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<p>NUTRIÇÃO NOS</p><p>CICLOS DA VIDA</p><p>OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM</p><p>> Descrever as principais mudanças fisiológicas e necessidades nutricionais</p><p>da gravidez.</p><p>> Identificar planos alimentares adequados para uma gestante ou lactante.</p><p>> Explicar os processos fisiológicos que ocorrem na amamentação e respec-</p><p>tivos benefícios à mãe e ao bebê.</p><p>Introdução</p><p>A saúde materno-infantil é parte do indicador de desenvolvimento humano,</p><p>dada a vulnerabilidade deste grupo. O cuidado à saúde das gestantes, nutrizes</p><p>e lactentes passa pelo estado nutricional e pela alimentação adequada a cada</p><p>fase, com o objetivo de reduzir o risco de complicações durante a gestação e no</p><p>pós-parto imediato e tardio. A nutrição da gestante impacta diretamente na saúde</p><p>do feto e do bebê, assim como a alimentação da nutriz pode modificar a qualidade</p><p>nutricional do leite materno e, portanto, a saúde do lactente.</p><p>Nutrição: um foco</p><p>nos estágios da</p><p>vida — gravidez e</p><p>amamentação</p><p>Ramona Baqueiro Boulhosa</p><p>A gestação e a amamentação modificam as demandas energéticas e de nu-</p><p>trientes das mulheres, exigindo ajustes na dieta e até mesmo suplementação</p><p>específica para garantir a saúde da mãe e do bebê. Da mesma forma, a alimentação</p><p>inadequada pode contribuir para ocorrência de doenças para a mãe, principalmente</p><p>durante a gestação, e pode aumentar o risco de morbimortalidade materna e</p><p>neonatal.</p><p>Neste capítulo, você vai conhecer as mudanças hormonais e fisiológicas ob-</p><p>servadas durante o período gestacional e seu impacto nas necessidades nutri-</p><p>cionais da gestante. Você ainda vai aprender sobre as principais recomendações</p><p>nutricionais para gestantes e lactantes, incluindo as mulheres com diabetes</p><p>gestacional e síndrome hipertensiva da gestação. Por fim, você vai conhecer a</p><p>fisiologia da lactação, os hormônios envolvidos e os principais estímulos para</p><p>produção e secreção do leite. Serão ainda abordados a composição nutricional</p><p>do leite materno e os benefícios da amamentação para nutriz e lactente.</p><p>Fisiologia da gestação e recomendações</p><p>nutricionais</p><p>A gestação é um período de intensas modificações em todos os sistemas</p><p>fisiológicos do organismo da mulher para atender à demanda da formação</p><p>das estruturas associadas à gestação (placenta, líquido amniótico, etc...), do</p><p>bebê e do preparo para o parto. Essas modificações começam no momento</p><p>da implantação do embrião ao endotélio e são moduladas pelos hormônios</p><p>(DOUGLAS, 2006). Os principais hormônios envolvidos na gestação e alguns</p><p>de seus efeitos estão descritos no Quadro 1.</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação2</p><p>Quadro 1. Hormônios da gestação e seus efeitos</p><p>Hormônio Local de produção Efeitos fisiológicos</p><p>Gonadotrofina</p><p>coriônica humana</p><p>(hCG)</p><p>Células do</p><p>blastocisto (que</p><p>darão origem à</p><p>placenta madura)</p><p>Impede a morte do corpo</p><p>lúteo e o estimula a continuar</p><p>secretando a progesterona até</p><p>a sua produção ser assumida</p><p>pela placenta.</p><p>Hormônio lactogênio</p><p>placentário</p><p>Corpo lúteo/</p><p>placenta</p><p>Estimula o desenvolvimento</p><p>da mama e lactação. Outro</p><p>efeito é a disponibilização de</p><p>glicose para o feto, pois ele</p><p>reduz a captação de glicose</p><p>pelos tecidos maternos por</p><p>induzir resistência à insulina</p><p>na gestante.</p><p>Progesterona Placenta Inibe as contrações uterinas; é</p><p>responsável por crescimento e</p><p>desenvolvimento dos alvéolos</p><p>das glândulas mamárias para</p><p>a produção de leite e aumento</p><p>da ventilação pulmonar</p><p>maternal.</p><p>Estrogênio Placenta É responsável por crescimento</p><p>e desenvolvimento do útero e</p><p>dos ductos mamários e pela</p><p>maior vascularização uterina.</p><p>Prolactina Hipófise anterior Estimula a produção do leite</p><p>materno.</p><p>Ocitocina Hipófise posterior Estimula a contração uterina</p><p>no momento do parto; e a</p><p>secreção do leite no momento</p><p>da amamentação.</p><p>Fonte: Adaptado de Douglas (2006).</p><p>Esse conjunto de hormônios vai modular todo metabolismo materno para</p><p>garantir a continuidade da gestação e o desenvolvimento do embrião (DOU-</p><p>GLAS, 2006). Diversas modificações são observadas nos diferentes sistemas</p><p>fisiológicos, como as descritas a seguir.</p><p>� Sistema cardiovascular: aumento do volume sanguíneo, do débito</p><p>cardíaco, da frequência cardíaca. Há ainda aumento da produção de</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 3</p><p>hemácias. Todas essas alterações visam a garantir fluxos sanguíneos</p><p>adequados para mãe e bebê, de forma que recebam nutrientes e oxi-</p><p>gênio suficientes.</p><p>� Sistema digestivo: náuseas e vômitos no primeiro trimestre são comuns</p><p>devido à ação da gonadotrofina coriônica humana (hCG). A constipação</p><p>intestinal também é comuns devido à ação da progesterona.</p><p>� Sistema respiratório: aumento da ventilação pulmonar (aumento do</p><p>volume de oxigênio inspirado e expirado) sem alteração da frequência</p><p>respiratória.</p><p>� Sistema renal: aumento de frequência e urgência de micção e inconti-</p><p>nência de esforço dada a pressão causada pelo útero na bexiga.</p><p>Durante a gestação, observa-se, ainda, o ganho de peso da gestante,</p><p>que inclui o bebê e os elementos corporais da gestação. No Quadro 2 estão</p><p>descritas as estruturas associadas ao ganho de peso materno.