito desse assunto:</p><p>Oh luar, oh luar, oh luar...</p><p>Ele é dono da rua, oh luar</p><p>Quem cometeu os seus pecados</p><p>Peça perdão a Tranca Ruas.</p><p>É interessante notar que as duas primeiras características dos exus aca-</p><p>bam por definir uma terceira, isto é, os exus não devem ser vistos</p><p>nem como bons nem como maus, mas, sim, como entidades espi-</p><p>rituais neutras:</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 118118118118118</p><p>Exu não é bom e nem mal. Exu possui uma característica dupla; tanto</p><p>pode ser ativado para abrir como para fechar os caminhos. O que as</p><p>pessoas precisam saber é que exu é neutro, o responsável pelos atos é</p><p>quem os pratica (Pai-de-santo R. N., entrevista, Brasília(DF), ago.</p><p>2003).</p><p>As pessoas é que usam os exus para praticarem o mal. Se eles pedissem</p><p>o bem, com certeza os exus fariam o bem porque eles só fazem o que lhes</p><p>manda. Então o povo tem que saber disso que o culpado não são os</p><p>exus, mas as pessoas que pedem as coisas ruins. A maldade maior está</p><p>no coração das pessoas (O. B., entrevista, Brasília(DF), ago. 2003).</p><p>As características listadas acima definem uma quarta característica: a</p><p>ambigüidade moral dos exus. Um ponto cantado fala sobre essa</p><p>dualidade, em que eles podem tanto fazer o bem quanto o mal,</p><p>sem nenhum tipo de constrangimento:</p><p>Exu tem duas cabeças,</p><p>Mas ele olha sua banda com fé</p><p>Uma é Satanás no inferno,</p><p>A outra é de Jesus de Nazaré.</p><p>Por causa dessa característica, os exus são vistos como bons mediadores,</p><p>capazes de quebrar “qualquer galho”, além de serem excelentes</p><p>“abridores de caminho”:</p><p>A gente sabe que exu tanto pode fazer o bem quanto o mal. Que eles</p><p>conhecem muito bem os dois lados, né? Então se você precisa de uma</p><p>coisa urgente, você tem que pedir é pra exu, porque exu faz tudo rápido</p><p>e também porque eles conhecem muito bem tanto o lado da ‘direita’</p><p>quanto o lado da ‘esquerda’, né? Então se você tá passando por alguma</p><p>dificuldade, você tem que se consultar é com exu, ele é que vai poder</p><p>abrir o seu caminho (M. J, entrevista, Brasília(DF), ago. 2003).</p><p>Uma quinta característica se refere à proximidade dessas entidades com o</p><p>mundo dos homens, justamente por serem os exus a própria re-</p><p>presentação daqueles que já padeceram dos mesmos sofrimentos</p><p>pelos quais os homens comuns padecem. Talvez daí venha a sua</p><p>grande força e popularidade:</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007119119119119119</p><p>Eles [exus] são muito fortes, muito poderosos. Eles sofreram muito em</p><p>terra. Foram humilhados, explorados como a gente, né? E por isso eles</p><p>sabem muito bem o que nós passamos. Eles podem ter acesso a domínios</p><p>que as ‘entidades’ de luz não poderiam entrar (M. G., entrevista,</p><p>Brasília(DF), ago. 2003).</p><p>Os exus são ‘entidades’ muito fortes, de muito poder. Só um exu consegue</p><p>desmanchar um mal feito por um espírito sem luz, só eles tem esse dom.</p><p>Então é muito importante o trabalho deles, porque sem eles a gente</p><p>não consegue muita coisa, né? Eles sabem muito bem o que se passa na</p><p>cabeça da gente, né? Afinal eles passaram por tudo isso e não condena</p><p>a gente (O. B., entrevista, Brasília(DF), ago. 2003).</p><p>Os dois relatos anteriores demonstram que os exus estão mais próximos</p><p>do homem, são entidades mais humanas nesse sentido. Contudo,</p><p>essa maior proximidade para com as fraquezas humanas é o que os</p><p>coloca numa situação de espíritos inferiores, que devem ser sub-</p><p>metidos, antes de tudo, a uma doutrinação.</p><p>Na versão dos exus, prevalece a imagem do subalterno, bárbaro, demô-</p><p>nio e sanguinário. Aqueles que não são confiáveis e, portanto, de-</p><p>vem ser evitados.