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<p>Autora: Profa. Ana Lúcia Machado da Silva</p><p>Colaboradoras: Profa. Cielo Griselda Festino</p><p>Profa. Tânia Sandroni</p><p>Semiótica</p><p>Professora conteudista: Ana Lúcia Machado da Silva</p><p>Mestre em Língua Portuguesa pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e especialista</p><p>em Língua Portuguesa pela mesma instituição. Foi professora do ensino básico nas redes pública e privada,</p><p>lecionando Língua Portuguesa durante vinte anos. Ministra aulas de Análise do Discurso, Gêneros Textuais, Semiótica,</p><p>entre outras disciplinas, no curso de graduação em Letras da Universidade Paulista (UNIP). Ministra ainda aulas em</p><p>módulos para cursos lato sensu na UNIP. Produziu livros-textos, entre outros, de Gêneros Textuais, Letras Integrada,</p><p>Teoria da Comunicação.</p><p>© Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou</p><p>quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem</p><p>permissão escrita da Universidade Paulista.</p><p>Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)</p><p>S586l Silva, Ana Lúcia Machado da.</p><p>Semiótica / Ana Lúcia Machado da Silva. – São Paulo: Editora</p><p>Sol, 2023.</p><p>132 p., il.</p><p>Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e</p><p>Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230.</p><p>1. Semiótica discursiva. 2. Semiótica da cultura. 3. Semiótica social.</p><p>I. Título.</p><p>CDU 801</p><p>U518.30 – 23</p><p>Profa. Sandra Miessa</p><p>Reitora</p><p>Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez</p><p>Vice-Reitora de Graduação</p><p>Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo</p><p>Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa</p><p>Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini</p><p>Vice-Reitora de Administração e Finanças</p><p>Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia</p><p>Vice-Reitor de Extensão</p><p>Prof. Fábio Romeu de Carvalho</p><p>Vice-Reitor de Planejamento</p><p>Profa. Melânia Dalla Torre</p><p>Vice-Reitora das Unidades Universitárias</p><p>Profa. Silvia Gomes Miessa</p><p>Vice-Reitora de Recursos Humanos e de Pessoal</p><p>Profa. Laura Ancona Lee</p><p>Vice-Reitora de Relações Internacionais</p><p>Prof. Marcus Vinícius Mathias</p><p>Vice-Reitor de Assuntos da Comunidade Universitária</p><p>UNIP EaD</p><p>Profa. Elisabete Brihy</p><p>Profa. M. Isabel Cristina Satie Yoshida Tonetto</p><p>Prof. M. Ivan Daliberto Frugoli</p><p>Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar</p><p>Material Didático</p><p>Comissão editorial:</p><p>Profa. Dra. Christiane Mazur Doi</p><p>Profa. Dra. Ronilda Ribeiro</p><p>Apoio:</p><p>Profa. Cláudia Regina Baptista</p><p>Profa. M. Deise Alcantara Carreiro</p><p>Profa. Ana Paula Tôrres de Novaes Menezes</p><p>Projeto gráfico:</p><p>Prof. Alexandre Ponzetto</p><p>Revisão:</p><p>Auriana Malaquias</p><p>Aline Ricciardi</p><p>Sumário</p><p>Semiótica</p><p>APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7</p><p>INTRODUÇÃO ........................................................................................................................................................ 12</p><p>Unidade I</p><p>1 SEMIÓTICA PEIRCEANA: CATEGORIAS DO SIGNO .............................................................................. 17</p><p>1.1 Categorias do signo ............................................................................................................................. 17</p><p>1.2 Semiose .................................................................................................................................................... 24</p><p>2 SEMIÓTICA PEIRCEANA E SEMIOSE ......................................................................................................... 29</p><p>2.1 Classificações do signo ....................................................................................................................... 29</p><p>2.2 Semiótica peirceana aplicada .......................................................................................................... 36</p><p>3 SEMIÓTICA DISCURSIVA: SIGNIFICAÇÃO E CONTEÚDO ................................................................... 41</p><p>3.1 Base estruturalista e significação .................................................................................................. 41</p><p>3.2 Percurso gerativo de sentido ........................................................................................................... 48</p><p>4 SEMIÓTICA DISCURSIVA: PLANO DA EXPRESSÃO .............................................................................. 55</p><p>4.1 Plano da expressão e a semiótica do sensível .......................................................................... 55</p><p>4.2 Dimensões passionais do discurso ................................................................................................ 60</p><p>Unidade II</p><p>5 SEMIÓTICA DA CULTURA .............................................................................................................................. 70</p><p>5.1 Concepção de cultura ......................................................................................................................... 70</p><p>5.2 Semiosfera ............................................................................................................................................... 75</p><p>6 SEMIÓTICA DA CULTURA APLICADA ........................................................................................................ 77</p><p>6.1 Pichação: onipresença e confronto legal ................................................................................... 77</p><p>6.2 Funk: fluxos de rua .............................................................................................................................. 80</p><p>6.3 Hip-hop: expressão da periferia e consumo fetichista ......................................................... 82</p><p>7 SEMIÓTICA SOCIAL E IDENTIDADES SOCIAIS ....................................................................................... 85</p><p>7.1 Caracterização dos atores sociais no discurso ......................................................................... 85</p><p>7.2 Categoria pessoal ................................................................................................................................. 88</p><p>8 SEMIÓTICA SOCIAL: GRAMÁTICA VISUAL ............................................................................................102</p><p>8.1 Gramática da sintaxe visual ...........................................................................................................102</p><p>8.2 Multimodalidade ................................................................................................................................103</p><p>7</p><p>APRESENTAÇÃO</p><p>Imagine a seguinte situação: você é assinante de jornais e revistas e decide começar, nesta semana,</p><p>a leitura por uma das revistas recebidas, por exemplo, Vida simples. Ao abri-la, se depara com o editorial</p><p>intitulado “Sem pressa, ansiedade”, cujo início é:</p><p>“Doutora, eu travo e não consigo fazer nada. Vejo aquela lista de tarefas e</p><p>simplesmente não saio do lugar. Fico paralisada”. Foram mais ou menos essas</p><p>palavras que usei durante o trabalho, mais de dez anos atrás. Aquela sensação</p><p>angustiante já me era conhecida havia muito tempo, desde a adolescência.</p><p>Só ainda não tinha um nome para mim (VIDA SIMPLES, 2022, p. 6).</p><p>Trata-se da edição n. 246, de 22 de agosto de 2022. Pelo editorial e índice, é possível saber que a</p><p>matéria especial é sobre ansiedade. Interessa-se pelo assunto e pula várias páginas para ler o texto.</p><p>O próprio editorial convida o leitor a procurar a matéria: “Se você também é visitado pela ansiedade,</p><p>corra – ou melhor, vá devagar até a página 18. Ali, temos algumas pistas sobre como acolher essa</p><p>angústia e, assim, desfrutar melhor de cada instante. Especialmente o agora” (p. 6).</p><p>Na referida página, você encontra o texto “Acolha a sua ansiedade”, da jornalista Kátia Stringueto.</p><p>Está escrito e divulgado em quatro páginas. Longo, apresenta o último levantamento da Organização</p><p>Mundial da Saúde (OMS), o qual indica que 9,3% da população brasileira são afetados pela ansiedade,</p><p>e o coronavírus elevou esse número para 25%. O texto continua com a discussão do quadro sobre</p><p>ansiedade e apresenta</p><p>sertão pernambucano</p><p>E se a safra</p><p>Não atrapaiá meus pranos</p><p>Que que há, o seu vigário</p><p>Vou casar no fim do ano</p><p>Fonte: Simões e Correia (2018, p. 50).</p><p>Para Ribeiro e Santos, a música está na caracterização de qualquer sertanejo, incluso, então, o</p><p>compositor e cantor Luiz Gonzaga. Justificam-se ao dizer que a música é pertencente à natureza ao se</p><p>39</p><p>SEMIÓTICA</p><p>manifestar “nos cantos das aves – asa branca, acauã, sabiá, assum preto etc. –, no ranger dos carros de</p><p>boi, no movimento sonoro do vento da caatinga” (apud SIMÕES; CORREIA, 2018, p. 50).</p><p>O cosmo semiótico traçou o destino musical de Gonzaga devido às influências de seu pai, que era</p><p>sanfoneiro e trabalhava em festas e também consertava sanfonas, e de sua mãe, uma “cantadeira de</p><p>igreja e puxadora de reza” (apud SIMÕES; CORREIA, 2018, p. 51). Gonzaga se apresentava com seu pai</p><p>desde jovem e, em 1930, migrou para o Rio de Janeiro, onde fez dupla com Xavier Pinheiro, padrinho</p><p>de Luiz Gonzaga Jr. Engajou-se no meio artístico da época e destacou-se na música popular brasileira.</p><p>A palavra “estrela” carrega possíveis significados dependentes da relação do signo com seu objeto.</p><p>Assim, pode significar “astro com luz própria”, ter outro significado totalmente distinto, como “artista</p><p>célebre”, ou um terceiro significado que faz referência à “sorte”. Para os estudiosos, Luiz Gonzaga reuniu</p><p>em si os três significados da palavra “estrela”.</p><p>O cognome Lua e seu nome Lu(i)z representam o satélite e sua luz, bem como sua música estende-se</p><p>na memória da cultura brasileira como o traço de luz no céu. Além disso, a associação do termo “estrela”</p><p>ao cantor deve-se ao sucesso da sua carreira.</p><p>A linguagem musical de Luiz Gonzaga é coloquial com signos simples, representando rema, em</p><p>um movimento de primeiridade. Palavras como “relampeia”, “alembrou”, “muié”, “homes”, “pranos”,</p><p>“prantação”, “arrescordo”, “atrapaiá”, “moiada” marcam impressão e originalidade primeira da fala de</p><p>uma classe social que usa registros da linguagem do sertanejo nordestino.</p><p>Ao comparar as linguagens coloquial e padrão, verifica-se semelhança icônica por ambas serem</p><p>passíveis de compreensão. O rema é a qualidade e similaridade livre do interpretante.</p><p>Em um movimento de secundidade, as mesmas palavras se tornam signos duplos ou informativos ao</p><p>possuírem existência no aqui e agora da interpretação e indicarem fatos reais e concretos.</p><p>A ave do título da música refere-se a um pássaro cinza, mas cujas asas são brancas nas penas inferiores</p><p>e só visualizadas durante o voo. A brancura das penas é um signo em sua qualidade primeira. No entanto,</p><p>ao atribuir uma informação, como de paz e harmonia, à cor branca, fazemos inferências racionalizadas</p><p>sobre a cor, simbolizando-a.</p><p>A cor cinza da ave pode servir de índice ao remeter ao céu nublado, que trará chuva:</p><p>Já faz três noites</p><p>Que pro norte relampeia</p><p>A asa branca</p><p>Ouvindo o ronco do trovão</p><p>Já bateu asas</p><p>Fonte: Simões e Correia (2018, p. 50).</p><p>40</p><p>Unidade I</p><p>Em A volta da asa branca, o verão representa a seca com ar insuportável, fim da plantação,</p><p>perecimento dos animais, migração dos trabalhadores. A saída do pássaro é índice de seca, e o retorno</p><p>do pássaro, no inverno, estação chuvosa, é signo informativo da fertilidade e prosperidade.</p><p>Conseguimos observar o inverno como signo de fecundidade no trecho a seguir:</p><p>Terra moiada</p><p>Mato verde, que riqueza</p><p>E a asa branca</p><p>Tarde canta, que beleza</p><p>Ai, ai, o povo alegre</p><p>Mais alegre a natureza;</p><p>Fonte: Simões e Correia (2018, p. 64).</p><p>O desequilíbrio do ecossistema não permite ao sertanejo ter condições mínimas de permanência.</p><p>O sertanejo tem conhecimento sobre o meio e percebe as referências sígnicas da natureza que, como</p><p>signos simbólicos, o levam a um novo caminho para sua existência. Torna-se retirante, na figura da “asa</p><p>branca”, e deixa seu espaço único e singular.</p><p>Finalizamos este tópico com mais um exemplo de aplicação da teoria semiótica peirceana. O objeto</p><p>de estudo é a fotografia, a seguir. Tanto a análise quanto a fotografia são de Mucelin e Bellini (2013).</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>Figura 14 – Lixão: ambiente, pessoas, circunstâncias e lixo</p><p>Fonte: Mucelin e Bellini (2013, p. 73).</p><p>A imagem da figura 14 é um qualissigno por impor de imediato uma qualidade, no caso, um mosaico</p><p>de cores, de diferentes tonalidades e formas, e constitui, portanto, um signo de primeiridade.</p><p>41</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Essa qualidade, porém, singulariza determinadas formas, como vemos, no primeiro plano, de pessoas,</p><p>veículo e sacos de lixo, e, ao fundo, do campo, das árvores e do céu azul. São formas que constituem o</p><p>sinsigno e, portanto, a secundidade.</p><p>Se não estabelecemos as coisas singulares, ou seja, não identificamos exatamente qual lixão é, onde</p><p>se localiza, quem são as pessoas da imagem, temos um contexto geral, cujas formas (coisas) pertencem</p><p>ao conjunto de ambientes de lixão. Trata-se de um legissigno, por referenciar réplica dos múltiplos lixões</p><p>que assolam as cidades brasileiras, e pertence, portanto, ao nível da terceiridade.</p><p>O lixo lançado a céu aberto pode ser um signo indicial de poluição, na categoria da secundidade, bem</p><p>como pode ser um signo legissigno, no sentido de hábito instituído, na categoria da terceiridade. Os símbolos</p><p>possíveis atribuídos a esse hábito podem ser, por exemplo, o consumo desenfreado ou as contradições</p><p>sociais urbanas.</p><p>Os estudiosos dessa fotografia encerram a análise com a seguinte consideração:</p><p>A fotografia é um instrumento icônico estimulador da percepção e,</p><p>consequentemente, da cognição de determinados contextos da realidade.</p><p>Hábitos culturais, crenças e formas de uso das coisas da natureza, condições</p><p>sociais de trabalho e sobrevivência, ambientes topofílicos e/ou topofóbicos,</p><p>características de fragmentos do ambiente natural ou antropizado, entre</p><p>outros, podem ser fixados e analisados espacial e temporalmente por meio</p><p>da imagem fotográfica: signo icônico (MUCELIN; BELLINI, 2013, p. 76).</p><p>Encerramos a apresentação sobre a semiótica peirceana com tópicos fundamentais teóricos e a</p><p>indicação da possibilidade de aplicar essa vertente em textos de diferentes linguagens.</p><p>3 SEMIÓTICA DISCURSIVA: SIGNIFICAÇÃO E CONTEÚDO</p><p>3.1 Base estruturalista e significação</p><p>A semiótica discursiva tem outras nomeações: semiótica estrutural, semiótica da linha francesa,</p><p>semiótica greimasiana, semiótica gerativa. Os nomes, no entanto, não são aleatórios, porque marcam</p><p>tendências teóricas desenvolvidas com diferentes perspectivas. Por isso, é mais usado o nome semiótica</p><p>de linha francesa por ser geral e abranger tais tendências.</p><p>Essa semiótica desenvolveu-se desde o final da década de 1960, com base nas propostas do</p><p>lituano, radicado na França, Algirdas Julien Greimas. A primeira fase dessa vertente propõe a</p><p>constituição do percurso gerativo de sentido. Ou seja, a preocupação de Greimas não era com o</p><p>signo, mas com a significação. Nessa perspectiva, então, a semiótica greimasiana difere-se das</p><p>outras vertentes da semiótica (peirceana, da cultura etc.) por não considerar o signo como objeto</p><p>mínimo dessa ciência, mas sim a significação.</p><p>42</p><p>Unidade I</p><p>Observação</p><p>É preciso, porém, tomar cuidado, pois sentido e significação não são</p><p>sinônimos. Sentido (termo advindo de sense) é aquilo que é anterior</p><p>à produção semiótica, e significação é o que está sendo articulado</p><p>(GREIMAS, 1975).