</p><p>Quadro 2. Peso associado aos diferentes componentes da gestação</p><p>Tecidos e fluidos Peso médio (gramas)</p><p>Feto 3.400</p><p>Placenta 650</p><p>Líquido amniótico 800</p><p>Útero 970</p><p>Mamas 405</p><p>Sangue 1.450</p><p>Fluido extravascular 1.480</p><p>Reservas corporais maternas 3.345</p><p>Total 12.500</p><p>Fonte: Adaptado de Wardlaw e Smith (2013).</p><p>O ganho ponderal médio durante as 40 semanas gestacionais deve ser em</p><p>torno de 12,5 kg. Esse é um valor médio que deve ser ajustado de acordo com</p><p>o estado nutricional pré-gravídico, conforme recomendado pelo Sistema de</p><p>Vigilância Alimentar e Nutricional (BRASIL, 2011) (Quadro 3).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação4</p><p>Quadro 3. Ganho de peso (kg) recomendado durante a gestação, segundo</p><p>o estado nutricional inicial</p><p>Estado</p><p>nutricional</p><p>pré-gravídico</p><p>(IMC)</p><p>Recomendação</p><p>de ganho de</p><p>peso (kg) total</p><p>no 1º trimestre</p><p>Recomendação</p><p>de ganho de</p><p>peso (kg)</p><p>semanal médio</p><p>no 2º e 3º</p><p>trimestres</p><p>Recomendação</p><p>de ganho de</p><p>peso (kg) total</p><p>na gestação</p><p>Baixo peso 2,3 0,5 12,5-18,0</p><p>Adequado 1,6 0,4 11,5-16,0</p><p>Sobrepeso 0,9 0,3 7,0-11,5</p><p>Obesidade -- 0,3 7,0</p><p>Fonte: Adaptado de Brasil (2011).</p><p>Todas as transformações metabólicas, fisiológicas e anatômicas que ocor-</p><p>rem durante o período gestacional modificam a demanda de nutrientes. De</p><p>forma geral, há aumento das necessidades de energia, carboidratos, proteínas,</p><p>ferro, iodo, folato e piridoxina. Contudo, o aumento das necessidades desses</p><p>nutrientes não é homogêneo; essa demanda vai depender das alterações</p><p>fisiológicas do período gestacional (WARDLAW; SMITH, 2013).</p><p>Para o cálculo das necessidades calóricas totais, é necessário determinar o</p><p>gasto energético basal (GEB) e o gasto associado à atividade física. O GEB deve</p><p>ser calculado de acordo com o peso pré-gestacional, se gestante com peso</p><p>pré-gravídico adequado. Para promover o ganho de peso durante a gestação,</p><p>é necessário aumentar o consumo de calorias. As ingestões dietéticas de refe-</p><p>rência — dietary reference intakes (DRIs) —propõem que, no primeiro trimestre</p><p>gestacional, a ingestão calórica seja semelhante à do período não gravídico,</p><p>pois a demanda energética não se eleva. Para o 2º e o 3º trimestre, inclui-se,</p><p>respectivamente, 340 kcal e 452 kcal (PADOVANI et al., 2006). O Institute of</p><p>Medicine (2005), por sua vez, recomenda um acréscimo de 250 kcal/dia por</p><p>todo o período da gestação (FREITAS et al., 2010). A Organização das Nações</p><p>Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e a Organização Mundial da</p><p>Saúde (OMS) recomendam o adicional calórico a partir do 1º trimestre de 200</p><p>kcal para gestantes sedentárias ou que interromperam a prática de atividade</p><p>física com a gestação e 285 kcal para gestantes fisicamente ativas durante</p><p>toda gravidez (ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1985). O Institute of</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 5</p><p>Medicine (2005) ainda apresenta um</p><p>cálculo de requerimentos energéticos</p><p>estimado que considera a idade gestacional, conforme equação a seguir.</p><p>EER = EER pré-gestacional + (8 kcal x IG em semanas) + 180 kcal</p><p>EER pré-gestacional = 354 – (6,91 x I) + NAF x (10 x P) + (934 x A) + 25</p><p>NAF:</p><p>� 1,0 (sedentária);</p><p>� 1,16 (pouco ativa);</p><p>� 1,31 (ativa);</p><p>� 1,56 (muito ativa)</p><p>EER: estimativa energética recomendada; IG: idade gestacional; I: idade; NAF: nível de atividade</p><p>física; P: peso; A: altura</p><p>Em razão da síntese de novas estruturas corporais maternas e do feto, a</p><p>oferta de proteína deve ser ajustada para o período gestacional. A Organização</p><p>Mundial da Saúde (1998) sugere a prescrição de 0,91 g de proteína/kg de peso/</p><p>dia e adição de 6 g/dia de proteína durante as 40 semanas gestacionais. Se</p><p>considerados os trimestres gestacionais, o adicional proteico deve ser 1,2 g,</p><p>6,1 g e 10,7 g para 1º, 2º e 3º trimestres (NATIONAL RESEARCH COUNCIL, 1989).</p><p>O Institute of Medicine (2005) recomenda, por sua vez, ingestão proteica de</p><p>1,1 g/kg peso/dia.</p><p>É necessário ainda ajustar a oferta de carboidratos e lipídeos. A recomen-</p><p>dação para gestantes é dieta normoglicídica (45 a 65% do valor energético</p><p>total [VET]) e normolipídica (20-35% do VET), de acordo com os intervalos</p><p>propostos pelas DRIs. Enquanto a ingestão diária recomendada — recommen-</p><p>ded dietary allowance (RDA) — de carboidratos para mulheres adultas não</p><p>gestantes é de 130 g/dia, a RDA de gestantes é de 175 g/dia. Esse acréscimo se</p><p>deve à maior necessidade de glicose para garantir oferta contínua de energia</p><p>para o bebê. Em relação à oferta nutricional de lipídeos, deve-se estimular</p><p>um consumo limitado de gordura saturada e evitar gordura trans na dieta</p><p>da gestante (PADOVANI et al., 2006). Nessa fase é importante a ingestão de</p><p>ácidos graxos essenciais ômega-3, necessários para formação das células do</p><p>sistema nervoso central do feto. Considerando-se a baixa ingestão dietética</p><p>de peixes ricos em ômega-3, a Associação Brasileira de Nutrição recomenda a</p><p>suplementação de 200 mg/dia de ácido docosa-hexaenoico (DHA) para todas</p><p>gestantes e lactantes (NOGUEIRA-DE-ALMEIDA et al., 2022).