</p><p>Já com relação às pombas-giras, estas entidades são vistas pelos umbandistas</p><p>como a mulher de Exu ou Exu fêmea. Elas se referem, antes de</p><p>tudo, segundo os umbandistas, aos espíritos de prostitutas, corte-</p><p>sãs, cafetinas, mulheres sem família e sem honra. Além de possuí-</p><p>rem as mesmas características que seus parceiros, essas entidades</p><p>carregam consigo toda a ambigüidade dos exus aliada a uma ima-</p><p>gem feminina fortemente sexualizada.</p><p>Augras (2000) demonstra que a umbanda deu ensejo ao surgimento da</p><p>figura da pomba-gira como a representação da livre expressão da</p><p>sexualidade feminina aos olhos de uma sociedade ainda dominada</p><p>por valores patriarcais. Para a autora, a pomba-gira representa, no</p><p>imaginário umbandista e popular, uma figura potencialmente pe-</p><p>rigosa e também carregada de imenso poder, em função da própria</p><p>condição em que se encontra e/ou representa:</p><p>Pomba-gira, rainha da marginália, tem sua morada no corpo das mulheres,</p><p>nos lugares de passagem de um ponto para outro ou deste mundo para</p><p>além. Maria Molambo, mais especificamente, assume às claras a ligação</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 120120120120120</p><p>com aquilo que a sociedade rejeita para a periferia. Chamada também</p><p>de Pomba-Gira da ‘Lixeira’, recebe despachos arriados nas bordas dos</p><p>depósitos de lixo, local onde fica rondando. [...] Maria Molambo, tal</p><p>como suas irmãs Rosa Caveira, Maria Padilha, Rainhas do Cruzeiro e</p><p>da Calunga, reúnem em si a escuridão, a sujeira, a desagregação, a</p><p>presença da morte. Seus trabalhos são de demanda, isto é, de magia</p><p>destinada a fazer o mal (AUGRAS, 1000, p. 40, grifo da autora).</p><p>As pombas-giras são as figuras da umbanda que talvez mais se vinculam</p><p>à fantasia, à criação e ao desejo coletivo. Ao ser indagada quem</p><p>seria ela, como havia sido sua vida na Terra, uma pomba-gira in-</p><p>corporada em seu cavalo faz a seguinte afirmação:</p><p>Você quer mesmo saber quem eu sou? Então eu lhe respondo: Eu sou o</p><p>mistério, o segredo, eu sou o amor, sou a esperança e o desejo. Sou de ti,</p><p>sou de todos. Sou pomba-gira, sou mulher!4</p><p>Em sua maioria foram consideradas como mulheres bonitas e, sobretu-</p><p>do, sedutoras. Segue a fala de outra pomba-gira incorporada em</p><p>seu cavalo:</p><p>Eu era muito linda, podia com o corpo conseguir tudo e tentava. [...]</p><p>M5. era muito elegante, muito, muito. M. era morena, mas não era</p><p>morena que nem caboclo, M. era cor de pêssego, tinha o cabelo nos</p><p>ombros. M. tinha o corpo lindo, M. sempre foi bonita para os homens6.</p><p>Seus pontos de saudação fazem referências a essas características:</p><p>Quem não gosta de Pomba-Gira</p><p>Tem, tem que se arrebentar</p><p>Ela é bonita,</p><p>Ela é formosa,</p><p>Ó bela vem trabalhar.</p><p>De garfo na mão</p><p>Lá vem mulher bonita</p><p>Bonita e muito formosa</p><p>Lá vem Pomba-Gira</p><p>Lá vem Maria Padilha7.</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007121121121121121</p><p>Contudo, a beleza da pomba-gira é também um sinal de perigo. Deve-</p><p>se, portanto, tomar cuidado:</p><p>Meu caminho é de fogo</p><p>No meio da encruzilhada</p><p>Quem quiser me demandar</p><p>Eu lhe cuspo e vou pisar</p><p>Quanto inimigo na terra</p><p>Querendo desafiar</p><p>Sou Pomba-Gira formosa</p><p>Formosa pra lhe quebrar.</p><p>Por serem consideradas também como “mulheres da noite”, as pombas-</p><p>giras adoram“festas”:</p><p>Eu sou a Pomba-Gira</p><p>E estou sempre presente</p><p>Quem confirma é minha gente</p><p>Estou sempre nas festanças</p><p>Brincando com alguém</p><p>Eu saravo minha rainha</p><p>E o meu rei também.