</p><p>Essa fase não foi a de um pesquisador solitário. Greimas seguiu a proposta inicial de Saussure ao dividir</p><p>o signo em duas partes (significante e significado), buscou suporte teórico no linguista dinamarquês</p><p>Louis Hjelmslev, que desenvolveu a proposta de Saussure, e fez parceria com outros pesquisadores, como</p><p>Courtès. Enfim:</p><p>O estruturalismo linguístico de Hjelmslev, a antropologia estrutural de</p><p>Lévi-Strauss, a teoria formalista do conto de Propp e teoria das situações</p><p>dramáticas de Etienne Souriau são as fontes da semiótica de Greimas (NÔTH</p><p>apud SOUZA, 2006, p. 54).</p><p>Não é de estranhar, diante dessas bases, que se trata de uma semiótica estrutural. Segundo Greimas</p><p>e Courtès (2008), a significação constitui-se de uma estrutura elementar pela articulação de dois semas</p><p>contrários, do eixo semântico. Dois polos extremos manifestam oposição unida por um mesmo eixo</p><p>semântico que é o denominador comum dos dois termos, com base na qual se manifesta a articulação</p><p>da significação.</p><p>Nesse contexto, a linguagem é constituída de oposições, e o significado se dá pela diferença entre as</p><p>formas pelas quais o mundo se organiza. Assim, perceber diferenças leva-nos a apreender, no mínimo,</p><p>dois termos-objetos, dados sob o aspecto de seus parciais iguais – operação de conjunção –; e de seus</p><p>parciais diferentes – operação de disjunção.</p><p>A operação de conjunção implica necessariamente algo em comum por semelhança, problema da</p><p>redundância, ou identidade. A disjunção, por sua vez, consiste na distinção entre os dois termos-objetos;</p><p>de algum modo eles precisam apresentar, no mínimo, uma diferença por diferença, problema das</p><p>variantes, ou da não identidade. A relação é, então, dupla, pois, simultaneamente, é conjunção (de</p><p>invariantes) e disjunção (de variáveis) e, sem essa relação entre pares, não há significação.</p><p>Conjunção</p><p>Governo Federal x Governo Estadual</p><p>Disjunção</p><p>As unidades significativas elementares estão na relação dos dois termos: um deles é conjunção, e o</p><p>outro, disjunção. Vejamos um exemplo.</p><p>43</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Destaque</p><p>O quereres</p><p>(Caetano Veloso)</p><p>onde queres revólver, sou coqueiro</p><p>e onde queres dinheiro, sou paixão</p><p>onde queres descanso, sou desejo</p><p>e onde sou só desejo, queres não</p><p>e onde não queres nada, nada falta</p><p>e onde voas bem alto, eu sou o chão</p><p>e onde pisas o chão, minha alma salta</p><p>e ganha liberdade na amplidão</p><p>onde queres família, sou maluco</p><p>e onde queres romântico, burguês</p><p>onde queres Leblon, sou Pernambuco</p><p>e onde queres eunuco, garanhão</p><p>onde queres o sim e o não, talvez</p><p>e onde vês, eu não vislumbro razão</p><p>onde o queres o lobo, eu sou o irmão</p><p>e onde queres cowboy, eu sou chinês</p><p>ah! bruta flor do querer</p><p>ah! bruta flor, bruta flor</p><p>onde queres o ato, eu sou o espírito</p><p>e onde queres ternura, eu sou tesão</p><p>onde queres o livre, decassílabo</p><p>e onde buscas o anjo, sou mulher</p><p>onde queres prazer, sou o que dói</p><p>e onde queres tortura, mansidão</p><p>onde queres um lar, revolução</p><p>e onde queres bandido, sou herói</p><p>eu queria querer-te e amar o amor</p><p>construir-nos dulcíssima prisão</p><p>e encontrar a mais justa adequação</p><p>tudo métrica e rima e nunca dor</p><p>mas a vida é real e de viés</p><p>e vê só que cilada o amor me armou</p><p>eu te quero (e não queres) como sou</p><p>não te quero (e não queres) como és</p><p>ah! bruta flor do querer</p><p>ah! bruta flor, bruta flor [...]</p><p>Fonte: Saraiva e Leite (2017, p. 26-27).</p><p>44</p><p>Unidade I</p><p>O texto de Caetano Veloso é sobre o desencontro entre o desejo de dois sujeitos, marcados por um eu</p><p>e um outro/tu. Ambos são identificados topicamente por meio do emprego do advérbio de lugar “onde”.</p><p>Saraiva e Leite (2017) fazem uma análise muito boa sobre o título. Para eles,</p><p>o título é constituído por uma forma substantivada de segunda pessoa do</p><p>singular do infinitivo pessoal: o (tu) quereres, ligada a tu e não a você, pois se</p><p>fosse o querer, a forma verbal substantivada seria homônima à da primeira</p><p>pessoa do singular do infinitivo pessoal ou do infinitivo impessoal. Quer-nos</p><p>parecer que a ênfase no outro fica assim melhor explicitada.</p><p>O autor não deixa dúvidas de que o título é fruto de uma seleção lexical</p><p>consciente, conforme faz-nos ver o trecho abaixo, em que a substantivação</p><p>do infinitivo pessoal se reitera (o quereres e o estares sempre a fim). Além</p><p>disso, o autor emprega o advérbio infinitivamente, em lugar de um possível</p><p>infinitamente, que seria o esperado, na expressão infinitivamente pessoal,</p><p>qualificadora do quereres, ou seja, do querer do outro, da alteridade,</p><p>refratário ao querer do eu: “o quereres e o estares sempre a fim/do que em</p><p>mim é de mim tão desigual/faz-me querer-te bem, querer-te mal/bem a ti,</p><p>mal ao quereres assim/infinitivamente pessoal” (SARAIVA; LEITE, 2017, p. 28).</p><p>Os “quereres” tornam o texto um conjunto de oposição:</p><p>onde queres revólver sou coqueiro</p><p>coqueiro paixão</p><p>família maluco</p><p>lobo irmão</p><p>cowboy chinês</p><p>ato espírito</p><p>ternura tesão</p><p>Consideramos a coluna “onde queres” como A e a coluna “sou” como B, ambas as colunas formam</p><p>uma relação. A estrutura dessa relação fica assim:</p><p>A / está em relação (S) com / B</p><p>ou</p><p>A / r (S) com B</p><p>45</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Podemos afirmar que esse conjunto A e B, no eixo semântico, tem uma relação que privilegia a</p><p>diferença entre seus termos-objetos, resultando, assim, em uma significação disjuntiva.</p><p>O método para analisar a significação, na linha greimasiana, segue o modelo do estruturalismo</p><p>de Ferdinand de Saussure, que estabeleceu o estudo do signo por uma oposição ou diferença. Nesse</p><p>contexto, um signo só existe em função de outro signo, e, entre ambos, há, no mínimo, uma diferença,</p><p>ou seja, um traço distintivo que justifica a existência de cada um.</p><p>Exemplificamos com duas análises: uma fonológica e outra sêmica. Os fonemas /p/ e /b/ possuem</p><p>os mesmos traços fonéticos, porém, para ambos terem uma existência, há necessidade de, no mínimo,</p><p>um traço diferenciador entre eles. No caso, ambos são fonemas consonantais, bilabiais, oclusivos, mas</p><p>há uma diferença entre eles. O fonema /b/ (A) é sonoro, e /p/ é surdo. Assim, quanto à sonoridade (S), a</p><p>relação (r) é estabelecida entre o elemento sonoro (s1) e o elemento não sonoro (s2).</p><p>Assim, a estrutura se constitui da diferença:</p><p>/p/ (não sonoro) × /b/ (sonoro)</p><p>A (s2) r B (s1)</p><p>No nível semântico, recorremos ao exemplo de Fiorin (2000, p. 12) referente ao campo lexical de</p><p>“assento”, distribuído em seis semas.</p><p>Observação</p><p>Sema é o menor elemento perceptível da semântica. Representa a</p><p>unidade de significação.</p><p>Os seis semas são:</p><p>S1 = com encosto;</p><p>S2 = para uma pessoa;</p><p>S3 = com braços;</p><p>S4 = com pé ou pés;</p><p>S5 = para se sentar;</p><p>S6 = com material rígido.</p><p>46</p><p>Unidade I</p><p>Quadro 2 – Análise sêmica do campo lexical de “assento”</p><p>S1 S2 S3 S4 S5 S6</p><p>Cadeira + + - + + +</p><p>Poltrona + + + + + -</p><p>Tamborete - + – + + +</p><p>Canapé + - + + + +</p><p>Pouf - + - + + -</p><p>Sema</p><p>Lexema</p><p>Fonte: Fiorin (2000, p. 12).</p><p>Os termos-objeto se aproximam pelas semelhanças nos seus traços conceituais, tais como os</p><p>semas S4 e S5, que estão presentes em todos os lexemas exemplificados, mas apresentam diferença, ou</p><p>traço distintivo entre eles. Os termos poltrona × cadeira, por exemplo, são próximos na semelhança, mas</p><p>individualmente, cada um não possui um dos traços, (− S6) e (− S3), respectivamente. A combinatória</p><p>dos semas se manifesta em significações e aparecem em lexemas. Tais significações, como combinação</p><p>de semas, definem-se como sememas.</p><p>Com base no estruturalismo, Greimas (1975) afirma que os conteúdos se organizam por oposições</p><p>binárias: vida/morte, bem/mal, forte/fraco. Ressalta, então, que nosso conhecimento somente é</p><p>processado por causa das oposições.</p><p>Esse estudo saussureano foi desenvolvido, entre outros, pelo linguista Hjemslev, que serviu de outra</p><p>base para a pesquisa de Greimas.</p><p>Hjelmslev, em 1943, publicou seus Prolegômenos (a edição usada por nós é de 1968) sobre linguagem.</p><p>Observação</p><p>Prolegômenos significa princípios básicos para o estudo de um assunto</p><p>ou princípios norteadores de uma ciência.</p><p>Nessa obra, o linguista apresenta uma teoria da linguagem, cujo foco é o texto. O sistema da linguagem</p><p>estrutura todos os textos e a teoria sobre ela deve reconhecer qualquer texto possível. Afinal, a comunicação</p><p>humana se dá por meio dos textos, os quais são constituídos de linguagem(ns). Para Fiorin (2003, p. 20), a</p><p>obra Prolegômenos inicia-se “com uma das mais belas páginas da linguística”:</p><p>A linguagem [...] é uma inesgotável riqueza de múltiplos valores. A linguagem</p><p>é inseparável do homem e segue-o em todos os seus atos. A linguagem é o</p><p>instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos,</p><p>suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao</p><p>qual ele influencia e é</p><p>influenciado, a base última e mais profunda da sociedade</p><p>47</p><p>SEMIÓTICA</p><p>humana. Mas é também o recurso último e indispensável do homem, seu refúgio</p><p>nas horas solitárias em que o espírito luta com a existência, e quando o conflito</p><p>se resolve no monólogo do poeta e na meditação do pensador. Antes mesmo</p><p>do primeiro despertar de nossa consciência, as palavras já ressoavam à nossa</p><p>volta, prontas para envolver os primeiros germes frágeis de nosso pensamento</p><p>e a nos acompanhar inseparavelmente através da vida, desde as mais humildes</p><p>ocupações da vida cotidiana até os momentos mais sublimes e mais íntimos</p><p>dos quais a vida de todos os dias retira, graças às lembranças encarnadas pela</p><p>linguagem, força e calor. A linguagem não é um simples acompanhante, mas</p><p>sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento: para o indivíduo,</p><p>ela é tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de pai para filho.</p><p>Para o bem e para o mal, a fala é a marca da personalidade, da terra natal e da</p><p>nação, o título de nobreza da humanidade. O desenvolvimento da linguagem</p><p>está tão inextricavelmente ligado ao da personalidade de cada indivíduo, da</p><p>terra natal, da nação, da humanidade, da própria vida, que é possível indagar-se</p><p>se ela não passa de um simples reflexo ou se ela não é tudo isso: a própria fonte</p><p>de desenvolvimento dessas coisas.</p><p>É por isso que a linguagem cativou o homem enquanto objeto de</p><p>deslumbramento e de descrição na poesia e na ciência (HJELMSLEV,</p><p>1968, p. 1-2).</p><p>A semiótica discursiva estuda a significação, que é definida, então, no conceito de texto. Sendo o</p><p>texto constituído por linguagem, inova-se devido a ela. Em outras palavras, a linguagem é um sistema</p><p>de signo e tem como finalidade criar novos signos. Ou seja, o “traço essencial da linguagem humana é</p><p>que, a partir de um número limitado de figuras, arranjadas de maneiras diversas, pode-se construir um</p><p>número ilimitado de signos” (HJELMSLEV, 1968, p. 51).</p><p>A linguagem inova-se nas duas esferas do signo: significante e significado. Ou melhor, essas esferas</p><p>saussereanas desenvolvidas por Hjelmslev, de modo que o signo foi relacionado a um plano de expressão</p><p>e a um plano de conteúdo. Nesse caso:</p><p>O plano de conteúdo refere-se ao significado do texto, ou seja, como</p><p>se costuma dizer em semiótica, ao que o texto diz e como ele faz para</p><p>dizer o que diz. O plano de expressão refere-se à manifestação desse</p><p>conteúdo em um sistema de significação verbal, não verbal ou sincrético</p><p>(PIETROFORTE, 2012, p. 11).</p><p>Hjelmslev divide o conteúdo em forma do conteúdo e substância do conteúdo; e a expressão em</p><p>substância da expressão e forma da expressão. Para o estudioso, a essência da língua se constitui</p><p>da inter-relação desses dois planos. Cada um desses planos em determinada língua tem sua própria</p><p>estrutura. O quadro 3 conceitua uma das entidades dos planos de conteúdo e expressão.</p><p>48</p><p>Unidade I</p><p>Quadro 3 – Plano de conteúdo e plano de expressão</p><p>S</p><p>i</p><p>g</p><p>n</p><p>o</p><p>Plano da expressão</p><p>Forma do conteúdo Estruturação da língua na fala/escrita</p><p>Substância do conteúdo Pensamento/ideia/significação</p><p>Plano do conteúdo</p><p>Forma da expressão Fonemas/cenemas</p><p>Substância da expressão Articulados pela fala</p><p>Há na linguagem uma solidariedade entre conteúdo e expressão, de tal modo que uma separação</p><p>entre os planos seria impossível. Segundo Hjelmslev (1968, p. 66-7), “uma expressão não é expressão se</p><p>não porque é expressão de um conteúdo e um conteúdo não é conteúdo senão porque é conteúdo de</p><p>uma expressão”.</p><p>Em semiótica discursiva, essas proposições de Hjelmslev são adotadas como: o plano do conteúdo</p><p>ser o significado do texto, e o plano da expressão ser a manifestação do conteúdo. Notamos que o plano</p><p>do conteúdo trata do que o texto diz e o plano da expressão consiste no como o conteúdo é dito, ou</p><p>seja, por qual código é expresso: verbal, icônico, gestual etc.</p><p>Um mesmo conteúdo pode ser manifestado por diferentes modos de expressão de linguagens.</p><p>Por exemplo:</p><p>Quadro 4 – Exemplo de conteúdo e expressão</p><p>Conteúdo</p><p>(significado)</p><p>Modos de expressão</p><p>Linguagens</p><p>/Negação/</p><p>Língua</p><p>Prefixo des-/In-</p><p>Palavra não</p><p>Gestual</p><p>Dedo indicador</p><p>Gesto de cabeça</p><p>Cor</p><p>Vermelha</p><p>(no semáforo)</p><p>Analisar um texto sob a ótica da semiótica greimasiana é verificar como o sentido se estrutura na</p><p>relação entre esses dois planos. No entanto, ressaltamos, a análise pode identificar diferentes níveis</p><p>do conteúdo ou da expressão. Assim, podemos tratar do plano do conteúdo com base no percurso</p><p>gerativo de sentido.</p><p>3.2 Percurso gerativo de sentido</p><p>O percurso gerativo de sentido é dividido em três níveis: fundamental, narrativo e discursivo.</p><p>As estruturas profundas recebem o nome de nível fundamental, e neste surge a significação como</p><p>uma oposição semântica mínima (dominação × liberdade, amor × ódio). As estruturas superficiais</p><p>denominam-se nível narrativo, e neste se organiza a narrativa do ponto de vista de um sujeito, implicados</p><p>49</p><p>SEMIÓTICA</p><p>a sucessão, o encadeamento e a transformação de estados. A estrutura superficial é nomeada de nível</p><p>discursivo por operar as categorias de pessoa, espaço e tempo, construindo um efeito de sentido.</p><p>A semântica fundamental unida à sintaxe fundamental estuda as estruturas da significação designadas</p><p>pelos conceitos de língua, na linha saussuriana, e da competência, segundo a visão chomskiniana.</p><p>Observação</p><p>Noam Chomsky é o linguista da linha gerativa, analisa a menor unidade</p><p>da oração: o sintagma. A oração tem uma base estrutural, profunda, que</p><p>possibilita a construção (geração) de infinitas frases; estas são aparentes,</p><p>visíveis na superfície dos enunciados.</p><p>As estruturas semânticas podem ser formuladas como categorias e são suscetíveis de serem</p><p>articuladas pelo quadrado semiótico. É por meio dele que se confere um estatuto lógico-semântico,</p><p>as tornando operatórias.</p><p>A articulação lógica de qualquer categoria semântica é representada visualmente por meio do</p><p>quadrado semiótico. O significado é primeiramente obtido por oposição no mínimo entre dois termos,</p><p>constituindo uma estrutura binária. Chegamos ao quadrado semiótico por uma combinatória das</p><p>relações de contradição e asserção. Podemos afirmar que esse procedimento é estruturalista na</p><p>medida em que um termo não se define isoladamente, mas sim por meio de relações entre outro</p><p>elemento que contraria o primeiro.</p><p>O nível fundamental abrange categorias semânticas que ordenam o conteúdo do texto, sendo essa</p><p>categoria uma oposição tal que a × b. Consideramos a explicação de Pietroforte (2012, p. 17):</p><p>Tomando S1 como masculino e S2 como feminino, o primeiro passo é negar</p><p>S1, produzido assim a sua contradição ~S1, que se caracteriza por não poder</p><p>coexistir simultaneamente com S1 (a uma impossibilidade de os dois termos</p><p>estarem presentes ao mesmo tempo). A seguir afirma-se ~S1 e obtenha-se</p><p>S2. Isto é, se não é masculino, é feminino. Esta é uma relação de implicação.