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Economia cafeeira com trabalho livre Ao fi nal desta aula, você deverá ser capaz de: Identifi car a importância da utilização dos imigrantes como alternativa de mão-de-obra na lavoura do café. Diferenciar o sistema de parceria do sistema de colonato. Reconhecer as limitações do sistema de parceria. 5 ob jet ivo s A U L A Meta da aula Descrever o início da utilização de mão-de-obra livre na lavoura cafeeira do Brasil no fi nal do século XIX. 1 2 3 Aula5.indd 85 1/12/2006, 2:33:06 PM 86 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre INTRODUÇÃO A segunda metade do século XIX marcou o assentamento defi nitivo do café como principal produto de exportação do Brasil. As condições precárias do uso da terra caracterizaram a produção no Vale do Paraíba, causando rápida destruição do solo da região. Porém, o principal obstáculo para a continuidade do processo produtivo estava na mão-de-obra. A tentativa de intensifi car a transferência interna de escravos, base do trabalho no Vale do Paraíba, se fazia cada vez mais difícil. A grande dispersão dos escravos era decorrente da própria estrutura sociopolítica brasileira, ou seja, de uma estrutura na qual não havia integração entre as várias regiões do país. Esta falta de integração acontecia tanto em aspectos físicos (difi culdade de trânsito entre as regiões) quanto sociais e políticos, tornando o recrutamento dos escravos uma tarefa bastante complicada. A utilização desse tipo de mão- de-obra disponível nas áreas urbanas, por outro lado, encontrava obstáculos na reduzida capacidade de adaptação dos escravos aos métodos e à disciplina exigidos pela lavoura agrícola. Essas difi culdades poderiam reduzir de maneira signifi cativa sua expectativa de vida útil. A utilização da mão-de-obra imigrante foi a solução adotada por alguns fazendeiros do oeste paulista como forma alternativa de superar o problema da mão-de-obra. A imigração anterior ao processo de independência havia sido realizada sem qualquer objetivo econômico, basicamente associada à ocupação de áreas importantes para a demarcação de fronteiras. A lavoura paulista do café inaugurou a inserção do imigrante na monocultura de exportação, permitindo a continuidade do forte ritmo de crescimento da cafeicultura no Brasil e importantes desdobramentos econômicos no decorrer do século XIX. É o que você verá a seguir. O CAFÉ NO OESTE PAULISTA Alguns fatores importantes contribuíram para o deslanche da produção de café no oeste paulista, com destaque para: (a) a existência de solos de melhor qualidade que os do Vale do Paraíba e a possibilidade de utilização de técnicas mais modernas e adequadas para o plantio e o BENEFICIAMENTO DO CAFÉ; (b) o início de uma época em que as restrições ao uso da mão-de-obra escrava estavam cada vez mais evidentes, permitindo uma percepção mais clara do problema BE N E F I C I A M E N T O D O C A F É Processo em que o café é colhido, seco, armazenado e embalado para negociação. Aula5.indd 86 1/12/2006, 2:33:09 PM C E D E R J 87 A U LA 5 associado à inevitável escassez de escravos – e da necessidade de uma alternativa. Alguns eventos (veja na Atividade 1) prenunciavam a Abolição da Escravatura; (c) a coincidência de sua expansão com um forte crescimento dos investimentos britânicos na América Latina, em particular na construção de ferrovias. Esses investimentos permitiram uma sensível redução dos custos de transporte dos produtos para exportação (veja na Tabela 5.1 a enorme expansão da malha ferroviária no Brasil a partir da segunda metade do século XIX); (d) o aumento da população dos Estados Unidos, provo- cado pela grande imigração que houve para esse país. Os norte-americanos passaram a importar muito, incrementando signifi cativamente o mercado para as exportações brasileiras. Os Estados Unidos chegaram a ser responsáveis por cerca de 60% das compras internacionais do café brasileiro; (e) a garantia, por parte do empreendimento cafeeiro concentrado nessa região, das condições básicas para o nascimento de uma nova classe, assentada em relações de produção tipicamente capitalistas e capazes de organizar