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação6</p><p>Além dos macronutrientes, alguns micronutrientes têm destaque nessa</p><p>fase da vida. Minerais como ferro, zinco e iodo são muito importantes nessa</p><p>fase. A deficiência de ferro é comum na gestação, especialmente a partir do</p><p>2º trimestre. O aumento do volume sanguíneo leva a uma anemia por diluição</p><p>e, numa compensação fisiológica, há maior estímulo à produção de glóbulos</p><p>vermelhos. A deficiência materna de ferro durante o período gestacional</p><p>também pode comprometer o desenvolvimento do sistema nervoso do recém-</p><p>-nascido, levando a prejuízo no desenvolvimento físico, mental e cognitivo</p><p>(BRASIL, 2013). A RDA do ferro para gestantes é de 27 mg/dia (PADOVANI et</p><p>al.,2006). O zinco é um mineral fundamental para produção de proteínas.</p><p>Assim, para haver síntese adequada de novas células do feto, crescimento</p><p>das estruturas maternas associadas à gestação, hormônios, enzimas e sina-</p><p>lizadores, o zinco é um nutriente essencial (WARDLAW; SMITH, 2013). O iodo</p><p>é um nutriente fundamental para síntese dos hormônios da tireoide (T3 e</p><p>T4). A deficiência de iodo pode comprometer a produção desses hormônios,</p><p>causando abortos, natimortos, anomalias congênitas, aumento da mortalidade</p><p>perinatal, bócio neonatal, hipotireoidismo congênito transitório e alterações</p><p>psicomotoras e cretinismo (WARDLAW; SMITH, 2013). Felizmente, a política</p><p>nacional de iodação do sal reduziu de forma significativa a deficiência de iodo</p><p>na população brasileira, não sendo rotina a suplementação desse nutriente</p><p>mesmo no período gestacional.</p><p>As vitaminas também são relevantes durante a gestação, principalmente</p><p>o ácido fólico. Essa vitamina tem ação principalmente no primeiro trimestre</p><p>de gestação, pois está relacionada ao fechamento do tubo neural do feto.</p><p>Além disso, a carência de folato pode causar anemia megaloblástica materna,</p><p>comprometendo a circulação de oxigênio para a gestante e para o feto. É</p><p>recomendada ainda a suplementação de ácido fólico antes da gestação para</p><p>aquelas mulheres que planejam engravidar (WARDLAW; SMITH, 2013).</p><p>No Brasil, é protocolo do Ministério da Saúde a suplementação</p><p>da gestante com ácido fólico e com ferro. A Política Nacional de</p><p>Suplementação de ferro e ácido fólico inclui a suplementação diária a partir</p><p>do conhecimento da gravidez até o fim da gestação da mulher com 40 mg de</p><p>ferro elementar e 400 µg de ácido fólico. Doses maiores de ferro podem ser</p><p>necessárias se a gestante apresentar anemia ferropriva durante a gravidez. A</p><p>suplementação de ferro e ácido fólico durante a gestação é recomendada como</p><p>parte do cuidado no pré-natal para reduzir o risco de baixo peso ao nascer da</p><p>criança, anemia e deficiência de ferro e folato na gestante. Em relação ao ferro,</p><p>a suplementação persiste até o 3º mês pós-parto (BRASIL, 2016a).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 7</p><p>Todo período gestacional é marcado por intensas mudanças hormonais e</p><p>fisiológicas, impactando diretamente na alimentação da mulher. As demandas</p><p>nutricionais da gestante diferem muito das necessidades nutricionais da</p><p>mulher não gestante, e, mesmo durante o período gestacional, a ingestão de</p><p>nutrientes deve acompanhar as modificações fisiológicas e hormonais. Por</p><p>isso, a conduta nutricional deve ser individualiza, considerando os achados</p><p>clínicos, a semiologia nutricional e os exames laboratoriais. Por fim, esses</p><p>ajustes nutricionais visam à saúde materna e impactam diretamente na</p><p>saúde do bebê e reduzem os riscos de complicações associadas ao parto e</p><p>ao puerpério.</p><p>Alimentação da gestante e da nutriz em</p><p>diferentes fases</p><p>A alimentação saudável é a base para uma dieta adequada durante a gestação.</p><p>Nesse sentido, os hábitos alimentares positivos pré-gestacionais podem</p><p>ser grandes aliados no acompanhamento nutricional ao longo da gravidez.</p><p>Ainda assim, a conduta nutricional para esse período deve contemplar as</p><p>necessidades nutricionais aumentadas e ser ajustada às condições de saúde</p><p>e de estado nutricional maternos.</p><p>O Ministério da Saúde propôs um protocolo adaptado do Guia Alimentar da</p><p>População Brasileira adaptado para gestantes (BRASIL, 2021b). Esse protocolo</p><p>inclui as seguintes orientações.</p><p>� Estimular o consumo diário de feijão ou outras leguminosas, pre-</p><p>ferencialmente no almoço e no jantar: fontes de ferro e fibras, as</p><p>leguminosas podem ser adjuvantes na prevenção da anemia, quando</p><p>combinadas com alimentos fontes de vitamina C; com o consumo de</p><p>líquidos adequado, podem auxiliar no controle da obstipação intestinal.</p><p>� Evitar consumo de bebidas açucaradas: além de comprometerem a</p><p>ingestão de água, melhor meio para hidratação, essas bebidas são</p><p>acrescidas de calorias vazias, que podem favorecer o ganho de peso</p><p>excessivo. As bebidas com cafeína também são um risco, pois podem</p><p>aumentar o risco de abortos, partos prematuros, baixo peso da criança</p><p>ao nascer e natimorto.