</p><p>O passo descrito representa-se graficamente do seguinte modo:</p><p>S1</p><p>~S1</p><p>S2</p><p>Figura 15 – Esquema de contradição ~S1 – S2</p><p>50</p><p>Unidade I</p><p>O segundo passo consiste no mesmo procedimento a partir de S2, pelo que se obtém o seguinte</p><p>esquema:</p><p>S1</p><p>~S2</p><p>S2</p><p>Figura 16 – Esquema de obtenção de ~S2</p><p>Os dois esquemas constituem então o quadrado semiótico.</p><p>~S2 ~S1</p><p>S1 S2</p><p>Figura 17 – Esquema do quadrado semiótico</p><p>O quadrado semiótico materializa visualmente as relações lógicas fundamentais de uma categoria</p><p>semântica dada. A contradição é o primeiro tipo de relação entre dois termos da categoria binária</p><p>asserção/negação. É uma relação de oposição entre presença e ausência de um sema. O segundo tipo,</p><p>por sua vez, é a contrariedade, em que dois semas são contrários se um deles implica o contrário do</p><p>outro. O resultado dos dois tipos causa um novo tipo, o da complementaridade. Dessa representação,</p><p>surgem seis relações:</p><p>S1 S2:</p><p>~S1 ~S2:</p><p>S1 ~S1:</p><p>S2 ~S2:</p><p>S1 ~S2:</p><p>S2 ~S1:</p><p>Relação de contradição</p><p>Relação de contrariedade</p><p>Relação de complementariedade</p><p>Eixo dos contrários</p><p>Eixo das subcontrárias</p><p>Esquema positivo</p><p>Esquema negativo</p><p>Dêixis positiva</p><p>Dêixis negativa</p><p>Figura 18 – Tipos de relação contradição/contrariedade/complementaridade</p><p>Observação</p><p>A língua marca quem fala (dêiticos pessoais), o momento da fala</p><p>(dêiticos temporais) e o local (dêitico espaciais) em que a fala se concretiza.</p><p>As marcas são os dêiticos ou dêixis na enunciação.</p><p>51</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Esses tipos de relação elencados estão diagramados na figura seguinte:</p><p>Asserção</p><p>Eixo semântico Negação</p><p>ComplementaridadeComplementaridade</p><p>Não asserção</p><p>ComplementaridadeComplementaridade</p><p>Não negação</p><p>ContradiçãoContradição</p><p>Contrariedade</p><p>Figura 19 – Diagrama do quadradro semiótico</p><p>Fonte: Nöth (1996, p. 147).</p><p>Apresentamos o exemplo que ilustra as relações da oposição semântica |vida| (S1) × |morte| (S2)</p><p>com base no modelo de Greimas e Courtés (2008).</p><p>Não morte Não vida</p><p>MorteVida</p><p>Relação de contrariedade</p><p>Relação de contradição</p><p>Relação de complementariedade</p><p>Figura 20 – Quadrado semiótico de |vida| × |morte|</p><p>Adaptado de: Greimas e Courtés (2008).</p><p>No mesmo pressuposto lógico do nível fundamental, o nível narrativo trata das transformações de</p><p>estado do sujeito mediante ações. A transformação situa-se entre dois estados sucessivos e diferentes.</p><p>Nessa perspectiva, todos os textos apresentam o nível narrativo, independentemente se são ou</p><p>não narrativos. Fiorin (2000) distingue narrativa de narratividade. Enquanto a narração é um tipo</p><p>de texto, tais como narração, descrição, argumentação etc., a narratividade está presente em todos</p><p>os textos e consiste na transformação entre dois estados. Temos, assim, a sequência: estado inicial,</p><p>transformação e estado final.</p><p>O sujeito não é, necessariamente, uma pessoa; refere-se a qualquer ser que se relaciona com o objeto</p><p>de acordo com determinado estado. O estado é a relação de junção – conjunção ou disjunção – do sujeito</p><p>52</p><p>Unidade I</p><p>com esse objeto, constituindo-se, assim, de valores. No caso das transformações, elas se mostram nos</p><p>enunciados do fazer, que correspondem à passagem de um estado para outro.</p><p>O percurso de sequência lógica de estados e transformações desses estados na relação entre sujeitos</p><p>pode ser descrito da seguinte maneira:</p><p>S = Sujeito</p><p>O = Objeto</p><p>∩ = Conjunção</p><p>U = Disjunção</p><p>→ = Transformação</p><p>S ∩ O</p><p>S (S ∩ O → S U O)</p><p>S (S U O → S ∩ O)</p><p>Figura 21 – Sequência lógica de estado e transformação</p><p>O percurso narrativo acontece em quatro atos: manipulação, competência, performance e sanção.</p><p>A manipulação consiste no esforço do sujeito para despertar a confiança do destinatário (fazer crer),</p><p>fazendo-o fazer ou não fazer; pode ser concretizada como pedido, súplica, ordem. Para que um sujeito</p><p>consiga o que deseja, ele age sobre o outro de modo que esse segundo colabore para a conquista do</p><p>seu objetivo.</p><p>As formas de manipulação são sedução (por meio de elogios), tentação (destinador apresentando</p><p>ao destinatário uma recompensa irrecusável), provocação (depreciação que leva o outro a agir),</p><p>intimidação (ameaça).</p><p>A competência é a sequência narrativa em que o sujeito atribui a outro um saber e um poder fazer.</p><p>Em um conto maravilhoso, por exemplo, uma fada dá a um príncipe um objeto mágico, que lhe permite</p><p>realizar alguma ação extraordinária: um poder fazer.</p><p>A performance é a representação sintático-semântica da ação do sujeito com vistas à apropriação</p><p>dos valores desejados, na qual acontece a transformação principal do texto.</p><p>A sanção é a última fase do percurso narrativo e pode ser tanto cognitiva quanto pragmática.</p><p>A sanção cognitiva é o reconhecimento de que a performance de fato ocorreu. Em diversos textos, essa</p><p>fase é muito importante, porque é nela que as mentiras são desmascaradas, os segredos são desvelados</p><p>etc. A sanção pragmática é referente à premiação ao ou castigo que o sujeito da narrativa recebe, mas</p><p>essa sanção pode ou não ocorrer.</p><p>Por fim, o terceiro nível do percurso gerativo, o nível discursivo, trata das relações do sujeito da</p><p>enunciação com discurso-enunciado. A relação, entre enunciador e enunciatário, ocorre em categorias</p><p>de debreagem, que são de pessoa, tempo e espaço. Além dessa categoria, há a aspectualização, que</p><p>justamente incide sobre o tempo, espaço e atores do discurso por um actante observador.</p><p>53</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Partiremos para um exemplo analítico. A proposta de análise é da estudiosa Renata Borba</p><p>Fagundes (2011). A seguir, o texto em tirinhas da personagem Magali, criação do famoso Mauricio</p><p>de Sousa.</p><p>Figura 22 – Tirinha</p><p>Fonte: Fagundes (2011, p. 4).</p><p>Dadas as categorias semânticas do texto, Fagundes destaca “beleza × feiura”, visto que constatamos</p><p>uma contraditoriedade entre feiura e beleza, bem como a implicação não feiura e não beleza. Os termos</p><p>são organizados logicamente na estrutura fundamental.</p><p>Feiura Beleza</p><p>Não feiuraNão beleza</p><p>Figura 23 – Quadrado semiótico de |feiura| × |beleza|</p><p>A relação entre os termos-objeto é de disjunção pela oposição criada no texto.</p><p>Quanto ao nível narrativo, o sujeito sapo se encontra em um estado inicial disjunto de seu objeto de</p><p>valor, que é se tornar um belo príncipe, e consegue realizar a transformação para um estado conjunto,</p><p>passando de animal feio para um estado final de belo príncipe. O sujeito Magali, por sua vez, encontra-se</p><p>também em um estado inicial de disjunção quanto ao seu objeto de valor, que é a comida, e continua</p><p>disjunto dele, uma vez que não atinge seu desejo.</p><p>As fases desse nível constituem-se de manipulação, competência, performance e sanção. O sapo</p><p>precisa do beijo de uma princesa e manipula Magali ao oferecer a ela uma surpresa. Essa manipulação</p><p>é, então, do tipo tentação.</p><p>Quanto à competência, o sujeito sapo, manipulador do texto, tem a competência de ganhar um beijo</p><p>de Magali. A transformação do sapo em príncipe faz parte da terceira fase do percurso narrativo e com</p><p>ela o sujeito passa de seu estado de sapo (animal feio) para o estado de príncipe (dotado de beleza).</p><p>54</p><p>Unidade I</p><p>A última fase é a da sanção. O sapo conseguiu tornar-se um belo príncipe.</p><p>No nível discursivo, os sujeitos têm objeto de valor oposto. A concretização do desejo do sapo leva-o</p><p>em conjunção com seu objeto de valor, ser um belo príncipe, contudo, no caso de Magali, que busca</p><p>uma conjunção com um pipoqueiro, padeiro ou qualquer outro profissional que possa lhe oferecer</p><p>comida, ela se decepciona por não satisfazer o desejo. A sanção pragmática ocorreu com o sapo, mas</p><p>não com Magali.</p><p>Quadro 5 – Percurso gerativo do sentido</p><p>Componente sintático Componente semântico</p><p>Nível discursivo</p><p>Actorialização</p><p>Temporalização</p><p>Espacialização</p><p>Temas e figuras</p><p>Nível narrativo</p><p>Actantes</p><p>Esquema narrativo canônico</p><p>Atualização dos valores,</p><p>modalidades e modalização</p><p>Nível fundamental Organização estrutural</p><p>mínima: categoria elementar</p><p>Categoria tímica</p><p>(euforia × disforia)</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>1. Crie um quadrado semiótico, conforme modelo da figura 15, com os seguintes termos-objeto:</p><p>real × virtual.</p><p>2. Explique a operação:</p><p>S1</p><p>Asserção “sim”</p><p>(2)</p><p>—</p><p>S2</p><p>Negação</p><p>(1)</p><p>S2</p><p>Negação “não”</p><p>—</p><p>S1</p><p>Asserção</p><p>Figura 24 – Operação lógica do quadrado semiótico</p><p>3. Selecione vários anúncios publicitários, de venda de produtos, de pedido de adesão a uma causa</p><p>biossocial, voto partidário, entre outros temas. O percurso narrativo acontece em quatro atos: manipulação,</p><p>competência, performance e sanção. Identifique nos anúncios selecionados o tipo de manipulação usada</p><p>nos textos: tentação, intimidação, sedução, provocação.</p><p>55</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Comentário:</p><p>1. O quadrado semiótico mostra os tipos possíveis de relação entre os termos-sujeito. Quando</p><p>montamos um deles, atentamos à organização do quadrado.</p><p>2. A asserção é uma das categorias do percurso gerativo do sentido. Ela representa a relação de junção</p><p>(conjunção ou disjunção). É preciso detalhar o processo de transformação de asserção para negação.</p><p>3. A atividade é apenas para identificar o tipo de manipulação. Não é preciso verificar as outras</p><p>categorias. A manipulação está presente em todos os textos, contudo, é um dos maiores recursos</p><p>dos anúncios.</p><p>4 SEMIÓTICA DISCURSIVA: PLANO DA EXPRESSÃO</p><p>4.1 Plano da expressão e a semiótica do sensível</p><p>O plano da expressão do signo também tem um percurso gerativo. Apesar de Greimas tratar desse</p><p>plano, seu percurso passou a ser desenvolvido por Jacques Fontanille (2012; ano da edição brasileira)</p><p>desde o fim do século passado.</p><p>Saiba mais</p><p>No Brasil, o linguista Antonio Vicente Pietroforte traz uma das</p><p>maiores contribuições para o plano da expressão ao analisar os signos</p><p>de textos visuais (escultura, pintura, arquitetura etc.) e sonoros (música),</p><p>sinestésicos (sabores, alimentos).</p><p>Em obra mais recente, Pietroforte e outros estudiosos trazem uma</p><p>perspectiva mais atual sobre o plano da expressão ao tratar, por exemplo,</p><p>de poesia digital.</p><p>MANCINI, R.; GOMES, R. (org.). Semiótica do sensivel: questões do plano</p><p>da expressão. Sao Paulo: Mackenzie, 2020.</p><p>PIETROFORTE, A. V. Semiótica visual: o percurso do olhar. 3. ed. São</p><p>Paulo, Contexto, 2012.</p><p>56</p><p>Unidade I</p><p>Linguista contemporâneo, Fontanille propõe um percurso gerativo da expressão composto por seis</p><p>níveis, que constituem o campo da pertinência da análise. Os níveis são:</p><p>• signo;</p><p>• textos-enunciados;</p><p>• objetos;</p><p>• cenas práticas;</p><p>• estratégias;</p><p>• formas de vida.</p><p>Cada nível é uma instância formal, composta por um material (substância), passível de análise.</p><p>De acordo com a ressalva de Mancini e Gomes (2020, p. 159): “O fato de um texto estar escrito</p><p>em uma folha, um bloco de argila, na areia ou na tela do computador não é pertinente para a</p><p>análise da experiência interpretativa”, a não ser que essa materialidade do suporte produza sentido</p><p>no manuseio ou uso. Ou seja, a materialidade é objeto de análise quando gera uma interface entre</p><p>o texto e o nível objetal, cuja morfologia se compõe pelo tamanho, textura (lisa, porosa, rígida,</p><p>maleável), lugar onde o material é fixado, entre outros aspectos. Na explanação de Fontanille</p><p>(apud MANCINI; GOMES, 2020, p. 160),</p><p>acrescentamos uma dimensão ao plano da expressão. Do texto-enunciado ao</p><p>objeto (sobretudo objeto-suporte), acrescentamos a dimensão da espessura</p><p>(portanto, do volume) e da complexidade morfológica do próprio objeto.</p><p>A relação entre texto e objeto segue dois movimentos. O primeiro é ascendente, que ocorre dos</p><p>signos às formas de vida; nesse caso, o texto é escrito em um objeto, que passa a ser usado em</p><p>uma prática. O segundo movimento é descendente, que consiste das formas de vida aos signos,</p><p>sobrepondo, assim, operações de representação e simbolização. Desse modo, a análise da pertinência</p><p>considera práticas e interações sociais: nível das formas de vida e dos modos sociais de existência.</p><p>Recorremos às considerações de Pietroforte (2012) sobre o percurso gerativo da expressão.</p><p>Segundo esse estudioso, o plano de expressão serve para manifestar o conteúdo em um sistema de</p><p>significação. Esse sistema consiste de signos da língua (verbal), signos não verbais, cujos sistemas</p><p>formam, por exemplo, a música e as artes plásticas; e o sistema sincrético, que consiste de várias</p><p>linguagens (formalizadoras de canções, filmes etc.).</p><p>O linguista compara dois textos: a escultura de Vitor Brecheret e a estatueta artesanal de Vitalino</p><p>Ferreira dos Santos.</p><p>57</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Figura 25 – Escultura Monumento às Bandeiras de Vitor Brecheret</p><p>Fonte: Pietroforte (2012, p. 123).</p><p>Figura 26 – Estatueta Retirantes de Vitalino Ferreira dos Santos</p><p>Fonte: Pietroforte (2012, p. 123).</p><p>Os textos de Vitor Brecheret e Vitalino Ferreira dos Santos são de materiais e tamanhos diferentes.</p><p>O primeiro tem 50 metros de comprimento com 16 m de largura e 10 m de altura e está localizado no</p><p>parque Ibirapuera, o mais popular da cidade de São Paulo. O segundo não chega a 1 m cúbico em proporção</p><p>e é um modelo confeccionado, com pequenas variações, por muitos escultores do Nordeste do país.</p><p>Ambos os textos constituem, no plano do conteúdo, a migração, mas verificamos a divergência desse</p><p>conteúdo. Na escultura de Brecheret, trata-se do migrador explorador dos bandeirantes, e, na do mestre</p><p>Vitalino, é o migrador dos retirantes.</p><p>Esse conteúdo manifesta-se pelo plano da expressão pelo elemento plástico. Ambos os textos postam</p><p>seus personagens em fila, constituindo a categoria anterioridade × posterioridade no nível fundamental</p><p>da expressão.</p><p>58</p><p>Unidade I</p><p>Anterioridade Posterioridade</p><p>Anterioridade Posterioridade</p><p>Figura 27 – Categorias anterioridade × posterioridade</p><p>Fonte: Pietroforte (2012, p. 123).</p><p>Observação</p><p>As categorias “anterioridade × posterioridade” do plano da expressão</p><p>são resultado da análise. Elas variam de acordo com o próprio texto.</p><p>Pietroforte (2012) elenca outras categorias de outros textos analisados:</p><p>“totalidade × parcialidade”, “público × privado”, “incolor × colorido”.</p><p>Outro exemplo da semiótica do sensível é a arte culinária. O próprio Greimas já tratou a respeito</p><p>em mais de um texto fundamental, tal como “A soupe au pistou ou construção de um objeto de valor”</p><p>(PIETROFORTE apud MANCINI; GOMES, 2020). Greimas analisa uma receita de sopa como um objeto de</p><p>valor; apesar da falta de ênfase em análise sobre o sabor e a degustação, é uma análise da semiótica da</p><p>arte culinária.</p><p>A degustação envolve todo tipo de sensação em processo sinestésico. O paladar é a sensação</p><p>necessária e óbvia quando se trata de comida, porém, os demais sentidos são ativados. O alimento</p><p>é posto diante de nossos olhos; somos capazes de ouvir o alimento se este estoura ou chia, e, na</p><p>boca, pode ressoar devido à crocância; todos os alimentos têm odores; e, por fim, são táteis, porque</p><p>nossa língua também tem tato. A análise do plano da expressão da culinária é possível por meio dos</p><p>significantes visuais, olfativos, táteis, acústicos e palatais.