</p><p>Por outro lado, a figura da pomba-gira, ao mesmo tempo, que afirma a</p><p>realidade da sexualidade feminina como um dos seus atributos de</p><p>poder, devolve-a ao império da marginalidade: “O povo diz que eu</p><p>sou puta, mas eu sou puta mesmo. [...] Mas qual é o homem,</p><p>macho de verdade, que não gosta de uma puta?”8.</p><p>Eu era promíscua. Podia conseguir tudo com o meu corpo. Mas os homens</p><p>me exploravam também. Eu também fui muito usada9.</p><p>São, sobretudo, as mulheres que se consultam com as pombas-giras, pro-</p><p>curando solucionar seus males de amor. Como essas, as pombas-</p><p>giras também foram mulheres que sofreram grandes desilusões</p><p>amorosas e ninguém melhor do que estas entidades para saberem</p><p>tão bem o sofrimento que um amor mal-sucedido pode desenca-</p><p>dear na vida de um ser humano.</p><p>Assim, uma pomba-gira incorporada discorre sobre como era a sua vida</p><p>na Terra:</p><p>, Goiânia,</p><p>v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 122122122122122</p><p>M. teve nove filhos com vinte e três anos. Era um assim, assim, assim...</p><p>M. foi mãe acho que com onze anos. M. nunca foi feliz com homem.</p><p>Batiam em M. e eu aprendi a beber e a fumar, isto era um escape. Eu</p><p>nunca descobri o que era o amor de verdade10.</p><p>Contudo, assim como os exus, as pombas-giras podem ser doutrinadas,</p><p>moralizam-se. A mesma pomba-gira, incorporada na médium,</p><p>continua a sua fala:</p><p>[...] Hoje eu vejo que o meu problema é o amor. E eu queria investir</p><p>muito nos homens e às vezes eu vejo uma coisa que não é, como eu</p><p>sempre vi, entendeu? Eu pensava assim: se você tá bem hoje, você vai</p><p>ficar o amanhã e depois... E não é assim. Eu continuo pensando que o</p><p>amor é o amor. Mas só que os espíritos mais evoluídos falam que eu</p><p>confundo o amor com sexo. Eu gosto muito de sexo. Então eu penso que</p><p>o sexo é amor e eles falam que eu tenho que conseguir definir essas</p><p>coisas para eu me iluminar e eu ainda não consegui, porque eu penso</p><p>que amor é transar e não é. Mas não aquele sexo promíscuo e sim</p><p>aquele com prazer, aquele que você geme, que você chora. Mas eu chorava</p><p>com todos...11</p><p>Em outra ocasião, esta mesma entidade, posta no corpo de seu cavalo,</p><p>discute a sua posição subalterna e desabafa:</p><p>M. hoje está tão triste, porque você pensa que lá [no outro mundo], lá</p><p>é pior do que aqui neste mundo. M. veio pra aproveitar a tristeza pra</p><p>fazer essa entrevista. E outra coisa: tive que ter permissão! E M. fala</p><p>muito e eles não gostam de M. por isso, e agora desliga... [...] Lá é</p><p>muito ruim, lá exige. É tudo vigiando pra obter luz as custas do seu</p><p>sofrimento. Eu sei que falando isso com você, eles vão me aprisionar.</p><p>Me aprisiona! Mas que eu vou falar, eu vou. E M. tá pouco me lixando</p><p>pra isso, pra eles, pra eles [‘entidades’ de nível superior]. Mas M. têm</p><p>que agradecer. Mas lá é ruim sim. Eu tive uma exceção daquele espiritual</p><p>[Deus], mas acho que ele pensa que eu tô falando muito e eu tô. Mas</p><p>eu tô porque, porque eu nunca posso falar e hoje eu posso falar12.</p><p>Este relato é bastante sugestivo para se pensar que a representação da</p><p>pomba-gira, ao manifestar no corpo de seu cavalo, parece atender</p><p>a muitos aspectos reprimidos que, clamorosamente, pedem passa-</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007123123123123123</p><p>gem e, nos terreiros de umbanda, seu comportamento permanece</p><p>escandaloso. Segue o mesmo relato:</p><p>Aqui pelo menos nesta casa [terreiro] eu posso beber, eu posso fumar, eu</p><p>só não posso transar... Aqui eu sou feliz, eu sou linda, que todos querem</p><p>e eu quero a todos!13</p><p>Com esse fragmento é possível perceber que essa personagem, ao se mani-</p><p>festar no corpo da médium, posiciona-se, num primeiro momento,</p><p>como a expressão do marginal que necessita desabafar, que quer ser</p><p>escutado, embora as conseqüências dessa ação possam lhe custar</p><p>muito caro. Mais uma vez, aqui se demonstra a metáfora da voz</p><p>subalterna que está em constante negociação para ser ouvida ...