com maior desembaraço seus interesses políticos e econômicos, cujo papel consolidou-se na República Velha, como você verá na próxima aula. Abolição da Escravatura Em 1888, foi abolida a escravidão no Brasil. As conseqüências econômicas deste ato logo se fi zeram sentir na economia e na política nacional. No texto a seguir, você terá mais detalhes sobre o tema. “Dois conceitos históricos são entendidos por abolição da escravatura: o conjunto de manobras sociais e políticas empreendidas entre o período de 1870 a 1888 em prol da libertação dos escravos e a própria promulgação da Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel em 13 de maio de 1888, promovendo a ofi cialização da abolição do regime escravista. (...) a mão-de-obra proveniente das novas correntes imigratórias passou a ser empregada. Os negros, por um lado libertos, não possuíam instrução educacional ou a especialização profi ssional que passou a ser exigida, decorrendo desses aspectos a permanência dos negros à margem da sociedade frente à falta de oportunidades a eles oferecidas. A liberdade dada aos negros anteriormente escravizados é relativa: embora não mais escravizados, nenhuma estrutura que garantisse a ascensão social ou a cidadania dos negros foi oferecida.” Fonte: http://www.historiaonline.pro.br/ historia/abolicao.htm !! Aula5.indd 87 1/12/2006, 2:33:09 PM 88 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre Observe na Tabela 5.2 o fl uxo de imigrantes para o Brasil e de onde estes vieram. Naquela época (fi nal do século XIX e início do século XX), os italianos emigraram em enorme quantidade para o Brasil. Tabela 5.1: Expansão da malha ferroviária no Brasil Anos Ferrovias (em km) 1864 475 1867 601 1870 1.000 1875 1.801 1883 4.865 1887 8.846 1888 9.200 1889 9.583 Fonte: Barbeiro, H. (1978, p. 127). Não à toa, há inúmeras novelas de televisão que se remetem a este período da história, no qual as perso- nagens principais são italianos imigrantes. Terra Nostra e Esperança, produzidas e exibidas pela Rede Globo em 1999 e 2002, respectivamente, são exemplos disso. Nacionalidade/períodos 1884-1893 1894-1903 1904-1913 1914-1923 1924-1933 Alemães 22.778 6.698 33.859 29.339 61.723 Espanhóis 113.116 102.142 224.672 94.779 52.405 Italianos 510.533 537.784 196.521 86.320 70.177 Japoneses - - 11.868 20.398 110.191 Portugueses 170.621 155.542 384.672 201.252 233.650 Sírios e turcos 96 7.124 45.803 20.400 20.400 Outros 66.524 42.820 109.222 51.493 164.586 Total 883.668 852.110 1.006.617 503.981 717.223 Fonte: IBGE (2000). Tabela 5.2: Vinda de imigrantes para o Brasil por nacionalidade e períodos selecionados Aula5.indd 88 1/12/2006, 2:33:09 PM C E D E R J 89 A U LA 5 Tabela 1 Escravidão e imigração no Brasil Analise os dois fragmentos a seguir: 1. Alguns eventos muito anteriores a 13 de maio de 1888 evidenciavam que a escravidão seria abolida. Em 1810, dom João VI promete à Inglaterra acabar com o comércio de escravos. Anos depois, em 1850, o tráfi co de negros para o Brasil é extinto pela Lei Eusébio de Queiroz. Em 1871, é promulgada a Lei do Ventre Livre (que alforriava todos os filhos de escravos nascidos a partir daí) e, em 1885, a Lei dos Sexagenários (que libertava todos os escravos com mais de sessenta anos). 2. A partir da segunda metade do século XIX, a economia brasileira começou a experimentar umperíodo de prosperidade e de diversifi cação de atividades. Alguns produtos agrícolas ganharam espaço no mercado internacional e a indústria começou, aos poucos, a se desenvolver. No entanto, é na exportação do café – agricultura de latifúndio – que o Brasil calçou os alicerces da base econômica do país. Inicialmente no Vale do Paraíba e, depois, no oeste paulista, o café se propagou. O solo de terra roxa, mais propício para o cultivo, fez com que o oeste paulista superasse em pouco tempo a produção das áreas tradicionais do Vale do Paraíba. O aumento da malha ferroviária facilitou o processo de transporte da produção. Além disso, na década de 1860, o porto de Santos torna-se o primeiro centro portuário de exportação do país. O café só mostrava desenvolvimento nessa época! De acordo com estes dois fragmentos, o