</p><p>O modelo para descrever a significação na degustação segue os princípios:</p><p>1. a comoção é a etapa em que o prato faz suas promessas: em seus</p><p>modos de ser, sua disposição para ser saboreado, residem os contratos</p><p>estabelecidos entre ele e os sujeitos gourmets;</p><p>2. a catálise é a síntese de todas as semióticas envolvidas na comoção; assim</p><p>como a aquisição de competência é a condição da ação e a sensibilização</p><p>59</p><p>SEMIÓTICA</p><p>é a condição para que a emoção se manifeste, a catálise prepara êxtase, o</p><p>cerne da degustação;</p><p>3. o êxtase é a performance gustativa, mas também é a manifestação das</p><p>emoções envolvidas no processo;</p><p>4. a fruição é o julgamento da degustação, do mesmo modo que a sanção é o</p><p>julgamento da ação e a moralização, o julgamento da paixão (PIETROFORTE</p><p>apud MANCINI; GOMES, 2020, p. 188).</p><p>Esses princípios fazem parte do plano da expressão da arte culinária. Nesse caso:</p><p>1. a comoção consiste no envolvimento dos quatro sentidos como significantes; cheirar, tatear,</p><p>escutar e ver o alimento;</p><p>2. a catálise envolve a reação entre os significantes da comoção e o significante principal da arte</p><p>culinária, o gustativo;</p><p>3. o êxtase é o clímax sensorial, em que degustamos os sabores; e</p><p>4. a fruição é a apreciação de significantes gustativos juntamente com os demais semióticos</p><p>presentes na comoção.</p><p>O percurso da degustação não resolve a questão do significado dos pratos de comida, mas</p><p>propõe uma segmentação do processo de degustar, encaminhando a uma tipologia culinária. Nesse</p><p>contexto, os tipos de culinária são: culinária da diferenciação, da assimilação, da identificação e</p><p>da singularização.</p><p>A culinária da diferenciação é a imposição de um ingrediente como especial. Pietroforte chama</p><p>de ourivesaria por se tratar do prato especial visto como joia. A culinária da assimilação refere-se à</p><p>composição do prato combinado, sem fundir os alimentos. A culinária da identificação, por sua vez,</p><p>é chamada pelo estudioso de alquimia, por transcender os ingredientes e fundi-los em novos pratos.</p><p>A culinária da singularização é a da coleção, cujos ingredientes são peças de coleção, provadas uma a</p><p>uma pelo gourmet.</p><p>Culinária da composição</p><p>(assimilação)</p><p>Culinária da alquimia</p><p>(identificação)(diferenciação)</p><p>Culinária da ourivesaria</p><p>a fumaça é um índice do fogo.</p><p>68</p><p>Unidade I</p><p>III – Afirmativa correta.</p><p>Justificativa: o símbolo é o signo que se refere ao objeto em virtude de uma convenção. Um exemplo</p><p>de símbolo é um círculo luminoso vermelho indicando que um carro deve interromper seu percurso para</p><p>dar passagem aos pedestres.</p><p>Questão 2 (Enade 2006). Leia o texto a seguir.</p><p>Para dar significado a suas comunicações, as pessoas recorrem a signos, que se organizam em</p><p>sistemas de signos. Este texto, por exemplo, é constituído por signos individuais – as palavras –, por sua</p><p>vez, organizados em um sistema de signos, a língua. É um texto codificado. O receptor vai entendê-lo</p><p>porque conhece o código.</p><p>A semiótica – ou semiologia – é a ciência que estuda os signos, os sistemas de signos e a cultura em</p><p>que os signos existem.</p><p>Adaptado de: SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação</p><p>e da mídia. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004, p. 45.</p><p>A partir do texto anterior e das reflexões da semiótica acerca dos signos, assinale a opção correta.</p><p>A) Os signos se restringem às palavras.</p><p>B) Os signos e os sistemas de signos são abertos à interpretação.</p><p>C) Há relação visível entre significante e significado dos signos arbitrários.</p><p>D) Os códigos correspondem aos sistemas em que os signos se desorganizam.</p><p>E) O sentido se constrói, a despeito da decodificação.</p><p>Resposta correta: alternativa B.</p><p>Análise das alternativas</p><p>A) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: as palavras são os signos linguísticos, mas existem também os signos não verbais.</p><p>B) Alternativa correta.</p><p>Justificativa: mesmo sendo composto por significante e significado, o signo é interpretado no</p><p>contexto da comunicação.</p><p>69</p><p>SEMIÓTICA</p><p>C) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a arbitrariedade do signo caracteriza-se justamente pela ausência da visibilidade na</p><p>relação entre significante e significado.</p><p>D) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: os códigos correspondem aos sistemas em que os signos se organizam.</p><p>E) Alternativa incorreta.</p><p>Justificativa: a construção do sentido depende da decodificação realizada pelo receptor.</p><p>maneiras de lidar com ela, tais como praticar a respiração quadrada (segundo</p><p>o texto, uma série de movimentos com duração de 4 segundos cada), conscientizando-se de que o</p><p>momento “agora” é o mais importante etc.</p><p>Tanto o editorial (que ocupa uma coluna da página) quanto a matéria sobre ansiedade são da</p><p>modalidade escrita da língua portuguesa. Você dá conta deles, ao lê-los, faz uma avaliação positiva ou</p><p>negativa sobre eles.</p><p>Você parte, então, para a leitura de outros textos da revista e fica encantado com a explosão de</p><p>outras linguagens – além da língua escrita – presentes em suas páginas.</p><p>A revista divulga a obra Às vezes água, às vezes terra (de Miguel Bichir), que mistura poesia e</p><p>fotografias (de Du Zuppani) de Bertioga, litoral de São Paulo. É possível apreciar amostras das fotografias</p><p>dessa obra trazidas na revista.</p><p>8</p><p>Figura 1 – Foto com poesia na obra Às vezes água, às vezes terra</p><p>Fonte: Vida Simples (2022, p. 32).</p><p>São fotografias impressionantes, não é mesmo? Você, com certeza, ao ler a revista, atentou-se às</p><p>histórias da água, da floresta, da tradição caiçara. Talvez tenha feito uma associação mental, apontando</p><p>a relação homem e meio ambiente. A linguagem das fotografias é visual, cujas formas constitutivas</p><p>indicam paisagem e personagem em atividade litorânea, e a presença das cores é marcada com</p><p>tonalidade impressionante!</p><p>Porém, a leitura da revista não para. Relacionada a questões sociais, a publicação apresenta um texto</p><p>a respeito de uma exposição de grafite sobre quem vive em situação de rua.</p><p>9</p><p>Figura 2 – Texto sobre exposição de grafite</p><p>Fonte: Vida Simples (2022, p. 12).</p><p>À direita da página, estão grafites da exposição Afeto, em cartaz no Museu de Arte Sacra de São Paulo</p><p>à época da leitura da revista. No caso dos grafites exemplificados pela revista, a linguagem é visual, tal</p><p>como a da fotografia, cujas formas, contudo, são desenhos que identificam o estilo de traços do autor</p><p>Marcos Ramos, conhecido como Enivo. As cores também são fortemente marcadas.</p><p>Outras linguagens são configuradas na revista. Por meio da língua escrita e da fotografia, os textos</p><p>ricamente configuram essas outras linguagens.</p><p>10</p><p>A)</p><p>B)</p><p>11</p><p>C)</p><p>Figura 3 – Outras linguagens</p><p>Fonte: Vida Simples (2022, p. 16, 31 e 13).</p><p>Indiretamente, os textos apresentam a linguagem que constitui a música, o turismo e a culinária.</p><p>O primeiro (na parte superior da figura 3-A) trata de como manter o silêncio em lugares públicos</p><p>ao usar um fone de ouvido para obter os benefícios da “imersão sonora”. O segundo (figura 3-B) diz</p><p>respeito ao processo “tranquilo e consciente” das viagens turísticas, com ilustrações de diário de</p><p>viagem. Por fim, o último (figura 3-C) nos remete à linguagem da culinária, e esta, em outro texto</p><p>sobre chá, vincula-se à linguagem do afeto ao tratar das boas recordações que um chá pode nos trazer.</p><p>Por meio desses exemplos, verificamos que lemos textos constituídos de diversas linguagens, desde</p><p>palavras, de formas visuais até de culinária e afeto. Nesse contexto, por conseguinte, concebemos</p><p>texto aquele constituído da língua (palavra escrita ou oral), mas igualmente são textos o grafite, o</p><p>prato com a receita pronta, a música.</p><p>12</p><p>Essa explosão de palavras, imagens, referências às linguagens do afeto, da culinária e de tantas</p><p>outras presentes nas páginas da revista leva a perceber que um texto pode ser formado por mais de</p><p>uma linguagem e nos causa um imenso prazer em sua leitura.</p><p>O campo de estudo de nossa área, que trata dessa diversidade de linguagem e de textos, é a</p><p>semiótica. Por isso, o conteúdo programático consiste de conceito de semiótica e seus domínios</p><p>(o signo e a semiose), as perspectivas teóricas da semiótica, sendo elas: semiótica peirceana e sua</p><p>noção da incompletude do signo; semiótica discursiva de linha francesa, com seu percurso narrativo</p><p>do sentido; semiótica da cultura; e semiótica social, que adota a noção de multimodalidade e nos</p><p>oferece a gramática da sintaxe visual e a modalização.</p><p>Assim, os objetivos gerais desta disciplina são apresentar as perspectivas semióticas e o processo</p><p>de construção de sentido dos textos imagéticos, visuais e verbais e proporcionar base teórica e</p><p>metodológica para a análise semiótica de textos multimodais. O objetivo específico, por sua vez,</p><p>é introduzir as noções das várias perspectivas semióticas e as categorias analíticas para o estudo</p><p>das linguagens.</p><p>INTRODUÇÃO</p><p>A semiótica é a ciência da linguagem. A linguagem materializa-se de diversas formas – verbal, no</p><p>caso, as línguas (portuguesa, inglesa etc.) nas modalidades oral e escrita, incluindo libras, linguagem</p><p>visual, verbo-visual, sonora, corporal, digital e assim por diante – e em diferentes manifestações, tais</p><p>como canto, música, dança, teatro, literatura escrita, mapa, fotografia, gráficos, textos jornalísticos,</p><p>jurídicos etc. escritos e orais, mímica, circo, vídeos, filmes, animações, entre tantas outras.</p><p>Santaella (2019), maior semioticista do Brasil, afirma que temos “a sorte de utilizar o sistema</p><p>linguístico do português que, como as outras línguas românicas – o francês, o italiano e o espanhol, por</p><p>exemplo – tem no seu vocabulário duas palavras distintas: língua e linguagem” (p. 26). O termo língua</p><p>refere-se ao sistema verbal (palavras orais e escritas) e linguagem é termo generalizado para qualquer</p><p>sistema de comunicação entre os seres humanos. No caso do inglês, por exemplo, existe somente a</p><p>palavra language, para abranger esse território semântico que o português cobre com duas palavras.</p><p>Portanto, na língua inglesa, jamais poderíamos dizer que a semiótica é uma ciência da “language”.</p><p>A semiótica, então, busca compreender os processos existentes capazes de possibilitar a linguagem</p><p>a significar, ser interpretada e produzir sentido. Em síntese, a semiótica busca princípios em comum a</p><p>todas as linguagens.</p><p>A palavra semiótica deriva da raiz grega semeion, que significa signo; logo, em geral, em todas</p><p>as línguas em que há estudiosos nesse campo, a semiótica é definida como uma ciência dos signos.</p><p>Por isso, “aquilo que antes foi chamado de linguagem pode também ser chamado de signo – por</p><p>exemplo, signos musicais, signos teatrais e signos verbais” (SANTAELLA, 2019, p. 28).</p><p>Agora, necessitamos saber o que é signo. Quem nasce no dia 23 de março é do signo de áries...</p><p>Brincadeira! Brincadeira! Corre na internet um texto de humor sobre o que é semiótica.</p><p>13</p><p>Humor semiótico</p><p>Havia duas pessoas conversando:</p><p>— O que você faz?</p><p>— Eu estudo Semiótica.</p><p>— Semi-ótica? Ótica pela metade?</p><p>— Não…</p><p>— Simiótica... estudo dos símios?</p><p>— Não, a Semiótica estuda os signos.</p><p>— Ah, então você é astrólogo! (Autor desconhecido)</p><p>Esse texto é inspirado em um dos primeiros livros de Santaella, O que é semiótica, publicado em</p><p>1983. Nessa obra, a estudiosa aponta para essa confusão quanto ao conceito de signo em semiótica.</p><p>Signo, portanto, não é referente à astrologia. Signo está no lugar de algo, ou seja, remete a um</p><p>referente. Exemplificamos na figura 4.</p><p>gato</p><p>cat</p><p>neko</p><p>A) B) C)</p><p>(palavra) (desenho) (fotografia) (história)</p><p>Figura 4 – Signos do referente gato</p><p>Disponível em: A) bit.ly/46rD1o2; B) bit.ly/3ptZrnX;</p><p>C) bit.ly/3rbHRFS. Acesso em: 30 jun. 2023.</p><p>A palavra gato (em português), cat (em inglês) e neko (em japonês), o desenho de um gato, a</p><p>fotografia de um gato, a história sobre o gato mais famoso em O Gato de botas são todos signos de</p><p>gato. Cada signo faz referência à sua maneira, pois cada um tem um sistema próprio.</p><p>O signo não é o referente, mas um intermediário. Se você nos contasse um fato que envolvesse</p><p>um gatinho da família ou nos mostrasse a foto dele, o animal em si não estaria presente durante</p><p>nossa conversa, mas a palavra gato e a fotografia seriam signos que remeteriam à nossa mente o</p><p>referente gato. Como bem explica Santaella (2019, p. 29):</p><p>14</p><p>Assim, ao remeter a algo, o signo produz também algo, uma impressão na</p><p>mente de um possível intérprete (aquele que recebe o signo). Há, portanto,</p><p>três elementos: (1)</p><p>o signo, (2) aquilo a que ele se reporta e a (3) impressão</p><p>que, nesse reenvio a algo, o signo produz em uma mente que o recebe.</p><p>Como o signo está no lugar de algo, podemos falar do que está distante, ausente de nossos olhos.</p><p>Somos também capazes de inventar uma história com base na nossa imaginação. A história resultante</p><p>é igualmente um signo. Aquilo que constitui o signo e o faz funcionar como tal é a sua relação com um</p><p>objeto de referência, não importando se esse objeto existe ou é imaginado.</p><p>Enfim, se a semiótica é a ciência da linguagem, esta, por sua vez, é um conjunto de sistemas sígnicos.</p><p>As concepções de semiótica, de linguagem e de signo são complexas, e a semiótica tem mais de</p><p>uma vertente teórica para dar conta delas. As quatro grandes vertentes desenvolveram-se a partir</p><p>do século 19.</p><p>• Semiótica peirceana: fundou a semiótica. O americano Charles Sanders Peirce formalizou</p><p>os estudos da semiótica, sua linha de pesquisa se tornou uma grande base para muitas outras</p><p>áreas até hoje. Em uma busca superficial na nossa biblioteca virtual, encontramos muitas obras</p><p>que seguem essa linha. Existem também inúmeros artigos científicos, dissertações, teses que</p><p>analisam seu objeto específico (em Direito, Jornalismo, Publicidade, Design, Medicina etc.) com</p><p>base na semiótica peirceana. Em resumo, é a vertente da semiótica mais conhecida e usada fora</p><p>do nosso curso. No Brasil, Lucia Santaella é com certeza a maior representante dessa vertente.</p><p>• Semiótica discursiva: também conhecida como semiótica da linha francesa. São vários os</p><p>semioticistas dessa linha, porém o precursor foi o linguista Algirdas Julien Greimas. No Brasil,</p><p>essa linha tornou-se extremamente profícua com pesquisas de linguistas como José Luiz Fiorin,</p><p>Antonio Vicente Pietroforte e Norma Discini.</p><p>• Semiótica da cultura: conhecida também como semiótica russa por causa do fundador dessa</p><p>vertente, Yuri Lotman. Contudo, a caráter de curiosidade, as pesquisas ocorreram (e ocorrem</p><p>ainda) na Estônia. No Brasil, a linguista Irene Machado é a maior colaboradora dessa vertente.</p><p>• Semiótica social: vertente mais atual, desenvolvida a partir do fim do século passado. Dois</p><p>grandes nomes destacam-se: Gunther Kress e Theo Van Leeuwen. Temos diversas pesquisas dessa</p><p>vertente no Brasil, mas damos destaque aos estudos de Joana Ormundo, que trouxe a semiótica</p><p>social para nosso curso.</p><p>Essas vertentes são tratadas neste livro-texto da seguinte maneira: na unidade I, apresentamos duas</p><p>grandes correntes da semiótica. A primeira delas é a semiótica peirceana e o conceito e tipos de signo.</p><p>A segunda é referente a semiótica discursiva ou da linha francesa, que trata da geração de sentido.</p><p>Na unidade II, por sua vez, focamos a terceira vertente da semiótica, chamada semiótica da cultura,</p><p>com a concepção de semiosfera. Por fim, a quarta linha de estudo e a mais recente, a semiótica social,</p><p>traz as noções de atores sociais e a proposta de gramática visual.</p><p>15</p><p>Para encerrar, deixamos um desafio ao aluno.</p><p>Seu objeto de análise pode surpreender: o marcador de página! Já parou para analisar um marcador</p><p>de página? Já se perguntou se ele é apenas um objeto em papel ou, nas questões de gênero textual, se é</p><p>um suporte? Ou é um gênero textual? Sua função é marcar a página que lemos, ou as editoras e livrarias</p><p>usam-no para fazer propaganda de si mesmas e de seus livros?