</p><p>Já num segundo momento, esta mesma entidade ao possuir o corpo de</p><p>seu cavalo, demonstra, em sua fala, que é possível, mediante nego-</p><p>ciação, manifestar a sua verdadeira identidade ou pelo menos o</p><p>que se espera que ela realmente seja. A liberdade pode ser conquis-</p><p>tada, basta querer! Mas é necessário estar atento ao preço a ser</p><p>pago. Contudo, na maioria das vezes, pode custar caro demais...</p><p>Aqui, mais uma vez, a metáfora da prostituição pode ser utilizada</p><p>como promessa de disponibilidade para o gozo!</p><p>Já em outra ocasião, respectivamente, numa gira de exus, uma outra</p><p>pomba-gira, C. S. E., incorporada na mãe-de-santo daquele ter-</p><p>reiro visitado, dona O., ao se aproximar de mim – neste momento</p><p>me encontrava filmando aqueles rituais –, discorre sobre a ima-</p><p>gem que as pessoas têm do seu povo, sobre a importância da dou-</p><p>trinação dessas entidades e, sobretudo, a importância do trabalho</p><p>espiritual que as pombas-giras desenvolvem nos terreiros de umbanda.</p><p>Segue o diálogo, gravado em fita de vídeo em 13.06.2003, na</p><p>festa de encruza, em Planaltina(DF):</p><p>C.S.E. [incorporada na mãe-de-santo]: O que está fazendo aqui, moço?</p><p>S: Estou filmando a festa de vocês, para uma pesquisa.</p><p>C. S. E.: Pra contar a nossa vida pros outros, né?</p><p>S.: Sim.</p><p>C. S. E.: E você tá gostando?</p><p>S.: Estou.</p><p>C. S. E.: Nossa vida é assim, moço, é na rua, é sambando, é nas</p><p>calungas. E nós tamos aí pra ajudar aqueles que diz que não precisa</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 124124124124124</p><p>de nós, mas aquele grande que manda nisso tudo aí [Deus], ele dá</p><p>ordem pra nós chegar a cá, entendeu? Porque sem a ordem dele, a</p><p>gente não faz nada. Como vocês aqui não são nada sem ele, sem aquele</p><p>grande. E nós respeita o grande. Nós não faz nada sem a ordem dele,</p><p>entendeu? Tá assistindo nós, né? E Nós tamos aí. Nós somos assim,</p><p>como diz assim: Dizem que nós tem chifre, que nós tem rabo. Se não</p><p>fosse nós pra ‘trabalhar’, os filhos dessa terra tava tudo no buraco, sem</p><p>saída. E nós não, nós abre as estradas pros filhos caminhar. Pode ter</p><p>certeza que a sua estrada nós estamos seguindo. Eu sou a C. S. E., com</p><p>muito prazer. Estou aqui pra ‘trabalhar’ pra que você quiser. Boa Noite!</p><p>S: Boa Noite!</p><p>Como mulheres bonitas, atrevidas e impetuosas, as pombas-giras carre-</p><p>gam consigo toda a idéia de ambigüidade. Elas parecem represen-</p><p>tar, no contexto umbandista, uma imagem invertida da concepção</p><p>que situa o espaço doméstico como o espaço feminino por excelên-</p><p>cia e onde os recursos femininos estão definidos complementar-</p><p>mente aos personagens masculinos. As pombas-giras, ao contrário,</p><p>são percebidas como uma ameaça a esse espaço doméstico e às</p><p>relações aí legitimadas.</p><p>Sendo a imagem modelar da liberdade, da não padronização dos costu-</p><p>mes, posturas, atitudes e da livre realização do desejo, a pomba-</p><p>gira coloca-se como a mascarada, a anti-esposa, a negação da mãe</p><p>de família, na medida em que sua imagem é definida na forma não</p><p>complementar aos homens.</p><p>A sua sexualidade, por exemplo, não está a serviço da reprodução. Ela</p><p>usa a sua sexualidade em benefício próprio. Os poderes e perigos</p><p>de sua imagem estão certamente associados a essa liminaridade.