</p><p>� Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados: o profissional deve</p><p>orientar a gestante a ler e interpretar o rótulo dos alimentos industria-</p><p>lizados e alertar sobre a publicidade de alimentos. Explicar as carac-</p><p>terísticas nutricionais dos alimentos ultraprocessados, esclarecendo</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação8</p><p>que eles podem contribuir com o ganho de peso excessivo, além de</p><p>serem ricos em sódio, açúcar e gorduras, agravando problemas clínicos</p><p>prévios ou desenvolvidos durante a gestação (dislipidemia, resistência</p><p>à insulina e diabetes e hipertensão arterial).</p><p>� Consumir diariamente legumes e verduras no almoço e jantar: orientar</p><p>as diferentes formas de preparo para melhor adesão ao consumo. É im-</p><p>portante informar a gestante que esses alimentos são fontes de fibras,</p><p>micronutrientes e antioxidantes, substâncias que reduzem o risco de</p><p>desfechos negativos, como nascimento prematuro, desenvolvimento</p><p>de anomalias congênitas e ganho de peso gestacional excessivo.</p><p>� Consumir diariamente as frutas: orientar o consumo das frutas inteiras</p><p>em vez de sucos, que geralmente agregam açúcar e levam à perda de</p><p>micronutrientes naturalmente presentes nas frutas in natura.</p><p>� Comer em ambientes apropriados, com regularidade e atenção: a ges-</p><p>tante deve fazer as refeições sempre que possível em companhia da</p><p>família ou de amigos e em ambientes calmos, sem distrações (como</p><p>em frente a TV ou ao computador). A regularidade das refeições, com</p><p>planejamento e rotina, evita o hábito de beliscar.</p><p>Essas orientações são válidas para gestantes em geral. Contudo, o próprio</p><p>documento aponta que gestantes com hipertensão gravídica e diabetes ges-</p><p>tacional demandam acompanhamento especializado, e, assim, seu cuidado</p><p>nutricional deve ser mais criterioso. Gestantes com baixo peso e obesidade</p><p>também demandam de acompanhamento mais cuidadoso, uma vez que essas</p><p>situações podem aumentar o risco de problemas à saúde da mãe e do bebê</p><p>(BRASIL, 2021b).</p><p>Gestantes com baixo peso ou que apresentam ganho de peso insuficiente</p><p>apresentam risco elevado de terem filhos com baixo peso ao nascer, pequenos</p><p>para idade gestacional, parto prematuro e maior tempo de permanência</p><p>hospitalar do feto. Além disso, a mortalidade materna e neonatal tem maior</p><p>prevalência nas áreas em que a população vive em insegurança alimentar</p><p>e nutricional. Como diversas situações clínicas podem ser a causa do baixo</p><p>peso gestacional, o Ministério da Saúde recomenda avaliar a disponibilidade e</p><p>variedade de alimentos na família, os hábitos de vida da gestante (tabagismo,</p><p>etilismo e uso de drogas), solicitar exames para diagnóstico de parasitoses,</p><p>verificar a história clínica e o diagnóstico de doenças catabólicas ou infec-</p><p>ciosas e realizar a anamnese nutricional completa (BRASIL, 2021a).</p><p>A National Research Council (1989) sugere que o adicional calórico de 300</p><p>kcal seja contabilizado desde o primeiro trimestre de gestação das gestantes</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 9</p><p>com baixo peso, mesmo entendendo-se que nessa fase o gasto energé-</p><p>tico da mulher é semelhante ao período anterior à gestação. Essa é uma</p><p>forma de melhorar as reservas corporais (NATIONAL RESEARCH COUNCIL,</p><p>1989). Além disso, é importante que o cálculo das necessidades nutricionais</p><p>dessas pacientes seja feito considerando o peso ideal ou peso corrigido</p><p>(ORGANIZACIÓN MUNDIAL DE LA SALUD, 1985). A alimentação da paciente com</p><p>baixo peso deve priorizar alimentos com maior densidade calórica seguindo</p><p>as recomendações do Ministério da Saúde sobre a escolha dos alimentos.</p><p>Preparações como vitaminas, mingaus e sopas podem auxiliar no alcance</p><p>das necessidades nutricionais.</p><p>A gestação de mulheres obesas e o ganho de peso excessivo durante a</p><p>gestação também merecem atenção e destaque. O excesso de peso gestacional</p><p>pode aumentar o risco de doenças para mãe, como diabetes gestacional e</p><p>síndromes hipertensivas da gestação, e para a criança, como a macrossomia</p><p>(peso ao nascer > 4.000 g), parto cesariana, obesidade infantil e aumento na</p><p>pressão arterial infantil. Portanto, o acompanhamento e a programação do</p><p>ganho de peso devem ser realizados em todas as consultas do pré-natal.</p><p>Contudo, não há recomendação para perda de peso no período gestacional.</p><p>Gestantes que iniciaram a gestação já com obesidade devem ter um ganho</p><p>de peso total de 7 kg em toda gestação. Isso se deve ao peso do bebê e das</p><p>estruturas associadas à gestação (placenta, liquido amniniótico, etc), não</p><p>sendo necessária reserva corporal para lactação (WARDLAW; SMITH, 2013). A</p><p>National Research Council (1989) sugere que o adicional calórico de 300 kcal</p><p>seja contabilizado apenas a partir do 2º trimestre de gestação das gestantes</p><p>obesas e reforça que o cálculo das necessidades energéticas deve ser feito</p><p>de acordo com o peso ideal.</p><p>Critérios de diagnóstico do diabetes melito gestacional.</p><p>A classificação proposta pela Sociedade Brasileira de Diabetes</p><p>(ZAJDENVERG et al., 2021) inclui as seguintes condições relacionadas ao diabetes</p><p>na gestação.</p><p>Diabetes melito diagnosticado na gestação: intolerância aos carboidratos</p><p>detectada durante a gestação e que preenche os critérios diagnósticos de DM</p><p>fora da gestação.</p><p>� Glicemia de jejum > 126 mg/dL OU</p><p>� Glicemia ao acaso > 200 mg/dL OU</p><p>� Hemoglobina glicada > 6,5% OU</p><p>� No teste oral de tolerância à glicose após 24ª SG a glicemia após 2 horas ></p><p>200 mg/dL</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação10</p><p>Diabetes melito gestacional (DMG): intolerância aos carboidratos de gravi-</p><p>dade variável, que se inicia durante a gestação porém não preenche critérios</p><p>diagnósticos de DM fora da gestação.