</p><p>Veja a imagem a seguir. A autora deste livro-texto ganhou de duas alunas do curso um marcador de</p><p>página personalizado.</p><p>Figura 5 – Marcador de página (frente e verso)</p><p>O marcador de página tem uma história e diferentes formatos (fita colada no livro, parecido com</p><p>prendedor de gravata de ouro, de alumínio etc., tira de papel etc.). No caso do marcador de página</p><p>desta autora, é em papel e foi criado para o trabalho de curso (TC) das alunas e dado às professoras</p><p>da banca examinadora. É um delicado e bonito marcador!</p><p>O desafio é fazer quatro análises do marcador de página. Você pode selecionar marcadores que</p><p>possui em casa, entre seus livros.</p><p>• 1ª análise: seguir a tríade do signo da semiótica peirceana, destacar uma das categorias para</p><p>análise.</p><p>16</p><p>• 2ª análise: seguir a semiótica discursiva e montar, no mínimo, um quadrado semiótico, indicando</p><p>se se trata de signo em seu conteúdo ou em sua expressão.</p><p>• 3ª análise: seguir a semiótica da cultura e pesquisar o valor cultural do marcador de página para</p><p>dois momentos (épocas históricas) diferentes ou para dois espaços (sociais) diferentes.</p><p>• 4ª análise: seguir a semiótica social e analisar os dois ou um dos dois aspectos — vozes sociais</p><p>presentes no marcador ou a gramática visual.</p><p>Na medida em que der conta da leitura deste livro-texto, conseguirá realizar as análises. Boa leitura</p><p>e um ótimo caminho para o conhecimento!</p><p>17</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Unidade I</p><p>1 SEMIÓTICA PEIRCEANA: CATEGORIAS DO SIGNO</p><p>1.1 Categorias do signo</p><p>Iniciamos com uma pergunta: como obtemos o conhecimento? Por que dizemos que a cor do céu é</p><p>azul? Como identificamos quando estamos com dor, frio ou fome? Como percebemos que somos mais</p><p>baixos (ou altos) do que nossos irmãos? Por que temos ânimo para lutar contra uma injustiça? O que</p><p>significam os nomes Carina e Iuri? O que se estuda em Engenharia, Design Gráfico ou Letras? Qual é a</p><p>diferença entre moral e ética?</p><p>Charles Sanders Peirce (1839-1914) procurou a resposta sobre o processo do conhecimento e</p><p>dedicou-se a estudar matemática, física, astronomia, química, linguística, psicologia, história e a filosofia.</p><p>O conjunto de sua obra é considerado a maior realização da filosofia americana.</p><p>Saiba mais</p><p>Na obra Visualizando signos, os autores falam do tratamento</p><p>diagramático da teoria do signo de Peirce, apresentando o processo de</p><p>seus estudos, pesquisas, pensamentos, com imagens ricas e interessantes</p><p>de manuscritos. Peirce, na verdade, não escreveu um livro. As obras</p><p>publicadas no nome dele é um conjunto de artigos, manuscritos e cartas,</p><p>produzidos durante aproximadamente 50 anos.</p><p>FARIAS, P.; QUEIROZ, J. Visualizando signos: modelos visuais para as</p><p>classificações sígnicas de Charles S. Peirce. São Paulo: Blucher, 2017.</p><p>Peirce (2010) verifica que nossas faculdades e inteligência seguem um princípio básico para nossa</p><p>aprendizagem. Partem da experiência, ou seja, do empirismo. Enquanto a experiência possibilita</p><p>o conhecimento, a atividade mental trabalha a transformação dessa experiência em objetos de</p><p>conhecimento. A transformação dessa experiência, por sua vez, estabelece a crença, a qual forma futuros</p><p>hábitos de condutas cognitiva e moral.</p><p>O conhecimento é processo e ocorre por meio de signos. Desse modo, o conhecimento implica, na</p><p>verdade, significação, interpretação e crença.</p><p>18</p><p>Unidade I</p><p>O termo crença é um estado mental que resulta de conexões habituais entre nossos conceitos</p><p>e ideias de acordo com nossas expectativas (causadas por conexões habituais) sobre o mundo.</p><p>Na perspectiva peirceana:</p><p>Crença não é um modo momentâneo da consciência, é um hábito mental</p><p>que permanece algum tempo e que é, pelo menos em grande parte,</p><p>inconsciente; tal como outros hábitos, ela encontra-se (até surgir alguma</p><p>surpresa que inicia a sua dissolução) perfeitamente autossatisfeita. A dúvida</p><p>é de um gênero completamente contrário. Não é um hábito, mas sim a</p><p>privação de um hábito. Ora, a privação de um hábito, a fim de ser alguma</p><p>coisa, tem de ser uma condição de atividade errática que, por alguma via,</p><p>necessita ser eliminada através do hábito (PEIRCE, 1998, p. 336-337).</p><p>As nossas experiências, para serem conhecimento, não podem ser o puro sentir, como um contínuo</p><p>amorfo e sem nome. Elas precisam ter significado, levando-nos a compartilhar entre nós e também a agir.</p><p>Nesse sentido, a teoria semiótica peirceana pode ser considerada a teoria do conhecimento, e o</p><p>conhecimento se dá por meio dos signos, ou, de modo geral, pela linguagem.</p><p>Peirce (2010) desenvolveu uma teoria semiótica que é ao mesmo tempo geral, triádica e pragmática.</p><p>A geral leva em conta os aspectos emocionais,</p><p>práticos e intelectuais que generalizam o conceito de</p><p>signo. A triádica, por sua vez, se baseia em três categorias filosóficas – primeiridade, secundidade e</p><p>terceiridade – relacionadas a três termos: o signo (ou representamen), o objeto e o interpretante.</p><p>A inter-relação desses três componentes, signo, objeto e interpretante, tem o nome de semiose. Por fim,</p><p>a teoria é pragmática por levar em conta o contexto em que os signos são produzidos e interpretados,</p><p>definindo o signo por seu efeito sobre o intérprete.</p><p>Signo, em conceito geral, é tudo aquilo que representa outra coisa. Assim, por exemplo,</p><p>desde que um grito representa a alegria ou surpresa de alguém, esse</p><p>grito é um signo; uma interpretação possível da obra O velho e o mar [de</p><p>Ernest Hemingway] seria que ela representa a luta do ser humano contra</p><p>as adversidades da vida, portanto, esse livro é um signo; uma igreja pode</p><p>representar o fervor espiritual de um povo, então essa igreja é um signo;</p><p>alguém aponta determinado objeto com o dedo, então esse dedo apontando</p><p>é um signo; alguém se põe vermelho porque está com raiva ou com vergonha,</p><p>então essa cor é um signo; qualquer ferramenta pode representar o trabalho</p><p>ou o avanço tecnológico do ser humano, então essa ferramenta é um signo;</p><p>uma pintura abstrata que só contivesse a cor azul pode representar tudo o</p><p>que é azul ou está relacionado a essa cor, e nestes casos as possibilidades são</p><p>infinitas, então essa pintura é um signo (LAFUENTE, 2016, p. 26).</p><p>O signo peirceano é definido por uma relação assimétrica devido àquilo que, sob certo modo,</p><p>representa algo para alguém, dando ao referente um papel essencial. Na concepção de Peirce (2010, p. 46):</p><p>19</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Um signo, ou representamen, é aquilo que, sob certo aspecto ou modo,</p><p>representa algo para alguém. Dirige-se a alguém, isto é, cria, na mente</p><p>dessa pessoa, um signo equivalente, ou talvez um signo mais desenvolvido.</p><p>Ao signo assim criado, denomino interpretante do primeiro signo. O signo</p><p>representa alguma coisa, seu objeto. Representa esse objeto não em todos</p><p>os seus aspectos, mas com referência a um tipo de ideia que eu, por vezes,</p><p>denominei fundamento do representamen.</p><p>As categorias fundamentais da semiótica, segundo Peirce, são necessárias e suficientes para explicar</p><p>toda experiência humana. Elas foram designadas como primeiridade, secundidade e terceiridade</p><p>Santaella (2019) explica que as designações são justificadas por se tratar de categorias universais,</p><p>uma vez que elas aparecem em quaisquer fenômenos da realidade, sejam do mundo físico e químico, da</p><p>esfera orgânica, animal, ou até o universo humano e as produções do homem.</p><p>Os nomes são numéricos e vazios de significado a priori e suas categorias são lógicas. O número</p><p>primeiro corresponde à lógica monádica e, nesse caso, é não relacional; o segundo baseia-se na lógica</p><p>diádica e expressa a relação entre dois termos; e o terceiro consiste na lógica triádica. Em seu nível</p><p>lógico, as categorias têm conteúdo específico e, assim, na física, aparecem como acaso, lei e tendência</p><p>do universo a novos hábitos. Em psicologia, elas são sentimento, ação-reação e pensamento-tempo.</p><p>Enfim, a concepção de categorias consiste “em descrever e classificar as ideias que pertencem à</p><p>experiência ordinária ou que emergem naturalmente em conexão com a vida corrente” (PEIRCE, 1975, p. 135).</p><p>Todas as experiências pertencem a essas três categorias: primeiridade, secundidade e terceiridade.</p><p>As experiências de primeiridade são uma concepção de ser, que é independente de qualquer outra</p><p>coisa. Ou seja, revelam o modo do ser tal como é, sem qualquer referência a outra coisa; o ser constitui</p><p>apenas uma unidade. Portanto, é uma concepção do ser em sua totalidade ou integridade, sem limites</p><p>ou partes, sem causa ou efeito.</p><p>Nessa categoria, as experiências denominam-se monádicas ou simples e caracterizam um estado</p><p>de consciência que não conseguimos de fato afirmar, pois se traduz em um simples sentimento de</p><p>qualidade. Os fenômenos apresentam-se com proeminência de seu aspecto qualitativo, tão só e apenas</p><p>como qualidade, tais como as luzes, os cheiros, as cores, os sons, o sabor, a leveza, a maciez, enfim,</p><p>tudo que fala aos nossos sentidos. São qualidades também a elegância, o altruísmo, a delicadeza. Nas</p><p>afirmações quase poéticas da estudiosa Ghizzi (2009, p. 15):</p><p>A liberdade da primeiridade é exemplarmente caracterizada quando</p><p>admiramos certos fenômenos da natureza; dado que é uma experiência</p><p>comum, diante de uma paisagem, como um pôr-do-sol, um sentimento</p><p>(experiência) de deslumbramento. Sem pedir licença, esse sentimento se</p><p>sobrepõe a tudo o que eventualmente ocupasse nossas mentes, colocando-as</p><p>em estado não (auto)controlado; livre. Nesse libertar-se da razão tendemos</p><p>a devanear por lembranças (experiências) da nossa mente as mais diversas;</p><p>20</p><p>Unidade I</p><p>às vezes esquecidas no tempo. De modo semelhante, isso acontece diante</p><p>das grandes produções do homem, seja no mundo da arte (pintura, música,</p><p>teatro, [dança], arquitetura) ou, mesmo, de grandes descobertas científicas.</p><p>Elas são, também, capazes de ativar esse estado de total liberdade da mente,</p><p>fazê-la vagar um mundo de múltiplas possibilidades, como que vivenciando</p><p>uma fusão de si própria (da mente) com o objeto de experiência.</p><p>A qualidade é mera potencialidade abstrata. O primeiro pertence ao reino da possibilidade e vive em</p><p>um instante.</p><p>A secundidade é o modo de ser que está em relação com outra coisa. Essa é a categoria que inclui</p><p>o indivíduo, a experiência, o fato, a existência e a ação-reação. Por exemplo, a pedra que cai no chão</p><p>(dois seres em atrito: pedra × chão), o cata-vento que gira apontando na direção do vento (cata-vento</p><p>× vento), ou a dor que se sente devido à inflamação molar (dor no molar × você). Trata-se da categoria</p><p>da polaridade, em que tomamos consciência de nós mesmos ao tomar consciência do não eu.</p><p>Observação</p><p>A secundidade pode ser relacionada à concepção de alteridade. O eu</p><p>conscientiza-se de si próprio em confronto com o outro, que é o não eu.</p><p>A secundidade opera em um tempo descontínuo, no qual determinado evento ocorreu em</p><p>determinado momento antes de outro evento que foi sua consequência. A secundidade corresponde à</p><p>experiência prática.</p><p>Nessa categoria, as experiências são diádicas ou recorrências, uma vez que formam um par de</p><p>objetos em oposição, realizando-se ou percebidas nos estados de choque, de surpresa, de ação e</p><p>de reação. Nesse sentido:</p><p>O vermelho (qualidade) é vermelho do sangue, da rosa; daí que o que antes</p><p>era sentido como pura experiência interna da mente é percebido como</p><p>propriedade do outro. Esses fatos externos, que atingem nossos sentidos</p><p>(tato, olfato, visão...), são as nossas sensações. Enquanto a consciência</p><p>de primeiridade transita sem discriminação pelas meras qualidades dos</p><p>fenômenos, e por ideias a elas associadas de modo livre pela mente, a</p><p>consciência de secundidade é forçada a experienciar o outro (a alteridade)</p><p>na sua característica material, factual, dura; que não cede à pura liberdade</p><p>da mente e contra os quais ela é forçada a agir (GHIZZI, 2009, p. 16).</p><p>Trata-se da reação que o eu tem ao experienciar o outro ser, em uma consci��ncia de esforço</p><p>e resistência.</p><p>21</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Essa categoria relaciona-se à mente intuitiva. Para Peirce, não existe conhecimento inato, mas</p><p>tudo é construído com base no raciocínio sucessivo que o sujeito realiza a partir do que ele interpreta</p><p>sobre o que está a sua volta que se torna inferência de fatos externos. Na perspectiva peirceana, o</p><p>homem não tem a capacidade de intuição (conhecimento independente da lógica do mundo externo),</p><p>mas o intuitivo é que se sustenta no conhecimento prévio e segue processos de raciocínio lógico.</p><p>A intuição, então, não é uma suspeita, um palpite, um sentimento inexplicável, mas uma ideia para</p><p>a qual, num primeiro momento, não podemos dar argumentos, mas que, se os submetermos a um</p><p>exame específico, podem ser reconhecidos.</p><p>A intuição é um tipo</p><p>de ideia (uma conclusão) a partir da qual, em certos momentos, não conhecemos</p><p>suas premissas, mas, depois de raciocinar, podemos identificá-las e reconstruir um raciocínio. Se alguém</p><p>“suspeitar” de algo, não é algo que surge do nada, mas é baseado em ideias anteriores que podem a</p><p>reabastecer. Então a intuição é conhecimento que implica conhecimento prévio.</p><p>A terceiridade pertence ao domínio das regras e leis. É a categoria de pensamento, linguagem,</p><p>representação e o processo de semiose, que possibilita a comunicação social. Terceiridade corresponde</p><p>à experiência intelectual.</p><p>Essa categoria abrange experiências triádicas ou compreensões. Implica generalizações e lei e se</p><p>evidencia como representação. Conforme Santaella (2019, p. 212):</p><p>Quando chegamos à lógica triádica, entramos em um universo bem mais</p><p>complexo, pois ele diz respeito às operações mentais que se desenvolvem</p><p>e que nos tornam capazes de compreender, interpretar, inteligir e julgar</p><p>aquilo que se apresenta à consciência. Pois bem, o que nos capacita para</p><p>isso são, nada mais, nada menos, do que os signos. Por isso, Peirce diz que a</p><p>forma mais simples de terceiridade encontra-se no signo.</p><p>A terceiridade aproxima o primeiro e o segundo numa síntese explicativa e interpreta as relações</p><p>estabelecidas entre os signos.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>1. Até este ponto da leitura deste livro-texto, você está em uma posição corporal. Atente-se a essa</p><p>posição: está sentado ou em pé? Está em casa, confortável, no seu sofá, ou está sentado em um banco,</p><p>duro, de transporte público? Enfim, conscientize-se de sua posição corporal durante a leitura.</p><p>2. O momento antes da percepção de seu próprio corpo durante a leitura (como visto na atividade 1)</p><p>faz parte de um primeiro momento do signo, a primeiridade.</p><p>a) Agora, conscientemente, descreva como você estava: confortável, desconfortável, uma parte do</p><p>seu corpo está adormecida, dolorida ou gostosamente confortável etc.</p><p>22</p><p>Unidade I</p><p>b) Escreva sobre o que significa a primeiridade do signo com base nessa experiência (sua posição</p><p>corporal durante a leitura deste livro-texto).</p><p>3. A pintura, a seguir, é de Joan Miró.</p><p>Figura 6 – Azul III, de Joan Miró, 1961</p><p>Fonte: Oliveira (1999, p. 109).</p><p>Com base na semiótica peirceana, justifique o motivo de a nossa leitura da tela se constituir da</p><p>primeiridade do signo.</p><p>4. A próxima atividade requer um lugar e um momento especial. Pode ocorrer em seu quintal,</p><p>sentado na varanda ou em seu quarto, em frente à janela; pode ser durante seu horário de almoço, no</p><p>trabalho, em um canto tranquilo.</p><p>A atividade consiste de, literalmente, em um minuto, você se manter em silêncio e de olhos fechados.