</p><p>Em outras palavras, a imagem da pomba-gira seria a contraface de</p><p>uma outra: aquela da mulher associada à casa, à família, às esferas</p><p>mais controladas socialmente.</p><p>CONCLUSÃO</p><p>Para se compreender a quimbanda é preciso entender de que maneira ela</p><p>opera com as representações simbólicas da violência e da trans-</p><p>gressão que estão contidas em seu universo. Se, de um lado, a</p><p>umbanda busca se posicionar como uma forma de suavidade, com-</p><p>portada, filtrada da cultura brasileira, a quimbanda, por outro lado,</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007125125125125125</p><p>afirma-se como uma contracultura reprimida, que em seus rituais</p><p>busca exprimir sempre o desejo total de libertação.</p><p>Os representantes da quimbanda são os exus e as pombas-giras, referidos</p><p>habitualmente, nos terreiros afro-brasileiros, como o povo da rua.</p><p>Esses personagens representam facilmente a massa anônima que</p><p>circula pelas cidades, os trabalhadores, os vagabundos, os malan-</p><p>dros, os gigolôs, as prostitutas etc. enfim, as pessoas comuns que</p><p>ocupam o espaço público nas suas idas e vindas. Eles são, sobretu-</p><p>do, as marcas da marginalidade, do anonimato e das relações im-</p><p>pessoais que permeiam o cotidiano urbano.</p><p>A rua apresenta igualmente um valor de metáfora: significa o que se põe à</p><p>margem dos valores familiares, mas do quais também dependem para</p><p>que possam subsistir com firmeza e vitalidade (a sexualidade, por exem-</p><p>plo). São acusados, sobretudo, de ser espíritos violentos e transgressores,</p><p>visto que expressam as vontades e os anseios de seus clientes, tornan-</p><p>do possíveis os desejos mais ilícitos mediante oferendas rituais.</p><p>Talvez venha daí, segundo os adeptos dos cultos afro-brasileiros, a fonte</p><p>maior dos poderes dessas entidades. Esta condição implica em perigo</p><p>e poder, conforme assinala Douglas (1976, p. 20): “ter estado nas</p><p>margens é ter estado em contato com o perigo e ter ido à fonte de</p><p>poder”. As margens são, assim,</p><p>perpetuamente o santuário dos</p><p>conflitos sociais e também o lugar do trânsito. É evidente que</p><p>essas duas lógicas se cruzam, interpenetram-se, chocam-se.</p><p>É esse sugestivo poder simbólico das margens que é tão plenamente exer-</p><p>citado pelos que participam dos rituais de quimbanda. Exus e</p><p>pombas-giras convidam ao público à diluição das regras, da or-</p><p>dem e à entrega total aos desejos emocionais e à sexualidade de-</p><p>senfreada numa forma simbólica.</p><p>Notas</p><p>1 Baseando-se em Durkheim (1996), na sua obra Da divisão do trabalho social, vemos</p><p>que a “divisão do trabalho espiritual” existente no imaginário umbandista apre-</p><p>senta características em comum com aquela estudada por Durkheim em nossa</p><p>sociedade. A “divisão do trabalho espiritual” na umbanda é vista também como</p><p>fonte de coesão entre espíritos de diferentes categorias, dando origem a um certo</p><p>tipo de solidariedade que produz, ao mesmo tempo, uma moral, onde cada divin-</p><p>dade, ao desempenhar um determinado papel, marca o seu lugar dentro da hierar-</p><p>quia espiritual.</p><p>2 Exu N., “incorporado”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M. R. femi-</p><p>nino.</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007 126126126126126</p><p>3 Exu P. P, “incorporado”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium R., mascu-</p><p>lino).</p><p>4 Pomba-Gira da P., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), ago. 2003, Médium L.,</p><p>feminino).</p><p>5 Embora pareça estar falando de uma terceira “pessoa”, a pomba-gira M., “incor-</p><p>porada” em seu “cavalo”, faz menções a acontecimentos que teriam sido de sua</p><p>suposta vida terrena.