</p><p>� Glicemia de jejum: 92 a 125 mg/dL OU</p><p>� No teste oral de tolerância à glicose após 24ª SG</p><p>a) glicemia de jejum: 92 a 125 mg/dL OU</p><p>b) glicemia 1 h > 180 mg/dL OU</p><p>c) glicemia 2 h 153 a 199 mg/dL</p><p>Critérios de diagnóstico das síndromes hipertensivas da gestação (FREIRE;</p><p>TEDOLDI, 2009)</p><p>As síndromes hipertensivas da gestação são classificadas conforme a seguir.</p><p>� Hipertensão crônica: elevação crônica da pressão arterial (PA) (pressão</p><p>arterial sistólica [PAS] > 140 mmHg ou pressão arterial diastólica [PAD] > 90</p><p>mmHg) detectada antes da gestação, antes da 20ª semana gestacional ou</p><p>diagnosticada pela primeira vez na gestação e que não se resolve até a 12ª</p><p>semana pós-parto.</p><p>� Pré-eclâmpsia/eclâmpsia: elevação da PA após a 20ª semana gestacional</p><p>acompanhada de proteinúria (> 300 mg/24 horas) com desaparecimento</p><p>após 12ª semana pós-parto.</p><p>� Pré-eclâmpsia sobreposta à hipertensão crônica: surgimento da proteinúria</p><p>(> 300 mg/24 h) após a 20ª semana gestacional em mulheres previamente</p><p>com hipertensão crônica.</p><p>� Hipertensão gestacional: de diagnóstico retrospectivo, trata-se da hiper-</p><p>tensão transitória da gravidez, em que não ocorre proteinúria e a PA retorna</p><p>aos níveis normais até a 12ª semana pós-parto.</p><p>� Síndrome HELLP: quadro clínico relacionado ao agravamento da pré-eclâmpsia.</p><p>O quadro clínico é caracterizado por hemólise, aumento das transaminases</p><p>hepáticas e plaquetopenia. Podem ocorrer ainda hepatomegalia dolorosa,</p><p>icterícia, insuficiência cardíaca e insuficiência renal.</p><p>Na ocorrência de DMG, a oferta energética deve ser individualizada de</p><p>forma a garantir o controle metabólico e o ganho de peso adequado do bebê.</p><p>A alimentação da gestante com DMG deve conter 40 a 55% de carboidratos, 15</p><p>a 20% de proteínas e 30 a 40% de gorduras, e recomenda-se consumo mínimo</p><p>diário de 175 g de carboidratos, 71 1,1 g de proteína/kg de peso/dia e ao me-</p><p>nos 28 g de fibras. Dada a tendência a hiperglicemia matinal, recomenda-se</p><p>oferta menor de carboidratos pela manhã e maior ao longo do dia. A dieta</p><p>deve conter alto teor de fibras e privilegiar os carboidratos complexos e as</p><p>refeições de baixa carga glicêmica. Aquelas pacientes que não apresentarem</p><p>contraindicações devem ser encorajadas a praticarem atividade física como</p><p>forma de melhorar a tolerância periférica à glicose (SOCIEDADE BRASILEIRA</p><p>DE DIABETES, 2020).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 11</p><p>A fisiopatologia da pré-eclâmpsia se desenvolve em duas etapas. A primeira</p><p>é a implantação anormal que reduz função placentária; a segunda envolve</p><p>a resposta materna a substâncias produzidas pelo mau funcionamento da</p><p>placenta. Na segunda etapa, estresse oxidativo e fatores nutricionais podem</p><p>estar envolvidos. Os estudos apontam que altas ingestões de gordura, parti-</p><p>cularmente gordura poli-insaturada, estão associadas a indicadores de dano</p><p>oxidativo que, por sua vez, elevam o risco de pré-eclâmpsia. Melhor estado</p><p>antioxidante no sangue reduz significativamente o risco. Portando, o consumo</p><p>de vegetais, fontes principais de compostos bioativos antioxidantes, deve ser</p><p>encorajado nas situações de SHG (AMERICAN DIETETIC ASSOCIATION, 2008).</p><p>Evidências científicas sobre o tratamento nutricional da SHG são escassas.</p><p>Embora o controle da ingestão de sódio seja um dos pilares do tratamento da</p><p>hipertensão arterial sistêmica, no contexto gestacional não há evidências de</p><p>que a restrição de sódio seja benéfica para as gestantes. Ademais, a restrição</p><p>severa de sódio pode reduzir a palatabilidade da dieta, comprometendo a</p><p>aceitação dos alimentos pela gestante. Assim, mantém-se a recomendação de</p><p>consumo máximo de 2 g de sódio/dia, semelhante à da população hipertensa.</p><p>O cálcio, micronutriente relacionado ao controle da pressão arterial, também</p><p>foi investigado como potencial terapia para SHG, e, ainda que os estudos</p><p>apresentem controvérsias, a suplementação de cálcio em mulheres com alto</p><p>risco de pré-eclampsia e com baixa ingestão de cálcio reduziu o risco de pré-</p><p>-eclampsia. Os mesmos resultados não foram observados para mulheres com</p><p>ingestão adequada de cálcio pela dieta (KAISER; ALLEN; AMERICAN DIETETIC</p><p>ASSOCIATION, 2008).</p><p>Alimentação da lactante</p><p>A alimentação da nutriz deve atender à demanda da produção quantitativa</p><p>e qualitativamente adequadas e suficientes do leite materno. Na gestação,</p><p>a demanda de ferro e folato era elevada; na lactância, os micronutrientes</p><p>prioritários são vitaminas A, C e E, riboflavina, e zinco, selênio, cromo, cobre</p><p>e iodo. Ao contrário do período gestacional, em que há demanda de suple-</p><p>mentação de ferro e folato, na amamentação apenas a dieta equilibrada é</p><p>capaz de atender a essas demandas nutricionais (WARDLAW; SMITH; 2013).</p><p>A produção de 1 litro de leite materno exige 800 a 900 kcal. O volume de</p><p>leite materno varia com o tempo, atingindo 800 mL cerca de 15 dias após o</p><p>parto. Assim, são necessárias aproximadamente 500 kcal diárias para pro-</p><p>dução de leite materno no primeiro semestre de amamentação e 400 kcal</p><p>no segundo semestre. O adicional calórico para lactação não atende total-</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação12</p><p>mente a quantidade de energia necessária para produção do leite materno.