que você pode concluir sobre as razões que motivaram a política brasileira de estímulo à imigração? Aborde em sua resposta: a. as condições favoráveis ao processo (proporcionadas pelo governo); b. a necessidade que seria sanada pela vinda dos estrangeiros; c. o porquê da existência desta necessidade. _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ _______________________________________________________________________________ Resposta Comentada Contexto: No Brasil do século XIX, pressionado pelo poderio do governo inglês, a escravatura se tornou uma situação insustentável. O mundo precisava a cada dia mais de novos mercados consumidores, em decorrência do sucesso da Revolução Industrial. A mão-de-obra assalariada, nesse contexto, se tornava muito mais interessante do que a escrava. Atividade 1 1 Aula5.indd 89 1/12/2006, 2:33:10 PM 90 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre A produção do café no oeste paulista apresentou duas formas bem marcadas de utilização da mão-de-obra imigrante. Primeiro aconteceu o sistema de parceria, marcando o chamado oeste velho paulista, momento inicial de inserção dos imigrantes. A segunda forma, o sistema de colonato, no oeste novo paulista, inaugurou a formação das bases de relações capitalistas de produção, de acordo com a interpretação de importantes autores na historiografi a brasileira. Você deve ter escrito em sua resposta que havia muitos indícios para o fi nal da escravidão e, ao mesmo tempo, “pistas” de que haveria uma crise econômica gerada pela falta de mão-de-obra para o trabalho nas lavouras. O café, base da economia brasileira a partir da segunda metade do século XIX, mostrava franca expansão em decorrência da qualidade do solo de terra roxa para o plantio deste grão. A Europa, passava nesse período por uma série de crises que amedrontavam a população de seus países. Foi neste contexto que o Brasil começou não só a acolher, mas a estimular a vinda de estrangeiros para nossas terras, para que eles trabalhassem como empregados dos grandes latifúndios cafeeiros. Isso aumentou ainda mais a produção cafeeira, que tinha à sua disposição formas efi cientes de escoamento: a malha ferroviária, que permitia maior acesso a zonas portuárias, principalmente a santista. Figura 5.1: O café, produto de exportação em que se baseava a economia brasileira a partir da segunda metade do século XIX até início do século XX. Aula5.indd 90 1/12/2006, 2:33:11 PM C E D E R J 91 A U LA 5 O OESTE VELHO PAULISTA: O SISTEMA DE PARCERIA O ano de 1845 marca a primeira experiência de utilização da mão-de-obra de imigrantes na monocultura exportadora do café, na fazenda Ibicaba, do SENADOR NICOLAU VERGUEIRO, sob a forma de parceria. A princípio, o Senador Vergueiro exaltava as qualidades físicas e técnicas dos imigrantes como um fator-chave para sua “importação” da Europa, em um momento de crescentes difi culdades para a compra e utilização de escravos. O sistema consistia de uma proposta divulgada na Europa por agentes contratados por Vergueiro visando contratar trabalhadores dispostos ao serviço na lavoura, recebendo em troca lotes de pés de café adultos – preparados, portanto, para a produção. Metade do valor da colheita (cotas de pagamento) seria dos imigrantes, logicamente após a dedução dos custos de transporte, impostos e comissões – daí a defi nição de parceria. Ao trabalhador caberia ainda a exploração de lotes de subsistência – e, se houvesse excedentes, seriam também repartidos com o proprietário. Apesar do conceito de parceria, todo o processo de comercialização e contabilidade fi cava a cargo do proprietário. No entanto, o que acontecia era uma situação completamente distinta daquela apregoada pelos agentes de Vergueiro no recrutamento dos imigrantes na Europa. Começava pelas péssimas condições do traslado. Muitos imigrantes morreram antes de chegar ao Brasil, devido à falta de higiene, que proporcionava o desenvolvimento de uma série de doenças. Ao chegar, a primeira novidade para os “colonos” (como o Senador denominava esses imigrantes) era a obrigação de pagamento de todo o custo de seu transporte, além do pagamento de juros de 