</p><p>6 Pomba-gira M., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M.</p><p>R., feminino).</p><p>7 Para uma versão individualizada do mito de Maria Padilha e sua configuração</p><p>como pomba-gira da umbanda, consultar: Meyer (1993).</p><p>8 Pomba-gira C., “incorporada”, entrevista, Brasília/DF, set. 2003, Médium O.,</p><p>feminino.</p><p>9 Pomba-gira M., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M.</p><p>R., feminino.</p><p>1 0 Pomba-Gira M., “incorporada”, em entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium</p><p>M. R., feminino.</p><p>1 1 Pomba-Gira M., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M.</p><p>R., feminino.</p><p>1 2 Pomba-Gira M., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M.</p><p>R., feminino.</p><p>1 3 Pomba-Gira M., “incorporada”, entrevista, Brasília(DF), mar. 2003, Médium M.</p><p>R., feminino.</p><p>Referências</p><p>AUGRAS, M. De Iyá Mi a pomba-gira: transformações e símbolos da libido.</p><p>In: MOURA, C. E. M. de (Org.). Candomblé, religião do corpo e da alma: tipos</p><p>psicológicos nas religiões afro-brasileiras. Rio de Janeiro: Pallas, 2000.</p><p>BARROS, S. C. Brasil imaginario: umbanda, poder, marginalidade social e</p><p>possessão. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de Brasília, Brasília,</p><p>2004.</p><p>BARROS, S. C. Encantaria de Bárbara Soeira: a construção do imaginário do</p><p>medo em Codó/MA. Dissertação (Mestrado em Sociologia) – Universidade de</p><p>Brasília, Brasília, 2000.</p><p>BARROS, S. C. Urbanização e umbanda: o espaço dos homens e o espaço dos</p><p>deuses. Monografia (Graduação em Geografia) – Universidade de Brasília, Brasília,</p><p>1997.</p><p>CAROSO, C.; RODRIGUES, N. Exus no candomblé de caboclo. In: PRANDI,</p><p>R. (Org.). Encantarias brasileiras: o livro dos mestres, caboclos e encantados.</p><p>Rio de Janeiro: Pallas, 2001.</p><p>, Goiânia, v. 5, n. 1, p. 107-127, jan./jun. 2007127127127127127</p><p>CARVALHO, J. J. de. Violência e caos na experiência religiosa. In: MOURA, C.</p><p>E. M. de. As senhoras do pássaro da noite: escritos sobre a religião dos orixás. São</p><p>Paulo: Edusp; Axis Mundi, 1994.</p><p>DOUGLAS, M. Pureza e perigo. São Paulo: Perspectiva, 1976.</p><p>DURKHEIM, É. Da divisão do trabalho social. São Paulo: M. Fontes, 1995.</p><p>KARDEC, A. O livro dos espíritos. São Paulo: Petit, 1999.</p><p>ORTIZ, R. A morte branca do feiticeiro negro: umbanda e sociedade brasileira.</p><p>São Paulo: Ática, 1999.</p><p>ORTIZ, R. Ética, poder e política: umbanda um mito-ideologia. Religião e</p><p>Sociedade, Rio de Janeiro, v. 11, n. 3, 1984.</p><p>MEYER, M. Maria Padilha e toda a sua quadrilha: de amante de um rei de</p><p>Castela a pomba-gira de umbanda. São Paulo: Duas Cidades, 1993.</p><p>MONTEIRO, P. Da doença a desordem: a magia na umbanda. Rio de Janeiro:</p><p>Graal, 1985.</p><p>NEGRÃO, L. N. A construção sincrética de uma identidade. Ciências hoje, São</p><p>Paulo, 1991.</p><p>Abstract: the article part of the premise of that all known symbolic ‘devilish’</p><p>and the transgressor of exus and the dove-turns – entities spirituals</p><p>that belong to the universe of quimbanda – constitute main essence</p><p>that it gives to sustenance and legitimacy to the rituals of quimbanda</p><p>that they make use of definitive symbols of inversion and transgression</p><p>that finish for if opposing and subverted the those that they are clearly</p><p>associates the universe christian.</p><p>Key words: violence, transgression, quimbanda</p><p>SULIVAN CHARLES BARROS</p><p>Doutor em Sociologia pela Universidade de Brasília. Especialista em Antropologia</p><p>e Mundos Contemporâneos pela UCB-DF. Professor no Centro Universitário Unieuro</p><p>e nas Faculdades Espam.</p>