</p><p>Concentre-se em seus sentidos: de olhos fechados, capte sons, ruídos, conversas próximas ou</p><p>distantes, latidos, porta batendo e tantos outros que chegam a você. Sem pressa, com tranquilidade.</p><p>Depois, ainda sem abrir os olhos, não se esqueça do que leu aqui e se concentre nos odores do lugar.</p><p>Tente distingui-los (pode ser o odor do mato, da planta, de um perfume, da poluição, de um alimento...).</p><p>Sem se apressar, sempre com tranquilidade. Sempre de olhos fechados, perceba seu próprio hálito (de</p><p>algo que acabou de comer no horário de almoço, do gosto persistente do cafezinho ou do doce da</p><p>sobremesa ou da pasta de dente). Perceba o que persiste em seu paladar. Por fim, sempre mantendo os</p><p>olhos fechados, concentre-se em si mesmo: seus pés (estão descalços, estão (des)confortáveis, em um</p><p>tênis, sandália etc.), tenha percepção do contato das roupas que usa no momento, da posição corporal</p><p>em que está; sinta as pernas, as mãos (estão tocando o quê?); está sentado(a) em banco duro, em</p><p>cadeira dura (ou macia), está em pé, apoia-se em algo?</p><p>23</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Abra os olhos. Observe você, suas mãos e pés; a roupa que usa; olhe a sua volta; as formas, as cores,</p><p>a luz do sol e o jogo de sombra. Contemple.</p><p>5. Registre o fluxo de pensamento durante o processo da atividade 4 e sua percepção com base nos</p><p>aspectos sensoriais.</p><p>6. Faça uma análise sobre a experiência da atividade 4 e do registro da atividade 5 com base na</p><p>concepção de primeiridade do signo.</p><p>Comentários:</p><p>1. Caro aluno, essa atividade não é para ser anotada. É para ser sentida, percebida, ou, em outras</p><p>palavras, tornada ciente por você.</p><p>2. Antes de tomar consciência da posição de seu corpo, você estava experienciando o fenômeno no</p><p>primeiro nível em sua mente. A primeiridade refere-se ao imediatismo de nossas experiências.</p><p>3. Com base na primeiridade do signo de Peirce, a tela Azul III constitui-se da cor azul, reduzida</p><p>a si mesma, ou seja, não faz referência a outro ser, como azul do céu, do mar ou dos olhos; é</p><p>azul simplesmente. O sentido da visão é o único aparelhado para essa apreensão. A tela, ao falar do azul,</p><p>disponibiliza as qualidades da cor.</p><p>4. Essa atividade proposta tem base nos nossos cinco sentidos e como eles estão relacionados à</p><p>primeiridade do signo conforme Peirce. Esperamos que você tenha realizado a atividade, dado um tempo</p><p>a você e ao mundo a sua volta.</p><p>5. O registro é importante porque nos leva a atentar sobre o fluxo de consciência e distinguir nele</p><p>momentos mais imediatos (que fazem parte da primeiridade).</p><p>6. A análise é feita em texto verbal e nos força a controlar o mais racional e inteligivelmente possível</p><p>nosso conhecimento. Trata-se da síntese intelectual e do uso intencional da linguagem (e faz parte</p><p>da terceiridade).</p><p>Primeiridade, secundidade e terceiridade articulam todo o pensamento de Peirce, a começar pelas</p><p>funções que as ciências cumprem na construção do conhecimento. Consequentemente, sua explicação</p><p>do universo, dos signos e de tudo o que nos cerca seguirá as premissas dessa organização triádica, que</p><p>leva vários nomes, consoante o fenômeno que se tenta explicar: qualidade/reação/mediação, dúvida/</p><p>crença/ação, possibilidade/realidade/destino, fortuna/lei/hábito, mente/matéria/evolução, realidade/</p><p>pensamento/experiência, e posteriormente sentir/ação/aprender, ou como veremos na sua cosmogonia,</p><p>caos/fatos/hábitos. Enfim, a semiótica se inscreve entre as ciências normativas da filosofia, concebida</p><p>como uma ciência formal.</p><p>24</p><p>Unidade I</p><p>1.2 Semiose</p><p>Nada pode ser conhecida sem ser vinculada a um signo.</p><p>O signo define a existência das coisas, assim, não temos acesso direto a elas, mas por meio</p><p>dos signos, e sabemos pelo fato de recorrermos a outros conhecimentos, a outros sistemas de</p><p>signos. Desse modo, todo conhecimento é inferencial, pois depende de conhecimentos prévios, e é</p><p>provocador de novos conhecimentos.</p><p>O que sabemos não são as coisas em si mesmas, mas alguns aspectos de objetos, porque são mediados</p><p>por representações. Essa ideia é justamente a definição de signo. Um signo, ou representamen, é algo</p><p>que se coloca no lugar de outro para alguém, em algum sentido ou capacidade. É dirigido a alguém,</p><p>ou seja, cria na mente desse receptor um signo equivalente, ou talvez mais desenvolvido. Trata-se do</p><p>interpretante do primeiro signo. O signo está no lugar de algo, seu objeto, e está em seu lugar não em</p><p>todos os sentidos, mas em relação a um tipo de ideia.</p><p>Quando Peirce fala em representamen, ele se refere à representação em sua imanência, a uma</p><p>representação em si mesma, portadora de certas propriedades materiais que potencialmente se</p><p>assemelharão ou não, remeterão ou não a um objeto. Pode ser qualquer coisa: algo material, um</p><p>acontecimento, uma ideia, mas que, na sua qualidade de representação, não será um signo até que</p><p>esteja relacionado a um objeto, seguindo certas regras de intelecção. Nessa primeira dimensão, está o</p><p>que Peirce define como percepto, que é tudo o que aparece diante de nós, tudo o que percebemos, é</p><p>produto do processo mental, mas não temos consciência disso. Nessa experiência é que algo, uma cadeira,</p><p>digamos, aparece. Está diante de nós. Ele não faz profissão de espécie alguma, não tem intenção, não</p><p>está no lugar de nada. Simplesmente é.</p><p>Devemos esclarecer que um representamen não é um percepto: ambos são instâncias</p><p>que,</p><p>separadamente, não significam. O representamen é por definição uma parte constitutiva do signo,</p><p>enquanto o percebido é algo que ainda não foi racionalizado ou pensado. Se você preferir, o percepto é</p><p>algo puro que ainda não foi concebido como um representamen, e não como outra coisa.</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>A seguir, um fragmento do livro de Schiffman, publicado originalmente em 2001. O autor traz-nos</p><p>“progressos da pesquisa sobre neurociência (e sobre a neurociência cognitiva, em particular) e também</p><p>uma introdução às técnicas de imageamento do cérebro. Além disso, há um aumento significativo da</p><p>cobertura das condições clínicas e patológicas do sistema nervoso sensorial, além de suas interessantes</p><p>consequências na percepção” (Prefácio, p. vii).</p><p>Sensação e percepção</p><p>Tradicionalmente, fazem-se certas distinções entre sensação e percepção. A sensação refere-se ao</p><p>processo inicial de detecção e codificação da energia ambiental. Daí se segue que a sensação é pertinente</p><p>ao contato inicial entre o organismo e seu ambiente. Sinais de energia potencial provindos do ambiente</p><p>emitem luz, pressão, calor, substâncias químicas e assim por diante, e os nossos órgãos dos sentidos</p><p>25</p><p>SEMIÓTICA</p><p>– nossas janelas para o ambiente – recebem essa energia, transformando-a em um código neural</p><p>bioelétrico que é enviado ao cérebro. O primeiro passo para se sentir o mundo é dado por unidades</p><p>neurais especializadas ou células receptoras, que reagem a tipos específicos de energia. Assim, por</p><p>exemplo, as células do olho reagem à energia luminosa e, da mesma forma, as células especializadas da</p><p>língua reagem às moléculas dos compostos. A sensação envolve o estudo de todos esses fatos biológicos,</p><p>mas não se detém apenas em sistemas biológicos. Um psicólogo que estude a sensação visual não</p><p>apenas examinaria a estrutura física do olho e suas reações à energia luminosa, mas também tentaria</p><p>estabelecer de que maneira as experiências sensoriais se relacionam tanto ao estímulo da luz ambiental</p><p>quanto ao funcionamento do olho.</p><p>As sensações em si referem-se a certas experiências imediatas, fundamentais e diretas, ou seja,</p><p>relacionam-se à consciência de qualidades ou atributos vinculados ao ambiente físico, tais como duro,</p><p>quente, ruidoso e vermelho, geralmente produzidos por estímulos simples, fisicamente isolados.</p><p>A percepção, por outro lado, refere-se ao produto dos processos psicológicos nos quais</p><p>significado, relações, contexto, julgamento, experiência passada e memória desempenham um</p><p>papel. De acordo com essa distinção entre sensação e percepção, nossos olhos podem registrar</p><p>a princípio uma série transitória de imagens coloridas em uma tela de TV (ou seja, o trabalho da</p><p>sensação), mas aquilo que vemos ou percebemos na tela é uma representação de eventos visuais,</p><p>com pessoas e objetos interagindo espacialmente de maneira significativa. De modo semelhante,</p><p>estímulos auditivos típicos que emanam do ambiente farão nossos tímpanos vibrar de maneira</p><p>particular, produzindo certa qualidade tonal imediatamente reconhecível, tal como a intensidade</p><p>do som (sensação), mas também somos capazes de ouvir uma conversa ou uma melodia. Dessa</p><p>forma, a percepção envolve organização, interpretação e atribuição de sentido àquilo que os</p><p>órgãos sensoriais processam inicialmente. Em resumo, a percepção é o resultado da organização</p><p>e da integração de sensações que levam a uma consciência dos objetos e dos eventos ambientais.</p><p>Feitas essas distinções, devemos observar que elas possuem um significado mais histórico do</p><p>que prático ou funcional. Em vários encontros significativos com o ambiente, é difícil, ou mesmo</p><p>impossível, fazer uma separação clara entre sensação e percepção. Quando escutamos uma música,</p><p>por exemplo, será que ficamos inicialmente conscientes de todas as qualidades tonais isoladas das</p><p>notas, como altura e volume, independentemente da melodia? Quando pegamos um objeto familiar,</p><p>como um livro ou um lápis, será que podemos sentir a pressão nos dedos e palmas, independentemente</p><p>de como percebemos o objeto? Em ambos os casos, a resposta é não. Falando de maneira geral, a</p><p>sensação e a percepção são processos unificados e inseparáveis. Geralmente, apenas em condições</p><p>de controle laboratorial, é que se pode originar sensações isoladas, separadas de noções de sentido,</p><p>contexto, experiência passada e assim por diante. Dessa forma, ainda que esses termos façam parte de</p><p>nosso vocabulário, neste texto evitaremos em geral uma distinção clara entre sensação e percepção,</p><p>mantendo uma abordagem integral. Assim, adotaremos a visão de que o produto dos encontros</p><p>com o ambiente geralmente fornece informações úteis ao organismo, algumas das quais podem ser</p><p>relativamente básicas e descomplicadas, tais como o brilho de um objeto, e algumas outras podem</p><p>ser mais complexas, como o que o objeto de fato é.</p><p>Fonte: Schiffman (2005, p. 1).</p><p>26</p><p>Unidade I</p><p>1. Com base no texto de Schiffman, estabeleça a diferença entre sensação e percepção.</p><p>Sensação Percepção</p><p>2. Relacione essa distinção às ideias de Peirce sobre o processo sígnico.</p><p>Comentários: é fundamental distinguir sensação e percepção, mas não podemos nos esquecer de</p><p>que temos duas perspectivas diferentes sobre os termos, além de Schiffman ser da área da psicologia e</p><p>neurociência. Os estudiosos estão em épocas diferentes, com avanços teóricos e tecnológicos diferentes.</p><p>Por objeto, Peirce entende uma entidade enviada pelo representamen, mas não tem</p><p>necessariamente existência física ou material. Nesse sentido, um objeto pode ser uma única coisa que</p><p>se acredita ter existido, ou se espera que exista, ou uma relação de tais coisas, ou uma qualidade, ou</p><p>relação ou fato conhecido, cujo objeto singular pode ser uma coleção, ou a totalidade de algumas</p><p>partes; ou pode ter tido outro modo de ser, como um ato permitido cujo ser não impede sua negação se</p><p>igualmente permitido; ou algo de natureza geral desejado, exigido ou invariavelmente encontrado em</p><p>certas circunstâncias.</p><p>O que confere a entidade de um objeto não é sua existência material, mas o ser referido por um</p><p>representamen. À medida que avançamos nas propostas de Peirce, vemos como ele se aproximou de</p><p>mais detalhes sobre os tipos de objeto. Por um lado, define o objeto imediato, que será o objeto tal</p><p>como é representado no signo; por outro lado, define o objeto dinâmico que, em oposição ao imediato,</p><p>é externo à semiose, ainda não está inscrito em um sistema, não afetado pela representação do signo e,</p><p>portanto, é ininteligível. Nesse sistema, é o objeto dinâmico que veicula a tendência às fronteiras do</p><p>conhecimento, na tentativa de tornar inteligível aquele objeto externo ao conhecimento.</p><p>Por serem triádicos, os ícones têm três faces que correspondem à imagem, diagrama e metáfora.</p><p>A imagem é um modo de existência potencial; é uma simples similitude entre os termos postos</p><p>relacionados. O diagrama é similitude ou analogia de proporção entre duas relações diádicas (A está para B</p><p>o que C está para D). A metáfora, por sua vez, relaciona os caracteres representativos de dois termos,</p><p>mostrando o tipo de relação entre o representamen e seu objeto.</p><p>Lembrete</p><p>Não devemos esquecer que todo objeto, por definição, não é</p><p>necessariamente algo físico, mas pode ser uma ideia, um fato e assim</p><p>por diante.</p><p>27</p><p>SEMIÓTICA</p><p>O interpretante é a instância final da construção do signo. Não é necessariamente uma pessoa (um</p><p>intérprete); ao contrário, é um sistema de ideias em que faz sentido para o representamen referir-se</p><p>a um objeto. É um efeito mental, uma cultura, um algoritmo computacional ou matemático, um evento,</p><p>um hábito etc. Em seus primeiros textos, Peirce se refere ao interpretante em termos de pensamento,</p><p>e mais tarde, taxonomiza o interpretante em três tipos: emocional, energético (que age) e lógico. Ele</p><p>também se refere a eles como interpretante dinâmico, imediato e final, mas não entraremos nessa</p><p>reclassificação nem nos debates ocorridos em torno dessas subdivisões.</p><p>Vamos nos concentrar</p><p>em lembrar que o interpretante não é um sujeito, mas um efeito, que não</p><p>só dá sentido à relação entre o representamen e o objeto, mas por definição é um efeito desse vínculo,</p><p>e que permite ao signo entrar em uma cadeia de signos, semiose. O interpretante de um signo é outro</p><p>signo, pois qualquer coisa, ao atuar como signo, coloca o interpretante na mesma relação com o objeto</p><p>que o primeiro signo tem.</p><p>Na concepção de Santaella (2019, p. 218):</p><p>Peirce levou a noção de signo tão longe ao ponto de o seu interpretante,</p><p>quer dizer, o efeito que o signo produz, ter de ser necessariamente uma</p><p>palavra, uma frase ou um pensamento (organizado), mas poder ser</p><p>uma ação, reação, um mero gesto, um olhar, [...] estado de desespero,</p><p>enfim, qualquer reação que seja [secundidade], ou até mesmo algum</p><p>estado de indefinição do sentimento que sequer possa receber o nome de</p><p>reação [primeiridade].</p><p>O interpretante é dividido em três princípios, identificados por Santaella (apud SOUZA, 2006, p. 168):</p><p>Há o interpretante intencional, que é uma determinação da mente do</p><p>emissor; o interpretante eficiente (effectual) que é uma determinação</p><p>da mente do intérprete; e o interpretante comunicacional, ou melhor,</p><p>o cominterpretant, que é uma determinação daquela mente na qual as</p><p>mentes do emissor e do intérprete têm de se fundir a fim de que qualquer</p><p>comunicação possa ocorrer.</p><p>A primeira divisão é abdutiva, pois a correlação é inferida pelo interpretante imediato. Ocorre</p><p>abdução em caso sobre o qual não se pode explicar e supõe-se aplicação de uma regra geral, sem poder</p><p>verificá-la. Por exemplo:</p><p>• Regra: todos os feijões deste saco são brancos.</p><p>• Resultado: estes feijões são brancos.</p><p>• Caso: estes feijões vêm deste saco.</p><p>28</p><p>Unidade I</p><p>A segunda correlação é indutiva. Toda emissão de um signo solicita a compreensão de seus efeitos</p><p>dinâmicos, e é a ação do interpretante. A indução segue o seguinte modelo:</p><p>• Caso: os feijões provêm deste saco.</p><p>• Resultado: dois terços dos feijões são brancos.</p><p>• Regra: dois terços dos feijões deste saco são brancos.</p><p>Se algo é verdadeiro para certa proporção, inferimos que é verdadeiro para a mesma proporção da</p><p>classe inteira.</p><p>A terceira é dedutiva. O interpretante marca um hábito de pensamento adquirido (o hábito) pela</p><p>experiência do envio de certo tipo de representamem a certo tipo de objeto. A dedução é a aplicação de</p><p>uma regra geral a um caso particular:</p><p>• Regra: todos os feijões deste saco são brancos.