6% ao ano pelo adiantamento oferecido para a manutenção dos trabalhadores durante o primeiro ano de sua chegada. Os imigrantes eram obrigados, por contrato, a permanecer pelo menos quatro anos na fazenda. Além disso, a família imigrante era a responsável legal por cada um de seus membros, de maneira que, se algum morresse, os outros deveriam arcar com o pagamento de sua dívida. Apesar dessas condições extremamente desfavoráveis, incluindo as mortes e doenças decorrentes dos maus-tratos e da longa e contínua jornada de trabalho, as safras foram abundantes e os termos do contrato estavam sendo cumpridos. Ademais, como nem todos os imigrantes SE N A D O R NI C O L A U VE R G U E I RO (1778-1859) Nasceu em Portugal e veio para o Brasil com 25 anos, época em que começou a trabalhar como advogado. Tornou-se político e latifundiário alguns anos depois, dono de uma empresa chamada “Vergueiro e Cia”. Esta empresa fi rmava contratos com estrangeiros para que eles viessem para o Brasil trabalhar na lavoura. Os imigrantes eram convencidos de que teriam terra para cultivar produtos que lhes retornariam subsistência e lucro. O senador Vergueiro foi o principal personagem do sistema de parceria, que executava na sua fazenda (Ibicaba), em SE N A D O R NI C O L A U VE R G U E I RO (1778-1859) Nasceu em Portugal e veio para o Brasil com 25 anos, época em que começou a trabalhar como advogado. Tornou-se político e latifundiário alguns anos depois, dono de uma empresa chamada “Vergueiro e Cia.”. Essa empresa fi rmava contratos com estrangeiros para que eles viessem para o Brasil trabalhar na lavoura. Os imigrantes eram convencidos de que teriam terra para cultivar produtos que lhes retornariam subsistência e lucro. O Senador Vergueiro foi o principal personagem do sistema de parceria, realizado na sua fazenda (Ibicaba), em Limeira, SP. Aula5.indd 91 1/12/2006, 2:33:12 PM 92 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre estavam integrados ao sistema agrícola em seus países de origem (não havia uma seleção prévia naEuropa pelos agentes de Vergueiro), a solução vislumbrada foi a importação desse tipo de mão-de-obra em maior escala – considerando sua baixa produtividade média. Outros fazendeiros vizinhos começaram a se interessar pelo método, principalmente com a proibição do tráfi co, ratifi cada em 1850 – e Vergueiro atuava como agente desses novos empreendedores. Não é difícil perceber, portanto, que esse sistema não apresentava condições de sobrevivência em longo prazo. As raízes do fi m estavam fi ncadas nas próprias bases do processo. A atividade a seguir o auxiliará a perceber como o sistema de parceria, inicialmente criado para solucionar a enorme demanda de mão- de-obra que se apresentava como um fator limitante para a expansão do café, mostrava características insustentáveis desde o seu início. Imigrantes Aqueles que estão bem na Itália, como vocês meus fi lhos, não devem deixá-la, digo-lhes isto como pai (...). Não acreditem naqueles que falam bem da América (...). É preferível estar numa prisão na Itália do que numa fazenda aqui. Zuleika Alvim, Brava Gente De acordo com o que você leu até agora nesta aula, liste três razões que contribuíram para o fracasso do sistema de parceria: _______________________________________________________________________________ ________________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ Resposta Comentada Você pode ter mencionado em sua resposta que as péssimas condições de transporte foram um fator de descontentamento para os imigrantes. Além deste, os estrangeiros não encontraram, por ocasião de sua chegada, nada do que lhes havia sido prometido: não havia terras para que eles cultivassem seu próprio café, e sim muito trabalho na lavoura do fazendeiro. Estes imigrantes nunca alcançariam suas expectativas, pois deviam enormes somas em dinheiro ao proprietário da fazenda, devido aos altos custos da viagem. Some-se a isso o fato de que os imigrantes precisavam fazer compras no armazém da fazenda, onde os produtos tinham preços a sabor da vontade do latifundiário, as dívidas só aumentavam e o trabalho passava a ser um regime de semi-escravidão, como