</p><p>A complementação desse conteúdo energético deve vir da reserva energética</p><p>na forma de tecido adiposo, adquirida durante a gestação. Se a nutriz apre-</p><p>sentava excesso de peso (sobrepeso ou obesidade) antes da gestação, não</p><p>deve ser incluído o adicional calórico para lactação, ofertando apenas o gasto</p><p>energético total pré-gestacional (WARDLAW; SMITH, 2013).</p><p>As equações de estimativa das necessidades de energia para nutrizes pro-</p><p>posta pelas DRIs (INSTITUTE OF MEDICINE; 2005) estão descritas no Quadro 4.</p><p>Devem-se considerar as necessidades energéticas estimadas pré-gestacionais</p><p>adicionadas da energia para produção de leite e reduzido o conteúdo de</p><p>calorias para perda de peso (PADOVANI et al., 2006).</p><p>Quadro 4. Equações para cálculo das necessidades energéticas da nutriz</p><p>Faixa</p><p>etária</p><p>Período de</p><p>lactação</p><p>Necessidades</p><p>energéticas</p><p>estimadas</p><p>pré-gestacional</p><p>Produção de</p><p>leite (kcal)</p><p>Perda de</p><p>peso (kcal)</p><p>14-18 anos 1º semestre 135,3 – (30,8 xI)</p><p>+ NAF x (10 x P)</p><p>+ (934 x A) ᾆ se</p><p>peso adequado</p><p>pré-gestacional</p><p>389 – (41,2 xI) +</p><p>NAF x (15 x P) +</p><p>(701,6 x A) ᾆ se</p><p>excesso de peso</p><p>pré-gestacional</p><p>+500 -170</p><p>2º semestre +400 -0</p><p>19-50 anos 1º semestre 354 – (6,91 xI) +</p><p>NAF x (9,36 x P)</p><p>+ (726 x A) ᾆ se</p><p>peso adequado</p><p>pré-gestacional</p><p>448 – (7,95 xI) +</p><p>NAF x (11,4 x P)</p><p>+ (619 x A) ᾆse</p><p>excesso de peso</p><p>pré-gestacional</p><p>+500 -170</p><p>2º semestre +400 -0</p><p>NAF: nível de atividade física; I: idade; A: altura; P: peso.</p><p>Fonte: Adaptado de Padovani et al. (2006).</p><p>O carboidrato é a principal fonte de energia para a nutriz; sua ingestão</p><p>adequada (AI), de acordo com as DRIs, é 210 g/dia, e seu intervalo para oferta</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 13</p><p>é de 45 a 65% do VET. Deve-se preferir a oferta de carboidratos complexos</p><p>integrais, na forma de cereais integrais, raízes e tubérculos, a fim a garantir</p><p>a ingestão de 29 g de fibras/dia, valor estipulado pelas DRIs (INSTITUTE OF</p><p>MEDICINE, 2005). A oferta de proteína deve ser hiperproteica, em torno de 1,3 g/</p><p>kg peso/dia, o que perfaz 10 a 35% do VET. Os lipídeos, junto aos carboidratos,</p><p>irão contribuir como fonte de energia para a nutriz, além de proverem ácidos</p><p>graxos essenciais para mãe e para o lactente. O intervalo de referência para</p><p>oferta de gorduras totais é de 20 a 35% do VET, sendo 5 a 10% em forma de</p><p>ácido linoleico (AI = 13 g/dia) e 0,6 a 1,2% como ácido alfa-linolênico (AI = 1,3</p><p>g/dia) (PADOVANI et al., 2006). Não há recomendação para oferta de ácidos</p><p>graxos saturados, mas sugere-se oferta semelhante para população saudável</p><p>(até 10% VET) e população com dislipidemia, diabetes, hipertensão e outras</p><p>condições clínicas cardiovasculares (até 7% do VET). No mesmo sentido,</p><p>sugere-se evitar consumo de ácidos graxos trans (PRÉCOMA et al., 2019).</p><p>Em relação aos micronutrientes, o status materno das vitaminas A e D</p><p>influenciam diretamente no teor dessas vitaminas no leite materno. Assim,</p><p>o consumo adequado desses nutrientes é necessário para garantir a concen-</p><p>tração adequada destes no leite materno (WARDLAW; SMITH, 2013). Lactantes</p><p>devem consumir diariamente 1.200 mcg/dia, se menores que 18 anos, e 1.300</p><p>mcg/dia, se maiores que 18 anos, de vitamina A e 5 mcg/dia de vitamina D</p><p>para atender às necessidades do lactente e da nutriz (PADOVANI et al., 2006).</p><p>No passado, o Programa Nacional de Suplementação de Vitamina A incluía as</p><p>puérperas em regiões de risco de deficiência de vitamina A, porém a oferta</p><p>da megadose de vitamina A para esse público foi suspensa em 2016 por não</p><p>haver evidências contundentes quanto aos benefícios em relação à saúde</p><p>materna e infantil (BRASIL, 2016b). Até o momento, não há recomendação</p><p>para suplementação de vitamina D para lactantes (WARDLAW; SMITH, 2013).</p><p>A demanda de cálcio de mulheres nutrizes é semelhante a de mulheres não</p><p>lactantes da mesma faixa etária. Assim, uma dieta equilibrada pode suprir a</p><p>demanda de cálcio da lactante sem necessidade de suplementação.</p><p>Nos períodos de gestação e lactação, a dieta materna vai ter importância</p><p>central para a saúde do bebê intrauterino e extrauterino. A oferta energética,</p><p>em ambas as circunstâncias, deve considerar o estado nutricional pré-graví-</p><p>dico e o ritmo de ganho de peso durante a gestação. A assistência nutricional</p><p>deve reforçar a importância de uma dieta qualitativamente saudável e com</p><p>todos os grupos alimentares para garantir a oferta suficiente de macro e</p><p>micronutrientes de grávidas e nutrizes. Todas as gestantes devem fazer uso</p><p>da suplementação de ferro e folato, e aquelas que apresentam condições</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação14</p><p>de risco como diabetes gestacional e síndrome hipertensiva da gestação</p><p>demandam cuidado especializado.