</p><p>• Caso: estes feijões provêm deste saco.</p><p>• Resultado: estes feijões são brancos.</p><p>É importante reforçar a ideia de que o signo não pode ser definido se não for pelas três instâncias</p><p>mencionadas. Para que um signo se constitua como tal, ele deve necessariamente ter o caráter de uma</p><p>relação e vincular seus três componentes: primeiridade, que implica que um sinal deve ser; secundidade,</p><p>ou seja, um signo deve estar no lugar de outra coisa, estar em uma relação de substituição por algo</p><p>diferente de si mesmo; e terceiridade, que deve poder estabelecer-se como ideia para alguém, não para</p><p>uma pessoa concreta, mas para um sistema de ideias, uma inteligência, um sistema cultural, e em algum</p><p>aspecto, isto é, não representa o objeto em todas as suas qualidades, mas em termos de um fundamento</p><p>que funciona como base da representação.</p><p>Essas concepções da indivisibilidade dos componentes estão presentes em toda a produção de Peirce.</p><p>Não podemos pensar o conceito de signo recorrendo apenas a um ou dois dos elementos constituintes.</p><p>Obrigatoriamente, o signo é um processo e, por isso, a relação das três instâncias mencionadas é</p><p>obrigatória . A representação implica necessariamente uma verdadeira tríade. Para ela, implica um signo,</p><p>ou representamen, de algum tipo, externo ou interno, mediado entre um objeto e um pensamento</p><p>interpretativo.</p><p>Pela sua arquitetura e pela sua definição, o signo sempre é lido e interpretado em outro signo que</p><p>pode ser desenvolvido em algum aspecto para outro interpretante. Isso coloca o signo em um espaço de</p><p>desenvolvimento e expansão em novas releituras.</p><p>29</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>As línguas naturais são constituídas de palavras, que fazem parte da terceiridade, uma vez que</p><p>são a consciência e generalização do conhecimento. Dada essa situação sígnica, reflita sobre o papel</p><p>da crítica literária. Por que podemos considerar a crítica (seus estudos publicados na língua escrita) a</p><p>representação da representação?</p><p>Comentário: não se esqueça de que a literatura, objeto da crítica, é constituída de signos verbais, ou</p><p>seja, ela já é representação de uma realidade.</p><p>O desenvolvimento do conhecimento científico é um exemplo. As ciências não descobrem uma</p><p>verdade revelada, mas esta se baseia numa construção social, determinada por coordenadas espaciais</p><p>e temporais, uma produtividade inteiramente perfectível e atravessada pela linguagem. É nesse sentido</p><p>que Peirce diz que os homens e as palavras se educam reciprocamente; cada incremento de informação</p><p>de um homem implica e é implicado por um incremento correspondente de informação da palavra.</p><p>Nesse contexto teórico, dado que o homem é pensamento, ou seja, signos, então ele próprio é um</p><p>sinal para si e para os outros. Como um signo não é a realidade em si, mas um processo de semiose,</p><p>concluímos que o homem é um processo de remissões entre signos, o homem está em semiose.</p><p>Peirce rompe com a tradição moderna, para a qual o pensamento é algo privado e escondido do</p><p>resto do mundo. Se o pensamento e a consciência são eles mesmos, os processos semióticos não</p><p>podem residir em mentes individuais, mas na estrutura de signos publicamente acessível na e pela</p><p>qual nos comunicamos.</p><p>Assim, vemos que, na definição de um signo, não está implícita apenas uma explicação para objetos</p><p>do mundo material, mas, com essa teoria, uma teoria também é projetada sobre o que é o homem.</p><p>Isso nos permite avançar na explicação de um processo pelo qual o signo é gerado e circula, ou seja, a</p><p>compreensão do mundo e a inteligência das coisas que o habitam.</p><p>2 SEMIÓTICA PEIRCEANA E SEMIOSE</p><p>2.1 Classificações do signo</p><p>O princípio da semiose está na divisão lógica do signo, cujo elo está no diagrama (figura 7).</p><p>Objeto (O)</p><p>(representação do referente)</p><p>Representamen (R)</p><p>(signo imediatamente perceptível)</p><p>Interpretante (I)</p><p>(signo mediador)</p><p>Figura 7 – Diagrama do signo</p><p>30</p><p>Unidade I</p><p>Com base nessa divisão, Peirce estabelece uma rede de classificação dos tipos possíveis do signo. No</p><p>quadro a seguir, consta a existência de nove tipos, sendo eles os mais conhecidos entre os estudiosos.</p><p>Quadro 1 – Tricotomias fundamentais do signo</p><p>Signo em relação a: Primeiridade Secundidade Terceiridade</p><p>Si mesmo</p><p>(representamen)</p><p>Qualissigno</p><p>1.1</p><p>Sinsigno</p><p>1.2</p><p>Legissigno</p><p>1.3</p><p>Objeto</p><p>Ícone</p><p>2.1</p><p>Índice</p><p>2.2</p><p>Símbolo</p><p>2.3</p><p>Interpretante</p><p>Rema</p><p>3.1</p><p>Dicissigno ou Dicent</p><p>3.2</p><p>Argumento</p><p>3.3</p><p>No quadro, a indicação das categorias segue os caracteres lógicos do 1º, 2º e 3º. No caso, por exemplo,</p><p>do índice, ele está na posição 2.2 em dupla secundidade, porque ele é o segundo em relação tanto ao</p><p>objeto quanto à tríade R-O-I.</p><p>Cada signo caracteriza-se quanto a ele mesmo em qualissigno, sinsigno e legissigno.</p><p>O qualissigno é um signo de uma qualidade, independentemente se ela encarna ou não em</p><p>um objeto concreto. No exemplo dado por Souza (2006), o branco é uma qualidade mesmo se não</p><p>existirem objetos brancos.</p><p>O fato de que não é um signo até que se materialize, e que ainda não é necessariamente um</p><p>signo, nos dá a diretriz de que o qualissigno é o conjunto de todas as possibilidades viáveis a serem</p><p>consideradas na construção do que, em signo, será uma propriedade.</p><p>Por exemplo, todas as cores possíveis da escala cromática podem constituir uma imagem visual e</p><p>serem qualissignos. Não podem ser cores infravermelhas e ultravioleta, que nossos olhos não podem</p><p>perceber, bem como para o que não podemos ouvir, cheirar, tocar... devido às limitações dos nossos</p><p>sentidos, e até tudo o que não podemos imaginar ou compreender. Suponha,</p><p>como exemplo, que o</p><p>branco e o preto junto com as variantes intermediárias entre esses tons constituirão os qualissignos</p><p>(possibilidades) do que mais tarde será a construção de uma imagem (um signo visual).</p><p>Figura 8 – Escala cromática branco-preto</p><p>O sinsigno, por sua vez, é a coisa ou o acontecimento em sua existência. O prefixo sin– está no</p><p>sentido de “singular”. No caso, o branco, como qualidade, é percebido em um objeto.</p><p>Como verificamos, o signo implica processo produtivo. De todos os qualissignos disponíveis, alguns</p><p>podem ser selecionados e sistematizados, podendo ser organizados para dar origem a materializações.</p><p>31</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Ao conjunto dessas concreções, é o que chamamos de sinsignos. Se seguirmos nosso exemplo da paleta</p><p>de escala de cores, de todas as possibilidades, apenas algumas são selecionadas e sistematizadas para</p><p>construir uma possibilidade concreta:</p><p>Figura 9 – Materialização de signo sinsigno</p><p>O legissigno é uma lei com caráter geral e se manifesta como uma existência individual. Por exemplo,</p><p>quando dizemos que “caderno” é uma palavra, ou, de todas as cores possíveis, escolhemos variantes</p><p>entre o branco e o preto, nós as selecionamos, as organizamos e construímos “algo”. As probabilidades de</p><p>todas as cores e formas possíveis foram reduzidas a opções específicas, que, por sua vez, se organizaram</p><p>para construir, nesse caso, uma imagem de fumaça.</p><p>Peirce traz-nos em seus documentos explicações sobre tais termos:</p><p>Como ele é em si mesmo, um signo é da natureza de uma aparência, quando</p><p>o chamo de qualissigno; ou, em segundo lugar, é um objeto individual ou</p><p>evento, quando eu o chamo de sinsigno (a sílaba sin sendo a primeira sílaba</p><p>de semel, simul, singular etc.); ou, em terceiro lugar, é da natureza de um</p><p>tipo geral, quando eu o chamo legissigno (CP 8.334).</p><p>Um Sinsigno (onde a sílaba sin é tomada como significando “sendo uma</p><p>única vez”, como em singular, simples, no latim semel) é uma coisa ou</p><p>evento existente que é um signo (CP 2.245).</p><p>Um Legissigno é uma lei que é um signo. Usualmente, esta lei é estabelecida</p><p>pelos homens. Todo signo convencional é um legissigno (mas a recíproca</p><p>não é verdadeira). Não é um objeto singular, mas um tipo geral que, tem-se</p><p>concordado, será significante (CP 2.246) (apud FARIAS; QUEIROZ, 2017, p. 43).</p><p>Na relação do signo com o objeto, temos ícone, índice e símbolo.</p><p>Ícone é um signo possível em virtude de qualidades próprias e se assemelha ao objeto que ele</p><p>representa. Podemos indicar como exemplo de ícone a escultura de uma mulher, uma fotografia de</p><p>carro, um diagrama, um esquema.</p><p>Índice é o signo que remete ao objeto devido à relação de contiguidade, pois ativa indicação.</p><p>O exemplo famoso é a fumaça, que é um signo indicial de fogo.</p><p>O símbolo é o signo da convenção, lei ou associação de ideias gerais. Por exemplo, todas as palavras</p><p>(todas as línguas, portanto) são signos simbólicos. A palavra “gato” é convencional para significar “animal</p><p>32</p><p>Unidade I</p><p>felino, de quatro patas, doméstico etc.” Não existe relação de semelhança entre a palavra e o referente</p><p>gato; poderia ser qualquer outro conjunto de morfemas para designar o ser.</p><p>Observação</p><p>Morfema é a unidade mínima significativa do signo linguístico e forma</p><p>palavra. Por exemplo, morfema lexical “gat-”, morfema gramatical “-o”.</p><p>A plenitude sígnica se dá no símbolo, em sua relação triádica, que pressupõe um primeiro e um</p><p>segundo, ou seja, um ícone (enquanto qualidade, possibilidade) e um índice (enquanto existente, lugar</p><p>de encarnação da qualidade), formas de signos não genuínos, os quais podem ser “formas tão longe a</p><p>ponto de que um signo não tenha necessariamente de ser uma representação mental, mas pode ser uma</p><p>ação ou experiência, ou mesmo uma mera qualidade de impressão” (SANTAELLA, 1983, p. 72).</p><p>Nesse processo do signo, a linguagem virtual, a linguagem visual e a linguagem verbal situam-se,</p><p>respectivamente, no universo do ícone, do índice e do símbolo. A linguagem virtual, do universo do</p><p>ícone, é sustentada pela primeiridade devido às suas formas não representativas; a linguagem visual,</p><p>do universo do índice, é amparada pela secundidade por envolver formas de representação; a linguagem</p><p>verbal, enfim, é sediada pela terceiridade, universo do símbolo e das modalidades de representação.</p><p>Por fim, o signo em relação ao interpretante constitui-se do tipo rema, dicissigno ou dicent</p><p>e argumento.</p><p>Lembrete</p><p>A linguagem virtual classifica-se em formas não representativas;</p><p>a linguagem visual, em formas figurativas; e a linguagem verbal, em</p><p>formas representativas.</p><p>O rema é o signo de possibilidade qualitativa. Trata-se do termo ou função proposicional</p><p>representante de uma espécie de objeto possível. Vejamos: “... é vermelho”. Por exemplo, o retrato de</p><p>uma pessoa, sem maiores indicações, representa toda uma classe de objetos possíveis: pessoas que</p><p>se parecem com o retrato. Esse é um signo remático icônico. Porém, se o retrato for considerado</p><p>em um contexto em que é acompanhado por algo que indique o nome da pessoa, então o nível</p><p>de interpretação muda: agora estamos lidando com secundidade (sinsigno indicial). A hierarquia de</p><p>categorias produz seis classes de processos semióticos remáticos.</p><p>Dicissigno ou dicent é o signo de uma existência real, uma proposição envolvendo um rema.</p><p>Argumento, por fim, é o signo da lei, expressando regras de todo sistema e, por isso, é interpretado</p><p>no nível da terceiridade.</p><p>33</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Formula a regra que liga o representamen ao seu objeto: um argumento sempre tem um legissigno</p><p>como representamen e um símbolo como objeto.</p><p>No entanto, três tipos de argumentos podem ser distinguidos dependendo da natureza da regra</p><p>que liga o representamen ao seu objeto. A regra pode ser imposta aos fatos (dedução: “Toda vez que</p><p>há sinal vermelho, há ordem de parar”); seguindo os fatos (indução: “Onde há fumaça, há fogo”);</p><p>ou o argumento pode consistir na formulação de uma regra na forma de uma hipótese que poderia</p><p>explicar um fato (abdução). Peirce dá esse exemplo de abdução: imagine que, ao entrar em uma sala,</p><p>vejo sobre uma mesa um punhado de feijão branco e, ao lado, um saco de feijão. Percebo que esse</p><p>saco contém apenas feijão branco. Então, posso supor que os feijões na mesa vieram desse saco.</p><p>A abdução é um argumento que apela à primeiridade para formular a regra (é uma hipótese</p><p>e, portanto, uma regra possível), enquanto a indução se baseia na secundidade (a regra vem da</p><p>observação repetida de fatos contingentes, reais) e a dedução permanece exclusivamente sob a</p><p>terceiridade (em regra, justifica-se racionalmente).</p><p>O rema tem função proposicional monádica, e o dicissigno tem proposição diádica, de modo que,</p><p>combinados – rema e dicissigno – conduzem a um argumento.</p><p>Figura 10 – Diagrama encontrado em manuscrito de Peirce (MS 540: 17) de 1903</p><p>Fonte: Farias e Queiroz (2017, p. 70).</p><p>34</p><p>Unidade I</p><p>Souza (2006, p. 163) apresenta as tricotomias fundamentais em signo no seguinte esquema:</p><p>O ícone</p><p>R qualissigno</p><p>1</p><p>I rema (R) sinsigno</p><p>Índice O</p><p>2</p><p>I dicissigno (R) legssigno</p><p>Símbolo I argumento (R)</p><p>3</p><p>Figura 11 – Esquema dos nove signos</p><p>Fonte: Souza (2006, p. 163).</p><p>Qual é o processo sígnico de, por exemplo, “fumaça”?</p><p>No nível de primeiridade, a fumaça estabelece-se como qualissigno, ou seja, um signo que aparece,</p><p>é visível, sentimos sem relacioná-la com outro ser. Trata-se de um ícone devido à imagem primeira em</p><p>sua virtualidade, e também de um rema, por funcionar como um termo proposicional (ser uma palavra</p><p>suscetível de formar uma proposição).</p><p>No nível da secundidade, a fumaça é localizada e passa a ter existência, tornando-se um signo</p><p>singular, um sinsigno. É um índice, por indicar alguma coisa; e um dicissigno, por formar uma</p><p>proposição: a fumaça está ali. O signo proposicional é diferente do signo remático (rema), porque</p><p>não é apenas uma classe de signos virtuais, mas é um fato, cujos elementos estão em determinada</p><p>forma e relacionados existencialmente.</p><p>No nível da terceiridade, o signo é</p><p>lei, legissigno e, devido à convenção, levantamos um argumento:</p><p>onde há fumaça, há fogo. Nesse contexto, o signo leva à ação, acionando sua parte pragmática, e os</p><p>intérpretes tomam uma providência quanto ao fogo.</p><p>Agora, considere o seguinte fenômeno: uma pegada na areia – proposta por Everaert-Desmedt (2004).</p><p>Esse é um fenômeno situado em um espaço (um sinsigno), cuja forma se assemelha a um pé (ícone).</p><p>Nela reconhecemos as qualidades e características de cada pé (rema). Esse tipo de interpretação se</p><p>encontra no momento presente.</p><p>35</p><p>SEMIÓTICA</p><p>Podemos ficar absortos na contemplação intemporal da forma materializada (qualissigno icônico</p><p>remático) e, talvez, capturar sua profundidade emocional em uma fotografia.</p><p>Muito provavelmente, consideramos o passado, junto com o contexto em que o fenômeno ocorreu.</p><p>A impressão foi realmente causada por alguém que passou por aqui (índice). Nossa interpretação</p><p>relaciona dois fatos concretos: esse traço específico e um pé particular que o fez (dicissigno).</p><p>No entanto, suponha que um detetive esteja no encalço de um assassino: ele reconheceria a pegada</p><p>na areia como uma réplica de um modelo (legissigno) obtido anteriormente. O que interessa a ele é</p><p>descobrir o paradeiro atual da pessoa que está procurando, e não apenas observar que alguém esteve</p><p>no local. Portanto, o objeto ao qual se refere a areia indica um futuro. Assim, para o detetive, a pegada</p><p>se torna um símbolo que mostra a direção a tomar; por causa da pegada, ele pode prever a direção</p><p>que tem de ir para continuar sua investigação. Para um fenômeno funcionar como um símbolo, suas</p><p>características icônicas e indiciais devem ser percebidas primeiro, e, por conseguinte, o fenômeno deve</p><p>ser visto como uma réplica de um modelo e interpretada por um argumento. Temos uma abdução:</p><p>“Esta pegada é o índice que o assassino esteve aqui, e podemos afirmar que continuou nessa direção”.