você verá a seguir nesta aula. Atividade 2 3 Aula5.indd 92 1/12/2006, 2:33:13 PM C E D E R J 93 A U LA 5 SISTEMA DE PARCERIA: A ESCRAVIDÃO DISFARÇADA E SEUS LIMITES O grande problema do sistema de parceria dizia respeito à relação fazendeiros/colonos, que era na verdade uma continuação das condições de escravidão nas bases do trabalho e do nível de vida. Não houve uma mudança ideológica por parte dos fazendeiros no que se refere ao trabalho: consideravam e tratavam os imigrantes realmente como escravos. Para isso, utilizavam má-fé nos contratos, já altamente desvantajosos para os imigrantes, de maneira que a insatisfação tornava-se crescente tanto para os colonos quanto para os fazendeiros. Da parte dos colonos, a insatisfação era óbvia. Do sonho de uma vida melhor, com novas perspectivas de realizações, idéia fartamente divulgada na Europa no momento de seu recrutamento, passavam a uma realidade absolutamente distinta. As cláusulas contratuais, em realidade, prendiam os imigrantes à fazenda eternamente, sob rigoroso controle e supervisão dos fazendeiros – como era a função dos capatazes para os escravos africanos. Diversos direitos do colono, mesmo previstos em contrato, eram suprimidos sem qualquer pudor. Como exemplo, sair da fazenda e receber visitas eram atividades proibidas. A moradia dos imigrantes era, em geral, uma “adaptação” das antigas instalações das senzalas. Os fazendeiros impunham ainda rigorosas punições aos colonos, sob a argumentação de vadiagem, embriaguez e outras situações semelhantes. Tudo isso apoiado em uma situação de endividamento eterno dos imigrantes junto aos patrões fazendeiros – à custa de manipulação desonesta dos livros de contabilidade da fazenda, práticas de subfaturamento da produção e até aumento indiscriminado da dívida registrada. Pelo lado dos fazendeiros, havia uma insatisfação cultural e ideológica. Acostumados com o trabalho escravo, que lhes caracterizava uma propriedade, não toleravam o aparecimento de questões trabalhistas, que causavam deserções e greves organizadas por camadas de imigrantes mais esclarecidos, em particular os italianos. Somava-se a isso o início da queda de receita de exportação, determinada, sobretudo, pelo substancial aumento da produção no Brasil – maior exportador mundial do produto. Para os fazendeiros, os colonos representavam a ralé da população dos países de origem, gente desordeira e pouco afeita ao trabalho – como os escravos, mas agora disfarçados na pele branca. Tratava-se, portanto, de uma situação insustentável. Aula5.indd 93 1/12/2006, 2:33:13 PM 94 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre O OESTE NOVO PAULISTA E O SISTEMA DE COLONATO Apesar dos conflitos internos do sistema de parceria e da impossibilidade de continuação daquele processo de recrutamento da mão-de-obra imigrante, a “falta de braços” para a expansão da lavoura agrícola cafeeira persistia. O problema residia no fato de que a imagem do Brasil como um possível espaço para a realização de homens pobres europeus vinha sendo desfeita a passos largos. A divulgação na Europa dos maus-tratos conferidos aos imigrantes em São Paulo repercutia de maneira bastante negativa. Um caso famoso ocorreu com um imigrante suíço, Thomas Davatz, que em 1856 liderou uma revolta contra a escravidão por dívida do sistema de parceria na fazenda do Senador Vergueiro. A publicação de seu livro de memórias em 1858, na Suíça, teve efeitos devastadores para a vinda de imigrantes. Ao mesmo tempo, a empresa cafeeira ascendente começava a dar mais corpo político aos fazendeiros (os barões do café), cuja participação no processo de decisões tornava-se cada vez mais decisiva. A capacidade de vislumbrar com clareza o problema da escassez de mão-de-obra em um ambiente hostil para a imigração exigiu a defi nição de novas formas de atração dos estrangeiros. No entorno de 1870, o colonato aparecia como o novo formato encontrado para garantir os fl uxos de imigração para a cafeicultura, trazendo mudanças signifi cativas em relação ao sistema de parceria. O preço de um produto é baseado na relação entre disponi- bilidade e procura deste produto (lei da