</p><p>Fisiologia da lactação e benefícios do</p><p>aleitamento materno</p><p>Anatomicamente, a mama é formada por células cuboidais alveolares (pro-</p><p>dutoras de leite), vasos sanguíneos, tecido conectivo, adiposo, nervoso e</p><p>linfático. Essas células organizam-se como lobos mamários, que contêm 15</p><p>a 20 glândulas tubuloalveolares. Cada lobo mamário contém 20 a 40 lóbulos</p><p>mamários, que, por sua vez, são constituídos por alvéolos mamários. Esses</p><p>alvéolos são envolvidos por células mioepiteliais (WARDLAW; SMITH; 2013).</p><p>Esse conjunto de estruturas está apresentado na Figura 1.</p><p>Figura 1. Estruturas associadas à produção de leite materno.</p><p>Fonte: Wardlaw e Smith (2013, p. 587).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 15</p><p>A produção do leite materno divide-se em três etapas (ACCIOLY; SAUNDERS;</p><p>LACERDA, 2009).</p><p>� Lactogênese fase 1: ocorre entre a 10ª e a 22ª semanas gestacionais</p><p>por estímulos dos hormônios da gestação, como estrogênio, proges-</p><p>terona, lactogênio placentário, prolactina e gonadotrofina coriônica.</p><p>Nessa etapa, a produção de leite é mínima, dada a grande circulação</p><p>de progesterona, produzida pela placenta.</p><p>� Lactogênese fase 2: inicia-se após o parto. Com a expulsão da placenta,</p><p>há queda da concentração de progesterona e aumento da produção</p><p>de prolactina,</p><p>há secreção do leite. A prolactina é produzida pela</p><p>adeno-hipófise (hipófise anterior), sendo a sucção da mama o principal</p><p>estímulo para sua produção. Esse hormônio é o principal responsável</p><p>pela secreção do leite. Nessa etapa ocorre ainda o reflexo de descida</p><p>do leite, promovido pelo hormônio ocitocina, produzido pela neuro-</p><p>-hipófise (hipófise posterior). A ocitocina promove a contração das</p><p>células mioepiteliais que envolvem os alvéolos mamários. A produção</p><p>desse hormônio é estimulada por estímulos sensoriais como ver o bebê,</p><p>ouvir sua voz e sentir seu cheiro (Figura 2). Por outro lado, estresse,</p><p>ansiedade e dor inibem a liberação de ocitocina e a descida do leite.</p><p>� Galactopoiese: essa etapa ocorre durante toda amamentação e de-</p><p>pende da sucção da mama e da produção de prolactina.</p><p>Figura 2. Fisiologia da produção e secreção do leite materno.</p><p>Fonte: Wardlaw e Smith (2013, p. 588).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação16</p><p>A produção do leite varia ao longo dos períodos de amamentação, sendo</p><p>menor que 100 mL/dia no 1º dia pós-parto e de cerca de 800 mL/dia 14 dias</p><p>após o parto. Além do volume, a composição do leite materno se modifica</p><p>de acordo com o estágio de lactação e se o parto foi a termo ou pré-termo</p><p>(ACCIOLY; SAUNDERS; LACERDA, 2009). Os três estágios de lactação são:</p><p>� Colostro: dura aproximadamente 7 dias após o parto e sua composição</p><p>apresenta maior teor de proteínas, vitamina A e carotenoides (respon-</p><p>sáveis pela coloração alaranjada do leite), além de fatores imunes.</p><p>Sua composição centesimal de macronutrientes está apresentada na</p><p>Tabela 1.</p><p>� Leite de transição: secretado entre o 7º e o 15º dias após o parto. Apre-</p><p>senta maior volume do que o colostro, e sua composição se aproxima</p><p>do leite maduro.</p><p>� Leite maduro: secretado após o 15º dia após o parto. Em comparação</p><p>ao colostro e ao leite de transição, apresenta maior densidade calórica,</p><p>maior teor de lactose e gorduras totais. Sua composição centesimal</p><p>de macronutrientes está apresentada na Tabela 1.</p><p>Tabela 1. Composição nutricional centesimal do colostro e leite maduro</p><p>Colostro Leite maduro</p><p>Energia (kcal) 58 70</p><p>Lactose (g) 5,3 7,3</p><p>Proteína total (g) 2,3 0,9</p><p>Caseína (%) 10 40</p><p>Proteína do soro (%) 90 60</p><p>α-lactoalbumina (mg) 218 161</p><p>Gordura total (g) 2,9 4,2</p><p>Fonte: Adaptado de Accioly, Saunders e Lacerda (2009).</p><p>Além de alimentar o lactente, o leite materno é fonte de diversos fatores</p><p>imunes, como imunoglobina A secretória, lactoferrina, linfócitos e macró-</p><p>fagos que auxiliam no desenvolvimento e na maturação do sistema imune</p><p>da criança, reduzindo a morbidade por diversos tipos de patologias, como</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação 17</p><p>infecções de trato intestinal e alergias. O colostro é especialmente rico nessas</p><p>substâncias, embora elas também estejam presentes no leite maduro. Além</p><p>dos componentes imune, o colostro contém o fator bífido, composto que</p><p>estimula o crescimento do Lactobacillus bifidum, bactéria da flora intestinal</p><p>protetora contra patógenos (ACCIOLY; SAUNDERS; LACERDA, 2009).</p><p>Benefícios do aleitamento materno</p><p>A OMS recomenda o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros 6</p><p>meses e aleitamento materno complementado até 2 anos de vida ou mais. Os</p><p>benefícios de aleitamento materno são de diversas dimensões, tanto para</p><p>mãe quanto para o lactente (BRASIL, 2015).</p><p>Além de nutrir a criança, o aleitamento materno é uma estratégia natu-</p><p>ral de vínculo, afeto e proteção para a criança e constitui a mais sensível,</p><p>econômica e eficaz intervenção para redução da morbimortalidade infantil.</p><p>De acordo com os Cadernos da Atenção Básica, estima-se que o aleitamento</p><p>materno poderia evitar 13% das mortes em crianças menores de 5 anos em</p><p>todo o mundo, por causas preveníveis, principalmente doenças infecciosas,</p><p>e essa proteção é maior quanto menor é a criança. Além disso, a amamenta-</p><p>ção previne mais mortes entre as crianças de menor nível socioeconômico</p><p>(BRASIL, 2015).