</p><p>Assim, o detetive age de acordo com essa hipótese: ele sai pela mesma direção.</p><p>Saiba que a situação do detetive é diferente da de um jogo de caça ao tesouro, em que as setas</p><p>são usadas como réplicas de um legissigno, que funciona como um símbolo da direção a seguir, de</p><p>acordo com um código preestabelecido. As setas são interpretadas por dedução, já que as réplicas foram</p><p>colocadas lá intencionalmente para mostrar o caminho.</p><p>I 3.1. rema</p><p>2. decissigno</p><p>2. indução</p><p>3. dedução</p><p>R 1.1. qualissigno</p><p>2. sinsigno</p><p>3. argumento 1. abdução</p><p>3. legissigno</p><p>O 2.1. ícone</p><p>2. índice</p><p>3. símbolo</p><p>Figura 12 – Distribuição das categorias do signo com base em Peirce</p><p>Exemplo de aplicação</p><p>1. Retome diagramas e o quadro sobre o signo.</p><p>a) O representamen, o ícone, o rema e a abdução são todos elementos da primeiridade. Explique</p><p>por quê.</p><p>b) Quais termos estão como parte da secundidade? Por quê?</p><p>36</p><p>Unidade I</p><p>c) Quais termos estão em terceiridade? Por quê?</p><p>d) Analisar os processos interpretativos que podem ser causados pelos seguintes fenômenos:</p><p>1. Um selo ou bilhete.</p><p>2. Um pictograma indicando banheiros ou saída em local público.</p><p>3. Um passaporte, um calendário de mesa, uma placa de loja, uma marca.</p><p>4. Um lápis, uma faca, um par de óculos.</p><p>5. A fachada de um edifício, uma porta, uma janela, uma escada.</p><p>6. Uma foto de imprensa, pintura figurativa ou pintura monocromática abstrata.</p><p>Você pode escolher qualquer objeto, simples ou complexo, mas sempre terá de interpretá-lo em um</p><p>contexto específico (por exemplo, um selo postal tem certa imagem e certas indicações: o que foi colado</p><p>em determinado envelope, e assim por diante).</p><p>Lembrete</p><p>Na lógica clássica, o raciocínio pode ser construído por dedução,</p><p>indução ou abdução.</p><p>2.2 Semiótica peirceana aplicada</p><p>Santaella (2018) destaca o crescimento dos signos desde o advento da fotografia e do cinema,</p><p>seguidos da imprensa e da revolução eletrônica (com o rádio, a televisão e todas as formas de gravação</p><p>sonoras) e da revolução digital com o hipertexto e a hipermídia. De acordo com a autora,</p><p>a proliferação ininterrupta de signos vem criando cada vez mais a necessidade</p><p>de que possamos lê-los, dialogar com eles em um nível um pouco mais</p><p>profundo do que aquele que nasce da mera convivência e familiaridade.</p><p>O aparecimento da ciência semiótica desde o final do século XIX coincidiu</p><p>com o processo expansivo das tecnologias de linguagem. A própria realidade</p><p>está exigindo de nós uma ciência que dê conta dessa realidade dos signos</p><p>em evolução contínua.</p><p>A autora, então, propõe estratégias metodológicas com base na semiótica peirceana para a análise</p><p>desses signos constituintes de imagens, música, publicidade, arquitetura, literatura, arte em geral,</p><p>sonhos, hipermídia, filmes, vídeos e tantos outros.</p><p>37</p><p>SEMIÓTICA</p><p>A análise concentra-se na mensagem em três níveis do signo: a mensagem em si mesma, a</p><p>referencialidade e a interpretação.</p><p>A mensagem constitui-se de signos qualissignos por meio da linguagem visual, com seus aspectos</p><p>qualitativos e sensórios, tais como cores, formas, linhas, volumes, dinâmica, movimento etc. A mensagem,</p><p>também é considerada como sinsigno devido justamente por existir, aqui e agora, em um contexto e à</p><p>nossa percepção. Não podemos esquecer que a mensagem, em seu caráter geral, se constitui de signos</p><p>legissignos, ou seja, pertence a uma classe de coisas.</p><p>Outro aspecto sobre a mensagem é a que ela se refere. No caso, se a mensagem sugere um referencial</p><p>por meio de aspectos sensoriais, qualitativos, seu caráter é de ícone. No entanto, se o referencial é</p><p>direto, com indicação sem ambiguidade no mundo existente, a mensagem constitui-se de índice.</p><p>Caso a mensagem represente ideias abstratas, convencionais, ela fala de símbolo.</p><p>A interpretação das mensagens baseia-se em seus efeitos nos receptores. A mensagem desperta</p><p>tipos de interpretação em três níveis: emocional, reativo ou lógico. O efeito interpretativo pode ser</p><p>puramente emocional. O efeito reativo, por sua vez, é concretizado por meio de uma ação. O efeito</p><p>lógico tem a natureza do pensamento.</p><p>Um exemplo de análise é da embalagem do produto de limpeza da marca Poliflor.</p><p>Figura 13 – Imagens da embalagem analisada</p><p>Fonte: Santaella (2018, p. 50).</p><p>Santaella (2018, p. 50), ao analisar o conjunto de embalagem do produto de cera da marca Poliflor,</p><p>nomeou-o de “rastro do brilho”. As estrelinhas são usadas para evidenciar o brilho e, por conseguinte, a</p><p>limpeza como ação do produto. O rastro das estrelas marca a oposição entre o brilho e o não brilho, isto</p><p>é, entre duas qualidades, e essa alternativa – brilhar ou não brilhar – constitui-se de signo qualitativo</p><p>e icônico. A indicação do brilho também está em um sinal convencional, que é o pingo do i de Poliflor.</p><p>A logomarca consiste em tipo gráfico mais simples, com linhas arredondadas, sugerindo leveza do</p><p>gesto de limpar com a cera anunciada. Assim, a imagem consegue produzir sensações visuais – pela</p><p>visualidade do brilho –; e olfativas – do cheiro da limpeza – em efeito sinestésico.</p><p>38</p><p>Unidade I</p><p>Os signos da embalagem enfatizam o que o produto é capaz de fazer, como se fosse um milagre a</p><p>sensação do brilho em ato. Na síntese de Santaella (2018, p. 72): “Trata-se de um produto que limpa, dá</p><p>brilho, traz para dentro de casa a luz das estrelas”.</p><p>Enfim, a primeiridade predomina nessa embalagem por tão somente a qualidade do brilho se</p><p>encontrar em sua pura qualidade, fundamentando o signo em seu caráter de qualissigno.</p><p>Outro exemplo de aplicação pode ser contemplado na análise de Ribeiro e Santos (apud SIMÕES;</p><p>CORREIA, 2018) do texto A volta da asa branca, de Luiz Gonzaga.</p><p>Destaque</p><p>A volta da asa branca</p><p>(Luiz Gonzaga e Zé Dantas)</p><p>Já faz três noites</p><p>Que pro norte relampeia</p><p>A asa branca</p><p>Ouvindo o ronco do trovão</p><p>Já bateu asas</p><p>E voltou pro meu sertão</p><p>Ai, ai eu vou me embora</p><p>Vou cuidar da prantação</p><p>A seca fez eu desertar da minha terra</p><p>Mas felizmente Deus agora se alembrou</p><p>De mandar chuva</p><p>Pr’esse sertão sofredor</p><p>Sertão das muié séria</p><p>Dos homes trabaiador [...]</p><p>Sentindo a chuva</p><p>Me arrescordo de Rosinha</p><p>A linda flor</p><p>Do meu</p>como se produz e se interpreta o sentido”, isto é, um caminho para explicar como o sentido foi produzido em um discurso e quais foram as estratégias e as intenções para a criação desse discurso, abordamos o nível profundo (fundamental). No nível do percurso profundo, as categorias semânticas estão na base do texto (FIORIN, 2000) e a relação que elas mantêm entre si é de contrariedade e oposição, por exemplo, bem × mal, vida × morte, claro × escuro, entre outros, e, por meio do seu sentido no texto, essas categorias têm duas qualificações: eufórica e disfórica, ou seja, positiva ou negativa respectivamente. No texto cinematográfico, o percurso gerativo de sentido dos personagens Malévola e Rei Stefan se apresenta da seguinte forma: 63 SEMIÓTICA Vilã Herói Não vilãNão herói Mal Bem Figura 30 – Quadrado semiótico da estrutura profunda em Malévola Malévola carrega a categoria semântica da vilã, enquanto o Rei Stefan a de herói, isto é, a contrariedade “vilão × herói” e “não herói × não vilã”. Porém, no decorrer do filme, essas características se invertem, Malévola adquire a categoria semântica de “não vilã”, enquanto o Rei Stefan, a de “não herói”. A partir desse jogo de contraste entre o bem e o mal, o certo e o errado, o autor mexe com os sentimentos e as emoções do sujeito-leitor. A dimensão afetiva ou passional tem como propriedade, segundo Fontanille, (2012; 2019), a tensividade, que é um conjunto de categorias: “Uma delas é a intensidade: a força, a energia, o afeto. A outra é a extensão: quantidade, desdobramento, espaço e tempo, cognição” (2019, p. 144). A estrutura tensiva assim concebida tem a seguinte forma: Intensidade da adesão (+) Valores de absoluto (-) Extensão da difusão(-) Valores de universo (+) Figura 31 – Estrutura tensiva e as categorias intensidade e quantidade Fonte: Fontanille (2019, p. 147). A operação tem uma base: a do eixo da intensidade é por meio dos pares [impactante × tênue], e a do eixo da extensidade é pelo par [concentrado × difuso]. 64 Unidade I Intensidade Difuso Zona mais difusa e tênue Zona mais impactante e concentradaImpactante Tênue Concentrado Extensidade Figura 32 – Base de operação da estrutura tensiva Fonte: Zilberberg (2011, p. 67). O sujeito que vive a experiência de ordem afetiva suporta seus efeitos, nesse contexto, a intensidade e extensão dependem desses efeitos percebidos no texto analisado. 65 SEMIÓTICA Resumo Apresentamos duas grandes vertentes da semiótica: a peirceana e a discursiva. A semiótica peirceana tem como base as várias décadas de pesquisa sobre conhecimento e linguagem do americano Charles S. Peirce. Ele não publicou livros, mas seus muitos manuscritos, rascunhos, cartas se converteram em objeto de análise de pesquisadores desde o século 20, os quais lançaram obras em diversos idiomas. É a vertente, sem dúvida, mais conhecida e usada em diversas áreas (publicidade, psicologia, engenharia etc.). O signo, na perspectiva peirceana, é conceituado basicamente como uma coisa no lugar de outra. A palavra “cadeira” é um signo que está no lugar do objeto em si; não é o referente em si. Para chegar à criação desse signo (palavra cadeira), passamos por um processo de conhecimento: sentimos necessidade de descansar o corpo, desenvolvemos tecnologia para invenção de encostos e atribuímos um nome ao objeto inventado. Ou seja, passamos pelo processo do signo, que é constituído de uma tríade: primeiridade, secundidade e terceiridade. Ressaltamos que esse processo não é compartimentado ou estanque. Ocorre simultaneamente ou, no mínimo, há destaque de uma ou de outra categoria, dependendo do contexto. O processo de significação do signo é um movimento de semiose, que envolve uma relação triádica entre o representamem (R), que é a face imediatamente perceptível do signo e faz parte da primeiridade; o objeto (O), que é a forma de representação do referente; e o interpretante (I), que é o mediador do pensamento e permite relacionar o signo apresentado ao objeto que ele representa. O signo relaciona-se a ele próprio, ao objeto e ao interpretante. No caso da relação do signo com ele próprio, dá-se pelas categorias qualissigno (o signo é uma qualidade sem fazer referência a outro), sinsigno (o signo tem existência e se choca/contrapõe-se a outro ser) e legissigno (o signo é uma convenção, já generalizado e totalmente simbólico). Quanto à relação do signo com o objeto, temos o ícone (o signo possível, cuja maior característica é a semelhança com o objeto que ele representa), o índice (o signo que remete ao referente por contiguidade, ativando uma indicação a esse referente) e o símbolo (o signo que remete a seu objeto por 66 Unidade I convenção). Por fim, a relação do signo com seu interpretante dá-se por meio de três signos: rema (signo da possibilidade qualitativa), dicissigno ou dicent (o signo da existência real) e argumento (o legissigno argumental; os argumentos podem ser abdutivos, indutivos ou dedutivos). A outra grande vertente é a semiótica discursiva. Essa vertente baseia-se nas concepções estruturalistas do signo, que é definido como significado e significante, correspondendo, nessa vertente, ao plano do conteúdo e ao plano da expressão. O plano do conteúdo é relacionado ao percurso gerativo de sentido, que comporta três níveis. O primeiro é o fundamental, marcado pelas oposições de termos-objetos em valorizações positiva/negativa. A estrutura das oposições é proposta em quadrado semiótico. O segundo é o narrativo, que está no nível actancial, ou seja, envolve as relações entre o sujeito com outro sujeito e com objetos e as subsequentes transformações de estado do sujeito ou das suas relações. Esse nível opera, também, com a noção de valores opositivos. O terceiro nível é o discursivo, que compreende a unidade semântica do texto quanto à aspectualização, aos percursos temáticos e figurativos, bem como às isotopias. Quanto ao plano da expressão, corresponde a formas, linguagens e sistemas semióticos que constituem o texto. Trata-se do modo (a expressão) como o conteúdo é formado no texto, como é o “parecer do sentido”, que se apreende por meio das formas da linguagem. Esse plano é visto, igualmente, pela perspectiva de oposição e de elementos narrativos e discursivos. A semiótica discursiva desenvolve pesquisas sobre o afeto. A abordagem separa a ação da paixão. Enquanto a ação obedece a esquemas narrativos, a paixão segue esquemas tensivos em modulações características da intensidade e extensidade. Essa vertente, enfim, preocupa-se com a significação. 67 SEMIÓTICA Exercícios Questão 1. A semiótica é a ciência que se dedica ao estudo dos signos, verbais ou não verbais. Na linha do filósofo, linguista e matemático norte-americano Charles Sanders Peirce (1839-1914), o signo tem natureza triádica, formada pelo significante, pelo significado e pelo referente. A depender de sua relação com o referente, o signo pode ser classificado como ícone, índice ou símbolo. Em relação a esse tema, avalie as afirmativas. I – No ícone, há uma relação direta de semelhança entre o signo e o que ele representa. II – No índice, há uma relação de contiguidade entre o signo e o que ele representa. III – No símbolo, há uma relação arbitrária entre o signo e o que ele representa. É correto o que se afirma em: A) I, apenas. B) II, apenas. C) III, apenas. D) I e II, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa E. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o ícone mantém relação de proximidade sensorial ou emotiva entre o signo, representação do objeto, e o objeto dinâmico em si; o signo icônico refere o objeto, apresentando características presentes nele. A pintura, a fotografia e o desenho são exemplos de ícones. II – Afirmativa correta. Justificativa: o índice é a parte representada de um todo anteriormente adquirido pela experiência subjetiva ou pela herança cultural. Por exemplo,a fumaça é um índice do fogo. 68 Unidade I III – Afirmativa correta. Justificativa: o símbolo é o signo que se refere ao objeto em virtude de uma convenção. Um exemplo de símbolo é um círculo luminoso vermelho indicando que um carro deve interromper seu percurso para dar passagem aos pedestres. Questão 2 (Enade 2006). Leia o texto a seguir. Para dar significado a suas comunicações, as pessoas recorrem a signos, que se organizam em sistemas de signos. Este texto, por exemplo, é constituído por signos individuais – as palavras –, por sua vez, organizados em um sistema de signos, a língua. É um texto codificado. O receptor vai entendê-lo porque conhece o código. A semiótica – ou semiologia – é a ciência que estuda os signos, os sistemas de signos e a cultura em que os signos existem. Adaptado de: SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e da mídia. Florianópolis: Letras Contemporâneas, 2004, p. 45. A partir do texto anterior e das reflexões da semiótica acerca dos signos, assinale a opção correta. A) Os signos se restringem às palavras. B) Os signos e os sistemas de signos são abertos à interpretação. C) Há relação visível entre significante e significado dos signos arbitrários. D) Os códigos correspondem aos sistemas em que os signos se desorganizam. E) O sentido se constrói, a despeito da decodificação. Resposta correta: alternativa B. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: as palavras são os signos linguísticos, mas existem também os signos não verbais. B) Alternativa correta. Justificativa: mesmo sendo composto por significante e significado, o signo é interpretado no contexto da comunicação. 69 SEMIÓTICA C) Alternativa incorreta. Justificativa: a arbitrariedade do signo caracteriza-se justamente pela ausência da visibilidade na relação entre significante e significado. D) Alternativa incorreta. Justificativa: os códigos correspondem aos sistemas em que os signos se organizam. E) Alternativa incorreta. Justificativa: a construção do sentido depende da decodificação realizada pelo receptor.