oferta e demanda). Se há muita procura de um determinado produto escasso, este normalmente se torna mais caro. Ao contrário, se um produto está disponível em grandes quantidades, em geral seu preço cai, pois há mais mercadoria à venda do que consumidores para ela. Houve um momento da história da comercialização do café como base da economia brasileira (como você verá mais à frente) em que isso aconteceu. A efi ciência na produção e a difi culdade de venda do produto fi zeram com que enormes quantidades de café tivessem que ser incineradas, na tentativa de manter o preço da mercadoria em alta. ?? Aula5.indd 94 1/12/2006, 2:33:13 PM C E D E R J 95 A U LA 5 Sistema de colonato: favorecendo a imigração no Brasil Leia os trechos a seguir: (...) Os gastos com transporte e as demais despesas não constituíam dívida da família imigrante e o sistema de remuneração era misto. Além disso, as famílias podiam produzir parte dos gêneros de subsistência que consumiam e vender o excedente em mercados próximos. (...) tanto os custos com o transporte do imigrante da Europa para o Brasil como as despesas com a fi xação e a sobrevivência das famílias nas fazendas corriam por contado fazendeiro e constituíam uma dívida dos imigrantes. Trechos retirados do artigo de Roberson de Oliveira – Folha de S. Paulo on-line – Educação. http://www1.folha.uol.com.br/folha/educacao/ult305u9385.shtml Além da criação de uma forma de pagamento direto ao colono, pelo menos em parte do total que era devido pelo seu trabalho na lavoura, o fazendeiro foi obrigado a arcar com despesas de viagens e do primeiro ano de trabalho. Também era concedida ao imigrante uma fatia de terra para o plantio de artigos para subsistência. Um passo fundamental para a dinamização do sistema de colonato foi a utilização do governo da província de São Paulo para custear o transporte para o Brasil, além da instalação dos estrangeiros. O governo paulista participava diretamente na contratação de imigrantes, principalmente através da Sociedade Promotora de Imigração, em 1886, por iniciativa de ANTÔNIO DE QUEIROZ TELLES, o conde de Parnaíba. Nesse período, o contingente mais importante da imigração era de italianos (cerca de 510.000, entre 1884 e 1893), vindos principalmente devido ao violento processo de unifi cação da Itália. Foram gastas pelo governo, a título de subsídios para a vinda destes imigrantes, aproximadamente 1.600.000 libras esterlinas. Os resultados foram altamente satisfatórios. No último quartel do século XIX, algo em torno de 800 mil imigrantes entraram no Brasil para a produção de café, garantindo defi nitivamente as condições básicas do crescimento de sua produção. A atividade a seguir vai auxiliá-lo a diferenciar o sistema de colonato do sistema de parceria. AN T Ô N I O D E QU E I RO Z TE L L E S (1831-1888) Bacharel em direito e cafeicultor. Presidiu a Província de São Paulo, onde teve especial importância na época do sistema de colonato. Ficou conhecido também como Apóstolo da Imigração Italiana. Trabalhou arduamente para a implantação de uma ferrovia que ligasse Jundiaí – grande pólo de produção de café da época – ao Porto de Santos. AN T Ô N I O D E QU E I RO Z TE L L E S (1831-1888) Bacharel em Direito e cafeicultor. Presidiu a província de São Paulo, onde teve especial importância na época do sistema de colonato. Ficou conhecido também como Apóstolo da Imigração Italiana. Trabalhou arduamente para a implantação de uma ferrovia que ligasse Jundiaí – grande pólo de produção de café da época – ao porto de Santos. Atividade 3 SI S T E M A D E RE M U N E R A Ç Ã O M I S T O Era aquele no qual os imigrantes recebiam uma parte do pagamento sobre participação na venda do café e outra parte em salário fi xo anual. 