</p><p>O aleitamento materno reduz risco de ocorrência de diarreia e infecções</p><p>respiratórias, principalmente entre as crianças mais pobres, e a gravidade</p><p>dessas condições quando presentes. Além das doenças infecciosas, a oferta</p><p>do leite materno diminui as alergias como alergia à proteína do leite de vaca,</p><p>dermatite atópica, asma, etc (BRASIL, 2015).</p><p>Além dos benefícios amplamente conhecidos e comprovados, o</p><p>aleitamento materno tem sido recentemente relacionado ao melhor</p><p>desenvolvimento cognitivo do lactente. Em um grupo de crianças amamentadas</p><p>avaliadas sistematicamente em um estudo longitudinal, observou-se que as</p><p>crianças amamentadas exclusivamente por, no mínimo, 3 meses e a continuidade</p><p>da amamentação (ainda que não exclusiva) até os 6 meses conferiram um quo-</p><p>ciente de inteligência (QI) verbal 4,7 pontos maior do que crianças amamentadas</p><p>exclusivamente por menos que 3 meses (EIDELMAN, 2013).</p><p>Sugere-se que a composição do leite materno seja responsável por esses</p><p>efeitos no desenvolvimento cognitivo infantil (EIDELMAN, 2013). Dentre essas</p><p>substâncias, estão:</p><p>� gordura: colesterol (componente da bainha de mielina), ácido docosa-hexa-</p><p>noico (DHA) (componente das membranas das células nervosas);</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez e amamentação18</p><p>� aminoaçúcares: N-acetilglucosamina (associados à formação de gangliosídeos</p><p>cerebrais), ácido N-acetilneuramínico;</p><p>� peptídeos: fator de crescimento epidérmico (EGF), insulina, somatomedina</p><p>C (IGF-1), fator de crescimento neural (NGF), peptídeo indutor do sono delta;</p><p>� aminoácidos: taurina, glutamina, carnitina.</p><p>O leite materno também confere proteção contra doenças a longo prazo.</p><p>Alguns estudos mostram que crianças amamentadas apresentaram pressões</p><p>sistólica e diastólica mais baixas (-1,2 mmHg e -0,5 mmHg, respectivamente),</p><p>níveis menores de colesterol total (-0,18 mmol/L) e risco 37% menor de apre-</p><p>sentar diabetes tipo 2. Adicionalmente, quanto maior o tempo de aleitamento</p><p>materno, menor o risco de desenvolver sobrepeso e obesidade (BRASIL, 2015).</p><p>Os movimentos de sucção da mama também favorecem o desenvolvi-</p><p>mento adequado dos elementos da cavidade oral, otimizando a conformação</p><p>do palato duro e o alinhamento correto dos dentes e, assim, promovendo</p><p>uma boa oclusão dentária. Por outro lado, quando o aleitamento ao seio</p><p>é interrompido precocemente, há ruptura do desenvolvimento motor-oral</p><p>adequado, comprometendo as funções mastigatórias, de deglutição e de</p><p>fonação (BRASIL, 2015).</p><p>Para a lactante, a oferta de leite materno também traz benefícios, como</p><p>perda do peso adquirido durante a gestação, redução do risco de nova gesta-</p><p>ção (efeito contraceptivo) e menores chances de desenvolvimento de algumas</p><p>condições patológicas a longo prazo, como câncer de mama, câncer de ovários,</p><p>câncer de útero, hipercolesterolemia, hipertensão e doença coronariana,</p><p>osteoporose e fratura de quadril e artrite reumatoide. A amamentação for-</p><p>talece também o vínculo afetivo entre mãe e filho, em que a mãe oferece</p><p>sentimentos de segurança e de proteção à criança e a mulher torna-se mais</p><p>autoconfiante e realizada (BRASIL, 2015).</p><p>O leite materno, além de atender às demandas nutricionais por completo</p><p>das crianças até o 6º mês de vida e proteger o lactente contra diversas infec-</p><p>ções e alergias, não tem custo financeiro, o que é relevante principalmente</p><p>para as famílias de baixa renda. Vale ressaltar que o primeiro substituto do</p><p>leite materno é a fórmula infantil, que, além de ter um custo associado para</p><p>sua aquisição, demanda de mamadeiras, bicos e gás de cozinha, itens que</p><p>oneram ainda mais as famílias. Assim, o aleitamento materno pode melhorar</p><p>a qualidade de vida das famílias, pois, além de menor número de episódios</p><p>de adoecimento e menor demanda de consultas médicas, hospitalizações</p><p>e medicamentos, os pais não são submetidos a situações estressantes que</p><p>demandam mudança de rotina e ausência no trabalho (BRASIL, 2015).</p><p>Nutrição: um foco nos estágios da vida — gravidez</p>e amamentação 19 O leite materno apresenta a composição ideal para atender às demandas nutricionais e à capacidade digestiva do lactente. Além de nutrir, esse alimento reduz o risco de infecções e alergias, fortalece o vínculo mãe-filho, otimiza a rotina familiar e promove qualidade de vida para criança e pais. A saúde do grupo materno-infantil é utilizada como indicador de desen- volvimento em diversos países. O cuidado nutricional desde a concepção, com acompanhamento do ganho de peso e práticas nutricionais saudáveis, pode reduzir o risco de complicações durante a gestação, no parto e no período pós-parto. O estímulo ao aleitamento materno exclusivo até o 6º mês de vida para o bebê e complementado até 2 anos ou mais associado ao acompanhamento nutricional da nutriz pode contribuir com a saúde e qualidade de vida da mãe e da criança. Referências ACCIOLY, E.; SAUNDERS, C.; LACERDA, E. M. A. Nutrição em obstetrícia e pediatria. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009. BRASIL. Ministério da Saúde. Fascículo 3: protocolos de uso do guia alimentar para a população brasileira na orientação alimentar de gestantes. Brasília: MS, 2021b. BRASIL. Ministério da Saúde. Guia rápido para o acompanhamento de gestantes e crianças com desnutrição na atenção primária à saúde. Brasília: MS, 2021a. BRASIL. Ministério da Saúde. Nota técnica n° 135/2016. 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