2 Aula5.indd 95 1/12/2006, 2:33:14 PM 96 C E D E R J Formação Econômica do Brasil | Economia cafeeira com trabalho livre CONCLUSÃO O problema mais importante para a continuidade da cultura cafeeira voltada para a exportação era, certamente, a escassez de mão-de-obra – como você viu na aula passada, esse foi um dos elementos fundamentais para a decadência do café no Vale do Paraíba. A possibilidade de substituição do escravo pelo imigrante, vislumbrada por fazendeiros do oeste paulista, foi o fator mais importante para a liderança de São Paulo nas exportações de café ao fi nal do século XIX. Essa substituição só foi viável de fato com a implementação do sistema de colonato. Percebe a importância deste sistema para a cultura do café no Brasil daquela época? O colonato permitiu uma forte aceleração na vinda de imigrantes para o Brasil. Quais foram as duas principais diferenças em relação ao sistema de parceria que contribuíram para isso? ___________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ ____________________________________________________________________________ _________________________________________________________________ Resposta Comentada Ao contrário do sistema de parceria, o colonato não impunha condições de vida tão degradantes aos imigrantes para a atividade produtiva. O fi nanciamento de sua vinda pelo Estado e a possibilidade de manter aceso o sonho de progredir em uma terra nova favoreceram fortemente o aumento do fl uxo de imigrantes para o país. No sistema de parceria, o imigrante arcava com todos os custos da viagem e estadia, acumulando uma dívida praticamente impagável, e sofria com condições de vida extremamente precárias, o que determinou um fi m muito rápido para sua utilização. No colonato, com a participação do Estado no fi nanciamento do fl uxo migratório, aliada a um processo mais geral de imigração européia para o resto do mundo, a imigração encontrou condições bem mais favoráveis para deslanchar. Aula5.indd 96 1/12/2006, 2:33:14 PM C E D E R J 97 A U LA 5 A atividade fi nal é um pouco diferente das atividades que você realizou até então na disciplina Formação Econômica do Brasil. Você não precisará de papel e nem de caneta para executá-la, mas tenha em mente sua relevância: fazê-lo reconhecer a importância da entrada dos imigrantes como mão-de-obra para a lavoura, o que foi nossa meta para esta aula. Gaste com esta atividade, ao menos, dois minutos. Pare e pense antes de passar à leitura do comentário! Propomos que, neste momento, você refl ita sobre o que teria acontecido à economia nacional daquela época se não tivesse ocorrido a entrada de um enorme contingente de imigrantes para trabalhar na lavoura de café. Mais ainda, propomos que você pense em que conseqüências poderíamos vivenciar atualmente se o café não tivesse sustentado nosso país durante mais de meio século. Lembre-se de pensar em como se sustentou a economia do país durante todo o período de colônia e também no início da fase independente. Pense, ainda, na política brasileira do início do século XX, que você aprenderá mais à frente nesta disciplina, mas da qual você deve ter algumas informações ainda da época do colégio. Comentário Desde que o Brasil foi descoberto, parte expressiva de seus recursos (quer para a metrópole portuguesa, quer para a pátria independente) foi gerada a partir da exportação de produtos do setor primário. Houve exploração do pau-brasil, cana-de-açúcar, ouro, café. O esgotamento de um determinado produto levava à busca de um novo que rendesse o sustento da economia (metropolitana ou nacional). A impossibilidade de produzir o café por falta de mão-de-obra numa época em que esta mercadoria era tão valorizada no mercado internacional decerto promoveria uma alteração muito grande nas trilhas seguidas pela nossa economia. Atividade Final A introdução do imigrante na produção de café no oeste paulista propiciou aos fazendeiros da região uma solução viável para o problema da escassez de mão-de- obra. A ampliação dos investimentos em ferrovias (e o uso de técnicas mais racionais de plantio) garantiu uma rápida expansão do processo produtivo. A utilização dos imigrantes no sistema de parceria tinha características que inviabilizaram sua permanência em longo prazo. A causa central e defi nitiva para o forte infl uxo de europeus e orientais em direção à lavoura do café foi a mudança para o sistema de colonato, contando com importante ajuda do governo da província de São Paulo. R E S U M O Aula5.indd 97 1/12/2006, 2:33:14 PM
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